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RESISTÊNCIA EM ARQUIVO
Memória e História da Ditadura
Governado do Estado do Rio Grande do Sul
Governo José Ivo Sartori
Organizadores da Coletânea
Nôva Marques Brando
Bianca da Silva Machado – Estagiária APERS/Graduanda História
Capa
Nôva Marques Brando
Diagramação
Nôva Marques Brando
Bianca da Silva Machado
Revisão
Angelita Santos da Silva – Técnica em Assuntos Culturais APERS/Letras
CDU – 981:321.64
Catalogação elaborada pela Biblioteca da Secretaria da Administração e dos Recursos
Humanos/SARH, com dados fornecidos pelo(a) autor(a). Bibliotecária responsável: Adriana
Arruda Flores, CRB10-1285.
As imagens e os vídeos que compõem a coletânea estão disponíveis para o público na internet e são aqui
utilizados com objetivos educativos, sem qualquer finalidade lucrativa.
Sumário
Introdução 6
xx
5.6 Futebol em tempos de Ditadura, Correio do Povo e a Copa de 1970 70
5.7 Memórias do Chumbo – O Futebol nos Tempos do Condor 71
5.8 Indicação de Filme: Pra Frente Brasil (1982) 72
5.9 E a Revolução Meu Irmão? 73
5.10 Burlando a Censura: Julinho de Adelaide na Obra de Chico Buarque 74
5.10 Indicação de Filme: O ano em que meus pais saíram de férias (2006) 75
5.12 45 Anos do AI-5 76
5.13 APERS? Presente, professor! – Os anos de chumbo da Ditadura e a Luta Armada no Rio Grande do Sul 77
6
No primeiro capítulo, Ditadura, Democracia e Direitos Humanos: um debate atual,
foram elaboradas algumas reflexões conceituais a respeito da impossibilidade, das
possibilidades e dos limites de um sistema político no qual fosse pleno o respeito aos direitos
humanos. No capítulo dois, A Guerra Fria e o Anticomunismo: o contexto Pré Golpe Militar
de 1964, os textos trazem reflexões sobre a conjuntura política e social que antecedeu o
Golpe de 1964. No capítulo três, O Golpe Militar e Implantação da Ditadura Civil-militar
Brasileira, há onteúdos que dizem respeito ao Golpe em si. Depois, no quarto capítulo, A
Ditadura Civil-militar: Os anos que antecederam o Ato Institucional N°5, foram levantados
inúmeros aspectos e situações vivenciadas nos anos que antecederam o Ato institucional Nº
5, que fechou por completo o regime e que iniciou os Anos de Chumbo, tema abordado no
capítulo cinco, A Ditadura Civil-militar: os anos de chumbo. A coletânea de postagens
divulgadas no Blog também passa pelas discussões a respeito do exílio no capítulo seis, A
Ditadura Civil-militar do lado de lá da Fronteira: o mundo dos exílios. Na sequência,
matérias importantes foram construídas sobre a interligação entre as ditaduras latino-
americanas, naquilo que diz respeito à repressão e à resistência, e serão encontradas no
capítulo sete, Ditaduras latinoamericanas: conexões Repressivas e Redes de Solidariedade.
No capítulo oito, Esquemas Repressivos e Tortura, a equipe trabalhou com assuntos ligados
aos aparatos repressivos, institucionais e clandestinos, e a tortura – que somente foi admitida
como prática pelo Estado brasileiro no relatório final dos trabalhos realizados pela Comissão
Nacional da Verdade, apresentado em dezembro de 2014.
A partir do nono capítulo, O Fim da Ditadura e o Processo de Redemocratização,
estão organizadas postagens produzidas sobre o período final da Ditadura e sobre a transição
para a democracia. Da mesma forma, passamos pelo capítulo dez, Redemocratização:
permanências, rupturas, o antigo e o novo, e pelo onze, Justiça de Transição: tardia e
incompleta. Por fim, no capítulo doze, Memória, Verdade e Justiça, agrupamos conteúdos
que foram produzidos em torno de lutas e ações, estatais ou não, pelo resgate de memórias,
pela reconstrução da história do período e pela reivindicação de justiça.
Em todas as ações desenvolvidas naquele ano, incluindo a construção do Blog
Resistência em Arquivo, o Arquivo Público buscou selar seu compromisso pela demanda
social impressa na noção de Memória, Verdade e Justiça como um direito daqueles que,
como Rosa Luxemburgo, perderam seus sapatos em defesa de uma sociedade mais justa.
Continuamos recolhendo aquela bandeira.
Nôva Brando
Historiadora, Arquivo Público do Rio Grande do Sul
7
Ditadura, Democracia e
Direitos Humanos: um debate atual
Capitalismo e Direitos Humanos
9
de estar e de organizar as relações sociais, das quais o direito privado e o direito público se
fazem em posições binárias.
Nesse sentido, podemos propor uma reflexão acerca da necessidade, ou não, de
mantermos os princípios do individualismo e da universalidade para levantarmos a bandeira
dos Direitos Humanos? Se colocarmos em xeque esses princípios, podemos fazê-lo sem
desestabilizar a lógica do estado burguês que o construiu?
Se aceitarmos a premissa da inserção da defesa dos Direitos Humanos dentro da
engrenagem capitalista, aceitaremos também os limites impostos a eles no que diz respeito
ao seu alcance e às suas possibilidades de transformação, uma vez que alguns princípios, para
a manutenção da lógica capitalista, não podem ser rompidos, como o direito à propriedade
privada e ao lucro crescente.
No entanto, se por um lado realizamos a crítica em relação aos limites existentes na
defesa dos Direitos Humanos, em uma sociedade gerida por um sistema que mantém a fome
e a miséria de muitos em nome da riqueza de alguns, que se reproduz a partir das
desigualdades sociais, da guerra e da exploração desenfreada da natureza em nome das taxas
de crescimento a curto prazo; por outro, deparamo-nos com uma necessária e intransigente
defesa deles, justamente por vivermos em uma sociedade que não garante a todos e todas
nem mesmo o mínimo de direitos e por nos depararmos com um conjunto de críticas
lançadas por setores conservadores da sociedade que os abominam. Alicerçados na ideia da
violência, urbana e rural, e naquilo que dela possa comprometer os direitos individuais como
a propriedade privada, um conjunto organizado da sociedade, bem como parte do senso
comum das pessoas que se sentem ameaçadas por uma construída sensação de permanente
medo, lança sobre a bandeira dos DH a insígnia de que alguns humanos não merecem
direitos – coincidência, são justamente os humanos que não se enquadram nos pressupostos
burgueses de indivíduo. Não podemos, portanto, nesse caminho, negar que tais direitos
foram forjados nas lutas populares, que propiciaram também um aumento da participação de
pessoas e de grupos na vida política do país.
Sabendo de todos os limites, de muitos avanços e contradições, cabe a nós,
defensores de uma nova ordem social, decidirmos o que faremos com a pauta dos Direitos
Humanos. Cabe a nós recolhermos dela seus aspectos progressistas que auxiliem na luta pela
igualdade e, ao mesmo tempo, pela defesa do direito à diferença. Cabe a nós refutarmos
radicalmente a leitura conservadora daqueles que reconhecem somente seus próprios
direitos. Cabe a nós ressaltarmos seus limites dentro de uma ordem com princípios que
asseguram a competição e a desigualdade, inviabilizando a plena realização do sonho de uma
sociedade em que todos tenham uma vida digna e feliz. Cabe a nós defendermos a luta por
sua expansão para além desses limites, para além de uma ética perversa, conforme nos
atenta Slavoj Zizek, que cinicamente tenta neutralizar a bandeira dos direitos humanos.
Enfim, por agora, cabe a cada um substituir a noção de indivíduo pela noção de
individuação que nos permita a luta pelos direitos humanos na perspectiva de um humano
não previamente definido, mas por um humano unificado apenas pelo compromisso com a
vida, com as diferentes manifestações da vida humana, com o direito a diferentes modos de
estar no mundo e de construí-lo.
Texto de apoio:
10
Ditadura, Democracia e Direitos Humanos no Brasil
11
recente. Somente em 1989, ocorreu a primeira eleição direta para Presidente da República
após o golpe de 1964.
Nesses anos 80, assistiu-se a uma competente campanha, principalmente nos
meios de comunicação de massa, que sutilmente associava o aumento da criminalidade ao
fim da ditadura militar. A violência tornou-se o tema nacional preferido pela mídia, pelos
políticos e pelas elites, em especial, nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Com as
eleições para governadores, em 1983, a vitória da oposição nesses dois estados trouxe ao
debate, ainda que timidamente, o tema dos direitos humanos. Nesse mesmo momento,
veicula-se fortemente, através dos meios de comunicação de massa, a questão do aumento
da violência nesses dois estados que vem acompanhada de campanhas defendendo o auto-
armamento da população, os linchamentos, o policiamento ostensivo e fardado nas ruas. A
abertura dos debates acerca dos direitos humanos no início da década de 80 é, assim,
acompanhada por um discurso conservador e, paradoxalmente, contra os direitos humanos.
Não é difícil entrever nesses discursos contra os direitos humanos e sobre a insegurança
gerada pelo aumento da criminalidade um diagnóstico de que tudo está mudando para pior,
de que “os pobres querem direitos” e “que se quer dar direitos até para bandidos”.
Foi nesse contexto que surgiu, em
1985, no Rio de Janeiro, o Grupo Tortura
Nunca Mais, o primeiro de muitos outros
que, ao longo da década de 90, aparecem
em alguns estados brasileiros, como: São
Paulo, Pernambuco, Minas Gerais, Bahia,
Alagoas, Paraná. Falar desse movimento,
fundado por ex-presos políticos, familiares
de mortos e desaparecidos políticos e
cidadãos que se indignam com a prática
cotidiana e banalizada da tortura, é falar de
questões que continuam sendo colocadas
para “debaixo do tapete” por diferentes governos civis, “eleitos” nas urnas. É falar do
comprometimento e conivência com a ditadura militar.
É preciso lembrar que, naquele passado recente, o opositor político foi sequestrado,
torturado, isolado, assassinado, desaparecido e enterrado como indigente, perpetuando-se
assim, a tortura sobre seus familiares e amigos. Hoje, as mesmas práticas são aplicadas aos
pobres em geral, aos excluídos, aos também chamados “perigosos”. O seu extermínio tem
sido plenamente justificado como uma “limpeza social”, aplaudido pelas elites e por muitos
segmentos médios de nossa sociedade. Como nos “anos de chumbo”, nesses tempos
neoliberais, o “inimigo interno” deve ser não somente calado, mas exterminado.
Pois, se naqueles anos 60, a juventude brasileira em suas experiências de combate
ao instituído teve que se confrontar com a reação de um regime autoritário, que lhe impôs a
tortura, a morte, a clandestinidade ou o silêncio, a luta pelos Direitos Humanos hoje continua
entre nós como a defesa das diferentes manifestações da vida humana. Afirmar esta outra
história, outras subjetividades e os direitos humanos como direitos que a todos implicam é o
que pretendemos.
Leitura completa:
Direitos Humanos no Brasil e o Grupo Tortura Nunca
Mais/RJ dos autores Cecília Coimbra, Eduardo Passos e
Regina Benevides de Barros, professores da
Universidade Federal Fluminense/UFF.
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A Guerra Fria e o Anticomunismo:
o contexto Pré Golpe Militar de 1964
O golpe no Brasil não foi um fato isolado: conjuntura
nacional e a bipolarização do mundo
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A partir do final da década de 1940, o mundo passou a viver em tensão constante
com o perigo de uma nova guerra mundial, ainda que fosse muito improvável, já que ambas
as potências em disputa passaram a dominar a tecnologia nuclear,e tinham bombas capazes
de eliminar a vida humana da Terra. Por isso, o conflito ficou conhecido como “Guerra Fria”,
pois era uma guerra que não se travava entre trincheiras e explosivos, mas especialmente
no campo da propaganda ideológica, da pressão econômica e da influência cultural.
Entretanto, a inviabilidade de uma guerra mundial não excluiu a existência de conflitos
armados. Ao contrário, as disputas entre os blocos fomentaram diversas guerras e crises
locais, como a Guerra da Indochina, a Guerra do Vietnã e a Guerra da Coreia.
Desde que os EUA se constituíram enquanto grande potência mundial, no limiar do
século XX, realizaram esforços para manter a América Latina sob sua influência e controle.
Sendo o Brasil o maior país da região, com grande potencial econômico e muitas riquezas
naturais, obviamente sofreria pressões para manter-se alinhado ao bloco capitalista. A
Revolução Cubana de 1959, que transformou a ilha em mais um país socialista vinculado à
URSS, estimulou intensamente o medo do “perigo vermelho” na América, fazendo com que
as intervenções norte-americanas e a doutrinação anticomunista fossem potencializadas. E
é nesse quadro internacional que muitas lutas populares tomaram fôlego no Brasil do início
dos anos 1960, com a organização dos trabalhadores do campo em Ligas Camponesas, com
maior participação popular em sindicatos e outros espaços de organização política, com o
crescimento do Partido Trabalhista (PTB) e acirramento das lutas por reformas sociais que
favorecessem o povo pobre.
Conhecendo a conjuntura nacional e internacional daquele contexto, torna-se mais
fácil compreender os diversos fatores que levaram ao golpe civil militar naquele ano, e quais
interesses estavam em jogo. Torna-se mais evidente, por exemplo, a conexão entre os
golpes nos demais países latino-americanos, em especial no Cone Sul, realizados em
sequência após o golpe brasileiro, com premissas e interesses parecidos. Explicita-se
também o caráter econômico do golpe, realizado para defender o status quo e evitar
mudanças mais profundas que pudessem interferir nos interesses dos grupos dominantes
em nossa sociedade.
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O Trabalhismo no Brasil no Pré-Golpe de 1964
Tendo início com Getúlio Vargas, após o Estado Novo, em meio à polarização
ideológica no mundo entre o capitalismo e o comunismo soviético, o Trabalhismo acabava
sendo uma alternativa de representação àqueles que não se identificavam nem com um
modelo de sociedade nem com outro, refletindo sua ideologia no Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB), criado por Getúlio Vargas e Alexandre Marcondes Filho, seu Ministro do
Trabalho, em 1945. Podemos dizer que as ideias trabalhistas tiveram o auge de sua
radicalidade expressa na figura de Leonel Brizola, então Governador do Rio Grande do Sul
entre 1959 e 1963, pouco antes do golpe civil militar.
O Trabalhismo se colocou na posição de responder a demandas da população,
principalmente dos trabalhadores, assegurando direitos até hoje garantidos, como férias e
13º salário, por exemplo, tendo suas bandeiras muitas vezes identificadas com as “Reformas
de Base” - tema que falaremos semana que vem. Porém, é importante termos o
entendimento de que o Trabalhismo não buscava uma mudança estrutural do sistema
capitalista, sendo até hoje lembrado como uma ideologia política de esquerda moderada.
Abaixo, indicamos dois vídeos que expressam um pouco do que foi esse movimento.
Produzido em 1962 pelo CineJornal da Agência Nacional, falam sobre Os avanços do Estado
do Rio Grande do Sul no Governo de Leonel Brizola, principalmente no que tange a reforma
agrária, educação e infraestrutura. Acesse o primeiro vídeo na página Zappiens: O Exemplo
da Terra – Reforma Agrária no governo de Leonel Brizola.
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Campanha da Legalidade
17
Desta forma, os militares aceitaram que Jango ocupasse o cargo de Presidente da
República, tomando posse em 07 de setembro de 1961.
Recentemente os porões do Palácio Piratini foram revitalizados e o local de onde Brizola
transmitia seus discursos recebeu o nome de Memorial da Legalidade. É possível agendar visitas
guiadas no Palácio onde o Memorial é parte do roteiro.
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Movimento da Legalidade – História em Quadrinhos Legalidade
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Resistência no Pé: Samba da Legalidade
Ainda dialogando com nosso tema, trazemos uma video montagem produzido por
um de nossos estagiários, Gabriel Chaves Amorim. O vídeo foi montado a partir de imagens
de época retiradas do acervo da TV TUPI. As imagens mostram a movimentação civil e militar
do movimento da Legalidade. No final do vídeo, João Goulart dá sua primeira entrevista ao
voltar para o Brasil, vindo de uma viagem ao Oriente. A trilha sonora, também conhecida na
voz de Nara Leão, é um samba de Zé Kéti e Carlos Lyra, que, nos anos seguintes, se
destacariam como compositores engajados.
Dentro da legalidade
Dentro da honestidade
Ninguém tira meu direito
Quando querem anarquia
Elimino a teimosia
Mostrando todo o defeito
Se o samba está errado
Não posso ficar calado
Consertando a melodia
Se a letra o tratamento
Não estiver no português
Com toda diplomacia
Peço desculpas ao freguês
Conserto tudo outra vez
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Reformas de Base, uma proposta que antecedeu o Golpe Militar
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Constituição para realizar a reforma agrária com plenitude, além disso, anunciou que
encamparia as refinarias de petróleo particulares e desapropriaria terras às margens de
estradas e de açudes.
Muitos interpretam que, a partir desse discurso, as articulações dos partidos e dos
setores conservadores da sociedade e das forças armadas começaram a planejar a derrubada
de Jango do poder, que acabou sendo materializada no Golpe de 1° de abril de 1964. Nesse
sentido, e de forma bastante coincidente, muitos pesquisadores defendem que a defesa das
reformas de base foi o estopim para a efetivação do Golpe e da implementação de uma
Ditadura no país.
Sejam quais forem as interpretações sobre as Reformas, não há dúvida de que representavam
bandeiras progressistas, que respondiam às necessidades reais de um país que pretendia se
desenvolver a partir de pilares mais sólidos, assentados na justiça social. Não há dúvidas
também de que o Golpe de 1964 e a Ditadura que se segui estancaram esses planos –
estancaram projetos similares em toda a América Latina.
