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Contracapa
O verão de 1914 teve o início mais glorioso de que os europeus eram
capazes de se lembrar. Nos bastidores, porém, nascia de forma inexorável a
mais destrutiva das guerras que o mundo já conhecera até então — uma
guerra cujas consequências continuam a influenciar o mundo do século
XXI.
A questão de como começou a Primeira Guerra Mundial vem intrigando
historiadores há várias décadas. Muitos citam como motivo para o conflito
o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando; outros chegaram à
conclusão de que ninguém foi responsável. Mas David Fromkin — cujo
relato está baseado nas mais recentes pesquisas — dá uma resposta
diferente a essa pergunta. Ele deixa claro que a hecatombe que iria dilacerar
o continente foi iniciada de maneira deliberada.
Em uma narrativa fascinante que traz paralelos assustadores com os
acontecimentos de nossa própria época, Fromkin mostra que não foi travada
apenas uma guerra, mas duas, e que a primeira serviu de pretexto para a
segunda. Abordando de forma esclarecedora temas atuais como guerra
preventiva e terrorismo, o autor descreve em detalhes as negociações e traça
retratos incisivos dos diplomatas, generais e líderes protagonistas do
conflito: o kaiser alemão, o tsar da Rússia, o primeiro-ministro britânico. E
revela como e por que as iniciativas diplomáticas que tentaram evitá-lo
estavam fadadas ao fracasso.

“Alia um estilo direto e arrebatador a um impressionante domínio de


fontes antigas e novas. ”

Publishers Weekly

“A clareza e ousadia da tese de Fromkin já são suficientes para justificar


o interesse do leitor, mas a fluidez de sua narrativa certamente conquistará
para seu livro um público mais amplo. ”
Booklist
Para Alain Silvera
Imagens
A transição peremptória de uma paz aparentemente profunda a uma
guerra geral violenta em poucas semanas em pleno verão de 1914 continua
a desafiar as tentativas de explicação.

— JOHN KEEGAN, A Primeira Guerra Mundial


Mapa
Prólogo
(i) Do nada

Pouco depois das onze horas da noite de domingo, 29 de dezembro de


1997, o voo 826 da United Airlines, um Boeing 747 transportando 374
passageiros e 19 tripulantes, havia cumprido duas horas da sua programada
viagem sobre o Pacífico, de Tóquio a Honolulu.1 O avião alcançara a
altitude de cruzeiro indicada, entre 31 e 33 mil pés. O serviço de bordo
estava quase terminando. A viagem transcorria sem novidades.
Num instante terrível, tudo mudou. O avião foi atingido, sem aviso, por
uma força invisível. Abruptamente, levantou o nariz, e depois mergulhou
em queda livre. Corpos gritando voaram em todas as direções, batendo no
teto e em carrinhos de serviço. Uma japonesa de 32 anos morreu e 102
pessoas ficaram feridas. Recuperando o controle do Jumbo, o capitão e sua
tripulação conduziram o voo 826 de volta ao aeroporto japonês de onde
havia decolado horas antes.
O que houve de tão assustador no episódio foi o seu caráter
inescrutável. Até o momento do impacto, aquele fora um voo normal. Não
houve qualquer razão para esperar que algo pudesse acontecer. Não houve
qualquer aviso: nenhum raio ou clarão no céu. O que quer que fosse
“aquilo”, não deu para ver que ia acontecer. Os passageiros não tinham
ideia do que os tinha atingido, e as companhias aéreas não estavam em
condições de garantir que algo semelhante não aconteceria outra vez.
Especialistas citados pelos meios de comunicação acreditavam que o
voo 826 havia sido vítima do que eles chamam de “turbulência de céu ou ar
claro”. Eles a associavam a um tornado horizontal, mas um tornado que não
se pode ver. Alguns dos especialistas entrevistados expressaram sua
esperança de que em poucos anos algum tipo de tecnologia de radar fosse
desenvolvido para detectar essas tempestades invisíveis antes de elas
romperem. A transparência da atmosfera significa pouco, aprendeu o
público deste episódio; o céu calmo pode irromper em fúria tão
repentinamente quanto o oceano.
Especula-se que algo parecido com esse ataque de turbulência de céu
claro tenha ocorrido com a civilização europeia em 1914, durante a sua
passagem do século XIX para o século XX. O mundo da década de 1890
tinha sido, à semelhança da nossa própria época, um tempo de congressos
internacionais, conferências de desarmamento, globalização da economia
mundial e iniciativas visando implantar algum tipo de liga de nações para
banir a guerra. O público esperava que um longo período de paz e
prosperidade se estendesse indefinidamente.
Em vez disso, o mundo europeu mergulhou descontrolado,
despedaçando-se e explodindo em décadas de tirania, guerra mundial e
assassinato em massa. Que tornado terá varrido a Velha Europa civilizada e
o mundo que ela então dominava? Retrospectivamente, a passagem pode
ser menos misteriosa do que imaginaram alguns contemporâneos que a
experimentaram. Os anos de 1913 e 1914 foram anos de perigos e
distúrbios. Nas primeiras décadas do século XX, havia sinais de que a
catástrofe poderia eclodir logo adiante; nós podemos vê-los agora, os
líderes militares e políticos podiam vê-los então.
O céu de onde despencou a Europa não estava vazio; ao contrário,
estava carregado de processos e poderes. As forças que iriam dilacerá-lo —
nacionalismo, socialismo, imperialismo e afins — estavam havia muito em
movimento. O mundo europeu já vinha sendo assaltado por ventos de
grande altitude. Havia muito navegava em céus perigosos. O comandante e
a equipagem o sabiam. Mas os passageiros, pegos completamente de
surpresa, ficaram se perguntando insistentemente: por que não receberam
nenhum aviso?

(ii) A importância da questão

No verão de 1914, estourou na Europa uma guerra que se espalhou pela


África, Oriente Médio, Ásia, Pacífico e Américas. Hoje, um tanto
imprecisamente conhecida como Primeira Guerra Mundial, ela acabou se
tornando, sob muitos pontos de vista, o maior conflito que o planeta jamais
tinha conhecido. E mereceu o nome pelo qual então foi chamada: a Grande
Guerra.
Para entrar na disputa, os países do planeta alinharam-se numa ou
noutra de duas coalizões mundiais. Liderada pela Grã-Bretanha*, França e
Rússia, uma delas era chamada de Tríplice Entente;** a outra, liderada pela
Alemanha e pela Áustria-Hungria, foi inicialmente conhecida como a
Tríplice Aliança.*** Entre si, as duas coalizões mobilizaram cerca de 65
milhões de soldados2 Na Alemanha e na França, nações que apostaram toda
a sua população masculina no resultado, 80% de todos os homens foram
convocados.3 Nos choques armados decorrentes, eles foram massacrados.
Mais de 20 milhões de soldados e civis perderam a vida4 na Grande
Guerra, e outros 21 milhões foram feridos.5 Milhões mais morreram vítimas
das doenças liberadas pela guerra: mais de 20 milhões de pessoas morreram
só na pandemia de gripe de 1918-1919.6
Entretanto, por mais esmagadores que sejam, os números não logram
contar toda a história ou traduzir integralmente o impacto da guerra sobre o
mundo de 1914. As consequências das mudanças engendradas pela crise da
civilização europeia são demasiado numerosas para serem especificadas, e
na sua extensão e profundidade, fizeram dela o ponto crítico da história
moderna. E isto seria verdadeiro mesmo que, como sustentam alguns, a
guerra só tenha acelerado algumas das mudanças induzidas pela crise.
Em 8 de agosto de 1914, apenas quatro dias após a entrada da Grã-
Bretanha na guerra, o Economist de Londres a descreveu como “talvez a
maior tragédia da história humana”.7 E é possível que isto continue a ser
verdade. Em 1979, o eminente diplomata e historiador americano George
Kennan escreveu: “ [Passei a] ver a Primeira Guerra Mundial, como creio
que muita gente razoavelmente séria aprendeu a fazê-lo, como a grande
catástrofe seminal deste século.”8
Fritz Stern, um dos mais destacados estudiosos de assuntos alemães,
escreve sobre “a primeira calamidade do século XX, a Grande Guerra, da
qual decorreram todas as outras calamidades”.9
Os terremotos militares, políticos, econômicos e sociais acarretaram um
novo desenho do mapa do mundo. Impérios e dinastias foram varridos.
Novos países tomaram seus lugares. A desintegração da estrutura política
do globo prosseguiu ao longo do século XX. Hoje, a terra é divida em
quatro vezes mais Estados independentes do que os existentes quando os
europeus entraram em guerra em 1914. Muitas das novas entidades —
Jordânia, Iraque e Arábia Saudita são exemplos que vêm à mente — são
países que nunca antes existiram.
A Grande Guerra engendrou forças terríveis que assolariam o restante
do século. Para tirar a Rússia da guerra, a Alemanha financiou os
comunistas bolcheviques de Lenin, e introduziu o próprio Lenin na Rússia
em 1917 — nas palavras de Winston Churchill: “assim como seria possível
mandar um frasco contendo uma cultura de tifo ou de cólera para despejar
no suprimento de água de uma grande cidade”.10 O bolchevismo foi apenas
a primeira dessas fúrias nascidas da guerra, seguido anos depois pelo
fascismo e pelo nazismo.
Entretanto, a guerra também pôs em movimento os dois grandes
movimentos de libertação do século XX. Ao mesmo tempo em que se
dilacerava a Europa, desfazia-se a sua dominação no restante do planeta. E
ao longo do século, literalmente bilhões de pessoas alcançaram a sua
independência. As mulheres, também, em algumas partes do mundo,
libertaram-se de alguns grilhões do passado, ao que tudo indica em
consequência direta do seu envolvimento no esforço de guerra — empregos
nas fábricas e nas forças armadas —, iniciado em 1914.
Um outro tipo de libertação, de alcance amplo e diversificado, resultou
da Grande Guerra e vem se expandindo desde então, em termos de
comportamento, vida sexual, costumes, vestuário, linguagem e nas artes.
Nem todos acreditam que o fato de tantas regras e restrições terem ficado
pelo caminho seja uma coisa boa. Mas para o bem ou para o mal, o mundo
percorreu um longo caminho — da era vitoriana ao século XXI — por
sendas que foram abertas pelos soldados de 1914.
Ao pesquisar a origem de qualquer das grandes questões que
confrontaram o mundo durante o século XX, ou que o confrontam hoje, é
notável a frequência com que retornamos à Grande Guerra. Como observou
George Kennan, “a mim parece que todas as linhas de investigação
remontam a ela”.11 Depois dela, as opções se estreitaram ainda mais. Os
Estados Unidos e a Grã-Bretanha tiveram escolha, por exemplo, de entrar
ou não na Primeira Guerra Mundial — e sem dúvida há desacordo até hoje
sobre o seu acerto ou não de tê-lo feito —, mas, realisticamente, os dois
países tiveram pouca ou nenhuma escolha quanto a entrar ou não na batalha
da Segunda.
Nada houve de inevitável na progressão do primeiro para o segundo
conflito. O longo pavio podia ter sido cortado em muitos pontos ao longo
do caminho de 1914 a 1939, mas o fato é que ninguém o cortou. Assim, a
Primeira Guerra Mundial realmente levou à Segunda, ainda que não tivesse
necessariamente de fazê-lo, e a Segunda, tivesse ou não de fazê-lo, levou à
Guerra Fria. Em 1991, os historiadores Steven E. Miller e Sean M. Lynn-
Jones afirmaram: “A maioria dos observadores descreve o período atual da
política internacional como a era ‘pós-Guerra Fria’,12 mas de muitas
maneiras nosso tempo seria mais bem definido como a era ‘pós-Primeira
Guerra Mundial’.”13
Desde o começo, a explosão de 1914 pareceu desencadear uma série de
reações, e a seriedade das consequências rapidamente se tornou aparente
para os contemporâneos: na introdução ao seu livro A Montanha Mágica
(1924), Thomas Mann escreveu sobre “a Grande Guerra, em cujo começo
tantas coisas começaram, que ainda mal pararam de começar”.
E tampouco hoje deixaram inteiramente de fazê-lo. Em 21 de abril de
2001, o New York Times noticiava, da França, o retorno ao lar de milhares
de pessoas que haviam sido temporariamente evacuadas de suas casas por
causa da ameaça decorrente de sobras de munições da Primeira Guerra
Mundial estocadas à proximidade. Havia cartuchos, granadas e bombas, e
cápsulas de gás mostarda. Os evacuados receberam permissão para retornar
às suas casas após a remoção de 50 toneladas das munições mais perigosas.
Porém, restaram centenas de toneladas de materiais letais — e ainda restam.
Assim, bombas da guerra de 1914 ainda podem explodir em pleno século
XXI.
Em certo sentido, não há dúvida, já explodiram. Em 11 de setembro de
2001, os ataques suicidas muçulmanos fundamentalistas contra o World
Trade Center, em Nova York, destruíram o coração de Lower Manhattan e
ceifaram cerca de 3 mil vidas. Em sua primeira declaração televisionada
após os fatos, Osama bin Laden, o chefe terrorista que evocou este horror e
ameaçou com ainda mais, descreveu o atentado como uma vingança pelo
que havia ocorrido oitenta anos antes. Fazia provavelmente referência à
intrusão, na esteira — e como consequência — da Primeira Guerra
Mundial, dos impérios cristãos europeus no Oriente Médio, até então
governado por muçulmanos. Os simpatizantes de Bin Laden sequestraram
aviões a jato e os esmagaram contra as torres gêmeas em consequência de
uma disputa aparentemente enraizada nos conflitos de 1914.
De forma semelhante, a escalada da crise do Iraque em 2002-2003
levou jornalistas e personalidades do rádio e da televisão aos seus telefones,
à procura dos professores de história das principais universidades
americanas, para perguntar como o Iraque surgiu como Estado das cinzas da
Primeira Guerra Mundial. Eis uma pergunta relevante, pois não tivesse
havido guerra em 1914, o Iraque poderia muito bem não existir em 2002.
Trata-se certamente do acontecimento mais seminal dos tempos
modernos.
Em que consistiu a Primeira Guerra Mundial? Como aconteceu? Quem
a começou? Por que eclodiu onde e quando eclodiu? “Milhões de mortos e
de palavras depois, os historiadores ainda não concordaram sobre o
porquê”, como observou a Millennium Special Edition de The Economist
(1º de janeiro de 2000-31 de dezembro de 1999), acrescentando que “nada
daquilo precisava ter acontecido”. Desde o começo, todos diziam que a
guerra de 1914 foi literalmente desencadeada por um estudante secundarista
sérvio-bósnio, ao atirar e matar o herdeiro dos tronos austríaco e húngaro.
Mas praticamente todos concordam que o assassinato proveu não a causa,
mas apenas a ocasião para que primeiro os Bálcãs, depois a Europa e em
seguida o resto do planeta pegassem em armas.
A desproporção entre o crime do estudante e a conflagração em que se
consumiu o globo, começando 37 dias depois, era absurda demais para que
os observadores acreditassem que um era a causa da outra. Não é possível
10 milhões de pessoas perderem suas vidas, sentiam eles, porque um
homem e sua esposa — duas pessoas sobre quem muitos jamais tinham
ouvido falar — tinham perdido as suas. Isso não parecia possível. Não
podia ser verdade, todos diziam.
Haja vista a Grande Guerra ter sido um evento tão enorme e carregado
de consequências, e porque queremos evitar que qualquer coisa semelhante
aconteça no futuro, a investigação de como ela aconteceu tornou-se não
apenas a questão mais desafiadora mas também a maior pergunta da história
moderna. Porém, ela continua elusiva; nas palavras do historiador Laurence
Lafore, “a guerra foi muitas coisas”, e também são muitos os significados
da palavra causa.14
Nos anos 1940 e 1950, os estudiosos tendiam a acreditar que tinham
aprendido tudo o que havia a ser aprendido sobre as origens da guerra, e
que tudo o que restava era debater a interpretação das evidências. No
começo da década de 1960, num processo desencadeado pela pesquisa do
grande historiador alemão Fritz Fischer (cujas opiniões serão comentadas
posteriormente), novas informações vieram à luz, notadamente oriundas de
fontes alemãs, austríacas e sérvias, e hoje é difícil passar um ano sem que o
aparecimento de novas monografias acrescente consideravelmente ao nosso
conhecimento. Fischer inspirou os estudiosos a vasculharem os arquivos em
busca do que estava escondido. O conteúdo deste livro é uma tentativa de
examinar as velhas questões à luz desse novo conhecimento, sumariar os
dados e tirar algumas conclusões.
Quando e onde começou a marcha na direção da guerra de 1914?
Recentemente, numa sala de aula em Boston, pedi a estudantes
universitários para identificarem os primeiros passos do caminho — antes
de 1908. A partir das suas respostas, o que segue pode ilustrar quantos
caminhos podemos imaginar terem levado a Sarajevo.
O século IV d.C. A decisão de dividir o Império Romano entre Ocidente
falante do latim e Oriente falante do grego teve consequências duradouras.
A separação cultural que bifurcou a cristandade em dois ramos distintos, em
dois calendários e duas escritas rivais (o latim e o cirílico) persistiu. Os
austríacos católicos romanos e os sérvios ortodoxos gregos, cujas rixas
deram ocasião à guerra de 1914, estavam, neste sentido, fadados a serem
inimigos.
O século VII. Os eslavos, que estavam em vias de se tornar o maior
grupo étnico da Europa, deslocaram-se para os Bálcãs, onde os teutônicos já
haviam chegado. O conflito entre povos eslavos e germânicos tornou-se um
tema recorrente da história europeia, e no século XX antagonizou
germânicos teutônicos e austríacos com russos eslavos e sérvios.
O século XI. A divisão formal entre as cristandades católica romana e
ortodoxa grega gerou um conflito de fé religiosa em torno da mesma fratura
que as de grupo étnico, alfabeto e cultural — romanos versus gregos —,
fratura esta que ameaçava a Europa do Sudeste e acabou resultando no
terremoto político que ocorreu em 1914.
O século XV. A conquista do Oriente cristão e da Europa Central pelo
Império Otomano (ou Turco) muçulmano privou os povos dos Bálcãs de
séculos de experiência de autogoverno. É possível que isto tenha
contribuído para a violência e o facciosismo da área nos anos que
prepararam o caminho para a guerra de 1914 — e talvez para provocá-la.
O século XVI. A Reforma Protestante dividiu a cristandade ocidental.
Ela separou os povos germânicos politicamente e levou ao curioso
relacionamento entre a Alemanha e a Áustria, que está no coração da crise
de julho de 1914.
O século XVII. O começo da secular retirada otomana da Europa
significou que os turcos estavam abandonando terras valiosas, cobiçadas
pelas grandes potências cristãs. O desejo de apoderar-se dessas terras
alimentou a rivalidade entre a Áustria e a Rússia, desencadeando a guerra
de 1914.
1870-1871. A criação do Império Alemão e o fato de ter anexado
territórios franceses em consequência da guerra franco-prussiana tornaram
provável outra guerra europeia, tão logo a França recuperasse forças
suficientes para tentar retomar o que tinha perdido.
1890. O imperador alemão demitiu seu chanceler — seu primeiro-
ministro —, o príncipe Otto von Bismarck. O novo chanceler revogou a
política de Bismarck, de aliança tanto com a Áustria como com a Rússia,
para manter a paz entre elas. Em vez disso, a Alemanha se alinhou com a
Áustria, contra a Rússia, na luta pelo controle dos Bálcãs, o que encorajou a
Áustria a seguir uma política perigosamente belicosa, que se mostrou
propensa a provocar uma resposta final russa.
A década de 1890. Repelida pela Alemanha e sem ver outra alternativa,
a Rússia monárquica reacionária foi levada a uma aliança com a França
republicana. Isto convenceu os líderes alemães de que cedo ou tarde a
guerra seria inevitável, e que a Alemanha teria mais chances de vencer se a
empreendesse o mais cedo possível.
A década de 1900. A tentativa alemã de rivalizar com a Grã-Bretanha
como potência naval foi vista em Londres como uma ameaça vital.
1903. Num sangrento golpe de Estado na Sérvia, oficiais do Exército
pertencentes a uma sociedade secreta assassinaram o seu rei e a sua rainha
pró-austríacos, substituindo-os por uma dinastia rival pró-russa. As
lideranças austríacas reagiram planejando punir a Sérvia — um plano que,
se executado, ameaçava levar a um conflito perigosamente mais amplo.
1905. A primeira crise do Marrocos foi uma questão complicada. Ela
será descrita aqui, no Capítulo 12. Nela, a diplomacia agressiva da
Alemanha teve o efeito não intencional de unificar os outros países contra
ela. A Grã-Bretanha passou de mera amizade com a França — a Entente
Cordiale — a algo mais próximo de uma aliança informal, incluindo
conversações entre os dois governos e consultas entre Estados-maiores, e
posteriormente acordos e conversações com a aliada da França, a Rússia.
Houve um endurecimento dos alinhamentos europeus em blocos rivais e
potencialmente inimigos: França, Grã-Bretanha e Rússia, de um lado, e uma
Alemanha isolada — apenas com um tíbio apoio da Áustria-Hungria e da
Itália — do outro.
Até certo ponto, todas essas respostas estavam certas. Outras datas -
entre as quais 1908, que é discutida nas páginas que seguem — também
servem como pontos de partida do estopim que levou às explosões de 1914.
Pode-se dizer que todas elas contribuíram de algum modo para o advento da
guerra.
Não obstante, em certo sentido todas as respostas também estão erradas,
à pergunta de por que o conflito aconteceu. Trinta e sete dias antes da
Primeira Grande Guerra, o mundo europeu estava confortavelmente em paz.
Os líderes da Europa iniciavam as suas férias de verão e nenhum deles
esperava ser perturbado. O que deu errado?
Todos os estopins identificados por meus estudantes tinham sido tão
perigosos para a paz da Europa em 1910e 1912 quanto o foram em 1914.
Mas como não levaram à guerra em 1910 ou em 1912, por que o fizeram
em 1914? A questão não é apenas o porquê de a guerra acontecer, mas o
porquê de ela ter acontecido no verão europeu de 1914; não por que a
guerra? — mas por que aquela guerra?
Por que as coisas aconteceram como aconteceram e não de outro modo,
eis a questão que os historiadores têm se colocado desde que Heródoto e
Tucídides, gregos do século V a.C., começaram a fazê-lo há mais de 2.500
anos. Porém, resta discutível se questões como esta podem ser respondidas
com algum nível de precisão; frequentemente, tantos afluentes correm para
o rio que é difícil dizer qual é de fato a fonte.
Em sua magnitude e múltiplas dimensões, a Primeira Guerra Mundial é
talvez o exemplo supremo da complexidade que desafia e confunde os
historiadores. Arthur Balfour, primeiro-ministro britânico de antes da
guerra, político conservador de longa data, filósofo e patrocinador do
Estado judeu na Palestina, é citado em algum lugar como tendo dito que a
guerra era grande demais para ser compreendida.
Não é à toa, portanto, que a explicação da guerra seja a maior questão
da história moderna; trata-se de uma questão exemplar, que nos força a
reexaminar o que queremos dizer com palavras como “causa”. Havia causas
— muitas delas — para as grandes potências europeias estarem dispostas a
entrar em guerra umas com as outras. Havia outras causas — imediatas, nas
quais este livro está interessado — para elas entrarem em guerra onde e
como o fizeram.

(iii) Um verão a ser lembrado

Para os homens ou mulheres nas ruas do mundo ocidental — alguém


vivendo nos primeiros e vibrantes anos do século XX —, nada teria
parecido mais remoto do que a ideia de uma guerra. Naqueles anos, os
homens que eventualmente sonhassem com aventuras em campos de
batalha teriam imensa dificuldade para encontrar uma guerra em que
pudessem praticar. Em 1901, e nos 13 anos seguintes, os povos da Europa
Ocidental e das Américas anglófonas estavam se tornando consumidores
em vez de guerreiros. Eles almejavam mais: mais progresso, mais
prosperidade, mais paz. Na época, os Estados Unidos “navegavam num mar
de almirante” (comentou um observador inglês), mas também a Grã-
Bretanha, a França e outros países.15 Há quase meio século não havia
guerras entre as grandes potências, e a globalização da economia mundial
sugeria que as guerras tinham se tornado coisa do passado. A culminação
daqueles anos no verão quente, ensolarado e deslumbrante de 1914, o mais
belo da memória recente, é lembrada por muitos europeus como uma
espécie de Éden. Stefan Zweig falava por muitos quando escreveu que
raramente tinha experimentado um verão “mais exuberante, mais belo e,
estou tentado a dizê-lo, mais estivai”.16
Os britânicos de classe média e alta viam-se num mundo idílico cujas
realidades econômicas resguardariam as grandes potências da Europa de
travarem guerra umas com as outras. Para aqueles com uma renda
confortável, o mundo da sua época era mais livre do que o de hoje. Segundo
o historiador A. J. P. Taylor, “até agosto de 1914, um inglês sensível e
obediente à lei podia passar pela vida sem notar a existência do Estado”.17
Você podia viver em qualquer lugar que quisesse, como quisesse. Podia ir
praticamente a toda parte no mundo, sem a permissão de ninguém. Para a
maior parte dos lugares, você nem precisava de passaporte, e muitos
viajaram. O geógrafo francês André Siegfried deu a volta ao mundo sem
qualquer identificação além do cartão de visitas: sequer o seu cartão
profissional, apenas o pessoal.18
Admirado, John Maynard Keynes lembra do período como uma época
sem controles comerciais ou alfândegas.19 Você podia entrar com o que
quisesse na Grã-Bretanha ou mandar qualquer coisa para fora. Podia levar
qualquer soma em dinheiro quando viajasse, ou enviar (ou trazer de volta)
qualquer quantia; seu banco não informava ao governo, como é feito hoje
em dia. E se você decidisse investir qualquer quantia em quase todos os
países estrangeiros, não havia ninguém a quem devesse pedir permissão, e
tampouco era necessária autorização para retirar o investimento ou
quaisquer lucros que possa ter dado quando quisesse fazê-lo.
Muito mais do que hoje, era um tempo de fluxos livres de capital e de
movimentos livres de pessoas e mercadorias. Um notável estudo em
andamento do mundo no ano 2000 nos mostra que havia mais globalização
antes da guerra de 1914 do que há agora: “Grande parte do último quarto do
século XX foi gasta apenas e tão-somente na recuperação do terreno
perdido nos últimos 75 anos.”20
Os contatos e a interdependência econômicos e financeiros estavam
entre as poderosas tendências que faziam parecer que a guerra entre as
principais potências europeias tinha se tornado impraticável — e certamente
obsoleta.
Era fácil sentir-se seguro naquele mundo. Os americanos o sentiam
tanto ou talvez mais do que os europeus. O historiador e diplomata George
Kennan recorda que, antes da guerra de 1914, os americanos tinham tanta
sensação de segurança “que suponho que nenhum povo a tenha
experimentado desde a época do Império Romano”.21 Eles tinham pouca
necessidade de governo. Até 1913, quando foi ratificada uma medida
específica à Constituição, concebia-se que o Congresso não devia ter sequer
o poder de decretar impostos sobre a renda.
Stefan Zweig, o autor judeu-austríaco, recordando aqueles anos do pré-
guerra décadas mais tarde, observou: “Quando tento encontrar uma fórmula
simples para o período no qual cresci, antes da Primeira Guerra Mundial,
espero traduzir sua plenitude chamando-o de Época de Ouro da
Segurança.22 Tudo na nossa monarquia austríaca de quase mil anos parecia
basear-se na permanência.”
No mundo ocidental, de modo geral era verdade que as pessoas comuns
não sentiam qualquer apreensão. Como veremos, havia líderes que estavam
preocupados, mas no inverno e na primavera de 1914, nem eles esperavam
que a guerra estourasse no verão.
A França, é verdade, teria apreciado recuperar territórios tomados pela
Alemanha décadas antes, mas pessoas bem situadas para avaliar tinham
certeza de que ela não ia começar uma guerra para tomá-los de volta. A
Rússia, como aliada da França, estava bem informada sobre o pensamento
oficial francês; e o primeiro-ministro russo relatou ao tsar, em 13 de
dezembro de 1913: “Todos os políticos franceses querem paz e
tranquilidade. Eles querem trabalhar com a Alemanha.” Esses sentimentos
pareciam ser correspondidos pelos alemães. John Keiger, destacado
estudioso da política daqueles anos, argumentou: “Não há dúvidas de que
ao final de 1913 as relações franco-alemãs estavam em melhor pé do que há
anos.”23 A Alemanha temia uma guerra eventual com a Rússia, mas em
1913, Berlim reconheceu que a Rússia não estava em condições de iniciar
uma guerra, e que não seria capaz de fazê-lo nos anos seguintes. Era
manifesto que a Grã-Bretanha queria a paz. Assim, escreve o professor
Keiger, “a primavera e o verão de 1914 foram marcados na Europa por um
período de calma excepcional”.24 Nenhuma das grandes potências
europeias acreditava que qualquer outra estivesse em vias de lançar uma
guerra de agressão — pelo menos não no futuro imediato.
Como os passageiros do voo 826 da United Airlines, nos últimos dias
gloriosos de junho de 1914 os europeus e americanos viajavam sob um céu
sem nuvens, sobre um mar de verão — até serem atingidos por um raio que,
erradamente, acreditaram ter vindo do nada.

