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A Guerra

do Paraguai
e a imprensa rio-grandense-do-sul: ensaios históricos

Edição alusiva ao
170º aniversário
da Biblioteca Rio-Grandense
DIRETORIA DA BIBLIOTECA RIO-GRANDENSE

PEDRO ALBERTO TÁVORA BRASIL


Presidente

FRANCISCO DAS NEVES ALVES


Vice-Presidente

MAURO NICOLA PÓVOAS


Diretor de Acervo

PAULO SOMENSI
1º Secretário

LUIZ HENRIQUE TORRES


2º Secretário

VALDIR BARROCO
1º Tesoureiro

ROLAND PIRES NICOLA


2º Tesoureiro
FRANCISCO DAS NEVES ALVES
LUIZ HENRIQUE TORRES

A Guerra
do Paraguai
e a imprensa rio-grandense-do-sul: ensaios históricos

Rio Grande
2016
© Biblioteca Rio-Grandense

2016
Capa: Batalha do Avaí, de Pedro Américo

Diagramação e formatação eletrônica:


Marcelo França de Oliveira

A11193 A Guerra do Paraguai e a imprensa rio-grandense-do-sul : ensaios históricos / Francisco das Neves
Alves; Luiz Henrique Torres – Rio Grande: Biblioteca Rio-Grandense, 2016.

128 p.
ISBN: 978-85-67193-05-2

1. História do Brasil. 2. História e Imprensa. 3. Guerra do Paraguai. 4. Ensaios. I. Alves,


Francisco das Neves. II. Torres, Luiz Henrique. III. Título.

CDU 981.65

Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

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APRESENTAÇÃO
Ao longo do mais grave conflito no qual se envolveu o
Império Brasileiro, na Guerra da Tríplice Aliança contra o
Paraguai, os jornais tiveram atuação contundente na criação
de imagens textuais e pictóricas que louvavam a ação nacional
e denegriam os adversários. Um dos eventos que mais
ocupou espaço junto ao jornalismo brasileiro dos Oitocentos
foi o mais duradouro conflito internacional em que o país
se envolveu na época – a Guerra do Paraguai. Durante o
confronto, a imprensa exerceria um papel fundamental na
divulgação dos acontecimentos no cenário da guerra. Os
jornais eram o grande veículo de comunicação, apesar das
naturais defasagens temporais entre o acontecer e o saber,
frutos dos meios tecnológicos então disponíveis. Assim, ainda
que atrasadas em relação ao desencadear dos fatos, as notícias
sobre o teatro de operações eram avidamente esperadas pelo
público leitor.
Desse modo, além do lustro de enfrentamentos por
meio das armas, a Guerra do Paraguai foi travada também
através das páginas dos jornais. Editoriais, artigos de fundo,
transcrições, seções telegráficas, avisos, notas, comentários
sérios e jocosos, gravuras, mapas e caricaturas constituíram
algumas das formas de manifestação jornalística pelas quais
os conflitos bélicos foram noticiados e interpretados pelos
periódicos. Diante do esforço de guerra e do combate ao inimigo
em comum, houve uma mobilização que perpassou por todo
o periodismo, no sentido de reunir esforços para diminuir os
temores e esclarecer dentro do possível a população. Nesse
sentido, os jornais imbuíram-se de um espírito público de
prestar informações e despertar a fé patriótica dos cidadãos
brasileiros, na resistência ao adversário externo, em um
processo que acabou por atingir o conjunto de praticamente
todas as folhas que circulavam no país, desde os jornais
diários aos representantes da pequena imprensa.
No caso do Rio Grande do Sul não seria diferente, de
modo que as publicações gaúchas noticiaram e discutiram os
eventos em torno da guerra à extenuação. Os grandes diários,
de natureza político, noticiosa e comercial, foram os maiores
articuladores das informações/opiniões do cenário bélico
e de toda a conjuntura em que ela estava envolvida. Mas a
pequena imprensa também contribuiu à sua maneira com a
mobilização para a guerra. Ainda que voltados a públicos
específicos e/ou com nortes editoriais bem diferenciados em
relação aos diários, os representantes da pequena imprensa
não se furtaram a debater e informar sobre o confronto em
questão. É exatamente sobre dois destes gêneros que recai
a pesquisa realizada neste livro – o jornalismo caricato e o
literário. Assim, a análise volta-se às páginas da Sentinella
do Sul, hebdomadário caricato da capital da província, e dos
periódicos Arcadia e Inubia, duas folhas literárias da cidade
do Rio Grande. Os ensaios apresentados envolvem escritos
anteriores dos dois autores, espalhados por publicações
diversas e agora reunidos em uma única obra, alusiva ao
170º aniversário da Biblioteca Rio-Grandense, uma das mais
importantes instituições culturais brasileiras e que abriga em
seu acervo os jornais aqui destacados.
SUMÁRIO

A Guerra do Paraguai e a imprensa


caricata - 9

A Guerra do Paraguai no periódico


Arcadia - 73

Imprensa literária na Guerra do


Paraguai: o enfoque do Inubia - 103
A G U E R R A D O PA R AG U A I E A I M P R E N S A R I O - G R A N D E N S E - D O - S U L :
ENSAIOS HISTÓRICOS

A GUERRA DO PARAGUAI E A
IMPRENSA CARICATA
F ra n cisco das N eves A lves 1*

A Guerra do Paraguai foi um dos temas mais recorrentes na


imprensa brasileira do século XIX. A continuidade do conflito por
um período de tempo mais largo, contrastando com as demais
intervenções praticadas pelo Império junto a seus vizinhos
platinos, marcadas normalmente pela menor duração cronológica;
a quantidade de pessoas mobilizadas para o enfrentamento
bélico; a presença de contingentes dos mais variados recantos do
país; a invasão do território nacional perpetrada pelo inimigo; e
o envolvimento de quatro países no confronto, com Argentina
e Uruguai aliando-se ao Brasil para enfrentar o Paraguai, foram
alguns dos fatores que levaram ao grande interesse do jornalismo
em informar/opinar acerca da Guerra da Tríplice Aliança.
Nesse sentido, os vários gêneros jornalísticos praticados no
Império acabaram por destinar ao menos parte de suas edições
ao conflito platino, buscando trazer algum tipo de informe ao seu
público leitor. Assim, ao lado do jornalismo dito sério, formado
pelos tradicionais e normalmente mais longevos periódicos
políticos e comerciais, com suas muitas colunas carregadas de
textos em geral longos, outras folhas também se preocupariam com
a Guerra do Paraguai. Tais edições podem ser caracterizadas como
uma pequena imprensa, direcionada a públicos mais específicos e/
ou mantendo um norte editorial diferenciado dos jornais diários,
voltado a preencher um espaço não desempenhado por estes no

1 *
Professor Titular da FURG. Doutor em História pela PUCRS (1998). Pós-Doutorado junto
ao ICES/Portugal (2009). Pós-Doutorado junto à Universidade de Lisboa (2013) e Pós-
Doutorado junto à Universidade Nova de Lisboa (2015).

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LUIZ HENRIQUE TORRES

seio das lides jornalísticas nacionais.


Um dos gêneros compreendidos neste rol das publicações
caracterizadas como uma pequena imprensa foi o do periodismo
caricato, o qual caiu no gosto do público brasileiro no século XIX.
Com textos normalmente mais diretos e em linguagem popular, ou ao
menos mais próxima dos leitores, associados ao grande atrativo das
imagens, a imprensa caricata teve significativo sucesso no Império
e espalhou-se por muitas de suas províncias1. Dessa maneira, a
irreverência e a crítica despudorada, características inerentes à
produção humorística, manifestaram-se de forma unilateral na
imprensa ilustrada brasileira durante a longa campanha militar
desenvolvida na Bacia do Prata. Nesse quadro, o inimigo das forças
imperiais foi vítima da ação satírica dos caricaturistas, em páginas
dirigidas com absoluta preferência ao presidente paraguaio, as
quais se constituíram em instrumentos de corrosão da imagem
do Paraguai, poupando deliberadamente o lado brasileiro. Esse
engajamento conferiu à caricatura um relevante papel, uma vez que
exibiu as condenadas formas do adversário e, com isso, apresentou-
se como privilegiada base da legitimação pretendida pelo Império
da sua ação armada contra o governo paraguaio2.
Tal processo também se desenvolveria na conjuntura sul-rio-
grandense, por meio de A Sentinella do Sul, folha pioneira dentre
as publicações ilustradas gaúchas. Esse semanário, precursor nas
lides da caricatura no Rio Grande do Sul, foi editado na capital da
província, entre julho de 1867 e, provavelmente, a virada entre 1868
e 1869. Júlio Timóteo de Araújo e Manoel Felisberto Pereira da Silva
eram seus proprietários, a sua impressão era feita na Litografia
Imperial de Emílio Wiedemann, enquanto as ilustrações ficavam a
cargo de Inácio Weingärtner, que atuava como gravador naquela
empresa. A Sentinella apresentava-se como jornal ilustrado, crítico e

1  A respeito da caricatura no Brasil, ver: FLEIUSS, Max. A caricatura no Brasil. Revista do


Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. t. 80. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1917.
p. 583-609; LEMOS, Renato. Uma História do Brasil através da caricatura. Rio de Janeiro: Bom
Texto, 2006.; LIMA, Herman. História da caricatura no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio,
1963.; MAGNO, Luciano. História da caricatura brasileira. São Paulo: Gala Edições de Arte,
2012.; SINZIG, Pedro. A caricatura na imprensa brasileira: contribuição para um estudo
histórico-social. Petrópolis: Vozes, 1911.; SODRÉ, Nelson Werneck. A história da imprensa
no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.; e TÁVORA, Araken. D. Pedro II e o seu
mundo através da caricatura. 2.ed. Rio de Janeiro: Ed. Documentário, 1976.
2  SILVEIRA, Mauro César. A batalha de papel: a Guerra do Paraguai através da caricatura. Porto
Alegre: L&PM, 1996. p. 169.

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joco-sério e, com humor, lembrava que seria publicada diariamente,


com exceção dos dias de semana, custando, primeiramente,
9$000 por semestre, 16$000 por ano e $440 réis o número avulso,
passando, mais tarde, a 12$000 e 14$000 anuais, respectivamente
para os assinantes da capital e de fora dela. Em meio aos modelos
normalmente mais críticos e ácidos das folhas caricatas, A Sentinella
manteve sua construção discursiva e suas manifestações pictóricas
em padrões razoavelmente mais amenos e moderados3.
Tal publicação sustentou padrões de significativa qualidade
gráfica para o modelo da época, graças ao bom trabalho como
gravador, retratista e calunguista promovido pelo seu ilustrador.
Além disso, caracterizou-se por um caráter por vezes ameno
do espírito crítico, rechaçando as penas mais desabusadas e
contundentes, de modo que o jornal, ainda que se rotulasse de crítico
e jocoso, era sério também. O “Redator” da folha, muitas e muitas
vezes representado nas páginas do semanário, com sua cartola e
quase sempre acompanhado de seu auxiliar, um jovem negro, o
“Piá”, na maioria das suas aparições, assumia os ares aconselhados
pela decência, não dando granja ao moleque, a quem apenas
permitia perguntas discretas. Séria e/ou humorística, A Sentinella do
Sul abriria espaço para um gênero que ganharia repercussão no Rio
Grande do Sul do século XIX, mas, mantendo o caráter muitas vezes
pouco longevo deste tipo de publicação, já passava por dificuldades
em agosto de 1868, vindo a desaparecer em janeiro do ano seguinte4.
Em sua apresentação5, o semanário, com ironia, lembrava que
todos os jornais e todas as publicações periódicas tinham o costume
de apresentarem ao público – definido como uma entidade que
engolia as araras da imprensa e pagava as suas assinaturas – um
programa, no qual minuciosamente detalhavam tudo quanto
pretendiam, ou, na maioria das vezes, não pretendiam fazer naquela
espinhosa carreira e no desempenho daquela árdua e honrosa
missão, que seria um sacerdócio e conduziria a um martírio. Nesse
sentido, a folha caricata dizia que não pecaria pela omissão de
tal dever, e mesmo que não fosse dada a frases altissonantes, não
iria deixar de seguir a regra geral. Usando um termo considerado

3  FERREIRA, Athos Damasceno. Imprensa caricata do Rio Grande do Sul no século XIX. Porto
Alegre: Globo, 1962. p.13-27.
4  FERREIRA. p. 17, 19 e 26-27.
5  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 7 jul. 1867. A. 1. N. 1. p. 2.

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obrigatório em matéria de programa, a folha afirmava que entrava


na arena, armada de pena e de crayon, disposta a sustentar a luta
contra o indiferentismo do público e a falta de assinaturas, os dois
principais inimigos que quase sempre perseguiam as empresas da
sua ordem. O hebdomadário declarava estar disposto a maçar os
seus leitores com oito páginas mistas de textos e gravuras, nas quais
abrangeria, tanto quanto possível, as ocorrências da semana.
Buscando isentar-se da prática da pasquinagem, o periódico
destacava que, apesar da crítica ser o seu elemento principal, a
mesma seria manejada com discernimento, nunca passando das
raias da justiça e da honestidade, só ferindo a partir da razão e nos
limites da decência, de modo que não viria a empregar a arma do
ridículo contra o que fosse nobre, belo e grande. Já no seu programa,
o semanário mostrava suas intenções de ter a Guerra do Paraguai
como um de seus motes editoriais, enfatizando que as honras, as
glórias e as alegrias da pátria achariam eco fiel na Sentinella do Sul,
que se esforçaria para dar aos seus leitores não só os retratos e as
biografias dos pró-homens da época e da situação guerreira, mas
também vistas do teatro da guerra. Dizia ainda que a caricatura não
poderia faltar, pois ela seria o sal ático da publicação, que em tom
joco-sério diria muitas verdades e, sendo fiel ao antigo princípio
“ridendo castigare mores”. Dessa maneira, a folha adotava um espírito
moralizador da sociedade, muitas vezes assumido pelos caricatos,
garantindo que se esforçaria com desenhos e palavras para castigar
o crime, a hipocrisia, a ignorância e a vilania no que tinha de mais
caro, ou seja, o seu amor próprio.
O periódico expunha também que acreditava no favor público
que o acompanharia na senda que se propunha a percorrer, tomando
por norte a razão, a justiça e o patriotismo. Previa ainda que a sua
execução artística seria sempre digna de entrar em comparação
com a das edições ilustradas da corte, bem como a sua publicação e
expedição seriam feitas com regularidade e, como a primeira folha
ilustrada que saía na província do Rio Grande, esperava contar com
a proteção do público. Uma das marcas registradas da Sentinella
era manifestar-se por meio de seus dois personagens principais –
o “Redator”, representando a figura do escritor público/jornalista,
e o “Piá”, o negro que auxiliava aquele e com o qual mantinha
recorrentes diálogos, publicados na sessão “Colóquio entre o
Redator e o seu Piá”, uma das mais frequentes dentre as editadas

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pela folha. Já em sua segunda edição6, o hebdomadário destacava


as repercussões que tivera sua distribuição junto ao público porto-
alegrense, traduzida por meio da conversa entre aquelas duas
figuras, as quais comentavam que o acolhimento fora ótimo,
havendo barulho pela cidade diante da novel publicação. Na mesma
oportunidade, o pioneiro caricato esclarecia que não queria saber
de negócios de partido, os quais não davam camisa para ninguém,
ainda mais que a meta de seus proprietários era ganhar dinheiro e
não fazer vida política.
No ano inicial da circulação da Sentinella, a Guerra do Paraguai
constituiria o tema mais difundido nas suas páginas, trazendo aos
leitores textos e imagens acerca do cenário bélico, com registros
iconográficos e textuais acerca do panorama da guerra e de seus
principais participantes. De acordo com o caráter de mobilização
patriótica que dominava a imprensa brasileira de então, o
hebdomadário se dispunha a uma figurativa participação na
guerra, engajando-se com a causa nacional. Ao mesmo tempo, a
folha enaltecia a participação dos sul-rio-grandenses no conflito.
O semanário também manifestava as desconfianças em relação
aos aliados do Brasil na Tríplice Aliança. Tal periódico movia
ainda ferrenha campanha de oposição ao inimigo, personalizado
essencialmente na figura do presidente paraguaio.
Nesse contexto, a Guerra da Tríplice Aliança constituiria
tema recorrente às páginas da Sentinella do Sul, sempre atenta aos
acontecimentos bélicos. Durante o primeiro ano de existência da
folha caricata, foram pouquíssimas as edições que não fizeram
referências diretas à guerra, chegando a mais de noventa porcento
a proporção de números que continham matérias específicas sobre
o confronto. Além disto, ao longo dos cinquenta e dois números
editados nos primeiros doze meses do periódico, quase sempre,
em pelo menos uma de suas oito páginas havia uma referência
ao conflito. Estas constatações podem ser observadas a partir dos
seguintes gráficos:

6  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 14 jul. 1867. A. 1. N. 2. p. 2.

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Gráfico 1 – Proporção de edições em que aparecem (“c/


ref.”) e não aparecem (“s/ref.”) matérias referentes à Guerra
do Paraguai, levando em conta um ano de publicação da
Sentinella do Sul (em %)

Gráfico 2 – Quantidade de páginas em que aparecem


matérias referentes à Guerra do Paraguai por número (de 1
a 52), levando em conta um ano de publicação da Sentinella
do Sul (em números absolutos)
Foram várias as formas pelas quais a Guerra do Paraguai foi

apresentada nas páginas da Sentinella do Sul. Além da própria marca


registrada da folha, quer seja, a caricatura, as maiores inserções
ocorreram no sentido de destacar os atores no teatro da guerra,
quer seja, os militares, o que ocorreu através da publicação de
considerável quantidade de retratos e biografias desses indivíduos.
Avisos, reproduções de fotografias, explicação de gravuras,
narração de episódios de guerra, desenhos com cenas de guerra e
com mapas e plantas, além de críticas, poesias e alegorias foram
outras modalidades de referência à Guerra da Tríplice Aliança na
Sentinella. A distribuição dessas matérias e as preponderâncias no

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que tange à sua publicação podem ser observadas por meio dos
seguintes gráficos.

Gráfico 3 – Número de edições em que aparecem os


principais tipos de matéria referentes à Guerra do Paraguai,
levando em conta as ocorrências em um ano de publicação
da Sentinella (em números absolutos)

onde:
1 = retratos 2 = biografias 3 = caricaturas 4 = aviso 5= cenas de
batalha 6 = explicação de gravuras 7 = narração de episódios de guerra
8 = reprodução de fotografias 9 = mapas/plantas
10 = outros

Gráfico 4 – Proporção em que aparecem os principais tipos


de matéria referentes à Guerra do Paraguai, levando em
conta um ano de publicação da Sentinella (em %)

onde:
1 = retratos 2 = biografias 3 = caricaturas 4 = aviso 5 = reprodução
de fotografias 6 = explicação de gravuras 7 = narração de episódios de
guerra 8 = cenas de batalha 9 = mapas/plantas 10 = outros

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A preocupação da Sentinella do Sul quanto à publicação de


informações e retratos sobre personagens participantes no conflito
entre Brasil, Argentina e Uruguai contra o Paraguai era tão grande
que, pelo menos em nove de suas edições, ela publicaria um
aviso categorizado como urgente pelo qual a folha buscava uma
mobilização em torno de obter dados a respeito dos militares
presentes no cenário da guerra. No aviso, a redação do jornal pedia
a todas as pessoas, que possuíssem retratos de oficiais e praças, que
houvessem se distinguido na guerra contra o Paraguai, a confiar-
lhe os ditos retratos por algum tempo, acompanhando-os das
respectivas notas biográficas, a fim de que se pudesse estampar,
tanto os retratos como as biografias, em suas colunas, fazendo ainda
igual pedido às famílias de oficias que tivessem morrido no teatro
da Guerra7. O seguinte quadro apresenta os nomes dos militares
que tiveram seus retratos e/ou biografias publicados nas páginas
da Sentinella:

MILITARES QUE TIVERAM PUBLICADOS SEUS RETRA-


TOS E/OU DADOS BIOGRÁFICOS NO PRIMEIRO ANO DE
CIRCULAÇÃO DA SENTINELLA DO SUL

Retratos* Biografias*

O herói do Rio Grande, Tenente-General


Manoel Luís Osório, Barão do Herval,
Osório
vencedor do Passo da Pátria, de Tuyuty e
Estero Bellaco
O heróico vencedor de Curuzu, Tenente-
General Visconde de Porto Alegre,
O Visconde de Porto Alegre
Comandante em Chefe do 2º Corpo de
Exército
O Marechal do Exército, Marquês de Caxias,
Comandante em Chefe do Exército Aliado em Caxias
operações contra a República do Paraguai
7  A Sentinella do Sul. Porto Alegre, 19/jan./1868; 2/fev./1868; 9/fev./1868; 16/fev./1868;
29/mar./1868; 3/maio/1868; 7/jun./1868; 21/jun./1868; e 28/jun./1868.