Saiba mais!!!!
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Os Centros Populares de Cultura no período Pré Golpe de 1964
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No período de sua breve existência, entre
o início dos anos 1960 e o Golpe Militar em 1964, o
CPC promoveu a encenação de peças de teatro em
portas de fábricas, nos sindicatos e nas ruas de
várias cidades e em áreas rurais do Brasil.
Segundo Kornis, o teatro da UNE, com a
apresentação da peça Os Azeredos mais os
Benevides, de Oduvaldo Viana Filho, foi inaugurado
às vésperas da derrubada do presidente João
Goulart pelos militares, em 31 de março de 1964.
Nos primeiros dias de abril, a sede da UNE foi
incendiada e todos os CPCs foram fechados.
No entanto, apesar do fechamento do CPC,
da prisão ou do exílio de artistas e intelectuais
ligados ao Centro, não há dúvidas de que suas
propostas influenciaram as diversas manifestações artísticas das décadas posteriores. A
possibilidade de vincular a arte às questões políticas vividas por nossa sociedade, nos diversos
períodos históricos posteriores, contribuiu para a valorização da cultura popular brasileira nas
suas variadas produções.
Curiosidades!!!
Entre dezembro de 1961 e dezembro de 1962, o CPC produziu as peças Eles não usam
black-tie, de Guarnieri, e A Vez da Recusa, de Carlos Estevam; o filme Cinco Vezes
Favela, composto por cinco episódios, com as direções de Joaquim Pedro de Andrade, de
Marco Faria, Cacá Diegues, Miguel Borges e Leon Hirszman. Publicou a coleção Cadernos
do Povo e a série Violão de Rua, das quais participam Moacir Félix, Geir Campos e
Ferreira Gullar.
Promoveu também a venda de livros a preços populares e foi pioneiro na realização de
filmes autofinanciados; a edição da coleção Cadernos Brasileiros e a Revista Civilização
Brasileira, editadas por Ênio Silveira, e a História Nova, organizada por Nelson Werneck
Sodré; cursos de teatro, cinema, artes visuais, filosofia e a UNE-Volante, um grupo
itinerante que realizava excursões pelas capitais do país para contatos com as bases
universitárias, operárias e camponesas; oficinas de literatura de cordel que contaram com
a participação de Félix de Athayde e de Ferreira Gullar; o projeto do teatro de rua, de
Carlos Vereza e João das Neves, assim como o teatro camponês de Joel Barcelos, que
pretendiam levar a arte ao povo nos locais de trabalho, moradia e nos locais de lazer;
feiras de livros acompanhadas de shows de música, para os quais convidaram os "sambistas
do morro", então desconhecidos do público, como Zé Kéti, Nelson Cavaquinho e Cartola,
e Vinícius de Morais, autor do Hino da UNE; aulas de teatro, com a adesão de Paulo
Francis; e, por fim, atividades ligadas à artes plásticas, com Júlio Vieira, Eurico Abreu e
Carlos Scliar.
Referência:
- Centro Popular de Cultura – Wikipedia.
- Mônica Almeida Kornis, Centro Popular de Cultura (Publicado no portal
da Fundação Getúlio Vargas).
- KONDER, L. História das ideias socialistas no Brasil. São Paulo: Expressão
Popular, 2003.
Para saber mais...
- Livro de Manoel T. Berlinck, Centro Popular de Cultura da UNE,
disponível em PDF.
- Carla Michele Ramos. O papel dos artistas e intelectuais do Centro
Popular de Cultura (1961-1964) na construção de uma nova sociedade.
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Movimento de Educação Popular no contexto do Pré Golpe de 1964
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de educadores, de movimentos sociais e de
projetos políticos que se propuseram, nos anos
60, a resolver o problema do analfabetismo no
Brasil, alfabetizando adultos a partir de discussões
da sua própria condição e realidades sociais
tiveram fim.
Para aprofundarmos mais o assunto,
vamos sugerir a leitura de um artigo do professor
da Universidade Federal do Triângulo Mineiro,
Wagner da Silva Teixeira, intitulado Quando
ensinar a ler virou subversão: a ditadura e o
combate ao combate do analfabetismo. Esse
texto é uma parte da tese de doutorado,
“Educação em Tempos de Luta: História dos
movimentos de educação e cultura popular (1958-
1964)”, na qual o pesquisador centra sua análise
no porquê e no quanto as forças repressivas
atuaram contra uma das mais ricas e fecundas
experiências de alfabetização de adultos no país.
Confira aqui o artigo na integra!
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Resistência em Cordel: Ligas Camponesas e os Centros de Cultura
Francisco Diniz
A Cultura do Cordel
Eu vou contar uma história
Que no Nordeste ocorreu,
Nas terras da Paraíba
Foi onde se sucedeu
A luta de um povo pobre
E de um líder que morreu.
No ano 59, (1959)
Na cidade de Sapé,
No solo paraibano,
Terra de gente de fé,
Surgiu uma Liga Camponesa,
Preste atenção, se puder:
Foi João Pedro Teixeira
O idealizador,
Que sonhava com um mundo
Onde reinasse o amor
Com fartura e justiça
Para o trabalhador.
[…]
[…]
Assim a referida Liga
No Nordeste era a maior,
Cerca de 7 mil sócios,
Ninguém se sentia só
E como organização
Não podia ser melhor.
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Cordel de denúncia
Isso para o latifúndio
Incomodava demais,
Que usou de violência
Explícita e contumaz
Roubando o trabalhador
Sua vida ou sua paz.
Jamais João Pedro Teixeira
Veio a se intimidar,
Enfrentou as ameaças,
Nunca se deixou levar
Por quem queria comprá-lo
Pra ele poder calar.
Ele pregava também
A desapropriação
Das terras, pra que o
humilde
Saísse da submissão
Que era aquela vida
Quase uma escravidão.
O poder reagiu logo
Sem dó e sem piedade,
Mandou matar João Pedro,
Ação de grande ruindade,
Exterminando um homem
Que só falava em bondade.
[…]
No dia desse protesto
Curiosidades!!!! Uma equipe lá chegou,
Grupo Cultura da UNE
A literatura de cordel, uma Que um filme idealizou,
expressão genuinamente Cabra Marcado Pra
popular, criada por gente Morrer,
humilde nos sertões e cidades Assim a turma o chamou.
da Paraíba e de outros Em janeiro, 64 (1964)
estados do Nordeste, é O filme ia ser rodado,
chamado de cordel porque Mas devido a um conflito,
muitas vezes seus autores Onde seria gravado,
expõem os trabalhos Quem foi João Pedro.
literários em varais (cordas, 11 pessoas morreram.
cordéis) a céu aberto.
O lugar foi ocupado…
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Indicação de Filme: Cabra Marcado pra Morrer (1984)
Curiosidade!!!!
Você sabia que Cabra Marcado
para Morrer foi ganhador de
inúmeros prêmios nacionais e
internacionais ?
Vejamos: Prêmio Gaivota de Ouro
(1984, RJ); Prêmio Tucano (1984,
RJ); Melhor Documentário no
Festival de Havana (1984, Havana
– CU); Grande Prêmio no Festival
de Troia (1985 – PT); Prêmio
Especial do Júri no Festival de
Salsa (IT); Grande Prêmio no
Festival de Cine Realidade (1985,
Paris – FR); Prêmio no Festival
Georges Pompidou (1985 – FR);
Prêmio do Júri Evangélico, Crítica
Internacional, Associação
Internacional dos Cinemas de
Arte e Fórum de Cinema Jovem
no Festival de Berlim (1985,
Berlim); Prêmio Air France (1985);
e Golfinho de Ouro do Cinema do
Governo do Estado do Rio de
Janeiro.
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O espectro anticomunista ronda o Brasil – no contexto do Pré Golpe de 1964
Este trecho tem como objetivo encerrarmos a unidade que se propôs discutir o contexto
do Pré Golpe no Brasil. Como fechamento da temática, achamos que não teríamos outro assunto
melhor para trabalhar e para reforçar do que o anticomunismo, como uma espécie de ideologia
que perpassou por todas os outros textos, seja pela pela aproximação dos ideários comunistas aos
fatos que aconteceram, seja pela acusação de que determinadas propostas políticas ou atividades
estariam ligadas ao ideário comunista.
Pensemos um pouco no contexto da bipolarização do mundo,
na qual as propostas do trabalhismo no Brasil sofreram inúmeras
acusações de aproximação com as políticas levadas a cabo pelos
partidos comunistas na URSS e em Cuba. Por exemplo, muitos viam nas
reformas de base propostas pelo governo e no próprio governo de
Goulart, em um contexto de divisão do mundo em áreas de influência,
uma tentativa de transformar o Brasil em um país comunista – por isso
também a necessária Campanha da Legalidade para garantir a posse do
presidente Jango. Pensemos também no quanto as atividades
propostas e desenvolvidas pelos Centros de Cultura Popular e pelo
Movimento de Educação Popular foram tomadas como subversivas, de
caráter comunista, assim que Golpe implantou uma Ditadura no país.
Com isso, não queremos descartar que essa leitura de mundo,
essa forma de fazer política, de governar e de se viver em um país,
uma sociedade organizada nos moldes do comunismo, não estivesse
presente nos acontecimentos como algo real. Se por um lado
sabemos que as bandeiras trabalhistas, como as reformas de base, em
muito se distanciaram dos projetos levados a cabo pelos partidos
comunistas em diversos países, por outro lado, podemos afirmar que
na história dos Centros Populares de Cultura e do Movimento de
Educação Popular, respeitando sua heterogeneidade, estavam
presentes propostas ligadas às bandeiras comunistas.
Queremos dizer com isso que independentemente de a ideia
comunista ter se apresentado de forma real em muitas práticas e em
muitos projetos políticos no Brasil, por outro lado, foi criado no
período Pré Golpe, além de uma deturpação das propostas
comunistas, um sentimento de aversão e de medo na população, valendo-se para isso de
discurso e de práticas que chamaremos de anticomunistas.
Segundo Patto Sá Motta, a atuação de forças anticomunistas
ao longo da história do Brasil foi orquestrada tanto por grupos
conservadores quanto por alas progressistas durante os períodos de
colapso institucional da democracia em nosso país. E o que seria
esse anticomunismo entendido de forma mais orgânica?
Para compreendermos o andamento do nosso estudo,
podemos dizer que o anticomunismo seria um conjunto de ideias, de
correntes e tendências intelectuais que possuíam em comum a
negação dos princípios e ideais do comunismo e a oposição a todo
governo ou organização que desse suporte teórico ou prático a essa
ideologia - os anticomunistas identificam no comunismo uma
ameaça à propriedade privada e ao capitalismo
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No Brasil e em muitos países da segunda metade do século XX, forças e projetos políticos
anticomunistas levaram a cabo golpes militares e a implementação de ditaduras. Foi o que
aconteceu por aqui em 1964, sob a égide de intensa propaganda, militares e civis prenderam,
torturaram e desapareceram diversos militantes da esquerda, pois identificavam neles e nos seus
projetos ameaças à ordem e à paz brasileiras.
Aqui no APERS, encontramos processos de
indenização de muitos ex-presos políticos que eram
comunistas ou que foram acusados de serem comunistas
pelo Estado. Um deles é de Eloy Martins. Militante
comunista desde a Era Vargas, Eloy, por continuar
defendendo seus ideais comunistas, mesmo após ter sido
seu partido colocado na ilegalidade, teve de se afastar da
família e viver na clandestinidade. Adotou falsa identidade
para poder trabalhar e continuar divulgando a política de seu
partido, o PCB. Não escapou da repressão, foi preso e
torturado pela ditadura militar.
A história de Eloy é um dos muitos casos dessa
repressão. Para além da ilegalidade do Partido Comunista e
da repressão sofrida por seus militantes de forma direta pelo
aparato policial, muitas outras estratégias foram utilizadas
como forma de colocar tais ideais na marginalidade. Em
outras palavras, para que a repressão aos militantes e às
ideias comunistas fossem bem-sucedidas, o
Estado necessitava do apoio popular e, para isso, não exitou em lançar mão de uma
intensa propaganda anticomunista, que tinha como objetivo insuflar a população de sentimentos
de medo e de desprezo por essa bandeira política. Boa parte delas imbuída de nacionalismo,
chamava o apoio da população para que o país não fosse invadido pelo “monstro” do comunismo.
Para isso, os militares e os civis no poder também contaram com uma parte significativa da Igreja
católica, que denunciava os “supostos” ateísmo e menosprezo pela instituição família defendidos
pela ideologia comunista.
Segundo Oliveira, em sua resenha sobre a obra de Sá Motta, foi a interação das doutrinas
católicas, nacionalistas e liberais que subsidiaram a cruzada anticomunista brasileira durante a
Ditadura, com a construção de imagens que caracterizavam o comunismo como "perigo
vermelho".
Por outro lado, transformar o mundo rumo à fraternidade universal, onde os trabalhadores
não tivessem suas vidas cerradas por fronteiras nacionais e economias burguesas, de fato, eram
projetos comunistas, os quais foram os reais motivos de preocupação dos grupos anticomunistas.
No sentido de agregar o real e o imaginário, Sá Motta descreve: “a ocorrência de manipulações foi
um elemento constante na história do anticomunismo brasileiro. O terror anticomunista foi
artificialmente insuflado, visando a obtenção de ganhos políticos, eleitorais e até pecuniários.
Porém, isto não altera o fato de que muitos grupos e indivíduos anticomunistas agiam movidos
por convicções ideológicas e não de forma oportunista".
Dessa forma, encerramos o texto de hoje com o anticomunismo abrindo caminhos para o
Golpe Militar de 1964, seja pela real ameaça ou pelo imaginário construído que havia no
comunismo do Brasil do Pré Golpe.
Bibliografia:
A ideologia anticomunista no Brasil de Marcus Robertos de Oliveira.
Anticomunismo na Enciclopédia Pública.
O Anticomunismo nas Forças Armadas de Celso Castro
Leitura recomendada:
SÁ MOTTA, Rodrigo Patto. 2002. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo
no Brasil (1917-1964). São Paulo: Perspectiva.
31
O anticomunismo no cinema e na televisão – produções norte-americanas no Brasi
32
O Golpe Militar e Implantação da
Ditadura Civil-militar Brasileira
Golpe de 1964: lá se vão 50 anos!
2014. Ano dos cinquenta anos do golpe civil-militar de 1964. Nesse ano, muitas
pessoas, organizações, estudantes, educadores, instituições rememoraram e
(des)comemoram essa data sombria, que marcou o início do período de 21 anos de ditadura
em nosso país. Com certeza, precisamos debater muito o tema para informar e formar tanto
aqueles que cresceram durante a ditadura e por ela foram "moldados" por meio das escolas,
da mídia, da repressão, das propagandas institucionais e das políticas psicossociais que
objetivavam paralisar e amedrontar nossa sociedade, quanto os mais jovens, que são filhos
de uma geração amordaçada, que nasceram e viveram em meio às mensagens individualistas
do neoliberalismo e que muito pouco ou quase nada ouviram falar de golpe, ditadura,
censura, mortos ou desaparecimentos, porque em nossa transição política, optou-se por
calar.
A partir das discussões que temos feito,
você deve ter acompanhado que o golpe,
enquanto fato histórico, não representa um
momento isolado na trajetória brasileira. O golpe
não ocorreu apenas pelo interesse dos militares
– isolados do restante da sociedade – em ocupar
o poder e combater o "perigo comunista", assim
como eles não foram conduzidos ao poder nos
braços da maioria do povo, como algumas
vezes os setores militares reacionários querem
fazer parecer. O golpe no Brasil estava conectado com a realidade da Guerra Fria, com a busca
de hegemonia na América Latina por parte do Estados Unidos, que comandava o bloco
capitalista, e com os interesses da elite econômica e política do Brasil, que pretendia frear o
processo de organização crescente dos trabalhadores no campo e nas cidades, que desde o
começo dos anos de 1960 lutavam mais e mais por seus direitos e por uma sociedade mais
equânime. Neste sentido, certamente os militares foram apoiados por parte do
empresariado, da imprensa, da classe média, por latifundiários e por setores conservadores
da Igreja.
Para compreender melhor os fatos transcorridos entre
a madrugada de 31 de março de 1964 – quando militares
marcharam em Minas Gerais e no Rio de Janeiro contra o
governo de Jango – e os meses que se passaram logo após o
golpe, com repressão e combate ao "inimigo interno"
comunista, intervenções no parlamento, em sindicatos, partidos
políticos, organizações estudantis, e com a invenção de um
arcabouço legal imposto pelos militares para prestar-lhes falsa
legitimidade no poder, gostaríamos de indicar a leitura do texto
O golpe de 1964 e a instauração do regime militar, do site do
CPDOC /Fundação Getúlio Vargas.
Com o objetivo de elucidar melhor o contexto de golpe e o
interesse dos Estados Unidos na questão, gostaríamos de
destacar também a existência de gravações feitas por escutas
instaladas na Casa Branca pelo próprio presidente John
34
Kennedy, que comprovam que os EUA planejavam uma intervenção militar no Brasil. Essas
gravações foram liberadas pela John F. Kennedy Presidential Library e agora podem ser
amplamente acessadas pelo site Arquivos da Ditadura de Elio Gaspari, no qual o jornalista
disponibiliza um acervo com cerca de 15 mil documentos que serviram de base para a edição e
a reedição de seus livros sobre a ditadura militar no Brasil.