________________
* A partir de 1801, o título oficial da Grã-Bretanha passou a ser “Reino
Unido da Grã-Bretanha e Irlanda”; ou, reduzido, Reino Unido.
** Chamada de “Aliados” durante a guerra.
*** Com a Itália como terceiro membro em tempos de paz. Chamadas
de “Potências Centrais” durante a guerra.
1 Baseado em coberturas jornalísticas da época.
2 Encyclopaedia Britannica, 15ª ed., s.w. “World Wars”
3 Winter, Parker, e Habeck 2000: 2
4 Herwig 1997: 1
5 Encyclopaedia Britannica, 15ª ed., s.w. “World Wars”
6 McNeill 1976: 255
7 Economist, 31 de dezembro de 1999, p. 30.
8 Kennan 1979: 3
9 Stern 1999: 200
10 Gilbert 1975: 355
11 Kennan 1951: 51
12 Miller, Lynn-Jones
13 Ecvera 1991: XI
14 Lafore 1971: 17
15 Lorde Bryce, citado em Fromkin 1995: 58
16 Zweig 1943: 214
17 Taylor 1965: 1
18 Braudel 1979: 104
19 Keynes 1920: 11-12
20 Micklethwait e Wooldridge 2000: XVIII
21 Kennan 1951: 9
22 Zweig 1943: 1
23 Keiger 1983: 133
24 Ibid.
Parte Um

AS TENSÕES EUROPEIAS
Capítulo 1

CHOQUE DE IMPÉRIOS

No começo do século XX, a Europa era o ponto culminante da


realização humana. Na indústria, na tecnologia e na ciência, ela havia ido
além das sociedades anteriores. Em termos de riqueza, conhecimento e
poder, excedia qualquer civilização que jamais havia existido.
A Europa é quase o menor dos continentes: de 8 a 10 milhões de
quilômetros quadrados de extensão, dependendo de como são definidas as
fronteiras orientais. Por comparação, o maior continente, a Ásia, tem 44
milhões de quilômetros quadrados. É verdade, alguns geógrafos viram a
Europa como uma simples península da Ásia.
Contudo, no começo dos anos 1900, as grandes potências da Europa —
um mero punhado de países — tinham conseguido dominar a maior parte
do planeta. Entre eles, Áustria-Hungria, França, Alemanha, Grã-Bretanha,
Itália e Rússia dominavam a Europa, a África, a Ásia, o Pacífico e até
mesmo partes substanciais do hemisfério ocidental. Do pouco que restava,
grande parte pertencia a Estados europeus menos poderosos: Bélgica,
Holanda, Portugal e Espanha. Quando todos estes impérios eram somados,
a Europa abarcava o globo.
Porém, os impérios europeus eram de tamanho e força muito desiguais,
um desequilíbrio que conduzia à instabilidade; e como rivais, seus líderes se
estudavam constantemente, tentando adivinhar quem derrotaria quem em
caso de guerra e, portanto, com quem era melhor se aliar. A superioridade
militar era vista como um valor supremo numa época que acreditava
erradamente que a sobrevivência do mais apto de Charles Darwin dizia
respeito ao mais mortífero, em vez de (como agora o entendemos) ao mais
bem adaptado.
O Império Britânico era a mais rica, a mais poderosa e a maior das
grandes potências. Controlava mais de um quarto da superfície e um quarto
da população do globo, e sua Marinha dominava os oceanos do mundo, que
ocupam mais de 70% do planeta. A Alemanha, uma confederação recém-
criada pela Prússia militarista, comandava o mais poderoso Exército de
terra. Na Rússia, o maior país do mundo, um gigante atrasado que se
estendia por dois continentes, restava um enigma; debilitada por uma guerra
que perdeu contra o Japão em 1904-1905 e pela revolução de 1905, ela deu
uma guinada, tratando de industrializar-se e armar-se com apoio da França.
Apesar de contar com um grande império, a França já não era mais páreo
para a Alemanha, e apoiou a Rússia como contrapeso ao poder teutônico. A
monarquia dual da Áustria-Hungria governava uma variedade de
nacionalidades bastante agitadas e frequentemente em conflito. A Itália, um
Estado novo, na condição de recém-chegada que aspirava conquistar seu
lugar entre as potências, ansiava ser tratada como igual.
Acreditava-se comumente na época que o caminho para a riqueza e a
grandeza das potências europeias passava pela aquisição de mais colônias.
O problema era que as grandes potências já controlavam tantas partes do
mundo que pouco restava aos outros para tomar. Repetidamente, as
potências europeias se atropelaram umas às outras ao avançar. De tempos
em tempos, a guerra ameaçava estourar, e somente a hábil diplomacia e o
autocontrole as tornavam capazes de recuar. As décadas anteriores a 1914
foram pontuadas por crises, e quase todas podiam ter levado à guerra.
Nada houve de acidental no fato de as mais conspícuas dessas crises
terem resultado de iniciativas alemãs. Ao trocar seu chanceler em 1890, o
imperador alemão — o kaiser, ou César — também mudou sua política de
governo. Otto von Bismarck, o líder cuja determinação férrea tinha criado a
Alemanha em 1870-1871, não acreditava no imperialismo.* Longe de crer
que colônias ultramarinas trouxessem riqueza e poder, aparentemente ele
acreditava que, de riqueza e poder, elas fossem antes um sumidouro. Para
distrair a França de eventuais pensamentos de recuperar territórios que a
Alemanha havia tomado na Europa — na Alsácia-Lorena —, Bismarck
estimulou e apoiou a França a buscar novas aquisições no norte da África e
na Ásia. Como esta política levaria a França a frequentes colisões com a
Inglaterra e a Rússia imperiais, dividindo deste modo os rivais potenciais da
Alemanha, servia a todos os propósitos de Bismarck.
A Alemanha pós-Bismarck passou a cobiçar os territórios ultramarinos
que o Chanceler de Ferro vira como ouro de tolo. Ela se colocou em
posição de tomar parte da partilha iminente da China. Mas os governantes
de Berlim tinham entrado no jogo muito tarde. A Alemanha já não podia
mais conquistar um império numa escala proporcional à sua posição de
maior potência militar da Europa. Não havia mais continentes a serem
tomados: não havia mais Áfricas, não havia mais Américas. Não obstante
— descuidadamente —, a Alemanha guilhermina manifestava interesse em
terras ultramarinas.
No começo do século XX, como a França avançasse mais
profundamente no Marrocos para ampliar seu império norte-africano, a
Alemanha, em vez de estimular e apoiar, como Bismarck teria feito,
interveio em oposição. As iniciativas alemãs fracassaram, mas acenderam o
estopim das crises internacionais mais notáveis daqueles anos: as crises do
Marrocos de 1905-1906 e de 1911. Para o governo alemão, aquelas
manobras podem ter sido meras tentativas, mas na Europa causaram
verdadeira apreensão.
Retrospectivamente, fica claro que o problema era que a cobiça imperial
da Alemanha pós-1890 não podia mais ser satisfeita, a não ser tomando
territórios ultramarinos dos outros países europeus. Isto não era algo que se
pudesse alcançar por meios pacíficos. Assim, podia a Alemanha contentar-
se em continuar sendo a principal potência militar e industrial do continente
mas com impérios africanos e asiáticos menores do que os da Inglaterra ou
da França? Os alemães discordavam, é claro, sobre qual devia ser a resposta
a esta pergunta, e o clima das opiniões estava mudando. Em 1914, a
Alemanha era o único país do continente com mais trabalhadores industriais
do que rurais, e a força crescente das suas massas operárias e socialistas
sugeria que a nação poderia ser obrigada a concentrar sua atenção na
solução de problemas internos, em vez de aventuras estrangeiras. Ou então,
alternativamente, a sugestão seria os líderes alemães empreenderem uma
política estrangeira agressiva, em vista de distrair a atenção dos problemas
que permaneciam sem resolução dentro de casa.

________________
* Por razões não inteiramente claras, Bismarck divergiu brevemente
desta política no começo da década de 1880, ocasião em que a Alemanha
adquiriu uma pequena quantidade de colônias.
Capítulo 2

LUTA DE CLASSES

A Alemanha não era tampouco a única a estar dividida contra si mesma.


Antes da guerra, a Europa era presa de revoltas sociais e econômicas que
estavam modificando suas estruturas e sua política. A Revolução Industrial
que havia começado na França e na Inglaterra do século XVIII continuava,
num ritmo acelerado, a realizar mudanças radicais nesses dois países, assim
como na Alemanha, e promovia mudanças semelhantes nos outros. A
Europa agrária, em parte ainda feudal, e a Europa das chaminés, trazendo
modernidade, viviam literalmente ao mesmo tempo, mas figurativamente a
séculos de distância uma da outra. Alguns continuavam a viver como se
estivessem no século XIV, com seus animais de carga e seus lentos ritmos
aldeões quase imutáveis, enquanto outros habitavam as grandes cidades
abarrotadas do século XX, impulsionadas pelas recém-inventadas máquinas
de combustão interna e informadas pelo telégrafo.
Ao mesmo tempo, o crescimento da população urbana de operários
fabris na Revolução Industrial produziu conflitos entre esta população e os
proprietários das manufaturas, sobre salários e condições de trabalho. Isto
também antagonizou trabalhadores e industriais, de um lado, os quais só
podiam expandir suas exportações num mundo de comércio livre, e os
agricultores, que necessitavam de proteção, e a pequena nobreza sem
liquidez, do outro. A classe social tornara-se uma linha divisória e uma
lealdade — a fronteira principal, segundo muitos. Disputas domésticas
ameaçavam todos os países da Europa Ocidental.
Na Grã-Bretanha, o Partido Trabalhista foi constituído para falar em
nome de uma classe trabalhadora que já não estava mais satisfeita de ser
representada pelo Partido Liberal, o qual simpatizava com os assalariados
mas falava como porta-voz das classes médias e mesmo de alguns dos bem-
nascidos. No continente, o trabalhismo também se transformava em
socialismo, com sucesso crescente nas pesquisas: nas eleições alemãs de
1912, os sociais democratas surgiram como o maior partido isolado do
Reichstag. Deve ter sido de algum consolo para os conservadores alemães e
britânicos perceberem que os trabalhadores em seus países geralmente se
expressavam pacificamente por meio do voto, em vez de greves, levantes e
ataques terroristas (como os sindicalistas franceses, espanhóis e italianos).
Naqueles tempos de crises bélicas frequentes, os governos se preocupavam
com a possibilidade de o seu povo não apoiá-los se uma guerra estourasse.
Mas o problema tinha dois lados: aventuras estrangeiras também podiam
distrair a atenção dos conflitos sociais e de classe, levando o povo a se
reagrupar sob a bandeira. Qual seria a alternativa? Os choques sociais e de
classes dividiriam, ou os conflitos internacionais uniriam?
Capítulo 3

DISPUTA ENTRE NAÇÕES

Para o internacionalismo socialista, o rival era o nacionalismo, uma


paixão que se tornava crescentemente prioritária nos corações e mentes dos
europeus, à medida que terminava o século XIX e chegava o XX. Até
mesmo os britânicos contraíram a febre. A Irlanda — ou pelo menos a sua
maioria católica romana — agitava-se violentamente em nome da
autonomia ou independência, entrando em confronto com os protestantes do
Ulster, que se preparavam para pegar em armas a fim de defender a união
com a Grã-Bretanha.
A Inglaterra eduardiana já era um país surpreendentemente violento,
dilacerado por questões como salário e condições de trabalho industriais, e
também pela causa do sufrágio das mulheres. Ela era igualmente sacudida
por uma crise constitucional que era também uma crise de classe. A crise
centrava-se em duas questões interligadas: o orçamento e o poder da
Câmara do Lordes, hereditária, de vetar a legislação aprovada pela Câmara
dos Comuns, eleita popularmente. Esses dois conflitos estavam destruindo o
sentido de solidariedade nacional.
O país já estava polarizado com a questão da autodeterminação da
Irlanda, amplos setores do Exército e da facção Unionista-Conservadora
parecendo prontos a desafiar a lei e o governo em vista de manter a união
com a Irlanda. O precedente estabelecido pelos Estados Unidos em 1861
era perturbador. Haveria uma guerra civil britânica?
Na Europa continental, as chamas do nacionalismo ameaçavam
incendiar e destruir mesmo estruturas que haviam resistido durante séculos.
A Áustria dos Habsburgo, uma remanescência das Idades Médias que até
pouco antes fora dirigida pelo Santo Império Romano, restava, como
ocorrera ao longo do século XIX, como o principal inimigo do
nacionalismo europeu. As duas grandes novas nações da Alemanha e da
Itália haviam sido esculpidas em territórios antes dominados pelos
Habsburgo. Nas universidades, cafés e esconderijos parcamente iluminados
das sociedades secretas e terroristas, nos Bálcãs e na Europa Central dos
primeiros anos do século XX, planos eram urdidos por grupos étnicos que
aspiravam realizar algo semelhante. Os nacionalistas estavam em contato
uns com os outros, e com os niilistas, anarquistas, socialistas e outros que
vivessem e conspirassem na obscuridade da resistência política. Era lá que
sérvios, croatas, tchecos e outros tramavam para minar e destruir o Império
Austríaco.
Os Habsburgo eram uma dinastia que, ao longo de um milênio, chegou
a governar uma coleção heterogênea de territórios e povos — um império
multinacional que nunca teve qualquer perspectiva de se tornar um Estado
nacional homogêneo. Centrada em Viena, cidade onde se falava alemão, a
Áustria-Hungria incluía uma variedade de línguas, grupos étnicos e climas.
Seus 50 milhões de habitantes abrangiam talvez 11 nações ou partes. Muitas
das suas terras tinham sido originalmente dotes trazidos por casamentos
com herdeiras territoriais: independentemente do que se possa dizer sobre
ela, a família Habsburgo casava-se bem. Em seu apogeu, no século XVI,
quando abrangeu a Espanha e grande parte do Novo Mundo, os haveres da
família Habsburgo compreendiam o maior império do mundo. Suas raízes
recuam ao Natal de 800, quando Carlos Magno, o Franco, foi coroado pelo
papa imperador do Império Romano do Ocidente. Como imperadores do
Santo Império, posto para o qual um Habsburgo quase sempre era eleito
desde o século XV até ele ser abolido no começo do século XIX, os
Habsburgo dominaram a Europa Central, inclusive as suas muitas entidades
políticas falantes de alemão — e de italiano. Na esteira das revoluções de
1848, eles perderam suas possessões italianas para a Itália recém-unificada.
Em 1871, foram excluídos da Alemanha recém-unificada organizada pela
Prússia. Antigo líder dos alemães e italianos da Europa, o imperador
Habsburgo era agora o estranho do ninho.
Abandonado com um núcleo alemão — dos 28 milhões de habitantes da
Áustria, apenas 10 milhões eram alemães — e um império refratário de
povos centro-europeus e balcânicos, principalmente eslavos, o governante
Habsburgo, Francisco José, de repente se viu presidindo uma entidade que,
segundo toda aparência, não era viável A solução que encontrou em 1867
foi um pacto entre a Áustria e uma Hungria que era governada por sua
minoria magiar, nos termos do qual ele passou a servir como imperador da
Áustria e como rei da Hungria. A Monarquia Dual, como foi chamada, era
um Estado em que a Áustria e a Hungria tinham cada qual o seu próprio
Parlamento e primeiro-ministro, mas apenas um ministro das Relações
Exteriores, um da Guerra, um da Fazenda — e, é claro, apenas um monarca,
tanto do império austríaco como do reino húngaro. Os povos governantes
eram a minoria de alemães da Áustria e a minoria magiar da Hungria. O que
eles tentavam governar, nas palavras de um político Habsburgo, era um
complexo formado por “oito nações, dezessete países, vinte grupos
parlamentares, vinte e sete partidos” — e um espectro de povos e religiões.
A Europa tornava-se rapidamente um continente de nações-Estado. Ao
entrar no século XX, uma das principais debilidades da Áustria-Hungria é
que ela estava situada no que parecia ser o lado errado da história. Mas o
que ameaçava derrubá-la era uma força que tampouco era inteiramente
progressista; o nacionalismo tinha os seus aspectos atávicos.
Considerado como filosofia política ou como o seu contrário, um tipo
de delírio de massa, o nacionalismo era ambivalente. Ele era a crença
democrática de que cada nação tinha o direito de tornar-se independente e
de governar a si mesma. Mas também era a insistência não-liberal de que os
não-membros da nação deviam assimilar-se, ter direitos civis cassados, ser
expulsos, ou até mortos. O nacionalismo odiava uns como expressão de
amor por outros. E para aumentar a obscuridade da situação, não havia
acordo sobre o que constituía a nacionalidade. A edição de 1911 da
Encyclopaedia Britannica caracteriza-o como “termo vago” e observa que
“a ‘nacionalidade’!...] representa um sentimento comum e uma
reivindicação organizada, em vez de atributos distintos que possam ser
compreendidos numa definição estrita”. De modo que não existia um
acordo geral sobre que grupos eram nações e que grupos não o eram.
Tratava-se, isto sim, de mais uma questão para a Europa disputar. Pensavam
alguns — e há quem continue a fazê-lo — que esta era a principal questão
que a Europa tinha para disputar.
Na ausência de uma medição científica da opinião pública por meio de
pesquisas, os historiadores não são capazes de nos dizer com qualquer grau
de certeza o que a população da Europa pensava ou sentia na era pré-1914.
Isto produz uma lacuna no nosso conhecimento. Não uma lacuna tão grande
como seria hoje, pois há um século o público desempenhava um papel
pequeno na formação da política externa. Mas a opinião pública tinha
alguma significância, no sentido de que os tomadores de decisão a levavam
provavelmente em consideração — na medida em que soubessem qual era.
A evidência sugere que o sentimento mais disseminado na Europa na
época era a xenofobia: uma grande hostilidade em relação uns aos outros.
Os grupos étnicos dos Bálcãs forneciam um exemplo óbvio de ódio
recíproco, mas países muito mais avançados também mostravam essas
tendências.
A Inglaterra é um exemplo apropriado. Esteve em guerra com a França
intermitentemente desde o século XI — em outras palavras, por cerca de
mil anos. Já bem adentrado o século XX, o sentimento antifrancês
continuava alto. Mesmo durante a Primeira Guerra Mundial, em que os dois
países foram aliados, os oficiais britânicos e franceses conspiravam e
manobravam uns contra os outros pelo controle do Oriente Médio árabe no
pós-guerra.
Os britânicos só entraram em choque com a Rússia muito depois de o
terem feito com a França, mas uma vez iniciada a colisão, não faltou para
ninguém. Os dois países se opuseram em cada ponto, econômica, política,
militar e ideologicamente, até os britânicos começarem a se opor aos russos
não apenas pelo que eles faziam, mas pelo que eram. A história é contada
num clássico: The Genesis of Russofobia in Great Britain [A Gênese da
Russofobia na Grã-Bretanha], de John Howes Gleason.
A Alemanha começou a existir como Estado em 1871, e parecia ser um
aliado possível — a ideia foi discutida mais de uma vez nos mais altos
escalões —, mas os britânicos começaram a desconfiar da Alemanha e,
depois, a antagonizá-la. Isto aconteceu por uma variedade de razões,
exaustivamente discutidas no relato definitivo de Paul Kennedy, The Rise of
the Anglo-German Antagonism [A Ascensão do Antagonismo Anglo-
alemão].
Assim, ainda que acreditassem ser um povo de mente aberta, os
britânicos odiavam os três povos que vinham logo depois deles na
classificação das grandes potências: franceses, russos e alemães.
As questões que os políticos europeus tentavam resolver na aurora do
século XX estavam sendo enfrentadas, portanto, num contexto em que os
povos abrigavam sentimentos hostis e às vezes francamente belicosos.
O surgimento e o crescimento de jornais independentes de circulação de
massa no século XIX em países europeus como a Inglaterra e a França
fizeram pesar ainda uma outra poderosa influência sobre a tomada de
decisões, impossível de calcular precisamente. Fazendo apelo a medos e
preconceitos populares para conquistar leitores, a imprensa parece ter
exacerbado o ódio e as divisões entre os europeus. Sobre a imprensa
britânica antialemã e a alemã antibritânica, o imperador alemão escreveu ao
rei da Inglaterra em 1901: “A imprensa é terrível para ambos os lados.”1

________________
1 McLean 2001: 98
Capítulo 4

ARMAMENTO DOS PAÍSES

Esperava-se do nacionalismo, como pregavam Giuseppe Mazzini e seus


discípulos na Europa do século XIX, que trouxesse a paz. Em vez disso,
trouxe a guerra. E o mesmo aconteceu com um desenvolvimento muito
mais profundo da época: a revolução da energia, que se tornou possível
quando Michael Faraday aprendeu como gerar eletricidade.
Energia praticamente ilimitada, eis a novidade que tornava possível
quase tudo mais. Henry Adams, historiador e profeta, o Jano americano que
enxergava para trás e para a frente, a identificou. Maravilhado com o que
viu nas feiras mundiais de Chicago (1893) e Paris (1900), ele especulou que
ela poderia tornar toda a história humana obsoleta. A novidade
“desconcertaria os professores”, observou ele, mas “pescoços professorais”
já haviam sido “quebrados” umas poucas vezes desde que a Europa
começou, e dessas poucas vezes, “a que mais se aproximava da revolução
de 1900 era a de 310, quando Constantino instituiu a Cruz”. De fato, os
raios de eletricidade eram algo que Adams achou quase sobrenatural: “Uma
energia como a da Cruz.”1
Era natural que Adams fosse otimista; era filho do século que acreditava
que a história fosse a história do progresso. Antes de o século XIX começar,
os homens olhavam para trás, para uma época de ouro. Então, eles passaram
a olhar para a frente, para poder vislumbrá-la.
Europeus e americanos estavam fascinados com as especulações sobre o
futuro. Um novo tipo de ficção alimentou suas predileções. Júlio Verne e H.
G. Wells foram os pioneiros da criação de narrativas de maravilhas
científicas e tecnológicas: de máquinas voadoras, vida sob os oceanos,
viagens interplanetárias.
O foco sobre todos esses prodígios que o futuro mantinha em estoque
para uma humanidade de poderes aumentados pode ter sido um pouco
exagerado. Só uns poucos perceberam que o lado escuro da história, não
fosse por isso prometeica, era que a raça humana estava lançando mão das
suas extraordinárias possibilidades evocando novos e explosivos poderes de
destruição.
Numa carta muito citada, escrita quando estourou a guerra em 1914,
Henry James, o famoso romancista americano residente na Inglaterra,
escreveu: “O mergulho da civilização neste abismo de sangue e trevas [...] é
uma coisa que trai tão gravemente a longa época durante a qual supomos
que o mundo, apesar dos percalços, estava gradualmente melhorando, que
ter de percebê-lo agora pelo que os anos de ilusão estavam o tempo todo
realmente construindo e significando é trágico demais para quaisquer
palavras.”2 A ciência não tinha tornado o ser humano mais pacífico e
civilizado; ela traiu esta esperança e em vez disso tornou possível os
Exércitos serem mais selvagemente destrutivos do que qualquer soldado do
passado jamais poderia ter sonhado.
A Europa não estava progredindo na direção de um mundo melhor, mas
sim de um gigantesco desastre, pois, na primeira guerra entre sociedades
industriais modernas do século XX, o poder explosivo acumulado
desenvolvido pela ciência avançada concentrava-se na meta da destruição
em massa.
Por que os contemporâneos acreditavam estar evoluindo para um
mundo mais pacífico? Como puderam eliminar a hipótese de uma guerra
entre as potências europeias dos seus temores e de suas mentes? Por que
foram pegos de surpresa quando a guerra estourou? Nunca buscaram ver o
que suas principais indústrias estavam fabricando?
Ao olharmos para trás, talvez a característica mais notável da paisagem
internacional pré-guerra fosse a aceleração da corrida armamentista.
Tomada isoladamente, a fábrica de armamentos alemã Krupp era o maior
negócio da Europa. Suas rivais — Skoda, Creusot, Schneider e Vickers-
Maxim — também eram gigantescas. Em grande parte, o negócio da
Europa na nova era industrial tinha se tornado preparar-se para lutar.
Retrospectivamente, a intensa corrida armamentista era o aspecto mais
visível da paisagem política da Europa naqueles anos antes da guerra. É
curioso que o homem das ruas não o tenha percebido com igual clareza na
época.
A economia de guerra europeia tornara-se proporcionalmente imensa,
mas não dava nenhuma segurança. Uma realização tecnológica como o
desenvolvimento pelos britânicos do encouraçado Dreadnought, que
obsolesceu todos os navios de guerra existentes, não apenas forçava outros
países a descartar seus esforços e investimentos anteriores, mas expunha-os
ao risco de ficar expostos aos inimigos ao longo do tempo necessário para
equiparar-se.
Todos adaptavam suas exigências de contingente — sua combinação de
Exército regular, alistamento e reservas de um tipo ou de outro -para pelo
menos igualar os níveis dos seus adversários potenciais. A competitividade
inflexível produziu o oposto do que era pretendido. A expansão das forças
armadas visava consolidar a segurança nacional, mas em vez disso minou-a:
a corrida armamentista, impulsionada pelo medo recíproco, acabou
tornando todas as grandes potências europeias radicalmente inseguras.
Todas elas — mesmo a Rússia, depois da revolução de 1905 — eram
sociedades relativamente abertas, em que a dotação de fundos pelos
Parlamentos para fins militares podia ser monitorada pelos Estados rivais,
cujas análises com certa frequência eram tingidas de alarmismo. Como
programas militares aprovados por lei agregam cronogramas, os países
sabiam dos planos de produção de armamento uns dos outros e
consequentemente buscavam lançar iniciativas para compensação.
Uma inovação introduzida no século XIX foi que as forças armadas dos
respectivos países passaram a preparar rotineiramente planos de
contingência contra seus rivais, caso as hostilidades estourassem. Estes
planos eram secretos, é claro, embora os governos geralmente tivessem pelo
menos uma ideia de qual seria a estratégia geral de uns e de outros.
Não havia grandes mistérios sobre quais seriam os potenciais inimigos.
Apesar das suas diferenças ideológicas de fundo, a França e a Rússia eram
sabidamente aliadas, reunidas pela ameaça comum da Alemanha. Esta tinha
vínculos estreitos com a Áustria-Hungria e também era aliada dos pouco
confiáveis italianos, apesar de eles ainda alimentarem reivindicações
territoriais contra a Áustria. Ainda que preferisse permanecer neutra, a Grã-
Bretanha estava sendo premida, pelo crescimento das ambições alemãs, a se
aproximar da França e — no interesse da França — da Rússia.
As várias crises bélicas do começo do século impeliram as grandes
potências a iniciar conversações de Estado-maior conjunto com as forças
armadas dos seus aliados. Discussões secretas de Marinha e Exército entre a
Grã-Bretanha e a França em 1905-1906 e 1911 examinaram as respostas a
dar a um eventual ataque da Alemanha. Em 1908-1909, conversações
semelhantes foram iniciadas pelos chefes dos Estados-maiores alemão e
austro-húngaro, tendo como centro a possibilidade de uma guerra com a
Rússia. O gabinete britânico autorizou conversações secretas entre as
Marinhas da Grã-Bretanha e da Rússia em maio de 1914; quando Berlim
soube, a Alemanha ficou aterrorizada. Essas conversações conjuntas não
comprometiam os governos europeus num sentido formal, mas ao
transformarem a teoria em prática, os governos da Europa de algum modo
deram um gigantesco passo adiante no caminho que levou a 1914. E
conforme aconteceu, elas realmente definiram a guerra iminente.
Produziram um roteiro que de fato teve de ser seguido. Forneceram uma
boa indicação de quem ficaria em que coligação: Alemanha e Áustria
fechariam questão, enquanto a Grã-Bretanha decidiu apoiar a França e a
Rússia.
Tenha ou não a aceleração da corrida armamentista das grandes
potências tornado o conflito inevitável, como afirmou o secretário britânico
das Relações Exteriores, Sir Edward Grey, de algum modo as grandes
potências da Europa precipitaram o evento ao engajarem-se em verdadeiros
ensaios gerais de guerra — e não de qualquer guerra, mas as etapas iniciais
da guerra específica que elas estavam em vias de empreender.3
Era o medo recíproco, impulsionado pela corrida armamentista e
alimentando a si mesmo, que estava fazendo a Europa chegar perto do
limite? Ou era a agressividade congênita, reprimida durante as quatro
décadas artificialmente longas de paz entre as grandes potências, que agora
ameaçava explodir? Ou eram os governos, como muitos iriam dizer, que
deliberadamente estavam manobrando seus países para a guerra a fim de
desviar a atenção de problemas domésticos que pareciam insolúveis? Ou
estariam alguns governos implementando políticas agressivas ou perigosas
a que eles próprios sabiam que outros países seriam obrigados a se opor
pela força das armas? Qualquer tenha sido a razão, como disse Helmuth von
Moltke, chefe do Estado-maior alemão, ao chanceler civil num memorando
datado de 2 de dezembro de 1912: “Todos os lados estão se preparando para
a Guerra Europeia, que todos os países esperam para mais cedo ou mais
tarde.”4
Os planos de guerra foram examinados e alterados à luz da experiência
obtida em exercícios de guerra. Eles foram atualizados conforme a mudança
das circunstâncias e pela obtenção, por meio da espionagem dos serviços de
inteligência, de novas informações sobre os planos inimigos. Nisto, a
França foi extraordinária, pois na véspera da guerra modificou seus planos à
luz de uma filosofia em voga. A nova doutrina francesa era de que o
aspecto moral era a chave da vitória. Tratava-se de concepção decorrente
dos ensinamentos dos oficiais Ardant du Picq (1821-70)* e Ferdinand Foch
(1851-1929). A opção de enfatizar o aspecto moral em vez do material
parecia confirmar-se na filosofia de Henri Bergson (18591941), que via no
élan vital- força vital — a energia que propelia a evolução. Tais concepções
se prestavam à glorificação do ataque — às expensas, talvez, da prudência
— e isto se manifestou no viés ofensivo que muitos criticariam
posteriormente no Plano XVII, o plano organizacional e estratégico adotado
pela França em maio de 1913.
De todas as estratégias examinadas previamente pelos chefes militares
das potências europeias, a que figuraria mais amiúde no pensamento
ulterior sobre a guerra seria o esquema que tomou o nome do conde Alfred
von Schlieffen, general alemão a quem foi atribuída a concepção.
Schlieffen (1833-1913) serviu como chefe do Grande Estado-maior
alemão de 1891 a 1906. O Estado-maior do Exército prussiano era chamado
de “Grande” desde 1871, para distinguir-se dos Estados-maiores dos outros
Estados da confederação alemã: Bavária, Saxônia e Württemberg. Corpo de
elite de cerca de 650 oficiais, o Grande Estado-maior funcionava como
cérebro e centro nervoso do Exército.
Em sua primeira guerra hipotética após a unificação em 1871, o Grande
Estado-maior imaginou um conflito em que o inimigo consistia numa
coalizão formada pela França, a Áustria-Hungria e a Rússia. De todas a
mais perigosa, esta possibilidade correspondia ao pesadelo da Alemanha de
se ver cercada: o “oriente eslavo e o ocidente latino contra o centro da
Europa”, nas palavras de Helmuth von Moltke — conhecido como Moltke,
“o Velho” —, então chefe do Estado-maior.5 A partir de 1879, nos termos
do acordo de aliança firmado com a Áustria-Hungria, o planejamento
alemão sempre pensou uma guerra contra a França e a Rússia: combinação
improvável no campo ideológico, pois a França era uma democracia
avançada, e a Rússia, uma tirania atrasada. Reunidas — contra toda a
probabilidade — pela ameaça alemã, em 1894 a França e a Rússia
acabaram formando uma aliança, e os planos de guerra alemães deixaram
de ser hipotéticos. Os sucessivos chefes do Grande Estado-maior não se
perguntavam se a guerra ia acontecer, mas apenas quando seria. O difícil
desafio que enfrentavam — como vencer uma guerra de duas frentes —
decorria da inépcia dos líderes do país em política externa.
Moltke, o Velho, e seu sucessor, o conde Alfred von Waldersee,
planejaram promover uma guerra limitada contra a Rússia, que obrigasse o
tsar a buscar a paz rapidamente, enquanto guerreavam com a França com o
objetivo de negociar a paz em termos favoráveis. Tratava-se de uma
estratégia moderada, de espírito defensivo, visando alcançar uma posição
mais vantajosa. Mas ela realmente significava dividir forças para lutar com
ambos os inimigos ao mesmo tempo.
O conde Schlieffen assumiu a chefia do Estado-maior em 7 de fevereiro
de 1891. Foi nomeado apesar da sua falta de experiência de combate. Desde
a morte da esposa, ele era uma figura solitária de poucas ambições
profissionais. Era um oficial sarcástico cujo monóculo retorcido o fazia
parecer uma caricatura de oficial prussiano.
Schlieffen conduzia o que seria quase uma universidade para os oficiais
sob seu comando. Punha-os ao trabalho anualmente, testando e
reelaborando planos de desdobramento de tropas à luz do que aprendia nos
frequentes exercícios de guerra e cavalgadas no terreno. Sob sua
supervisão, o Estado-maior preparou 49 diferentes planos estratégicos totais
para a guerra europeia, que ele acreditava estar chegando: 16 contra a
França, separadamente, 14 contra a Rússia e 19 contra as duas juntas.
No caso de uma guerra nas duas frentes, a Alemanha tinha
essencialmente três escolhas. Uma delas — lutar contra a França e a Rússia
ao mesmo tempo — parecia ser uma estratégia arriscada para uma
Alemanha cujos números eram inferiores. Lidar com a Rússia primeiro não
parecia prático; mesmo derrotados, os russos podiam retirar-se para o
interior quase sem fim do seu vasto país: não podiam ser vencidos com um
ataque rápido, decisivo. Além disso, os russos estavam armando Exércitos e
construindo estradas de ferro num ritmo rápido; a cada minuto tornavam-se
oponentes mais formidáveis. Por outro lado, desde 1905 Schlieffen não
tinha boa opinião sobre as capacidades dos militares russos.
Um certo número de fatores sugeria a estratégia de combater primeiro a
França, e para a opinião militar, a única maneira prática de a Alemanha
atacar a França era através do território neutro da Bélgica. Alguns oficiais
do alto comando francês percebiam isso. Na Grã-Bretanha, Winston
Churchill estava a par; tinha-o sabido por meio de um informe confidencial
do Comitê Britânico de Defesa Imperial, em 1911. As razões tinham sido
explicadas ao comitê pelo general de brigada Sir Henry Wilson, diretor de
operações militares do Ministério da Guerra.
Ao final do seu mandato como chefe do Estado-maior, Schlieffen
compôs um memorando informal resumindo para seu sucessor como a
invasão da França através da Bélgica deveria ser levada a cabo. O
memorando supunha que a Alemanha tinha noventa divisões à disposição
para o hipotético ataque — num momento em que apenas setenta estavam
disponíveis. Isto quer dizer que o memorando não era de fato uma
proposta? Que na verdade não passava de uma demonstração no papel de
que a Alemanha precisava de um Exército maior do que o que o Ministério
da Guerra estava propenso a reunir? Tratar-se-ia de um documento
destinado a convencer o Ministério da Guerra a mudar de ideia? O que quer
tenha sido, serviu como roteiro, e esta é provavelmente a melhor maneira de
encará-lo.
Os memorandos de Schlieffen de 1905-1906 continuam a ser objeto de
intensa controvérsia. Após o final da Primeira Guerra Mundial, os generais
sobreviventes da Alemanha afirmaram que a guerra havia sido perdida
apenas porque colegas mortos tinham deixado de seguir ao pé da letra um
suposto plano secreto de Schlieffen, que teria se mostrado um verdadeiro
guia para a vitória.
Em grande parte, a sua alegação foi aceita. O plano supostamente
chamava quase todo o Exército alemão a constituir um braço direito — um
flanco direito — que avançaria sobre as costas holandesa e belga e depois
cairia rapidamente, envolvendo o oeste da França, para então guinar e
penetrar até Paris, a caminho de uma vitória decisiva a leste daquela cidade:
uma vitória sobre um Exército francês àquela altura inteiramente cercado. A
França seria destruída para sempre como grande potência. Toda a manobra
seria questão de semanas, e o Exército alemão seria então transferido para o
leste, para lidar com a Rússia.
Ao longo de todo o século XX, e agora no XXI, os historiadores têm
debatido as consequências do assim chamado plano Schlieffen. Seu rígido
cronograma teria supostamente obrigado a Alemanha a iniciar a guerra
quando e como ela iniciou. O curso dos acontecimentos no verão de 1914 é
frequentemente descrito como um exemplo de automação, como se o
governo de Berlim estivesse preso nas garras do seu próprio plano secreto
imutável. Mas hoje nós podemos ver que todos esses relatos são distorcidos.
Hoje nós temos recursos críticos que não estavam disponíveis para as
gerações passadas. Documentos de Schlieffen, levados pelos americanos,
foram descobertos em Washington, D.C., em 1953, nos Arquivos
Nacionais. Após a pesquisa pioneira de Gerhard Ritter nos anos 1950,
lucidamente secundada em 2001 por John Keegan, tornou-se claro que, o
que quer possa ter acontecido, o memorando Schlieffen de 1905, com seu
suplemento de 1906, não era um plano. Ele não entrava em detalhes e não
emitia ordens. Não era operacional. É possível examiná-lo em seu contexto
por meio da leitura de uma coletânea dos escritos militares de Schlieffen,
recém-publicada em tradução inglesa por Robert T. Foley.
Outro desafio — lançado enquanto o presente livro estava sendo escrito
— é a publicação de Inventing the Schliejfen Plan [Inventando o plano
Schlieffen], de Terence Zuber. Baseado em material de arquivo que ele nos
diz nunca ter sido utilizado, Zuber argumenta que mesmo os memorandos
que dizemos materializarem a proposta de estratégia de Schlieffen não
expressam as estratégias por ele realmente propostas, e nem seus planos e
ideias.
E claro, a Alemanha realmente invadiu a França através da Bélgica,
como o memorando de Schlieffen imaginou que faria. Porém, a invasão foi
conforme, com mais exatidão, ao que deveria ser chamado de plano Moltke,
pois foi durante o mandato de Moltke que o documento operacional — o
verdadeiro plano de invasão da França — foi promulgado.
Examinando os memorandos de Schlieffen cerca de cinco anos mais
tarde, em 1911, Moltke indicou em suas notas que concordava que a França
devia ser invadida através da Bélgica. A decisão exerceu uma espécie de
efeito multiplicador nas desavenças alemãs. No contexto da política externa
da Alemanha pós-1890, criava a própria coalizão circundante que os
alemães professavam temer. E também transformava, automaticamente, a
guerra alemã numa guerra europeia que resultaria numa guerra mundial. Se
a Alemanha atacasse a Rússia, começaria invadindo Bélgica, Luxemburgo e
França, trazendo-os assim para a guerra, igualmente, e também a Grã-
Bretanha, e além dela a índia, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul e
Canadá, e outros também, possivelmente incluindo o aliado britânico no
Pacífico, o Japão.
Toda esta suscitação de inimigos foi assumida em função de uma
estratégia que, mesmo nas palavras de um estudioso que acredita na
existência do esquema Schlieffen, “nunca alcançou a forma final perfeita
que às vezes lhe foi imputada”.6
Schlieffen considerou violar a neutralidade do Luxemburgo, da Bélgica
e da Holanda ao invadir a França. Moltke, em vez disso, decidiu deixar a
Holanda em paz. Em primeiro lugar, a resistência armada holandesa poderia
fazer pender a balança contra os invasores; em segundo, a desenvolver-se
uma guerra de atrito, a Alemanha necessitaria de uma Holanda neutra como
rota de suprimento. Ambas as razões eram boas para respeitar a
neutralidade holandesa.
Entretanto, uma das consequências de fazer esta opção era estreitar a
rota de invasão através da qual as forças alemãs deveriam deslocar-se. Seria
um corredor de cerca de 20 quilômetros de largura, que poderia ser
dominado pelas fortificações belgas em Liège. Assim, confiando na
surpresa total e em velocidade máxima, as forças alemãs teriam tomado
Liège antes sequer de o inimigo ficar sabendo que a guerra o alcançara.
Tudo isto só seria possível em completo segredo. Consequentemente,
Moltke não autorizou sequer outros líderes militares alemães a tomarem
conhecimento da informação — e civis menos ainda.
Posteriormente — no verão de 1914 —, outro ponto assumiu grande
importância. A rapidez crescente com que a Rússia se mostrou capaz de
mobilizar-se e o fortalecimento das suas forças armadas, significando que,
em caso de guerra, a Alemanha sozinha poderia não ser capaz de repelir um
primeiro ataque da Rússia. Ela teria de chamar a Áustria-Hungria para
ajudar. Este fator será chave para entender a crise de julho de 1914.
Na federação alemã unificada que a Prússia havia organizado numa
única potência nas guerras das décadas de 1860 e 1870, as forças armadas
desempenhavam um papel desproporcionalmente grande e — através disso
— também o rei da Prússia, que servia não apenas como imperador alemão
mas também como chefe militar. Como chanceler — o líder civil da
Alemanha —, Otto von Bismarck usava uniforme militar, buscando assim
identificar-se com o serviço militar e consequentemente indicar onde ele,
que havia criado o novo Estado e era o autor da sua constituição, acreditava
estar baseado o poder.
Poderes quase ditatoriais estavam investidos na figura do kaiser em
termos de guerra e paz: quase, mas não totalmente. Ele tinha o poder de
declarar guerra ou fazer a paz — enquanto conseguisse obter a
contraassinatura do chanceler. Porém, como o chanceler era nomeado pelo
kaiser e de sua serventia, não chegava a representar um real contrapeso ao
poder do monarca.
No Exército imperial alemão, o kaiser era o chefe militar supremo.
Imediatamente abaixo dele, havia três diferentes órgãos que às vezes
competiam entre si: o Ministério da Guerra prussiano, o Gabinete de Guerra
e o Grande Estado-maior. Suas funções eram separadas, mas às vezes se
sobrepunham. Seus titulares também eram nomeados pelo imperador.
Dizia-se frequentemente, após a nomeação do jovem Moltke para a
chefia do Grande Estado-maior em 1906, que ele havia sido escolhido
porque Guilherme gostava dele. Num trabalho recém-publicado,
parcialmente baseado em fontes primárias até então desconhecidas, a
biógrafa de Moltke, Annika Mombauer, nos diz que ele “foi amigo do
kaiser bem como seu ajudante por longo tempo”, que quando jovem era
uma “figura militar alta e vigorosa” e que “suas maneiras agradáveis e
interesses culturais variados fizeram dele um candidato atraente”.7
Nascido na Prússia Oriental, Moltke vinha do celeiro certo. Sua
candidatura não haveria de ser arranhada por ele ser sobrinho do grande
Moltke — Moltke, o Velho, como ficou conhecido posteriormente — , o
comandante dos Exércitos de Bismarck, que, ao derrotar a Dinamarca, a
Áustria e depois a França, se tornou o general cujas vitórias criaram a
Alemanha moderna. O sobrinho sabia o que devia ao nome do tio. Na
ocasião da sua nomeação para o Estado-maior, ele perguntou a Guilherme:
“Sua majestade acredita que vai ganhar o primeiro prêmio duas vezes na
mesma loteria?”8
Grande e pesado, ele tinha 54 anos na época da sua nomeação. Embora
pintasse, tocasse violoncelo e se interessasse por temas espiritualistas, suas
opiniões militares e políticas eram convencionais. Diz-se que Fausto, de
Goethe, era “seu companheiro constante”; mas seria preciso mais do que o
seu intelecto um tanto comum para suspeitarmos que Fausto tivesse alguma
relevância em relação à tentativa que a Prússia estava fazendo, na sua
época, de assumir o poder total.9
Considerando que a Áustria era de importância vital para seus planos,
Moltke trabalhou com seu colega austríaco, Franz Conrad von Hötzendorf,
visando consolidar a aliança austro-alemã. Ele teve êxito em restaurar a
simpatia numa relação que havia sido desgastada. Ambos os chefes de
Estado-maior, isso acabou transpirando, se continham e deixaram de confiar
inteiramente um no outro. Moltke não revelou a extensão da sua
necessidade da assistência da Áustria para responder ao ataque inicial da
Rússia que ele esperava. Conrad, por sua vez, não admitiu que a Áustria ia
se concentrar em destruir a Sérvia e esperar que a Alemanha assumisse —
sozinha — toda a responsabilidade de lidar com os Exércitos do tsar.
Até há pouco, a opinião corrente entre os estudiosos, especialmente na
Alemanha, era de que Moltke era inadequado, fraco e de pouca
importância. A publicação da biografia de Mombauer iria mudar esta visão.
Moltke foi uma figura de considerável significância, tanto pelo que fez
como pelo que deixou de fazer.
Como favorito do kaiser, que consequentemente estava em posição de
fazer ouvir suas opiniões, Moltke tomou a iniciativa de duas proposições:
primeiro, que a aliança com a Áustria era absolutamente central para a
Alemanha e tinha de receber prioridade máxima; e segundo, como a guerra
contra a Tríplice Entente — Grã-Bretanha, França e Rússia, três países que
tinham feito um pacto de amizade recíproca — estava fadada a eclodir não
muito depois de 1916 ou 1917, a Alemanha perderia a guerra se não
lançasse um ataque preventivo imediatamente. Certo de que a guerra
aconteceria, Moltke a queria mais cedo, em vez de mais tarde. Ele a
desejava, mesmo temendo, como muitos dos seus colegas, que a civilização
europeia chegasse ao fim.

