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Universidade Federal do Rio Grande – FURG

Instituto de Ciência Humanas e da Informação – ICHI


Cursos de História – Licenciatura e Bacharelado 2021
Renan Gerundo Hornes

O período que sucedeu a redemocratização brasileira pós-Estado Novo


constituiu o contexto histórico propício à preponderância das práticas
populistas, reflita sobre tal pressuposto e analisa o populismo de cunho
trabalhista e o de natureza desenvolvimentista.

A contradição entre lutar, externamente, contra o nazismo e o fascismo


e viver, internamente, uma ditadura, foi uma das causas que resultou no fim do
Estado Novo. Com a vitória aliada, não havia mais a necessidade de apoio e
financiamento por parte dos norte-americanos, e paralelo a isso, ocorria o
próprio desgaste do regime ditatorial em sustentar as práticas autoritárias e a
ampla falta de liberdades individuais. Progressivamente surgiam novos
espaços para a manifestação de oposição ao regime vigente, e também, no
campo político havia articulações de combate à ditadura. Ou seja, o conjunto
de pressões internas e externas havia sido capaz de mudar ‘’de fato’’ os rumos
do regime. Além da oposição que se articulava, a progressiva perda de apoio
dos militares seria decisiva para derrubar Vargas. A nomeação de seu irmão
para a chefia da polícia do Rio de Janeiro foi o estopim para que os militares
demonstrassem mais ‘’um ato de força por parte dos generais’’. Terminava
assim a permanência ‘’passageira’’ de quinze anos no poder por Vargas, mas
não sua influência política. Os militares derrubaram Vargas, mas, sem se
preocupar com a retirada dos direitos políticos ou o exílio, resultando em uma
retirada temporária para sua cidade natal, de onde sairia apenas para tornar-se
candidato vitorioso nas eleições presidências de 1950.

Com a queda de Vargas, o poder foi exercido por José Linhares,


representante do judiciário, cujo governo teve por objetivo preparar as eleições
de 1945. As prioridades políticas do momento estavam ligadas à retomada das
práticas eleitorais, à eliminação dos mecanismos autoritários e a
reconstitucionalização do país. As eleições presidenciais de 1945 ficaram
concentradas entre a UDN e o PSD, com a vitória do candidato Gaspar Dutra,
pelo PSD. Vargas chegou a acusar Dutra de traidor, mas era mais urgente
evitar a posse de um aberto opositor – Eduardo Gomes. O apoio de Vargas foi
decisivo para a vitória de Dutra, devido a forte relevância política que o ex-
presidente ainda mantinha. O inicio da ‘’nova ordem liberal-democrática’’ já
começava com a continuidade dos conservadores no poder, mas a constituição
que estava sendo preparada teria como condicionantes fundamentais o
antagonismo em relação à ditadura decaída. Sem entrar muito em detalhes da
Constituição do governo de Dutra, após a sua promulgação, o mesmo acabou
se afastando de Vargas e se aproximando da UDN. Mas como já foi dito,
Vargas não abandonou a vida política, e sustentava um projeto de retornar ao
poder.