Em 07 de outubro de 1963, Kennedy se
reuniu com Lincon Gordon na Casa Branca para
tratar da "ameaça comunista" no Vietnã e nos
países da América. Gordon exerceu a função de
embaixador dos Estados Unidos no Brasil, de
1961 a 1966, articulando forte oposição ao
presidente João Goulart. Kennedy temia que as
Reformas de Base defendidas pelo governo
Jango fossem implementadas, aumentando,
então, a base esquerdista do governo e
aprofundando as lutas sociais no país, que poderiam conduzir a uma saída socialista. Nesse dia,
o embaixador já afirmava a Kennedy que o golpe militar poderia ser uma opção para resolver a
crise política brasileira, com o qual o presidente concordava. Para acessar a gravação, clique
aqui.
O documentário "O dia que durou 21 anos", de Camilo
Tavares e Flávio Tavares, lançado em 2013, também é uma
excelente fonte de informações a respeito do golpe de 1964 e seu
contexto. Produzido com documentos secretos e gravações
originais da época, mostra a relação dos EUA com o golpe, sua
articulação em apoio aos militares brasileiros, fornecendo um rico
panorama desde a crise política estabelecida com a renúncia de
Jânio Quadros, em 1961, até o sequestro do embaixador norte-
americano Charles Elbrick, em 1969, cinco anos após o golpe. Vale
a pena conferir!
Enfim, acreditamos que somente assim - com muita troca de
informações e reflexão crítica - conseguiremos dar fim a
muitas heranças da ditadura em nosso país, como o entulho
autoritário e a defasagem na educação, na participação política e
no exercício da cidadania.
35
A Imprensa, o Golpe e a Ditadura
36
Indicamos também as bases de dados para muitos vídeos, para que
você possa pesquisar mais sobre a imprensa brasileira! O primeiro
site é da Cinemateca Brasileira, base que conserva em formato
digital as reportagens e filmagens da TV Tupi, das décadas de 1950 a
1980. O outro site é uma base de dados do Arquivo Nacional, onde
você pode pesquisar sobre o Cine Jornal e os informativos da
Agência Nacional. Utilize verbetes relacionados ao contexto da
época, como “revolução”; “subversivos”; “Dops”; “censura”, para
pesquisar sobre temas relacionados a esse assunto.
Veja ainda:
37
A Operação Limpeza – Primeiro Período após o Golpe de 1964
38
Ditadura e Censura
Um dos principais mecanismos utilizados pela Ditadura Civil Militar no Brasil, para buscar
legitimidade, esconder os graves crimes cometidos pelo regime e, ao mesmo tempo, disseminar
uma cultura de medo entre a população, foi a censura aplicada nos meios de comunicação, nas
expressões artísticas e nas produções intelectuais.
A censura tinha o poder de vetar e invalidar trechos e estrofes de textos musicais, roteiros
de teatro, filmes, transmissões de rádio e de televisão. Seus órgãos funcionavam a partir do
trabalho de servidores públicos, admitidos por meio de concurso para a Polícia Federal. O agente
censor deveria ter noções de tiro, comunicação social, cultura brasileira, fiscalização e legislação
censória, enfim, deveria ser formado e doutrinado para atuar como um agente de inteligência a
favor do regime ditatorial, a partir das premissas da Doutrina de Segurança Nacional. Segundo o
edital para formação o profissional de censor federal, também disponível no site Censura Musical,
deveria realizar o exame prévio de qualquer programação relativa aos espetáculos de diversões
públicas, inclusive texto de canto ou recitações destinadas à gravação de discos, incluindo anúncios
e propagandas de espetáculos.
Em 1967, a Lei nº 5.250
regulamentou o controle da
censura, que foi uma prática
efetiva desde o golpe de 1964.
Já em 1970, o Decreto-Lei nº
1.077 instituiu a censura
prévia, realizada a partir de
equipes de censores
instaladas de forma
permanente nos veículos de
informação, ou a partir da
obrigatoriedade de enviar os
conteúdos que se pretendia
publicar ao Departamento de
Censura e Diversões Públicas
do Departamento de Polícia
Federal, junto ao Ministério da Justiça. Eram examinados previamente conteúdos de espetáculos,
textos e letras de músicas, filmes, peças de teatro, anúncios, propagandas, livros.
Constantemente eram realizadas "batidas", para apreensão de material subversivo em
bibliotecas e livrarias.
A ex-censora Odete Lanziotti, que atuou como técnica de censura entre os anos de
1966 e 1980, ano em que se aposentou pela Polícia Federal, declara em entrevista ao site
Censura Musical que eram mais visados artistas já conhecidos pelo perfil "subversivo", como
Chico Buarque, Geraldo Vandré, Milton Nascimento. Havia censores destinados a analisar
especialmente a obra de tais compositores. Comenta também que muitas vezes os artistas
usavam subterfúgios ou duplo sentido para tentar enganar os censores, além de codinomes,
cacofonias (uma ou duas palavras cujo som forma uma outra palavra) e mensagens
39
subliminares. Analisava-se não apenas o conteúdo político, mas também moral das produções,
atentando-se para críticas ao governo e para a moral e os bons costumes.
É importante lembrar que, além da censura oficial aplicada no dia a dia, tal lógica de
repressão e vigilância foi criando uma cultura de "patrulha ideológica", que se expressava na
autocensura – por precaução e medo. Aliada à cooptação dos donos das grandes mídias pelo
regime, e à utilização dos meios de comunicação para despertar o ufanismo entre o povo,
desenhou-se uma realidade em que se tornava muito difícil driblar os tentáculos da Ditadura.
Em entrevista, o radialista Mascarenhas de Morais conta como era conviver com a censura.
Afirma que havia ouvintes que ligavam dizendo para não tocar determinada música pois "não
era bom", e que "Em São Paulo existia uma facção horrível chamada Família Tradição e
Propriedade, que fazia patrulha ideológica. Parecia que todo mundo tinha o suor da censura,
pois tudo que você fazia era pecado. Na Rádio Nacional, fiz muito programa com um censor
dizendo a carta que eu deveria ler."
Se por um lado a censura buscava acabar com a livre expressão de intelectuais, artistas,
jornalistas, controlando a sociedade política e moralmente, por outro, o período foi de grande
riqueza cultural, de busca por alternativas e múltiplas formas de resistência em um cenário em
que a imprensa alternativa cumpriu importante papel, assim como muitos artistas que seguiram
lutando para burlar a censura e que produziam desde o exterior, muitas vezes do exílio,
criticando e denunciando a realidade vivenciada no Brasil.
Se você gostou do tema e deseja saber mais, consulte entrevistas e documentos oficiais
dos órgãos de censura, encontrados no Arquivo Nacional e no Arquivo Público do Estado de São
Paulo no site Censura Musical!
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Censura – Pequeno Mapa do Tempo de Belchior
Tomando como proposta discussões acerca da censura durante a Ditadura Civil Militar no
Brasil, apresentamos a música Pequeno Mapa do Tempo, de Belchior (Antônio Carlos Gomes
Belchior Fontenelle Fernades). Belchior estudou piano e música coral, sendo também
programador da rádio de sua cidade natal. Em 1962, mudou-se para Fortaleza onde estudou
Filosofia e Humanidades. Começou a estudar Medicina, mas abandonou o curso no quarto ano,
em 1971, para dedicar-se à carreira artística, tornando-se um dos grandes nomes da Música
Popular Brasileira (MPB).
Apresentamos também o processo de censura
da canção, que só foi lançada muitos anos depois de ter
sido escrita, com o fim da Ditadura. Pequeno Mapa do
Tempo foi interditada pela "Divisão de Censura e
Diversões Públicas", tendo diversas estrofes
consideradas "proibidas". Os censores afirmam, no
parecer assinado em 29 de março de 1977, que a
música contém mensagens de protesto político, que
questionam a realidade socioeconômica e política do
país. No documento assinado por dois censores,
observa-se que outras canções de Belchior também são
vetadas, todas por apresentarem "conteúdo de insatisfação e crítica ao regime vigente".
Pequeno Mapa do Tempo
Belchior
Eu tenho medo e medo está por fora Eu tenho medo um Rio, um Porto Alegre,/
O medo anda por dentro do teu coração um Recife
Eu tenho medo de que chegue a hora Eu tenho medo Paraíba, medo Paranapá
Em que eu precise entrar no avião Eu tenho medo Estrela do Norte, paixão,/
morte é certeza
Eu tenho medo de abrir a porta Medo Fortaleza, medo Ceará
Que dá pro sertão da minha solidão
Apertar o botão: cidade morta Medo, medo./ medo, medo, medo, medo
Placa torta indicando a contramão
Faca de ponta e meu punhal que corta Eu tenho medo e já aconteceu
E o fantasma escondido no porão Eu tenho medo e inda está por vir
Morre o meu medo e isto não é segredo
Medo, medo./ medo, medo, medo, medo
Eu mando buscar outro lá no Piauí
Eu tenho medo que Belo Horizonte Medo, o meu boi morreu,/
Eu tenho medo que Minas Gerais o que será de mim?
Eu tenho medo que Natal, Vitória Manda buscar outro, maninha, no Piauí
Eu tenho medo Goiânia, Goiás
41
A Ditadura Civil-militar:
Os anos que antecederam o
Ato Institucional N°5
Organizações Partidárias
43
As Organizações Clandestinas na resistência à Ditadura Civil-militar –
da história para o cinema
44
Analisando em retrospectiva, sabemos que na clandestinidade atuaram tanto militantes
e organizações, que pretenderam organizar a resistência em torno de pautas democráticas e de
ações não violentas, quanto organizações que optaram pela luta armada, como única forma
possível de combate a um sistema que havia fechado todas as portas para o enfrentamento
institucional ou de mobilização pacífica da sociedade. Ambos foram violentamente reprimidos,
presos, torturados, banidos, exilados. Muitos foram assassinados e desaparecidos, sobretudo
aqueles que formaram as fileiras da luta armada.
Dentre as organizações de resistência não armada, encontramos o Partido Comunista
Brasileiro, que acreditou que o melhor caminho para a resistência e para a revolução seria o
caminho pacífico, na construção da conscientização dos trabalhadores por meio da luta e da
ampliação das liberdades democráticas e de reformas estruturais. Nesse sentido, recusou o
foquismo e a luta armada e, por consequência, perdeu muito de seus militantes para outras
tendências, como também perdeu muitos militantes devido à repressão do Estado. Outros,
como seu militante histórico Luis Carlos Prestes, conseguiram sobreviver. Para saber um pouco
mais sobre o PCB e sobre a história de vida e militância de Prestes, recomendamos o
filme/documentário O Velho – A História de Luiz Carlos Prestes.
Entre as organizações clandestinas que optaram pela luta armada ou que se construíram
já a partir da ideia de ação direta contra a Ditadura, encontramos a Ação Libertadora Nacional
(ALN), a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Ainda
dentro das organizações clandestinas que optaram pela luta armada, havia diferentes leituras
como a forma de atuação para a derrubada da ditadura e para a construção de um novo
modelo de sociedade.
45
No caso da ALN, uma das organizações mais
estruturadas, a compreensão era de que o
caminho para o fim da Ditadura passava pela
Guerrilha Urbana. Seus militantes participaram
de ações como expropriações bancárias, de
carros-fortes, de trens pagadores, além de
sequestros de diplomatas que eram trocados
pela liberdade de militantes presos. Um de
seus mais conhecidos militantes, um
comunista histórico, foi Carlos Marighella,
morto em uma emboscada no ano de 1969.
Para saber um pouco mais dessa organização e
da vida e militância de Marighella,
recomendamos o filme Marighella.
46
A Rádio Nacional e a Aliança de Libertação Nacional
47
Pelos Muros da Ditadura – Ações de Resistência
48
A intenção desta postagem era a de mostrar que os descontentes com a ditadura
não ficaram calados, quietos, inertes e passivos frente à repressão. Utilizavam várias
formas de protesto, como jornais, legais e ilegais, distribuição de panfletos, músicas,
realização de passeatas e pichações em espaços públicos.
49
A MPB e a censura
Queremos hoje compartilhar com vocês a reação do público que se indignou ao perceber
que a música vencedora não foi a de Geraldo Vandré. Confira abaixo. É fantástico!
50
É proibido proibir, diz a Tropicália no Festival da Canção!
Inovar, música popular brasileira, Guerra do Vietnã, romper, cabelos longos, rock-and-
roll, ditadura, transcender, Maio de 68, multicores, liberdade sexual, psicodelia, chocar,
guitarra elétrica... Quem são esses que subiam aos palcos dos festivais de música na
televisão com a coragem de ser o que nunca antes se havia sido no Brasil? Sim, são os
tropicalistas!
51
Pesquisando a respeito do movimento, descobrimos o site Tropicália, um sítio
riquíssimo oriundo de pesquisa aprofundada, coleta de entrevistas, textos e imagens. Um dos
aspectos abordados no Tropicália é a participação desses artistas nos Festivais da Canção, que
marcaram os anos 1960. O movimento explorou o espaço desses festivais de música na
televisão, que se tornaram muito populares primeiramente a partir da TV Excelsior (que por
pressão da ditadura acabou fechando), depois, na TV Record e na TV Globo. Segundo o site,
em outubro de 1967, Caetano participou do III Festival da TV Record defendendo, entre vaias e
aplausos, a canção Alegria, Alegria, “uma marchinha pop cuja letra caleidoscópica retrata
fragmentos da realidade urbana – acompanhado pelo grupo argentino de rock Beat Boys. Uma
esperada vaia terminou abafada por aplausos de muitos. Gil também inovou apresentando a
música 'Domingo no parque' acompanhado pelos jovens roqueiros paulistas Os Mutantes. A
grande novidade dessa música era o arranjo de concepção cinematográfica criado por Gil e
Rogério Duprat”.
Em 1968, a TV Globo lança o III
Festival Internacional da Canção, em que Gil
apresentou “Questão de Ordem”, recebendo
forte vaia e sendo desclassificado. "As guitarras,
seu visual black power e seu modo de cantar
não agradaram a ninguém”. Caetano apresentou
a canção “É proibido proibir”, que era
“praticamente um pretexto para ele defender
uma postura de ruptura declarada ao 'bom
gosto' que as patrulhas de esquerda e de direita
impunham à cultura. Mais performático, junto
aos Mutantes, armou uma verdadeira zoeira
musical orquestrada por Rogério Duprat”. Logo
que começaram a tocar as guitarras elétricas de forma distorcida, as vaias foram se tornando
ensurdecedoras, mas Caetano não se resignou e um discurso muito forte contra o
conservadorismo na arte e na sociedade, acusando a plateia de ser igual aos repressores e de
“não entenderem nada”, como é possível ouvir aqui.
No final de 1968, o Tropicalismo no Brasil foi desmantelado pela repressão da
Ditadura, que impôs o exílio a seus artistas, ainda que as marcas do movimento tenham
seguido, dividindo opiniões. Muitos reconheceram rapidamente a qualidade artística, a
ousadia inovadora, a complexidade de sua produção cultural. Outros julgaram o trabalho como
vanguardista, muito distante do público, com uma pretensão que os tornaria arrogantes.
Independentemente da postura assumida na época em relação ao grupo, é consenso que o
impacto de sua estética e de sua crítica marcou de maneira substancial o cenário artístico do
país. Por tudo isso, sugerimos que leia mais sobre a Tropicália! Certamente você vai se
surpreender ao viajar por entrevistas, depoimentos, reportagens de época e outros conteúdos
que foram sistematizados pelo projeto Tropicália!
52
Os Reis Robertos, a Jovem Guarda e a Explosão da Bomba
53
A bomba esta para explodir na praça enquanto a banda passa
Você sabia que a ideia de uma banda passando pela praça faz referência a uma música
lançada um ano antes, A banda, de Chico Buarque de Holanda?
Você sabia também que pode ver, por meio de um documento militar da época,
“determinados artistas que se uniram à Revolução de 1964 no combate à subversão [...]
sempre dispostos a uma efetiva cooperação com o Governo”? Encontramos, entre eles,
Roberto Carlos, Agnaldo Timóteo e Wilson Simonal.
Clique para ver os Documentos Folha 1 e Folha 2.
54
Cinema Novo – Cinema do Povo
55
Com a instalação da Ditadura no Brasil, com o golpe de 01 de Abril de 1964, o discurso
político engajado deixa de figurar nas entrelinhas do cinema para dar lugar ao ufanismo. Os
anseios desenvolvimentistas e a defesa da ordem social passaram a protagonizar o cinema
brasileiro. A censura buscava captar elementos que pudessem caracterizar críticas ao regime
militar ou ainda ao capitalismo. Em estudos realizados por historiadores, podemos perceber
uma tendência, por parte da Censura, à aceitação de filmes que, mesmo considerados
esteticamente pobres por parte da crítica especializada ou ainda contrários à moral, podiam
alavancar o desenvolvimento da indústria cinematográfica no Brasil. Ou seja, aquele filme
que poderia "vender bem" acaba sendo
aceito, como era o caso das
"pornochanchadas". Já no discurso
engajado, os diretores tiveram que
enfrentar vários processos para poder ver
suas películas rodando, seja na telinha ou
na telona, como é o caso de Macunaíma,
de Joaquim Pedro de Andrade, cujo roteiro
fala de um herói sem caráter para um Brasil
urbano e industrializado, pós-AI-5. O
roteiro retrata a história de um índio-
caboclo que nasce em uma aldeia no meio
da selva amazônica, um negro que se
transforma em branco e vai para a
cidade, retornando depois à selva de onde veio. Esse filme enfrentou 16 anos de censura, até
que, após cortes, vetos e proibições, em 06 de agosto de 1985, são emitidos certificados
pondo fim à proibição de sua exibição.
Terra em Transe, dirigido pelo cineasta Glauber Rocha, traz
várias formas de representação nacional. Ele mostra personagens
e figuras nacionais de nossa história, as músicas tradicionais da
cultura brasileira, como samba, candomblé e poemas de autores
brasileiros, além de recursos de estilo bem próprio do autor. Os
interesses políticos são abordados nesse filme, pois esta é a
intenção do Cinema Novo. Glauber Rocha, mais especificamente,
quer, por meio de seus filmes, fazer crítica a estas formas de
governo utilizando recursos inusitados e, ao mesmo tempo,
mostrar um Brasil real.