________________
* Algumas fontes fornecem 1831 como sua data de nascimento.
1 Adams 1918: 383
2 Fussell 1975: 8
3 Stevenson 1996: 1
4 Ibid.: 203.
5 Gunter E. Rothenberg, “Moltke, Schlieffen, and the Docctrine of

Strategic Envelopment”, Paret 1986: 306


6 Daniel Moran, “Alfred von Schlieffen”, Cowley e Parker 1996: 415
7 Mombauer 2001: 55
8 Ibid.: 54, 56.
9 Ibid.: 51
Capítulo 5

PROFECIAS DE ZARATUSTRA

A maior corrida armamentista que o mundo jamais conheceu foi


empreendida não apenas entre nações hostis, ativamente ocupadas em
planejar a destruição uma da outra, mas numa civilização em que se
acreditava amplamente que somente a destruição podia trazer a
regeneração. O profeta da época era o filósofo poderosamente eloquente,
embora assistemático, Friedrich Nietzsche (1844-1900). Nietzsche pregava
os valores do irracional. Apesar de ser alemão, sua mensagem fez vibrar a
corda em muitos países. Era uma figura europeia, não uma figura paroquial
alemã. Convenientemente, escolheu a Suíça e a Itália para morar.
A Revolução Francesa de 1789 prenunciou um século de revoluções, as
quais não lograram alcançar os sonhos que encarnavam. Revoluções não
realizadas e revoluções traídas deixaram a Europa frustrada, e disposta —
segundo Nietzsche — a quebrar coisas. Rejeitando os valores herdados da
Europa, Nietzsche bradou em Assim Falava Zaratustra que “Deus está
morto!”.
A estreia do balé A Sagração da Primavera, de Stravinsky-Nijinsky, em
29 de maio de 1913, no Théatre des Champs-Elysées, em Paris, é
frequentemente considerada o símbolo da rebelião nietzschiana em todas as
artes. Multidões em fúria contra o balé — uma celebração pagã com
dissonâncias ensurdecedoras — gritaram seus protestos contra o que
consideravam uma selvageria exaltada ocupando o lugar da civilização.
Histeria e arrebatamento pareciam estar na ordem do dia.
Pode ser que a sensação de frustração europeia — a sensação de
impasse na vida, na arte e na política — tenha levado a um sentido violento
de renúncia, de deixar-se ir: a percepção de que o mundo tinha de ser
explodido, quaisquer pudessem ser as consequências. O ânimo nietzschiano
europeu parece ter desempenhado algum tipo de papel em tornar a Grande
Guerra possível.
Como escreve J. P. Taylor: “A mente dos homens parecia estar no limite
nos últimos dois ou três anos antes da guerra, de um modo que não tinha
estado antes, como se estivessem inconscientemente cansados de paz e
segurança.1 E possível vê-lo em coisas muito distantes da política
internacional — no movimento artístico chamado futurismo, nas militantes
sufragistas [...] na tendência da classe trabalhadora na direção do
sindicalismo. Os homens queriam a violência pela violência; acolheram
bem a guerra como uma libertação do materialismo. Na realidade, a
civilização europeia estava desmoronando mesmo antes de a guerra destruí-
la.”
Nos primeiros anos do século XX, os europeus glorificavam a violência,
e pelo menos alguns grupos entre eles sentiam necessidade de mudanças
radicais. Em todo o espectro da existência, a mudança dominava a Europa
num ritmo mais acelerado do que nunca — muito mais rápido do que a
Europa sabia como lidar. Uma visão panorâmica da Europa entre os anos
1900 e 1914 mostraria principalmente que o continente corria adiante numa
revolução científica, tecnológica e industrial, de força motriz quase
ilimitada, que estava transformando quase tudo; que a violência era
endêmica a serviço da rivalidade econômica, política, de classe, étnica e
nacional; que a Europa concentrava suas atividades principalmente numa
corrida armamentista vertiginosa de escala nunca vista; e que, no centro dos
assuntos continentais, a poderosa e dinâmica Alemanha tinha feito arranjos
estratégicos tais que, se entrasse em guerra, levaria quase toda a Europa e
boa parte do restante do planeta numa guerra contra ela ou a favor dela.
Dadas essas condições, não se responde sozinha a pergunta “Como pôde
a guerra estourar num mundo tão pacífico?”. Não seria mais pertinente
perguntar como poderiam os políticos ter continuado a evitar a guerra por
mais tempo? Como conseguiram manter a paz por tanto tempo? Isso não
quer dizer que a guerra não poderia ter sido evitada, mas apenas que
extraordinárias habilidades teriam sido necessárias em 1914 para continuar
evitando-a.
Hoje em dia, acredita-se que governos queiram manter a paz.
Frequentemente, esta é a nossa hipótese implícita. Desde o
desenvolvimento das armas de destruição em massa, todos sairiam
perdendo, dizemos, se estourasse uma guerra entre as grandes potências. A
raça humana, dizem-nos, não sobreviveria a um conflito de tal monta.
Nossa instituição internacional mais importante, a ONU, é definida como
organização promotora da paz porque a principal razão pela qual os países
da Terra se reuniram é evitar a guerra.
Seria um erro, contudo, supor que os líderes mundiais teriam partilhado
dessa opinião há um século. Seu pensamento na época foi bem expresso no
que ficou conhecido como “o primeiro grande discurso” na carreira política
de Theodore Roosevelt, recém-nomeado secretário assistente da Marinha na
nova administração do presidente estadunidense William McKinley.
Dirigindo-se à Escola de Guerra Naval em 1897, Roosevelt afirmou:
“Nenhum triunfo da paz é tão formidável quanto os supremos triunfos da
guerra.”2 A guerra, declarou ele, é algo puro e saudável: “Todas as grandes
raças dominadoras têm lutado com outras raças; no momento em que uma
raça perde as inflexíveis virtudes do combate, então [...] terá perdido o
direito altivo de permanecer como igual entre os melhores.” Ele
argumentou: “A covardia numa raça, assim como num indivíduo, é um
pecado imperdoável.” Algum dia as circunstâncias podem ser diferentes,
disse ele, mas até que assim fosse, a guerra continuaria a ser necessária.
“Até agora nenhuma nação pôde manter seu lugar no mundo, ou pôde fazer
realmente valer qualquer esforço, a menos que estivesse pronta a defender
seus direitos com um braço armado.”
O discurso foi reproduzido integralmente em todos os jornais
americanos importantes, e o coro de aprovação da imprensa em todos os
Estados Unidos deixou claro que Roosevelt não estava falando somente em
seu nome. Ele vivia num mundo em que a guerra era considerada desejável
— e mesmo necessária.
Franz Conrad von Hötzendorf, chefe do Estado-maior das forças
armadas da Monarquia Dual, era outro líder a expressar frequentemente sua
opinião de que a guerra era “o princípio básico por trás de tudo o que
acontecia nesta Terra”.3 E também, conforme ele entendia, era a chave para
o sucesso pessoal. Ele mantinha um caso amoroso com uma mulher casada,
e nutria a crença de que, se pudesse voltar do campo de batalha como herói
de guerra, sua amante poderia ser convencida a deixar o marido rico.
A busca da “honra” era um tema recorrente naquele tempo. Na visão
pessoal de Conrad, a nobreza de um guerreiro conquista o amor das
mulheres e a aclamação dos homens. Nos conflitos de 1914, chefes de
Estado e de governo argumentariam que a honra do seu país os obrigava a
entrar na refrega; o presidente estadunidense Woodrow Wilson usou o
conceito em seu discurso ao Congresso em 1917, em que solicitou a
declaração de guerra contra a Alemanha. Alguns às vezes achavam —
Conrad era um deles, e seu imperador octogenário Francisco José, outro —
que deviam levar seu país à guerra em razão do seu código de honra,
mesmo que o mais provável fosse perder.
Essas opiniões — defendidas por soldados e aristocratas por um lado, e
por muitos artistas e intelectuais, por outro — não eram necessariamente
compartilhadas pelas massas, incluindo trabalhadores, agricultores e as
classes comerciais e médias amantes da paz. Mas o público não
desempenhava nenhum papel nas decisões de guerra e paz: decisões que ele
sequer sabia que estavam sendo tomadas a portas fechadas.
As poucas dúzias de líderes que de fato discutiam e decidiam esses
assuntos viviam num mundo próprio, um mundo em que guerras e soldados
eram glorificados.

________________
1 Taylor 1956: 121
2 Morris 1979: 569
3 Strachan 2001: 68
Capítulo 6

ALINHAMENTO DIPLOMÁTICO

Entre as grandes potências da Europa, a paz prevaleceu entre 1871 e


1914. Foi um período longo. Pode-se ao menos argumentar que não foi
apenas a habilidade dos políticos da Europa que tornou esta realização
possível, mas também o seu caráter e a sua perspectiva. Em grande parte,
eles eram uma espécie de família estendida: monarcas e aristocratas que a
Revolução Francesa não conseguiu varrer. Formados pela tolerância e pelos
valores do século XVIII, eles conservaram suas posições e seus sistemas ao
longo de todo o século XIX. Eram ligados por laços de educação, de cultura
e, em muitos casos, de sangue. A condução das relações exteriores era a sua
vocação compartilhada. Cosmopolitas e sem inclinações preconceituosas,
eles às vezes tendiam a pôr o bem-estar da Europa como um todo à frente
do seu próprio país. De fato, não era raro um diplomata estar a serviço de
um país estrangeiro: um alemão ou um córsico, por exemplo, servir como
ministro das Relações Exteriores da Rússia. Certa feita — muito tempo
antes, é verdade -um austríaco, o conde de Stainville, foi adido cultural de
Viena em Paris ao mesmo tempo que seu filho era adido de Paris em Viena.
Hans Morgenthau (1904-80), o grande teórico das relações
internacionais do século XX, descreve a maneira como as coisas se
passavam em termos que exsudam nostalgia:

Nos séculos XVII e XVIII, e em menor grau até a Primeira Guerra


Mundial, a moralidade internacional era uma preocupação pessoal do
soberano — isto é, de um certo príncipe individual e seus sucessores
— e do grupo relativamente pequeno, coeso e homogêneo de
governantes aristocratas.1 O príncipe e os governantes aristocratas de
uma nação particular estavam em contato íntimo constante com os
príncipes e governantes aristocratas das outras nações. Eram unidos
por laços de família, uma língua comum (o francês), valores culturais
comuns, estilo de vida comum, e convicções comuns sobre o que um
cavalheiro estava ou não autorizado a fazer em suas relações com
outros cavalheiros, tanto em sua casa como numa nação estrangeira.

Em outras palavras, eles jogavam o jogo da política mundial como se


ele tivesse regras. A perda dos valores aristocráticos e o enfraquecimento
dos laços foram o que tornou possível o comportamento de alguns políticos
em julho de 1914.
Na nossa era democrática, tendemos a esquecer a importância do papel
que continuou a ser desempenhado por reis e imperadores, e pela
aristocracia hereditária, há tão pouco tempo quanto um século, não apenas
por seus valores e códigos de conduta, mas por eles próprios. Isto nos foi
lembrado por um estudo que acaba de ser publicado, Royalty and
Diplomacy in Europe, 1890-1914 [Realeza e diplomacia na Europa,
18901914], de Roderick R. McLean. Amizades pessoais entre monarcas
podiam ajudar a aproximar países. O oposto também podia ser verdade.
Ambas as possibilidades puderam ser vistas em exercício no
relacionamento ambivalente entre os dois mais poderosos imperadores
continentais, Nicolau II da Rússia e Guilherme II da Alemanha. Cada um
deles podia exercer poderes quase absolutos em seu país em matéria de
guerra e de paz.
O tsar Nicolau II ascendeu ao trono russo no final de 1894 e foi coroado
no ano seguinte. Dócil e inexperiente, pouco antes ele havia sido descrito
como inadequado por seu pai: “Não passa de um menino, cujo julgamento é
infantil.”2
O kaiser Guilherme II empreendeu guiar seu jovem parente na selva da
política mundial. Havia quase uma década de diferença de idade entre
ambos. Além disso, Nicolau era hesitante e Guilherme era assertivo. O
jovem tsar era tão educado que o kaiser sempre achava que ele estava
concordando, mesmo quando não estava. Guilherme iniciou uma
correspondência secreta com ele que durou quase duas décadas. No
começo, Nicolau gostou.
Em 1896, os dois imperadores se encontraram para uma conferência em
Breslau, no que hoje é a Polônia. Acordos foram facilmente celebrados.
Mas o desejo de Guilherme de tutelar e dominar fez Nicolau se voltar
contra ele. A partir de então, o tsar passou a olhar para o kaiser com uma
antipatia que beirava a hostilidade. Nicolau decidiu que queria interromper
sua correspondência. Ignorando o desejo de Nicolau, Guilherme continuou
a lhe escrever por mais oito anos. Ocasionalmente, os dois líderes
promoviam encontros. Depois de um deles, em 1902, Nicolau comentou:
“Está louco desvairado!”3
De tempos em tempos, o kaiser realmente parecia exercer alguma
influência; ele pode ter desempenhado um papel convencendo o tsar a
envolver seu império na guerra contra o Japão (1904-05), guerra esta que se
mostrou desastrosa. O mais das vezes, contudo, Nicolau preferia não ver
nem ouvir falar do seu cansativo parente. E nisto ele não estava só.
A rainha Vitória, avó do kaiser, preveniu Nicolau contra o
procedimento “pernicioso e desonesto” de Guilherme.4 Ao seu primeiro-
ministro, Vitória descreveu Guilherme como um “jovem cabeça-quente,
presunçoso e obstinado”. Ela não convidou Guilherme para o seu jubileu de
diamante (1897) ou para a celebração do seu octogésimo aniversário
(1899). Na sua versão da história, Guilherme descreve a si próprio como o
neto favorito.
Apesar de todos os defeitos do imperador, ele era um parente
consanguíneo e como tal era tratado. Esta solidariedade entre primos foi um
sentimento que contribuiu para a paz e a estabilidade entre o tsar e o kaiser.
McLean nos diz: “Até pelo menos 1908, ambos os monarcas continuavam
convencidos de que um não ia empreender atos hostis contra o outro.”
Esses relacionamentos pessoais tiveram um papel na história de como a
Europa conseguiu não ter nenhuma guerra entre as grandes potências nos
anos inaugurais do século XX. Em última análise, todavia, os laços de
família não lograram fazer relaxar as tensões crescentes entre as potências.
Sem dúvida, seria preciso uma estadística de alto nível para guiar os países
da Europa por entre as questões explosivas com as quais eles tinham de
lidar. Era como andar em campo minado.

________________
1 Morgenthau 1978: 248
2 McLean 2001: 16
3 Ibid: 44
4 Ibid: 79
Parte Dois

ANDANDO EM CAMPOS MINADOS


Capítulo 7

A QUESTÃO ORIENTAL

Desde o começo do século XIX, os políticos da Europa — o punhado de


primeiros-ministros, secretários das Relações Exteriores e oficiais de
chancelaria que lidam com as arcanas questões da política externa —
estavam convencidos de que sabiam como o seu mundo ia acabar (embora
não soubessem quando). A guerra entre as grandes potências industriais
avançadas, acreditavam eles, seria provocada pela desintegração do Império
Otomano, pois os seus vastos e valorosos territórios excitavam os instintos
predatórios dos impérios expansionistas europeus. Houve um tempo,
séculos atrás, em que os turcos dominaram não apenas o Oriente Médio,
mas também grande parte da África do Norte e da Europa balcânica — em
toda a sua extensão até os portões de Viena. Então, contudo, as forças
atrasadas e desmoralizadas do sultão estavam, embora lentamente, em plena
retirada diante dos cristãos. A “Questão Oriental” — que potências
europeias tomariam para si, especificamente, a Europa do Sudeste — era
vista comumente como a controvérsia de longo prazo mais explosiva da
política internacional. “Um dia, a grande Guerra Europeia há de estourar
por causa de alguma maldita bobagem nos Bálcãs”, comentou-se ter
Bismarck dito no final da sua vida.
Temendo o cataclismo, com suas consequências incalculáveis, a Grã-
Bretanha tradicionalmente evitou enfrentar a questão, apoiando o decadente
império turco. Do lado oposto, a Áustria, com a adesão posterior da Rússia,
implementou políticas expansionistas às expensas do sultão, visando uma
eventual partilha dos domínios otomanos.
E como muito frequentemente acontece quando o mundo político centra
a sua atenção numa ameaça particular, a ameaça em questão não se
materializou; o perigo foi evitado. Ao longo do século XIX, um povo
cristão após outro se libertou dos grilhões do domínio otomano sem ser
absorvido por nenhuma grande potência. Ao cabo da primeira década do
século XIX, Romênia, Bulgária, Sérvia, Montenegro e Grécia tinham todos,
pelo menos de fato, se tornado países livres. Eram nações beligerantes, às
vezes rivais agressivos; e cada uma delas definiu seu próprio curso nos
assuntos mundiais. Cobiçavam os territórios que restavam aos turcos na
Europa. No começo do século XX, Constantinopla tinha mais a temer
desses Estados locais do que das grandes potências. As grandes potências
maiores — Grã-Bretanha, França, Alemanha e mesmo a Rússia —
preferiam então a manutenção da fronteira otomana. Em abril de 1897, a
Rússia e a Áustria-Hungria fizeram um acordo de manutenção do status quo
no que restava dos Bálcãs otomanos.
A este respeito, os chanceleres da Europa podiam dar um suspiro de
alívio. Durante um século, eles atravessaram um campo minado, e tinham
conseguido sair do outro lado não apenas vivos mas relativamente ilesos.
Capítulo 8

UM DESAFIO PARA O ARQUIDUQUE

Os Habsburgo foram uma dinastia dominante na Europa por tanto


tempo que se pode facilmente esquecer que o país que eles governavam em
1914 — a Áustria-Hungria ou a Monarquia Dual — era de origem muito
recente. Tão novo que o homem que o criou — o imperador Francisco José
— ainda estava vivo e o governava. Em 1914, a Áustria-Hungria tinha 47
anos; Francisco José, 84.
A Monarquia Dual era uma improvisação. Houve a necessidade urgente
de estabelecê-la na década de 1860, quando os alemães da Áustria, expulsos
do mundo que a Prússia consolidara, se viram apartados dos outros alemães
e incapazes de se organizarem sós. Uma aliança permanente com os
governantes magiares da Hungria foi a solução de Francisco José em 1867.
As disposições econômicas do acordo não eram permanentes; estavam
sujeitas a renovações, a cada dez anos.
Mas a Áustria e a Hungria tinham interesses e ambições que às vezes
eram antagônicos. O arquiduque Francisco Ferdinando, sobrinho e herdeiro
presumido de Francisco José, havia dedicado muita reflexão à questão de
como reconstituir as terras dos Habsburgo quando ascendesse ao trono. Um
plano a ele atribuído era a criação de uma monarquia tríplice, reunindo os
eslavos aos alemães e magiares como povos governantes do império,
possibilitando aos austro-alemães jogar os eslavos contra os magiares. Ele
parece ter descartado este cenário em favor de outros, todos destinados a
restaurar a grandeza austríaca.
Francisco Ferdinando deplorava as consequências da ligação do seu país
com a Hungria. Seus sentimentos a este respeito tanto eram conhecidos
como recíprocos. Não era desarrazoado predizer que, quando Francisco
José morresse e Francisco Ferdinando ascendesse ao trono com mudanças
constitucionais radicais em mente, distúrbios ocorreriam.
A Austria-Hungria era então uma estrutura periclitante, que só se
mantinha com dificuldade, conservando sua posição formal de uma das
grandes potências em parte por cortesia das outras. Assim, em retrospecto, a
Questão Oriental — o que fazer com as possessões europeias de um
império turco em derrocada — se justapôs à questão austríaca emergente: o
que fazer com a combalida Monarquia Dual? Havia quem afirmasse que,
depois do sultão da Turquia, o imperador Habsburgo seria o novo Doente da
Europa. No jogo mortal da política mundial, a Austria-Hungria continuava
a caçar, mas também estava sendo caçada. Invertera-se a Questão Oriental,
estava de ponta-cabeça. Os Habsburgo tinham cobiçado as terras
balcânicas; agora os povos balcânicos cobiçavam a terra dos Habsburgo.
Em termos de área, a Austria-Hungria era um dos maiores Estados da
Europa. Duas das suas talvez 11 nacionalidades, alemães e magiares,
exerciam a maior parte do poder político. Na Áustria, o terço alemão da
população tendia a dominar os dois terços que não o eram; na Hungria, os
40% que eram magiares governavam os 60% não magiares.
O nacionalismo varria a Europa desde a época da Revolução Francesa.
Havia inspirado uma literatura em que uma Áustria repressiva era marcada
como vilã. Assim, sinistra e irredutível, inimiga implacável das liberdades
humanas, a Áustria dos Habsburgo lança uma sombra escura sobre a Europa
em obras como A Cartuxa de Parma, de Stendhal. Alguns, e talvez a
maioria, dos movimentos nacionalistas ardentes mais importantes da
Europa — os dos tchecos, por exemplo, e um sem número de etnias nos
Bálcãs — visavam desmantelar o Império Habsburgo, ou pelo menos
descentralizá-lo.
Um dos pontos fracos da Áustria-Hungria era governar tantos povos
eslavos — membros do maior grupo étnico da Europa —, e a Rússia eslava,
temia-se, poder atrair a sua lealdade patrocinando o pan-eslavismo.
Os historiadores nos contam que o Exército austríaco era forte, ainda
que tivesse um registro surpreendente, recuando mais de um século, de
derrotas em batalhas e em guerras.
Os generais da Monarquia Dual sabiam que, sozinhos, não poderiam
lutar em igualdade de condições com a Rússia, com suas vastas extensões e
sua enorme população. Para ter uma chance, a Áustria-Hungria tinha de ter
a proteção da Alemanha.
Capítulo 9

ALEMANHA EXPLOSIVA

Ao entrar no século XX, a Alemanha ainda estava na sua infância.