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O General Antonio de Souza Netto, falecido


General Netto
na campanha contra o Paraguai
Luiz Antonio de Vargas, salvando a bandeira
do seu batalhão no combate de São Borja, Luiz Antonio de Vargas
em 10 de janeiro de 1865
O General José Joaquim de Andrade Neves,
O General Andrade Neves
o herói do dia 31 de julho e 3 de agosto
O finado Marechal de Campo Barão de São O Marechal Barão de São
Gabriel Gabriel
O Capitão Ignácio Joaquim de
O Capitão Ignácio Joaquim de Camargo
Camargo
O Brigadeiro Honorário David
O General David Canabarro
Canabarro
O Coronel Tristão José Pinto O Coronel Tristão José Pinto
O General Victorino [Victorino José Carneiro
O General Victorino
Monteiro]
O General Sampaio O General Sampaio
O Major Francisco Cardozo da Costa (falecido O Major Francisco Cardozo da
no Paraguai em 19 de janeiro de 1867) Costa
O General João Manoel Menna
O General João Manoel Menna Barreto
Barreto
O Coronel André Alves Leite de
O Coronel André Alves Leite de Oliveira Bello
Oliveira Bello
O Tenente Coronel Manoel José de O Tenente Coronel Manoel José
Alencastro de Alencastro
Resenha dos serviços do
Coronel José Antonio Dias da Silva Coronel José Antonio Dias da
Silva, extraída de sua fé de ofício
O Coronel Carlos Neri , na frente da sua
Retratos [Coronel Carlos Neri]
barraca no Paraguai
Retratos [Vice-Almirante
O Vice-Almirante Joaquim José Ignácio
Joaquim José Ignácio]
O Coronel Sezefredo Alves Coelho de O Coronel Sezefredo Alves
Mesquita Coelho de Mesquita

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O Capitão Joaquim José Edolo


O Capitão Joaquim José Edolo de Carvalho
de Carvalho
O Coronel Salustiano Jeronymo
O Coronel Salustiano e seus dois filhos
dos Reis
O Visconde de Tamandaré O Visconde de Tamandaré
O Tenente Abrelino Apolinário de
O Tenente Abrelino Apolinário de Moraes
Moraes
O Coronel Pedro Maria Xavier d’Oliveira O Coronel Pedro Maria Xavier
Meirelles d’Oliveira Meirelles
O Tenente-Coronel Dr. Luiz
O Tenente-Coronel Dr. Luiz Ignácio Leopoldo
Ignácio Leopoldo D’Albuquerque
D’Albuquerque Maranhão
Maranhão
O Coronel José Alves Valença O Coronel José Alves Valença
O Capitão Julião José Tavares O Capitão Julião José Tavares
O Vice-Almirante Barão do Amazonas O Barão do Amazonas
O Alferes Carlos Kersting, falecido no O Alferes Carlos Kersting,
Paraguai falecido no Paraguai
2º Tenente de Artilharia José Bernardino Dois valentes [José Bernardino
Bormann e Tenente do 7º Batalhão de Bormann e Guilherme Paulo
Voluntários Guilherme Paulo Bormann Bormann]
O Tenente-Coronel José Antonio da Silva
O Tenente-Coronel José Antonio
Lopes e o Alferes João Rodrigues da Silva
da Silva Lopes
Lopes
O Tenente-Coronel Antonio do
O Tenente-Coronel Antonio do Rego Duarte
Rego Duarte
O Major João Carlos Abadie O Major João Carlos Abadie
O Coronel Antonio da Silva
O Coronel Antonio da Silva Paranhos
Paranhos
O 1º Tenente Bibiano Costallat O 1º Tenente Bibiano Costallat
D. Bartolomeu Mitre D. Bartolomeu Mitre
O Coronel João Niederauer
O Coronel João Niederauer Sobrinho
Sobrinho
O Coronel Honorário José de
O Coronel José de Oliveira Bueno
Oliveira Bueno

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O Marquês de Caxias
O Capitão Christovão Baum Christovão Baum
O Capitão Joaquim Sabino Pires
O Capitão Joaquim Sabino Pires Salgado
Salgado
O Tenente Germano Hasslocher O Tenente Germano Hasslocher
O Major José Maria Guerreiro
O Major José Maria Guerreiro Victória
Victória
O sr. Conde de Porto Alegre
O Tenente Martiniano Soares de Azambuja O Tenente Martiniano Soares de
Almeida Azambuja Almeida
O Coronel Astrogildo Pereira da
O Coronel Astrogildo Pereira da Costa
Costa
O Tenente Agostinho Ribeiro da
O Tenente Agostinho Ribeiro da Fontoura
Fontoura
O Coronel Caetano Gonçalves da Silva

* na identificação dos retratados e biografados foram utilizados os próprios títulos estampados


pelo jornal

No que tange a uma simbólica participação do jornal na


mobilização para a guerra e na divulgação acerca da mesma, a folha
apresentava desenho no qual o Redator tocava viola, em frente à
Porto Alegre e sob o brilho de um “risonho” sol, em expressão de
um dia de felicidade, conversava com o Piá, que perguntava ao
primeiro o motivo de seu contentamento, recebendo por resposta
que a razão era o fato do corpo expedicionário do Mato Grosso já
ter entrado no Paraguai e tomado um forte do inimigo. Revelando
um entusiasmo que sobrepujava o da própria população, o jornal
expressava a estranheza de que na cidade não se via movimento
nenhum, nem alegria, nem música, nem foguetes, ao que o Redator
argumentava que deveriam andar desconfiados com as notícias da
guerra, agindo como São Tomé, que preferia ver para crer, ao que
ponderava que era diverso, pois acreditava em tudo quanto lhe
fazia conta8 [Figura 1].

8  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 21 jul. 1867. A. 1. N. 3. p. 1.

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- Figura 1 -

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ENSAIOS HISTÓRICOS

Já em outra caricatura, Redator e Piá voltavam à cena, agora


participando de uma animada manifestação popular na capital
da província. Na mesma edição, era publicado outro “Colóquio
entre o Redator e o seu Piá”, no qual este perguntava aquele se
já descansara das fadigas da noite de segunda-feira, tendo por
resposta que o primeiro ainda se encontrava meio rouco e as pernas
doíam de tanto caminhar naquela noite que fora repleta de prazer e
de entusiasmo. O Piá descrevia que seu amo andara pela rua afora,
à frente da música, com um archote na mão e brandindo o chapéu,
dando vivas a cada instante, diante do que o Redator confessava
que a ansiedade pública por notícias boas do teatro de guerra era
tal, que bastara a distribuição do boletim, transmitindo a notícia
da passagem da esquadra por Curupayti, para desenvolver um
entusiasmo febricitante na população da capital, que mais uma vez
dera manifesta prova do seu elevado patriotismo.
Segundo tal descrição, forçada a passagem de Humaitá, o
caminho estaria franco até Assunção, que deveria cair infalivelmente
em poder dos aliados, ficando o inimigo circunscrito à sua linha de
fortificação e não tendo remédio senão sujeitar-se às condições que
lhe fossem impostas, de modo que estaria amplamente justificada
a alegria popular com que fora acolhida tão fausta nova9. Em outra
oportunidade, eram o Redator e o Piá propriamente ditos que se
preparavam para fazer parte da guerra e para tanto, em uniformes
militares, faziam exercícios na Várzea10 [Figuras 2 e 3].

9  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 1º set. 1867. A. 1. N. 9. p. 1-2.


10  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 27 out. 1867. A. 1. N. 17. p. 1.

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- Figura 2 -

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ENSAIOS HISTÓRICOS

- Figura 3 -

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LUIZ HENRIQUE TORRES

Nesse esforço de guerra movido pela Sentinella, não


faltaria espaço para que também realizasse a crítica social e
de costumes, pratica comum às folhas caricatas de então, no
caso tecendo fortes censuras aqueles que lucravam com o
enfrentamento bélico. De acordo com tal pensamento, o jornal
mostrava um homem opulento, envolto com riquezas em
dinheiro e joias, afirmando que era belo morrer pela pátria,
mas que era mais belo viver à custa dela, e, melhor ainda, ser
fornecedor do exército11. No mesmo sentido, a folha mantinha
o teor crítico, através de sútil ironia empregada em outra
caricatura na qual mais uma vez reproduzia as conversas entre
o Redator e o Piá. O auxiliar do jornalista pedia a seu amo,
licença para ir para o teatro da guerra, diante do que o patrão,
atônito e entristecido, perguntava a razão de tão tresloucada
decisão, ao que o Piá respondia fagueiro e jocoso que para lá
iam todos fazer fortuna, diante do que ele também queria ir12
[Figuras 4 e 5].

- Figura 4 -

11  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 14 jul. 1867. A. 1. N. 2. p. 8.


12  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 21 jun. 1868. A. 2. N. 51. p. 1.

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- Figura 5 -

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As ideias-chave expressas pela pioneira folha caricata gaúcha,


no que tange à abordagem da Guerra do Paraguai, voltadas ao
enaltecimento patriótico, à valorização dos sul-rio-grandenses, às
desconfianças para com os aliados e os ataques aos adversários,
ficavam manifestas em outro “Colóquio entre o Redator e o seu Piá”,
no qual o primeiro perguntava quais eram as novidades do teatro da
guerra, obtendo por resposta que não havia nada de transcendência,
mas que estava previsto um ataque geral, conforme fora combinado
em conferência dos generais. O Redator insistia nas perguntas,
questionando ironicamente se não havia novidade do “amiguito el
Mariscal”, ao que o Piá argumentava que tal personagem estaria
aprontando as malas em companhia de sua esposa, a Madame
Lynch. Fazendo uma analogia com outro líder platino com o qual
o Brasil empreendera uma guerra na década de 1850, o semanário
afirmava que havia comentários de que Solano Lopez já mandara
pedir hospedagem a Rosas em Southampton, e este estaria disposto
a ceder-lhe os aposentos que havia muito mandara preparar para
“su amigo” D. Justo. Diante de tal possibilidade, o Redator desejava
boa viagem ao presidente paraguaio, o qual deveria ir o quanto
antes, uma vez que a prorrogação da guerra estava custando muito
cara ao Rio Grande, que já vinha pagando tão pesado tributo de
vidas13.
No que se refere à construção discursiva voltada às exaltações
patrióticas diante daquele cenário de guerra, valorizando as ações
brasileiras e menosprezando as paraguaias, a Sentinella produziria
uma série de imagens e textos, a maior parte deles expressos
exatamente na recorrente coluna “Colóquio entre o Redator e o
seu Piá”. Em um deles, o Redator explicava que não era Lopez,
nem os paraguaios que vinham criando embaraços bélicos para
os brasileiros, e sim a natureza selvagem daquelas paragens
inteiramente desconhecidas, os pântanos, as inundações, as pestes
e doenças, a falta de recursos e as dificuldades de comunicação.
Apesar de tais dificuldades, todas supostamente advindas de
razões geográficas e climáticas e não de méritos do inimigo, era
feito um prognóstico positivo, prevendo-se que o futuro haveria de
ser glorioso para o Brasil, e em breves tempos, se Deus quisesse, a
Sentinella poderia cantar a vitória e aliar-se nas manifestações de

13  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 14 jul. 1867. A. 1. N. 2. p. 2.

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regozijo público a toda a nação, que, com entusiasmo, saudaria


as valentes e varonis tropas brasileiras, quando regressassem de
Assunção, cobertas de louros, uma vez que Deus protegia a causa
dos justos, devendo, portanto, todos terem fé nele14.
Havia a preocupação de parte da folha em descrever os
movimentos bélicos, sempre categorizados como favoráveis à
causa do Brasil, cujos militares, qualificados como intrépidos,
conquistavam novas posições e sitiavam os adversários15. Na
mesma linha, o hebdomadário, por meio de seus dois personagens
principais, enaltecia o valor considerado inexcedível das tropas
brasileiras, argumentando que elas eram comandadas por valentes
que se mostravam como verdadeiros heróis, dignos de ombrear
com os das epopeias homéricas. Referindo-se aos inimigos, o jornal
dizia que Lopez, o tirano não tinha mais comunicação para parte
alguma, estando bloqueado pelo lado da água, sitiado pela parte
terrestre, inteiramente cercado, de modo que não poderia mais
receber pólvora da Bolívia, nem tão pouco gado e alimentos do
interior, ou seja, mais dia, menos dia, deveria ter lugar, ou bem uma
ação decisiva, a que o desespero talvez o provocasse, ou então a
capitulação do baluarte do barbarismo e da tirania. Acreditando em
um encerramento próximo do conflito, o semanário destacava que
aquele era um dia de júbilo legítimo, já que a guerra vinha sendo
uma tarefa tão gloriosa, quão pesada e penosa para o Brasil16. A
perspectiva de que o confronto com o vizinho guarani estava sendo
difícil ficava expressa em caricatura na qual a empreitada bélica era
comparada ao sacrifício de Sísifo de empurrar uma pedra montanha
acima, no caso, um político brasileiro rolando uma rocha identificada
com o Paraguai17. Mas, igualmente, prevalecia a previsão de um bom
termo para a guerra, como no caso da publicação de uma alegoria
à vitória, mostrando a divindade correspondente, com uma espada
em uma mão e os louros do triunfo na outra, pairando e abençoando
o pavilhão e as armas brasileiras18 [Figuras 6 e 7].

14  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 28 jul. 1867. A. 1. N. 4. p. 2-3.


15  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 25 ago. 1867. A. 1. N. 8. p. 2.
16  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 24 nov. 1867. A. 1. N. 21. p. 7.
17  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 23 fev. 1868. A. 2. N. 34. p. 1.
18  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 8 mar. 1868. A. 2. N. 36. p. 5.

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- Figura 6 -

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ENSAIOS HISTÓRICOS

- Figura 7 -

Em outro “Colóquio” de amplo enaltecimento patriótico, o


Piá afirmava que estava contentíssimo, não sabendo como conter-
se diante do triunfo alcançado pelas armas brasileiras contra o
Paraguai, o qual lhe arrebatava. O personagem dizia que, tal como
Porto Alegre em peso, despertara ao ouvir o eco dos canhões do
vapor que trouxera gloriosas novas, vindo a correr ao trapiche

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da alfândega, e ali, pela leitura de um boletim, ficara orientado


que a guerra que parecia interminável, estava a concluir-se em
consequência de um arrojado feito da esquadra. Destacava ainda
que, diante de tão surpreendente vitória, saudava-a com frenético
entusiasmo, acompanhando os porto-alegrenses que teriam
dirigido aos ares milhares de foguetes festivos e percorrido as ruas
ao som da música, em uma manifestação de contentamento geral.
Descrevia também que nacionais e estrangeiros eram unânimes
em vitoriar tão fausto acontecimento, sendo aquele todo um dia
de festa, no qual as repartições públicas fecharam, os agentes
consulares embandeiraram as suas residências e o povo heroico bem
compreendera o alcance da vitória. Ainda no campo da entusiástica
descrição, o Piá narrava, que à noite, não obstante a chuva, todas
as bandas de música saíram a percorrer as ruas e com elas o povo
se aglomerava, os foguetes se sucediam e os vivas se repetiam, de
maneira que, até alta noite a cidade sentiu-se agitada de entusiasmo
febril e, tanto nessa, como na noite seguinte, quase todas as casas
particulares foram iluminadas e um solene Te-Deum fora entoado,
na catedral, em ação de graça por tão grande vitória19.
Tal explanação era complementada pelo Redator que, mantendo
o teor de entusiasmo, declarava que Porto Alegre cumprira o seu
dever, como a capital da província que vinha cingindo a coroa
do martírio, enquanto outras usufruíam das delícias de Cápua, e,
portanto, levantara-se como um só homem para vitoriar um triunfo
tão esplêndido, não só por ele ser o prelúdio da próxima conclusão
da guerra, como pelo fato da conclusão desta ser uma esperança
dos males que afligiam os rio-grandenses virem a minorar20. Em
outra conversa entre o responsável pela redação e o seu auxiliar,
mantinha-se o tom patriótico apontando para as indeléveis vitórias
nacionais, referindo-se o Piá a uma notícia pela qual os paraguaios,
não obstante sua sagacidade, continuavam a tomar bomba, tendo
eles intentado abordar dois encouraçados brasileiros com o intuito
de prendê-los, aproveitando-se da escuridão da noite para atacar de
surpresa, mas, teriam pagado pela audácia com a vida, tendo quase
todos sucumbido21.
Outro elemento presente nas construções discursivas e
19  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 8 mar. 1868. A. 2. N. 36. p. 6.
20  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 8 mar. 1868. A. 2. N. 36. p. 6.
21  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 22 mar. 1868. A. 2. N. 38. p. 3 e 6.

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imagéticas da Sentinella do Sul acerca da Guerra do Paraguai


esteve ligado ao amplo destaque dado à participação dos gaúchos
no conflito, bem como à abordagem de insatisfações dos rio-
grandenses, desde algumas tradicionais e históricas até outras mais
imediatistas, advindas da própria situação bélica. Nesse caso esteve
um conjunto de gravuras que comparava a participação gaúcha com
a mineira na guerra, enfatizando o papel dos rio-grandenses-do-sul.
No desenho, os sulinos apareciam peleando no campo de batalha e,
por isso, ausentes no parlamento e, nos lares, havia o pranto pela
morte dos soldados. Por outro lado, em Minas Gerais, a ausência
dos mineiros era exatamente no teatro do enfrentamento bélico,
aparecendo os políticos a discutirem no parlamento e as pessoas
a festejar no seu ambiente doméstico, refletindo a visão do jornal
a respeito dos tratamentos diferenciados dados às províncias, em
denunciável prejuízo do Rio Grande do Sul22. Em outra caricatura,
o semanário referia-se aos malefícios que a guerra estaria trazendo
à província sulina ao desfalcá-la de largos contingentes de
trabalhadores, deslocados para o cenário bélico. Nesse sentido, o
periódico fazia um contraponto em relação ao movimento portuário
na capital gaúcha para com as necessidades de guerra, estando o
Rio Grande do Sul a receber a “importação” de colonos estrangeiros
e exportando soldados para o cenário da guerra23 [Figuras 8, 9 e 10].

22  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 7 jul. 1867. A. 1. N. 1. p. 4-5.


23  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 4 ago. 1867. A. 1. N. 5. p. 5.

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- Figura 8 -

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- Figura 9 -

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- Figura 10 -

Os militares sul-rio-grandenses eram descritos pela folha


como guerreiros imbatíveis, os quais estariam a destroçavam

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completamente as forças inimigas, vindo a conquistar tantos louros


e ganhar tanta honra naquela guerra, apontada como gloriosa.
Nessa linha, segundo o periódico, Solano Lopez poderia convencer-
se da eterna verdade, que as tropas do Rio Grande eram invencíveis
e faziam prodígios de valor, toda vez que se tratasse de desafrontar
a honra da pátria comum24. O propalado heroísmo dos gaúchos era
associado às críticas e às denúncias quanto às diferenciações no
tratamento dado pelo governo central às províncias, como no caso do
destaque dado ao embarque de um contingente que marchava para
a fronteira, descrito como uma cena pungente, com todos aqueles
homens ouvindo a voz da pátria que necessitava do concurso dos
seus filhos, e partiam resignados e prontos para defenderem as
fronteiras, como bravos que deixavam suas famílias a que serviam
de arrimo. A folha exclamava que o dever de brasileiro e de rio-
grandense os chamava, e ante a voz da pátria tudo o mais deveria
calar-se, entretanto, com ironia, dizia que a pátria só falava para o
Sul, ao passo que, em Minas e em São Paulo, parecia muda. Diante
de tal consideração, o hebdomadário constatava que a pátria não
era muda, ela gemia e pedia socorro, mas os homens de Minas, do
Norte e de São Paulo eram surdos, ou se faziam de surdos pelo
menos, porque assim lhes convinha. Apesar de tais inconvenientes,
o jornal manifestava exultação por ser rio-grandense, pois, ser
filho do Rio Grande, significaria ser filho de heróis; e concluía que
deveria ser honrado o patriotismo demonstrado pelos gaúchos,
esperando que os governantes fossem gratos a eles, tratando-os
depois da guerra com mais franqueza e menos injustiça do que até
então vinha fazendo25. Em outra conversa entre o Redator e o Piá, a
Sentinella denunciava possíveis perseguições sofridas por militares
gaúchos, como outra forma de diferenciação entre os sulinos e os
oriundos de outras províncias26.

24  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 25 ago. 1867. A. 1. N. 8. p. 2.