Um filme que pode caracterizar a retomada do Cinema
Novo pelas produções brasileiras é Pra frente, Brasil de
Roberto Farias. O filme aborda a
prisão arbitrária de Jofre, que é
detido por engano, no ano de
1970, ao ser confundido com um
“subversivo”. A partir daí, sua
esposa e seu irmão tentam
descobrir onde ele está,
encontrando uma série de
dificuldades nesta busca. Com
este plano de fundo, a ideia
central é discutir a tortura e a
participação da sociedade civil na
ditadura.
56
Muitos colaboradores desta veia cinematográfica brasileira foram perseguidos, exilados,
presos e passaram por investigações. Os que continuavam com seus ideais e com suas
propostas do Cinema Novo, a partir da década de 1970, começam a encabeçar uma outra
fase do cinema brasileiro, o chamado “Cinema Marginal”, que vai dar continuidade à postura
contestatória e à abordagem das questões político-sociais anteriormente defendidas pelo
Cinema Novo. Além das indicações já citadas, indicamos as obras de: Cacá Diegues,
Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, Nelson Pereira dos Santos,
Roberto Santos, Rogério Sganzerla, Ruy Guerra, Olney São Paulo, Paulo César Saraceni.
Referências:
●MARTINS, William de Souza Nunes. A censura cinematográfica aos filmes nacionais durante
a ditadura civil-militar brasileira: 1964-1988
Brasileiro
57
Cinema Novo, por Gil e Caetano
Ainda sobre o Cinema Novo e o movimento estudantil, indicamos esta canção que
embalou estudantes, cineastas e tropicalistas nas décadas de 1970 e 1980. Canção que
talvez não seja tão conhecida quanto seus compositores, Caetano Veloso e Gilberto Gil, que
falam do Cinema Novo, e de suas percepções subjetivas deste movimento que mudou a
cultura filmográfica brasileira. Confira!
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A Ditadura Civil-militar:
os anos de chumbo
Ufanismo e Milagre Econômico em tempos de Chumbo
60
que houvesse um aumento desenfreado das importações. Nos marcos do sistema econômico
em que vivemos, esses elementos são realmente difíceis de conciliar, e por isso o período é
chamado por muitos de “período do milagre”. Tais anos de crescimento contribuíram para
aumentar a popularidade do governo e para alimentar as campanhas ufanistas, que tiveram
grande impulso com a vitória da seleção brasileira na Copa de 197, cujo amor à pátria foi
cantado em verso e prosa!
Entretanto, esse cenário apresentado requer diversas problematizações… Pelo
espaço de que dispomos, vamos apontar somente duas: sobre quais pilares foi construído o
crescimento econômico do período e quem ganhou com isso? Qual foi o real apoio do povo à
ditadura, em vista de ele estar imerso em um momento de euforia, ainda que em um contexto
de forte repressão e violência por parte do Estado?
Sobre a primeira questão, muitos já escreveram e observaram que o crescimento
impulsionado pelos militares foi calcado no endividamento do país, ou seja, foram feitos
diversos investimentos na indústria e em grandes obras públicas com recursos oriundos de
empréstimos internacionais a juros altos, que fizeram com que o país entrasse em um ciclo de
endividamento externo do qual até hoje é refém. Além disso, boa parte desses recursos foi
utilizada em obras “faraônicas”, como a Rodovia Transamazônica, utilizada como propaganda
de um “Brasil gigante”. Além do endividamento, também é importantíssimo salientar que o
crescimento do PIB não significa um desenvolvimento socioeconômico planejado e igual. Ao
contrário, o desenvolvimento no período agravou muito a desigualdade social em nosso país,
ampliando profundamente o fosso que separa os mais ricos dos mais pobres. Um dos
principais fatores que contribuíram para isto foi o arrocho salarial (contenção do aumento dos
salários imposta pelo governo), que prejudicou diretamente a classe trabalhadora. Segundo
dados publicados em reportagem pela Superinteressante, “A concentração de renda disparou
durante o milagre. No índice de Gini, que vai de 0 a 1, ela saltou de 0,50 em 1960 para 0,62 em
1977 – o pior nível da história”, assim como o “valor real do salário mínimo despencou. No
final dos anos 70, eram necessárias 153 horas de trabalho para ganhá-lo, contra 65 horas em
1959”. Obviamente, o crescimento da produção e da economia, de modo geral, repercutiu em
algumas melhorias para a sociedade, conforme dados trazidos na mesma reportagem, por
exemplo: “A expectativa de vida da população brasileira aumentou 9 anos nessa mesma
década – o maior crescimento já registrado na história do País” e a taxa de mortalidade infantil
também caiu, de 131 mortes a cada 1.000 nascimentos, em 1965, para 113, em 1975. São
dados importantes, mas com certeza podemos nos perguntar: que Brasil teríamos hoje se as
prioridades da política econômica girassem em torno da igualdade social, e não do
crescimento para o grande capital, com estímulo à educação e à liberdade de expressão?
Em relação à segunda questão: até que ponto a sociedade brasileira, em sua maioria,
compreendia o que estava acontecendo com os que lutavam contra o regime de exceção e
tinha chances de se posicionar? Em mãos de quem e repercutindo quais ideias estavam a
mídia e as instituições de ensino? Ou, até que ponto uma explicação, que tenta justificar o
caminho de que “foram todos manipulados pela ditadura”, ajuda a compreender realmente o
caráter das opções políticas e ideológicas feitas pela maioria dessa população?
No artigo intitulado Milagre, comemorações e consenso ditatorial no Brasil, 1972,
que indicamos como leitura, a pesquisadora Janaina Martins Cordeiro traz boas reflexões a
respeito dos mecanismos de busca de consenso utilizados pela ditadura, demonstrando que
seria muito mais complicado para os militares se manterem no poder por tanto tempo sem
buscar o apoio do povo através do convencimento, para além do uso da força. Além disso,
Janaína demonstra o quanto os ditadores foram perspicazes ao construir políticas e
propagandas que buscavam dialogar com tradições arraigadas entre os brasileiros,
estimulando valores e sentimentos já presentes entre a população, como o patriotismo, a
61
valorização da família e da religião. Para tanto, a autora toma como referência principal a
“análise sobre a natureza do consenso social durante os anos Médici as comemorações dos
150 anos da Independência do Brasil, realizadas com pompa ao longo de todo o ano de 1972”.
Ela afirma que este foi um “momento privilegiado para observar as relações entre sociedade e
regime em sua complexidade, buscando ultrapassar a lógica, por vezes simplificadora –
dominante, sobretudo nos discursos de determinada memória – e que coloca de um lado um
Estado opressor e de outro, uma sociedade vitimizada. Desse ponto de vista, conformam
importante espaço para se observar os mecanismos de formação de um consenso no seio da
sociedade, fundamental para a sustentação da ditadura naquele momento”.
Atualmente discute-se nos meios acadêmicos e militantes o uso do conceito de
ditadura “civil militar”, e não apenas “militar”, como forma de explicitar o apoio de setores da
sociedade civil ao golpe de Estado e ao regime ditatorial implantado a partir dele. Em nossa
perspectiva, acreditamos, sim, que houve apoio civil, mas que estava relacionado de maneira
direta à elite brasileira, que apoiou institucional e financeiramente a ditadura para defender
seus interesses de classe. Porém, admitimos e compreendemos a importância de aprofundar
as pesquisas e discussões em torno do apoio de outros segmentos civis, que fazem parte das
classes populares, especialmente como forma de minimizar explicações que vitimizam e
menosprezam a participação social e a capacidade de compreensão e atuação político-social
do povo. E a análise do contexto do chamado “milagre econômico” com certeza é importante
para tais problematizações. Teria o povo cantado seu amor ao Brasil por puro medo, ignorância
ou inércia, ou em determinado momento fez a opção de apoiar os governos militares
ditadores? Essa pergunta, por mais incômoda que possa soar, precisa ser encarada, sob pena
de não superarmos compreensões e valores conservadores. Para que possamos prosseguir na
construção de uma sociedade realmente democrática, participativa e igualitária, precisamos
encarar de frente nossa história, fazendo as críticas necessárias não somente aos ditadores
militares, com aliás temos feito e denunciado, mas também aos segmentos abastados entre
civis que apoiaram e incentivaram que os militares tomassem e se mantivessem no poder, e
aos demais segmentos da sociedade que podem ter apoiado um regime discricionário
baseado no Terrorismo de Estado em nome de ideologias reacionárias.
62
Combate nas Trevas de Jacob Gorender –
Indicação de Leitura sobre a Resistência Armada à Ditadura
Publicado pela primeira vez em 1987, Combate nas Trevas – A Esquerda Brasileira:
das ilusões perdidas à luta armada, escrito por Jacob Gorender, é um dos livros mais lidos e
mais conhecidos sobre a temática da Luta Armada no período da Ditadura no Brasil.
Gorender, que é historiador, também foi militante do Partido Comunista Brasileiro e
fundador do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (organização de luta armada).
Nesse sentido, além de uma análise histórica, o autor escreve memórias daqueles anos, da
atuação do PCBR e de várias outras organizações, como a ALN e a VPR, que optaram pela
luta armada como forma de resistência.
No capítulo intitulado Imersão na Luta Armada, ele discute
as possibilidades de resistência a partir do Ato Institucional
número cinco (AI-5). Segundo o autor, nesse momento, as lutas
de massa estavam encerradas e a única resposta possível que
restou, da clandestinidade dos militantes de esquerda, foi o
combate pelas armas. Para ele, as vanguardas revolucionárias
não poderiam se constituir em partidos políticos com braços
armados, visto que toda possibilidade de lutas institucionais
estava esgotada, mas deveriam ser organizações de corpo inteiro,
militarizadas e voltadas para as tarefas de luta armada.
Nesse momento de virada de muitas organizações para a
ação armada, também houve uma virada do Estado, no sentido
de profissionalizar ainda mais a repressão. Segundo Jacob, o
súbito aumento da escalada da luta armada pôs à mostra a incapacidade do aparelho
policial no enfrentamento desse novo tipo de organização.
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sangrentos centros de tortura do país. Desde Gorender, quando o major do Exército Carlos
Alberto Brilhantes Ustra assumiu o comando do DOI/CODI, as operações de investigação,
captura, interrogatório, análise de interrogatórios, fichário e cruzamento de informação foram
organizadas de forma meticulosa: “sob suas ordens, a tortura deixou de ser arbitrária e caótica
e se tornou uma prática orientada e metódica, friamente executada”. Além de São Paulo, os
DOI/CODI passaram a ser instituições oficiais no Rio, Recife, Brasília, Salvador, Belo Horizonte,
Porto Alegre, Fortaleza e Belém.
Já os militantes, além de se empenharem na luta armada, passaram a ter que se
defender de uma repressão mais coordenada, equipada e informada. Além disso, conforme o
autor, enfrentavam dois outros grandes problemas além da repressão policial. O primeiro
deles dizia respeito ao sustento de um número cada vez maior de militantes que tiveram de
passar para a clandestinidade para conseguir continuar atuando na luta. Gorender afirma que
as quantias arrecadadas nos assaltos a bancos (também chamado de expropriações ou ações
confiscatórias) decrescia, devido aos cuidados que a agências passaram a tomar, não deixando
muito dinheiro a disposição nos caixas e nos cofres das agências. O segundo, dizia respeito à
imagem que as organizações estavam tomando diante da população. Segundo o autor, durante
as ações, “repetiam-se os episódios em que humildes vigilantes de bancos e soldados, que
resistiam à tomada suas armas, saíam feridos ou mortos no choques com guerrilheiros”. Esses
fatos ocupavam os noticiários e fomentavam a ideia de terrorismo vendida pela ditadura à
população.
Parece que Gorender, ao mesmo tempo que justifica a decisão de pegar em armas
devido ao fechamento total da ditadura, também realiza uma autocrítica, ao perceber, em
retrospectiva, que os dirigentes revolucionários se afundaram “no engano fatal de que a
justeza de sua causa, a audácia dos seus feitos e a difusão de suas proclamações lhes
garantiam o apoio das massas oprimidas”.
E porque sabemos do desfecho da história, das mortes, dos desaparecimentos, da
imensa repressão despendida pelo Estado sobre os grupos armados até a sua total dizimação,
percebemos o quanto a população esteve alheia a essas ações, de um modo geral. E é nessa
direção que o autor encerra o capítulo: “as organizações sectárias e vanguardistas da esquerda
radical já atuavam quase sem base social. Sua proposta de luta armada não se amplificava pela
ressonância. A ditadura militar começou a apresentar o êxito econômico como credencial de
legitimação política, o que, se não chegava a ser convincente, ao menos desorientava e
neutralizava setores consideráveis da opinião pública, ao mesmo tempo, a ditadura militar
aplicava aos diferentes tipos de oposicionistas diversificados instrumentos de repressão, desde
as pressões informais, as cassações de direitos políticos e as demissões compulsórias às
prisões arbitrárias seguidas de tortura e assassinato.
No entanto, se por um lado a resistência armada não conseguiu derrubar com suas
armas a Ditadura, por outro, explicitou algumas das contradições do regime e, com certeza,
pelas trágicas consequências advindas das mortes, torturas e desaparecimentos, pressionou a
opinião pública a mobilizar-se, um pouco mais tarde, pela abertura política.
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No final dos anos 1960 e
início dos anos 1970, existiram
alguns sequestros e algumas
tentativas fracassadas levadas a
cabo pelas organizações de luta
armada. Um deles, que ficou
bastante conhecido, foi o
sequestro do embaixador
norte-americano Charles Burke
Elbrick. Para mais informações,
leia o texto de autoria de
Gorender, que compõe a obra
Combate nas Trevas.
65
Resistência Armada à Ditadura - Caparaó
O movimento Araguaia, de 1966 até 1974, foi mais do que uma resistência
armada, porque que além do enfrentamento armado, os militantes muitas vezes eram
professores e médicos que procuravam interagir com a população, levando educação e
saúde. A Ditadura Militar descobre o movimento guerrilheiro em 1972 e, durante três
campanhas militares, a maior parte dos membros da guerrilha é massacrada. A população
local ficou dividida entre a propaganda da ditadura, que tratou os militantes como
terroristas, e as investidas violentas do exército que prendeu, matou e torturou. Esse filme
mostra o movimento pela ótica da população local, mostrando as marcas da ação dos
militantes e dos militares.
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Anos de Chumbo – O Sequestro do Cônsul Norte-Americano
Durante o final da década de 1960 e início de 1970 houve uma série de ações
comandadas por diversas organizações de luta armada. Dentre estas podemos citar a
expropriação do Banco Brasul, onde membros da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR)
levaram malotes com dinheiro do grupo Ultragás. Neste mesmo contexto há uma onda de
sequestros de autoridades internacionais. O primeiro, em 1969, foi o do embaixador norte-
americano Charles Burke Elbrik e também o de maior repercussão nacional, pois em troca
de sua libertação foram soltos quinze presos políticos. No ano seguinte foram sequestrados
o Cônsul Japonês Nobuo Okushi, o embaixador alemão Ehrenfried Anton Theodor Ludwig
Von Holleben e o embaixador suíço Eurico Bucher.
Assim como no restante do
país, os militantes das organizações
de luta armada no Rio Grande do Sul
sistematizavam ações neste mesmo
sentido. Uma das ações mais
noticiadas naquele período foi a
tentativa de sequestro do Cônsul
norte-americano Curtis Carly Cutter,
em 04 de abril de 1970, elaborada por
Felix Silveira Rosa Neto, Fernando
Damata Pimentel, Irgeu João
Menegon e Gregório Mendonça,
todos membros da VPR. O Cônsul estava com sua esposa em um carro modelo Plymounth e,
ao ser abordado pelo grupo, lançou seu veículo contra o Fusca guiado por Irgeu. Neste
momento, atropelou Pimentel e conseguiu escapar. Felix atirou no Cônsul que mesmo
atingido no ombro, continuou dirigindo até chegar à residência oficial (também possível
encontrar informações sobre esse acontecimento e sobre seus protagonistas nos processos
administrativos que compõem o acervo da Comissão Especial de Indenização).
Fernando Damata Pimentel atuou na Vanguarda Armada Revolucionária Palmares
(VAR Palmares) e, posteriormente, na VPR. Ele confirma, em seu relato de prisão, que
participou de ações armadas, entre elas a tentativa do sequestro do norte-americano Cônsul
Curtis Carly Cutter. Por conta disso, Fernando foi preso no dia 12 de abril de 1970, por volta
das 13 horas, ao chegar no apartamento de familiares de Felix Silveira Rosa Neto. Em
seguida, foi conduzido para o DOPS onde foi algemado e teve os olhos vendados. Deste
momento até a madrugada do dia seguinte, foi vítima de maus-tratos cometidos por
diversos agentes do DOPS, comandados pelo então Delegado Pedro Seelig e por Nilo
Hervelha. Segundo Fernando, também participaram destas sessões o “Capitão Malhães” e o
“Tenente Cabral”. Na manhã do dia 13 de abril, viu Felix muito debilitado e insistiu para
aproximar-se do companheiro e, assim, puderam trocar algumas palavras. Até o mês de
agosto daquele ano permaneceu no DOPS, com algumas estadas na Ilha do Presídio. Foi
transferido para o antigo Regimento de Reconhecimento Mecanizado, no bairro Serraria, em
Porto Alegre, onde permaneceu praticamente incomunicável até março de 1971, quando foi
julgado, condenado e conduzido ao Presídio Central de Porto Alegre. Posteriormente, foi
transferido para a Penitenciária Estadual de Linhares, em Juiz de Fora, Minas Gerais, e teve
seus direitos políticos suspensos por 10 anos.