Não obstante, de muitas maneiras a sua estrutura política já se tornara
obsoleta — ou talvez desde o começo o tenha sido. Nos seus trinta anos de
existência, a Alemanha tinha deixado de ser um país essencialmente
agrícola e dado um salto adiante, tornando-se a potência industrial e
comercial mais dinâmica do continente. Um dos resultados disso foi o país
encontrar-se, então, internamente dividido.
Conforme observou-se anteriormente, os interesses agrícolas ainda
reclamavam tarifas protetoras para sobreviver, ao passo que a indústria já
pressionava em prol do livre comércio de que precisava para prosperar. Esta
era apenas uma das contradições que tornava o Reich do kaiser Guilherme
II tão difícil de compreender — e de governar. Na vanguarda do mundo
moderno em alguns aspectos, a Alemanha era politicamente obsoleta, e
portanto incapaz de reconciliar as diversas tendências engendradas pela
modernidade.
Segundo Volker R. Berghahn, “o traço notável da política interna alemã
antes de 1914 era [...] um quase total impasse”.1 Ele cita Gustav Schmidt
para explicar: “A noção de vários grupos bloqueando um o outro e
consequentemente bloqueando a saída do impasse oferece ‘uma chave para
a compreensão da política alemã nos últimos anos antes da guerra’. Sob o
fascínio de Nietzsche, alguns acreditavam que a solução era dinamitar a
sociedade. Não era fácil identificar uma alternativa que não envolvesse
violência.
Até o século XIX, os povos germânicos da Europa foram fragmentados.
No antigo Santo Império Romano, viviam em centenas de principados,
cidades e outras quase soberanias. Napoleão os reestruturou. Os Aliados
que derrotaram Napoleão também tentaram. No final, a unificação veio de
dentro do mundo germanófono.
O país que hoje conhecemos por Alemanha deriva do Império Alemão,
que foi criado por meio de uma série de guerras que culminaram em 1870-
1871 pela ação da Prússia militarista protestante, liderada por Otto von
Bismarck. A Alemanha recém-unificada por ele incluía menos da metade
dos povos germânicos da Europa. Consistia no reino da Prússia, três outros
reinos, 18 ducados e três cidades livres. Mas Bismarck excluiu
deliberadamente a Áustria, que havia encabeçado os Estados germânicos da
Europa. É claro, ele o fez para garantir a própria liderança da Prússia na
Europa alemã. Isto também teve o efeito de garantir uma maioria
protestante na federação alemã. Um chanceler posterior da Alemanha, o
príncipe Bernhard von Bülow, fez lembrar a seus representantes
governamentais no estrangeiro em 1906 que, se os austríacos falantes de
alemão fossem incorporados à Alemanha: “Nós teríamos de acolher um
aumento de 15 milhões de católicos, o que tornaria os protestantes
minoritários [...] o equilíbrio de forças entre protestantes e católicos ficaria
semelhante àquele que, na época, levou à Guerra dos Trinta Anos, i.e., à
virtual dissolução do Império Alemão.”2 Com a Alemanha, Bismarck
preferiu pôr na cena política um país menor, que ele e seus companheiros
prussianos pudessem controlar, em vez de um maior, que não pudessem, e
esta continuou sendo a preferência de Berlim.
Contudo, passou-se a acreditar na Alemanha que, em caso de guerra, a
Áustria seria indispensável como aliada, mesmo sendo mais fraca. A
continuação da existência do Império Habsburgo era vista em Berlim como
um interesse vital da Alemanha, com certeza, talvez o mais na política
internacional.
De cultura não democrática e militarista, a Prússia era controlada por
seu Exército e a classe grandemente empobrecida dos junkers proprietários
de terras que comandavam a sua oficialidade. Por sua vez, ela exercia um
controle considerável, e em tempo de guerra quase total, sobre o restante da
Alemanha. Por meio da sua rápida industrialização, a Alemanha se alçou à
posição de líder econômico do continente, mas ao fazê-lo transformou
necessariamente grande parte da sua população em proletariado industrial.
Ora, trabalhadores não poderiam ser admitidos na oficialidade do Exército
sem diluir o caráter aristocrático prussiano da corporação — e o regime que
ela apoiava. Assim, apesar de abrigar ambições de dominar a Europa e
quiçá o mundo, a Alemanha deliberadamente escolheu não aumentar o
tamanho do seu Exército, ao ponto que teria sido exigido para realizar seus
sonhos expansionistas.
O almirante Alfred Tirpitz explicou em 1896 que as forças armadas
existiam em última análise “para reprimir revoltas internas”.3 A revolução
industrial que estava transformando a Alemanha no maior país do
continente engendrava ao mesmo tempo forças que ameaçavam o regime.
Eis apenas uma das muitas contradições da política alemã.
O sistema educacional nacional era uma força motriz do crescimento
industrial do país. Eis aqui mais uma contradição. O público geral mais bem
educado da Europa não iria tolerar indefinidamente uma estrutura
governamental arcaica ou a liderança de um grupo exclusivamente
reduzido.
Muito depois da Grande Guerra, observadores estrangeiros
compreensivos argumentariam que a grandeza crescente da Alemanha
poderia ter sido acomodada pacificamente pelas outras potências: que elas
deveriam ter apaziguado Berlim. Assim colocada, a responsabilidade pela
eclosão da guerra recai sobre os ombros dos principais países — Grã-
Bretanha, França, Rússia e Estados Unidos —, que afinal estavam no
caminho da ascensão alemã ao poder mundial. Eles não teriam dado à
Alemanha, segue o argumento, nenhuma maneira de afirmar-se além da
guerra. Como diz o historiador francês Elie Halévy compreensivelmente
nos anos 1930: “Mas suponha que se considere, hoje em dia, que uma nação
tenha acumulado imensa força militar e econômica às expensas de uma ou
muitas outras [...] para tal perturbação do equilíbrio, o homem ainda não
encontrou nenhum método de ajuste pacífico [...] ele só pode ser retificado
por uma irrupção de violência — uma guerra.”4
Mais uma vez, contudo, chega-se a uma contradição. Conforme será
mostrado em seguida, o kaiser e outros líderes alemães acreditavam em
1912e 1913 que seu país estava ficando mais fraco, e não mais forte,
relativamente às outras potências. Ver-se-á que o chefe do Estado-maior
achava que a Alemanha devia começar a guerra tão logo fosse possível,
precisamente porque as chances de ganhar seriam menores a cada ano. Em
outras palavras, a guerra não era necessária para acomodar a força alemã,
mas para acomodar a sua fraqueza.
Durante um tempo, a corrida armamentista parecia oferecer uma saída.
No processo de alcançar a Grã-Bretanha como principal economia da
Europa, a Alemanha teve de ser capaz de superar o orçamento militar das
suas rivais. Porém, a estrutura constitucional arcaica e a consequente
inexistência de um sistema progressivo de impostos impediram a Alemanha
de traduzir o crescimento da economia em aumento da arrecadação do
governo. No começo do século XX, a Alemanha tinha chegado ao seu
limite, gastando tudo o que podia, e mais do que devia, nas forças armadas.
Em seu respeitado estudo da Alemanha pré-Primeira Guerra Mundial,
Berghahn escreve: “A política armamentista alemã foi quase
exclusivamente responsável pela delicada situação financeira do Reich. Ao
longo dos anos, um volume constante em torno de 90% do orçamento do
Reich foi gasto no Exército e na Marinha” (grifo meu).5
Um líder como Franklin D. Roosevelt poderia ter aberto os olhos dos
alemães para uma visão mais ampla, unindo o povo com genuíno carisma.
O kaiser alemão Guilherme II parece ter aspirado tal papel. Ele usava
uniformes brilhantes e montava nobres cavalos de batalha, e, às vezes, fazia
pronunciamentos dramáticos. Mas não funcionou: ele não tinha aptidão
para a função.
Ao longo dos muitos anos do seu reinado, seu apoio diminuiu entre os
alemães, despencando durante os vários escândalos públicos sobre os quais
mais será dito posteriormente. É curioso que no estrangeiro ele fosse
considerado como a encarnação da tradição militar prussiana junker, sendo
a sua popularidade tão baixa entre os junkers militares prussianos.
O kaiser Guilherme II era meio inglês; sua mãe era filha da rainha
Vitória. Ele apresentava atitudes estranhas em relação à Inglaterra — um
caleidoscópio de amor, ódio, admiração e desejo de ser aceito pelo menos
como igual —, e essas contradições são explicadas por muitos biógrafos
com base nos seus sentimentos tanto pela mãe quanto pela avó.
Ao nascer, descobriu-se que ele estava mal posicionado no corpo da
mãe. Os médicos que assistiram o parto não eram plenamente qualificados
para o problema: na época, menos de 2% dos bebês mal posicionados
nasciam vivos. Guilherme — mal — sobreviveu, mas com sequelas
permanentes.
Parece provável que Guilherme II fosse emocionalmente desequilibrado
por causa das várias sequelas sofridas no nascimento. Resta aberto e
controverso saber se sofreu ou não dano cerebral. Seu braço esquerdo ficou
permanente paralisado, e a reação dos outros ao membro atrofiado pode tê-
lo afetado de uma maneira ou de outra. John Röhl, principal pesquisador da
sua vida e da sua época, concluiu, com base em consideráveis indícios
médicos, que Guilherme fora privado de oxigênio durante o parto e sofreu a
vida inteira das consequências: distúrbios de personalidade como falta de
objetividade e sensibilidade excessiva.6 Na opinião de Röhl, o problema foi
agravado pelo rigores da sua infância, inclusive o tratamento do pescoço
torto por métodos como o uso de um “aparelho de tração da cabeça”, e o
tratamento do braço por introdução no corpo de um coelho recém-
sacrificado.7 Sua paixão por uniformes militares, sua devoção à caça e sua
identificação com Aquiles sugerem que ansiava por uma glória marcial que
jamais conseguiu alcançar.
Em 1888, Guilherme ascendeu ao trono como rei da Prússia e
imperador alemão. Em 1913, aos 54 anos de idade, ele havia reinado por
um quarto de século. Durante este tempo, ele presidira os assuntos de
Estado num sem número de crises internacionais que ameaçaram provocar
uma guerra europeia, e em todas elas a guerra tinha sido evitada com o
próprio Guilherme cedendo afinal, em cada caso, ao lado da paz. A decisão
era dele. A constituição da federação alemã lhe dava o poder de declarar
guerra. Ele brincava amiúde com a ideia de fazê-lo.
Ele era uma influência perturbadora. Era nervoso, irritável e
inconstante. Apanhado na excitação do momento, ele ameaçava e assumia
posturas, agia como um senhor da guerra pronto a liderar a nação na
batalha; depois, recuava e retirava tudo. Funcionários militares e civis que
trabalharam com ele aprenderam a nunca confiar nas decisões que ele
anunciava extemporaneamente; houvera muitos alarmes falsos.
Os relatos que nos foram deixados por pessoas a ele associadas mostram
uma figura indisciplinada e inconstante, algo infantil, emocionalmente
tensa, sempre à beira de um colapso, francamente ignorante mas que não
hesitava em fazer pronunciamentos impróprios sobre não importa que
assunto sobre o qual nada soubesse. Egoísta e propenso à megalomania, ele
falava frequentemente, e até agia, como se fosse um governante absoluto.
Isto era particularmente verdadeiro no campo das relações exteriores. Em
certa ocasião, ele se vangloriou ao príncipe de Gales: “Sou o único mestre e
senhor da política alemã e meu país tem de me seguir onde quer que eu
vá.”8 Se não fosse tão caprichoso e imprevisível, e não tivesse voltado atrás
tantas vezes, ele poderia ter exercido mais influência política. Sendo as
coisas o que eram, os ministros aprenderam a quase nunca considerar o que
o kaiser lhes dizia e, como se faz com uma criança, “a saber levá-lo”. E isto
nem era tão difícil, haja vista ele raramente estar presente; a maior parte do
tempo ele estava fora, caçando ou velejando. Nos anos normais, só
permanecia na residência em Berlim de janeiro a maio.
Até Guilherme II tornar-se kaiser, a política alemã era amplamente
definida pelo chanceler, Otto von Bismarck. Guilherme, um monarca
inexperiente, não ficou à vontade com o veterano ancião e suas políticas.
Ele discordava de Bismarck em assuntos como a maneira de lidar com o
esforço industrial: Guilherme tomava então o partido dos trabalhadores em
greve, Bismarck se alinhava com os proprietários das fábricas. Em 1890,
Guilherme afirmou sua autoridade demitindo o Chanceler de Ferro.
Em 1890, depois de Bismarck ter sido demitido, os novos ministros do
kaiser deixaram o Tratado de Resseguro, criação de Bismarck, caducar. O
tratado fora um elemento essencial da política alemã, pois ratificava a
amizade com a Rússia depois de já ter ratificado a amizade com a Áustria-
Hungria. Na visão de Bismarck, ele vinculava os três impérios, assim
mantendo a rivalidade entre a Rússia e a Áustria nos Bálcãs sob controle. A
Alemanha jogaria todo o seu peso sobre qualquer dos dois aliados que
ameaçasse perturbar o delicado equilíbrio existente entre eles.
Berlim manteria ambos os aliados, garantindo a segurança da Alemanha
na sua frente oriental. Os tratados eram secretos: a Rússia não sabia do
tratado com a Áustria; a Áustria não sabia do tratado com a Rússia.
Durante um século, os historiadores culparam o kaiser por deixar que o
Tratado de Resseguro caducasse. Os estudiosos agora mostraram que a
responsabilidade não foi inteiramente dele. Em 21 de março de 1890,
Guilherme garantiu ao embaixador russo que planejava renovar o tratado.
Em 27 de março, explicando que seus conselheiros políticos eram
contrários à renovação, ele disse: “Então não pode ser feito.9 Sinto
muitíssimo.” Este comportamento era típico; ao mesmo tempo que afirmava
ser monarca absoluto, permitia-se ser desconsiderado.
De Bismarck, o poder passou, dentro do governo alemão, para aqueles
que olhavam para o leste: que talvez sonhassem em expandir território,
influência ou mercados através dos Bálcãs e quiçá da Rússia na direção do
Oriente Médio e daí para a China.
Por trás dessa perspectiva política jazia a sombria visão histórica de um
choque fatídico entre os povos teutônicos, por um lado, e por outro os
povos do Leste, eslavos e orientais, na qual estes, se derrotados, haveriam
de tornar-se servos ou escravos. Tratava-se da contrapartida das ambições
pan-eslavas que animavam alguns formuladores de políticas em São
Petersburgo.
Uma questão ainda debatida é se Guilherme II teve ou não um papel
importante na formulação de políticas. Uma área em que sua avaliação teve
de fato uma influência consideravelmente determinante foi a mudança de
ênfase na grande estratégia ao final de década de 1890: o novo foco da
Alemanha em política naval.
A grande figura com quem esta estratégia era associada era o secretário
de Estado do Gabinete Naval, o recém-nobilitado almirante Alfred von
Tirpitz. Num certo sentido, Tirpitz representava as classes médias
ascendentes. Seu plano pareceu resolver vários problemas de uma só vez.
Ele reclamou a criação de uma grande frota de guerra. A sua construção
geraria níveis de emprego e de prosperidade, e seduziria, por assim dizer,
um setor da classe trabalhadora até então socialista.
Este programa naval consumia cada vez mais dinheiro, e só foi possível
devido à ordem de prioridades peculiar do Ministério do Exército. Segundo
Berghahn: “A partir de meados dos anos 1890, as despesas navais
aumentaram enormemente, enquanto, ao mesmo tempo, a expansão do
Exército chegou a uma virtual paralisação [...] Seguiram-se duas décadas de
estagnação.”10 Havia fundos disponíveis para expandir a Marinha porque o
Exército escolheu não se expandir; “foi a própria liderança do Exército
quem convocou a suspensão da expansão.” Os generais agiram assim para
evitar a abertura das fileiras da oficialidade ao que viam como elementos
não confiáveis: elementos sem passado prussiano junker.
Como escreve Berghahn, uma das funções da oficialidade era “garantir
a fidelidade absoluta à ordem existente e ao comandante militar supremo, o
monarca”. Em vez de ampliar-se, para melhor combater os inimigos
estrangeiros, o Ministério da Guerra escolheu permanecer nos níveis de
força então existentes a fim de combater os inimigos internos.
Esperava-se da expansão naval lançada por Tirpitz que capacitasse a
Alemanha para competir com as outras potências por colônias. Ela
permitiria à Alemanha estender seu alcance a qualquer lugar do mundo e
não somente ao interior e cercanias da Europa. A Alemanha passaria a fazer
parte da política mundial, e não apenas da continental. Por sua própria
natureza, o programa lançava um desafio à Grã-Bretanha, contra quem, na
realidade, era voltado. Ao construir uma grande Marinha, tentar tomar
posse de um império colonial e buscar desempenhar um papel no cenário
global, a Alemanha estava empreendendo ou bem rivalizar com a Inglaterra
ou tomar o seu lugar.
Em retrospecto, foi uma política autofágica. A Alemanha, juntamente
com seu aliado austríaco, está situada no centro da Europa. Tem vizinhos de
todos os lados. Geograficamente, está cercada. Seu pesadelo sempre foi ver-
se cercada por uma combinação de potências hostis. Pois foi a própria
Alemanha guilhermina quem traduziu este pesadelo em realidade, com sua
política externa agressiva e suas imprudentes decisões de aliança.
A oeste estava a França, inamistosa pela perda da Alsácia e parte da
Lorena para a Alemanha na guerra de 1870-1871. Bismarck, na sua época,
distraía os franceses apoiando suas pretensões imperiais; sob Guilherme II,
a Alemanha passou a aprofundar o fosso, opondo-se ao imperialismo
francês, notadamente durante as crises marroquinas de 1906 e 1911.
A leste estava a Rússia, que Berlim deliberadamente hostilizou,
deixando caducar o Tratado de Resseguro. A Alemanha fez a escolha
fatídica de apoiar a Áustria contra a Rússia. Assim, tinha inimigos de
ambos os lados, leste e oeste, evocando precisamente a guerra de duas
frentes que assombrava os seus generais.
Ao sul, a Itália tinha reivindicações territoriais contra a Áustria, o que
tornava provável que a aliança de Roma fosse com o outro lado. A aliança
germano-austríaca também poderia ter de lutar na frente sul.
Então, no começo dos anos 1900, o programa Tirpitz hostilizava
também a Grã-Bretanha. Inglaterra, França e Rússia, que de muitas
maneiras eram inimigas naturais uma da outra, e que estiveram em conflito
por mais de um século como rivais imperiais na Ásia e em toda parte,
ficaram sem escolha, exceto se agruparem. Portanto, o cerco hostil que a
Alemanha tanto temia foi enredado pela própria Alemanha. Mas o kaiser e
seu grupo, incluindo os líderes militares do país, preferiram acusar os
outros.
Até onde se mantinha constante no apoio a políticas, o kaiser apoiou
Tirpitz e sua política naval. Isto levou o monarca a um alinhamento com um
segmento amplo da classe média, a qual favorecia a expansão do comércio,
a criação de uma frota para sustentar o ímpeto comercial e o
reconhecimento pelas potências estrangeiras da grandeza crescente da
Alemanha. Era uma política que incitava o medo dos vizinhos. Por outro
lado, não levava a Alemanha a sentir-se mais segura.
Dada a relativa coerência com que estimulou o navalismo, poder-se-ia
condenar o kaiser como responsável pela guerra de 1914, tivesse ela
resultado do desafio naval que ele lançou contra a Grã-Bretanha. Mas não
foi isto o que aconteceu. A Alemanha abandonou a corrida armamentista
naval vários anos antes de a guerra começar; o navalismo perdeu então sua
relevância na estratégia mundial alemã.
Foi um grupo militar rival, o Exército liderado pelos prussianos, que
finalmente levou a Alemanha pelo caminho escolhido em 1914. Para ser
visto com clareza, o militarismo alemão daquele período não deve ser
compreendido como um fenômeno único com dois aspectos, mas como dois
programas rivais: o da Marinha e o do Exército. Paradoxalmente — palavra
que, assim como “singularmente”, é preciso usar frequentemente ao falar
sobre a Alemanha guilhermina —, Tirpitz e Guilherme, soubessem ou não,
lideravam o partido da paz. Isto porque, no grande plano de Tirpitz, a
Marinha levaria anos para ficar pronta para qualquer possível confrontação
com a Inglaterra. E a Marinha não queria lutar até estar pronta. Assim,
Tirpitz era a favor da paz no presente e da guerra tão mais tarde que pouca
relevância tinha para a política do seu tempo. Para a Marinha, o inimigo era
a Inglaterra; para o Exército, era a Rússia.
O Exército não tinha nenhum entusiasmo pelo kaiser. O apoio de
Guilherme à Marinha ameaçava o controle junker do império alemão; entre
outras coisas, abria vias de ascensão para elementos novos das classes
médias e profissionais. Além disso, sua tendência a retroceder diante de
confrontações internacionais sempre que parecia haver risco real de guerra
era vista como covardia pelo Exército.
O abatimento provocado pelas impropriedades do kaiser se desdobrou
num pessimismo mais amplo, visão de mundo característica da Alemanha
pré-1914 e que afetou as lideranças mais jovens, como Moltke. Esse
abatimento difuso era devido, nos diz Fritz Fischer, à devoção aos ideais do
mundo pré-capitalista e seus valores, que desapareciam e jamais poderiam
ser restaurados.11
Nenhuma descrição da Alemanha há um século seria completa sem
mencionar sua precedência acadêmica e cultural. A “Alemanha de
Einstein”, como a chamava Fritz Stern, estava pronta para liderar o mundo
em termos de erudição e ciência. Produzia uma grande literatura e uma
grande música. Os que esperavam fazer uma carreira séria em estudos
clássicos, filosofia, sociologia ou ciências naturais eram aconselhados a
entrar nas universidades alemãs. Os alemães eram, possivelmente, o povo
mais realizado do mundo.
País avançado dentro de uma estrutura governamental atrasada, de um
humanismo amplo ainda que estreitamente militarista, a Alemanha era uma
terra de paradoxos. Observadores de fora a viam como um país promissor, a
terra do futuro, ao passo que seus próprios líderes acreditavam que sua hora
estava passando. Era um país deslumbrantemente bem-sucedido, mas
profundamente perturbado, poderoso mas medroso ao ponto da paranoia.
Simbolizava-o bem o seu governante, que era tanto física quanto
emocionalmente desequilibrado. Situada no coração da Europa, a Alemanha
estava no coração dos problemas europeus.
Retrospectivamente, parece estranho que observadores — os
observadores que foram surpreendidos pela eclosão da guerra de 1914 —
não tivessem visto que muitos líderes alemães estavam ávidos por uma
guerra, e que mais cedo ou mais tarde — se pudessem convencer o kaiser
— eles conseguiriam. Um americano, Edward House, o viu, mas muitos
europeus não.*
Se acreditarmos em House, tudo apontava para uma guerra em que a
Europa seria tragada pelas chamas. A dificuldade seria prever quando e
onde seria dado o primeiro passo. Retrospectivamente, pode-se argumentar
com segurança a proposição de que ele foi dado na Turquia otomana em
1908.

________________
* Para House, ver p. 122.
1 Berghan 1993: 172
2 Joll 1992: 56
3 Berghan 1993: 28
4 Halévy 1930: 6
5 Berghan 1993: 88
6 Clark 2000: 19
7 Ibid: 20
8 Ibid: 123
9 Ibid: 125
10 Berghan 1993: 16
11 Fisher 1975: 28
Parte Três

À DERIVA PARA A GUERRA


Capítulo 10

MACEDÔNIA – FORA DE CONTROLE

O problema mais difícil, complicado e longevo enfrentado pelo [...]


[sultão turco]
foi a Questão Macedônia [...] Do Congresso de Berlim até a Primeira
Guerra Mundial,
a discussão ocupou os políticos otomanos e europeus igualmente,
mais do que qualquer outro problema diplomático isoladamente

Shaw e Shaw
History of the Ottoman Empire and Modern Turkey1
[História do Império Otomano e da Turquia moderna]

Parece muito que a deriva para a guerra começou, até onde qualquer
movimento da história tem um começo, na velha cidade imperial de
Constantinopla: a Bizâncio de ontem e Istambul de hoje. Dominando os
estreitos que separam a Europa da Ásia, a cidade ocupa um lugar que esteve
no centro da política mundial desde que os lendários, e talvez fabulosos,
Agamenon, Ulisses e Aquiles embarcaram para a vizinha Troia. Por mais de
mil anos após o século IV d.C., Constantinopla serviu como capital do
Império Romano do Oriente. Depois, por quinhentos anos ela foi capital do
Império Otomano (ou Turco). Sobreviveu a duas civilizações e, no começo
dos anos 1900, parecia pronta a sobreviver à terceira.
Entretanto, ela vivia um momento baixo do seu fado. Extinguira-se a
sua glória, bem como a sua beleza. Ela não acompanhara os tempos. A
maioria das suas ruas continuava sem pavimentação; os sapatos e botas dos
seus milhões de habitantes continuavam sujos de lama quando chovia, e de
poeira quando não. A eletricidade ainda não tinha sido introduzida. A
cidade era conhecida por seus fortes ventos, soprando às vezes de uma
direção, às vezes, de outra. Que os ventos da mudança haveriam de acabar
levando aquele império, eis uma visão comumente expressa, mas prever de
onde iria soprar seria um pouco menos fácil.
Foi na Macedônia, um território turco igualmente ambicionado pela
Grécia, a Sérvia e a Bulgária, no centro dos turbulentos Bálcãs, que as
forças diruptivas foram liberadas. A Macedônia era um país fronteiriço,
sem leis e fora de controle; ela resistia aos esforços para policiá-lo. O país
era presa de banditismo, guerrilha, disputas de sangue, terrorismo,
assassinatos, massacres, retaliações, rebeliões e quase todas as formas de
violência e derramamento de sangue conhecidas da humanidade. O Terceiro
Exército Otomano, encarregado da responsabilidade de pacificá-lo, era
infiltrado por membros de uma das muitas sociedades secretas subversivas
turcas: o Comitê de União e Progresso (C.U.P.), conhecida como o
movimento dos Jovens Turcos. Os Jovens Turcos defendiam a
modernização. Seu objetivo era reformar o império para impedir que a
Europa continuasse tomando territórios otomanos.
Também na Bulgária, que via a Macedônia como a sua metade
meridional, a luta foi uma experiência que engendrou sociedades militares
ultranacionalistas clandestinas e mortíferas. Muito mais tarde — nos anos
1920 e 1930 — elas se aliariam com o fascismo italiano e deixariam uma
trilha de sangue na história dos Bálcãs.
A Macedônia desempenhou quase o mesmo papel para a Sérvia, outra
província a reivindicá-la. Oficiais e voluntários sérvios passaram pela
mesma experiência de guerrilha e guerra suja. Também na Sérvia, um dos
resultados da comoção foi a criação de sociedades secretas por oficiais
ultranacionalistas. Como veremos mais tarde, um desses grupos sérvios, o
Mão Negra, foi frequentemente acusado de ter começado a Primeira Guerra
Mundial. A Macedônia foi a escola que formou os ultranacionalistas
sérvios. Oriundos de um passado incendiário, eles tiveram um papel direto
no incêndio do seu próprio mundo. Como os búlgaros, os sérvios
começaram a praticar assassinatos para alcançar seus fins e, como os
búlgaros, voltaram-se contra o seu próprio governo e seus próprios
políticos. As sociedades secretas militares turcas, búlgaras e sérvias se
pareciam umas com as outras, exceto pelo fato de cada uma delas querer a
Macedônia para si. E os Jovens Turcos foram os primeiros a sair da
clandestinidade para realizar seus objetivos.
Os Jovens Turcos foram incitados à ação pela notícia, em junho de
1908, da proposta russa e inglesa de restaurar a ordem na Macedônia com o
envio de tropas europeias que serviriam como força de polícia. Se
implementada, o que, pelo menos retrospectivamente, parece ser altamente
improvável, a proposta teria significado que a Turquia podia perder mais
uma província.
Saindo brevemente da clandestinidade, os Jovens Turcos entraram em
contato com as potências europeias para protestar contra a proposta. Em
meio a uma grande confusão, o sultão enviou homens para prender vários
líderes do C.U.P., mas os Jovens Turcos fugiram para evitar a prisão e dar
início a uma rebelião. Em resposta à desordem crescente, o sultão decretou,
em 24 de julho de 1908, a restauração da Constituição, o que vinha a ser a
principal reivindicação dos Jovens Turcos. No ano seguinte, o sultão
abdicou em favor do seu irmão.
Uma nova fase fora aberta na política otomana. Não estava claro quem
ia liderar ou em que direção iriam os líderes. Não até que 1913 visse os
Jovens Turcos seguramente instalados no controle do Império Otomano.
Mas os europeus estavam informados de que mudanças podiam finalmente
estar no ar.
Para Alois Lexa von Aehrenthal, ministro das Relações Exteriores da
Austria-Hungria, parecia possível que a rebelião dos Jovens Turcos pudesse
representar uma genuína revolução nos assuntos otomanos. A rebelião
podia significar que a reforma e a modernização que os Jovens Turcos
defendiam podiam de fato ser tentadas — e podiam colocar em perigo os
interesses dos Habsburgo nos Bálcãs.
Visto desse modo, o sinal fora dado. Agora, podia-se argumentar,
chegou a hora de agir — ou nunca. O tempo estava passando. Ou os Jovens
Turcos fortaleceriam o seu império e dariam um basta a mais anexações por
potências europeias, ou então o Estado otomano ia continuar a desintegrar-
se. A ascensão ao poder do movimento dos Jovens Turcos parecia traduzir
uma mensagem para Viena: responder, golpear imediatamente, enquanto a
Turquia ainda continuava fraca e antes que outra potência europeia viesse a
fazê-lo.