25  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 13 out. 1867. A. 1. N. 15 (suplemento). p. 9.
26  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 22 mar. 1868. A. 2. N. 38. p. 3 e 6. A denúncia
realizada através do diálogo tinha o seguinte conteúdo: Red. – E por falar em surpresa, ocorre-
me a ideia de ter lido um fato que bastante entristeceu-me, refiro-me ao fuzilamento de um
alferes, natural desta província.
Piá – Exatamente, o conselho de Guerra assim o determinou.
Red. – Eis aí um bode expiatório. Depois de tantas surpresas, sem que até hoje conste haver
um só conselho de guerra, que julgasse os surpreendidos, surge inesperadamente esta
lamentável notícia, que vai encher de luto a família do malogrado alferes. Não nego o direito
do conselho impor tão rigorosa pena, nem desconheço a severidade das leis militares; porém

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A construção de uma imagem calcada na bravura e os tratamentos


desiguais em relação aos rio-grandenses apareciam também na forma
de desenhos, como em uma caricatura que mostrava um Solano
Lopez extremamente assustado diante de um ataque da cavalaria
rio-grandense, determinando a imediata retirada, uma vez que nem
o diabo poderia diante da valentia dos gaúchos, descritos como
verdadeiros centauros27. Os termos de comparação entre Minas
Gerais e Rio Grande do Sul, com o fito de promover a denúncia, mais
uma vez era realizado pela folha, ao manifestar estranhamento pelo
fato daquela ganhar, por razões eleitorais, condecorações, ao passo
que este recebia apenas armas para continuar seus sacrifícios na
guerra. A caricatura era complementada por mais um “Colóquio”

o que estranho é que tão fatal exemplo fosse dado ao modesto alferes rio-grandense, quando
outras patentes mais superiores, que também deixaram surpreenderem-se, gozem as delícias
do céu. (...)
Mas não, essa como outras surpresas não foram dignas, ao que parece, de serem ventiladas; a
que foi horrenda, assaz criminosa, merecedora das iras do conselho, foi a de que foi vítima o
infeliz alferes. Porque isto? Porque os rio-grandenses hão de ser só os que os que devem ser
castigados, quando a impunidade cobre os outros. Que crime comete o infeliz Rio Grande?
Seria o de mandar seus filhos reforçar os exércitos para a campanha oriental, enquanto a
tropa de linha gozava dos prazeres da corte e das grandes capitais das outras províncias? (...)
Seria por ter, sem se queixar, se sujeitado ao pouco patriotismo e à perseguição do governo
geral, ao arrancar-lhe trinta mil homens da sua lavoura e da sua indústria, deixando no
entanto a mimosa Minas em paz?
Seria por ter sua valente cavalaria dado tantas glórias ao país, e sucumbido aos milhares
de bravos ante as fortificações paraguaias, ao deitar seu pé em terra para escalá-las à lança
e à espada, como aconteceu no ataque comandado pelo primeiro estratégico contra o
Estabelecimento?
Seria por ter, quase indiferente, recebido e conservado contra si a lei marcial, contra a sua
própria determinação, visto a província não achar-se invadida, nem ter de combater nenhuma
luta intestina?
Seria por sofrer resignadíssimo o maior insulto que se pode fazer a uma província contra a
sua honra e seus direitos, colocando-a fora da comunhão brasileira, trancando-lhe as portas
do parlamento para que sua voz não fosse ouvida e seus direitos atendidos?
Seria, finalmente, por ter se sujeitado ao pagamento dos novos impostos, sem ser ouvido, por
intermédio de seus representantes, contra a liberal disposição do pacto fundamental?
Piá – Eis um segredo que só a sonâmbula Ulisses nos podia revelar.
Red. – Porém, isto é uma desgraça, é mesmo uma perseguição; e para coroar a obra, o infeliz
alferes rio-grandense representa agora o papel do bode expiatório.
Piá – Mas se as leis militares são tão rigorosas...
Red. – Já o confessei: não contesto o direito do conselho; o que me surpreende é esse terrível
exemplo estar reservado para o modesto alferes, quando outros, de patente mais superior,
têm cometido idêntico crime, e quem sabe se com circunstâncias mais agravantes, sem todavia
constar que fossem sentenciados a serem fuzilados, nem que respondessem a conselho de
guerra. (...) Disto e de tantas outras perseguições é que me queixo, de nada mais.
Piá – O meu amo tem razão, porém contra a força não há resistência.
27  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 10 nov. 1867. A. 1. N. 19. p. 5.

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entre o Redator e o Piá que descrevia a concessão de honrarias


aos mineiros. Diante de tal ato, o Redator registrava que ocorrera
algum engano, devendo o governo, ao invés de enviar armas ao Rio
Grande, restituir o gozo dos direitos constitucionais na província
sulina, com o reestabelecimento das eleições; conceder uma etapa
diária às famílias desvalidas dos soldados rio-grandenses em
campanha; instituir provisoriamente uma tarifa especial para as
alfândegas gaúchas, de modo a proteger a produção e a exportação
da província, que tantos soldados fornecia; isentar o Rio Grande,
que tantos sacrifícios fazia, do pagamento do imposto pessoal;
criar uma distinção honorífica especial para a valente cavalaria rio-
grandense, que tomara trincheiras inimigas com a lança em punho;
e mesmo enviar uma fornada grossa de graças e mercês para as
pessoas que na província prestaram relevantes serviços em relação
à guerra, o que não ocorrera em relação à Minas Gerais28 [Figuras
11 e 12].

28  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 17 maio 1868. A. 2. N. 46. p. 1 e 7.

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- Figura 11 -

38
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- Figura 12 -

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Outro elemento constitutivo recorrente nas edições da Sentinella


do Sul ao abordar a Guerra do Paraguai eram as constantes
manifestações de certas desconfianças em relação aos aliados do
Brasil na Tríplice Aliança. O jornal acabava por refletir as históricas
suspeições que havia junto à sociedade brasileira no que tange ao
Uruguai e à Argentina, coligados naquela circunstância bélica, mas
adversários em conflitos transcorridos anteriormente. De acordo
com o periódico, a contribuição dos aliados, mormente os argentinos,
era duvidosa no esforço de guerra, além de seguidamente sugerir
uma certa atitude procrastinatória e até alguma possível traição da
parte deles. Para o semanário, o Império era o país preponderante
no contexto sul-americano e não poderia criar muitas expectativas
em relação às vizinhas republicanas. Em mais um “Colóquio”, o
Piá fazia referência ao pleito internacional que estava sendo agitado
entre as quatro potências sul-americanas, no que era corrigido pelo
Redator, ao dizer que seu interlocutor não deveria esquecer que as
tais republiquetas não mereciam a qualificação de potências, pois
no máximo poderiam ser potenciazinhas, que não conseguiriam
competir com o Brasil, que seria a única e verdadeira potência da
América do Sul29.
Nesse contexto, um dos alvos da folha caricata porto-alegrense
era o comandante militar argentino, chegando o jornal a afirmar
que tudo quanto até então havia sido feito no teatro da guerra, fora
realizado por generais brasileiros, ao passo que Mitre ia passear
em Buenos Aires e cuidar de seus negócios que não iriam muito
bem, quando sua presença era mais reclamada. Outro líder militar
argentino que causava desconfiança era Urquiza, cujas ações,
segundo a folha, começavam a tornarem-se inoportunas, com as
suas compras de armamento moderno, revistas e reuniões políticas
e militares. Para o periódico, tal atitude era singular já que Urquiza
não passava de um empregado do governo, era súdito argentino
e, portanto, devia obedecer a Mitre, mas sem dar-lhe a menor
satisfação, comprava armamento, reunia gente e preparava-se com
todo o descanso para a revolução que proximamente iria encabeçar,
de acordo com todos os indícios. Nessa linha, o semanário censurava
o governo argentino por não ter força nem energia bastante para
impedir a compra de armas que um seu súdito fazia com a maior

29  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 28 jul. 1867. A. 1. N. 4. p. 2-3.

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ostentação30.
Mantendo o tom de desconfiança, a Sentinella dizia que na
Argentina as coisas não estavam muito em ordem, manifestando
muito receio que, acabada a questão com o Paraguai, viessem a
ocorrer dúvidas em relação aqueles “leais aliados”, mormente
se Urquiza conseguisse assenhorar-se do domínio da república.
Afora isso, o hebdomadário argumentava que, se as operações no
Paraguai tornassem outra vez a um estado de longa inação, surgiria
o receio de que Urquiza levantasse o grito da rebelião, antes de
concluída a guerra contra Lopez. Dessa maneira, a folha concluía
que o estado de coisas no Rio da Prata, não tinha nada de agradável
para o Brasil, o qual poderia ter de fazer enormes sacríficos para
assegurar à América do Sul o estado de ordem e progresso que
anelava, e para o qual eram eternos obstáculos aquelas republiquetas
hispano-americanas, nas quais só reinava desordem e eterna luta de
partidos31.
Essa suposta inação dos militares argentinos era denunciada
também pelo jornal através de caricaturas, como uma mostrando o
comandante brasileiro Caxias aguardando ansiosamente a presença
de Mitre que permanecia impassível, trazendo vantagens para
Lopez que conseguia manter a tranquilidade atrás de suas linhas
fortificadas32. Em outra caricatura intitulada “A pesca milagrosa”,
a folha mostrava que só o general brasileiro se esforçava para
aprisionar Lopez, ou, simbolicamente, pescar o escorregadio e
fugidiço peixe que representava o presidente paraguaio, enquanto,
ao largo, os comandantes aliados permaneciam impassíveis, sem
esboçar reação diante da ação brasileira33. As desconfianças em
relação ao lado adotado na guerra pelo líder militar argentino
Urquiza eram também manifestas no jornal por meio de desenho, no
qual lembrava uma cena romana em que os comandantes brasileiro
e paraguaio digladiavam-se entre si em busca do apoio daquele. A
legenda era sucinta: “Ave Urquiza, morituri te salutant”. A caricatura
era complementada pela explicação de que, na gravura, Urquiza,
representava o papel dos imperadores romanos, que presenciavam
para o seu recreio as sangrentas lutas do circo, e que os atletas

30  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 25 ago. 1867. A. 1. N. 8. p. 2.


31  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 25 ago. 1867. A. 1. N. 8. p. 2.
32  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 25 ago. 1867. A. 1. N. 8. p. 4.
33  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 13 out. 1867. A. 1. N. 15. p. 5.

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tinham de saudá-lo com a expressão “aqueles que vão aniquilar-se


te saúdam”. A partir de tal explanação, o semanário concluía que
de fato aquele líder militar estava contemplando a luta, gostando
dela e fazendo os seus planos para o futuro, pois era o único que
tirava real proveito de toda aquela triste guerra, que diariamente
impunha novos sacrifícios aos beligerantes, e, sobretudo, ao Brasil34
[Figuras 13, 14 e 15].

- Figura 13 -

34  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 1º dez. 1867. A. 1. N. 22. p. 5 e 7.

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- Figura 14 -

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- Figura 15 -

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ENSAIOS HISTÓRICOS

Mostrando que não esquecera os tempos em que a Argentina era


adversária e não aliada, o hebdomadário caricato porto-alegrense
lembrava a data da vitória sobre o argentino Rosas, sugerindo
proximidades entre a luta realizada contra este e aquela então
travada com Lopez. Segundo a folha, a aurora do dia 3 de fevereiro
anunciava para o Brasil o feliz aniversário da queda do tirano, que
fora uma das vergonhas da civilização do século, esclarecendo
que se referia a Rosas, o qual seria um digno êmulo daquele que
no Paraguai lutava contra a cruzada santa, que tentava libertar
um desgraçado povo das garras do tigre faminto de sangue. Para
o periódico, aquele era um episódio que tanto brilhava nos anais
históricos do Brasil, devendo todos louvar àqueles que fizeram
parte daquela gloriosa jornada35. As desconfianças em relação à
Argentina eram também manifestas por meio de caricatura, na qual
militares e políticos argentinos decidiam sua participação na guerra
através da jogatina, demonstrando que suas ações eram limitadas
pelos seus interesses pessoais. A legenda era direta, dizendo que
aqueles senhores deveriam fazer os seus jogos36. Mais explícita
ainda foi a caricatura publicada pela Sentinella que mostrava o
Brasil representado pelo índio que aparecia de braços dados com
dois indivíduos vestidos à gaúcha, simbolizando uruguaios e
argentinos, cujas feições eram pouco confiáveis. O caráter instável e
transitório da aliança era bem definido através da legenda: “O Brasil,
a República Oriental e a Confederação Argentina, são amigos... no
Paraguai”37 [Figuras 16 e 17].

35  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 2 fev. 1868. A. 2. N. 31. p. 7.


36  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 26 abr. 1868. A. 2. N. 43. p. 1.
37  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 3 maio 1868. A. 2. N. 44. p. 1.

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- Figura 16 -

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ENSAIOS HISTÓRICOS

- Figura 17 -

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LUIZ HENRIQUE TORRES

Um dos pontos mais essenciais da abordagem da Sentinella


do Sul a respeito da Guerra do Paraguai foi o estabelecimento de
um verdadeiro conflito discursivo em relação ao inimigo que era
representado, mormente, por Francisco Solano Lopes, mas também
por sua esposa Elisa Lynch, militares paraguaios e mesmo a imprensa
guarani. O líder paraguaio era apontado como um verdadeiro
traidor do povo guarani, movendo uma guerra de destruição ao
seu país em nome de interesses e ambições pessoais. A esposa de
Lopes era outro personagem recorrente, aparecendo como uma das
verdadeiras forças por trás do conflito bélico, em uma tentativa de
menosprezar o papel de seu marido, que era representado como
submisso à mulher. Além disso, Lynch ainda era apresentando
como uma partícipe ativa nas atividades ilícitas supostamente
praticadas pelo esposo, aproveitando-se das riquezas nacionais e
expropriando o povo. Os militares paraguaios, por sua vez, eram
em geral mostrados pela folha caricata como fracos e acovardados
diante das forças aliadas, notadamente as brasileiras e, ainda mais,
das sul-rio-grandenses.
Tais manifestações ficavam bem sintetizadas em uma caricatura
que fazia referência à “la mejor batteria del Mariscal”, mostrando uma
poderosa Madame Lynch que, empunhando dois canhões, tratava
de atacar as forças brasileiras. Esse desenho buscava menoscabar a
figura de Lopez que aparecia agachado e escondido, à barra da saia
da mulher. A intencionalidade em diminuir a imagem do governante
paraguaio ficava também expressa na sua própria representação
gráfica, menor em relação à esposa, numa alusão a que o “ditador”
não era tão perigoso, escondendo-se atrás da mulher, a qual seria a
verdadeira mandatária do Paraguai38 [Figura 18].

38  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 21 jul. 1867. A. 1. N. 3. p. 5.

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- Figura 18 -

O presidente paraguaio era também apresentado pela folha


caricata como um homem de poucos recursos que, querendo
justificar o seu procedimento inqualificável, que ia de encontro a
todas as regras do direito das gentes, compreendera que deveria
assenhorear-se de grande parte da imprensa europeia, a fim de
espalhar as calúnias mais atrozes contra o Brasil e os seus aliados.
Para tanto, de acordo com o jornal, Lopez teria contratado a peso
de ouro vários escritores na Europa para apresentarem a sua versão
dos fatos, através das faltas mais escandalosas à verdade, das mais
cínicas e infundadas acusações e das mais revoltantes calúnias. Desse

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modo, teria lançado mão de charlatões literários que tinham a triste


tarefa de caluniar o que era nobre e justo, e de exaltar, cobrindo com
falsos ouropéis, a tirania de que Lopez era a verdadeira e última
encarnação no livre solo da América do Sul. Tomando posição, o
periódico dizia que a imprensa não deveria ficar calada diante de
tamanha falsidade, e sim levantar-se em protesto formal contra
aquelas calúnias. A indignação do semanário era também traduzida
através de caricatura que mostrava o líder guarani comprando os
escritos favoráveis a si, das mãos de seu ator que, nem um pouco
sutilmente, era representado por um burro39 [Figura 19].

- Figura 19 -

Em outra caricatura, O governante paraguaio aparecia nas
páginas da Sentinella aprisionado, refletindo aquela que seria uma
das grandes vontades nacionais. O caricato criava o ambiente de
uma exposição de animais, na qual tanto Lopez quanto sua esposa
estavam presos. A exposição era denominada de “Grande menageria
zoólogo-histórica” e era visitada pelo Redator e o Piá, que apareciam
no cenário dispostos a visitar animais exóticos, como um elefante
que aparecia ao fundo, mas, os objetos principais da visitação eram
o governante paraguaio e sua esposa, ambos transmutados em

39  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 28 jul. 1867. A. 1. N. 4. p. 3, 4 e 6.

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figuras zoomórficas. Solano Lopez aparecia na forma de uma hiena


com cabeça humana, ou seja, como um animal que se alimentava da
morte, noturno, furtivo, voraz e covarde. No cartaz a hiena/Lopez,
enjaulada, era anunciada como a sanguinária hiena, oriunda do
Paraguai e, imitando um latim, para apresentar o “nome científico”
do animal estabelecia a bem humorada denominação “Hyena
maculata lopesina paraguayensis”. Já Madame Lynch aparecia como
uma ave, acorrentada a uma argola, lembrando um ser instável e
inconsequente, ou ainda do animal que se limita apenas à imitação.
Nessa linha, a esposa de Lopez era apresentada como o papagaio
branco da Inglaterra aclimatado no Paraguai e, colocando em
questão a honra da primeira dama paraguaia, o “nome científico”,
num arranhado latim era Linchiana libidinosu domesticata. Na legenda,
o Piá dizia “Que bonita menageria!”, ao que o Redator respondia:
“A obtenção desses bichos custou caro ao Brasil, mas afinal temo-
los seguros na gaiola”40 [Figura 20].

- Figura 20 -
40  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 11 ago. 1867. A. 1. N. 6. p. 5.

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Como curiosidade, a folha publicava desenhos produzidos pela


caricatura paraguaia. Num deles os guaranis eram representados
por leões que atacavam assustadiços militares brasileiros. A legenda
era sucinta e irônica: “É um povo muito civilizado!!”41. Em outra,
mostrava o “progresso artístico no Paraguai”, apresentando uma
nova caricatura copiada do jornal ilustrado Cabichuy de Passo-Pacú,
na qual Caxias puxava Mitre para a frente, sendo ambos conduzidos
à força pelo imperador em direção a uma figura leonina42. Relevante
destacar que em ambos desenhos guaranis, parte dos brasileiros
é representada por pessoas de pele negra, numa clara alusão à
participação de escravos nas tropas nacionais. Mas o hebdomadário
porto-alegrense não se limitaria a publicar as caricaturas editadas no
país inimigo e partiria para uma resposta na qual o tal leão paraguaio
era tocado a chicote pela cavalaria do Rio Grande [Figuras 21, 22 e
23]. Os desenhos eram comentados nas conversas entre o Redator
e o Piá, o qual perguntava o que representava aquela estampa
esquisita e, diante da explicação, questionava que grande leão seria
aquele que vivia apanhando da cavalaria brasileira. Diante disso, o
Redator afirmava que aquela engenhosa caricatura fora respondida,
através dos militares rio-grandenses tocando o tal leão a relho.
Segundo ele, se tratava de uma represália justa, porque quando o
inimigo, embora se defendesse com energia, não sabia pesar os foros
de valente do seu adversário, quando tratava de atirar à lama do
ridículo os esforços heroicos do inimigo, deveria ser pago na mesma
moeda, tanto mais quando os brasileiros tinham sobeja razão, visto
que os paraguaios em batalha campal teriam sido sempre vencidos
pelas valentes hostes da aliança, de modo que poderia ser até um
leão, mas um que apanhava muito43.

41  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 29 set. 1867. A. 1. N. 13. p. 4.


42  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 3 nov. 1867. A. 1. N. 18. p. 4.
43  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 10 nov. 1867. A. 1. N. 19. p. 5 e 7.

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- Figura 21 -

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- Figura 22 -

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- Figura 23 -

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O confronto de parte da Sentinella para com a caricatura


paraguaia seria ainda retomado, quando o semanário gaúcho
mostrava, tanto na forma de desenho, como textualmente, que o
leão paraguaio fora buscar lã e saíra, tal qual uma mansa ovelha,
tosquiado diante da ação dos militares brasileiros, eem clara
resposta aos periódicos paraguaios [Figura 24]. Na parte textual, o
periódico explicava o desenho, dizendo que mostrava aquela figura
leonina guarani, que mais parecia uma hiena revestida com pele de
leão, cuja lã fora arrancada. Nesse sentido, destacava que o bicho
fora tosquiado sofrivelmente, acreditando que tão cedo não voltaria
à luta. Diante disso, a folha saudava a liderança militar gaúcha que
comandara a ação, a qual, era comparada a um leão, que se atirara
no meio da refrega e com sua própria mão e em combate singular
matara o comandante paraguaio, dando mais uma vez prova do
ânimo heroico, que tanto distinguia o varonil povo rio-grandense.
De acordo com tais circunstâncias, o hebdomadário, mais uma
vez manifestava suas esperanças que as coisas iriam tomar outro
caminho e que o termo da luta iria finalmente aproximar-se, o que
seria fundamental, pois o país precisava do descanso da paz, para
refazer-se das enormes perdas que sofrera, de modo que as feridas
que a guerra deixara seriam em breve curadas e um grande futuro
esperaria os brasileiros44.