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Outro processo administrativo que nos auxilia a compreender este fato é o de Felix
Silveira Rosa Neto. Ex-bancário, assim como Fernando, foi preso por sua participação na
tentativa de sequestro do Cônsul. Ficou detido por mais de sete anos: de 12 de abril a
agosto de 1970, no DOPS e na Ilha das Pedras Brancas; de agosto de 1970 a maio de 1971,
em Quartéis do Exército; e de maio de 1971 a 23 de novembro de 1977, no Presídio Central
de Porto Alegre e na Penitenciária do Jacuí. No DOPS, segundo declaração no processo, foi
vítima de maus-tratos cometidos pelo agente “Pablo”, mais tarde identificado como Capitão
do Exército Paulo Malhães, e pelo agente “Cabral”, que se auto identificavam como
integrantes do CIEx, mas que atuavam em dependências do DOPS.
No acervo da Comissão Especial de Indenização, encontramos também os processos
de outros integrantes da Vanguarda Popular Revolucionária, incluindo os de Irgeu João
Menegon e de Gregório Mendonça. Esta documentação nos dá um panorama de como as
organizações de luta armada se articulavam no Rio Grande do Sul e, se combinada com
outras fontes, podem ilustrar de forma mais clara e ampla este contexto.
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Entrevista com o Cônsul que sofreu tentativa de sequestro
O senhor sabia que seu apelido entre os militantes que tentaram sequestrá-lo era Mr. CCC,
referência ao Comando de Caça aos Comunistas?
Curtis Carly Cutter – Eu não tinha ideia. Era um apelido muito inapropriado, porque eu
vinha de uma cultura acadêmica muito liberal, e minha postura era tentar fazer contato
com todos os elementos da política em Porto Alegre. Ser anticomunista era ser como o
senador Joseph McCarthy e, naquela época, eu poderia ser descrito como um social-
democrata. Mas posso dizer que o comunismo era identificado com o stalinismo. E o
stalinismo não era um regime nada liberal.
Talvez a fama venha do fato de o senhor ter servido o Exército americano na Guerra da
Coreia…
Cutter – Sim, é verdade. Mas durante a guerra todo mundo teve de servir. Foi na Coreia
que decidi seguir a carreira diplomática. Quando se está numa guerra, é comum pensar:
“Esta não é a melhor forma de resolver um problema”.
69
Futebol em tempos de Ditadura, Correio do Povo e a Copa de 1970
70
Memórias do Chumbo – O Futebol nos Tempos do Condor
Confira também:
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Indicação de Filme: Pra Frente Brasil (1982)
Este filme trata de um inocente, Jofre, que é detido por engano, no ano de 1970, ao
ser confundido com um “subversivo”. A partir daí, sua esposa e seu irmão tentam descobrir
onde ele está, encontrando uma série de dificuldades nesta busca. Tendo este plano de
fundo, a ideia central é discutir a tortura e a participação da sociedade civil na ditadura. Um
primeiro aspecto a ser salientado, portanto, é o caráter da imprevisibilidade da tortura, que
poderia atingir a qualquer um, até mesmo inocentes. Ao ver este caso, ainda que fictício, é
impossível não se indagar quantos casos iguais a esse ocorreram. O preso, que é inocente,
torna-se culpado com provas, já que seu torturador o vê em fotos nas quais não é ele que
aparece. Todos se tornam suspeitos. Toda a trama ocorre em 1970, ano no qual o Brasil
venceu a Copa do Mundo.
PRA FRENTE BRASIL (1982) Roteiro de Roberto Farias. Argumento de Reginaldo Farias e
Paulo Mendonça. Dirigido por Roberto Farias. Estrelando: Reginaldo Faria, Natália do
Valle, Antônio Fagundes e Elizabeth Savalla.
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E a Revolução Meu Irmão?
“A letra da música é explícita, ela é direta, tem um discurso direto. Uma poesia que mostra a minha
relação pessoal com esse assunto, com meu irmão que era guerrilheiro, minhas irmãs que eram de
movimento estudantil e dois primos que participaram da luta armada. Eu era o mais novo dos
irmãos. A música tem uma certa dose dessa motivação, dessa relação sentimental que tenho com o
tema. Mas também quis fazer uma relação aberta com a época, e como isso se aproxima do
presente.
Falar do meu amor pelo Eurico é falar das suas ideologias, falar da dor maior que é a perda de entes
queridos, dessa geração que padeceu na carne a ditadura. Um outro lado dessa geração percebeu
essa luta como inglória, mas é questão de momento e ponto de vista, um copo meio vazio, também
pode estar meio cheio. Eles lutaram para que hoje o mundo pudesse se encaminhar para um
caminho mais justo e igualitário.
A música tem uma longa letra sob uma levada roqueira sessentista que vem narrando a época, que é
a minha visão. Em 68 (ano que se passa a música) eu era um guri, tinha nove anos de idade. O
quadro não era só de militância política mas de cultura, de rebuliço, Tropicália, gente vendo e
fazendo a adolescência acontecer, as minissaias. Mas o que segue este rebuliço foi o AI-5 com
torturas, prisões indiscriminadas, violência. A música também fala do contexto do Cone Sul, fala do
Muro de Santiago onde gente foi encontrada enterrada, cimentados dentro de um muro, inclusive
isso aconteceu com a companheira de um amigo meu. Falo também do Rio da Prata, da prática de
jogar pessoas de helicóptero sob o rio que fica na Argentina. Quando falo que 68 foi barra, foi bala,
foi de verdade, duro mesmo. Na redemocratização, essa expressão se tornou uma espécie de
chacota, um clichê, uma frase.
A música tem trechos mais melódicos, mais emotivos, são quase uma mensagem direta ao meu
irmão. No final da letra, sucintamente, eu nomeio certas crônicas do Brasil que mesmo hoje, em
2014, continuam, de uma forma ou de outra: “Luxúria, Mentira, Autoridade sem moral.”
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Burlando a Censura: Julinho de Adelaide na Obra de Chico Buarque
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Indicação de Filme: O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006)
Ambientado nos anos 1970, o filme O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias nos
conta fragmentos de histórias vividas durante o período da Ditadura Militar, a partir do olhar
de um garoto de 12 anos, chamado Mauro. Apaixonado por futebol, o de botão e o de
várzea mesmo, Mauro não acompanhou as “férias” que seus pais viveram naqueles duros
anos de repressão. No entanto, acompanhou a Copo do Mundo de 70 sob os cuidados de
um vizinho (Shlomo) de seu avô que faleceu momentos antes de seus pais entrarem na
clandestinidade.
Com a ajuda de Shlomo, de novos amigos e de sua
paixão pelo futebol, Mauro enfrentou o drama da separação
da família e a necessidade de, apesar disso, ser criança.
Dentro e fora dele, passam-se as aventuras vividas em meio
às suas novas companhias, como a de Hanna, a ansiedade
pelo retorno dos pais, a Copa do Mundo, o combate à
Ditadura e à repressão, na figura de seu novo amigo
universitário Ítalo – que mais tarde conheceu a
clandestinidade também.
De forma muito sensível, o filme retrata as mudanças
vividas por muitas famílias durante o período que se seguiu
ao ano de 1964: o exílio, dentro e fora do país vivido por pais,
avós, filhos, irmãos, companheiros. E, como relatou o diretor,
é um filme sobre o exílio e a necessidade humana
de construir um lar apesar dele, onde quer que se esteja.
É claro que não vamos contar o final do filme…triste, lindo e emocionante possível
reencontro de Mauro com a família.
Curiosidades:
75
Em 2014: 45 Anos do AI-5
76
APERS? Presente, professor! –
Os anos de chumbo da Ditadura e a Luta Armada no Rio Grande do Sul
77
A Ditadura Civil-militar
do lado de lá da Fronteira:
o mundo dos exílios
Exílio e Ditaduras no Cone Sul
79
como abrir uma ferida outra vez”, conforme declarou na reportagem para a BBC Brasil. Assim
como em Jair e em tantos outros brasileiros massacrados por defender o sonho de viver em
um país mais justo e igualitário, as feridas ainda existem. Essas são feridas que marcam toda
nossa sociedade, e permanecerão enquanto não forem devidamente saneadas. Crescemos
como indivíduos e como sociedade no enfrentamento dessas questões, que não podem ser e
não serão esquecidas.
Jair faz parte da primeira geração que foi atingida pelas perseguições da Ditadura
militar. Foram os primeiros a se sentirem obrigados a sair do país para garantir sua vida e
poder manter algum tipo de atuação política. Eram integrantes do governo, defensores de um
projeto reformista de transformação social, inúmeros militares contrários à ditadura, históricos
líderes da esquerda (sobretudo comunistas). Essa primeira etapa de perseguição política foi
nomeada de “Operação Limpeza”, por limpar o caminho para a construção do governo militar
e de seu projeto de sociedade.
Porém, boa parte da sociedade não assistiu
passiva a esses eventos, mantendo
permanentemente uma crescente crítica aos
militares, devido às constantes denúncias de
violência e uso de tortura. Em 1968, essa oposição
atinge maior expressão e capacidade de pressionar
os que estavam no poder, provocando uma resposta
ainda mais repressiva do Estado, corporificada no AI-
5. A partir de então, tem-se uma segunda leva de
exilados. Conhecidos artistas foram obrigados a sair
do país, por apresentarem um posicionamento crítico em suas produções. Muitos integrantes
de organizações clandestinas de resistência à ditadura fugiram, na medida em que suas
organizações eram desmanteladas pela repressão. Diversos presos políticos conseguiram
exílio a partir de ações armadas orquestradas por suas organizações.
Se a experiência do exílio afastou pessoas de seus entes queridos, desarticulou
organizações políticas e projetos de vida e deixou em suspenso sonhos de um país
transformado. Em contrapartida, possibilitou condições de que se denunciasse o regime em
nível internacional, ajudando a fragilizá-lo frente a opinião pública de diversos países, que
sobretudo na Europa, oportunizou a construção de redes de solidariedade, criação de novos
movimentos sociais e políticos e a rearticulação da resistência desde o exterior.
Aproximadamente 5.000 brasileiros foram exilados durante a “longa noite” iniciada
em abril de 64, que durou cerca de 21 anos. A luta pela anistia seguiu durante anos no Brasil,
sustentada por diversas organizações de direitos humanos e defensoras da retomada da
democracia. Em 1979, contudo, o governo militar implementou um projeto de Anistia que
desconsiderava as diferenças fundamentais existentes entre perseguidos e perseguidores,
buscando com isso criar condições para o lento processo de abertura política. Nessa anistia,
que segue em vigor até hoje, são os aqueles que utilizaram indiscriminadamente diversos
mecanismos de repressão e controle, sustentados pelo Estado, e os militantes, que com
organizações precárias buscaram resistir ao arbítrio. Enquanto a maioria dos exilados voltava
para casa, o regime ditatorial em distensão, e a elite política e econômica que ele
representava, buscou construir um discurso e uma prática de apagar o passado.
Hoje nós reiteramos: não esqueceremos! Lutamos contra o esquecimento,
questionamos a Lei de Anistia que segue nos impedindo de punir os torturadores e
reafirmamos a necessidade de memória, verdade e justiça, para que nunca mais aconteça.
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Nômades, sedentários e metamorfoses:
trajetórias de vidas no exílio e ditaduras no Cone Sul
O exílio, durante os anos 1960 e 1970, foi uma das utilizadas a cabo pela ditadura
para afastar e eliminar, do cenário nacional, aqueles que formavam as fileiras da
resistência. Da mesma forma que a prisão política, que os assassinatos, que a
clandestinidade imposta a muitos, o exílio foi mais uma estratégia que visava destruir
projetos políticos não condizentes com o projeto da ditadura. Compreendido dentro da
temática do exílio, também abordaremos alguns conteúdos relativos às ditaduras que
sucederam à brasileira em outros países da América Latina, cujas histórias influenciaram
nas experiências do exílio para muitos brasileiros.
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Dessa forma, Denise avalia que o exílio “foi uma experiência heterogênea, vivida em
função de uma série de variáveis”. Uma dessas variáveis diz respeito às gerações que o
vivenciaram. Segundo ela, são duas, a geração de 1964, identificada com “o projeto das
reformas de base, ligada a sindicatos e a partidos políticos legais, como o PTB, ou ilegais, como
o PCB”. Essas pessoas, quando foram para o exílio, já possuíam uma vida mais estruturada,
tanto familiar quanto profissional. Apesar de terem se exilado em diversos países, o Uruguai
foi o maior polo de concentração nessa primeira fase. A segunda geração, de 1968,
caracterizada por “militantes mais jovens, extremamente críticos às posições e práticas do PCB
e do PTB, muitos originários do movimento estudantil, de onde saíram para se integrarem à
luta armada em organizações que supervalorizavam a ação revolucionária”, era composta por
pessoas, em sua maioria, ainda não definidas profissionalmente. O Chile e a França foram os
países de destino da maior parte desses exilados.
A segunda variável remete a uma tentativa de
periodização vivida pelos exilados. A autora propõe uma
análise a partir de três fases caracterizadas por “tendências e
situações predominantes e/ou significativas”, que auxiliam na
compreensão do fenômeno exílio. A primeira teria iniciado em
1964 e se estendido até 1973, com o Golpe do Chile. Até esse
momento, muitos dos militantes permaneciam na América
Latina, próximos das lutas travadas no continente. Teriam
julgado que o período do exílio seria curto e que em breve
retornariam ao Brasil para darem prosseguimento à sua
militância em solo pátrio. A segunda fase teria iniciado com “a
chegada dos brasileiros a países com culturas bem diferentes,
em comparação com a dos países latino-americanos”. Teria
seguido a isso as dificuldades de adaptação e a constatação de
que a volta ao Brasil estava mais distante. Conforme a autora, esse foi o período da
“diáspora”, do exílio em vários países, sobretudo da Europa Ocidental, o que possibilitou a
experiência de vivências múltiplas e variadas que teriam reconstruído a identidade dos
exilados e suas referências políticas. Por fim, a terceira fase não teria sido marcada por um
evento, mas por um processo de desgaste da fase anterior que evidenciou as dificuldades de
adaptação, principalmente profissional. Nesse momento, a busca de outros países não
acontecia em decorrência de fugas e de constrangimentos, e sim como um “movimento de
deslocamento motivado por fatores econômicos e ideológicos”, fase chamada pela autora de
a migração no exílio.
Denise conclui seu texto defendendo a leitura de que o “exílio significou o
desenraizamento das referências que davam identidade política e pessoal às gerações 1964 e
1968. A derrota de um projeto. O constrangimento ao estranhamento. A perda do convívio
com a língua materna, o afastamento das famílias, as separações. A interrupção de carreiras,
o abandono de empregos. A ruptura física e psicológica. A desestruturação”. Desde
Rollemberg, muitos sentiram esse período como um luto cujas sequelas se tornaram
irreparáveis. No entanto, salienta a autora, na conclusão de seu texto, que a experiência
também foi vivida por muitos como uma possibilidade de ampliação dos horizontes devido à
“descoberta de países, continentes, sistemas e regimes políticos, culturas, povos, pessoas”,
que lhes proporcionaram o contato com “outras trajetórias históricas e com outras
referências”.
A volta clandestina dos exilados, conforme a autora, para enfrentar o regime,
ocorreu de forma consentida em um contexto de formulação da lei de anistia pela ditadura,
que até o final se sobrepôs à lei desejada pelos movimentos sociais. A militância teria
ganhado outro significado a partir da redefinição das gerações de 1964 e 1968. Para Denise,
“os conceitos tradicionais de revolução foram repensados e uma outra questão veio para o
centro do palco: a democracia”.
82
Esperamos que essa resenha contribua para atiçar a curiosidade acerca da temática
do exílio, experiência que julgamos não somente importante para aqueles que a vivenciaram
individualmente, tanto os exilados quanto suas famílias que permaneceram no Brasil, como
para a história de um país que em determinado contexto expulsou cidadãos de seu território
pátrio, na tentativa de afastar e de eliminar pessoas contrárias ao projeto político defendido
pela Ditadura Civil-miliar instaurada em 1964.
Bibliografia
CRUZ, Denise, Rollemberg. “Nômades, sedentários e metamorfoses: trajetórias de vidas no
exílio”. IN: Ridenti, Marcelo; Motta Sá, Rodrigo Patto (org). O golpe e a ditadura militar
quarenta anos depois (1964-2004). São Paulo: EDUSC, 2004. p. 277-296.
83
Ditadura no Paraguai: Doutrina de Segurança Nacional,
Terrorismo de Estado e participação na Operação Condor
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não podemos deixar de destacar os chamados “Arquivos do Terror”, descobertos nos fundos
de uma delegacia nos arredores de Assunção, no Paraguai, em 1992 pelo advogado Martín
Almada. São cerca de 700 mil documentos, 03 toneladas de papéis, fotos, gravações em
áudio e vídeo, um acervo tornado público em 2009, no governo de Lugo, tombado pela
Unesco como patrimônio da memória mundial. Registra a atuação da polícia política
paraguaia, os crimes e as perseguições cometidos durante a ditadura Stroessner, trazendo à
tona muitas informações relativas à Operação Condor, coordenação repressiva secreta entre
as ditaduras nos países do Cone Sul, que partilhavam o uso de inteligência, perseguiam e
devolviam prisioneiros políticos a seus países de origem e assassinavam opositores. O resgate
desse acervo deu origem ao Centro de Documentación y Archivo para la defensa de los
derechos humanos (CDyA), vinculado à Corte Suprema de Justicia de Paraguay,
importantíssimo centro de pesquisa sobre nossa história recente e a violação dos direitos
humanos por parte das ditaduras no Cone Sul (saiba mais sobre o CDyA aqui).
Documentos Revelados.