________________
1 Shaw e Shaw 1997 II: 207-208
Capítulo 11

ÁUSTRIA – PRIMEIRA A DAR PARTIDA

Em 1908, a Monarquia Dual da Áustria-Hungria administrava as


províncias balcânicas duais da Bósnia-Herzegóvina, cujo governante
nominal continuava a ser o sultão otomano. A Turquia experimentara, nos
anos 1870, o processo de perder as províncias para uma rebelião nativa e,
depois, numa guerra contra a Rússia, quando as outras grandes potências da
Europa invadiram para acertar as coisas e preservar o equilíbrio de poder
entre elas.
No Congresso de Berlim, em 1878, as potências tinham dividido a
propriedade das províncias em duas: o título legal permanecia com a
Turquia, mas o direito real de ocupação foi garantido — provisoriamente —
à Monarquia Dual. Esse arranjo não acertou de fato as coisas. O Império
Habsburgo foi obrigado a enviar um exército de entre 200 e 300 mil
homens para abrandar e subjugar os combatentes locais pela independência.
As províncias eram ambicionadas por muitos; cada um dos sócios que
compunham a Monarquia Dual, a Áustria-Hungria, certamente as queria
para si, de modo que a decisão teve de ser adiada indefinidamente, a fim de
preservar o equilíbrio de poder interno da Monarquia Dual.
A decisão de quem finalmente substituiria o sultão otomano como
governante legal também teve de ser adiada, para preservar o equilíbrio de
poder ainda mais frágil entre os Estados da Europa. Neste ínterim, os
habitantes amplamente eslávicos das províncias acalentavam ambições
próprias de independência nacional, ao passo que seus companheiros
eslavos na vizinha Sérvia, do outro lado do rio, sonhavam anexá-los.
O barão von Aehrenthal, ministro das Relações Exteriores da
Monarquia Dual (1906-1912), foi elevado da dignidade de conde à de barão
em 1909, decantado em sua reputação como o secretário das Relações
Exteriores mais altamente estimado do seu tempo. No Ministério das
Relações Exteriores, ele se fez cercar por uma equipe de jovens assessores
aristocráticos que se tornaram seus discípulos. Seus admiradores
consideravam-no inteligente; seus detratores, demasiado inteligente.
Aehrenthal via na rebelião dos Jovens Turcos uma oportunidade para
alcançar uma esplêndida proeza na rivalidade permanente entre as grandes
potências imperiais. Pouco importa se tomar as províncias balcânicas fosse
a primeira — ou a última — chance de desmembrar o Império Otomano;
em ambos os casos, a Áustria-Hungria ia sair na frente das outras potências,
atacando primeiro. O momento era propício: a Rússia, antes a principal
rival da Áustria nos Bálcãs, estava tão enfraquecida por ter perdido a guerra
contra o Japão (1904-1905) e pela revolução de 1905, que estava
praticamente hors de combat.
Em 6 de outubro de 1908, a Monarquia Dual anunciou a sua anexação
da Bósnia-Herzegóvina. Para desviar a atenção da proclamação, Aehrenthal
encorajara a Bulgária, que até então permanecera nominalmente sob
soberania turca, a proclamar sua independência legal no dia anterior. Além
de jogar poeira nos olhos dos ministros das Relações Exteriores da Europa,
ele também propôs retirar as tropas Habsburgo, que considerava inúteis, do
distrito turco vizinho de Novibazar. Aehrenthal, que manteve seu próprio
monarca, Francisco José, no escuro quanto a estas manobras, mentiu
repetidamente aos outros governantes europeus sobre o que fazia e o que
estava estimulando a Bulgária a fazer. Trata-se de um exemplo da erosão do
código de conduta aristocrático que antes tinha caracterizado os líderes
europeus.
A reação mais violenta veio da pequena mas vigorosa monarquia
balcânica da Sérvia, defensora dos direitos dos eslavos do sul. A Sérvia há
muito encarava a Bósnia-Herzegóvina como área estratégica sua. Muitos
elementos do governo, entre os militares, e da população pensaram
imediatamente em mobilização contra a Áustria ou em entrar em guerra de
uma vez. A Narodna Odbrana, uma organização paramilitar nacionalista
sérvia, se projetou como a campeã da causa sérvia.
Até o kaiser ficou apreensivo, chamando a anexação de “temerosa
estupidez” e lamentando: “Minha política turca, tão cuidadosamente
construída ao longo de vinte anos, foi jogada fora.”1 Ele soube da iniciativa
austríaca pelos jornais e comentou dizendo-se “profundamente ofendido em
meus sentimentos de aliado” pelo segredo de Aehrenthal;2 ao que o
chanceler alemão respondeu: “Nosso problema pode ser definido da
seguinte maneira: não podemos arriscar a perda da Áustria — com seus 50
milhões de habitantes, seu Exército forte e eficiente, mas menos ainda
podemos nos deixar arrastar por ela para dentro de um conflito armado que
[...] pode levar a uma guerra generalizada, em que certamente não temos
nada a ganhar.”3
Alexander Izvolsky, o secretário das Relações Exteriores da Rússia, que
era o principal rival da Áustria na região, inicialmente não fez objeções à
tomada pela Áustria. Ele acreditava que Aehrenthal tinha lhe prometido que
o Império Habsburgo ia ajudar a garantir uma compensação para o tsar: a
Rússia teria passagem livre por Constantinopla e pelos estreitos. É verdade,
Izvolsky acreditou ter uma promessa definitiva de Aehrenthal a este
respeito e sentiu-se enganado quando não foi cumprida. Mas uma nota dura
em linguagem nada diplomática de Berlim dissuadiu o tsar de patrocinar a
causa sérvia. O ativo ministro das Relações Exteriores alemão, o agressivo
Alfred von Kiderlen-Wächter, usou, em nome de Bülow, uma linguagem
ameaçadora — de ultimato — ao comunicar-se com Izvolsky: “Esperamos
uma resposta definitiva: sim ou não; qualquer resposta evasiva, intricada ou
vaga terá de ser encarada por nós como recusa.” A Rússia, recuperando-se
da derrota e da revolução de 1905, tinha pouca escolha além de submeter-
se. Foi muito humilhante para Izvolsky, pois outras figuras importantes em
seu governo que não compartilhavam seus objetivos nos estreitos ficaram
surpresas por ele ter deixado Aehrenthal sair ileso da tomada da Bósnia.
A anexação pela Áustria da Bósnia-Herzegóvina perturbou o frágil
equilíbrio de poder nos Bálcãs. Izvolsky, para dar uma resposta a
Aehrenthal ou por alguma outra razão, enviou Nicolai Hartwig como
representante à Sérvia (1909-1914). Hartwig era um militante pan-eslavo
que tinha seu próprio grupo de seguidores na Rússia. Ele empreendeu reunir
os Estados balcânicos numa frente comum para tomar parte ou todas as
terras ainda ocupadas pelo Império Otomano na Europa. Era uma tarefa
difícil — levar os Estados rivais belicosos dos Bálcãs cristãos a um acordo
sobre qualquer assunto às vezes parecia desesperador —, mas, como
mostrou Hartwig, não era impossível.
Hartwig começou forjando uma aliança entre a Sérvia e a Bulgária, e
depois associando esta aliança a um acordo com a Rússia. Seguiram-se
arranjos com a Grécia e com Montenegro.
O chanceler von Bülow tinha aprovado o uso de uma linguagem
humilhante para lidar com a Rússia. Talvez por querer marcar um triunfo
evidente. Ele necessitava de um triunfo evidente.
Bülow tinha sido nomeado para o cargo em grande parte pela influência
de Philip Eulenburg, o melhor amigo do kaiser. Em seguida a uma série de
escândalos e perseguições homossexuais, Eulenburg foi obrigado a ir para o
exílio. Histórias de folias travestidas e festas decadentes pareciam implicar
o próprio kaiser.
Como chanceler, Bülow fora obrigado a reconhecer que a Alemanha
não podia manter a corrida armamentista naval com a Grã-Bretanha, disputa
que havia sido central na política de Tirpitz, que ele e o kaiser tinham
adotado. Ele próprio havia compreendido a dificuldade de sustentar o
orçamento, e visto que não havia como aumentar impostos, o que seria
necessário para poder fazê-lo.
Quando a crise bósnia estava chegando ao fim, Bülow enfrentou outro
escândalo: uma polêmica entrevista concedida pelo kaiser a um jornal,
previamente liberada pelo chanceler.
A entrevista foi dada por Guilherme a um amigo britânico, que a partir
das suas anotações redigiu um artigo que foi publicado pelo Daily
Telegraph em outubro de 1908. O artigo pretendia mostrar que o kaiser era
pró-Grã-Bretanha e que, consequentemente, a Inglaterra nada tinha a temer
da Alemanha. Guilherme afirmava que durante a recente Guerra dos Bôers
na África do Sul (em que os interesses e simpatias alemães estavam com os
bôers e contra a Inglaterra), ele havia pessoalmente evitado que outras
potências europeias se juntassem contra a Inglaterra. E mais, o kaiser
reivindicava ter concebido e repassado planos estratégicos à Grã-Bretanha,
os quais teriam lhe permitido vencer a guerra. Os britânicos ficaram
furiosos, e não foram os únicos.
O povo alemão, o Parlamento alemão e todos os partidos alemães
condenaram Guilherme. Discutiu-se se o kaiser devia ou não ser forçado a
abdicar. É claro, ele não havia, conforme afirmado, fornecido aos generais
britânicos os seus planos de campanha. Bülow, porém, que fracassara em
vetar adequadamente as observações indiscretas do seu monarca, agora
fracassava em defendê-lo. Para salvar-se, ele mentiu e não admitiu ter
liberado a entrevista. Em 1909, Bülow renunciou. Um novo chanceler foi
empossado, Theobald von Bethmann Hollweg, funcionário público, mas de
uma velha e rica família renana. Bethmann sabia não ser a escolha
preferencial de Guilherme para a posição, e sua disposição para confrontar
o kaiser foi então questionada, e ainda é. Bethmann era um ádvena — não
era prussiano, não era militar — que não tinha, e tampouco jamais
desenvolveu, relações pessoais com a liderança das forças armadas ou com
o imperador.
Para os militares prussianos, desmoralizados pelo descrédito de
Guilherme, pareceu evidente que a única maneira de salvar a monarquia e,
portanto, o seu modo de vida era entrar em guerra. O chefe do Gabinete
Militar, general Moritz von Lyncker, afirmou que a guerra era necessária
para tirar a Alemanha de “dificuldades internas e externas”.4 Mas
acrescentou que o kaiser provavelmente não teria fibra para adotar esta
solução.
Moltke, chefe do Grande Estado-maior, acreditava que a guerra era
inevitável, e quanto mais rápido melhor. Desapontou-o o fato de a crise
bósnia ser resolvida pacificamente; tal oportunidade de guerra, advertiu ele,
“não aparecerá tão cedo novamente em condições tão favoráveis”.5
Tendo concluído a anexação da Bósnia-Herzegóvina, Aehrenthal tratou
de preservar o novo status quo nos Bálcãs. Não queria mais mudanças.
Tentou persuadir as potências de que a Áustria não tencionava anexar a
Macedônia a seguir. A Rússia, porém, considerava o que ele havia feito
agressivo, acreditando que a Áustria-Hungria tinha se tornado
expansionista. Para se contrapor a tal expansionismo, a Rússia sentiu-se
impelida a organizar o sentimento pró-russo, antiaustríaco nos Bálcãs. A
Monarquia Dual, por sua vez, considerou a iniciativa da Rússia
expansionista, o que exigia medidas defensivas da sua parte.
O tratado de 1879 entre a Alemanha e a Áustria fora uma aliança
defensiva: se qualquer dos países fosse atacado — mas somente no caso de
o país ser atacado o outro era obrigado a ajudar. Em janeiro de 1909, porém,
no auge da crise da Bósnia-Herzegóvina, Conrad, o chefe do Estado-maior
da Áustria, perguntou a Moltke, seu colega alemão, o que a Alemanha faria
se a Áustria invadisse a Sérvia, provocando com isto uma intervenção russa.
Moltke respondeu que a Alemanha protegeria a Áustria ainda assim, mesmo
que ela tivesse começado. Ademais, a Alemanha entraria em guerra não
apenas contra a Rússia, mas também contra a França, já que a França era
aliada da Rússia.
Em sua história da Alemanha, Gordon Craig observa que depois disso a
Áustria confiou na promessa de Moltke como um compromisso solene:
“Com efeito, Moltke havia mudado o tratado de 1879, de tratado defensivo
para tratado ofensivo, e colocado seu país à mercê dos aventureiros de
Viena.”6 Deve-se acrescentar que a promessa de Moltke foi apoiada pelo
chanceler.

________________
1 Bridge 1990: 228
2 Albertini 1952 I: 228
3 Ibid.: 230
4 Berghahn 1993: 93
5 Ibid.: 91
6 Craig 1978: 323
Capítulo 12

FRANÇA E ALEMANHA FAZEM SEU JOGO

A França estava há muito de olho no Marrocos. Era o último território


na África do Norte a continuar independente, e complementaria
convenientemente os haveres da nação na Argélia e na Tunísia. A França
estava tomando medidas para afirmar presença no Marrocos quando, em
1905, a Alemanha inesperadamente interveio. O kaiser, ainda que
relutantemente, foi enviado por seu governo numa viagem — de navio, por
meio de ventos força 8 — de apoio à independência marroquina. Para a
Alemanha, tratava-se de um pretexto visando cindir a recém-formada
Entente da Grã-Bretanha com a França. Mas a manobra da Alemanha não
deu certo: a Grã-Bretanha apoiou a França. Convocou-se uma conferência
internacional, que também se solidarizou com a França. A conferência
arbitrou o papel decisivo deste país nos assuntos do Marrocos por meio de
um tratado assinado em Algeciras em 1906. Por insistência da Alemanha, o
tratado exortava os europeus a apoiarem o governo do sultão, a não
enfraquecerem a independência do Marrocos, como a França (ou pelo
menos sua facção colonialista) na verdade tencionava e de fato empreendeu
fazer.
Em março de 1911, segundo as autoridades francesas, tribos rebeldes
iniciaram desordens no interior do Marrocos, ameaçando uma das suas
capitais, Fez. O sultão marroquino fez um apelo à França, para mandar
tropas e restaurar a ordem. Em Berlim, acreditou-se que o levante havia
sido fomentado pela França a fim de prover uma justificativa para ocupar o
país. Mesmo que a revolta fosse genuína, era prudente supor que, uma vez
instaladas no Marrocos, as tropas francesas iriam permanecer. O novo
secretário das Relações Exteriores alemão, Alfred von Kiderlen-Wächter,
decidiu estender uma armadilha. Até a França agir, ele nada fez, exceto
lembrar que fazê-lo anularia os acordos do tratado existente e levaria a
novas negociações para substituí-los. Seu objetivo era forçar a França a
oferecer compensações substanciais à Alemanha: enormes extensões de
terra na África. Tal triunfo diplomático reforçaria a posição do governo de
Berlim nas iminentes eleições parlamentares de 1912, nas quais, caso
contrário, as perspectivas seriam das mais sombrias.
Tropas francesas ocuparam Fez em 21 de maio de 1911. Sem consultar
sequer elementos-chave do seu próprio governo, como os chefes das forças
armadas, Kiderlen enviou um cruzador, o Panther, para ficar ancorado no
porto de Agadir, na costa atlântica marroquina. Então declarou as
reivindicações alemãs em 1º de junho. Aparentemente, ele supôs que a
Inglaterra, como rival imperial de longa data da França, não se envolveria
no conflito. E tampouco a Rússia, relutante em arriscar uma guerra por um
país tão distante e desimportante como o Marrocos. A Áustria-Hungria era
aliada, e também, pelo menos em tese, a Itália.
O cálculo de Kiderlen era de que uma França isolada ia ceder. Revelou-
se, porém, que a França não estava isolada. A Grã-Bretanha veio em seu
apoio: o ministro das Finanças David Lloyd George, apesar de suas origens
políticas radicais, de inclinações pacifistas e anti-imperialistas, deixou-o
claro num discurso inflamado num banquete na Mansion House em 21 de
julho. A Rússia também, com alguma ambiguidade, pareceu solidarizar-se
com a França, enquanto a Áustria-Hungria se recusou a prestar sequer apoio
diplomático à Alemanha. A Itália não foi de nenhuma ajuda.
O kaiser e seus aliados políticos, relutantes desde o começo em deixar o
secretário das Relações Exteriores dar sua arriscada cartada, pressionaram
em favor da paz. A Alemanha recuou. A Áustria tinha logrado anexar a
Bósnia-Herzegóvina graças ao apoio alemão; a França lograra tomar o
Marrocos graças à ajuda britânica. A França, que já controlava a Argélia e a
Tunísia, obtinha então o reconhecimento da Alemanha também para seu
protetorado no Marrocos. Em retorno, a Alemanha recebeu compensações
na África, as quais considerou inadequadas. Tudo foi acordado em 4 de
novembro de 1911.
Tudo parecia se encaixar na esteira da crise de Agadir. Os contornos de
uma guerra futura, ainda que não a sua causa, tornavam-se cada vez mais
claros. A Alemanha fora avisada de que a Grã-Bretanha poderia ficar do
lado da França, e que a Rússia faria o mesmo se o que estivesse em jogo
fosse a sobrevivência da França, em vez de uma simples questão colonial.
A Alemanha não podia contar com a Itália, um aliado nominal, e nem
sequer com a Monarquia Dual. Encarando a aliança austríaca como vital, a
Alemanha aprendeu em Agadir que se tratava de uma via de mão única:
Berlim apoiaria os interesses de Viena, mas Viena não apoiaria os de
Berlim. O chanceler Theobald von Bethmann Hollweg já sabia disso antes
da crise; ele tinha dito ao kaiser: “Se houver uma guerra, devemos esperar
que a Áustria seja atacada, para que ela precise da nossa ajuda, e não que
nós sejamos atacados, de modo a dependermos da decisão da Áustria se vai
ou não permanecer leal à aliança.”1 Em outras palavras, o conflito teria de
ser da Áustria em primeiro lugar, ou Viena não ia entrar na guerra.
A crise de Agadir alertou a Alemanha para um outro perigo:
vulnerabilidade financeira. Ela decidiu cobrar todo o dinheiro que estavam
lhe devendo. A partir de meados do verão de 1911, o Banco Central alemão,
o Reichsbank, começou a cobrar sistematicamente todas as dívidas
estrangeiras, um programa que, se continuado, estaria concluído em cinco
anos e teria transformado a Alemanha em devedor total.2 Em 1916, Berlim
teria repatriado todo o seu dinheiro. E também estaria de posse da montanha
de dinheiro que tomara emprestado de outras potências europeias, o qual
agora financiaria uma guerra contra elas.
Os atos e palavras da Alemanha no verão de 1911 — o envio do Panther
ao Marrocos e a linguagem usada na comunicação com as grandes
potências — alarmaram a Europa e provocaram uma forte reação. Há nisso
uma certa ironia, pois não foram obra nem do kaiser nem do chanceler, mas
de um secretário das Relações Exteriores um tanto ou quanto descontrolado,
que morreu no final daquele ano depois de entornar seis conhaques.
David Lloyd George, ministro das Finanças do governo liberal
britânico, era um daqueles velhos anti-imperialistas cuja disposição foi
mudada por alemães e a respeito deles. Daí o discurso na Mansion House
em que ele se comprometeu a gastar tudo o que fosse necessário para
manter a supremacia da Inglaterra. Seu jovem afilhado político, Winston
Churchill, secretário do Interior e destacado amigo da Alemanha até uma
hora tão avançada quanto a primavera de 1911, também mudou de posição e
previu a guerra mundial iminente.
Churchill se recordaria posteriormente que, na tarde de 24 de julho de
1911, ao passear pelas fontes do Palácio de Buckingham com Lloyd
George, um mensageiro os alcançou, para levar o chanceler com toda
urgência à presença do secretário das Relações Exteriores, Edward Grey.
Em sua sala na Câmara dos Comuns, Grey lhes disse: “Acabo de receber
uma mensagem tão dura do embaixador alemão que a Frota pode ser
atacada a qualquer momento.”3 E sem dúvida, a Marinha Real foi posta
imediatamente em alerta.
Grey, Lloyd George, Churchill e outros ministros interessados
encontraram-se irregularmente no verão, durante o desenrolar da crise no
Marrocos. Sob a pressão dos acontecimentos, os líderes do governo
tomaram consciência de que a Grã-Bretanha não estava preparada para a
guerra. As conversações secretas de Estado-maior com a Bélgica e a França
em 1905-1906, renovadas de tempos em tempos juntamente com algumas
trocas de informações e discussões dentro das forças armadas e em
comissões governamentais, tinham chegado a resultados contraditórios e
inconclusivos.
Uma jornada de conferências de alto nível do Comitê Imperial de
Defesa foi convocada em 23 de agosto, por iniciativa do diretor de
Operações Militares, o general de brigada Henry Wilson. Parece que esta
foi a única oportunidade antes de 1914 em que as duas forças armadas,
Exército e Marinha, delinearam as suas estratégias respectivas, e rivais, para
entrar na guerra. Uma decisão foi tomada na conferência entre as duas
forças: a Grã-Bretanha não lutaria apenas no mar; também enviaria um
exército — uma força expedicionária — para lutar numa campanha terrestre
no continente europeu, ao lado da França e contra a Alemanha.
Os participantes ficaram chocados ao descobrir duas grandes falhas na
Marinha Real. A frota não estava preparada para transportar a força
expedicionária da Grã-Bretanha ao continente, e recusou-se a criar uma
instância equivalente ao Estado-maior do Exército. Para lidar com firmeza
com os almirantes entrincheirados, seria necessário encontrar uma nova
chefia civil para o Almirantado: alguém dinâmico. Em outubro, o primeiro-
ministro Asquith nomeou o jovem, polêmico e enérgico Winston Churchill,
um mês antes dos seus 37 anos de idade. Num memorando por ele
preparado e divulgado, Churchill já havia discriminado os principais
contornos da guerra mundial iminente, mergulhando num frenesi de
atividades ao preparar-se para vencê-la.
Nos planos de guerra britânicos, a Alemanha era o inimigo. O aliado era
a França.
Falar da França na política mundial de 1914 é falar do seu líder,
Raymond Poincaré. Sua política foi — e continua a ser — amplamente mal
interpretada. Supunha-se e supõe-se que seu objetivo fosse reverter os
resultados da guerra franco-prussiana: que ele queria liderar uma cruzada
para recuperar os territórios perdidos, acima de tudo o território da sua terra
natal, a Lorena. Mas segundo o seu biógrafo mais recente, John Keiger, isto
não é verdade. Em vez disso, ele era um centrista moderado que preferia
conciliações pacíficas.
Até bem recentemente, sabia-se extraordinariamente pouco sobre a sua
condução dos assuntos. Há muito pouco tempo, a década de 1980, seus dois
biógrafos na França não sabiam da existência de documentos privados de
Poincaré; é verdade, o mais recente entre eles afirmou em 1984 que o
estadista francês havia destruído seus papéis. Coube, assim, ao primeiro
biógrafo de Poincaré em língua inglesa, Keiger, cujo trabalho foi publicado
em 1997, estudar e usar esses materiais.
Raymond Poincaré, nascido na cidade de Bar-le-Duc, na Lorena
ocidental, em 20 de agosto de 1860, uma pessoa de peso e solidez
formidáveis, tornou-se uma figura dominante na política francesa do seu
tempo. Do lado paterno, veio de uma família de profissionais reconhecidos
por mais de um século no campo das ciências e da educação. Os ancestrais
da sua mãe eram juízes e políticos. Seu primo Henri tornou-se um dos
matemáticos mais importantes do século XX.
Virtuoso, cauteloso, abstêmio, moderado e essencialmente não
partidário, impelia-o contudo uma competitividade abrasadora: a ambição
de vencer todas as disputas da vida. Aos vinte anos de idade, ele tornou-se o
mais jovem advogado da França. Aos 26, foi eleito o mais jovem membro
do Parlamento. Aos 52, em 17 de janeiro de 1913, ele foi a pessoa mais
jovem até então eleita para presidente, cargo que durava sete anos. Também
foi o primeiro a ser eleito diretamente do cargo de primeiro-ministro para o
de presidente. Como presidente, foi uma figura dominante. No verão de
1914, tinha assumido o controle quase total da política exterior francesa.
Em relação à Alemanha, ele mantinha uma posição tipicamente
intermediária entre as forças de centro-esquerda, entre seu colega pró-
alemão Joseph Caillaux e o lobo solitário antialemão Georges Clemenceau.
Um observador da época, porém, poderia ter discernido algo em favor de
Berlim. Em 20 de janeiro de 1914, Poincaré jantou na embaixada alemã —
a primeira vez que um presidente francês o fazia desde 1870.
Keiger sugere que o incremento da amizade entre Poincaré e os alemães
era produto de uma confiança oriunda em parte dos resultados da Primeira
Guerra dos Bálcãs, em que as forças balcânicas, treinadas e armadas pela
França, derrotaram os Exércitos otomanos, treinados e armados pelos
alemães. Além disso, Poincaré tinha retomado a causa da aliança
colonialista francesa, o Comitê de 1’Orient, que aspirava ao controle da
Síria, do Líbano e da Palestina caso o império turco desmoronasse —
objetivo este que poderia jogar a França contra seus aliados, a Inglaterra e a
Rússia.
Porém ocorreu que, como a França começou a dar-se por satisfeita com
suas intenções coloniais, a Grã-Bretanha, sua rival tradicional, não ofereceu
oposição, mas, ao contrário, apoio. E a Alemanha, que tinha encorajado a
França em suas ambições imperiais, agora estava no caminho. Novas
alianças estavam em processo de formação. Mudanças estavam no ar.
A Alemanha, tendo mais uma vez alienado as outras potências no
episódio Panther, desta vez tomou medidas para se defender contra a
hostilidade que incitara. Nas palavras de David G. Herrmann, uma
autoridade na corrida armamentista pré-1914: “A consequência militar mais
significativa da segunda crise marroquina continua sendo a decisão alemã
de iniciar um extraordinário programa de armamento terrestre na
expectativa de uma guerra. [...]4 A doutrina militar alemã resultante deu
início a uma espiral internacional de fabricação de armamentos de terra. Os
alemães julgavam estar respondendo a uma ameaça de todos os lados, e [...]
lançaram-se na empreitada incerta esperando plenamente que seus rivais
reagiriam” da mesma forma, por meio de uma expansão armamentista, “e
que a guerra seria apenas uma questão de tempo. No devido tempo, a
profecia se realizou”.
Enquanto a crise marroquina se aproximava do fim, outra potência
europeia demarcava suas pretensões sobre partes do mundo muçulmano: a
Itália, península que se estende da Europa Central para o meio do mar
Mediterrâneo. Ela jamais fora unificada desde a queda de Roma, há cerca
de 1.500 anos. Seus mais de 30 milhões de habitantes queriam um papel nos
negócios mundiais.
A Itália era uma entidade geográfica que só recentemente tornara-se um
país, na guerra de 1859. Ela adquirira sua capital, a cidade de Roma, no
começo da década de 1870. Reclamava figurar entre as grandes potências e
sentia a necessidade de conquistar colônias, como as possuídas pelos países
mais velhos e estabelecidos. Os italianos acalentavam metas ainda mais
ambiciosas: sonhavam com seus ancestrais romanos e esperavam conquistar
glórias semelhantes. A iniciativa da Austria-Hungria nos Bálcãs seguida
pela da França na África do Norte os lançou em busca dos mesmos fins.
________________
1 Joll 1992: 58
2 Gooch e Temperley 1926: 205
3 W. Churchill 1923: 48
4 Herrmann 1996: 172
Capítulo 13

A ITÁLIA TOMA POSSE; OS BÁLCÃS TAMBÉM

O território da Tripolitana, hoje parte da Líbia, foi o primeiro objetivo


da Itália. Sob o indolente domínio do governo otomano, a Tripolitana, como
a contígua Cirenaica eram minimamente governadas e inadequadamente
defendidas. Durante anos, os diplomatas italianos estiveram preparando o
caminho para a futura tomada. Em 1900, a França tinha renunciado a
qualquer objeção que pudesse ter, em retribuição à renúncia semelhante da
Itália em relação à anexação do Marrocos, desejada pela França.
Assim, uma vez que a Áustria fez seu movimento na Bósnia, e a França
no Marrocos, a imprensa e o público na Itália começaram a pressionar seus
líderes para agir antes que fosse tarde demais. Com um vagar mais
mediterrâneo do que moderno, o governo italiano informou as demais
potências da sua intenção de entrar em guerra — com cerca de dois meses
de antecipação.
Como recordou posteriormente um jovem diplomata italiano: “Eu [...]
achava que o comunicado criaria por si uma certa agitação. Nada! Ninguém
deu a menor importância. [...]1 Pensaram que estávamos blefando.”
Em 29 de setembro de 1911, a Itália declarou guerra, acusando a
Turquia de prejudicar os interesses italianos. A Itália ocupou rapidamente a
costa do Líbano, mas em seguida atolou no interior. A luta prosseguiu por
cerca de um ano. Um cessar-fogo entrou em vigor em 15 de outubro de
1912, seguido por uma paz que deixava à Itália a posse não apenas da Líbia,
mas também de Rhodes e outras ilhas dodecanésias ao largo da Turquia no
Mediterrâneo oriental.
Para a aliança balcânica de inspiração russa de Hartwig, a guerra
italiana foi um sinal de que havia chegado a sua hora de atacar — e de
apropriar-se da Áustria. Acelerava-se o ritmo do conflito; os choques
começaram a se sobrepor. A guerra ítalo-turca começou antes de a Segunda
Crise Marroquina estar resolvida, e então, das brasas de um sem-número de
rixas de sangue, ardeu a Primeira Guerra dos Bálcãs, antes de a guerra
colonial italiana estar concluída. Não há dúvida, a principal razão pela qual
a Turquia aceitou os termos italianos para pôr termo às hostilidades foi a
sua necessidade de se concentrar na Europa do Sudeste. Havia uma revolta
na Albânia, um conflito de fronteira em Montenegro, uma guerrilha
perseverante na Macedônia e, acima de tudo, tumulto em Constantinopla,
onde oponentes dos Jovens Turcos tinham chegado ao poder.
Conforme já vimos, em 13 de março de 1912, a Bulgária e a Sérvia
tinham se reunido pela intervenção do russo pan-eslavo Nicolai Hartwig,
que as inspirou a tirar vantagem da guerra italiana para impor suas
reivindicações a uma Turquia cuja atenção estava alhures. A Grécia aderiu a
seguir. E também, por acordo verbal, Montenegro. A princípio, a Rússia
não notificou a França do que estava acontecendo; mesmo depois, não a
manteve plenamente informada. Mas pode ser que nem São Petersburgo
estivesse sendo avisada: Hartwig estava levando adiante algo próximo de
uma operação de fraude. Izvolsky e outros líderes do governo russo
“denunciaram os perigos da austrofobia de Hartwig” e do que o historiador
Dominic Lieven recentemente chamou de a “sua deslealdade histórica para
com a política externa geral da Rússia”.
Os povos balcânicos nutriam ódios assassinos uns contra os outros,
faziam reivindicações rivais sobre territórios e fronteiras, mas agiram juntos
para golpear a Turquia antes de ela poder chegar a um acordo de paz com a
Itália. Preparando uma cruzada para libertar tudo o que restava do Império
Otomano no sudeste cristão da Europa, Montenegro declarou guerra à
Turquia em 8 de outubro de 1912, seguido por suas aliadas Bulgária, Sérvia
e Grécia em 17 de outubro. A Turquia terminou imediatamente a guerra
contra a Itália.
Para surpresa de todos, as forças otomanas foram rápida e
incondicionalmente derrotadas. Elas foram enxotadas de quase toda a
Turquia europeia. Num mês de campanha-relâmpago, os Estados balcânicos
tinham praticamente fechado a Questão Oriental. Eis um papel que as
grandes potências sempre pensaram que elas próprias desempenhariam.
Agora elas se desdobravam para garantir que qualquer acordo
eventualmente alcançado — por outros — não ameaçasse seus interesses
vitais. Sua tarefa foi dificultada pela mudança de pessoal: os secretários das
Relações Exteriores da Alemanha e da Áustria tinham morrido, o secretário
das Relações Exteriores da Rússia havia renunciado, e os seus substitutos
não eram da mesma estatura.
Em dezembro de 1912, uma conferência de embaixadores reuniu-se em
Londres. A Macedônia foi partilhada. A Bulgária sentiu-se ludibriada em
sua parte pela Sérvia e pela Grécia. Um tratado de paz foi assinado em 30
de maio de 1913, mas não perdurou. Um mês depois, na noite de 29 para 30
de junho, a Bulgária se voltou contra seus ex-aliados, Sérvia e Grécia, num
ataque-surpresa ordenado pelo rei Fernando I, sem consultar sequer o seu
próprio governo. Isto levou à chamada Segunda Guerra dos Bálcãs, em que
a Bulgária foi derrotada pela Sérvia, a Grécia, a Turquia e a Romênia.
O Tratado de Bucareste, assinado em 10 de agosto, e negociado pelos
Estados locais, em vez das grandes potências, pôs um termo na Primeira e
na Segunda Guerras dos Bálcãs. A Áustria-Hungria foi pega de surpresa.
Ela queria ver a Sérvia subjugada — tendo esperado e acreditado que a
Turquia ganharia a primeira guerra e a Bulgária a segunda —, e bem
poderia ter intervindo para impor resultados diferentes se tivesse havido
tempo. Sendo as coisas o que eram, o Império Habsburgo temia por seu
futuro. Seus temores se concentravam na Sérvia vitoriosa e em seu
patrocinador, a Rússia.
Os temores austríacos não eram injustificados. Durante as guerras
balcânicas, o novo ministro das Relações Exteriores russo, Serge Sazonov,
disse ao embaixador sérvio em São Petersburgo:2 “Nós derrubaremos a
Áustria até as fundações.” E que, ganhando tudo o que for possível nas
negociações de paz, “nós devemos ficar contentes com o que recebermos,
encarando-o como uma prestação, pois o futuro nos pertence”.
Foi a própria Áustria-Hungria, ao anexar a Bósnia-Herzegóvina, quem
havia provocado a reação da Rússia e da Sérvia em busca de vingança. Era
possível que a Sérvia, que havia dobrado de tamanho, e seus aliados, a
Rússia e as forças pan-eslavas, continuassem o seu avanço. Aehrenthal
tinha perturbado o equilíbrio de forças dos Bálcãs em 1908 em favor da
Áustria. Agora, Hartwig o perturbara em favor da Rússia. Iria a Monarquia
Dual responder por sua vez? Ou continuaria o germanismo a recuar diante
do eslavismo?