44  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 17 nov. 1867. A. 1. N. 20. p. 4 e 6-7.

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- Figura 24 -

Na construção da imagem do adversário, o presidente paraguaio


e sua esposa eram os preferidos da publicação caricata rio-grandense,
como no caso da caricatura intitulada “Arranjos domésticos”, na
qual Lopez e Madame Lynch preparavam rapidamente sua fuga,

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não deixando de carregar as riquezas nacionais45. Mantendo


a imagem de um líder fujão que abandonaria seu povo, o jornal
mostrava um banquete paraguaio, no qual Lopez cumprimentava
seus comandados, dizendo que precisava de dois encouraçados
brasileiros, caso contrário teria de fugir ou cair prisioneiro46.
Aproveitando o sucesso que um mágico fazia na cidade, a Sentinella,
através do Redator, pedia ao prestidigitador se ele poderia, tal qual
fizera com o Piá, cortar a cabeça do cacique Lopez que se achava
engaiolado47. Nas páginas do periódico, acompanhando o momento
propício, Solano Lopez era representando como o alvo da malhação
do Judas, desejando a publicação que morresse o “Judas paraguaio”
e ressuscitasse a paz48. O Brasil, simbolizado pelo índio, também
aparecia em um desenho de laço à mão, afugentando Lopez, sua
esposa e um clérigo que, espavoridos, escapavam a cavalo49. Em
outra caricatura, a folha mostrava um Lopez faceiro ao lado de sua
família, uma vez que havia fugido e abandonado seu povo à própria
sorte. A legenda era: “O novo quartel general do Mariscal Lopez.
Motto: ‘Doce é, e amena, a vida dos campos!’ – Horácio, Bucólicas”50
[Figuras 25,26, 27, 28, 29 e 30].

45  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 29 set. 1867. A. 1. N. 13. p. 4.


46  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 29 mar. 1868. A. 2. N. 39. p. 1.
47  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 5 abr. 1868. A. 2. N. 40. p. 1.
48  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 12 abr. 1868. A. 2. N. 41. p. 1.
49  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 19 abr. 1868. A. 2. N. 42. p. 1.
50  A SENTINELLA DO SUL. Porto Alegre, 7 jun. 1868. A. 2. N. 49. p. 1.

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- Figura 29 -

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- Figura 30 -

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Além desse constante embate em relação ao adversário


paraguaio, A Sentinella do Sul buscava trazer aos seus leitores
detalhes daquilo que acontecia no cenário de guerra. Nesse
sentido, ao tom normalmente crítico típico das folhas caricatas, o
hebdomadário sul-rio-grandense visava também apresentar um
caráter informativo acerca dos graves acontecimentos na conjuntura
platina. Foram diversas as cenas de batalha e mapas da zona de
enfrentamento bélico divulgados pelo jornal que, se não tinha por
hábito o texto pormenorizado dos periódicos diários, usufruía da
imagem como mecanismo de amplo apelo popular.
Nessa linha, a guerra quase que ganhava movimento nas páginas
da Sentinella, trazendo cenários nos quais espadas, lanças e armas
de fogo se entrecruzavam com o conflito discursivo, na batalha
através das palavras que a imprensa moveu contra o inimigo.
Ainda que tais impressões fossem de natureza eminentemente
informativa, o periódico gaúcho não deixava de, por meio delas,
continuar estabelecendo seu esforço de guerra. De acordo com
tal perspectiva, as narrativas que acompanhavam tais imagens,
em textos explicativos, ou ainda nos diálogos entre o Redator e
o Piá, eram amplamente favoráveis à causa do Império e de seus
aliados, apresentando notadamente vitórias destes em relação aos
paraguaios.
Exemplificativamente quanto a tais representações, A Sentinella
do Sul publicou gravuras sobre as ações navais e terrestres dos
brasileiros em território guarani. Uma delas trazia cena de batalha
travada em Tuiuti, qualificada como um esplêndido triunfo
alcançado pelos brasileiros51. Outra apresentava uma carga de
cavalaria liderada por um general gaúcho, que teria derrubado,
pisado e esmagado o inimigo, fazendo-o retroceder e fugir em
vergonhosa debandada52. A tomada do Estabelecimento era também
representada e apontada como um feito histórico e uma grande
vitória para Império do Brasil53. O semanário apresentou ainda a
Passagem de Humaitá, qualificada como uma grande vitória, que
aniquilara o orgulho paraguaio, capturando a admiração de todos54.
A preocupação do jornal com a Guerra da Tríplice Aliança era tão

51  A SENTINELA DO SUL. Porto Alegre, 23 fev. 1868. A. 2. N. 34. p. 3, 6, 8.


52  A SENTINELA DO SUL. Porto Alegre, 9 fev. 1868. A. 2. N. 32. p. 2-5.
53  A SENTINELA DO SUL. Porto Alegre, 29 mar. 1868. A. 2. N. 39. p. 3-6.
54  A SENTINELA DO SUL. Porto Alegre, 5 abr. 1868. A. 2. N. 40. p. 2, 4-5.

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grande que até mesmo no cabeçalho que manteve ao longo de


todas as suas edições, ao lado de uma vista panorâmica da capital
da província, à esquerda, aparecia simbolicamente uma referência
ao conflito bélico, com um típico gaúcho a cavalo, em frente a um
acampamento das tropas brasileiras55 [Figuras 31, 32, 33, 34 e 35].

- Figura 31 -

55  FERREIRA. p. 17.

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Dessa forma, A Sentinella do Sul, reproduzindo uma ação


recorrente à imprensa brasileira, no contexto sul-rio-grandense,
buscou cativar seus leitores quanto à justeza das causas nacionais
na guerra e atingir peremptoriamente o adversário do Império –
Solano Lopez. O governante paraguaio foi representando das mais
variadas formas: protegendo-se à sombra da esposa; envolvido em
negociatas escusas; como uma hiena, enjaulado pelos brasileiros;
promovendo ações procrastinadoras à guerra; roubando sua
pátria; como um peixe escorregadio e fujão; temendo as tropas rio-
grandenses; esbanjador, fanfarrão e falastrão; malhado como um
Judas; em constante fuga, para viver no conforto e na paz, enquanto
abandonava a população aos graves efeitos da guerra. A folha
caricata, assim, também exerceria seu papel no constante esforço
bélico de construir o arquétipo do “terrível ditador” paraguaio.
Nesse contexto, o Rio Grande do Sul teria condições de “assistir”
a várias cenas da Guerra da Tríplice Aliança através das páginas
da Sentinella do Sul. Tal província já sofrera com as agonias da
guerra ao ter seu território invadido, contribuíra com um dos mais
significativos contingentes de militares para o teatro das batalhas
e constituía um ponto estratégico, encravado entre os vizinhos
platinos, e, portanto, tinha significativa parte de sua população
interessada nos destinos do conflito, fosse por motivos conjunturais,
como os caminhos das relações exteriores brasileiras, fosse por
circunstanciais no que tange aos brasileiros, mormente os gaúchos,
que pegaram em armas e marcharam para o território inimigo ou
ainda o não esquecido risco de uma nova invasão.
Assim, ao trazer várias matérias informativas bem como
manifestações crítico-opinativas, o hebdomadário porto-alegrense
encontrava um público leitor ávido por notícias do teatro de
operações. Ao contrário dos jornais diários, que apresentavam
longos textos sobre o conflito, a folha caricata publicava escritos em
geral mais curtos e leves e, mais do que isso, trazia a imagem, que, se
não dava cores às narrações, ao menos permitia maior e mais direta
visibilidade às mesmas. Através da imagem e de uma linguagem
mais direta e incisiva, veiculando informações sobre a guerra e
sustentando o confronto com o inimigo, a Sentinella daria também o
seu quinhão no constante esforço de guerra que marcou o cotidiano
da imprensa brasileira à época do conflito contra o Paraguai. Por
meio das caricaturas cheias de representações e simbolismo, ou

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ainda pelos diálogos expressos nos “Colóquio entre o Redator e o


seu Piá”, que traziam uma linguagem mais popular e reproduziam
até mesmo o modo de falar mais cotidiano, o hebdomadário gaúcho
manteve o sentido nacional de entusiasmo patriótico, mas não
deixou de lado o desconfiado espírito regional, notadamente no
que tange às demais províncias e aos vizinhos platinos, de modo
que apresentou uma guerra de forma ilustrada e sob o olhar dos
rio-grandenses-do-sul56.

56  Texto elaborado a partir de: ALVES, Francisco das Neves. Arquétipos de um ditador:
Solano Lopez e a Guerra do Paraguai a partir da caricatura gaúcha: uma introdução ao
tema. In: ALVES, Francisco das Neves. Imprensa, caricatura e historiografia no Rio Grande
do Sul: ensaios históricos. Rio Grande: FURG, 2006. p. 63-88.; ALVES, Francisco das Neves.
Imprensa caricata rio-grandense-do-sul e Guerra do Paraguai: imagem, informação e conflito
discursivo. In: ALVES, Francisco das Neves (org.). Imprensa, história, literatura e informação –
Anais do II Congresso Internacional de Estudos Históricos. Rio Grande: FURG, 2007. p. 245-264.; e
ALVES, Francisco das Neves. A gênese da imprensa caricata sul-rio-grandense e a Guerra do
Paraguai. In: Historiae. Rio Grande: Editora da FURG, 2014. v. 5. n. 1. p. 9-46.

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A GUERRA DO PARAGUAI NO
PERIÓDICO ARCADIA
L uiz H e n rique T orres * 1

A imprensa literária no Rio Grande do Sul tem início com


o periódico O Guaíba, lançado em Porto Alegre a 3 de agosto de
1856, perdurando, com interrupções, até 26 de dezembro de 1858.
Com o desaparecimento da revista O Guaíba, um periódico voltado
à divulgação literária apareceu em 1867 na cidade do Rio Grande:
Arcádia, jornal ilustrado, literário, histórico, biográfico. Segundo
Baumgarten, a disseminação de jornais literários e a atuação do
Partenon Literário, que teve como precursores O Guaíba e Arcadia,
foram responsáveis “pela maior uniformidade de pensamento no
encarar o fato literário” (BAUMGARTEN, 1982: 87).
A atividade literária que se fazia no Rio Grande do Sul, embora
estivesse “enquadrada dentro dos moldes estritamente românticos,
determinou um novo posicionamento frente ao fato literário, qual
seja, o do aproveitamento do elemento regional, aspecto que possui
alta significação no desenvolvimento da literatura rio-grandense”
(BAUMGARTEN, 1982: 87). Com o surgimento do Partenon Literário
(1868-1880), Porto Alegre passa a centralizar o debate literário em
toda a Província. Partenon Literário extrapolou a produção poética
voltada exclusivamente à temática lírica ou regional, manifestando
seu ideário político, de caráter liberal e até republicano, através de
críticas a escravidão e apoio ao abolicionismo (BAUMGARTEN,
1977: 70). A glorificação histórica dos farroupilhas está ligada a
rebeldia contra o centralismo monárquico. O estabelecimento de
vertentes temáticas regionais desenvolvidas pelos sócios exigirá
1
*  Professor Titular da FURG, atuando no Programa de Pós-Graduação em Letras (História
da Literatura) e no Programa de Pós-Graduação em História.

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que “às gerações subseqüentes, representadas por parnasianos e


simbolistas”, se posicionassem “perante este passado, aprofundando
a vertente lírica e explorando aqueles recantos da interioridade
deixados intocados pelos românticos locais” (ZILBERMAN, 1980: 17).
A imprensa rio-grandina no século XIX, uma das mais
importantes no contexto sul-rio-grandense, tanto pela antigüidade,
quanto pela longevidade de suas folhas, teve a sua origem na
década de 1830 e, desde então, até os anos quarenta houve um
amplo predomínio do jornalismo político-partidário, marcado pelo
confronto entre farroupilhas e legalistas e pelos demais eventos da
Revolução Farroupilha
Já no período seguinte, compreendido entre a segunda metade
da década de quarenta e o final dos anos 1860, a imprensa da cidade
do Rio Grande cresceu quantitativa e qualitativamente, com o
surgimento de grande número de jornais, alguns deles com razoável
aprimoramento tipográfico, além disso, nessa época, apareceu a
maior parte dos grandes diários rio-grandinos, como o Rio-Grandense
(1845-1858), o Diario do Rio Grande (1848-1910), o Comercial (1857-
1882), o Echo do Sul (1858-1937) e o Artista (1862-1912).
Nesta segunda fase, o jornalismo rio-grandino passou por
uma etapa de significativo crescimento numérico, assim como por
um processo de diversificação, com a prática de diferentes estilos
jornalísticos. De um lado, manteve-se o jornalismo opinativo,
através dos pasquins, os quais colocaram de forma predominante,
junto dos conflitos políticos já tradicionais nos periódicos desde a
fase anterior, os confrontos de cunho pessoal. Do outro, estavam
às folhas noticiosas, praticando um jornalismo predominantemente
informativo e as literárias visando um jornalismo mais ameno,
através da divulgação da literatura.
O jornalismo literário rio-grandino se desenvolveu desde
a década de sessenta até a virada do século XIX para o XX, com
títulos como Inubia (1868), A Grinalda (1870-1), a Violeta (1878-9),
o Arauto das Letras (1884), o Literato (1889), A Lanterna (1893-4), o
Correio Literario (1900) e O Recreio (1901), todos de curta duração
e enfrentando amplas dificuldades para garantirem a manutenção
de sua circulação. Já o ápice da imprensa literária rio-grandina foi
representado pela sua folha mais organizada e perene - o Arcadia.
O Arcadia teve um significativo papel no contexto literário
regional, ao congregar em suas páginas alguns dos mais destacados

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ENSAIOS HISTÓRICOS

representantes da intelectualidade gaúcha. O periódico, foi


editado na cidade entre 12 de maio de 1867 e 19 de julho de 1869.
Considerava-se como um jornal “literário, histórico e biográfico”,
pretendendo ser também “ilustrado”. Era semanal e custava 500
réis o número avulso e 10$000 a assinatura anual, sendo impressa,
no início, na Tipografia do Diario do Rio Grande e, posteriormente,
em tipografia própria de seu diretor, Antônio Joaquim Dias.1 Esse
periódico utilizava uma técnica de publicação bastante diferenciada
para os moldes jornalísticos então praticados na cidade, através da
qual cada um dos jornais correspondia a um fascículo, cuja reunião
permitia a elaboração de um livro.
Pouco antes do surgimento do jornal, seu diretor anunciava o seu
lançamento, associando a idéia da presença de uma folha literária,
com uma das mais típicas características da cidade do Rio Grande
do século XIX, ou seja, o objetivo de transformar o principal porto da
Província numa localidade na qual se fizessem presentes a civilização
e o progresso típicos de um moderno sítio urbano nos moldes
europeus. Assim, Antônio Joaquim Dias argumentava que a cidade
se ressentia, “desde longa data, de um jornal que exclusivamente
se dedicasse ao cultivo e desenvolvimento da literatura”, de modo
a “adquirir noções para, com saber, acompanhar os rápidos passos
do progresso e civilização dos povos”. Dias considerava que o Rio
Grande seria taxado “de retrógrado, se, por qualquer subterfúgio,
deixasse de dar impulso e sustentar com orgulho um jornal que lhe
proporcionasse como apreciar as lucubrações de seus talentos e os
harmoniosos cantos de seus vates” (DIAS, 1867:2).
Ainda ao anunciar a folha, o diretor garantia que o periódico se
dedicaria “íntima e exclusivamente às letras e literatura nacional,
história pátria, ciências, artes e costumes”; assim como à “descrição
de figurinos da moda, considerações sobre o bem geral, estudos da
língua e educação” (DIAS, 1867:2).
Desse modo o periódico desenvolveu-se em quatro séries

1  Segundo Guilhermino Cesar, “Antônio Joaquim Dias, de nacionalidade portuguesa,


veio ainda jovem para o Rio Grande do Sul e fundou na cidade do Rio Grande o periódico
Arcadia, em Pelotas, o Jornal do Comércio” e, “em 1875. o Correio Mercantil. A idéia da criação
da Biblioteca Pública Pelotense foi sugerida e amparada por ele, numa das campanhas do
seu jornal. (...) A tenacidade com que Antônio Joaquim Dias, naqueles tempos, manteve a
sua publicação (...) revela o admirável espírito de luta de uma geração. Bem cuidada, bem
impressa, publicando o que se escrevia de melhor na Província, o Arcadia por mais de três
anos divulgou exclusivamente matéria literária e pesquisas históricas” (CESAR, 1971: 166-7).

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LUIZ HENRIQUE TORRES

(1867, 1868, 1869 e 1870), as três primeiras editadas na cidade do


Rio Grande. Na primeira série, o diretor apresentava o jornal como
“um novo propagador da literatura” e um “modesto arauto da
civilização”. Prometendo afastar-se dos confrontos políticos ou
pessoais que marcavam a imprensa, garantia que o periódico estaria
alheio a esse rumor contínuo no qual se agitava “o jornalismo em
geral” e venceria todas as dificuldades que lhe obstacularizaria o
caminho, tendo em vista “a dignidade de sua missão”. Depositava
toda a confiança no público leitor, pois considerava que “pedir
auxílio para uma empresa” daquela ordem, significava “apenas
reclamar um direito que os modernos tempos deviam ao progresso e
civilização das gerações”, pois as letras representavam “a vivificante
luz da razão” (12/5/1867). Anunciava também que, além da parte
literária, o jornal se dedicaria às biografias e às gravuras de bustos
e paisagens.
A primeira série trazia, junto dos textos literários em prosa e
verso, vários ensaios sobre outros assuntos, como: “Apontamentos
históricos, topográficos e descritivos da cidade do Rio Grande”; “Cura
da cólera-morbus”; “Apontamentos para a história da Revolução da
Província do Rio Grande do Sul”; “A Guerra do Paraguai”; “Brasil
no século passado”; “Servidão no Brasil”; “Biografia de Andrade
Neves”; além desses estudos, eram publicados pensamentos,
charadas e logogrifos.
A folha literária foi bem recebida pelos demais jornais rio-
grandinos, como no caso do Echo do Sul, ao noticiar que aquele
periódico soubera “corresponder à altura de seu programa, e que, a
continuar assim, poderia prestar bons serviços à literatura pátria”,
e que “o trabalho artístico do Arcadia era perfeito”, nada deixando
“a desejar aos outros jornais de igual gênero que se publicavam no
Império e no estrangeiro”.2 O Diario do Rio Grande destacava o caráter
lúdico do jornal literário, ao descrevê-lo como “exclusivamente
dedicado à literatura e à história” e considerando-o como “um ensaio
de inteligências novéis” que prometiam, se fossem “perseverantes,
ofertar um agradável passatempo literário”.3
O Comercial, por sua vez, apontou o Arcadia como “uma
tentativa útil, um campo aberto para nele colher sazonados frutos”,
uma vez que seus articulantes se dignassem a “desempenhar o
2  ECHO DO SUL. Rio Grande, 12/5/1867, p. 1.
3  DIARIO DO RIO GRANDE. Rio Grande, 13-14/5/1867, p. 1.

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dever que a natureza impôs-lhes”, doando seus escritos “com


subida inteligência, adornada e desenvolvida pelos estudos”.
Neste sentido, aquele jornal diário pressagiava para a folha literária
“um risonho futuro”, desde que a mesma não se afastasse de seu
cunho essencialmente literário e de que “o público amante das
letras compreendesse a necessidade de manter uma publicação
hebdomadária que renunciava a toda e qualquer intriga política,
religiosa ou particular”.4
Na apresentação do primeiro exemplar do Arcadia em 12 de
maio de 1867, Antônio Joaquim Dias ressalta que “as letras são
a vivificante luz da razão” acreditando que “os sábios sempre
aprendem, e as sociedades requerem para seu grêmio membros que
as ilustrem e acendam os fachos do saber em proveito do raciocínio
e legítima moral” (DIAS, 1867: 7). Nesta busca da razão através das
letras, a história recebeu um permanente espaço ao lado da poesia
e crônica.