O retorno de Vargas foi algo muito bem planejado, já que à medida que
se aproximava o processo eleitoral, ele buscava verificar o alcance de sua
possível candidatura tanto no campo político, como no meio militar. Nesse
quadro se estabeleceriam as candidaturas para a eleição presidencial de 1950.
Getúlio Vargas candidatou-se pelo PTB; A UDN insistiu na candidatura do
brigadeiro Eduardo Gomes; e o PSD lançou o nome de Cristiano Machado, que
progressivamente diante da polarização, acabou desistindo e indiretamente,
apoiou Vargas. Assim como na vitória de Dutra, mais uma vez a popularidade
de Vargas foi essencial para a vitória eleitoral. Essa prática ‘’populista’’ – o
vínculo do líder com o povo - foi a essência política na formação histórica
brasileira no período entre as décadas de 1950 e 1960, sem haver, no entanto,
um padrão monolítico quanto a sua execução. Getúlio Vargas vai ficar marcado
por práticas populares alicerçados ao trabalhismo – Populismo Trabalhista;
Juscelino Kubistchek desde cedo passou a implementar seu plano
desenvolvimentista – Populismo Desenvolvimentista; e Jânio Quadros tinha na
essência de sua ação calcada em uma ‘’moralização’’ da política e das verbas
públicas – Populismo Moralista; são ‘’diferentes populismos’’ devido às
discrepâncias quanto à prática.
Logo no seu discurso de posse, Vargas promovia uma narrativa de
retorno ao governo e deixava evidente uma tendência vinculada ao populismo
trabalhista, bem como apresentava uma ótica onde a legitimidade de seu poder
era calcada no apoio popular e mantida a partir de uma interação direta com o
povo. Desde cedo Vargas irá ‘’doar’’ uma legislação trabalhista para as
cidades, de modo a atender à pressão das massas urbanas, além de
estabelecer a ideologia do ‘’pai dos pobres’’ através das propagandas e
também reconhecerá para as massas o direito de formularem reivindicações.
Dessa forma, através do prestígio que Vargas tinha com as massas urbanas,
este irá estabelecer o poder do Estado como instituição que se legitima a partir
dessas massas, em um estado de compromisso associado ao populismo que
faz surgir uma nova fonte de poder a esse Estado. Como aponta seu discurso:
‘’Ordenastes e eu obedeci [...] O povo brasileiro ofereceu um exemplo vivo de
maturidade política [...] A minha candidatura... veio diretamente do povo, dos
seus apelos e dos seus clamores [...] Tendes direito a uma vida melhor e a
uma participação gradual e equitativa nos produtos do trabalho [...] É ao próprio
povo, em primeiro lugar, que cabe a vigilância do mais sagrado dos direitos. ‘’

Dessa forma, a gestão que ficou conhecida como II Governo de Vargas


foi marcada por medidas voltadas à política trabalhistas e a práticas
nacionalistas. Ocorreram consecutivos aumentos do salário mínimo, que
acirravam ainda mais a oposição política e empresarial, e, em 1952, houve o
intento de ampliar a legislação trabalhista, com a criação, por exemplo, da
Carteira de acidentes do Trabalho e o salário adicional por periculosidades e
insalubridade. Mas apesar desses avanços trabalhistas, o contexto
socioeconômico ainda levava à deflagração de greves. Tanto o discurso quanto
as práticas varguistas giravam em torno do populismo trabalhista e da busca
por um desenvolvimento nacionalista, o que ficava expresso em algumas de
suas manifestações ao Congresso Nacional em 1951. ‘’O governo não poupará
esforços para favorecer a acumulação de recursos públicos e privados, que se
destinam a ampliar a produção nacional, e assim melhorara, pelo emprego e
pela abundância, as condições de vida do nosso povo [...] Fortalecido pela
confiança das massas de trabalhadores e pela identificação profunda com o
sentimento popular. ‘’ Em 1952 ele defendia a necessidade de ‘’intervenção do
Estado no domínio econômico’’ contra a ‘’voracidade egoísta dos apetites
individuais’’. E no ano seguinte defendia que o ‘’Brasil estava progredindo’, mas
ressaltava que ‘’tal progresso ainda não atendia às necessidades e aspirações
das massas populares. ‘’ Eis uma prática política e um discurso voltado para os
trabalhadores, iniciado no Estado Novo e mantida agora como legitimidade do
poder desse Estado populista trabalhista.

Esse aprofundamento nas medidas voltado as massas trabalhadoras,


somado as práticas nacionalistas do II Governo Vargas, despertou um
antagonismo internacional com os EUA e o acirramento da oposição interna –
com uma ênfase no papel da UDN. A imprensa teve um papel importante nas
manifestações de oposição da época, divulgando as criticas acirrada contra as
decisões e indecisões governamentais. E também, foi através da imprensa que
se expressavam as críticas dirigidas às políticas de Vargas. A UDN ganharia
força quando a insatisfação atingiu o meio militar, que resultou em um
‘’Manifesto dos Coronéis’’ em fevereiro de 1954. Os militares deixavam
evidente o antagonismo com o governo, enquanto Vargas mantinha suas
práticas políticas. Entretanto, em abril do mesmo ano, o atentando contra o
jornalista udenista Carlos Lacerda acabou revelando vínculos do crime com o
presidente, o que gerou um aumento na oposição de seu governo. O
‘’Manifesto dos Generais’’ publicado em agosto demonstrava que os militares
estavam aderindo à ideia da queda do presidente. ‘’ como melhor caminho para
tranquilizar o povo e manter unidas as Forças Armadas, a renúncia do atual
presidente da república. ‘’