BBC Brasil – Memória: Arquivos do Terror revelam detalhes sobre a Operação Condor
85
O Golpe de 1966 na Argentina
Para entender o que foi o golpe militar tanto na Argentina como no Brasil, é
necessário olhar para os momentos que antecedeu tais acontecimentos. Nesta semana,
apresentamos o eixo temático: “Ditaduras no Cone Sul”. Buscaremos, então, explorar a
“configuração das alianças golpistas” na Argentina em comparação às alianças no Brasil.
Para isso, recorreremos ao artigo do historiador argentino Hernán Ramírez, disponível no
final desse texto.
Ramírez acredita que é no
varguismo e no peronismo, a partir da
década de 1930, que a relação política
entre diferentes segmentos (militares,
empresariais e burocráticos) vai se
consolidando em torno do
desenvolvimento de várias empresas
estatais.
No Brasil, os empresários e
tecnocratas tiveram maior participação
no golpe por meio das relações de
caserna (dentro do exército) e do
Instituto de Pesquisas Econômicas e
Sociais (IPES), que usava uma roupagem católica para promover suas atividades. Uma delas
era a de tentar chegar aos setores populares, como as donas de casa, os empresários, os
movimentos estudantil, operário e comunitário, para construir sua legitimidade. O Instituto
Brasileiro de Ação Democrática (IBADE) financiava campanhas políticas de candidatos que
fizessem oposição a João Goulart, fomentando forte propaganda contra as reformas de
base iniciadas pelo PTB.
Na Argentina, a Fundación de Investigaciones Económicas Latinoamericanas (FIEL),
fundada em 1964, era um instrumento ideológico da alta burguesia argentina, que
representava o empresariado. Ao contrário do IBAD do Brasil, que agia com apoio militar e
financiava seus membros para que ocupassem cargos políticos no governo, a FIEL ocupou
os principais cargos da área econômica.
Para Hernán, os golpes de estado anunciavam o fracasso de partidários mais
conservadores na conquista do governo pela via democrática, diferentemente do
Peronismo Argentino e do Trabalhismo Brasileiro, que obtiveram sucesso com apoio do
povo.
Nessa passagem, Hernán fala da dificuldade de aproximação, ou pressão, das
classes conservadoras com as populares – “tinham pouca penetração nos movimentos
sociais e inclusive, no caso argentino, várias das organizações industriais e agropecuárias se
encontravam divididas em frações com posições escassamente conciliáveis que as levavam
a enfrentamentos internos e a diluir seu potencial de pressão.”
Em 1963, Umberto Illia vence o pleito eleitoral. Setores golpistas começaram a
articular uma reação à sua vitória. Em seu artigo “Brasil e EUA durante o golpe de 1966 na
Argentina!, Carlos Fico atesta que a conspiração para a derrubada de Illia era feita
praticamente em público. Falava-se abertamente e com naturalidade do golpe.
86
Em dezembro de 1965, a revista Confirmado, fazendo previsões para o ano-novo,
profetizou que as Forças Armadas tomariam o poder em junho. Ele afirma ainda que Castelo
Branco e Onganía (general que liderou o movimento golpista da Argentina) compartilhavam a
ideia de que os Estados Unidos lideravam o “mundo livre” e, portanto, países como Argentina
e Brasil deveriam apoiar o combate ao comunismo dentro de suas fronteiras, enfrentando o
“inimigo interno”, no contexto das “fronteiras ideológicas”.
Se formos comparar o 1966 argentino com o 1964 brasileiro, encontraremos poucas
semelhanças. As questões que levaram o golpe de Estado à Argentina não diziam respeito
diretamente à candidatura do político Illia, mas ao longo e não resolvido problema do
peronismo. No Brasil, a agitada passagem de João Goulart pela presidência da República foi
muito mais determinante para a eclosão do golpe. Lá, o antiperonismo foi central; aqui, foi o
anticomunismo.
Indicação de Leitura:
RAMIREZ, Hernan Ramirez: A configuração das alianças golpistas nas ditaduras de Brasil e
Argentina: uma perspectiva a partir da imbricação cívico-militar.
87
11 de Setembro, um atentado à democracia
88
O golpe, planejado pela Marinha e com apoio
total do governo dos EUA, foi posto em prática sob a
direção do comandante chefe do Exército, o general
Augusto Pinochet, em 11 de setembro de 1973. Essa
ação militar foi comunicada por telefone a Allende
na primeiras horas da manhã, que, junto a seu
guarda-costas, dirigiu-se para o Palacio de La
Moneda, sede da presidência.
Allende e a Unidade Popular resistiram
transmitindo a todos cidadãos do Chile um discurso que marcaria a história da política
mundial. Seu discurso até hoje é uma referência de perseverança frente a luta por uma
sociedade mais justa e igualitária:
Fontes:
89
Ditadura no Chile e Futebol
90
O mesmo Estadio Nacional foi utilizado, pela ditadura recém instaurada, como
campo de concentração e de tortura, de setembro a novembro de 1973, atividades que,
aparentemente, haviam sido encerradas poucos dias antes do jogo. Foi lá que Victor Jara, um
dos principais músicos chilenos e defensor do governo Allende, foi torturado e assassinado.
Seu assassinato pode ser compreendido como uma ação que tinha o objetivo de calar ou
destruir qualquer pensamento engajado e crítico, por meio do terror e da violência.
Utilizados intensamente no Chile, que havia passado por importantes transformações
motivadas por envolvimentos políticos e sociais. Para melhor compreensão sobre a
importância de Jara indicamos o artigo A canção revolucionária de Victor Jara e o terrorismo
cultural do Golpe de Estado Chileno.
Isso refletiu no universo do futebolístico, que não passou alheio ao que ocorria.
Diversos jogadores chilenos desenvolveram significativo pensamento crítico. Carlos Caszely
era um destes e, por isso, sua mãe foi sequestrada e torturada pelo regime liderado por
Pinochet. Não havia qualquer acusação contra ela, contudo isso foi utilizado como forma de
constranger seu filho, que era um dos principais jogadores da seleção chilena. Quando
Caszely partiu com a seleção para disputar a Copa na Alemanha Ocidental, negou o aperto de
mão do ditador, apesar dos riscos que isso trazia para ele e para sua família.
Em seu discurso, Pinochet, assim como outros ditadores, procurou se apropriar do
esporte, sobretudo o futebol por ser o mais popular, com a intenção de legitimar seu governo
frente a opinião pública nacional e internacional.
Veja uma de suas declarações.
Por outro lado, algumas pessoas protestaram durante a Copa, utilizando-se da visibilidade do
Mundial para denunciar a Ditadura de Pinochet e toda a violência que se vivia no Chile.
Clique aqui para ver.
91
Indicação de Filme: Em teu Nome (2009)
92
Indicação de Filme: Estado de Sítio (1972)
93
Ditaduras latinoamericanas:
conexões Repressivas e
Redes de Solidariedade
Conexão Repressiva – O Voo raso do Condor
95
na gestação dos golpes militares na região, com […] financiamento externo para a
desestabilização e, em seguida, para o treinamento dos serviços secretos dos países do Plano
Condor, em solo brasileiro”.
A Operação Condor, que se oficializa, em uma reunião convocada por Augusto
Pinochet (arquiteto do golpe de Estado chileno) em parceria com o representante do
Itamaraty e da CIA Pio Correa, é realizada em Santiago, entre novembro e dezembro de 1975.
Nessa reunião, estavam presentes representantes dos governos da Bolívia, Paraguai, Chile,
Uruguai e Brasil. A partir dela, desencadeou-se a repressão conjunta, marcando
profundamente a América Latina que teve uma intensa e violenta intervenção na política.
“Não se sabe o que aconteceu exatamente com a estrutura da Operação Condor após
o fim dos regimes militares. Os brasileiros eram mestres em não deixar digitais. Sabe-se que o
aparato de informações da Operação Condor continua existindo; isto está numa ata de uma
das últimas reuniões dos exércitos americanos, ocorrida em Mar del Plata”, afirma o veterano
na luta contra o terrorismo de Estado na América do Sul, Jair Krischke, atual presidente do
Movimento de Justiça e Diretos Humanos (MJDH), sediado em Porto Alegre.
96
Operação Condor – A Repressão Unida
97
A agitação que se instalou também nos países
vizinhos passou a preocupar a ditadura do Brasil, ou seja,
o “inimigo interno” dos governos do Uruguai, da
Argentina e do Paraguai (colaboradores, na lógica
doutrinária) eram, também, inimigos da ditadura
brasileira. O Brasil passou a interver no Uruguai de forma
muito significativa, dando apoio ao golpismo uruguaio.
CIA admite ter invertido no Chile de Allende dando apoio a Pinochet (Página em inglês)
O pesadelo da “operação Condor”- LE MONDE – diplomatique Brasil.
A Ditadura de Segurança Nacional no Rio Grande do Sul- Conexão Repressiva e Operação
Condor
98
Documentário “(A.H.F) Condor”
A “Operação Condor” foi uma conexão repressiva articulada nos anos 1970 entre as
ditaduras do Cone Sul com apoio da CIA, apoio que poderia ser policial, militar, estratégico e
econômico.
No documentário Condor, Roberto Mader conta essa história por meio de depoimentos
de generais, ativistas políticos, torturadores, vítimas e parentes dos desaparecidos. Condor
foi filmado em quatro países e contém rico material de arquivo, acompanhado de belas
composições de Victor Biglione. Vencedor dos prêmios de Melhor Documentário, no Festival
do Rio, e Prêmio Especial do Júri do Festival de Gramado em 2007. Assista!
99
Resistência nas Fronteiras
As fronteiras do Rio Grande do Sul com Argentina e Uruguai foram alvo de especial atenção
dos órgãos da repressão. As cidades da fronteira eram consideradas “Área de Interesse da Segurança
Nacional”, o que implicava ainda maior redução da vida democrática, trocada pelo combate ao
"inimigo interno". A importância estratégica para os militares estava em ser uma fonte potencial e real
de "pressão interna", ou seja, de formas de resistência ao terrorismo de Estado imposto pela Ditadura.
Existiam diversos "esquemas de fronteiras" para retirar pessoas perseguidas do Brasil; organização e
mecanismos para comunicação com os exilados no Argentina e Uruguai; formas de denúncia aos
outros países da repressão imposta pelo Estado brasileiro aos seus cidadãos; assim como
planejamento de ações dentro da estratégia da luta armada.
A seguir iremos trazer um breve relato de um personagem que viveu esse período, atuando
na organização de redes de solidariedade. Apresentamos um trecho da entrevista de Jair Krischke, que
relatou um pouco da dinâmica dos "esquemas de fronteiras". É uma das tantas partes que poderíamos
trazer, que servem para a compreensão (inclusive emocional) do período. Além disso, buscamos
indicar o trabalho – sensível e fundamental – de entrevistas contidas na obra Memórias da
Resistência e da Solidariedade.
P: Jair, comentaste a pouco. Antes da existência do Movimento [de Justiça e Direitos Humanos], vocês já
estavam ajudando cidadãos dos países vizinhos. Como surge a ligação desse coletivo com os uruguaios,
argentinos, e outros países? Como se forma essa rede? Quais são os caminhos que levam a essa
possibilidade?
R: A vida, a vida. Não é muito de caso pensado, mas é a necessidade de se fazer. Com o relacionamento
com pessoas que vivem na fronteira... Geralmente, quem vive na fronteira conhece alguém do outro lado,
isto é fatal. Alguns, de repente, tiveram que viver do outro lado. Então essas amizades vão abrindo
caminhos. No caso uruguaio, caminhos que podem começar por Rivera, e se vão a Montevideo. O mesmo
acontece em relação à Argentina. Esses caminhos foram sendo construídos: - Me dá uma mão, me ajuda -.
E muito o Uruguai porque a primeira massa de refugiados foi para este país. Muitos velhos amigos para lá
se foram, e também abriram um espaço de trabalho, criando relações com partidos políticos. Naquele
momento, as organizações de vdireitos humanos não existiam, mas foram se criando relações com partidos
políticos.
No nosso caso, especialmente com o Partido Socialista, criando vínculos. Porque os brasileiros estavam e se
relacionavam lá, e nós nos relacionávamos com aqueles brasileiros que lá estavam. Esta coisa de fronteira,
também, porque era preciso se formar esse caminho. Então isto nasce de uma forma muito não pensada,
mas premidos pela necessidade. Havia necessidade de, vamos criando esses caminhos. Porque depois
passou a fluir fortemente. Quando as coisas começam a ficar complicadas no Uruguai, o caminho se
inverte. Novamente, aqueles companheiros que nos ajudaram em determinado momento, passam a
necessitar de ajuda. É muito interessante, porque nós vivemos, não nos detemos muito a pensar realmente
em como é que é isso que vamos fazer. Não. É a necessidade, a vida. Coloquei a importância de setores da
igreja brasileira na formação de nosso grupo, no apoio recebido, e o Uruguai é um país bem leigo,
classicamente leigo. A Igreja Católica uruguaia é muito pequena, e de pouca expressão política. Não é como
no Brasil: naquela época, costumávamos dizer que a CNBB era o maior partido de oposição que havia no
Brasil. Lá no Uruguai, não tinha nada que ver com isso. Mas alguns padres uruguaios foram aqueles que
estabeleceram um excelente caminho, que nós montamos para os uruguaios saírem do país. Com o Chile foi
algo parecido, os jesuítas do Chile. Quando foi necessário que os chilenos saíssem, foram eles que
azeitaram o caminho, que criaram a trilha. Foram os jesuítas, de novo, que fizeram esse trabalho. Também
havia um contato muito fluido com o Chile. Não é a toa que, quando do golpe do Chile, havia mais de cinco
mil brasileiros neste local. Inclusive um primo-irmão meu lá estava, que criou e dirigia a Associação dos
Refugiados Políticos do Brasil no Chile. Então, havia certa fluidez com o Chile. Mas tudo isso muito filho da
necessidade. Não uma coisa projetada, pensada: - Agora, temos que tirar pessoas, como vamos fazer? -.
Não, temos que tirar ontem, e temos que tirar. Então, vai se criando, a dor ensina a gemer.
100
A Igreja Católica na Resistência
101
APERS? Presente, professor! –
Conexões Repressivas e redes de Solidariedade: repressão e resistência no Cone Sul
102
Esquemas Repressivos e Tortura
Marcas do Terror da Ditadura
Toda ditadura é marcada pela imposição dos interesses de uma minoria para a
maioria da sociedade. Fecham-se ou estreitam-se os espaços de participação na vida
política, que passa a ser ocupada quase exclusivamente por aqueles que detêm maior
poder, poder que é determinado, sobretudo, pela força econômica e militar. Dentre outras
estratégias para o controle e para a imposição de um projeto de sociedade, destacamos a
utilização da violência, numa escala inédita na violenta história brasileira. Durante todos os
anos da Ditadura Civil-Militar, a violência foi utilizada para eliminar fisicamente aqueles que
se colocavam em oposição ao regime, mas também tinha uma função de causar temor em
toda a sociedade. Isto fazia parte da guerra psicológica prevista na Doutrina de Segurança
Nacional e Desenvolvimento, contida nos mais importantes manuais militares da época.
Assim, buscava-se provocar o desestímulo à participação na vida pública nacional. Dentro
desta perspectiva, tinham especial importância os sequestros e os assassinatos
fomentados por interesses políticos, a tortura (mal) dissimulada, as prisões arbitrárias para
averiguações, os atentados, as falsas informações e a censura, a repressão a manifestações
e greves. Enfim, todos estavam ou sentiam estar próximos das baionetas caladas e do
tacão militar.
104
Indicamos o documentário 15 Filhos:
105
Tortura – Nunca Mais!
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Indicação de Documentário: Relato de uma Tortura (1971)
107
Relato de Sobrevivência – Nilce Azevedo Cardoso
A seguir, o depoimento de Nilce Azevedo Cardoso, no qual ela relata sua vida, sua
juventude, sua história de militância política, uma história de perseguição do regime
militar, de dor, de tortura, mas também de resistência,superação e vitória! Seus
depoimentos, tanto na forma escrita quanto na gravação em vídeo, são impactantes, pois
nos dão um pouco a ideia do que foi a ditadura, a resistência a repressão.
No vídeo, Nilce dá seu depoimento no encontro da Comissão Nacional da
verdade do Rio Grande do Sul, em uma audiência pública que aconteceu no dia 08 de
março de 2013.
108
Sem Vestígios: Como se faz um torturador?
Saiba mais!!!
109
Galeano e Os Filhos dos Dias
A neta
110
Zuzu Angel – A arte significando e ressignificando histórias
Consideramos a história de
um país que ainda não consolidou
nem a ideia de uma necessária
justiça de transição e menos ainda a
sua aplicação. No entanto, não
podemos esquecer que muitos
casos ainda continuam sem solução,
que ainda há muitos desaparecidos,
suicidas e vítimas de trânsito no
Brasil e na América do Sul, histórias
a espera de seus devidos registros.
Aproveitando o momento,
queremos indicar um filme, baseado
em uma história real, de grande
repercussão nacional e
internacional. Trata-se do filme Zuzu
Angel, produzido em 2006, com
direção de Sérgio Rezende, que
conta a história de uma mãe da
classe média, que vai atrás da
verdade e da justiça em relação aos
fatos ocorridos com seu próprio
filho, um militante do Movimento
Estudantil que foi sequestrado,
torturado e que, até hoje, está
desaparecido.
Com certeza, as reflexões são suscitadas pela busca incessante pelo corpo do filho
marcada na vida e na luta de Zuzu; vida, luta e angústias que muitos familiares sofreram
e sofrem até hoje.
Um pouquinho mais...