4  O COMERCIAL. Rio Grande, 13-14/5/1867, p. 2.

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LUIZ HENRIQUE TORRES

Ao final de 1867, o diretor do jornal novamente dirigia-se


ao público para demarcar o encerramento da primeira série,
argumentando que tinha empreendido “um lidar incessante” para
superar os sacrifícios de um “árduo e consecutivo trabalho” que
resultara em “mãos calejadas, corpo cansado e espírito atribulado”.
Destacava também o papel do “escritor público”, naquele momento,
no qual o responsável pelo jornal, muitas vezes, assumia todas as
funções para a sua elaboração, pois, na impossibilidade de contratar
operários, fazia o “trabalho tipográfico”, imprimia e distribuía

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ENSAIOS HISTÓRICOS

a folha, além da própria “contribuição intelectual” como um dos


redatores. Orgulhava-se, no entanto, que o Arcadia pudesse contar
“com uma ilustrada plêiade de inteligentes colaboradores” os quais
se tornava “os firmes sustentáculos da estabilidade” do jornal.
Também era motivo de orgulho o fato da folha não ter arredado “um
só passo do caminho” antecipadamente estabelecido, mantendo-se
“sempre e exclusivamente literária”.
Na “Introdução” à segunda série do periódico, se encontrava a
renovação dos intentos puramente literários e uma crítica a outros
periódicos literários que se desviaram de seus rumos editoriais:

A literatura é o primeiro elemento da civilização dos povos.


Necessária e útil é sobre suas bases que se sustentam os monumentais
edifícios do progresso e da riqueza, ao tempo que se torna o mais
sublime ornamento de uma sociedade. (...) A Arcadia sucederam-se na
Província outros pequenos periódicos que se inculcavam literários, -
porém quanto tempo perseveraram, quase todos, em bons princípios?
Sem querermos ofender, lamentamos que, alguns deles, aberrando
suas doutrinas, tivessem-se tornado vozes isoladas de paixões
pessoais ou postes infamantes onde se jungem honras e reputações. A
Arcadia nunca chafurdou nesses pantanais (...) e jamais representará
em cenas tão asquerosas, porque o seu fim é dar incremento às letras
pátrias, instruindo e deleitando (ARCADIA, 16/2/1868).

No final da segunda série, a direção do periódico comemorava “a


aurora da literatura”, considerando-se responsável pelo crescimento
da imprensa literária na Província: “Há pouco mais de um ano
não havia um só jornal literário na Província. Surgiu o Arcadia
(perdoem-nos a vaidade) e esse primeiro grito ecoou no coração
dos verdadeiros amigos das letras e da civilização”. Conforme o
editor, dez jornais, “mais ou menos literários, têm aparecido depois
do Arcadia”, porém, “uns sucumbiram, outros existem, cheios de
vida e animação, esperançados no futuro que se antolha risonho”
(ARCADIA, 27/10/1868).
Na terceira e última série no Rio Grande, o Arcadia manifestava a
intenção de permanecer estritamente nas lides literárias, mantendo
os objetivos iniciais e lamentando o desaparecimento de um grande
número de folhas literárias rio-grandenses: “Jamais desanimamos,
na esperança única de um dia ver o resultado das nossas fadigas
(...) Cremos ter cumprido o nosso dever (...). Ninguém terá visto
a Arcadia imergir-se nos pauis da calúnia e da intriga (...).”

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F R A N C I S C O D A S N E V E S A LV E S
LUIZ HENRIQUE TORRES

Lamentavam que viram desaparecer “um a um os seus amigos de


infância e companheiros de jornada” e de que “uma imensidade de
jornais exclusivamente literários publicados na Província depois de
seu aparecimento, um só não existe!. E se isto é um pesar, também
é uma glória”, pois a Arcadia foi qualificada como a “heroína da
pugna literária” (ARCADIA, 19/7/1869).
A quarta série do Arcadia foi publicada em Pelotas, devido ao
deslocamento de Antônio Joaquim Dias para aquela cidade. Durante
a sua existência, o jornal teve por colaboradores alguns dos mais
destacados nomes da literatura rio-grandense, como Apolinário
e Aquiles Porto Alegre, Aurélio de Bitencourt, Bernardo Taveira
Júnior, Fernando Luiz Osório e Menezes Paredes, dentre muitos
outros. Assim, o periódico, como a “heroína da pugna literária”,
marcou a sua época, servindo como fonte inspiradora e dando
incentivo à proliferação de jornais literários através da Província.5
Conforme Baumgarten, o primeiro periódico importante para a
história da crítica literária rio-grandense é o Arcadia, pois congregou
junto de si os primeiros críticos literários. Entre os colaboradores
estão Apolinário Porto Alegre, Bernardo Taveira Júnior, Aquiles
e Apeles Porto Alegre, Glodomiro Paredes e outros. O português
Antônio Joaquim Dias foi o proprietário, responsável pelo
lançamento de quatro séries, sendo as três primeiras publicadas
em Rio Grande e a última em Pelotas. “Apesar da denominação, o
Arcadia foi um dos primeiros veículos a se empenhar na divulgação
do ideário romântico, então em fase de afirmação no Rio Grande do
Sul” (BAUMGARTEN, 1977:66).
A publicação, lançada às segundas-feiras, estava voltada a
difusão de textos literários, especialmente autores rio-grandenses;
ensaios de história e artigos de crítica literária; levantamentos
biográficos de vultos da história pátria e do Rio Grande do Sul,
com destaque ao espírito de liderança e o sentido de honra e dever
de personagens privilegiados. A definição de temáticas, a busca

5  Carlos Baumgarten destaca a importância do periódico: “dedicando-se exclusivamente à


difusão da literatura, publicou (...) poesias de nossos autores mais representativos, bem como
romances, contos, textos críticos e correspondência entre homens ligados ao movimento
cultural da Província”. O autor aborda também a importância e o apoio do Arcadia para
o Partenon Literário que se tornaria uma das mais importante instituições culturais rio-
grandenses. BAUMGARTEN, Carlos Alexandre. Literatura e crítica na imprensa do Rio Grande
do Sul (1868 a 1880). Porto Alegre, Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1982,
p. 26-7.

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A G U E R R A D O PA R AG U A I E A I M P R E N S A R I O - G R A N D E N S E - D O - S U L :
ENSAIOS HISTÓRICOS

de uma identidade regional frente ao nacional, o posicionamento


antiescravista e sensibilizador do sofrimento promovido pela
escravidão, o conflito liberal/ conservador/centralizador, já
permeia algumas preocupações sobre o futuro da Província e as
alternativas de desenvolvimento para a cidade do Rio Grande.
Porém, alternativas com enfoque nas especificidades da Província
e a autonomia do regional frente ao nacional, tema tratado pela
historiografia republicana a partir de 1882, não assumem este
sentido no periódico. Entretanto, a reflexão da identidade regional
começa a constituir uma busca intelectual.
Fomentando a expressão literária e reflexões sobre a identidade
rio-grandense, a contribuição do Arcadia representa um importante
caminho desta construção de um procedimento intelectual para
explicar a realidade. Constata-se que os modelos buscados para a
criação intelectual, transferem ao território sulino os parâmetros
estéticos derivados do Romantismo e que servem de orientação
para o desenvolvimento da literatura brasileira. O encaminhamento
é idêntico ao realizado por críticos do Rio de Janeiro e São Paulo e as
matérias dos escritores locais revelam que a intenção da Província
“é de se ajustar a essas teses, introduzindo o Rio Grande no debate
sobre as questões relativas à natureza da literatura nacional”
(MOREIRA, 1991: 155).
Para Eunice Moreira, esta geração de críticos rio-grandenses,
conheceram tardiamente as bases do movimento romântico, tratando
de encampá-las e adotá-las como estímulo ao aparecimento da
literatura nativa. Desta forma pode-se reconhecer que a expressão
desta imprensa literária no Rio Grande do Sul nasce “sob o signo
da estética romântica, procurando os críticos locais salientar os
recursos próprios da região para obtenção da autonomia artística
e, portanto, da originalidade literária brasileira” (MOREIRA, 1991:
155). Os estudos encaminhados no Arcadia, terão continuidade
nos escritos dos representantes da geração do Partenon Literário,
até 1880. Mesmo com o esgotamento do romantismo de cunho
liberal, essa primeira geração, deixará na tendência as temáticas
regionalistas “um leito comum à literatura gaúcha” (CESAR, 1971:
19) que sobreviveu ao longo das décadas.

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LUIZ HENRIQUE TORRES

O ESPAÇO DA HISTÓRIA NO ARCADIA

No século XIX, as concepções historiográficas passaram por


mudanças fundamentais. Esse século tornou-se conhecido como o
“Século da História”. As correntes historiográficas do século XIX
convergem no aspecto de recuperar o conceito de história em seu
sentido original grego. A história deixa de ser considerada como
uma crônica baseada nos testemunhos legados pelas gerações
anteriores e passam a entendê-la como investigação (MARTINS,
2010: 10-11). Foi na segunda metade do século XIX que se travou
o debate sobre a arte de escrever história com encanto literário
do estilo e os padrões de controle metódico requeridos pelo
paradigma experimental das ciências naturais, dominantes na
concepção mesma de conhecimento científico (MARTINS, 2010:
13). Na direção cientificista, vai se destacar a concepção positivista
fundada na filosofia do fato histórico, fatos estabelecidos mediante
os documentos, indutivista, com narração fundada no trabalho
metódico das fontes, daí ser mais apropriado ser referida como uma
“escola metódica” (MARTINS, 2010, 12).
A historiografia brasileira no século XIX teve na fundação
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) em 1838, o
nascimento da organização sistemática da preservação da memória
histórica no Brasil (ARRUDA, 1999: 33). O grande clássico da
História do Brasil neste século fora escrito por Adolfo de Varnhagen
e finalizado até o ano de 1857. O livro se reveste de um modelo de
erudição tendo por inspiração os objetivos do IHGB de construção
de uma história da nação brasileira, a partir de um exaustivo estudo
de fontes documentais.
No Rio Grande do Sul a produção historiográfica até a década
de 1870, esteve voltada a conquista territorial e ao povoamento,
pouco identificada com os interesses regionais (salvo raras
exceções) e na qual avultam os viajantes estrangeiros e os
funcionários delegados pelo governo central (ALMEIDA, 1983:
84). Em 1855 foi fundado em Porto Alegre, o Instituto Histórico e
Geográfico da Província de São Pedro, que em 1860 lançou uma
revista que foi editada até 1863. Os objetivos do Instituto eram
os de “coligir, metodizar, publicar e arquivar os documentos
concernentes a história e topografia da Província, e a arqueologia,

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ENSAIOS HISTÓRICOS

etnografia e língua de seus indígenas” (CALDRE E FIÃO, 1860).6


A vinculação do Instituto a um ideário ligado ao papel militar e de
constantes guerras com os vizinhos platinos, buscava resguardar
ao Rio Grande do Sul, a nacionalidade brasileira e o vínculo com o
Império:

A história do passado, como do porvir desta província, não será um


monumento de exclusivo interesse para ela; não, os sucessos mais
notáveis aqui passados estão intimamente ligados à vida do Império,
que não haverá brasileiro que os não leia como uma narrativa da história
geral do país. Os bravos que derramaram seu sangue nas guerras da
colônia, da Independência nacional, do Estado Oriental, empenharam-
se por lutas nacionais, os sucessos acontecidos nela eram ou deviam
ser registrados na história geral do país. O que há de particular é
somente civil, só os seus sucessos são os que tocam individualmente.7

O papel dos rio-grandenses seria o de resguardar as fronteiras


do império contra agressões. O Rio Grande do Sul era definido
como o teatro de contínuas guerras. As finalidades presentes
quando da criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro8,
eram semelhantes ao Instituto criado na província do Rio Grande
do Sul. Na Revista do Instituto foram publicados documentos
político-administrativos (decretos, atas, levantamento geográfico e
estatístico da Província, notícias topográficas e discursos de sócios
ou autoridades). O caráter descritivo das notícias geográficas, de
campanhas militares e de povoamento, estava associado ao papel
do Rio Grande do Sul como defensor dos interesses patrióticos
ligados ao Império brasileiro. Sobre as Missões somente um
levantamento da população missioneira foi apresentado por Manoel
da Silva Pereira do Lago, referindo-se ao estado de decadência

6  Os estatutos ainda previam a filiação ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e


publicação de um folheto trimestral, que tenha pelo menos doze folhas de impressão, com o
título de Revista Trimestral do Instituto Histórico e Geográfico da Província de São Pedro. Foram
editados seis números da Revista.
7  CALDRE E FIÃO (1945), Revista trimestral..., op. cit., p. 171. Além de José Antônio do Valle
Caldre e Fião, tiveram uma participação atuante no Instituto, Manuel Marques de Souza
(Conde de Porto Alegre) e Manoel Ferreira da Silva.
8  Criado em 16 de agosto de 1838, o artigo 1º dos Estatutos do Instituto, sediado no Rio de
Janeiro, serviu de modelo para o Instituto criado no Rio Grande do Sul: “O Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro tem por fim coligir, metodizar, publicar ou arquivar os documentos
necessários para a história e geografia do Império do Brasil”. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico do Brasil, 3. ed., Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, n. 1, 1º trim., 1839, reimpressão
do original, 1908.

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LUIZ HENRIQUE TORRES

dos antigos povoados missioneiros e da população guarani:


“deveriam ter administradores, para os obrigarem ao trabalho,
porque os índios jamais serão capazes de se manterem sem que
sejam administrados, e ao contrário andarão como andam, vagando
por toda a parte, cometendo imensos roubos e assassinatos, tudo
por falta de polícia, que os obriguem ao trabalho” (LAGO, 1860).
Porém, jesuítas ou guaranis, não eram alvo de considerações
relativas ao período colonial. Foram publicados documentos que
enfatizam a normalidade da vida administrativa sem maiores
contribuições ao campo da política ou da formação histórica, pois a
identidade rio-grandense era associada ao papel militar e heroísmo
de sua população na defesa dos princípios de unidade do Império.
Conforme Walter Spalding, num comentário geral à Revista,
“há nela, é bem verdade, trabalhos de pouco valor e anotações
desprovidas de qualquer interesse atualmente”. E complementou,
sobre a veneração aqueles que batalharam a mesma batalha: “a da
divulgação de nossa história, - a história do nosso pago, - e a da
cultura de nosso povo, incentivando nele o amor ao que é nosso,
rio-grandense e, por isso, profundamente brasileiro” (SPALDING,
1945: 169).
A historiografia no Rio Grande do Sul até a década de 1870 é
muito rarefeita em obras. A partir da década seguinte, o número de
estudos amplia-se estando ligado a uma historiografia republicana
com ênfase no regional. O nascimento da historiografia do Rio
Grande do Sul está relacionado ao estudo de José Feliciano
Fernandes Pinheiro os Anais da Capitania do Rio Grande de São Pedro
(1819), com forte ênfase na história política e factual (TORRES,
2004). Os Anais de José Feliciano Fernandes Pinheiro, persistiu
como obra de referência mais consistente deste período. O livro
alia pesquisa documental com um relato linear e de tempo breve,
característico da história factual. A interpretação de uma formação
histórica portuguesa, mas onde o Prata não é um “corpo estranho”
ao Brasil é associado à aversão a obra da Companhia de Jesus e o
apoio à prática pombalina anti-jesuítica.
Os publicações de Antônio Câmara e Antônio Camargo, se
mantém fiéis aos princípios monarquistas e bragantinos do Império.
Os poucos trabalhos disponíveis, fazem com que a produção de
cronistas como Auguste Saint-Hilaire, Nicolau Dreys, Arsène
Isabelle, Joseph Hörmeyer e Robert Avé-Lallemant, se tornem

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A G U E R R A D O PA R AG U A I E A I M P R E N S A R I O - G R A N D E N S E - D O - S U L :
ENSAIOS HISTÓRICOS

fonte de consulta e citação de observações, quase sempre, de


acentuado cunho etnocêntrico e destituídos de uma pesquisa em
fontes documentais. A criação do Instituto Histórico e Geográfico
da Província de São Pedro e seu curto período de atuação,
comprova a ausência de uma comunidade intelectual efetiva. O
movimento republicano e a defesa federalista desencadeado nas
duas últimas décadas do século XIX, trouxe uma diversificação e
ampliação dos estudos. A adesão do rio-grandense ao Império e as
diretrizes bragantinas será questionado, numa releitura de resgate
dos princípios de autonomia presente na Revolução Farroupilha,
e na busca de uma identidade republicana para o Rio Grande do
Sul. Fora os Anais da Província, poucos trabalhos se dedicaram
à história da Capitania/Província sendo utilizados os relatos de
cronistas estrangeiros como fonte historiográfica (TORRES, 2011).
Para os que no Arcadia tentaram enveredar a escrever a história,
poucas leituras disponíveis havia como os livros de Antônio
Câmara Ensaios Estatísticos da Província de São Pedro do Rio Grande do
Sul (1851) e de Antônio Camargo Quadro Estatístico e Geográfico da
Província de São Pedro do Rio Grande do Sul (1868) os quais se mantêm
fiéis aos princípios monarquistas e bragantinos do Império.
O Arcadia surge em Rio Grande num momento de crise
econômica advinda da Guerra do Paraguai (1864-1870). O Império
do Brasil nas décadas de 1850-60, estava em crise financeira.9
Os gastos militares representavam a metade das despesas imperiais
e, durante a Guerra do Paraguai, aumentou para cerca de três quintos
do orçamento do governo Imperial (PINTO, 2006: 97-121). Em Rio
Grande, a mobilização para a guerra foi intensa e os recrutamentos
eram feitos inclusive entre os trabalhadores do comércio. Críticas
circularam pela imprensa frente ao rigoroso tratamento dado aos

9  A Guerra do Paraguai chegou conforme estudo de Pelaez e Suzigan, ao montante de 614


mil contos de réis (PELAEZ & SUZIGAN, 114), e gerou um déficit 387.393 contos e teve
como principais fontes de financiamento os empréstimos externo e interno e a cobrança de
impostos. Foi feito um empréstimo externo, “realizado em 1865, no valor de £ 6.693.000, ao
tipo 74, que propiciou o líquido de £ 5.000.000 (cerca de 49 mil contos), com juros de 5% e 30
anos de prazo; empréstimo interno de 27 mil contos, além da emissão de letras do Tesouro (a
6% ao ano), no valor de 171 mil contos no decorrer da guerra; e o restante, cerca de 120 mil
contos, em emissões de papel-moeda” (NOGUEIRA: 378). Em relação aos impostos, além da
cobrança em ouro de 15% dos impostos de exportação e importação, a partir de 1867, também
se recorreu ao aumento das contribuições provinciais. Para Dênio Nogueira, “essa última
fonte de receita foi a que acusou maior crescimento, passando de 15% para 25% da receita
total arrecada entre 1864 e 1869” (NOGUEIRA: 380).

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LUIZ HENRIQUE TORRES

soldados no quartel local para onde confluíam recrutados da região.


O pesado preço pago pelos rio-grandenses era destacado em relação
a outras províncias onde restrito envio de homens estava ocorrendo,
sugerindo meandros políticos de favorecimento nesta seleção.
O fato é que o Arcadia surge num momento de exaltação patriótica
pela dimensão de uma guerra em que o Império Brasileiro não estava
preparado para fazer parte e precisou usar de criatividade, heroísmo
de muitos participantes e recrutamentos sistemáticos para vencer o
conflito. A expressão literária de certa forma aproveita o momento
para enfatizar a necessidade de união e de visão construtora de um
discurso antagonista entre a liberdade e a tirania.
Algumas temáticas presentes no Arcadia, permite pensar o
ideário que ele busca divulgar. A forte presença do pensamento
liberal e a aversão à tirania é uma das convergências principais em
vários artigos que contrapõem liberdade e escravidão. Inclusive
com condenações (mesmo que sutis) ao próprio sistema escravista
como na poesia “O Escravo” de Fernando Ozório: “E que Deus
odeia a escravidão! Entre nós deve haver toda a igualdade. Em cada
coração, por entre as carnes. Escrito deve estar – Fraternidade!”
(OZÓRIO, 1868: 62). Em matéria não assinada de 1869, afirma-se
que “o elemento servil é um mal; problema definido por si mesmo,
porque é o fruto da opressão do forte sobre o fraco” (ARCADIA,
1869: 233). A Guerra do Paraguai acaba se tornando emblemática
na luta entre a escravidão (realizada por um déspota e imposta à
população paraguaia) e a liberdade (encarnada nas forças brasileiras
e nos exemplos de “vultos liberais” envolvidos no confronto).
Uma das formas de luta pela liberdade se daria através da
expressão literária. Quanto mais ilustrado os homens fossem mais
se aproximariam de princípios anti-despóticos. As publicações
literárias seriam fundamentais para a emancipação da condição de
um passado autoritário que caracterizou o Rio Grande do Sul nos
seus confrontos de fronteira com o Prata. Nesta direção, a definição
de Literatura utilizada no periódico é relevante pela sua amplidão
de ilustração e propagação do conhecimento humano produzido
em sociedade:

A literatura é o primeiro elemento da civilização dos povos. Necessária


e útil, é sobre suas bases que se sustentam os monumentais edifícios
do progresso e da riqueza, ao tempo que se torna o mais sublime

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ornamento de uma sociedade. É por ela que as gerações transmitem


aos pósteros seus efeitos e glórias; é ela que ilustra as nações, e sem a
sua propagação o conhecimento humano seria um mito. Que nos põe
em contato com a história dos tempos heróicos, e faz saber os costumes
e caráter dos povos sepultados no pó? O mundo em seu primitivo
estado, os impérios e reinos decaídos, as vitórias e conquistas das
antigas nações, tantas maravilhas, homens ilustres, tudo, enfim, seria
por nós ignorado se a literatura não nos fizesse tradicionalmente
reconhecer que existiram (DIAS, 1868: 5).