________________
1 Varé 1938: 70
2 Albertini 1952 I: 486
Capítulo 14

A MARÉ ESLÁVICA

Os tempos haviam mudado. No século XIX, quando os alinhamentos e


ajustes de política externa tendiam a centrar-se em ideologia, a Rússia e os
Estados germânicos da Áustria e da Prússia eram os mais próximos aliados.
Em 1912, eles ainda partilhavam a mesma perspectiva, a mesma política
reacionária, os mesmos valores. Mas sua solidariedade, baseada em crenças
comuns, deu vez a um conflito de vida ou morte baseado em choques de
interesses e disputas de poder.
O choque de interesses estava nos Bálcãs, onde se acreditava que, para
sobreviver, a Áustria teria de esmagar todas as provocações dos povos
eslavos. Por sua vez, a sobrevivência da Áustria como grande potência era
vital para os interesses da Alemanha. Ademais, o tamanho absoluto da
Rússia e seu crescimento surpreendentemente rápido como potência, ao
industrializar-se com o apoio financeiro da França, transformaram o
império tsarista num rival potencial da Alemanha pela supremacia no
continente. O aspecto teutônicos versus eslavos dessa disputa potencial
refletia ódios raciais. Além disso, vendo o futuro da Alemanha em termos
de penetração e exploração do Oriente Médio e do Extremo Oriente, o
kaiser imaginava um outro objetivo, que só podia ser alcançado mediante a
dominação do mundo eslavo.
Incoerente como tão frequentemente era, o kaiser também demorou
para perceber o que estava acontecendo. Nos primeiros dias das guerras dos
Bálcãs, ele achava a derrota do Império Otomano inquestionável. Os seus
Jovens Turcos, decidiu ele, mereciam ser “lançados fora da Europa” por
terem derrubado “meu amigo, o sultão”.1 O futuro dos Bálcãs deve ser
determinado por seus povos, acreditava ele, e se as grandes potências
interviessem para “manter a paz”, o tiro só poderia sair pela culatra: os
povos se voltariam contra as potências.2 Em vez disso, as potências
deveriam formar um “anel” no interior do qual as forças locais pudessem
resolver seus conflitos.3 “Deixemos essa gente se acertar”, escreveu ele em
suas notas marginais irresponsáveis, irrefletidas e tipicamente ambíguas
(que se prestam a várias leituras).4 “Seja tomando alguns golpes ou seja
dando. [...] A Questão Oriental tem de ser resolvida com sangue e ferro.”
Decisões seriam tomadas no campo de batalha. Sangue seria derramado; era
inevitável. Só depois a negociação poderia ter algum papel. “Depois haverá
tempo para conversar.”5 Mas para que este processo — as guerras étnicas
balcânicas, seguidas por uma conferência de paz em que os termos seriam
amplamente ditados pelos vitoriosos locais — produza um resultado
aceitável para as potências alemãs, ele tem de ocorrer “na hora certa para
nós!6 E esta hora é agora!” — enquanto a França e a Rússia ainda não estão
preparadas para a guerra.
Pouco depois de rabiscar essas notas marginais, o kaiser ordenou ao seu
Ministério das Relações Exteriores não “criar impedimentos para os
búlgaros, sérvios e gregos em sua legítima busca da vitória”.7 Numa nota
marginal, ele previu a possível criação dos “Estados Unidos dos Bálcãs”,
que poderiam servir como um para-choque entre a Áustria e a Rússia, assim
resolvendo esse problema.8 E sua criação também proporcionaria um
importante mercado para as exportações alemãs.
Avultando-se a ameaça de crise nos meses finais da Primeira Guerra dos
Bálcãs, com os vitoriosos Sérvia e Montenegro buscando uma saída para o
mar — Scutari, na costa do Adriático, na antiga Albânia otomana — e a
Áustria se opondo a esta reivindicação, o kaiser escreveu ao seu secretário
das Relações Exteriores: “Não vejo qualquer ameaça à existência da
Áustria, ou ao seu prestígio, num porto sérvio no mar Adriático” e “creio
ser desaconselhável e desnecessário opor-se ao desejo sérvio”.9 Ele negou
que os termos da Tríplice Aliança (Alemanha, Áustria e Itália) obrigassem
seu país a fazê-lo; a aliança só “visava garantir a integridade das possessões
territoriais vigentes”.10 E acrescentou que, “certamente, algumas das
mudanças produzidas nos Bálcãs pela guerra são inconvenientes e mal
recebidas por Viena, mas ninguém [é] importante a ponto de termos, por
causa disso, de nos expor a um envolvimento militar. Eu não assumiria essa
responsabilidade perante minha consciência ou meu povo.”
Ele reafirmava frequentemente a sua posição: “Em nenhuma
circunstância [ele estaria] preparado para marchar contra Paris e Moscou no
interesse da Albânia.” Num memorando ao Ministério das Relações
Exteriores, ele chamou de absurdo arriscar “uma luta pela existência com as
três grandes potências, em que a Alemanha pode morrer”, somente porque a
“Áustria não quer os sérvios na Albânia”.11
Entre muitas outras mensagens, Guilherme passou um telegrama ao seu
secretário das Relações Exteriores em 9 de novembro de 1912: “Conversei
em detalhes com o Chanceler do Reich sobre as linhas da minha instrução
para o senhor e enfatizei que em nenhuma circunstância marcharei contra
Paris e Moscou no interesse da Albânia.”12,13
O kaiser queria deixar claro para a Áustria que Berlim só apoiaria Viena
se a Rússia atacasse — e se a Áustria não tivesse provocado o ataque. Ele
foi dissuadido. O chanceler von Bethmann Hollweg, talvez fortalecido pela
opinião do almirante George Alexander von Müller, conselheiro naval do
kaiser, teria argumentado que a Áustria perderia a fé na garantia alemã se a
mensagem fosse enviada a Viena, e que o povo alemão ficaria furioso. Em
vez disso, o governo deveria instar a Áustria a demonstrar moderação, de
modo a tornar uma eventual intervenção alemã “compreensível aos olhos
do povo alemão”.14 (Mas se a opinião pública ficasse furiosa pelo abandono
da Áustria, não quer dizer que o argumento austríaco já era
“compreensível”?)
Na segunda metade de novembro, tendo se encontrado com oficiais da
ativa e funcionários civis, o kaiser ficou satisfeito. No momento, a opinião
pública encarava a Áustria como a parte provocada; “a posição que eu
queria que fosse alcançada”.15
Em 21 de novembro, o arquiduque Francisco Ferdinando, grande amigo
do kaiser e herdeiro do trono Habsburgo, chegou a Berlim e recebeu
garantias de Guilherme e de Moltke de que a Alemanha ia apoiar a Áustria
“em todas as circunstâncias”, mesmo sob risco de guerra contra a Grã-
Bretanha, a França e a Rússia.16 O kaiser estava obviamente persuadido de
que a Áustria era a parte provocada, e que a Inglaterra e a França não
interviriam. É possível que estas tenham sido as suas condições, ainda que
não explicitadas. E a opinião do Ministério das Relações Exteriores era de
que “hoje tanto a Itália quanto a Inglaterra estão do nosso lado”: o risco era
muito menor do que pode parecer.17 Seja por esta razão ou por outra, os
líderes alemães tornaram público o seu compromisso. O ministro das
Relações Exteriores falou ao Parlamento em 28 de novembro: “Se a Áustria
for forçada, por qualquer razão que seja, a lutar por sua posição de grande
potência, nós teremos de ficar ao seu lado” (grifo meu).18 Em Londres, o
secretário britânico das Relações Exteriores ficou alarmado: a Alemanha
quis mesmo dizer que vai dar um “cheque em branco” para a Áustria,
perguntou ele, e apoiar Viena em qualquer coisa que fizesse, mesmo
estando errada e mesmo numa guerra de agressão que ela tenha começado?
Sir Edward Grey disse ao embaixador alemão que “as consequências de tal
política” seriam “incalculáveis”.19
Grey agiu para garantir que o kaiser não compreendesse mal a posição
da Inglaterra. Se a Alemanha não ia deixar a Áustria desaparecer como
grande potência, tampouco a Inglaterra permitiria o desaparecimento da
França como tal. Grey aparentemente falou com R. B. Haldane, o lorde
chanceler, que, como ministro da Guerra, tinha remodelado o Exército
britânico, o que resultou numa mensagem de Londres que provocou uma
nova crise.
A data era 8 de dezembro de 1912. Num comunicado breve, o kaiser
convocou uma reunião na sua residência de Berlim com os seus líderes
militares: quatro, segundo um relato, seis, segundo outro. Eles se
encontraram às onze horas da manhã, para avaliar o significado do
telegrama de Londres. Além de Guilherme, entre os participantes estavam o
almirante Müller, chefe do Gabinete Naval do kaiser; o almirante von
Tirpitz, líder naval; o general Moltke, chefe do Estado-maior do Exército; o
vice-almirante August von Heeringen, chefe do Estado-maior da Marinha, e
talvez também o seu irmão, o general Josias von Heeringen, ministro da
Guerra prussiano, e o chefe do Gabinete Militar, Moritz Freiherr von
Lyncker. As lideranças civis não estavam presentes: o chanceler von
Bethmann Hollweg e o secretário das Relações Exteriores, Gottlieb von
Jagow.
A conferência secreta só foi revelada ao mundo meio século depois,
quando o historiador Fritz Fischer mostrou que ela podia ser indício de um
plano deliberado do kaiser e seus chefes militares para iniciar uma guerra
europeia em junho de 1914. A interpretação da conferência de 1912 ainda é
uma questão aberta, embora a maioria dos historiadores importantes tenda
hoje a não aceitar as opiniões de Fischer sem pelo menos alguma restrição.
John Röhl, talvez o mais próximo de Fisher nas suas opiniões, argumenta
persuasivamente que dispomos agora de uma documentação adicional
extraordinariamente abundante para nos ajudar a compreender as notas do
almirante Müller, as quais, numa versão expurgada anterior, tinham sido
nossa única fonte.
O kaiser convocou a reunião porque o embaixador anglófilo da
Alemanha em Londres, o príncipe Karl Max von Lichnowsky, tinha lhe
telegrafado notícias sobre uma conversação que havia acabado de ter com
lorde Haldane, o ex-ministro da Guerra germanófilo da Grã-Bretanha.
Segundo o kaiser, Haldane falou abertamente em favor de Sir Edward Grey.
Dado o canal de comunicação escolhido — Lichnowsky e Haldane, dois
homens devotados à causa de cultivar as relações entre a Inglaterra e a
Alemanha —, seria seguro inferir que Grey estava dando o remédio que,
apesar de aparentemente amargo, era indicado ao bem-estar do paciente. A
mensagem de Grey chamou a atenção do kaiser sobre algo que qualquer
estudante de relações internacionais deveria saber: que era de interesse vital
para a Grã-Bretanha manter o equilíbrio de poder na Europa. Se a
Alemanha atacasse a França, a Grã-Bretanha interviria ao lado desta, pois
preservar a independência e o status de potência da França era um dos
interesses vitais de Inglaterra. E havia uma mensagem implícita no
telegrama, que a Inglaterra não se oporia se a Alemanha ampliasse a sua
liderança como país mais rico e mais poderoso do continente, desde que as
outras potências, especialmente as da Europa Ocidental, pudessem manter a
sua independência. Em suas iradas notas marginais ao texto do telegrama,
Guilherme caracterizou o princípio inglês de equilíbrio de poder como
“idiotia” que tornaria a Inglaterra “eternamente nossa inimiga”.20
O kaiser, conforme uma versão em segunda mão, estaria “num estado
muito agitado” e “de ânimo abertamente marcial”. No relato de primeira
mão do almirante Müller, Guilherme teria saudado o fato de a mensagem de
Haldane prover um “esclarecimento desejável” das intenções britânicas,
mostrando aos planejadores alemães propensos a considerar a possibilidade
de neutralidade da Inglaterra o erro da sua maneira de ver as coisas. À luz
da mensagem de Haldane, se a Alemanha entrasse em guerra, deveria
planejar a luta também contra a Inglaterra, e para este fim, a Marinha
deveria incrementar medidas como a construção da sua frota de submarinos
U-Boat.
Segundo o kaiser, falando em dezembro, no meio das guerras dos
Bálcãs, a Áustria “deve lidar energicamente” com a Sérvia; e “se a Rússia
apoia os sérvios, o que evidentemente ela faz [...] então a guerra também
será inevitável para nós”. Moltke disse: “Acredito que a guerra é inevitável,
e quanto mais rápido melhor.” Mas — e este mostrar-se-ia um “mas”
significativo — ele acrescentou que “nós devemos trabalhar mais com a
imprensa”, em vista de fortalecer o apoio popular à guerra contra a Rússia.
O kaiser e Moltke insistiam na guerra imediata. Tirpitz, falando em
nome da Marinha, concordava em parte, mas pedia “o adiamento da grande
luta por um ano e meio”. A frota precisava de tempo para concluir a
ampliação e o aprofundamento do canal de Kiel e as obras da base de
Heligoland. Moltke alegava que nem então a Marinha estaria pronta, e que
o Exército, que já estava ficando sem dinheiro, estaria numa posição ainda
pior.
A reunião parece ter degenerado num espetáculo de sentimentos pró-
guerra, mas sem chegar a uma decisão acordada. Uma data fora
mencionada, mas não firmemente estabelecida. Um almirante Müller
decepcionado anotou em seu diário: “O resultado” da conferência “foi
quase nulo”. Müller escreveu ao chanceler naquela tarde, relatando o que
havia sido dito e decidido no que depois ficou conhecido como o “conselho
de guerra”. Müller transmitiu a ordem do kaiser de usar a imprensa para
preparar o povo para uma futura guerra com a Rússia. Na semana seguinte à
conferência, o kaiser mencionou frequentemente a guerra iminente em
termos inflamados, descrevendo-a repetidas vezes como um conflito racial.
Desde que Fritz Fischer publicou material do conselho, os historiadores
têm se perguntado se pode ser coincidência a guerra ter de fato estourado
um ano e meio depois (pouco depois de terminada a reunião, Guilherme
disse ao representante suíço que a luta racial “iria provavelmente acontecer
em um ou dois anos”).21
Nos quase dois anos que se sucederam ao conselho de guerra, os
alemães começaram uma corrida armamentista nova e mais frenética, mas
ela havia sido decidida e posta em movimento muito tempo antes. Segundo
um importante estudioso da corrida armamentista, David Herrmann, ela foi
empreendida, em parte, num ato de rivalidade entre os ramos das forças
armadas, em que o Exército teria feito um ataque preventivo contra a
Marinha, buscando um financiamento grande o bastante para inviabilizar
qualquer aumento também para a frota. Outra razão é que a crise do
Marrocos de 1911 despertara tanto o público como o Exército para a
consciência de que a Alemanha enfrentaria desafios reais numa guerra
contra uma coalizão europeia.
A Primeira Guerra dos Bálcãs, porém, tendo terminado em 1912, na
época do conselho de guerra, “teve um efeito ainda mais galvanizador”, nos
diz Herrmann, que “transformou a atmosfera de tensão numa de
emergência”.22 Os eslavos continuavam a avançar visivelmente, e a
Áustria-Hungria, paralisada nos seus planos de ação e como poder, nada
fazia para impedi-los. Os líderes partidários alemães falaram abertamente
sobre a possibilidade de uma guerra mundial.
O ministro da Guerra perseverou na tentativa de limitar o contingente
do Exército, em vista de preservar o seu controle pelos junkers prussianos,
enquanto um alarmado Moltke propunha um aumento de tamanho de quase
50%. A conta do Exército foi grande em 1912, mas a de 1913 foi a maior da
história alemã. A máquina militar alemã de tempos de paz estava
funcionando em capacidade plena; os aumentos não puderam ser
inteiramente digeridos até 1916.
Como sabiam os líderes alemães, a expansão armamentista frenética
incrementada por eles inspiraria outros países a buscarem igualdade. Mas
eles tinham chegado a um tipo de limite. Da maneira como estava
constituída, a Alemanha não tinha mais possibilidades de expandir-se.
A organização política era demasiado instável; o sistema de impostos
demasiado arcaico e não progressivo. A Alemanha não podia dar-se ao luxo
de continuar sua expansão por muito tempo. A única coisa que podia
justificar seus gastos militares nos níveis de 1913 era entrar em guerra no
futuro imediato. Mas a opinião pública alemã não estava pronta para isto.
Moltke escreveu para Conrad, chefe do Estado-maior austríaco, em
fevereiro de 1913, dizendo que seria difícil encontrar um grito de guerra
capaz de convencer o público alemão a entrar em combate — ainda.23

________________
1 Röhl 1994: 167
2 Clark 2000: 189
3 Ibid.: 190
4 Ibid.
5 Ibid.
6 Ibid.
7 Ibid.
8 Ibid.
9 Ibid.
10 Ibid.
11 Ibid.
12 Röhl 1994: 168
13 Ibid.: 191
14 Ibid.
15 Ibid.
16 Ibid.
17 Ibid.: 170
18 Ibid.
19 Ibid.: 173
20 Ibid.
21 Ibid: 176
22 Herrmann 1996: 177
23 Stevenson 1996: 264
Capítulo 15

A EUROPA À BEIRA DO PRECIPÍCIO

Entre 1908 e 1913, os Jovens Turcos foram sucedidos por uma


intervenção europeia depois da outra em terras que certa feita haviam sido
ou que ainda eram otomanas. A rebelião na Turquia tinha levado à anexação
pela Áustria da Bósnia-Herzegóvina. A França fez então seu movimento no
Marrocos, inspirando a Itália a golpear o Império Otomano na Líbia e nas
Egeias, enquanto Sérvia, Montenegro, Grécia e Bulgária atacavam nos
Bálcãs. Naqueles cinco anos, as grandes potências deram um jeito de se
manterem a distância umas das outras, evitando choque após choque,
enquanto ao mesmo tempo aproximavam-se cada vez mais da colisão final.
Entre 1908 e 1913, a despesa total com armamento das seis grandes
potências cresceu cerca de 50%.
Em conjunto, os acontecimentos desses anos produziram uma mudança
na cara da política europeia.

• Na crise de Agadir, a Grã-Bretanha indicou que abandonaria seu


isolamento tradicional para apoiar a França, se a França fosse ameaçada
pela Alemanha — mesmo que fosse por culpa da França.
• Nas guerras dos Bálcãs, a França mostrou que iria além do seu tratado
puramente defensivo para apoiar a Rússia num conflito contra a Alemanha
começado pela Rússia.
• Isolada durante a crise de Agadir, apesar do seu tratado defensivo com
a Monarquia Dual, a Alemanha evoluiu na direção de apoiar o Império
Habsburgo — sustentando-o (como Moltke prometeu a Conrad durante a
crise da Bósnia-Herzegóvina) mesmo num ato de agressão — em vez de
ficar isolada outra vez.
• A Itália, imprevisível militarmente mesmo contra o lerdo Império
Otomano, não era confiável.
• A Turquia europeia, liberada pelos próprios povos balcânicos, em vez
de pelas grandes potências (como se esperara), caiu consequentemente
presa da violência e das paixões voláteis dos seus grupos étnicos rivais, em
vez de desfrutar a estabilidade que o equilíbrio de poder das grandes
potências poderia ter trazido.
• A Sérvia, exultante com suas vitórias relâmpago nas duas guerras dos
Bálcãs, ansiava por continuar sua expansão.
• Com um medo mortal dos planos da Sérvia, a Áustria passou a
acreditar que atacar primeiro podia ser sua única esperança. Vendo os
Estados balcânicos potencialmente como um bloco único (e como tal
equivalente a uma grande potência nova), ela temia a possibilidade de
tornar-se uma entidade eslava ou grego-ortodoxa, alinhada com a Rússia, e
assim deslocar o equilíbrio de forças na Europa em favor da França/Rússia.
• Durante um tempo, o kaiser achou que a mudança no equilíbrio de
forças criaria um para-choque capaz de resolver o problema da rivalidade
austro-russa, ao mesmo tempo permitindo aos cristãos se unirem em sua
expansão para o leste, contra o islã.

Em 23 de outubro de 1913, Guilherme descreveu o resultado das


guerras dos Bálcãs ao ministro das Relações Exteriores austro-húngaro com
as seguintes palavras: “O que estava ocorrendo era um processo histórico
que deve ser classificado na mesma categoria que as grandes migrações
humanas, sendo o caso presente o de um grande avanço dos eslavos.1 A
guerra entre o Oriente e o Ocidente era inevitável a longo prazo.” E
continuou, dizendo: “Os eslavos não nasceram para governar, e sim para
obedecer.” Sua estranha concepção nessa oportunidade era de que a Sérvia
podia ser convencida a aceitar a liderança da Áustria e salvar o Ocidente.
Sob liderança teutônica, a cristandade olharia a leste para expandir-se, como
no passado a maré islâmica fluíra para o oeste.
De todas as mudanças de tendência e de percepção que ocorreram na
política internacional europeia durante os anos anteriores à guerra, talvez a
mais discordante de nossas percepções de hoje seja a crença, amplamente
sustentada em Berlim, de que a Alemanha estava ficando mais fraca.
Retrospectivamente, o que chama nossa atenção, ao contrário, é que a
Alemanha vivia um surto de crescimento industrial e militar; ficava cada
vez mais forte. Os números da indústria e outros aí estão para prová-lo, e
políticos e empresários britânicos tão astutos quanto Joseph Chamberlain
viam o declínio da Grã-Bretanha face à Alemanha como uma realidade.
Mas Moltke falava para muitos baluartes do poder na Alemanha que
achavam que a guerra final era inevitável — e que estavam convencidos de
que ela só podia ser ganha se travada mais cedo, em vez de mais tarde. Se a
Áustria precisava de uma guerra hoje, a Alemanha, na visão de Moltke,
precisava de uma no mais tardar amanhã.
Apesar de a Europa ter se afastando da beira do precipício, como
indicava a nova perspectiva do kaiser, a beira do precipício continuava
perto. Entre 1908 e 1913, permanentemente, os europeus chegaram cada
vez mais perto do limite. Antes, as potências estavam presas a tratados
secretos de aliança que as comprometiam a ajudar umas às outras em caso
de ataque. Agora, as alianças já não eram mais defensivas. A França lutaria
pela Rússia, e a Grã-Bretanha poderia lutar pela França, certa ou errada,
assim como a Alemanha pela Áustria. A questão que a guerra resolveria
era: qual das grandes potências continuaria a ser grande potência? Em 1914,
somente uma delas sentia seu status— e a sua existência — imediatamente
ameaçado a menos que tomasse uma atitude prontamente, e esta potência
era a Áustria-Hungria.
Estar cercada era o pesadelo da Alemanha, e a própria Alemanha havia
provocado isso. Situado no coração da Europa, o país havia aterrorizado tão
efetivamente os seus vizinhos que eles acabaram se agrupando em
autodefesa. Por sua vez, o que seus vizinhos foram levados a fazer reforçou
ainda mais a paranoia alemã. O que havia começado como uma sombria
fantasia fora convertido, pelas próprias ações da Alemanha, em realidade.
França, Inglaterra e Rússia não tinham intenção de atacar a Alemanha, mas
faziam planos de contingência para se articularem contra o império do
kaiser se e quando ele as atacasse.
Culturalmente, a população mais e melhor educada da Europa em todos
os aspectos — a da Alemanha — dizia a si mesma que estava sendo
sufocada por uma civilização europeia que a pressionava por todos os lados.
Não era evidente então, nem é agora, o porquê de os alemães se sentirem
assim, mas é claro que era assim que se sentiam.
Tais sentimentos faziam-se certamente notar em assuntos militares e
políticos. Os historiadores acreditam que houve um relaxamento da tensão
entre a Inglaterra e a Alemanha em 1914, como quando elas resolveram
conflitos como os relacionados com o plano alemão de construir uma
estrada de ferro Berlim-Bagdá e nomear um oficial-general alemão, Otto
Liman von Sanders, para reorganizar o Exército otomano. Mas quando o
embaixador anglófilo da Alemanha em Londres enviou uma mensagem
para casa instando Alemanha e Inglaterra a permanecerem unidas, um alto
funcionário das Relações Exteriores de Berlim só pôde imaginar que o
embaixador fora enganado pelos britânicos: “Puseram-lhe a camisa de onze
varas outra vez” (27 de junho de 1914).2 “Contra nós”,3 eis a anotação
marginal do kaiser quando um jornal russo exortou a Entente à prontidão;
“eles estão se preparando sob forte pressão para uma guerra iminente contra
nós”.4 À afirmativa do jornal de que a “Rússia e a França não querem
guerra”, o kaiser escreveu: “Conversa mole!”5