111
Retratos da Ausência
112
APERS? Presente, professor! – Esquemas Repressivos e Tortura
113
O Fim da Ditadura e o
Processo de Redemocratização
O Fim da Ditadura e o Início do Processo de Redemocratização
115
portanto, vamos publicar conteúdos
que nos remetam a esses avanços e
retrocessos, como a Luta pela Anistia
e Promulgação da Lei que garantiu a
volta de boa parte dos exilados ao
Brasil, a continuidade nas ações do
aparato repressivo, a reorganização
dos movimentos sociais e dos
partidos políticos, a forte presença e
a vitória do MDB nas eleições
municipais, o controle das eleições
por meio da censura, as mobilizações
pelas Diretas Já, a eleição indireta via Colégio Eleitoral, que elegeram, em 1985, Tancredo
Neves, os embates travados na Constituinte e a promulgação da Constituição de 1988.
Tentaremos desenvolver cada um desses temas com indicação de leituras e outros
materiais que possam ser acessados e que lancem luz sobre os acontecimentos que
fundaram, a partir da ditadura, nossa tão recente democracia.
116
A Luta pela Anistia e os Novos Movimentos Sociais
117
A reorganização da sociedade civil não ocorria somente nos centros mais dinâmicos
do país (sobretudo no Rio e em São Paulo). No Rio Grande do Sul também houve
importantes eventos que marcaram o período, inclusive dentro do cenário nacional. São
eles: (1) a greve do magistério estadual de 1979, que garantiu aumento dos salários dos
professores, tendo sido marcada pelo apoio que recebeu de diversas organizações; (2) a
greve dos bancários de Porto Alegre, que foi reprimida com a prisão de lideranças e pela
intervenção no sindicato. Apesar disso, apresentaram os limites das intenções de abertura
do regime, além de provocar a solidariedade de outros setores; (3) a greve dos
trabalhadores da construção civil, que sofriam com o desaquecimento das construções, o
que tornava menos estável e mais fragilizado o trabalho. Duramente reprimida, foi uma das
greve que mais durou (de 13 a 27 de agosto de 1979) e que teve, no final, parte das
reivindicações dos trabalhadores atendidas; (4) a greve dos operários da indústria dos
vestuários, em 1979, que recebeu apoio de muitos trabalhadores, de diversas indústrias de
Porto Alegre e região metropolitana, na qual os grevistas conseguiram parte dos reajustes
que solicitaram, mas não sem grande tensão. Nesse contexto de greve, muitos empresários
solicitaram maior rigor no enfrentamento à greve, inclusive com intervenções das Forças
Armadas.
Referências
118
Assembleia Constituinte de 1987-88
119
Histórias inventadas e Histórias vividas –
Algumas sugestões de leituras de romances
ambientados no cenário e no contexto da Ditadura
120
Verdes Anos, de Luiz Fernando Emediato
E tem mais...
Também a partir da história do livro Verdes Anos, com
direção de Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil e roteiro de
Alvaro Luiz Teixeira, a Casa de Cinema de Porto Alegre lançou,
em 1984, o filme Verdes Anos, adaptado do conto de mesmo
nome presente dentro do livro.
Ambientado na época da ditadura militar (anos 70), Nando,
um rapaz do interior, se apaixona por uma moça da escola,
Cândida. Em meio aos conflitos políticos e sociais da época,
apresenta fotos comuns da vida de Nando e de seus colegas de
escola, onde o protagonista passa a viver o início da sua fase
adulta, assumindo a sua paixão. Tudo isso ao embalo da trilha
sonora de Nei Lisboa.
121
APERS? Presente, professor! –
O Fim da Ditadura: Anistia e Abertura Política
Denominada O Fim da Ditadura: Abertura Política e Anistia, essa é mais uma das
propostas pedagógicas do projeto APERS? Presente, professor!. Ela tem como objetivo
auxiliar na compreensão desse período da História do Brasil conhecido como Abertura
Política, em que lutas pela redemocratização do país, dentre elas a luta pela Anistia, foram
forjadas por diversos setores da sociedade. Para construí- la, a equipe do projeto utilizou
como fonte dois processos de indenização de ex-presas políticas do período, Ana Lúcia
Oliveira e Terezinha Burmeister. Acesse aqui o arquivo da proposta.
122
Redemocratização:
permanências, rupturas,
o antigo e o novo
Eleições Diretas
124
eleitos 9 governadores do PMDB e 1 do PDT (Leonel Brizola), 10 estados seriam governados
pela oposição e 12 estados pelo PDS, formando, então, um quadro equilibrado entre
oposição e PDS. Foram eleitos 235 deputados federais do PDS, 200 do PMDB, 23 do PDT, 13
do PTB e 08 do PT, totalizando uma maioria de deputados da oposição.
Eleições indiretas presidenciais estavam previstas para o ano de 1985, por meio de
colégio eleitoral. Em 1983, foi elaborada a emenda constitucional Dante de Oliveira,
propondo o voto direto e a extinção do colégio eleitoral. No mesmo ano, surgiu o
movimento popular pelas eleições presidenciais diretas. Em 1984, a emenda das Diretas Já,
proposta pelo deputado Dante de Oliveira, foi rejeitada pela câmara dos deputados, apesar
do enorme apoio da população. Em meio às articulações do colégio eleitoral para a eleição
do presidente ocorreram fatos políticos decisórios que resultariam na escolha do último
presidente por meio de eleições indiretas. Tal quadro de crises fez com que o PDS sofresse
uma ruptura interna, culminando na dissidência e articulação da Frente Liberal, que se
opunha à linha dura do PDS, organizando-se posteriormente como o Partido da Frente
Liberal. O PFL se uniu à coligação de oposição, e o colégio eleitoral elegeu o presidente da
oposição Tancredo Neves, do PMDB. Tancredo adoeceu no dia anterior à posse, vindo a
falecer dias depois, tendo assumido então o seu vice-presidente José Sarney. Este seria o
último mandato de um presidente eleito indiretamente, sendo sucedido por Fernando
Collor, eleito em 1989 pelas eleições diretas. Desta forma, a ditadura civil militar, iniciada em
1964, gradualmente deu espaço à chamada abertura política, que se estendeu pelos anos
1980.
No entanto, mesmo com a mudança gradual dos sistemas eleitorais de representação
por meio do voto, continuam presentes, ou se tornam ainda mais evidentes, problemas
relacionados às crises de representação política, que impossibilitam avanços na constituição
de uma democracia mais direta, com participação popular efetiva nas decisões de interesse
dos diversos grupos que formam a sociedade brasileira.
125
O Novo Movimento Sindical
Durante o período que antecedeu o Golpe, pelo menos desde a Revolução de 30, o
movimento sindical urbano (principalmente) cresceu em quantidade e importância no
âmbito político. Logo que se deu o Golpe, grande parte da estrutura sindical, nos seus
diferentes níveis, foi afetada por restrições e proibições impostas pela Ditadura. Após a
repressão inicial, retomou-se parte do movimento sindical crítico, desembocando nas greves
de Contagem e Osasco, em 1968, que foram pronta e violentamente reprimidas, assim
como todas as outras mobilizações que ocorreram após a imposição do Ato Institucional nº
5, em dezembro do mesmo ano. A repressão controlou a classe operária durante alguns
anos, contudo, as demandas dos trabalhadores somente cresciam, ainda mais com o
constante rebaixamento dos salários. O controle imposto pela Ditadura e a redução dos
salários foram elementos importantes para proporcionar o significativo crescimento
econômico, durante o chamando “Milagre Econômico”. Como já dito, a abertura política
trouxe à cena política os movimentos sociais de diversas áreas, porém, com especial
importância para o novo sindicalismo, que surgia sob a crosta autoritária.
Os trabalhadores sindicalizados passaram de menos de 1 milhão, em 1960, para mais
de 10 milhões, em 1978, sendo cerca de metade da zona rural. Cresceu o número de
sindicatos fundados durante a década de 1980, em relação à década anterior: de 2.260
passam para 4.376, segundo dados do IBGE.
Mudaram também as áreas de atuação da maioria dos sindicalizados. Os períodos
populistas (que consideramos ter iniciado com Vargas, em 1930) foram sobretudo de
empresas estatais, enquanto no novo sindicalismo se destacavam setores industriais de
ponta (automobilístico, metal-mecânico, petrolífera, etc.), profissionais assalariados da
classe média (professores, bancários, médicos, etc.) e trabalhadores do campo. Contudo, o
setor mais dinâmico e organizado se encontrava nos operários de São Paulo, que se
destacavam e se aproximam de outros setores pela defesa do fim dos limites impostos pela
ditadura aos sindicatos, para, assim, poder representar os reais anseios dos trabalhadores.
Além de outra forma de representação e de novas reivindicações, o movimento
compreendido como novo sindicalismo defendeu maior articulação entre diferentes setores,
o que garantiria maior peso político. A Central Única dos Trabalhadores, fundada em 1983,
representava esse objetivo, assim como a organização propriamente de uma partido
político.
Indicamos o documentário ABC em Greve, que, filmado entre 1979 e 1981, teve sua
reconstituição e finalização tempos depois, sendo lançado apenas em 1990, três anos após
a morte do diretor. Busca retratar a experiência dos operários de São Paulo durante as
greves do final da década de 1970. Ressaltamos a importância desse movimento devido ao
seu significado para a formação de um movimento sindicalista mais crítico e atuante na luta
pelos interesses da classe trabalhadora. O diretor do documentário, Leon Hirszman, em
entrevista, apresenta uma significativa compreensão de sua obra, como reflexo de um
momento histórico (presente em GRANADO, p. 212):
126
“mostra criticamente três rios simultâneos: o rio do movimento dos trabalhadores – a vida e
as condições sociais dos trabalhadores do ABC naquele momento. O rio do empresariado – as
multinacionais, as grandes montadoras, o grupo dos sete [sic, grupo dos 14, conforme o
próprio filme] da FIESP, que se não me engano, era ligado àqueles que estavam em greve, que
são os trabalhadores nas montadoras de Santo André, São Bernardo, São Caetano e Diadema
[região do ABCD]. E o terceiro rio, o regime – o Estado, aquilo que vinha como ordem:
Figueiredo, Murilo Macedo, as questões oficiais, as intervenções.”
Bibliografia:
MACIEL, Laura. O cinema na greve e a greve no cinema: memórias dos metalúrgicos do ABC
(1979-1991).
127
Novos Partidos Políticos
O processo de
redemocratização ocorreu pela
pressão constante exercida por
diversos setores da sociedade, de
formas distintas. Vários desses
grupos utilizaram a estrutura do
MDB (Movimento Democrático
Brasileiro), partido político
permitido durante a vigência do
bipartidarismo. Apesar dos limites
impostos pela Ditadura, por
meio dele que a possibilidade de
certa ação e organização da oposição. É possível compreender que a presença parlamentar
do MDB serviu de contraponto fundamental aos setores que apoiavam a Ditadura e a ação
que ela impunha. Maria Moreira Alves em seu clássico livro Estado e Oposição no Brasil
(1964-1985), afirma que toda a Ditadura se configurou pelo constante conflito entre o
projeto investido após o golpe e setores que resistiam a ele, mas destaca a importância da
atuação parlamentar, por meio do MDB. Independentemente dessa análise possível, o
bipartidarismo foi extinto em 1979, passando a vigorar o pluripartidarismo. Alguns autores
consideram que essa foi uma medida feita pelo regime para poder dividir a oposição, a fim
de estender um pouco mais o domínio dos setores ligados à Ditadura nas eleições estaduais
que iriam ocorrer. A Ditadura cumpriu sua promessa de realizar uma “abertura lenta, gradual
e segura”, não dando possibilidades para os novos partidos assumirem prontamente o
protagonismo das decisões políticas nacionais.
A sociedade progressivamente passou a se reorganizar em volta dos partidos
políticos que representavam distintos interesses e projetos do país (como o fazem os
partidos políticos). Do MDB partem muitos dos integrantes que irão formar o PMDB, PDT,
PTB e PT, no período final de 1979 e durante 1980. Também neste ano foi fundado o PDS,
partido herdeiro da ARENA, defensora dos interesses do regime militar. Obviamente, a
atuação dos partidos seguia de forma mais ou menos pragmática aos interesses de seus
integrantes, que muitas vezes não eram expostos publicamente. Porém, de qualquer forma,
buscavam apresentar um discurso à sociedade a fim de legitimar sua atuação.
128
Feminismo
129
A terceira onda feminista, ou feminismo da diferença, aparece em meados dos
anos 80 como resultado de um exercício intelectual pós-crítico, com olhos para as
diferenças. Apresenta críticas àquela igualdade idealizada, que é na realidade o discurso
dominante falando pelos subalternos invisibilizados (o termo “homem”, quando
representa todos os seres humanos a partir dos anseios do próprio homem dominante;
ou a mulher da elite que, em sua fala, pretende representar uma totalidade das
mulheres). Aqui surge o conceito de gênero como categoria de análise para trabalhar a
compreensão das diferenças, tanto entre homens e mulheres como entre diferentes
tipos de homens e diferentes tipos de mulheres - a questão de gênero, está para além
das identificações do sexo biológico do indivíduo, ela possibilita uma análise da
construção e reprodução das identidades relacionadas às orientações sexuais.
130
Movimentos Sociais Diversos em Não Calo, grito:
memória visual da ditadura civil-militar no Rio Grande do Sul
131
Movimento Sindical Urbano
Na segunda metade da década de 1970, o movimento
sindical, ao lado do movimento estudantil, passou a ter
grande importância na esfera nacional e se tornou um dos
principais protagonistas na luta pela redemocratização.
Diversas categorias de trabalhadores se mobilizaram e
promoveram ondas de greves, confrontando a política de
abertura e o arrocho salarial. Dentro dos sindicatos,
começaram a surgir novas lideranças e novas bandeiras de
luta, como a defesa do direito à autonomia e à organização
das entidades sem a interferência estatal. No ano de 1979,
mais de três milhões de trabalhadores entraram em greve em
todo o Brasil, com o Rio Grande do Sul entre os grandes
protagonistas dessas mobilizações. Nesse processo de
transformações no meio sindical, dois grupos diferentes se
fortaleceram e ascenderam às diretorias: a Unidade Sindical,
formada por setores da esquerda “tradicional”, como o PCB, o PCdoB e o MR-8, e o
autodenominado “sindicalismo combativo” ou “novo sindicalismo”, identificado com as
correntes que surgiram no contexto grevista do final dos anos 1970 e que, depois, veio a
desembocar no PT e na Central Única dos Trabalhadores (CUT).
132
Fizemos um pequeno recorte do conteúdo do livro e das dezenas de imagens que nele
constam. Indicamos sua leitura na íntegra. Também apontamos o potencial pedagógico que
reside nas imagens selecionadas para fazerem parte dessa obra. Inclusive, sua produção foi
pensada nesse sentido, tanto que acompanha o livro, um Caderno Pedagógico com sugestões
de atividades para serem realizadas em sala de aula. Com essa indicação, portanto,
encerramos as postagens de conteúdos referentes ao período da redemocratização.
Bibliografia
DIENSTMANN, Gabriel; GUAZELLI, Dante Guimarães; RODEGHERO, Carla Simone. Não calo,
grito: memória visual da ditadura civil-militar no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tomo
Editorial, 2013.
133
O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
134
fundamental da sociedade brasileira. Concordamos com essa compreensão, que parece fazer
uma análise coerente com a realidade e com os desafios que devem ser enfrentados em nosso
país. A questão agrária não iniciou no período da Ditadura Civil-Militar, mas teve reforçado seu
caráter autoritário e violento, em favor dos interesses de determinado setor social.
Por fim, indicamos o documentário Terra para Rose, que retrata de perto os desafios e
os sonhos de alguns desses pequenos agricultores. O site do MST apresenta a seguinte
descrição: "Rose sonhou com a conquista da terra, com um futuro melhor para o seu
filho.Como todas as outras mulheres das mil famílias que invadiram a Fazenda Anoni, no Rio
Grande do Sul, em 1985, Rose aprendeu a compartilhar seu destino com a mesma força com
que sonhava. O desejo comum dos sem-terra era para ela mais do que apenas ser solidário na
mesma luta. Emoção de verdade é a tônica deste documentário que traz imagens fortes.
Imagens das 8 mil pessoas que enfrentaram o frio, a fome e as tropas militares enquanto
lutavam por um pedaço de terra para plantar. Um filme de Tetê Moraes”.
Referências:
135
APERS? Presente, professor! –
O Processo de Redemocratização: Rupturas e Permanências
136
Justiça de Transição:
tardia e incompleta
Justiça de Transição
138
Esse esquecimento induzido se deu, sobretudo, através de estratégias, como o
não acesso a documentos, impedindo que parte dessa memória fosse restaurada com
vistas a pedido de justiça de indenização.
Muitos foram os argumentos em prol da permanência dessa cultura do
silêncio, comumente chamado de “esquecimento oficial”, que nasce da necessidade de
promover uma reconciliação da nação, característica que desponta para uma legitimação
do sepultamento de partes dessa memória política. No entanto, o desejo de
esquecimento não é coletivo, e rompe a atuação de agentes que requerem e exigem a
presença dessas memórias, bem como outras visões sobre o passado.
Esse esquecimento planejado é visto nas leis de anistia dos países do Conesul.
Essas legislações primaram por cancelar as condutas tipificadas como crimes, anulando,
portanto, a possibilidade de serem realizados processos criminais e investigações.
Em países como Argentina e Uruguai, os movimentos para alteração das leis
de anistia tiveram seu início no final dos anos 1990. Na Argentina, a Suprema Corte
anulou duas leis de anistia existentes em 2005; no Uruguai, a lei recebeu uma anulação
tácita após recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e por não
seguir o procedimento constitucional. No Chile, não houve derrogação da norma, mas a
qualificação de alguns delitos como continuados, que viabiliza a compreensão de que o
agente. (…) Outros países ainda persistem na mudança da norma, a exemplo do Brasil no
qual foi impugnado pelo Supremo Tribunal Federal o pedido de revisão de citada lei
(39/40).