Quando da instalação em Rio Grande (4 de abril de 1869)


do Grêmio Literário Rio-Grandense, o primeiro secretário, José
Vicente Thibaut, proferiu um discurso sobre o papel da literatura.
Para ele, historicamente, literatura é o conjunto dos monumentos
do pensamento humano, manifestados pela palavra escrita. Um
história completa da literatura, deveria, pois, abranger a poesia,
a eloqüência, a filosofia, a política, a história natural, a retórica,
a crítica, o romance, o gênero epistolar, a lingüística e em geral
as ciências, pois, para se manifestarem, todos os gêneros, todas
essas ciências precisam tomar uma forma mais ou menos literária
(THIBAUT, 1869:195). Para o articulista, a Literatura é o objeto
principal e o fundamento dos estudos, pois as letras falam ao coração
e a razão, formando o homem inteiro. Constata-se que a Literatura
é apresentada como um “grande guarda-chuva” a ser usado por
todos os gêneros científicos para poder tomar forma discursiva.
Cabe questionar se neste período da década de 1860, a história já
não estará relativamente emancipada da literatura pelos debates
promovidos pela historiografia historicista e positivista? A Arcádia
não estará defasada em sua visão literária com a “estrada real da
inteligência humana” sem levar em consideração a especificidade
das áreas do conhecimento?
Chama atenção à presença de um considerável espaço para
publicações voltadas a História no periódico. Entre outras
abordagens podem ser destacados estes estudos com ênfase histórica:
Apontamentos para a História da Revolução da Província do Rio
Grande do Sul (1835-45) por Spartacus; Apontamentos históricos,
topográfico e descritivos da cidade do Rio Grande por Carlos
Eugênio Fontana; A Guerra do Paraguai por Tibullo; Utilidade da
História por A.L. Ulrich; Parecer sobre a tese histórica “A Vinda
dos jesuítas ao Brasil foi benéfica ou perniciosa” por Achylles

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LUIZ HENRIQUE TORRES

Porto Alegre (artigo anti-jesuítico e polêmico sobre a teocracia da


Companhia de Jesus) etc.
As temáticas desenvolvidas apontam de forma indireta para a
inserção dos escritos em posições engajadas a certa visão de mundo,
e onde o documento, quando aparece, é usado para comprovar
determinada interpretação. É o caso da série de escritos chamado
“Apontamentos para a História da Revolução da Província do
Rio Grande do Sul (1835-45)”, onde a interpretação liberal induz a
escrita, fazendo com que a História seja um instrumento educativo
para promover o conhecimento das expressões históricas de uma
vertente de ação política: o liberalismo na Revolução Farroupilha.
O pseudônimo de quem assina a matéria é “Spartacus”, que lembra
a luta na antiguidade escravista romana pelo reconhecimento da
condição humana e a ferrenha repressão e tirania dos escravistas. A
“pá de cal” colocada pelo Império ao final da Revolução Farroupilha,
tornando o tema um assunto a ser evitado, teve através de escritos
literários a retomada das interpretações do conflito e do ideário
liberal radical/moderado. Este processo de retomada do ideário e
valorização de personagens do decênio farroupilha, chegou ao ápice
com a organização dos Clubes Republicanos a partir de 1882, tendo
por patrono Bento Gonçalves da Silva. O Arcadia, precocemente, já
tocava a temática do resgate farroupilha. Conforme “Spartacus”,
que se considera ser o primeiro a usar o termo revolução e não
rebelião (termo oficial do Império que continuava a se referir aos
“rebeldes”), a revolução é um direito do povo. Quer política, quer
cientificamente falando, as revoluções representam um direito
natural e a mais das vezes – necessário (ARCADIA, 1867, 9). O
autor usou documentos do período, fazendo transcrições literais
e induzindo o leitor as conclusões pró-liberais, além de fazer uma
seleção de documentos que comprovassem a sua visão de que os
rio-grandenses lutaram contra o despotismo para defender a sua
liberdade.
Carlos Eugênio Fontana (autor do romance O Homem Maldito
publicado em Rio Grande em 1858), assinou uma série de artigos
sobre Rio Grande. Estamos diante da primeira tentativa de escrever
uma história da cidade do Rio Grande. Fontana constatou que entre
os livros destinados ao ensino, não encontrou nenhum que tratasse
da história local, animando-se em “confeccionar este imperfeito
compêndio de apontamentos, para suprir em parte aquela falta”

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ENSAIOS HISTÓRICOS

(FONTANA, 1867). Ele reconheceu a “inabilidade para tão


importante trabalho, que requer habilitações que não possuo”, mas
decidiu ser “útil a mocidade estudiosa”. Fez leituras da coleção de
Angelis e das viagens de Felix de Azara entre outros autores. O
resultado foi uma descrição que teve início em 1737, comentando
alguns aspectos ligados a política e sociedade local. Fontana
não foi árido em sua narrativa (como era comum nos estudos
historiográficos cientificistas do período que enfatizavam a narrativa
factual e cronológica), emitindo juízos de valor e comentando sobre
dificuldades e sucessos na constituição da sociabilidade em Rio
Grande. Um exemplo está nesta passagem: “Esta província pode
contar-se como uma das mais felizes do Império, pois não teve por
povoadores gente tirada do Limoeiro e outras cadeias de Portugal,
como aconteceu a algumas” (FONTANA, 1867: 42).
Um artigo escrito por Artur de Lara Ulrich, Utilidade da História
(ULRICH, 1867: 104-106), é elucidativo em relação ao engajamento e
o papel moral da narrativa histórica:

Não é sem razão que a história tem sempre sido olhada como a luz
dos tempos, a depositária dos acontecimentos, a testemunha fiel
da verdade, a fonte dos bons conselhos e da prudência, a regra da
conduta dos costumes (...). Pode-se dizer que a história é a escola
comum do gênero humano, igualmente aberta e útil aos grandes e
aos pequenos, aos príncipes e aos súditos, e ainda mais necessário aos
grandes e aos príncipes do que a todos os outros (ULRICH, 1867: 104).

Para Ulrich, o estudo da história nos faz ajuizar sobre os grandes


homens da antiguidade. Assim a história, quando bem ensinada,
“torna-se uma escola de moral para todos os homens”. Ela descreve
os vícios, desmascara as falsas virtudes, desengana os prejudicados
e dissipa “o prestígio encantador das riquezas e de todo este vão
brilho que deslumbra os homens, ela demonstra por mil exemplos
mais persuasivos que todos os raciocínios, que não há ai de grande
e de louvável senão a honra e a probidade”. A história também
ensina a respeitar “a virtude e a distinguir a beleza e o brilho através
dos véus da pobreza, adversidade, obscuridade e mesmo algumas
vezes da infâmia...” (ULRICH, 1867: 106).
Para Ulrich, a história é uma “escola moral” que lança luzes
contra o arbítrio e a obscuridade do conservadorismo e autoridade
excessiva no trato do poder ou na vida cotidiana, numa ênfase do

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pensamento liberal contra o conservador. A escola deve ensinar a


virtude e contrapor esta com a infâmia. O período era de embate
entre o Partido Conservador, que mantinha o poder desde o processo
de reconstrução do Rio Grande do Sul com o final da Revolução
Farroupilha (1845) e o fortalecimento do Partido Liberal que chegou
ao poder no ano de 1868 e que o manteria até o final do Império. O
enfoque moralizador não é destituído de uma visão política liberal
de superar as práticas autoritárias características da vida pública
provincial e que serão institucionalizadas com o estabelecimento do
poder republicano castilhista na década de 1890. Neste sentido as
matérias aqui sumariamente analisadas, mostram um leito comum
de engajamento a causa da liberdade e a ênfase em temas polêmicos
e engajados a uma história do presente. A História enquanto um
aprendizado moralizador para atuação engajada no presente é um
lugar comum nos escritos.

A GUERRA DO PARAGUAI NO ARCADIA

Os artigos dedicados a “Guerra do Paraguai”, relatam a


vitoriosa campanha brasileira que soma glórias e heroísmo
contra os assassinos paraguaios liderados por um tirano. Não há
distanciamento temporal e emocional dos acontecimentos, que
são narrados de forma engajada no esforço da Tríplice Aliança em
vencer Solano Lopes. Para o periódico estava ocorrendo uma luta
entre a civilização e a barbárie, conforme matéria de 1867:

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Um articulista assina como “Tibullo”, um pseudônimo


que permite o anonimato do autor no caso de uma reviravolta
paraguaia no conflito? O mesmo pode ter coerência no pseudônimo
“Spartacus”, pois o assunto Revolução Farroupilha apresenta brasas
ainda não adormecidas e os conservadores ainda se fazem presente
na sociedade rio-grandense.

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LUIZ HENRIQUE TORRES

Segundo “Tibullo”, a escravidão de um povo não pode ser


eterna. “O primeiro erro de um tirano em política internacional
é sempre a causa de sua queda; Rosas foi um exemplo, além de
outros, para a humanidade; Francisco Solano Lopes também o será
brevemente” (TIBULLO, 1868: 100). Para ele, a guerra de libertação
do Paraguai é uma “missão sublime” que derrubará a árvore do
despotismo que afronta a civilização do mundo americano que
respira liberdade. O brasileiro então dirá ao guarani: “irmão nosso
pelo solo, não somos vosso inimigo; viemos somente libertar-vos do
jugo que vos oprime; levantai-vos; arrancai a venda que vos cobre
os olhos e no regaço da paz gozai de hoje em diante conosco os foros
de povo livre” (TIBULLO, 1868: 102).
A Guerra do Paraguai traz a tona algumas temáticas presentes
no Arcadia, que permite pensar o ideário que ela busca divulgar. A
forte presença do pensamento liberal e a aversão à tirania é uma
das convergências principais em vários artigos que contrapõem
liberdade e escravidão. Inclusive com condenações (mesmo que
sutis) ao próprio sistema escravista como na poesia “O Escravo”
de Fernando Ozório: “E que Deus odeia a escravidão! Entre nós
deve haver toda a igualdade. Em cada coração, por entre as carnes.
Escrito deve estar – Fraternidade!” (OZÓRIO, 1868: 62). Em matéria
não assinada de 1869, afirma-se que “o elemento servil é um mal;
problema definido por si mesmo, porque é o fruto da opressão do
forte sobre o fraco” (ARCADIA, 1869: 233).
A construção do inimigo, “no calor da hora”, evidencia a luta
da liberdade contra a escravidão dos caudilhos platinos. No artigo
de Antonio de Maria Pinto “A Invasão da Fronteira de Jaguarão,” o
ataque paraguaio foi visto como ação de uma “horda de verdadeiros
salteadores, arvorados em soldados da vanguarda do exército
oriental”. O povo jaguarense, “repelindo a invasão, cobriu-se de
glória. Deu a pátria mais um dia de verdadeiro regozijo, e castigou,
com altivez e bravura o vandalismo dos átilas da América do sul!”
A população de Jaguarão “compreendeu e desempenhou o mais
sagrado dos deveres do cidadão: viver com a pátria ou morrer com
ela” (PINTO, 1868: 49).

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O grande tema do ano, em que se vislumbrava o final da guerra,


estava ligado à passagem de Humaitá no Rio Paraguai e a ocupação
pelos aliados desta poderosa fortaleza paraguaia. A passagem de
Humaitá pela esquadra brasileira, foi recebido como um dos feitos
mais grandiosos da marinha de guerra “e que seus anais levarão
a posteridade em brilhantes páginas (...)”. Os filhos do “gigante
império sul-americano, deram provas dessa coragem prudente,
que tanto os distingue – atributo do homem civilizado que respira

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o ar da liberdade” (TIBULLO, 1868:50). A expectativa é de que a


ditadura estava chegando ao seu final: “o pobre povo que ele tem
fanatizado e oprimido, dentro em pouco será livre. Ao Brasil deverá
ele sua liberdade. A escravidão de um povo, como já dizemos, não
pode ser eterna. Os triunfos da barbárie são apenas momentos. E o
poder dos tiranos é zero quando deus diz – basta” (TIBULLO, 1868:
52).
Um poema “A Tomada de Humaitá” assinado com o
pseudônimo de Lucano e datado de 6 de agosto de 1868, sintetizou
parte do imaginário dos discursos. A parte final diz: Salve o
pendão brasileiro/Salve o Império do Cruzeiro/Essas falanges de
bravos/Arautos da humanidade/Mensageiros da liberdade/Que
libertaram escravos!

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Comemorando a passagem da frota naval por Humaitá,10


às festas populares em Rio Grande, foram marcantes. No dia 5
de março uma companhia dramática fez uma representação em
regozijo às importantes notícias:

O teatro estava repleto de espectadores. Depois de cantado o hino


nacional, por toda a companhia, o sr. Subdelegado soltou diferentes
vivas que foram com explosão correspondidos. Em seguida,
ouviram-se muitos recitativos análogo aos festejo, primeiramente
os srs. Zeferino Rodrigues filho, C.L. Jardim, Menezes Paredes, João
Borges, Apolinário Porto Alegre e os atores Lisboa e Barbosa, já pela
eloqüência, já pelo mérito das produções. O entusiasmo tocava ao
frenesi, cavalheiros e damas tomavam igual parte no grande festim.
Findo o espetáculo ainda a patriótica união comercial percorreu as
ruas, sempre acompanhada de imenso povo, que não cessava de entoar
hossanas. Toda a cidade adorna-se de primorosas galas. Iluminação e
músicas pelas principais ruas. Entusiásticos vivas e demonstrações de
júbilo (ARCADIA, 1868: 39).

A queda de Humaitá aparece no periódico como o ápice


do conflito. Estrategicamente é a derrota de Solano Lopes que
comandava pessoalmente a fortificação e que se retirou dela.
Porém, a guerra continuaria por quase mais dois anos. No discurso
proferido no Teatro Sete de Setembro na noite de 5 de agosto por L.
Ulrich, constata-se o otimismo e o reforço da defesa da liberdade:

Caiu Humaitá! E o anjo da vitória entoa os cantos de jubilo em honra


do Exército, que a seus pés viu cair as mais formidáveis ameias
do Gibraltar sul americano. E ao Brasil, nossa querida pátria, que
pertence à honra de abalar até os alicerces o orgulho do insensato que
atrozmente o insultara e provar ao infeliz povo que ainda geme sob
os ferros da mais dura escravidão, comprimido pelo mais nefando
fanatismo, que do seu vencedor deve esperar sua ressurreição
política e tomar em breve um lugar distinto entre as nações cultuas e
vivificadas pelo progresso e pelos raios da civilização (ULRICH, 1868:
215).

O editor da publicação, Antonio Joaquim Dias, também se


10  Complexo de fortificações localizado na à margem esquerda do rio Paraguai que permitia
controlar o acesso por via fluvial à capital, Assunção. Era o centro militar do poder de Solano
Lopez. No dia 16 de julho de 1868, comandados por Manoel Luís Osório, os brasileiros
investiram sobre reduto ao norte de Humaitá com 12.000 homens e derrotaram os paraguaios
nos dias seguintes. O preço foi muito alto com a perda de 3.000 brasileiros. Estrategicamente,
foi um golpe fundamental para a derrota militar de Solano Lopes e muito festejada no Brasil.

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pronunciou sobre a guerra enfatizando que o governo brasileiro


não queria o conflito o qual foi provocado pelo ditador do Paraguai,
Solano Lopes. A fronteira do Rio Grande do Sul era freqüentemente
atacada por “bandidos orientais”. No Uruguai, a propriedade
particular brasileira não era respeitada pelos ladrões que cometiam
crimes e infâmias contra “pacíficos cidadãos do Império”. Para
Dias, os roubos e assassinatos eram diários e os clamores chegaram
ao trono de D. Pedro II, um monarca “exemplar, que não podia
ser indiferente às vozes da angústia e desespero daqueles seus
súbditos ameaçados pelo mais feroz canibalismo” (DIAS, 1868: 89).
O português Dias se considera um hóspede do governo brasileiro
e tendo o dever de rebater injúrias, conforme edição de 1868,
reproduzida a seguir:

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Para Dias, a comunidade portuguesa no Brasil, apoiava a


participação brasileira no conflito e torcia para um desfecho
favorável ao país em que teve o vínculo político por três séculos.
“Admiram o valor e heroísmo com que se tem batido os soldados
do império. Não se queixam das conseqüências da guerra e se tanto
fosse preciso, imitando muitos que lá tem empunhado a espingarda,
correriam com entusiasmo a debelar o inimigo comum” (DIAS, 1868:
93). Dias também enfatizou que Lopes foi o causador do conflito e
rebateu as calúnias do jornal português Correio de Europa para o
Império Brasileiro.
Constata-se, que os estudos históricos aparecem constantemente
no periódico Arcadia, e tratam basicamente de três temas centrais: a
Revolução Farroupilha, a Guerra do Paraguai e a História da cidade
do Rio Grande.11 A narrativa historiográfica prende-se ao desenrolar
dos acontecimentos através de uma leitura dos fatos políticos,
numa seqüência linear e cronológica, sem análises de caráter social
ou econômico. O realce do caráter heróico e do exemplo moral de
alguns personagens, é o referencial que conduz a uma narrativa com
acentuado cunho teleológico: personalidades que se destacam em
determinada época, canalizam as aspirações e traduzem os anseios
de segmentos sociais majoritários, sintetizam o momento histórico a
partir da ação individual. Uma matéria sobre a utilidade da história,
converge para o conhecimento histórico enquanto uma “escola
moral para todos os homens”, afinal o estudo da história permite
descrever os vícios, desmascarar as falsas virtudes, desenganar os
prejudicados e dissipar o “prestígio encantador das riquezas e de
todo este vão brilho que deslumbra os homens”. Também cabe a
história demonstrar por “mil exemplos mais persuasivos que todos
os raciocínios, que há aí de grande e de louvável senão a honra e a
probidade” (ULRICH, 1867: 105).
O paradigma historiográfico idealista está claramente presente
nestes enfoques que privilegiam os atos individuais enquanto
expressão do coletivo. A presença de componentes positivistas, como
o recurso linear, cronológico, factual, episódico, e especialmente,
a legitimação de estar respaldando em documentos históricos a
análise desenvolvida, indica a conciliação entre os paradigmas
11  Outros assuntos de caráter histórico também são esporadicamente tratados: Brasil no
século passado; Restauração de Portugal; documentos sobre a Revolução desta Província
(1835-45); Vila de Piratini - notícia histórica, topográfica e descritiva.

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positivista e idealista, na leitura do passado histórico. Esse


encaminhamento teve continuidade na historiografia nas décadas
seguintes (PESAVENTO, 1980: 60).
Como ficou constatado, o Arcadia, além do encaminhamento
literário, também apresentou espaço para ensaios sobre o passado
rio-grandense e brasileiro. A valorização do conhecimento histórico
enquanto um referencial para o presente, funda-se num acentuado
caráter idealista canalizado num discurso factual que garantiria o
estatuto de cientificidade deste saber.
Porém, a recepção na comunidade local ficou aquém do esperado
pelos envolvidos na publicação. O esgotamento do projeto literário
já está expresso no ano de 1869 em matéria melancólica de Menezes
Paredes (Rio Grande, 15 de julho de 1869) que observa uma maioria
positivista triunfar através do maior arcabouço financeiro sobre os
poucos defensores das letras:

Arcadia. Numa época toda de materialismo e cálculo, quando apenas


as operações aritméticas traduzidas em valor monetário servem de
alavanca a mola social, a mocidade, essa flor esperançosa de todos os
países, atira-se avante as portas do futuro, desprezando os anteparos
do positivismo, que em vão busca tolher-lhe os passos. E nessa luta
descomunal travada entre uma fração mínima de nossa sociedade – a
mocidade estudiosa – com a maioria positivista, sempre por honra
nossa, temos visto o triunfo daquela. É a moralidade e o talento
reagindo contra a corrupção da época, e encaminhando-se ao total
aniquilamento dos retrógrados. ... Temos visto o desanimo e a frieza
com que foram recebidas as primeiras tentativas literárias em nossa
província, mas também com bastante satisfação observamos a nobre
dignidade com que os modernos justadores se atiraram na arena das
letras. ... Confiamos em Deus e no futuro (PAREDES, 1869).