________________
1 Albertini 1952 I: 488
2 Kautsky 1924: 53
3 Ibid.
4 Ibid.: 54
5 Ibid.
Capítulo 16

MAIS ABALOS NOS BÁLCÃS

Nos turbulentos Bálcãs do começo do século XX, tratados de paz


pareciam não passar de tréguas durante as quais as partes articulavam seus
realinhamentos para a próxima rodada de disputas. E assim foi em meados
de junho de 1914, quando o kaiser Guilherme II manteve discussões com
seu amigo, o arquiduque Francisco Ferdinando. Esses encontros foram
seguidos por conversações amplas entre Francisco Ferdinando e o conde
Berchtold, ministro das Relações Exteriores da Monarquia Dual. Estas, por
sua vez, levaram ao rascunho a várias mãos no Ministério das Relações
Exteriores dos Habsburgo de um memorando que delineava a grande
estratégia da Áustria-Hungria.
Guilherme e Francisco Ferdinando se encontraram na casa de campo do
arquiduque, em Konopischt, Boêmia (hoje, República Tcheca). Nenhuma
transcrição sobreviveu, mas há indícios de que Francisco Ferdinando foi
instado, por seu imperador, a obter de Guilherme o compromisso de
continuar apoiando a Áustria incondicionalmente, tal como havia feito em
novembro de 1912, e que Guilherme havia evitado tal declaração. O
governo austríaco acreditava que a Sérvia representava um perigo mortal,
mas o kaiser discordava.
A relação política entre Guilherme e Francisco Ferdinando era muito
mais complexa do que aparentava superficialmente. Para o kaiser, pelo
menos em pane, tratava-se de uma amizade de conveniência. Ele havia
empreendido formar um vínculo com o herdeiro aparente dos Habsburgo.
Em alguns aspectos, foi coisa fácil de fazer por causa dos seus gostos
comuns, inclusive a paixão pela caça. Guilherme fazia questão de tratar
Sophie, a esposa de Francisco Ferdinando, como arquiduquesa, posição que
lhe fora negada em seu próprio país. Guilherme lidava com o arquiduque
como se ele fosse o parceiro político que, com a morte do velho Francisco
José, poderia realmente vir a ser. Ele se esforçou para fazer de Francisco
Ferdinando um amigo, mas é possível que este não tenha gostado
inteiramente de Guilherme. Havia tensões no seio da aliança austro-alemã.
Eram homens de temperamento autocrático. Eram impacientes e
fortemente tendenciosos. Mas Francisco Ferdinando era católico romano, e
Guilherme, luterano. E o arquiduque se ressentia profundamente da queda
do Império Habsburgo do seu primeiro lugar entre as potências da Europa
para a sua posição em 1914, de parceiro menor da Alemanha de Guilherme.
Ele detestava a Hungria, e deplorava a fraqueza que levou a Áustria a fazer
os magiares parceiros de governo. Guilherme, ao contrário, falava
altamente do conde István Tisza, primeiro-ministro húngaro, mas não
lograva convencer Francisco Fernando.
Ambos alimentavam esperanças de uma eventual distensão com a
Rússia, cujo tsar partilhava a crença deles no absolutismo real. Porém,
assim como Guilherme permitia que seu racismo antieslavo se sobrepusesse
à sua ideologia monarquista, Nicolau subordinava a sua ideologia ao
interesse nacional do país. E deve-se observar que o kaiser tinha um medo
paranoico de a Rússia estar planejando uma guerra contra a Alemanha.
De tempos em tempos, ao longo das frequentes crises bélicas que eram
um traço tão conspícuo da sua época, ambos escolhiam a paz, e por isso não
gozavam da confiança dos militares em seus respectivos países. Eram
homens imoderados em seu uso da língua: Francisco Ferdinando lidando
com as pessoas, Guilherme ao lidar com a política.
Apesar de serem aliados próximos em teoria, a Alemanha do kaiser
tinha planos econômicos ambiciosos na Asia e mesmo nos Bálcãs, dos
quais a Monarquia Dual de Francisco Ferdinando estava excluída. A
Áustria-Hungria não apoiaria a Alemanha no Marrocos; a Alemanha não
apoiaria a Áustria-Hungria na Albânia. Quanto aos beligerantes na Segunda
Guerra dos Bálcãs, a Alemanha estava com a Grécia, e a Áustria com a
Bulgária. Os austríacos não conseguiam entender como a Alemanha não via
o porquê de a Sérvia, que havia dobrado de tamanho, os apavorar. A Sérvia
exercia uma atração magnética sobre a importante população eslava do
Império Habsburgo.
Em termos de planejamento político em junho de 1914, a questão para
os dois impérios era que país deveria ser seu aliado principal nos Bálcãs:
Romênia ou Bulgária? A Alemanha escolheu a Romênia, ao passo que a
Áustria, mais uma vez, escolheu a Bulgária. Neste assunto, porém,
Francisco Ferdinando não fazia coro com o seu governo; como o kaiser, ele
preferia a Romênia.
E ali deliberavam juntos, dois dos homens mais antipatizados da vida
pública europeia, ainda que, nas fileiras dos seus próprios governos, talvez
os únicos de peso a repetidas vezes favorecer o recuo à beira da guerra. Eles
eram mal compreendidos pelo mundo externo. O kaiser, que gostava de
falar grosso, frequentemente fazia discursos extravagantes exaltados de
adolescente beligerante tentando impressionar seus pares, mas enquanto
suas tiradas eram belicosas, suas decisões — quando chegava o momento
de agir — geralmente não eram. Contudo, não havia razão para não
entender Francisco Ferdinando; ele falava tão bem como trabalhava para
alcançar a paz.
O general Conrad, certa feita chefe do Estado-maior austríaco, lembra-
se do ajudante de ordens dizendo, em 1913: “O arquiduque fez soar o toque
de retirada em toda a linha, em nenhuma hipótese vai entrar em guerra com
a Rússia, de jeito nenhum vai permitir que aconteça. Ele não quer sequer
uma ameixeira, uma ovelha da Sérvia.” Berchtold, ministro das Relações
Exteriores da Áustria, disse a Conrad: “O Herdeiro Aparente está
inteiramente do lado da paz.” Segundo relatos, Francisco Ferdinando disse
a convidados de um jantar que a Áustria nada tinha a ganhar conquistando a
Sérvia; entrar em guerra seria “insensato”.
Em 16 de março de 1914, Conrad falou, como frequentemente fazia, em
entrar em guerra assim que possível contra a Rússia. Estava conversando
com o embaixador da Alemanha em Viena, que lhe explicou por que isto
não podia acontecer: “Duas pessoas importantes são contra, o seu
arquiduque Francisco Ferdinando e o meu kaiser.”1
Uma verdade oculta sobre a política de 1914 — algo que o mundo
externo não suspeitava — é que se esses dois homens tivessem continuado
a trabalhar juntos em prol dos seus objetivos políticos comuns, as grandes
potências da Europa até poderiam ter mantido a paz. As guerras de 1914
não teriam ocorrido.
O conde Berchtold fora para Konopischt um dia depois de Guilherme
partir. Era domingo, 14 de junho, duas semanas antes da programada
viagem de Francisco Ferdinando a Sarajevo. Os dois homens e suas esposas
passaram o dia juntos. Depois, Berchtold pôs seus funcionários do
Ministério das Relações Exteriores para trabalhar nas questões em pauta.
Não era de fato a sua equipe. Tratava-se da camarilha de agitadores
políticos que ele herdara de Aehrenthal, que sabia como controlar seus
espíritos exaltados. Mas Berchtold, então, estava lhes dando liberdade de
ação. Seu objetivo era resumir o pensamento atual da Áustria nos assuntos
mundiais: onde estava a Monarquia Dual e onde esperava chegar.
Uma preocupação era a Albânia, país criado pelas potências europeias
como tampão para conter o expansionismo sérvio. A suposição era de que
ela seria de orientação austro-alemã; é verdade, deram à Albânia um
monarca alemão. Contudo, a Itália — aliada nominal da Áustria e da
Alemanha na Tríplice Aliança — estava manobrando para conseguir impor
sua hegemonia na recém-criada nação. A Itália estava se tornando um rival
e talvez um inimigo.
Era a Rússia uma preocupação? Guilherme e Francisco Ferdinando
tendiam a pensar que não, e favoreciam um degelo nas relações com o tsar.
Entretanto, havia gente no Ministério das Relações Exteriores em Viena que
temia que, como em 1912, os russos pan-eslavos tivessem a capacidade de
unir todos os países balcânicos — só que desta vez contra a Alemanha e a
Áustria, em vez de contra a Turquia.
Guilherme pensava que os Estados balcânicos continuariam desunidos.
O artifício era apoiar a combinação certa entre eles. A Romênia estava no
topo da lista. Seu monarca havia secretamente prometido — pessoalmente
— apoiar a Tríplice Aliança. Isto não obrigava o seu país. Guilherme e
Francisco Ferdinando esperavam um compromisso público e seguro.
O problema era que a Áustria estava comprometida com a Hungria na
Monarquia Dual, e que Hungria e Romênia tinham um conflito
aparentemente irreconciliável — o qual perdura até hoje. Francisco
Ferdinando era ferrenhamente anti-húngaro, e queria aliar-se com a
Romênia às expensas da Hungria. O kaiser não enfrentaria a questão. Ele
admirava o premiê da Hungria, o conde István Tisza, e achava que o
conflito Hungria-Romênia de algum modo seria evitado. Ele também queria
trazer a Grécia para a aliança, mas não dispunha de indícios convincentes
de que a Grécia quisesse fazê-lo. Finalmente, ele esperava reconciliar a
Sérvia e a Áustria — para grande desgosto dos austríacos, que tentavam em
vão convencê-lo de que a Sérvia era uma ameaça que de qualquer modo
teria de ser eliminada. Com efeito, o kaiser estava propondo recriar a
aliança vitoriosa da Segunda Guerra dos Bálcãs, só que desta vez liderada
pela Alemanha e a Monarquia Dual. Ele defendia juntar-se com o lado que
fora vencedor.
Berchtold via as coisas de maneira diametralmente oposta. O ministro
das Relações Exteriores da Monarquia Dual não acreditava que a Romênia
viesse a se aliar com a Áustria; ela não apoiaria a Áustria-Hungria por causa
do conflito húngaro, e consequentemente a Monarquia Dual aliar-se-ia ao
inimigo da Romênia, a Bulgária. A Bulgária tinha vínculos com a Turquia,
de modo que a Grécia seria forçosamente empurrada para o outro lado.
Assim, Berchtold também reconstituiria essencialmente a padrão de aliança
da Segunda Guerra dos Bálcãs, mas assumindo o lado que foi perdedor, em
vez de o vencedor.
Às vésperas da crise mundial, não havia acordo em Berlim ou em Viena
sobre quem era o inimigo ou qual era a disputa nos conturbados Bálcãs.
No tocante à Europa como um todo, os dois impérios tinham razoável
clareza sobre quem estava de que lado: eles próprios, talvez acompanhados
pela Itália, de um lado; a Rússia e a França, talvez acompanhadas pela
Inglaterra, do outro. Além disso, os dois chefes de Estado-maior, Helmuth
von Moltke, na Alemanha, e Franz Conrad von Hötzendorf, na Áustria-
Hungria, mantinham contatos próximos um com o outro e às vezes
discutiam seus respectivos planos de guerra. Ambos os generais defendiam
frequentemente o lançamento de uma guerra preventiva.
Com certeza, nas palavras de Hew Strachan: “A primeira vez que
Conrad propôs uma guerra preventiva contra a Sérvia foi em 1906, e depois
novamente em 1908-9, em 1911-13, em outubro de 1913 e maio de 1914:
entre 1º de janeiro de 1913 e 1º de janeiro de 1914, ele propôs a guerra
contra a Sérvia vinte e cinco vezes.”2
Mas os generais eram subordinados a monarcas que optaram pela paz. E
na Alemanha, Moltke também sofria a oposição de Tirpitz, que queria uma
guerra fria — pelo menos durante um bom número de anos —, em vez de
uma quente, e cujo foco seria o conflito com a Inglaterra, não com
potências terrestres como a França e a Rússia. Na ocasião, o ministro da
Guerra também fazia lóbi contra Moltke, pois queria manter o tamanho
reduzido da oficialidade, visando assegurar o controle prussiano da
Alemanha — o que era um nível demasiado baixo para vencer uma guerra.
Mesmo Moltke, nas circunstâncias de 1913, tinha advertido contra
lançar uma guerra, pois seria a hora errada de fazê-lo. Ele continuava a
acreditar “que mais cedo ou mais tarde uma guerra europeia iria fatalmente
acontecer, em que a questão seria uma luta entre o germanismo e o
eslavismo”. Em sua visão, porém, a guerra não deveria ser iniciada até que
a opinião pública pudesse ser conquistada para a causa. Nas palavras de
Moltke: “Para começar uma guerra mundial, é preciso pensar com muito
cuidado.”3
No alvorecer do século XX, os europeus eram mais ricos e poderosos do
que qualquer um jamais havia sido. Eles também deveríam ter se sentido
mais seguros do que qualquer um jamais havia se sentido. Mas não. Eles —
ou pelo menos seus governantes — eram presas do medo. Sentiam os
tremores. Onde e quando não sabiam, mas estavam convencidos de que um
terremoto ia acometê-los.
Do outro lado do Atlântico, pelo menos um político americano estava
suficientemente sintonizado nas realidades europeias para sentir a mesma
coisa. Seu nome era Edward House. Ele podia falar pelo presidente, e
decidiu tentar evitar o cataclismo que ameaçava.

________________
1 Geiss 1997: 48
2 Strachan 2001: 69
3 Geiss 1967: 43
Capítulo 17

UM AMERICANO TENTA DETER O PROCESSO

Nova York, 16 de maio de 1914. Uma imensa multidão se reunia nas


docas para a partida dos passageiros do transatlântico Imperator com
destino à Europa. Entre os que podiam ser vistos embarcando estava
Edward House: coronel House, para dar-lhe o seu título honorário texano.
House, de 55 anos de idade, foi descrito pelo New York Sun como “um
homem esbelto de meia-idade, bigodes bem aparados, bem vestido, de
aparência calma” e que andava devagar mas com firmeza.1 Ele também
falava baixo, às vezes num tom francamente sedoso.
Durante toda a sua vida ele havia tomado parte na política, embora
nunca tivesse se candidatado a cargos públicos. Era alguém a quem os
outros confiavam os seus segredos. Pode ter sido o melhor ouvinte da sua
época. Os que falavam com ele saíam convencidos de que ele os havia
entendido, o que geralmente era verdade, e que simpatizava inteiramente
com eles, o que amiúde não era o caso.
Homem de riqueza independente, familiarizado com as grandes figuras
de Wall Street, ele vivia em Manhattan e ao mesmo tempo mantinha uma
residência e sua base política no seu estado natal, o Texas. Quando
necessário, ia para Washington, D. C., encontrar-se com o chefe reformista
em primeiro mandato do Executivo americano, Woodrow Wilson, que
House tinha ajudado a eleger para a presidência na bizarra eleição de 1912.
Naquela eleição, os dois candidatos republicanos — o ex-presidente
Theodore Roosevelt, concorrendo pelo Partido Progressista, e o presidente
em exercício William Howard Taft — haviam rachado a maioria
republicana entre eles, criando condições para Wilson — candidato do
partido minoritário, o Democrático — insinuar-se, chegando à vitória com
menos de 50% do voto popular, ainda que bem mais do que a metade do
colégio eleitoral.
Woodrow Wilson foi um dos homens mais estranhos jamais eleito para
a presidência. Recluso que só se sentia à vontade na companhia de mulheres
e crianças, ele não tinha gosto pela política nem simpatia por políticos,
achava acordos e compromissos repugnantes, e a ambição política —
exceto a sua própria — uma coisa sórdida.
Foi o dom das descobertas casuais que reuniu Wilson e House na
eleição de 1912. House tornou-se seu alter ego. Uma vez Wilson eleito,
House assumiu grande parte dos aspectos políticos da presidência: as
tarefas rotineiras que Wilson não podia ou não queria fazer por si mesmo.
House entrevistava frequentemente os que procuravam emprego ou favores
na nova administração. Se havia acordos a fazer ou transações comerciais a
negociar, era ele quem agia. Os estudiosos continuam a discutir sobre as
contribuições respectivas dos dois homens para o bom andamento da
administração Wilson, mas House desempenhou um papel-chave em
assuntos tão importantes como o estabelecimento do Federal Reserve
Bank,* a reforma fiscal e a instituição do imposto de renda.
No campo das Relações Exteriores, pelo menos nos dois primeiros anos
da presidência de Wilson, foi House, um talentoso estudante da política
internacional, quem se mobilizou com os desenvolvimentos europeus,
enquanto Wilson, que não tinha experiência na questão, não se interessou.
House observou, na primavera de 1914: “O presidente deu muito pouca
atenção à situação existente na Europa.”2 Ele mesmo estava bastante
preocupado com o que estava vendo e prevendo. House estava
aparentemente quase sozinho entre os políticos americanos quanto à
compreensão das implicações das guerras dos Bálcãs, percebendo que
podiam acabar ameaçando a paz e a estabilidade mundiais.
Para acabar com os perigos que percebia adiante, House propôs ir à
Europa para negociar a criação de uma nova estrutura internacional, que
criaria uma paz duradoura entre as grandes potências. Wilson lhe deu seu
pleno e admirativo apoio ao esforço. O nome em particular dado por House
à missão para a qual estava em vias de embarcar foi “a grande aventura”.
A eficiência de House e seu valor para o presidente deveram-se em
grande parte à sua discrição. Segredos lhe eram confidenciados porque as
pessoas acreditavam que podiam confiar, que ele não os revelaria. É claro,
isto gerou uma ampla curiosidade popular. Caracterizando House como um
homem misterioso, o editor de um jornal disse a um dos seus repórteres:
“House não recebe ninguém.3 Não é possível chegar até ele. Ninguém sabe
seu endereço, e seu número de telefone é particular.” Mas isso era exagero;
House fazia-se acessível, como faz o bom político. Assim, a bordo do
Imperator, e ainda que preocupado com pensamentos da sua missão secreta,
ele encontrou tempo para lidar com o telegrama de uma mulher que pedia
que seu marido, um oficial consular estadunidense, fosse promovido de um
posto no Rio para outro em Londres. “Nem no mar pode-se descansar dos
suplicantes do gabinete”, foi o comentário de House.4
A missão que House tinha se atribuído era convencer a Alemanha e a
Grã-Bretanha a se juntarem aos Estados Unidos numa aliança pela paz. Ele
acalentava havia muito a ideia de que as principais potências da Europa
acumularam tanto poder em suas mãos que, junto com a América, podiam
evitar guerras de maior envergadura.
Esta era uma ideia que, por assim dizer, estava no ar. No passado,
Theodore Roosevelt tinha considerado a criação de um cartel de talvez
cinco grandes potências para manter a paz mundial. Ideias em prol de uma
liga das nações também despontavam de tempos em tempos na
administração liberal da Grã-Bretanha.
Andrew Carnegie, o magnata do aço que se tornara um dos homens
mais ricos do mundo, tinha se dedicado a um projeto não muito diferente do
de House poucos anos antes. Visando uma aliança de “nações teutônicas”,5
Carnegie perguntava retoricamente: “Por que deveríam lutar as nações
teutônicas?”6 Ele imaginava ter garantido o apoio do governo britânico,
notadamente do primeiro-ministro Hebert Asquith e do secretário das
Relações Exteriores, Sir Edward Grey, para o seu plano. Para que se
tornasse realidade, tudo o que precisava era que o kaiser Guilherme II
assumisse a liderança.
“Hoje está no poder de um homem fundar a liga pela paz”, explicou
Carnegie em 1907.7 “Entre todos os homens, o poder de abolir a guerra
parece estar apenas nas mãos do imperador alemão.” Por razões não
inteiramente claras, Carnegie achou que seus planos tinham sido arruinados
com a morte do rei inglês, Eduardo VII, em 1910.
Como Carnegie, House acreditava ter o apoio do governo britânico para
o seu plano, e que a chave para a sua viabilidade era ganhar o apoio do
kaiser. Na primavera de 1914, imediatamente após desembarcar na Europa,
House foi para a Alemanha. A bordo do navio e chegando na Alemanha,
House sondou a opinião entre alemães bem colocados e bem informados e o
que ouviu não era auspicioso para a causa da paz. De Berlim, ele escreveu
ao presidente em 29 de maio, dizendo que o que ouvira até então “tendia a
confirmar a opinião da quase impossibilidade de melhorar a situação”.8Sem
dúvida, escreveu ele, “a situação é extraordinária. Grassa o jingoísmo mais
ensandecido”. House previu “um terrível cataclismo”, a não ser que ele ou
Wilson participasse dos acontecimentos, pois “Ninguém na Europa pode
fazê-lo. Há ódio demais, desconfiança demais”.
Houve na Rússia uma violenta campanha de imprensa contra a Áustria.
Na Áustria, houve uma violenta campanha de imprensa contra a Rússia. A
Liga Pangermânica, um bem relacionado grupo de pressão na Alemanha,
anunciou, em 19 de abril de 1914, que “a França e a Rússia estão se
preparando para a luta decisiva contra a Alemanha e a Áustria-Hungria e
pretendem atacar na primeira oportunidade”. Uma manchete de jornal (11
de março de 1914) advertia os alemães que “uma guerra, cuja semelhança a
história nunca viu, está a caminho”.
Na análise de House, a Rússia e a França “cercariam” a Alemanha e sua
aliada, a Áustria-Hungria, se a Grã-Bretanha desse o sinal. Mas a Grã-
Bretanha hesitava em fazê-lo: se a Alemanha fosse esmagada, quem restaria
para conter a Rússia? Não obstante, se a Alemanha continuasse a ameaçar a
supremacia naval inglesa, Londres não teria escolha exceto aceitar o desafio
de Berlim.
Daí o plano de House: um acordo entre a Grã-Bretanha e a Alemanha de
limitação do tamanho das suas respectivas Marinhas, a ser mediado pelos
Estados Unidos. O acordo poderia ensejar o mundo essencialmente pacífico
que a América desejava, mas — sempre realista — House advertiu que
poderia haver “alguma desvantagem para nós” no acordo entre a Grã-
Bretanha e a Alemanha.
Tirpitz destacava outro defeito no plano de House. “Ele repudiou todo
desejo de conquista, e insistiu que era a paz que a Alemanha queria, mas a
maneira de mantê-la, é incutindo o medo nos corações dos seus inimigos.”
House queria que a Alemanha parasse de expandir sua Marinha; Tirpitz, em
vez disso, desejava “ampliar sua expansão”.
O principal objetivo de House era ter um encontro com o governante
alemão, e ele conseguiu. Em 1º de junho, ao longo de um festival de um dia
inteiro de cerimônias religiosas, paradas e entrega de medalhas, House
conseguiu um encontro particular com duração de meia hora com o kaiser.
A menção no diário de House indica que os dois homens discutiram
“como a situação europeia afetava a raça anglo-saxã”. Na visão expressa
pelo kaiser, Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos representavam a
civilização cristã. Latinos e eslavos eram semibárbaros, acreditava ele, e
também não confiáveis, de modo que a Inglaterra estava errada em aliar-se
com a França e a Rússia. Por outro lado, o núcleo teutônico — Alemanha,
Grã-Bretanha e América — deveria aliar-se com todos os demais europeus
em defesa da civilização ocidental “contra as raças orientais”.9
House tentou persuadir o kaiser de que a Alemanha deveria abandonar
seu desafio ao poder naval britânico. A Grã-Bretanha não teria mais por que
se aliar com a Rússia. Teria sido somente a ameaça representada pela
Alemanha que jogou a Grã-Bretanha nos braços da Rússia. Ao contrário, a
Rússia seria o inimigo natural da Grã-Bretanha. Em outras palavras, estava
no poder do kaiser realizar o que ele afirmava querer: desvincular-se a
Inglaterra da aliança com a Rússia e a França, aliando-se em vez disso com
a Alemanha.
House “falou da comunidade de interesses entre Inglaterra, Alemanha e
Estados Unidos e do pensamento de que, se ficassem juntos, a paz mundial
poderia ser mantida. [...]10 Contudo, na minha opinião não podia haver
entendimento entre a Alemanha e a Inglaterra enquanto ele [o kaiser]
continuasse a expandir a sua Marinha”. O kaiser respondeu que precisava
de uma Marinha forte, mas que quando seu programa de expansão em curso
terminasse, ele pararia.
House disse que sua ideia era de que um americano — ele ou o
presidente — estaria em melhor posição do que um europeu para reunir as
potências europeias. O kaiser concordou. House disse que tinha querido
encontrar-se primeiro com o kaiser, e que estava indo diretamente para
Londres, para tentar garantir também o acordo britânico para uma iniciativa
dos Estados Unidos seguindo aquelas mesmas linhas.
House deixou a Alemanha esperançoso. De Paris, ele relatou ao
presidente em 3 de junho que havia conversado com quase todos os alemães
influentes nos encontros que tivera: “Estou feliz em lhe dizer que tive êxito
como previsto e disponho de um farto material para negociações em
Londres.”11 O imperador alemão “pareceu feliz de eu ter me encarregado de
começar o trabalho” e “também concordou com a minha sugestão de que,
qualquer que fosse o programa acordado pela América, a Inglaterra e a
Alemanha, seria bem-sucedido”.12
O cerne da questão, como compreendia House, era que “a Inglaterra e a
Alemanha têm um sentimento em comum, o medo que sentem uma da
outra”.13 Sua tarefa, cria ele, era dissipar esses medos aproximando os
líderes dos dois países e estimulando-os a se conhecerem e a confiarem um
no outro. House acreditava na resolução face a face dos problemas em
contatos de alto nível. Achava “essencial os dirigentes se reunirem” para
acabar com os desentendimentos.14 Ele pensava estar “no caminho certo
para começar a grande tarefa que tinha empreendido”.15
House viajou para Londres em 9 de junho. Ele anotou em seu diário que
Walter Hines Page, o embaixador dos Estados Unidos para a Grã-Bretanha,
“foi delicado a ponto de dizer que considerava meu trabalho na Alemanha o
mais importante realizado nesta geração”.16 Page arranjou um encontro de
House com Sir Edward Grey. Não foi fácil. House explicou a Wilson:
“Encontrei tudo aqui atravancado com afazeres sociais, e é impossível
trabalhar rapidamente.17 Eles só pensam em Ascot,** recepções ao ar livre,
etc., etc.”
Em 27 de junho, o encontro com Grey finalmente aconteceu, durante
um almoço. Ainda que outros estivessem presentes, a conversação coube
quase toda a House e Grey. Eles realizaram uma discussão ampla sobre a
conturbada situação política europeia. Concordaram que os líderes
franceses tinham aberto mão de quaisquer pensamentos de recuperar
territórios na Alsácia e Lorena, ou de se desforrar da Alemanha. O povo
francês ainda acalentava tais sonhos, mas os políticos franceses
reconheciam que o crescimento constante da população alemã em relação à
da França fazia deste objetivo uma possibilidade cada vez mais remota.
Quanto à Rússia e à Grã-Bretanha, Grey observou que as duas entravam
em contato em tantos pontos ao redor do mundo que era importante manter
os melhores termos. Grey afirmava entender que a Alemanha sentisse
necessidade de construir uma frota maior. Foi House quem alertou Grey —
e não Grey quem alertou House — sobre o “espírito de guerra militante na
Alemanha e a grande tensão popular. [...]18 Eu achei que a Alemanha
atacaria rapidamente quando se pusesse em movimento. Que não haveria
parlamentações ou discussões. Que quando sentisse que uma dificuldade
não podia ser resolvida através de negociações pacíficas, ela não correria
riscos, mas atacaria. Eu achei que o kaiser ele mesmo e seus assessores
imediatos não quisessem a guerra, por desejarem que a Alemanha
continuasse a se expandir comercialmente e a aumentar sua riqueza, mas o
Exército estava imbuído, agressivo e pronto para a guerra a qualquer
momento”.
Contudo, os dois homens concordaram — menos de 24 horas antes de o
arquiduque Francisco Ferdinando ser assassinado — que “nem a Inglaterra,
a Alemanha e a Rússia, e nem a França desejava a guerra”.19 Olhando
prescientemente para uma ameaça menos visível mas de mais longo prazo à
estabilidade global, House incitou as quatro potências europeias a chegarem
a um acordo com os Estados Unidos, mediante o qual, agindo juntos, eles
poderiam fornecer crédito a juros mais baixos aos “países não
desenvolvidos da Terra”.20
Chegando ao fim o mês de junho, House continuou a encontrar-se com
líderes europeus em busca do seu sonho americano para o mundo.
Uma década mais tarde, Grey escreveu: “House tinha acabado de chegar
de Berlim, e falou com sentimento grave da impressão que recebera lá;
como a atmosfera dava uma impressão carregada de fragores de armas, de
prontidão para atacar.21 A ênfase poderia ser descontada, como impressão
que naturalmente se impôs a um americano que via de perto pela primeira
vez um sistema militar continental. Este sistema era tão estranho ao nosso
temperamento quanto ao dele, mas nos era familiar. Nós vivemos bem ao
lado durante anos; sabíamos e observamos seu crescimento desde 1870.
Mas House era um homem de conhecimentos extraordinários e julgamento
frio. O que seria de nós se esse militarismo tivesse tomado o controle da
política?”
Na primavera de 1914, enquanto House continuava em sua missão, os
chefes de Estado-maior da Alemanha e da Áustria, Moltke e Conrad,
tomavam banhos juntos nas casas de banho de Carlsbad, na Boêmia.
Discutiam planos de guerra. Moltke também manteve conversações naquela
primavera com Gottlieb von Jagow, o ministro alemão das Relações
Exteriores. Jagow registrou que Moltke lhe dissera que, em dois ou três
anos, a “superioridade militar dos nossos inimigos [...] seria tão grande que
ele não saberia como superá-los. Hoje, nós ainda seríamos páreo para eles.
Na opinião dele, não havia alternativa a não ser fazer a guerra preventiva
para derrotar o inimigo enquanto ainda existia uma chance de vitória.
Consequentemente, o chefe do Estado-maior propôs que eu conduzisse uma
política com o objetivo de provocar uma guerra no futuro próximo”.