A busca por alterações nas leis de anistia da-se, sobretudo, pela necessidade
de julgar as graves violações dos Direitos Humanos cometidos por agentes do Estado e
que permanecem, em muitos países sem esclarecimentos e devidas punições. As
entidades de Direitos Humanos reafirmam o perigo causado pela impunidade a estes
crimes, e os efeitos perniciosos à sociedade presente e futura. Nesse sentido, as
sociedades, apesar de disporem de um direito à memória, se deparam com um passado
de impunidade e negligência a seus direitos que permanecem.
Assim sendo, tem sido recorrente nas sociedades pós conflito e que estão em
processo de transição para regimes democráticos o estabelecimento de Comissões da
Verdade. Trata-se de órgãos de investigação criados para ajudar a sociedade que tem
enfrentado graves situações de violência política guerra interna, a confrontar
criticamente seu passado, a fim de superar as profundas crises e traumas gerados pela
violência e evitar que tais fatos se repitam em um futuro próximo. A ONU, em agosto de
2009, divulgou um estudo apresentando medidas a serem consideradas pelos países nas
ações de direitos à memória e à verdade. Destacando ainda que a atuação das chamadas
comissões da verdade, no interior de diferentes sociedades, tem sido uma das formas
mais popular e eficaz da busca de informações individuais sobre os desaparecimentos
ainda não plenamente esclarecidos.
As comissões da verdade passavam por três fases históricas. A primeira é
marcada pelo tribunal de Nuremberg, a partir da década de 1970 até meados de 1989,
com a queda do muro de Berlim. A segunda fase é marcada pela instituição da Comissão
da Verdade na África do Sul, em 1995, na qual vigorava a concepção de que o
arrependimento dos violadores dos direitos humanos seria considerado no processo de
reconciliação nacional. Assim, os processos penais e as punições eram evitados. A
terceira fase, no entanto, preocupava-se mais com a devolução dos restos mortais das
vítimas dos regimes militares às famílias, bem como a responsabilização penal dos
perpetradores.
As organizações de Direitos Humanos, grupos de familiares de vítimas das
ditaduras, clérigos, entre outros, compuseram parte fundamental ao estabelecimento
das comissões no sentido de reivindicá-las. Nesse sentido, cabe destacar a atuação
139
do Projeto Nunca Mais na América Latina. Os processos de transição para a democracia
na América Latina foram marcados por reivindicações de entidades como o Sistema
Internacional de Direitos Humanos, bem como da sociedade civil, que cobravam dos
Estados uma resposta frente aos crimes do passado.
Na transição política brasileira, a memória foi entendida como sinônimo de
esquecimento. Com a promulgação da Lei de Anistia, procurou-se deixar o passado de
violações aos direitos humanos intocados. Porém, essa ideia já se encontra ultrapassada.
Referência
BRITO, Ana Paula; FERREIRA, Maria Letícia. As reivindicações por memória e verdade e a
Comissão Nacional da Verdade – Construindo a memória social sobre o período militar
no Brasil. IN: MEYER, Emílio Peluso Neder; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni. Justiça de
Transição nos 25 anos da Constituição de 1988. Belo Horizonte, Initia Via Editora, 2014.
140
Comissão Especial de Indenização:
o papel deste acervo junto às Comissões Nacional e Estadual da Verdade
141
para a segurança nacional, hoje cumpre um papel oposto ao de sua criação, tornando-se
dado comprobatório das violações aos direitos humanos cometidos por agentes públicos
a mando do Estado.
Reconhecer a importância da
preservação das fontes salvaguardadas
nos arquivos públicos, sejam municipais,
estaduais ou federais, é reconhecer que
estas instituições são responsáveis por
preservar uma documentação que
auxiliará, também, na construção da
cidadania, contribuindo, assim, para o
resgate da história, da verdade e da
memória brasileira.
Além de ressaltar sua importância para a preservação dos direitos civis, a
documentação que trata da temática da Ditadura Civil-Militar pode ser utilizada para
garantir às vítimas os direitos de anistia, indenização e pensão. Nesta mesma perspectiva,
a preservação de divulgação desta documentação possibilita conhecer a realidade da
repressão brasileira de 1964 a 1985, bem como a compreensão do nosso passado
recente.
142
Justiça de Transição e Direito à Memória –
Identificação e Ressignificação dos Espaços de Tortura e Resistência
143
quais ocorreram violações dos Direitos Humanos auxiliariam na construção de uma
memória coletiva acerca do período, bem como de uma cultura política.
Cabe lembrar que também o Programa Nacional de Direitos Humanos 3
(PNDH3) definiu como objetivo, para aquilo que confere ao direito à memória, a
identificação e a publicização das estruturas utilizadas para a prática de violação de
Direitos Humanos, reconhecendo, com isso, uma intensa relação entre memória e
representações espaciais. Segundo Rondon, “nós, brasileiros, não temos ideia do exato
funcionamento ou mesmo da simples localização dos aparelhos repressores do Estado”
e, dessa forma, a identificação dos espaços físicos possui importante papel no resgate de
acontecimentos vividos naquele contexto ditatorial.
E apesar de ser responsabilidade da
Secretaria Especial dos Direitos Humanos da
presidência da República, da Casa Civil da
presidência da República, do Ministério da
Justiça e da Secretaria de relações
institucionais da República, em Porto Alegre,
a identificação de um dos espaços nos quais
ocorreu graves violações dos Direitos
Humanos no período da ditadura, foi
identificado, por meio da organização de
diversos atos públicos, pelo Comitê Carlos de Ré. Estamos nos referindo à antiga sede do
Dopinha, localizado na Rua Santo Antônio no Bairro Bonfim, onde funcionou uma
estrutura clandestina do DOPS.
Segundo Christine, local de memória por excelência, assim como tantos outros
espalhados pelo Brasil, esse foi um espaço comprovadamente de tortura e morte.
Conhecido como Casarão da Santo Antônio, e como local de tortura e da morte do
Sargento Raimundo Soares (o “Caso das Mãos Amarradas”), hoje faz parte de um
projeto, em parceria com a Prefeitura de Porto Alegre e com o Estado do Rio Grande do
Sul, de construção do Memorial Ico Lisboa. A ideia é a construção de um centro de
memória que ressignifique o espaço, que auxilie na construção da memória e da história
desse período e que preste, ao mesmo tempo, homenagem a Luiz Eurico Tejera Lisboa,
primeiro desaparecido político cujo corpo foi encontrado.
Coube à equipe do Blog, com esse
exemplo, levantar a pauta da identificação e
da ressignificação desses espaços em nosso
estado. Indicamos, por fim, a leitura
completa do artigo de Christine Rondon
Teixeira, que abordou, além dos aspectos
resenhados acima, tantos outros elementos
que nos auxiliam a entender o “potencial
benefício da utilização destes espaços para a
conscientização da sociedade”, na
permanente construção da democracia e no encerramento, por completo, daquele
período ditatorial.
Em tempo, ainda indicamos a leitura da entrevista que ela concedeu ao Portal
de Notícias Sul 21 - Memorial Ico Lisboa ajudará a eliminar restolho da ditadura, diz
Christine Rondon.
144
Espaços de Memória na América Latina
145
O Archivo Provincial de la Memoria de Cordoba fica localizado na cidade de
Córdoba, na Argentina, e ocupa o espaço onde funcionou o Departamento de Inteligência
da Polícia da Província de Córdoba e um centro clandestino de detenção durante a
ditadura-civil militar argentina.
146
APERS? Presente, professor! – Democracia e Justiça de Transição
147
Memória, Verdade e Justiça
Há 50 anos do Golpe –
tempo de reflexões, produção intelectual e debates políticos
Nosso blog, um dos eixos do Projeto Resistência em Arquivo, surgiu para difundir
o tema e contribuir com a discussão, ao lado da construção do catálogo seletivo e da oficina
que dão acesso e difundem o acervo da Comissão Especial de Indenização aos ex-presos
políticos no Rio Grande do Sul, salvaguardado pelo APERS. O blog é contemporâneo aos
trabalhos das Comissões Estadual e Nacional da Verdade, que já foram tema de postagens
aqui, assim como de múltiplos eventos organizados ao longo desse ano, com diversos
enfoques. Universidades, instituições de memória, escolas, comissões estatais, comitês da
sociedade civil, todos envolvidos em promover reflexões sobre o golpe de 1964 e seus
desdobramentos, sobre a atuação dos militares e a participação civil, sobre a Lei de Anistia,
sua atualidade, interpretações e os entraves que causa à justiça, sobre mortos,
desaparecidos e a luta de seus familiares por memória, verdade e justiça, sobre o ensino
acerca desse processo, sobre o uso de testemunhos, os impactos psicológicos do golpe, da
149
tortura e da política do medo instaurada pelo regime, que atingem tanto indivíduos quanto a
sociedade como um todo, sobre a resistência à ditadura e a luta por democracia e direitos
humanos, e sobre a história dos 21 anos de ditadura no Brasil. Ao longo do Projeto tentamos
refletir tudo isso aqui, ainda que de forma modesta.
E por que retomar isso agora? Bem, 2014 aproxima-se do fim marcado por embates
políticos, numa situação polarizada em que conceitos como ditadura e democracia estão na
ordem do dia. Essa polarização se expressa nas ruas com “cartazes” que pedem, por um lado,
punição aos torturadores da ditadura, justiça para o ontem e o hoje, mais direitos e
aprofundamento dos mecanismos de participação popular; por outro, a manutenção do status
quo e de uma organização social embasada em privilégios e na meritocracia, que se exacerba
com setores minoritários que chegam a pedir por “intervenção militar”.
Podemos afirmar que um dos fatores que contribuiu para que tais embates tenham
se evidenciado foi o enfrentamento feito em prol de memória e verdade no último período.
Acreditamos, entretanto, que em um contexto como esse se torna mais e mais necessário o
estudo e o amplo acesso a informações sobre os 21 anos de ditadura, para que a sociedade
possa negar o caminho autoritário e reacionário como uma via para dar respostas à pobreza, à
precariedade de alguns serviços públicos ou à corrupção. É preciso que debates, como os que
foram travados ao longo de todo o ano de 2014, em função dos 50 anos do golpe, prossigam e
alcancem setores mais amplos, contribuindo para desmontar argumentos como “no tempo da
ditadura não havia roubalheira”, ou “naquela época não havia insegurança nas ruas”. Será que
não havia corrupção, ou o sistema autoritário e censor garantia que os casos não fossem
descobertos? Até que ponto a sensação de segurança era real, ou estava diretamente
relacionada à ausência de liberdade e ao medo velado? Que preço nós ou a geração de nossos
pais pagou por essa “segurança”?
Nesse sentido,
divulgamos o dossiê 50
anos do golpe de 1964,
elaborado pelo historiador
Demian Bezerra de Melo e
disponibilizado pelo blog
marxismo21, em uma
tentativa de mostrar a
diversidade de produções
nessa área e de incentivar
para que as reflexões e os
debates sigam para muito
além desse ano que marcou
o 50º aniversário do golpe,
ano em que as Comissões
da Verdade entregarão seus relatórios finais. A compilação expressa no dossiê traz o link para
uma infinidade de “trabalhos acadêmicos, artigos, uma lista de filmes e vídeos, portais, dicas de
eventos acadêmicos, exposições e outros materiais importantes para um aprofundamento da
reflexão crítica sobre os 50 anos do golpe de 1964”. Abrindo espaço para polêmicas
historiográficas e registrando contribuições clássicas e recentes, certamente é um excelente
“pontapé inicial” para todas e todos que desejam entrar em contato com a efusiva produção do
último período acerca do golpe e da ditadura de 1964. Boa leitura!
150
APERS? Presente, professor! - A Luta por Memória, Verdade e Justiça
151
Portal Memórias da Ditadura
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Comissões da Verdade encerram seus trabalhos.
Quais serão os impactos? A história continua!
Nas últimas semanas, assistimos à entrega dos relatórios finais das Comissões
Estadual e Nacional da Verdade. A cerimônia oficial em que a CNV encerrou seus trabalhos,
ocorrida no dia 10/12/14, Dia Internacional dos Direitos Humanos, foi um momento
simbólico importante para o processo de consolidação da democracia em nosso país. Na
oportunidade, tornou-se pública a lista com mais de 300 nomes de agentes públicos
diretamente ligados à violação de Direitos Humanos durante a Ditadura, e abriu-se uma
série de novas questões. Sim, porque os trabalhos da Comissão se encerram, mas seus
desdobramentos seguem fazendo parte de nossas relações sociais e políticas.
O que a nossa geração
e as próximas farão com esse
legado? Será suficiente o
trabalho desenvolvido nos
últimos anos, ou será
necessário, a partir dele,
aprofundar as pesquisas, os
depoimentos, os debates e as
ações? O que será feito
daqueles que a história - e
ainda não a Justiça - vem
julgando como culpados por
crimes de lesa humanidade,
como a tortura? Certamente
esta discussão não se encerra
com a entrega do relatório, ele próprio torna-se instrumento de estudo, de reflexão, de
disputas políticas, de lutas futuras.
Nesse sentido, indicamos aqui o link para a notícia lançada pela CNV em seu site,
em que divulga a mencionada cerimônia e disponibiliza os três volumes do relatório. A
título ilustrativo dos possíveis desdobramentos desse trabalho que já estão ocorrendo e
que ainda poderão vir à tona, também indicamos uma série de notícias do jornal Sul21 que
aborda a polêmica em torno do busto do ditador Costa e Silva, que ficava na praça central
de sua cidade natal, Taquari/RS, e que foi derrubado pelo prefeito da cidade a partir da
relação direta apontada pela Comissão entre Costa e Silva e os crimes cometidos durante a
ditadura.
Tudo indica que a história não se encerrou no dia 10 de dezembro, e que a luta continua!
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Considerações
O Brasil é um país marcado por regimes autoritários, assentado sobre bases muito
violentas. Num primeiro olhar, para muitos, essa afirmação pode parecer infundada, afinal, os
brasileiros são sempre lembrados como um povo afável, festivo e pacífico, habitantes de um país
que “recebe bem a todos” e que não está envolvido em guerras ou conflitos declarados. Como o
país do futebol, do samba, da hospitalidade e da alegria poderia ser construído sobre bases
violentas e autoritárias?
A verdade é que, com um exercício breve de reflexão histórica, podemos questionar
essa imagem: somos fruto de mais de 300 anos de colonização e de exploração, de quase 400
anos de escravização e de violência contra negros e negras, de massacre indígena de centenas de
etnias, de uma vida republicana muito recente – sabemos que, em perspectiva histórica, 125
anos é pouco tempo – e ainda assolada por coerção, clientelismo e corrupção. A Primeira
República (1889-1930) surgiu pelas mãos dos militares, consolidou o poder das oligarquias e a
exclusão dos negros após a abolição jurídica da escravidão. A “Revolução de 1930”, que marcou
o início da Segunda República, originou-se de um golpe que articulou civis e militares, dando
início à ditadura do Estado Novo, com Getúlio Vargas à frente do país por 15 anos. Com o final da
Segunda Guerra Mundial e a crise do Estado Novo, em 1945, tivemos a rearticulação dos
partidos políticos e as eleições, que abriram um breve período democrático, logo interrompido
pelo golpe civil militar de 1964.
A jovem república – já tão marcada pelo autoritarismo das elites políticas e econômicas
– quando experimentava a articulação de movimentos sociais, o início da participação de novos
setores na vida política do país, a luta por terra e direitos para trabalhadoras e trabalhadores, foi
novamente assolada por um Golpe de Estado. 21 anos de um regime autoritário baseado em
censura, tortura, intervenções e manipulações no campo da mídia, da cultura e da educação,
contensão dos trabalhadores, favorecimento ao grande capital, aprofundamento das
desigualdades sociais...
Para alguns, falar nisso tudo, hoje, pode parecer obsoleto: o que temos a ver, se já se
foram 51 anos do Golpe de 1964? Por que recapitular essa história de dor em mais uma ação
educativa promovida por uma instituição pública de memória, se podemos olhar para a frente
buscando harmonia? Bem, a resposta aos que desenvolvem essa linha de raciocínio deve ser
firme, sob pena de nunca superarmos as bases autoritárias dessa sociedade, e de não alcançar
memória, verdade e justiça. Precisamos debater e produzir conhecimento a respeito, sim,
porque apesar das mudanças e das conquistas nesses 30 anos de redemocratização, ainda é um
passado que não passa. A Ditadura no Brasil tinha lado, e não apenas contribuiu para aprofundar
as raízes antidemocráticas e violentas sobre as quais as elites do país vêm historicamente
mantendo seu poder, ela também foi responsável por matar – literalmente – uma geração que
lutava por transformações, e por calar, amedrontar e bitolar uma, duas, quem sabe três
gerações, vítimas da política do medo e da desmemória.
Hoje, estamos construindo oportunidades para olhar esse passado de forma
questionadora, buscando identificar e desconstruir as permanências por ele deixadas. Assim,
vamos fazendo conexões que nos permitem enxergar que a ditadura, e tudo o que ela significou
em um Brasil colonizado, racista e elitista, ainda se manifesta a cada noite maldormida de cada
um dos familiares dos mortos e desaparecidos políticos, que seguem sem respostas; a cada
morte
de um jovem negro na periferia pelas mãos do Estado; a cada resposta truculenta e
desumana dada pela polícia (em nome do Estado) para professores que se mobilizam
pacificamente nas ruas.
Acreditamos que as ações desenvolvidas pelo APERS no último período no intuito de
preservar, dar acesso e difundir tanto o acervo da Comissão Especial de Indenização quanto
os debates em torno do tema, foram uma importante contribuição nesse caminho de
superação das marcas da Ditadura em nosso país, e uma importante afirmação do papel
político e social dos arquivos públicos. Essa coletânea certamente ajuda a sistematizar o
conhecimento produzido ao longo desse trabalho, e a difundi-lo ainda mais.
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