Antonio Dias, em 1869, também demonstrava cansaço e procurou


outro espaço para tentar manter vivo o periódico, deslocando-se
para Pelotas e lançando nesta cidade, no ano de 1870, o derradeiro
número do Arcadia. Dias se referiu as dificuldades em resistir
ao indiferentismo da época, aos golpes traiçoeiros de invejosos
desafetos, ao murmúrio dos maldizentes. Para ele, vencer todos
esses miseráveis empecilhos e seguir avante pela estrada do útil e
do bem, “deixando a retaguarda os zoilos a morderem-se de raiva, é
glória e heroísmo” (DIAS, 1869: 302). O Arcadia perderia sua última
e “heróica” batalha encerrando sua atividade ao final da Guerra da

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Tríplice Aliança. Deixava de tentar mudar a história intelectual da


cidade/província do Rio Grande para tornar-se uma fonte para os
pesquisadores entenderem o ideário romântico e os fundamentos
do regionalismo literário no Rio Grande do Sul.
Também se tornou uma fonte para pensar, a partir do periodismo
literário na cidade portuária do Rio Grande, as percepções
contemporâneas sobre o maior conflito ocorrido na América do
Sul. Passados 150 anos da organização da Tríplice Aliança (Brasil,
Argentina e Uruguai), o tema Guerra do Paraguai continua atual e
tem sido tema de inúmeras investigações científicas. Evidenciando
que a historiografia está afeita aos modismos de cada época passou-
se neste último um século e meio a uma posição pendular de
brasileiros libertadores para imperialistas e assassinos; de Solano
Lopes tirano para libertador de um povo; e vice-versa. Porém, se
evidencia que a construção de uma visão historiográfica brasileira
tradicional e conservadora não foi uma produção intelectual
produzida artificialmente após o conflito por historiadores ligados
ao Partido Conservador. Durante a Guerra e sem saber o seu
resultado final no ano de 1870, os intelectuais liberais que escreveram
no Arcádia expressaram a sua visão sobre os acontecimentos e
edificaram representações dos personagens envolvidos. Nestes
escritos emergem a visão da historiografia tradicional brasileira
que foi construída não pelo maniqueísmo dos vencedores, mas por
personagens reais que viveram no calor da hora dos eventos da, hoje
reconhecida como historiograficamente, como a Maldita Guerra.

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101
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ENSAIOS HISTÓRICOS

IMPRENSA LITERÁRIA NA GUERRA


DO PARAGUAI: O ENFOQUE DO
INUBIA
L uiz H e n rique T orres

Os constantes conflitos de fronteira contra os espanhóis e


missioneiros, ao longo dos séculos XVIII e XIX, dotaram de um
perfil militar a população rio-grandense. Os objetivos ligados a
assegurar o controle do território e resistir a invasões ou pilhagens,
demarcam uma sociedade que se distancia de um referencial de
disseminação de uma cultura letrada e de atividades artístico-
literárias. A presença de olhares europeus, no século XIX, confirma,
como constatou Auguste de Saint-Hilaire (ALVES & TORRES, 1995),
da dificuldade em constituir uma sociedade voltada a reprodução
de valores das aristocracias européias. Assegurada a fronteira com
os castelhanos, as discordâncias com o centralismo da monarquia
brasileira conduziram ao confronto da Revolução Farroupilha
(1835-45) com a desorganização econômica e urbana do Rio Grande
do Sul (ALVES & TORRES, 1994). O término deste conflito, já coloca
os rio-grandenses em estado de alerta pela série de movimentos no
Prata que desencadeiam o contínuo estado de tensão ou de guerra
entre Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai, que se estende até 1870.
Entre a segunda metade da década de 1840 e o final da década de
1860, o jornalismo da cidade do Rio Grande sofreu transformações
e aprimoramentos, superando a publicação de periódicos
necessariamente voltados à defesa político-partidária. Com o
crescimento do número de jornais, aparecem grandes periódicos
diários que buscavam um caráter noticioso e informativo; os
pasquins, numa linguagem informativa e com enfoque pessoal; e

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LUIZ HENRIQUE TORRES

também a imprensa voltada à divulgação da literatura (TORRES,


2012).
O interesse pelas idéias românticas e nacionalistas
desenvolvidas no centro do país, assim como a abertura de reflexões
sobre a literatura regional e a nacionalidade literária, estão presentes
em periódicos de duração efêmera. Uma exceção foi o Arcádia que
“marcaria sua presença por um espaço de tempo maior e por seu
caráter definitivo. Entre 1867 e 1870, o periódico rio-grandino
impulsiona a discussão do fenômeno literário, numa continuação da
linha de pensamento dos românticos brasileiros” (MOREIRA, 1991:
148-9). Conforme Baumgarten, o Arcádia foi o primeiro periódico
importante para a história da crítica literária rio-grandense, pois
congregou junto de si os primeiros críticos literários. Entre os
colaboradores estão Apolinário Porto Alegre, Bernardo Taveira
Júnior, Aquiles e Apeles Porto Alegre, Glodomiro Paredes e outros.
O português Antônio Joaquim Dias foi o proprietário, responsável
pelo lançamento de quatro séries, sendo as três primeiras publicadas
em Rio Grande e a última em Pelotas. “Apesar da denominação, a
Arcádia foi um dos primeiros veículos a se empenhar na divulgação
do ideário romântico, então em fase de afirmação no Rio Grande do
Sul” (BAUMGARTEN, 1997: 66).
Além do Arcádia, também ocorreu à publicação do Inubia na
segunda metade da década de 1860, fazendo com que a cidade do
Rio Grande ocupe um espaço especial na divulgação literária no Rio
Grande do Sul. Estes periódicos surgem numa conjuntura de crise
econômica advinda da Guerra do Paraguai (1864-1870) também
denominada de Guerra da Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e
Uruguai contra o Paraguai). O Império do Brasil, nas décadas
de 1850-60, encontrava-se em sérias dificuldades financeiras. Os
gastos militares representavam à metade das despesas imperiais
e, durante este conflito, aumentou para cerca de três quintos do
orçamento. Na vigência da Guerra do Paraguai, o Rio Grande do
Sul, que era a sétima província brasileira em população com cerca
de 198.000 homens, enviou para a guerra 33.803 combatentes,
cerca de 27% de todo o efetivo brasileiro. Portanto, o recrutamento
praticado na Província do Rio Grande de São Pedro foi dos mais
significativos para formação dos contingentes masculinos que
lutaram neste conflito (PINTO, 2006). Em Rio Grande, inclusive
homens que trabalhavam no comércio, eram convocados para a

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guerra. A cidade, na década de 1860, já se consolidara como uma


praça econômica essencial para a Província. A presença do porto
marítimo fez surgiu um significativo comércio de exportação e
importação e elites ligadas ao capitalismo comercial com conexões
nos portos de Hamburgo, Liverpool, Lisboa, Boston etc, buscavam
aformoseamentos urbanos em sintonia com os padrões estéticos e
de consumo vigentes na Europa. Mesmo que o fluxo de exportação
esteja ligado principalmente aos derivados da pecuária, atividade
tradicional do Rio Grande do Sul luso-brasileiro, a elite da cidade,
através das importações, mantém-se em sintonia com o consumo
europeu de bens culturais e mercadorias.
Nestes bens culturais se pode destacar atividades sociais como
os bailes e o teatro, que teve na cidade a sua primeira casa, com
estrutura para este fim, edificada em 1832 (Teatro Sete de Setembro),
além da publicação de folhetins na imprensa local com livros e
contos de autores europeus, especialmente franceses, mas também
brasileiros. O surgimento de um grupo intelectual que publicasse
periodicamente material literário não era um corpo estranho a uma
cidade que deseja estar em sintonia com a cultura européia mais
ampla.

RIO GRANDE EM 1868

Uma visão da cidade do Rio Grande no olhar de um


contemporâneo aos acontecimentos foi publicada em 1868 no
Arcádia. Seu autor foi o literato Carlos Eugênio Fontana que escreveu
Apontamentos Históricos, Topográficos e descritivos da cidade do Rio
Grande, consistindo numa ímpar contribuição para a historiografia
local. Foi neste ano que surgiu o Inubia que contribuiu para ampliar
o espaço literário na cidade portuária que passava pela difícil
conjuntura da Guerra do Paraguai.
No ano de 1868, Rio Grande contava com 1870 casas edificadas e
37 estavam em construção. Haviam 115 sobrados de um andar e 2 em
construção, além de 2 sobrados de dois andares e 1 de três andares.
A cidade tinha 33 ruas e 4 becos. A maioria das ruas haviam sido
renomeadas recentemente frente à atuação brasileira na Guerra do
Paraguai. As principais ruas eram: Rua Riachuelo (anteriormente
denominada de Boa Vista), que se se situava junto ao Porto Velho;
Rua Pedro Segundo (antiga da Praia e atual Marechal Floriano)

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LUIZ HENRIQUE TORRES

sendo a mais importante rua com “lindos edifícios e quase toda


calçada”; Rua dos Príncipes (antes Direita e atual Bacelar), uma das
principais sendo renomeada em homenagem ao Conde d’Eu; Rua
Paisandu (Pito e atual República do Líbano); Rua Vinte de Fevereiro
(antes do Fogo e atual Luiz Loréa); Rua Uruguaiana (Cômoros e
atual Silva Paes); Rua Barroso (Canal) em honra ao herói da Batalha
do Riachuelo; Rua da Caridade (atual Coronel Sampaio), por estar
localizada a Santa Casa de Misericórdia; Rua Francisco Marques,
em homenagem ao primeiro morador da rua e prático da Barra, pai
do Almirante Tamandaré; outras denominações de ruas vigentes
em 1868 eram Rua da Alfândega (atual Andradas), Rua do Castro
(atual Duque de Caxias), Rua do Rasgado (atual General Neto), Rua
da Câmara (atual Comendador Pinto Lima), Rua dos Quartéis (atual
24 de maio), Rua do Moinho (atual Aquidaban), Rua das Trincheiras
(atual General Portinho), Rua Moron (antiga rua do Bom Fim), Rua
Zalony (antigo Beco do Corpo da Guarda) etc.
Entre os largos e praças havia a Sete de Setembro (antiga Praça
do Poço), São Pedro (atual Júlio de Castilhos), Caridade Nova (atual
Barão de São José do Norte), Tamandaré (antiga Praça dos Quartéis
e Geribanda) e Municipal (atual Xavier Ferreira). A Municipal
consistia numa “vasta praça e único passeio recreativo da cidade,
é comumente denominada de Boulevard Rio-Grandense” porém
“lamenta-se que não mereça mais atenção da edilidade”. Na praça
Tamandaré, existiam seis fontes públicas para coleta de água e
lavagem de roupa, erguendo-se no centro desta, “uma modesta
cruz ali colocada em 1842 pela missão jesuítica a estas plagas”.
Fontana afirmou que a Igreja Matriz de São Pedro encontrava-se
pouco cuidada. Já a Igreja do Carmo (demolida no final da década
de 1920) “é o mais belo templo da cidade e a ordem a mais rica
corporação religiosa. Possui também um hospital e está prestes a
edificar um novo prédio para esse fim”. Neste período estava em
construção “um grande e belo edifício para a Santa Casa, que com
algum empenho por parte do governo da província, poderia ficar
brevemente concluído”. Outros prédios que se destacavam eram
a Casa da Câmara Municipal, o novo Mercado Público, a Cadeia
Civil e o Teatro Sete de Setembro. Conforme Fontana, “o cemitério
extra-muros que teve princípio em 1855, na época da epidemia, já
possui alguns belos mausoléus. Próximo a este cemitério achasse o
dos protestantes” (FONTANA, 1868).

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ENSAIOS HISTÓRICOS

Neste período ainda não existia a Cidade Nova existindo uma


linha trincheiras que mantinha os habitantes protegidos dentro dos
muros da cidade antiga. Com a Guerra do Paraguai, os muros foram
reforçados para resistir a uma invasão de caudilhos que apoiassem
Solano Lopes. O medo não era uma figura simbólica pois a invasão
espanhola da Vila do Rio Grande, em 1763, deixara um imaginário
de apreensões (TORRES, 2006, p. 75-82).
A instrução pública primária era constituída por quatro
escolas, duas do sexo masculino e duas do feminino. A instrução
secundária era exercida apenas por uma aula de francês, porém,
pouco freqüentada. Como uma das preocupações do período era
a civilização expandindo seus tentáculos através da educação e do
desenvolvimento urbano, o autor destacou o desenvolvimento da
cidade rumo a este ideal.

O INUBIA

O periódico Inubia foi lançado neste contexto, no ano de 1868,


em que o Brasil está inserido numa guerra de grandes proporções
envolvendo quatro países. Esta guerra se reflete em Rio Grande
de forma contundente: seja através da movimentação de tropas
oriundas de várias províncias brasileiras; nos recrutamentos locais
ou pelo impacto econômico no movimento portuário, sentido pela
expressiva burguesia ligada ao comércio de exportação e importação
que estava sediada na cidade.
Num momento crucial do conflito é lançado no dia 15 de
março de 1868, o Inubia, que tinha quatro páginas sendo publicado
aos domingos na Tipografia do jornal Artista. Apresentava-se
como um periódico literário e o significado do seu título era uma
trompa indígena de guerra, utilizada pelos índios Tupi-guarani.
Seus proprietários eram Cardoso, Lemos, Mello e Estrela, todos
empregados do Artista, sendo chefe da redação Menezes Paredes.
Sua assinatura era trimestral e custava 2$500 (ALVES, 1999, p. 148).
Em seu primeiro número, foram explicitados os motivos do
surgimento do novo periódico:

Aos leitores. Afinal, e quando já menos esperada, aparece a Inubia


que tantas vezes foi anunciada por uma das folhas diárias desta
cidade. Modesta em sua origem, porque é ela o resultado do penoso

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LUIZ HENRIQUE TORRES

labor de quatro artistas, modesta por seu redator principal, a Inubia


deverá trilhar também uma senda relativa a seus princípios. Não será
um reposteiro por trás do qual o anônimo vá disparar setas falas,
que firam no coração a esta ou aquela individualidade: respeitamos
muito os outros, e se não fosse para o fim nobre a que se propõe a
Inubia, o engrandecimento da literatura entre a mocidade estudiosa
de nossa província, o nosso nome não figuraria, por certo, a testa de
sua redação. (...) o único lucro que teremos nesta tarefa (e é o que
almejamos) será o ter por alguma forma concorrido para a formação
do Pentium literário de nossa província e além de tudo, o termos
podido com nossa fraca mão amparar quatro honestos artistas, que
por sua posição são também fracos. Não coramos, pois, em fazer um
pedido a nossa mocidade esperançosa, o ajutório material com as
suas assinaturas, para esses quatro artistas, assim como o moral, com
seus escritos, a redação da Inubia. Ao fazermos este pedido, devemos,
porém, declarar que todos os artigos literários ou poesias que se
queira inserir na Inubia, devem vir dirigidos em carta subscriptada ao
chefe da redação na tipografia do Artista, e seus autores sujeitar-se-ão
ao juízo crítico da comissão de redação. É um pedido muito justo, e
próprio para desenvolver os trabalhos de uma folha, não a sujeitando
ao papel de reservatório de escritos capengas, aceitos e publicados
muitas vezes (com bem dor dos redatores principais), por mera
deferência a amizades. A Inubia aparecerá de 8 em 8 dias a fazer uma
visita a seus leitores; contendo sempre variedades, romances, poesias
e crônicas, tudo escritos de jovens rio-grandenses ou residentes
nesta província. Toda a proteção que se dispensar a esta folha será
retribuída, aumentando-se o formato e publicação dela toda a vez
que o número de assinantes garanta-lhe o necessário para manter-
se em prelos e tipos alheios, como é forçada a fazer atualmente (...)
(PAREDES, 15 de maio de 1868:1).

Como ocorreu com a quase totalidade da pequena imprensa


rio-grandina do século XIX, o tempo de duração do periódico
foi efêmero. A manutenção financeira sempre é um fator de
comprometimento destas iniciativas. O último número conhecido
do Inubia é o 36 do dia 15 de novembro de 1868. Desta coleção
existente na Biblioteca Rio-Grandense, restaram 28 números que
totalizam 77% da coleção. Os exemplares desaparecidos são os de
números 28 a 35. Como é a partir do número 21 que se intensificam
notícias sobre a Guerra do Paraguai, entre os números faltantes é
grande a possibilidade de que o tema tenha sido abordado. Mas
como grande parte da pesquisa em imprensa, a pesquisa é feita com
fragmentos e não com a totalidade das coleções.

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AS FACES DO INUBIA

Apesar da proposta calcada apenas na divulgação literária, o


periódico passa a atuar também em comentários de crítica social,
moral, de costumes e até pessoal. Estes elementos dão um caráter –
em certos momentos - de pasquim a publicação.
Momentos de irreverência também marcam o periódico como
num questionamento do redator na edição de 5 de abril de 1868:
“não há melhor vida que a de publicista. Dizem eles: Escrever
meia dúzias de tiras de papel o que custa?” E faz uma ironia das
dificuldades de se obter material para a publicação:

Custa muito ser redator. O homem está em apuros, é véspera da saída


da folha, folha que para custar a redigi-la deve ser literária. Grita
um tipógrafo. –Só a metade está pronto, como se distribuirá amanhã
esta bugiganga! – Muito bem, diz o redator, vou falar com F... Ele
prometeu-me umas poesias. –O maldito Sr. F... faz então um; já aqui
passou e disse que não pode arranjar versos. –Mau vai ela. Ah sim!
Não temos aí algumas traduções para fazer? -Já se concluíram no
último número! (INUBIA, 5 de abril de 1868:1).

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Uma visão moralizadora e conservadora em referência a


casamento e família é defendida. Na coluna “álbum poético” é
ironizada a moda dos coques nos cabelos das mulheres num tom
conservador relativo ao modismo e aos novos padrões de consumo
de influência francesa, assim como denunciam os jovens da “nata
social” que buscam um prazer gratuito desvinculado do casamento.
Na pequena comunidade local, o periódico deve ter recebido
inúmeras críticas, mas com ironia, os redatores constroem um
diálogo imaginário reforçando as críticas e expondo os detratadores
ao sarcasmo através da poesia: “Palestra de uma tia velha com uma
sobrinha moça’: (...) Pois, olhe, eu juro que de agora avante/Declaro
guerra de extermínio e horror/Não ao jornal, porque o papel não
fala/Mas aos seus donos e a seu redator!Não se brinca com as
modas/Porque ter-se as moças todas/Contra si não é ventura!”
(INUBIA, 19 de abril de 1868: 2).
A corrupção é outro dos temas presentes. Inclusive quando
dos festejos do Sete de Setembro, em pleno contexto da guerra, o
jornal acredita que a elite econômica da cidade não demonstrou o
patriotismo que o momento exigia:

O dia mais glorioso de nossa cara Pátria; aquele em que ela foi bafejada
pelo hálito vivificante e sacrossanto da liberdade, passou inteiramente
despercebido entre esses que querem pertencer ao grande mundo,
mas entre a classe pobre de dinheiro, porém rica de virtudes, ele foi
saudado com frenético entusiasmo. Na época atual o dinheiro é uma
matéria inflamável que devora todos os sentimentos mais íntimos,
que a alma alimenta. Ao contato do dinheiro o patriotismo arrefeceu,
e eis a razão porque só o povo festejou o memorável 7 de setembro
(INUBIA, 13 de setembro de 1868: 2).

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Edição comemorativa do dia 7 de setembro de 1868.

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O periódico se torna crítico, mordaz, polêmico e denunciador


sem citar diretamente nomes de pessoas, assumindo a feição de
jornais da época, como o Artista, que polemizava e atacava outros
jornais ou pessoas rivais. Na matéria “Um tipo notável” promove
um ataque a um funcionário público que teria vindo de Portugal
e que através de intrigas obteve um cargo público: “Sob o manto
da hipocrisia, idolatrando a intriga, pode por meio dela, obter do
governo um osso para saciar sua cobiça”. E assegura que seu papel
social de denúncia é moralizador: “Nossa tarefa está preenchida.
À sociedade compete usar de seus nobres direitos, para que a
moral não se curve ao vício e a perdição; ao contrário, aparecerá a
desordem e surgirá impreterivelmente o aniquilamento do edifício
social. U” (INUBIA, 24 de maio de 1868: 2-3).
Entre o romantismo na abordagem da figura feminina e o
sadismo ou brutalidade na observação do cotidiano, percebe-se um
componente irreverente na apreciação de acontecimentos sociais
que enriquecem a trama do cotidiano:

Castigo. Na tarde de anteontem, a praça Municipal, consta-nos que foi


vergonhosamente chicoteado o jovem que se intitula principal redator
do Especulador. Lastimamos que tão cedo principie a sofrer reveses
em sua inocente especulação, e que os meios especulativos que faz uso
lhe tragam funestos resultados. Parece que o colega é infeliz! Pois é
esta a segunda vez que o chicote lhe apalpa as costas. O chicote é uma
marmelada um tanto amarga, e ser-se depósito dela não é nada bom
(INUBIA, 24 de maio de 1868: 3).