No dia 23 de agosto, o Exército estava de prontidão. Marinha e


Aeronáutica declararam-se em estado de alerta. Previa-se a derrubada de
Vargas. Os militares exigiam sua renúncia. Depois de conturbada reunião
ministerial no Catete, o país foi informado, na madrugada de 23 para 24, de
que o presidente aceitara licenciar-se do cargo até a conclusão das
investigações. Vargas, entretanto, após a reunião, retirou-se para seus
aposentos e como ultimo ato político, ele atentou contra a própria vida. O
suicídio acabou gerando uma ampla mobilização das massas, revitalizando o
populismo getulista até mesmo sem a presença de seu líder. Garantindo até
mesmo a sobrevivência das práticas populistas que ficava evidenciada no
conteúdo da ‘’Carta-testamento’’ de Vargas. ‘’Mais uma vez. as forças e os
interesses contra o povo coordenaram-se novamente e se desencadearam
sobre mim [...]Não querem que o trabalho seja livre. Não querem que o povo
seja independente [...] Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a
vossa bandeira de luta [...] Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha
morte [...] saio da vida para entrar na História. ’’

Podemos pensar, portanto, que nesse primeiro momento, o populismo


trabalhista nas mãos de Getúlio Vargas, vai se caracterizar pela legitimidade do
poder através das massas, feita por esse contato direto entre o povo e o líder
carismático – que vinha se construindo desde o Estado novo – e que não
necessitava da intermediação do partido, visto que era um movimento. A
definição de trabalhista veio devido às práticas políticas e ao discurso de
Vargas que eram voltados diretamente para os trabalhadores: como os
consecutivos aumentos no salário mínimo; o intento de ampliar a legislação
trabalhista; entre outras. E imediatamente após a sua morte as heranças do
getulismo já serão utilizadas pelo PTB, que garantia que se manteria na defesa
dos trabalhadores seguindo o mesmo rumo que do líder que se suicidara.
Entretanto, vai ser um político do PSD, aliado ao PTB, que alcançou a vitória
eleitoral em 1955, com um projeto desenvolvimentista em direção a
modernização desenfreada do Brasil.

No período em que se sucedera o suicídio de Vargas, e com a crescente


urbanização do país, criava-se uma opinião pública que fazia demandas por
serviços de transporte, de saúde pública, de saneamento básico e assim por
diante. Os partidos políticos buscavam dar respostas a esses anseios, e foi JK
quem soube traduzir as expectativas e ocupar o espaço político deixado por
Vargas. Dessa forma, ele divulgava como slogan de campanha a sua ousada
proposta ‘’Cinquenta anos de progresso em cinco anos de governo’’. Com um
ambicioso ‘’plano de metas’’, JK adquiriu bastante simpatia e tornou-se
bastante popular. Para o PSD, contar com um líder popular era um ganho
expressivo, visto que a UDN permaneceria apelando a Juarez Távora,
mantendo a sua tradição em apostar nos nomes com vínculo ao tenentismo.
Além do projeto calcado na perspectiva do desenvolvimento, JK anunciava
também a intenção de mudar a capital federal para o Brasil central. A sua
vitória demarcaria a força que o populismo tinha nas candidaturas, e desde
cedo, o novo presidente passou a implementar seu plano desenvolvimentista.
Nota-se, portanto, que enquanto a característica essencial do populismo de
Vargas era justamente a política e os discursos voltados para a questão dos
trabalhadores – populismo trabalhista; no caso de JK, ele também vai ter uma
política populista voltada para as massas e para os trabalhadores, exemplo
disso é a própria construção de Brasília, mas isso não é a característica
primária de seu discurso, e sim a ideia do desenvolvimento econômico –
populismo desenvolvimentista. A base do populismo é uma ligação direta do
líder com as massas, e isso está presente em ambos os casos, mas cada um
executado ao seu modelo.

A administração no governo de JK é caracterizada por certa


estabilidade, inclusive com o apoio dos militares. Sua perspectiva visava ‘’subir
degraus’’ na direção do desenvolvimento, em busca de ultrapassar o
subdesenvolvimento a qualquer custo. O desenvolvimento almejado pro JK
pode ser traduzido na elaboração de seu Programa de Metas, a qual visava
transformar a estrutura econômica do país. A base desse programa era a
industrialização, vista como o fator de progresso e consequente
desenvolvimento, bem de acordo com a ótica etapista. ‘’Em sua acepção mais
ampla, compõe-se de projetos de investimento que visam elevar quanto antes
o padrão de vida do povo brasileiro. ‘’ JK insistia que suas ações também
teriam um alcance social, já que era preciso primeiro lançar-se na batalha da
industrialização, combater os pontos de estrangulamento da infraestrutura
econômica, para que assim em um segundo momento a preocupação
dominante passaria a ser a preparação do povo para usufruir das conquistas
da civilização contemporânea. Na prática, seu plano em termos imediatos, era
puramente desenvolvimentista. Voltando-se essencialmente para as questões
econômicas, era prioritário vencer os atrasos para a partir de tal crescimento
econômico, poder vir a obter progressos no campo social. O problema de tudo
isso é que os custos de tal desenvolvimento foram altos, e quem pagou foram
os brasileiros. A economia brasileira foi colocada em uma situação de sobre-
esforço, que gerou uma crise econômica abarcada pelo governo seguinte.

Durante o governo de JK, o aumento desenfreado de emissão de papel


moeda resultou em um rápido avanço da inflação. Ao contrário de Vargas, JK
manteve os salários estagnados, enquanto o custe de vida crescia muito
depressa. O foco dado para o setor industrial não foi o mesmo para a produção
agropecuária, tornando necessária a importação de produtos ligados ao
consumo interno. A elevação dos gastos públicos com o projeto de crescimento
econômico e com a construção da nova capital Brasília, acusações de
corrupção, os processos desenfreados de inflação e do aumento no custo de
vida, tornariam o legado de JK pesado para o seu sucessor em termos de
dívida externa e inflação. Os altos custos sociais do desenvolvimento
empreendido trouxeram certo desgaste político para a imagem do presidente.

Enquanto a essência do populismo de Vargas eram os trabalhadores,


notoriamente no que tange os seus discursos e práticas políticas, no caso de
JK, fica evidente em seu discurso na Praça dos Três Poderes, a essência
desenvolvimentista do populismo de Juscelino. ‘’Entre o Presidente da
República, que vos fala, e vós, trabalhadores de várias categorias [...] nestes
anos de labor incessante, pelos dias e pelas noites, se formou tal vínculo de
amizade [...] Começamos a transpor a civilização para o interior. Brasília
começou a crescer. O Brasil começou a crescer também, mais rapidamente,
para recuperar o tempo perdido. ‘’ Dessa forma, a ação de JK em prol do
desenvolvimento revelava o viés que o mesmo empreendeu em torno das
práticas populistas. O populismo em torno do desenvolvimentismo ficava
evidente nas tentativas de JK em se aproximar do povo, sem a necessidade de
intermédios e no personalismo aplicado às medidas governamentais, como foi
o caso do Programa de Metas e da OPA, políticas governamentais vinculadas
a sua autoria. Neste período dominado pelos governos populistas, JK foi o
único que conseguiu ser eleito e chegar ao final de seu mandato, fazendo
planos inclusive de retornar ao poder. Nesse sentido, podemos afirmar que o
período que sucedeu o Estado Novo é marcado pela prática de diferentes
‘’populismos’’, visto que até mesmo Quadros vai se enquadrar no que poderia
ser caracterizado como um ‘’populismo moralista’’.

Bibliografia
Fico, C. (2016). História do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Contexto.

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