O periódico acredita que a corrupção e o interesse estritamente


financeiro era a “moeda da época”, tornando uma atividade de
mártires a missão de expansão das letras: “Com a convicção íntima
de seus desejos, essa mocidade dedicada ao estudo não trepidará
diante das urzes que se lhe antepõe no caminho escabroso do
mercantilismo atual até o calvário, onde os mais destemidos
justadores são os sacerdotes das letras!” (INUBIA, 31 de maio de
1868: 1). Acreditavam que os jovens poderiam despertar e difundir
a literatura sem o menor proveito pecuniário, “porque ainda se
não achava intrometida no mercantilismo do século, e nem o
deseja” (INUBIA, 31 de maio de 1868: 2). Até o seu último número
conhecido, o periódico continua insistindo no papel da mocidade e
da instrução:

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A mocidade desta cidade é dotada de bastante inteligência, porém


a falta de vontade e perseverança no estudo é que a mergulha em
notável indiferença (...) Hoje, a mocidade cura mais da vida material
do que do desenvolvimento do espírito (...) E de onde provém tanto
indiferentismo, para o progresso da civilização? Da falta de união.
Ainda é bem sensível dizê-lo, não fizemos prosperar entre nós o
germe da associação, que demonstra a fraternidade existente entre
um povo (...) Existe na nossa mocidade uma úlcera bem perigosa, que
insensivelmente a vai corrompendo, é a vaidade. (...) A instrução é a
base principal da civilização e uma palpitante necessidade; por isso,
coligue-se a mocidade e a ela dedique-se... Surja a mocidade radiante
de esperanças; esqueça-se do passado que foi todo de indiferentismo
(...) Já é tempo. A mocidade inteligente não deve permanecer por mais
tempo indiferente a esse caloroso entusiasmo que se tem levantado
no Brasil, para o progresso das letras e com ele o desenvolvimento
da civilização (...) As trevas que hoje entenebrecem o horizonte da
existência, pela vegetação no materialismo, serão dissipadas (...)
A literatura precisa de cultores; apareçam eles, porém não com
desânimo (INUBIA, 15 de novembro de 1868: 1).

O espaço para informar sobre a Guerra do Paraguai e a


exposição de motivos para o engajamento da população no conflito
são sistemáticos. É também uma forma de atrair o leitor e expressar
patriotismo, como na matéria a seguir:

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A estratégia do periódico era comum na época: o jornal era


entregue nas residências para leitura e não havendo interesse na
assinatura, deveria ser devolvido na redação. Porém, a maioria das
pessoas não devolvia e nem assinava. O número de assinantes vai
comprometendo a viabilidade financeira deste periódico literário.
Como se depreende desta matéria:

Aos leitores: Quando apareceu o primeiro número da Inubia muitas


pessoas torceram-lhe o nariz, com ares de quem previa o seu próximo
passamento de mal de sete dias, e por isso negaram-lhe um óbulo de
assinatura com que ela pudesse prosperar (...) e a Inubia contando
com apenas 84 assinantes manteve-se sempre com a dignidade
que lhe era mister para cumprimento de seu programa (...) os seus
proprietários não se lançam nessa tarefa unicamente para obter
interesses pecuniários, senão pelos morais (INUBIA, 7 de junho de
1868: 1).

No dia 5 de julho de 1868, o periódico informa que o redator
Juvêncio Augusto de Menezes Paredes mudou-se para Pelotas para
assumir a redação do Diario de Pelotas. É uma expressiva perda,
pois grande parte do material publicado era autoria de Paredes e os
proprietários do Inubia, expressam a ele a sua “eterna gratidão”. O
novo redator, que se mantém no anonimato, afirma:

Na época atual, quando a corrupção tem contaminado quase todas


as classes da sociedade, triste do neófito que vai bater as portas do
templo do progresso, para perante suas aras fazer os ardentes votos de
sua dedicação, pois os sacerdotes que lá velam, em vez de receberem-
no com afagos, são os primeiros que o expulsam, obumbrando-lhe
assim os primeiros raios de seu adolescente gênio. Vamos, pois,
encetar uma senda difícil, para acompanhar três humildes sectários
da sublime arte de Gutenberg, porém guiados pela estrela do trabalho
e da perseverança confiamos o futuro (INUBIA, 5 de julho de 1868: 1).

Outra faceta do periódico é a crítica social. A falta de educação
no interior das igrejas - onde ocorriam flertes e conversas -, não passa
em branco: “Enfim, são coisas que no meu tempo não havia, pois só
se ia à igreja para rezar, e não para estarem como se estivessem
num botequim!” (INUBIA, 16 de agosto de 1868: 2). De outro lado, o
silêncio e o conformismo na questão da escravidão é perceptível neste
anúncio: “Cozinheiro. Aluga-se um escravo, perfeito cozinheiro de
forno e fogão, para tratar na Agência Novaes, rua do Arsenal n.1”

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(INUBIA, 16 de agosto de 1868: 4). A crítica moral é incisiva, sendo


as prostitutas comparadas a um “livro enjeitado” o qual, não tendo
“possuidor reabilitado, a moral separa-o da sociedade, e o conduz
para algures, afim de que o seu mal não possa contaminar-nos”. A
página da vida de uma “mulher devassa está escrita com letras de
fogo nos livros da posteridade” (INUBIA, 30 de agosto de 1868: 1-2).
No contexto de militarização e apreensão frente aos rumos da
Guerra do Paraguai, o Inubia também se volta aos temas do cotidiano
e através da linguagem literária expressa suas críticas sociais e
posturas moralizadoras no convívio urbano. Os operários do jornal
O Artista que editam o Inubia sentem as dificuldades em manter
a publicação com um número pequeno de assinantes. Eles fazem
parte de uma elite intelectual (literária) que pouco peso tem numa
sociedade controlada pelo poder econômico de uma burguesia em
ascensão e do latifúndio pecuarista e charqueador. Afinal, estes
operários não fazem parte dos afortunados da sociedade local e,
inclusive, fazem inúmeras críticas à visão desta elite. Sua defesa dos
princípios do liberalismo político está expressa em vários textos do
periódico e a visão sobre o papel do Brasil na Guerra é de “vingança”
frente ao assassinato de brasileiros a mando de Solano Lopez. A
ação moralizadora do Brasil, através do heroísmo e da bravura, é a
de levar a “Civilização e a Liberdade” à população paraguaia que
era manipulada por um tirano.
A análise do Inubia permite caracterizar o seu perfil como
transcendendo o campo literário e tendo uma forte tendência
para o papel tradicional da imprensa ligada aos homens públicos
que criticavam as diferentes facetas da sociedade da época. Sua
visão sobre a comunidade local pode ser caracterizada por: uma
visão moralizadora do casamento; o amor platônico despertado
pela pureza feminina; críticas as mulheres perdulárias e ligadas
a superficialidade da moda; aversão aos canalhas e cafajestes
endinheirados; crença nas instituições liberais; denúncia a corrupção
e aos favorecimentos ilícitos; crença na difusão da instrução e da
literatura para as novas gerações como forma de enfrentamento do
materialismo do dinheiro que dominava a época. Especialmente,
fica a constatação da longa e difícil caminhada a ser trilhada para
construir o culto as letras e a difusão da literatura na sociedade local.

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A GUERRA DO PARAGUAI NO INUBIA

O periódico dedica um espaço relevante aos acontecimentos


da Guerra do Paraguai possibilitando compreender o seu enfoque
sobre as motivações do conflito. E a interpretação prende-se a um
discurso de defesa do liberalismo político e de personagens ligados
ao pensamento liberal centrado em Manoel Luís Osório, o “General
Osório”. A presença do confronto entre conservadores e liberais
está indiretamente explicitada numa crítica ao comandante Caxias
(Luís Alves de Lima e Silva), ligado ao Partido Conservador e
indicado por D. Pedro II para comandar militarmente as operações
no Paraguai. Conforme o periódico, a retirada do General Osório
e de seus 12.000 homens da área da Fortaleza de Humaitá foi
ordenada por Caxias, provocando muitas mortes entre a tropa: “Foi
tão arrojada à empresa do general Rio-Grandense que seu poncho
ficou crivado de balas. Contava que o general Osório abandonaria
o Exército, por lhe ser negado o auxílio reclamado” (INUBIA, 2 de
agosto de 1868: 3). O quadro político-partidário do confronto entre
liberais e conservadores fica evidenciado nesta condenação a Caxias
por parte do periódico e a exaltação ao heroísmo de Osório, sendo
difícil na época exercitar a isenção político-partidária na imprensa.
Esta Guerra é uma luta entre a liberdade e a tirania, sendo a
missão dos brasileiros libertar o escravizado povo paraguaio do
sanguinário Francisco Solano Lopez. A defesa do liberalismo é
explicitada em matéria sobre os festejos da Independência do
Brasil: “E a sombra de instituições liberais, debaixo do sistema
representativo, ele caminha altivo pela trilha do progresso e da
civilização”. Esta “guerra titânica” que se ocorre na “semi-bárbara
república do Paraguai”, tem custado ao Brasil um “número
espantoso de seus filhos e todas as reservas do tesouro público”.
Mas nada tem podido “entorpecer a marcha do gigante americano,
que já ocupa lugar distinto no catálogo das nações que se orgulham
do seu poder, do seu progresso, da sua liberdade!” (INUBIA, 7 de
setembro de 1868: 1).
Ao lado de textos poéticos, discussões literárias e cenas do
cotidiano da cidade, é feito o acompanhamento do conflito através
das notícias que chegavam do Prata por navios que chegavam ao
Porto do Rio Grande:

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Na coluna “álbum poético” é publicada a poesia “Ao Corpo de


Cavalaria de S. Leopoldo”, aparecendo uma referência a Guerra do
Paraguai na forma de poesia em tom de defesa da pátria contra o
invasor hostil: “Avante, patriotas!... Nos campos da guerra/Mostrai
que tivestes por berço o Brasil/Honrai vosso berço, rojando por
terra/Aquele que o afronta do modo mais vil...” (INUBIA, 10 de
maio de 1868: 3).
Mesmo que distante da área do conflito, a movimentação militar
é um tema que agita a cidade do Rio Grande e que até um periódico
literário se converte em noticioso: “Vapores. Entraram ontem dois
vapores de guerra nacionais, mas não fizeram o sinal do registro,
e por isso ignoramos os nomes e fins de viagem. É de supor que
venham com tropas para o teatro da guerra” (INUBIA, 7 de junho
de 1868: 2).
Os milhares de mortos não são apenas dados quantitativos,
mas também problemas sociais que se espalham entre os países
envolvidos. O papel filantrópico assumido por jornais da época
buscando levantar fundos para a pobreza, se amplia frente ao cenário
da Guerra e das viúvas dos combatentes, e muitas destas viúvas e
de seus filhos, passam a dedicar-se a mendicância. Matéria do dia
29 de junho exemplifica esta atuação e a construção discursiva dos
heróis da pátria:

A Filantropia Pública. A nós humildes jornalistas que tomamos


à árdua, mas honrosa tarefa de pugnar pelos que sofrem, compete
velar junto às portas da masmorra onde impera a miséria, para evitar
que as infelizes vítimas que lá vão bater, conduzidas pela fatalidade,
não sejam horrorosamente sacrificadas e nas torturas expirem. Não
cansamos em nosso contínuo velar, e quando descobrimos uma
vítima, comprimimos nossos fracos pulmões, erguemos nossa débil
voz, implorando auxílio à caridade pública. (...) D. Anna Pinheiro
da Costa e Mesquita, esposa do alferes do Batalhão número 35 de
Voluntários da Pátria, sr. Bento de Souza Mesquita, morto no campo
de batalha defendendo a honra nacional, tão vilmente ultrajada
por um tirano, acha-se nesta cidade, sem os menores meios de
subsistência, e em face da mais hedionda miséria. Nobre é a missão
do soldado, no cumprimento dos sagrados deveres que a pátria lhe
impõe, sublime o sacrifício de que é vítima, oferecendo sua vida em
holocausto a ela, porém, mais sublime é ver-se à pátria, em sinal de
gratidão aos seus filhos martirizados socorrer com generosidade seus
preciosos legados. Bento de Souza Mesquita, verdadeiro brasileiro,
sentindo em seu peito arder a devorante chama do patriotismo,

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quando o clarim de Marte chamava seus filhos ao campo de combate


para defesa da honra ofendida, alistou-se no 35 Corpo de Voluntários
da Pátria, abandonando tudo o que mais precioso possuía – esposa
e filhos. Alimentando, porém, a esperança que ainda poderia voltar
ao seio de sua idolatrada família, marchou com coragem, mas
infelizmente emprenhado em renhida luta sucumbiu! Morreu pela
pátria; sua missão estava cumprida; mas quem junto a ele estivesse,
em suas últimas agonias, ouviria ele articular com seus moribundos
lábios estas palavras, arrancadas do imo d’alma: -Minha família!!!
Ele, o único arrimo de sua família caia no campo desfalecido e era
arrebatado pela morte; e esta se curvando aos vaivens da sorte, era
lançada na escabrosa senda da mendicidade. Eis pois, a viúva de
um bravo obrigada com sua infeliz filha, caro legado de seu esposo,
a mendigar o pão quotidiano para sua manutenção! (...) Que nossa
débil voz seja ouvida pelos corações generosos, principalmente por
algumas distintas e caridosas senhoras que compõem nossa sociedade,
e também pelo governo, são nossos mais ardentes desejos (INUBIA,
29 de junho de 1868: 2).

Cenas de miséria que passam a fazer parte da vida de


brasileiros são provocadas pela “audácia de um bárbaro déspota”.
Contrapondo a isto, está o exemplo “sublime de heroísmo e
bravura”. Os brasileiros que “guiados pelo farol da liberdade,
cruzam por sobre montões de cadáveres ensopados em sangue,
para arrancar do cativeiro e da ignorância, um povo infeliz!”
(INUBIA, 7 de setembro de 1868: 1). A imprensa estava construindo
uma versão de que a Guerra estava prestes a ser encerrada. De fato,
a insanidade e a carnificina ainda perdurou até março de 1870,
quando da morte de Lopez. Com a queda da Fortaleza paraguaia de
Humaitá, considerava-se o conflito basicamente encerrado, sendo
gravadas duas importantes páginas nas histórias dos dois povos:
“numa contemplar-se-á os efeitos do despotismo, sobre um povo
ignorante e fanático e outra, um triunfo sublime da liberdade e uma
fecunda conquista da civilização”. O momento era de felicitação
pelo triunfo dos aliados, pois ele é o mais “lisonjeiro prenúncio
para a breve conclusão desta sanguinolenta guerra que o Brasil tem
mantido com o sangue e ouro de seus filhos”. A ação brasileira é
vista não apenas como militar, mas como um movimento cruzadista
e regenerador para um povo escravizado: “Lopez insensato! Ignoras
acaso que Deus protege a causa santa dos brasileiros e que teu
audaz atrevimento será punido? Cada gota de sangue derramado
nesta santa cruz, será uma epopéia que a posteridade abençoará”

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(INUBIA, 9 de agosto: 1).


A declaração de final do conflito era esperada a qualquer
momento passando a ser organizado festejos. Subscrições para
serem aplicados nas comemorações passam a ser feitas por
“pessoas influentes” (anos depois, os jornais davam notícias
do desaparecimento do dinheiro que não foi aplicado nas
comemorações...). A visão historiográfica heróica dos eventos não
é uma supremacia de uma historiografia militar conservadora, mas
parte dos próprios opositores liberais que estão construindo esta
heroicização dos personagens participantes na contemporaneidade
dos eventos. “A paz alcançada por esses bravos que, cheios de
abnegação, heroicamente sucumbiram em holocausto à pátria. A
paz alcançada com eterno renome para a história militar do Brasil”
(INUBIA, 16 de agosto de 1868: 1).
Com o rumo dos acontecimentos a favor dos aliados, a imprensa
Oriental (Uruguai) defende o encerramento das atividades militares
conforme edição de 23 de agosto.

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O periódico critica a posição e defende a ação militar nesta


“cruzada santa” fundada na civilização, liberdade e também na
vingança:

O povo que não busca vingar os insultos que lhe são lançados degrada-
se e a degradação de um povo é o seu suicídio moral. Lopez, déspota
ambicioso e sedento de sangue, contando com poderosos recursos
que supunha invencíveis, tal como o tigre em sua fortificada caverna,
ainda mais possuindo a obediência cega de turbas fanatizadas, não
trepidou com audaz atrevimento, lançar a luva ao Brasil, chamando-a
liça. O Brasil ferido em sua honra e dignidade ergueu-se altaneiro e
levantando a luva, logo mandou para os campos do Paraguai suas
valentes falanges, em desafronta de seus brios. República Argentina
e Oriental, também insultadas, formam com ele uma cruzada santa,
em cujo lábaro lia-se: CIVILIZAÇÃO e LIBERDADE. Durante quase
quatro anos alimenta-se uma guerra desastrosa na qual sucumbem
milhares de valentes: porém em suas diferentes fases, os cruzados da
civilização conquistam padrões de glória, derrocando lentamente o
despotismo. Em seus combates de hoje eles sentem-se mais infamados,
porque julgam escutar uma voz saída dos túmulos de tantos bravos,
que diz – VINGANÇA! Surge o prenúncio do completo triunfo dos
aliados, com a destruição do despotismo, e nessa solene ocasião
é pedida a paz, alegando-se a salvação do povo paraguaio, a bem
da humanidade (...) Não é a paz que vai salvar o resto de um povo
dizimado, que no meio de sua ignorância e existência retrógrada tem
merecido o honroso título de valente, porque assim a fera permanecerá
em seu antro e inesperadamente virá saciar sua sede; porém, serão
os apóstolos da liberdade, que quebrando as cadeias de um povo,
lançadas por um tirano, dar-lhe-ão vida e liberdade, manietando o
seu verdugo. O horizonte do futuro já se descortina. Nele vê-se sobre
um montão de cinzas e cadáveres um anjo laureado, que sustenta
numa mão o estandarte da civilização e noutra a carta de liberdade
para um povo escravizado (INUBIA, 23 de agosto de 1868: 1).

No último número e na última página disponível do Inubia, foi


publicada uma poesia intitulada “O General Osório – comunicado
por uma senhora”, exaltando o líder liberal: “Que a pátria abençoe
teu nome valente/Que a paz florescente não deixe teu lar/Que
ao sal da vitória e ao som dos morteiros/Os brados primeiros, te
aclamam sem par?” (INUBIA, 15 de novembro de 1868: 4).
Apesar da postura liberal do periódico (cujo Partido Liberal de
Osório passa a dominar a vida política rio-grandense até o final da
Monarquia, em 1889) este apoio não foi decisivo para a sobrevivência
do periódico evitando o seu desaparecimento do firmamento

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literário. Durante a Guerra do Paraguai, a defesa patriótica e


intransigente do Brasil a partir da perspectiva liberal, conduz a uma
configuração dos personagens na dimensão dos brasileiros como
guerreiros da liberdade que deveriam libertar o povo paraguaio
da opressão ditatorial de Lopez. O momento fundamental desta
vitória parcial esteve ligada a conquista das fortalezas em Humaitá
e foi muito explorada no Inubia:

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Visão do periódico é edificada a partir de referenciais


ideológicos de sua época e construída narrativamente no calor
dos eventos. Portanto, a Guerra dos Paraguai recebe da maioria
dos periódicos que existiram neste período, uma interpretação de
defesa contra a tirania. Constata-se que o Inubia não faz parte da
elite dominante brasileira de sua época (foi dirigida por operários),
não se enquadrando, num veículo ideológico defensor de um
Brasil imperialista com interesses na destruição do Paraguai. Certa
historiografia brasileira na década de 1970, especialmente centrada
no jornalista Julio Chiavenato, enfatiza o Brasil numa perspectiva
imperialista de conluio com a Inglaterra, buscando esmagar uma
saída latino-americana para o capitalismo. Lopez surge como um
mártir anti-imperialista e um emancipador do povo paraguaio
e não como um ditador sanguinário. A posição comprometida
ideologicamente do jornalista Chiavenato chega a ser deprimente
frente às novas leituras científicas do tema como em Doratioto
no livro Maldita Guerra. Polêmicas historiográficas inesgotáveis
num país turbulento como o Paraguai cuja identidade Guarani se
confunde com golpes de estado inesgotáveis.
A contribuição que o Inubia pode trazer ao tema diz respeito
à interpretação da Guerra do Paraguai: para o periódico, no calor
da hora e não numa reflexão a posteriori, o excesso de poder e a
personalidade sanguinária do ditador Lopez é que leva ao conflito
e não uma política expansionista do Brasil em relação ao país
vizinho. Como a historiografia da década de 1970, induz que a
aversão a Lopez é uma construção ideológica de uma historiografia
conservadora posterior ao conflito (como em Pedro Calmon e
Oliveira Lima), constatar que o periodismo literário em Rio Grande
não apresenta esta visão e que também não faz parte da classe
dominante conservadora ou liberal do período, permite lançar um
questionamento sobre onde realmente pode residir a manipulação
ideológica da história...

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