________________
* Mantidas as especificidades histórico-institucionais, o Federal
Reserve Bank cumpre função equivalente à do nosso Banco Central. (N. do
T.)
** Povoado próximo de Windsor in Berkshire, que as elites
frequentavam pelas corridas de cavalo disputadas em junho em Ascot
Heath. (N. do T.)
1 Smith 1940: 51
2 Ibid: 102
3 Ibid: 2
4 House Papers, 1914 Diary, 23 de maio.
5 Wall 1989: 909
6 Ibid.
7 Ibid: 924
8 Link 1979: 108-109
9 House Papers. 1914 10 Diary, 1º de junho.
10 Ibid.
11 Link 1979: 139
12 Ibid.: 140
13 Ibid.
14 House Papers, 1914 Diary, 24 de junho.
15 Ibid: 1º de junho.
16 Ibid: 12 de junho.
17 Link 1979: 190
18 House Papers, 1914 Diary, 1º de junho.
19 Ibid.
20 Ibid.: 24 de junho.
21 Grey 1925 I: 323
Parte Quatro

ASSASSINATO!
Capítulo 18

A ÚLTIMA VALSA

Embora Francisco Ferdinando von Osterreich-Este, sobrinho do velho


imperador Francisco José e herdeiro aparente dos tronos Habsburgo da
Áustria e da Hungria, não fosse nem firme nem coerente na sua visão do
futuro do seu império, as peças do seu pensamento até certo ponto se
encaixavam. Elas assumiam tons de uma missão histórica de restauração,
pois, se todas as suas preferências e desejos políticos fossem satisfeitos, era
no que teriam redundado. Profundamente católico romano e anti-italiano,
ele queria desfazer a unificação da Itália, alcançada sob auspícios seculares
meio século antes; ele teria dissolvido o Estado italiano e restaurado o
domínio papal e austríaco. Teria gostado de ver o Império Habsburgo voltar
à sua posição no primeiro escalão, alinhando-se pelo menos em pé de
igualdade com a Alemanha na equação europeia de poder. Ele teria
revogado a participação igual da Hungria na Monarquia Dual, retornando,
em substituição, a uma estrutura de poder central em que todas as outras
nacionalidades (ou pelo menos as numerosas nacionalidades eslavas)
exercessem uma autonomia igualmente limitada. Finalmente, ele teria
sanado a ruptura com a Rússia, que datava da segunda metade do século
XIX, e se uniria ao tsar e ao rei da Prússia para promoverem a causa do
monarquismo e dos valores tradicionais nos assuntos da Europa e do
mundo, como haviam feito, por exemplo, em 1814 com a Santa Aliança.
Na primavera de 1914, o herdeiro aparente tinha cinquenta anos de
idade. Ele parecia ter se recuperado da doença que o atormentara nos anos
anteriores. Era um homem de altura mediana, tendente ao pesado. Seu
bigode grave de pontas levantadas era mais espesso que o do kaiser, mas
em ângulo poucos graus menos agudo.
Francisco Ferdinando mantinha uma chancelaria militar
paragovernamental própria, com consentimento do imperador: Francisco
José a reconhecera oficialmente em 1908. Com o apoio da sua equipe
pessoal, Francisco Ferdinando, nas palavras de um historiador recente,
“chegou a usufruir de influência, até de poder, e a ter direito a voz, senão a
veto, sobre os postos de ministro da Guerra ou de chefe do Estado-maior.1
O arquiduque se interessava vivamente pelas forças armadas do seu
país, mas sua tendência, nas muitas crises internacionais que irromperam ao
longo da sua vida, era recuar e evitar a guerra. Nisto (embora não em muito
mais), ele teria sido um verdadeiro herdeiro político de Francisco José, que
viu seu império perder guerras cruciais e cuja preferência, nas crises
internacionais do começo do século XX, parecia ser pela paz.
No começo de 1914, Francisco José tinha 84 anos de idade. Havia
ascendido ao trono em 1848. A maioria dos seus súditos não podia lembrar-
se de outro monarca. Em sua idade avançada, sua imagem era a de um
velho e amável cavalheiro. Ele simbolizava a continuidade com o passado e
com seus valores e virtudes. A noite ainda escura, ele acordava para
cumprir suas obrigações. Começava a trabalhar todos os dias às cinco da
manhã, e investia 12 ou mais horas na lida.
Com o senso de dever e a dedicação veio uma certa rigidez: uma
relutância ou incapacidade de ceder; uma falta de flexibilidade que parecia
caracterizar o conjunto do artrítico regime Habsburgo como um todo. A
literatura a seu respeito sugere que frustração e repressão estão por trás da
excessiva formalidade da vida vienense; e que o psiquiatra mais famoso da
cidade, Sigmund Freud, podia não estar completamente errado ao sugerir
que apetites inconfessáveis, doenças de que as pessoas teriam vergonha e
práticas então encaradas como perversas seriam disseminados sob a
superfície. Francisco José, o imperador virtuoso, infectou ele mesmo sua
bela esposa com uma doença venérea, e passou sua vida com a atriz
Katharina Scratt, uma amante — se é que esta é a palavra — em quem,
escrupulosamente, ele nunca tocou, exceto nos ombros. Seu único filho, seu
próprio herdeiro, o príncipe herdeiro Rudolf, morreu a tiros junto com uma
jovem bailarina, e é difícil acreditar (como parece ter feito a versão oficial)
que seus ferimentos seriam oriundos de um acidente de caça. Mayerling,
um filme de 1933 estrelado por Charles Boyer, contava uma história que
soava mais plausível: um pacto de suicídio entre amantes condenados, que a
sociedade jamais permitiria se casarem.
Francisco Ferdinando, o primo que sucedeu Rudolf como herdeiro do
trono, foi outra figura real penalizada por casar-se com a mulher que amava.
Alta, misteriosa, pobre mas orgulhosa, a condessa Sophie Chotek von
Chotkova und Wognin era empregada como dama de companhia numa
família arquiducal que Francisco Ferdinando visitava frequentemente.
Presumia-se que ele estivesse cortejando uma das filhas da casa. A mãe
ficou chocada ao descobrir que não era esse o caso — que se tratava apenas
de uma “cobertura” — e despediu Sophie, o verdadeiro objeto do interesse.
Francisco Ferdinando propôs casamento a ela. O imperador objetou.
Sem dúvida, Sophie era da antiga nobreza, mas sua família empobrecida
não tinha o dinheiro necessário para justificar sua inclusão na lista,
preparada pelas potências europeias em 1815 (após o Congresso de Viena),
dos elegíveis para casar e transmitir realeza. Insistindo em casar-se com
Sophie de qualquer maneira, Francisco Ferdinando tomou-a como esposa
em 1900. Ele tinha 37 anos de idade, ela, 32. Francisco Ferdinando foi
forçado a realizar um casamento morganático, renunciando para sempre ao
direito de seus filhos sucederem ao trono, e excluindo a condessa Chotek
(posteriormente duquesa de Hohenberg) de uma posição ao seu lado em
ocasiões formais (ela foi banida, desterrada num status relativamente
humilde). O príncipe Alfred Montenuovo, o camareiro-mor, era o
funcionário encarregado da etiqueta da corte e, como tal, parece ter se
tornado inimigo particular de Sophie.
O imperador Francisco José obviamente temia que, uma vez que
Francisco Ferdinando fosse por sua vez imperador, voltasse atrás em sua
palavra, talvez obtendo uma dispensa papal para fazê-lo, e tornasse Sophie
sua imperatriz de pleno direito, elevando a posição dos três filhos do casal,
bem como colocando-os na linha de sucessão ao trono. A luz deste receio
provavelmente justificado, parece muito estranho os funcionários da corte
continuarem suas perseguições mesquinhas contra Sophie, administrando o
protocolo de modo a repetidas vezes humilhá-la em público. Um dia ela
poderia ser perfeitamente capaz de cobrar; e não há dúvida, o próprio
Francisco Ferdinando teria gostado de fazê-lo.
O herdeiro aparente não era uma pessoa de quem fosse fácil gostar.
Poucos contemporâneos seus tinham uma palavra delicada a dizer sobre ele.
A única coisa que era (e continua a ser) atraente nele é o seu amor por sua
esposa e filhos. Quando foi convidado, em 1913, a inspecionar as forças
armadas em manobras programadas para o final de junho de 1914 na
Bósnia-Herzegóvina — um chamado muito pouco atraente em alguns
aspectos —, uma das razões pelas quais ele pode ter aceitado foi que,
devido ao status especial da Bósnia-Herzegóvina (que estava numa espécie
de limbo, enquanto Áustria e Hungria disputavam a propriedade), Sophie
teria permissão de tomar seu lugar junto dele durante os procedimentos
oficiais. Planejavam-se cerimônias na capital provincial de Sarajevo em 28
de junho, a data de aniversário do seu casamento.
E não há de ter sido apenas notado, mas salientado pelos funcionários
Habsburgo encarregados do planejamento dos eventos, que 28 de junho —
pelo menos segundo o moderno calendário ocidental — era o dia do
aniversário da Primeira Batalha de Kosovo (1389), na qual a Sérvia
medieval supostamente perdeu a sua independência para os turcos. Seria
razoável esperar que os sérvios da Bósnia-Herzegóvina, sempre refratários
por terem sido anexados pela Áustria, objetariam a qualquer ostentação do
governo austríaco naquela data particular.
O funcionalismo austríaco teve a sua reputação de eficiência desmentida
por seu desempenho na organização dessa viagem particular. Faltou
eletricidade quando o imperador embarcava no trem. A criadagem correu
para acender velas. Normalmente mal-humorado, Francisco Ferdinando
brincou; parecia, disse ele, que estávamos entrando “numa tumba”.
O arquiduque e sua consorte partiram na chuva na manhã de quarta-
feira, 24 de junho. Eles partiram de Viena separadamente, por caminhos
diferentes, e a chuva os seguiu. Sophie chegou primeiro ao destino comum:
a estação de águas de Bad Ilidze, nas cercanias da capital bósnia de
Sarajevo. Francisco Ferdinando chegou no final da tarde de quinta-feira, 25
de junho. Ele ficaram no hotel Bosna, que fora inteiramente reservado às
autoridades por toda a duração da estada. Citadinos emprestaram móveis e
acessórios ao hotel, para que ficasse melhor aos olhos dos visitantes.
Ao anoitecer, num impulso do momento, o casal visitante resolveu ir à
cidade, fazer compras. Em Sarajevo, eles perambularam pela rua do
mercado, onde artesãos vendiam seus trabalhos e comerciantes ofereciam
seus artigos. Passaram um tempo numa loja de tapetes. A multidão que os
seguia parecia afável e hospitaleira.
Nos dois dias seguintes, Sophie visitou escolas, orfanatos e igrejas, e
Francisco Ferdinando, como inspetor-geral, supervisionou exercícios de
guerra em que um Exército simulava lutar com outro na chuva
interminável. Conforme o relato escrito do arquiduque ao imperador, tudo
corria excelentemente. Depois, Francisco Ferdinando convidou oficiais do
Exército Habsburgo, funcionários civis e dignitários locais para um
banquete formal em seu hotel, na noite de sábado 27 de junho: um jantar
dançante. Seria uma noite a ser lembrada.
O hotel serviu sopa cremosa a Francisco Ferdinando e a seus
convidados, depois uma variedade de suflês, e a seguir musse de trutas do
rio local. Os pratos principais foram carne de boi, cordeiro e (os relatos
diferem) galinha ou pato, seguidos de aspargos, salada e sorbets, e então
queijos, sobremesas, sorvetes e doces. Foi servida uma grande variedade de
vinhos e aguardentes, incluindo champanha, vinhos brancos do Reno,
vinhos tintos de Bordeaux, Madeira, húngaro de Tokay e, penultimamente,
um vin du pays. um Zilavka branco encorpado da vizinha região de Mostar,
bebido justamente antes do conhaque.
Era uma noite de verão e as janelas do salão de jantar do Bosna estavam
abertas. Na relva abaixo, a banda da guarnição de Sarajevo tocava um
concerto de música leve. Pelas janelas abertas, os convidados podiam ouvir
passagens de O Danúbio Azul, de Strauss, talvez a mais conhecida das
valsas vienenses.
Francisco Ferdinando e Sophie tinham se conhecido em Praga, anos
antes, num baile. E era num baile que agora passavam sua última noite
juntos.

________________
1 Williamson 1991: 21
Capítulo 19

NA TERRA DOS ASSASSINOS

Francisco Ferdinando, como já se observou, era um reacionário: ele


bem teria gostado de fazer o calendário recuar um século. Os eslavos que
conspiraram contra ele eram ainda mais reacionários; olhavam para mais de
cinco séculos atrás, conforme já observado, para a Primeira Batalha de
Kosovo, na qual fora perdida a grandeza da Sérvia, acreditavam eles. Em 28
de junho de 1914, os conspiradores propunham remir a derrota de 1389 ao
custo das suas próprias vidas. Claro, não foi realmente a batalha de 1389
que desgraçou os Bálcãs cristãos; foi a Segunda Batalha de Kosovo — em
1448. Mas os aprendizes de terrorista que sonhavam aqueles terríveis
pesadelos podem não ter sabido. Não havia intelectuais entre eles.
Há uma tendência a pensar que a gente dos movimentos revolucionários
clandestinos é de esquerda. Mas os terroristas ocupam frequentemente um
espaço-tempo próprio: às vezes, eles não olham para a frente, mas para trás.
Aspiram restaurar reinos que há muito se tornaram pó. Alinham-se sob
bandeiras de causas esquecidas. Dão atenção cuidadosa a profetas que
pregaram para a gente de uma era pretérita.
Daí os fanáticos religiosos nas cavernas de Tora Bora nos primeiros
anos do século XXI, aspirando fazer reviver a religião tal como era
ensinada no século VII. Daí rapazotes secundaristas nas aldeias primitivas
dos Bálcãs um século atrás, esperando tornarem-se assassinos, tal como as
figuras lendárias de quem tanto ouviram falar na poesia patriótica.
Esses grupos do submundo terrorista eram muito semelhantes em seu
formato, senão nas mensagens. Faziam juramentos terríveis de fidelidade,
eram submetidos a testes assustadores, passavam por cerimônias de
iniciação nas quais sangue era bebido em crânios, punham uma pistola à
cabeça e obedeciam a ordem de puxar o gatilho, usavam codinomes e
organizavam-se em células em que somente o líder conhecia os membros
das demais. Embora seus objetivos diferissem, às vezes prestavam
assistência uns aos outros e frequentemente tomavam cerimônias, práticas e
procedimentos emprestados uns dos outros.
O que distinguia os terroristas dos assassinos comuns é que eles não
desejavam necessariamente as consequências imediatas da sua violência.
Matavam pessoas que mesmo eles amiúde consideravam inocentes. Sua
estratégia única — a estratégia de terrorismo — é amedrontar a sociedade e
levá-la a fazer algo que os terroristas desejavam que fizesse. Um assassino
comum dá um tiro em João da Silva porque quer João da Silva morto. Um
assassino terrorista dá um tiro em João da Silva, cuja vida ou morte pode
lhe ser completamente indiferente, porque quer que as autoridades reajam
de certa maneira ao assassinato.
Numa época em que os governantes da Eurásia reprimiam a liberdade
de expressão política, muitos jovens idealistas foram impelidos para a
clandestinidade. Redes de sociedades secretas viveram nos subterrâneos dos
impérios da velha Europa ao longo de todo o século XIX e no começo do
século XX, corroendo gradualmente as suas fundações. Seus membros eram
visionários, nacionalistas, oficiais do Exército, românticos, patriotas,
idealistas, fanáticos ou loucos. As sociedades eram ilegais e a vida que
ofereciam era perigosa, mas para os jovens isto era frequentemente um
atrativo e não um empecilho: a vida clandestina parecia glamourosa e
romântica. Alguns dos jovens terroristas acreditavam em atentados à bomba
e em assassinatos, ao passo que outros em que a violência individual era
menos efetiva do que a organização de massa; mas uma crença que tinham
em comum era que, tal como existia, a sociedade tinha de ser destruída
antes de a construção de um mundo melhor poder começar.
Anular as consequências da Revolução Industrial era a meta que muitos
deles perseguiam, ainda que pudessem exprimi-lo diferentemente, e para
este fim fomentavam greves e praticavam sabotagens. Outros se deixavam
embriagar pelo apelo fácil do nacionalismo: derrubar o domínio estrangeiro.
Como destacou Z. A. B. Zeman, a pressão popular emprestou intensidade e
urgência às demandas nacionalistas.1 O Habsburgo e outros impérios
multinacionais eram um celeiro de jovens criminosos políticos e de radicais
dementes de direita e de esquerda.
Reis, presidentes, primeiros-ministros e outros líderes de governo e da
sociedade eram assassinados indiscriminadamente, sem causar tanta
surpresa quanto acontecimentos desse tipo hoje causariam. Isso ocorreu
particularmente no Sudeste atrasado e semitribal da Europa, onde os
camponeses viviam com seus animais, disputas de sangue eram comuns e
matanças de retaliação eram a norma.
Por meio da ficção imaginativa de um Joseph Conrad ou de um
Dostoievski é possível tentar conceber este mundo de sociedades secretas
de um tempo remoto nos longínquos Bálcãs. Foi o mundo onde surgiu
Gavrilo Princip, um sérvio bósnio: adolescente sem talentos mas seriamente
determinado cuja escolha de carreira foi ser mártir. Ele era militante do
movimento Jovem Bósnia, um grupo meio indefinido de nacionalistas
juvenis. Aldeãos, produtos de uma sociedade feudal, os Jovens Bósnios,
que pertenciam à primeira geração educada da sua província, liam e
discutiam uma literatura relativamente atualizada e às vezes subversiva:
Walt Whitman, Alexander Herzen, Oscar Wilde, Maxim Gorky e Henrik
Ibsen estavam entre os autores cujas obras eles liam. É difícil imaginar o
que aquelas crianças de escola, com suas raízes emocionais no martírio
sérvio do século XIV e suas raízes econômicas na Idade Média, faziam do
Modernismo eduardiano e vitoriano. Eles conheciam os escritos, as teorias
e as ações da clandestinidade revolucionária russa, e os niilistas de meio
século antes, mas achavam difícil estabelecer uma ligação entre os vários
socialismos que animavam os russos e o mundo camponês dos Bálcãs.
Entretanto, o próprio Princip possuía uma pequena livraria de literatura
anarquista que contava com livros de Mikhail Bakunin e Peter Kropotkin.
Os versos de Nietzsche estavam frequentemente nos seus lábios. Figura
solitária, ele vivia mais entre os livros do que entre as pessoas.
Princip nasceu em 13 de julho de 1894, na aldeia de Gornji Obljaj, nas
florestas altas do vale do Grahovo. Trata-se do que Zeman chamou de “a
parte mais pobre de uma província pobre”, na Krajina, na região ocidental
da Bósnia, perto da Dalmácia.2 A família de Princip vivia lá há séculos,
durantes os quais fronteiras e Estados vieram e se foram. Eles eram sérvios
da Bósnia, fortemente ligados a sua terra, a sua igreja, a suas organizações
comunais e a seu clã. Gavrilo deixou o vale aos 13 anos de idade para
frequentar a escola em Sarajevo, a capital da Bósnia.
Rapaz magro, moreno, de cabelos cacheados, mais para o frágil, um
ascético que não fumava nem bebia, ele deixou crescer o bigode para
parecer mais velho, o que também lhe deu ares de um tocador de realejo.
Ele rejeitava a religião, brigava com seus professores e só frequentava a
escola intermitentemente. Queria ser poeta, sentindo o sofrimento dos
outros. Aborrecia-lhe o fato de não ser fisicamente atraente. Quando se
apresentou para o serviço militar sérvio nas guerras dos Bálcãs de
19121913, foi rejeitado por um oficial do recrutamento, que lhe disse:
“Você é pequeno demais, fraco demais.” A observação o magoou. Ele
nunca perdoaria aquele oficial.
Durante os vinte anos da vida de Princip, o assassinato foi uma
manifestação frequente e característica da divisão entre a sociedade e o
submundo. Entre os assassinados, temos o presidente da França (1894), o
xá da Pérsia (1896), o presidente do Uruguai (1896), o primeiro-ministro da
Espanha (1897), o presidente da Guatemala (1898), a imperatriz da Áustria
(1898), o presidente da República Dominicana (1899), o rei da Itália
(1900), o presidente dos Estados Unidos (1901), o rei e a rainha da Sérvia
(1903), o primeiro-ministro da Grécia (1905), o primeiro-ministro da
Bulgária (1907), o primeiro-ministro da Pérsia (1907), o rei de Portugal
(1908), o primeiro-ministro do Egito (1910), o primeiro-ministro da Rússia
(1911), o primeiro-ministro da Espanha (1912), o presidente do México
(1913) e o rei dos Helenos (1913). Em média, foi assassinado um chefe de
Estado ou de governo por ano.
Quando o jovem Princip ouviu ou leu, em março de 1914, aos 19 anos
de idade, que o herdeiro do Império Habsburgo ia visitar a Bósnia em
junho, ele inventou (afirmou ele) o projeto de organizar um assassinato. Ao
fim da sua vida, ele insistiu em que a ideia tinha sido sua. O que quer tenha
ocorrido, outros nacionalistas haviam tramado assassinar Francisco
Ferdinando sem sucesso em muitas ocasiões, a mais recente em janeiro de
1914. Há quem acredite que não se tratava exatamente de o arquiduque ser
odiado pelos Jovens Bósnios — eles eram mal informados e tinham, em
vários assuntos, opiniões completamente equivocadas —, mas de ele ser um
símbolo proeminente da ordem existente, que os estudantes queriam
assustar e derrubar.
Segundo outro conjunto de informantes, havia uma crença de que
Francisco Ferdinando defenderia o “trialismo”; ele pretenderia integrar os
eslavos ao governo dos austro-alemães e dos húngaros. Esta política
neutralizaria o nacionalismo sérvio e privaria os Jovens Bósnios e outros
grupos de sua causa.
Uma teoria oposta é que os nacionalistas sérvios teriam recebido
informações falsas de que a Áustria-Hungria estavas prestes a atacar a
Sérvia. As manobras em Sarajevo (diziam eles) eram mero ensaio geral.
Depois das guerras dos Bálcãs, todo mundo sabia que a Sérvia estava
exausta e precisaria de vários anos para recuperar-se. Francisco Ferdinando
(sussurravam eles) estava planejando tirar vantagem deste momento de
impotência, lançando uma invasão. Erradamente, eles afirmavam que em
Viena, nos círculos internos do governo, o arquiduque era partidário da
guerra. Na verdade, ele era o principal defensor da paz.
Princip chamou amigos para participarem do complô. Os amigos
aceitaram. Ele pediu aulas de tiro; mais uma vez, os amigos concordaram.
Um amigo — um certo Milan Ciganovic — conhecia “um cavalheiro” —
nome não fornecido — que poderia e de fato forneceu o armamento:
bombas, revólveres e veneno com o qual cometer suicídio depois de matar
os alvos. O mesmo “cavalheiro” era da alta hierarquia de uma organização
secreta e os faria passar clandestinamente pela fronteira entre a Sérvia e a
Bósnia, ocupada pela Áustria na ocasião da visita de Francisco Ferdinando.
As armas eram quatro pistolas automáticas belgas, de última geração.
As seis bombas de manufatura sérvia especial, muito pequenas, leves e tão
fáceis de carregar quanto de usar. O veneno era cianureto.
Por que o “cavalheiro” — major Voja Tankosic, braço direito do chefe
da Mão Negra, uma sociedade secreta dentro do Exército sérvio sobre a
qual continuaremos a falar — decidiu facilitar o assassinato? É possível que
sua organização, por meio dele, tenha recrutado Princip e seus amigos, em
vez de vice-versa? Ou se a trama começou realmente com Princip, Tankosic
estava falando sério quando disse, anos mais tarde, que a apoiou porque
queria “criar problemas para Pasic”, o primeiro-ministro da Sérvia?3
Outra das muitas versões da história dos assassinatos de Sarajevo foi
supostamente contada por Apis, líder da Mão Negra, a um amigo em 1915.
O amigo a publicou em 1924. Nessa narrativa, Tankosic queixa-se a Apis
um dia: “Dragutin, há aí uns garotos bósnios que estão me importunando.
Eles querem porque querem fazer um ‘grande feito’, a qualquer custo.
Ouviram dizer que Francisco Ferdinando está vindo para a Bósnia,
participar de manobras, e pediram-me para deixá-los ir até lá. O que me
diz? [...] Eu disse que não podiam ir, mas eles não param de insistir.” Apis
teria respondido algo como: por que não lhes dar uma chance? Mas então,
algum tempo depois, refletindo sobre o assunto, Apis começou a achar que
era importante matar Francisco Ferdinando, e que os estudantes não tinham
as qualificações necessárias. Então enviou uma mensagem para Princip
abortar a missão, pretendendo mandar alguém mais experimentado em seu
lugar. Mas Princip insistiu em continuar.
Houve três processos em que magistrados julgaram a questão de
Sarajevo: um austríaco (1914), um sérvio (1917) e um iugoslavo (1953).
Todos os três foram politicamente motivados, e das suas descobertas,
nenhuma suscita crédito. Nem sequer a pesquisa e as entrevistas exaustivas
empreendidas com dedicação pelo grande historiador italiano Luigi
Albertini no período entre guerras conseguiram esclarecer alguma coisa. O
que as testemunhas viram foi uma chance de acertar contas ou fazer
avançarem causas. Os nacionalistas sérvios continuavam a sentir orgulho
dos assassinatos; muitos quiseram ganhar crédito por eles, outros apenas
parecer importantes, mostrar que sabiam como realmente aconteceram. Ao
afirmar que era pessoalmente responsável pela matança, Apis podia estar
pensando que estava absolvendo o seu país da culpa. Ou que, por uma razão
ou por outra, não seria condenado pelo tribunal sérvio que o estava julgando
em 1917, se os juízes percebessem que ele era o patriota que havia matado
Francisco Ferdinando. Ou o tribunal pode ter ordenado a execução de Apis
exatamente para impedi-lo de falar... Nós nunca saberemos.
Afinal, tudo o que se sabe com certeza é que Princip disparou a arma.
O sinistro grupo que ajudou Princip chamava-se Ujedinjenje ili Smrt
[União ou Morte]. Posteriormente, ele ficou conhecido como a Mão Negra.
Foi fundado em 3 de março de 1911, por sete nacionalistas que
continuavam a protestar contra os resultados da crise bósnia de 19081909.
Quando o governo sérvio, ainda que relutantemente, aceitou a anexação
austro-húngara da Bósnia-Herzegóvina, a organização nacionalista
existente, Narodna Odbrana (Defesa Nacional), patrocinada pelo governo,
fez o mesmo. De grupo antiaustríaco de vocação militar, ela se converteu
em sociedade basicamente cultural.
Os dissidentes da decisão de aceitar a anexação formaram mais tarde a
ultrassecreta Mão Negra, para continuar a luta. Um dos seus membros
fundadores era um estudioso da história das sociedades secretas europeias
na França, Itália, Alemanha e outros lugares. Um tradicionalismo inepto
(alguns diriam uma imitação) está evidente na constituição (37 artigos) e no
regimento (38 artigos) da sociedade secreta de elite formalmente fundada
em maio de 1911. Ela tomou como modelo principalmente as lojas franco-
maçônicas e o movimento Jovem Itália de Mazzini, no século XIX.
A Mão Negra se infiltrou na Narodna Odbrana e talvez em outras
organizações, mas não era amplamente conhecida fora dos círculos
governamentais. Não obstante, a sua existência era conhecida por um certo
número de países estrangeiros. Ela constituía uma facção importante no
meio militar, e fazia-se representar no governo. Era formada por oficiais
extremistas do Exército e políticos nacionalistas radicais. Sua figura mais
importante (embora talvez nunca tenha sido seu líder formal) era um oficial
do Exército, o então poderoso chefe do serviço de inteligência militar,
chamado Dragutin Dimitrijevic, um sujeito taurino de codinome “Apis”.
Em 1903, Apis havia liderado o comando que assassinou o rei e a rainha da
Sérvia em seu palácio e depois jogou seus corpos mutilados pela janela.
Durante o reinado do rei assassinado, a Sérvia vinha sendo um satélite da
Áustria. Sob a dinastia que Apis e seus colegas reconduziram ao trono,
várias administrações sucessivas adotaram políticas antiaustríacas, mas não
suficientemente para Apis. Para ele, consentir a anexação bósnia em 1908-
1909 foi uma “traição”.
A Mão Negra perseguia objetivos finais que eram diferentes dos de
Princip. Apis e seus colegas queriam que a Sérvia governasse todas as terras
em que os sérvios vivessem. Princip sonhava em criar uma federação em
que a Croácia, a Eslovênia e outros povos eslávicos meridionais ficassem
unidos. Essas diferenças não eram necessariamente relevantes na primavera
de 1914; tratava-se de objetivos de longo prazo.
Entretanto, soubesse ou não, no curto prazo Princip estava entrando
num terreno sob fogo cruzado político. O governo sérvio e mesmo o
Exército estavam divididos em dois. Apis travava um duelo feroz com o
primeiro-ministro de 68 anos, Nicola Pasic, um político veterano que, assim
como Apis, era nacionalista sérvio, mas, à diferença de Apis, cauteloso.
Cada um deles liderava uma facção numa luta que estava chegando ao seu
clímax quando Princip iniciou seu projeto. Em maio de 1914, Apis
convenceu o monarca reinante, o rei Peter, que Pasic devia ser demitido.
Então a Rússia interveio. Como fiadora da Sérvia entre as grandes
potências, a Rússia podia, em certa medida, promulgar leis. Nicolai
Hartwig, o representante russo em Belgrado, interveio para manter Pasic
como primeiro-ministro. Hartwig entendia que a Sérvia precisava de alguns
anos de descanso para se restabelecer das guerras balcânicas e consolidar
seus ganhos. Não era hora de aventureirismos temerários.
Em 26 de maio, Gavrilo Princip partiu para Belgrado, para um encontro
previamente arranjado com seus companheiros conspiradores em Sarajevo.
Ele viajou durante dez dias pela vastidão ameaçadora dos campos, região
difícil de atravessar. Seu maior desafio seria cruzar a fronteira inamistosa
entre a Sérvia independente e a Bósnia dominada pelos Habsburgo. Mas
tudo lhe foi facilitado. Agentes o esperaram em cada ponto ao longo do
caminho. Tratava-se de um “túnel”, um percurso montado e controlado pela
Narodna Odbrana e emprestado à Mão Negra na oportunidade. Em 4 de
junho, Princip chegou a Sarajevo para encontrar seus companheiros de
conspiração, para preparar, para ensaiar.
O historiador Albertini acreditava que Ciganovic, que colocara Princip
em contato com Tankosic, da Mão Negra, era informante da polícia. Se for
verdade, o primeiro-ministro teria seguido de longe, passo a passo, o
progresso de Princip. Segundo uma certa versão, o primeiro-ministro teria
dado ordens aos guardas da fronteira para prender Princip na fronteira
sérvia — ordens que teriam sido desobedecidas pelos funcionários sérvios,
leais a Apis. Em vez de prendê-los, eles teriam deixado os conspiradores
passarem, e depois dito a Pasic que só tinham recebido a ordem quando já
era tarde demais. Numa variação desta versão, os mesmos funcionários
confessaram depois a Pasic o que haviam feito. De uma maneira ou de
outra, o primeiro-ministro (acredita-se amplamente) tinha conhecimento de
que terroristas — Princip e seus parceiros — portando pistolas e bombas
haviam cruzado o rio Drina para entrar na Bósnia, e sabia ou supunha que o
arquiduque devia ser o alvo. Pasic, porém, sempre negou que tivesse
conhecimento específico sobre o que estava prestes a acontecer.
Para Pasic, sobrevivente astuto de uma das políticas mais traiçoeiras do
mundo, as opções — na medida em que de fato soubesse do complô — não
eram fáceis. Seu país estava exausto após as guerras dos Bálcãs, e não
estava em posição de desafiar uma grande potência. Um ataque contra
Francisco Ferdinando desencadearia necessariamente algum tipo de
situação internacional desagradável com que a Sérvia teria dificuldade de
lidar. E claro, ele nada podia fazer, esperando que os inexperientes
secundaristas fossem derrotados em seu teste, mas o que quer que eles
fizessem, podiam estar dando aos linhas-duras de Viena pelo menos um
pretexto para intervir. Por outro lado, se Pasic avisasse aos austríacos e a
notícia vazasse, a Mão Negra poderia ordenar que ele também fosse
assassinado, ou então usar a informação sobre o que fizera para rotulá-lo de
traidor. Não importa que aviso despachasse, também podia ser usado por
Viena para provar que seu governo estava envolvido no complô contra o
arquiduque; ora, não estaria ele admitindo a existência do ataque ao
prevenir que oficiais sérvios o estavam planejando?
No fim das contas, apesar das suas negações posteriores, Pasic pode ter
enviado um telegrama à sua legação em Viena em algum momento na
primeira metade de junho, instruindo seu representante para informar ao
governo austríaco que, “devido a um vazamento de informação”, a Sérvia
“tinha motivos para suspeitar que um complô estava sendo tramado contra a
vida do arquiduque por ocasião da sua viagem à Bósnia. E como a visita
pode dar lugar a incidentes lamentáveis por causa de algum fanático, seria
útil sugerir ao governo austro-húngaro a prudência de adiar a visita do
arquiduque”.
Tendo Pasic mandado ou não o telegrama, o fato é que seu enviado
tentou uma entrevista. O representante Ljuba Jovanovic, que pode ter
recebido o telegrama, teve pelo menos duas razões para não seguir as
instruções de seu primeiro-ministro. Ele não tinha boas relações com o
ministro das Relações Exteriores Habsburgo, o conde Leopold von
Berchtold, funcionário que ele devia alertar, e preferia não ter de encontrá-
lo. Ele optou, em vez disso, por tentar uma entrevista com o ministro das
Finanças, Leon von Bilinski, sob cuja administração (pelo menos
temporariamente) estavam as províncias anexadas da Bósnia e da
Herzegóvina, que o arquiduque programara visitar. Contudo, as questões de
segurança eram de responsabilidade do general Oskar Potiorek, governador
das províncias, nominalmente subordinado a Bilinski, mas na verdade em
rixa com ele. Assim, Potiorek ignorara Bilinski deliberadamente, ultimando
os arranjos para a missão do arquiduque na Bósnia.
Jovanovic encontrou-se com Bilinski em 21 de junho, ao meio-dia.
Aparentemente, ele decidira suprimir o núcleo da mensagem que
supostamente teria recebido ordens de entregar — que Belgrado tinha
informações sólidas sobre um complô para matar o arquiduque. Em vez
disso, ele falou em termos gerais sobre os perigos inerentes da visita a
Sarajevo e a possibilidade de que sérvios descontentes pudessem atacar
Francisco Ferdinando. Jovanovic tinha razões para não falar do complô para
matar Francisco Ferdinando; havia sido o indicado de Apis para o
Ministério das Relações Exteriores no golpe de Estado que Hartwig tinha
evitado em maio. Circulavam então rumores de que Apis estava preparando
um novo golpe, talvez para o mês de agosto, e mais uma vez pensava em
promover Jovanovic. Não estava na hora de Jovanovic se alinhar com Pasic
contra Apis.
Por sua vez, Bilinski tinha razões para descartar a vaga advertência que
recebeu. Havia sido ignorado no planejamento da segurança. A
responsabilidade tinha sido assumida por um subordinado dele, o general
Potiorek, sob ordens expressas de Francisco Ferdinando. Se as coisas
desandassem na viagem à Bósnia, Potiorek, e não Bilinski, seria
responsabilizado. Além disso, era difícil preocupar-se muito com o que
podia acontecer com o arquiduque: Bilinski não tinha razões para gostar
dele.
Na capital sérvia, o primeiro-ministro tentou descobrir o que
exatamente estava acontecendo, para poder obstar. Apis não cooperou, e os
lealistas de Pasic no Exército, o Ministério da Guerra e o Ministério do
Interior não foram capazes de seguir os conspiradores de Princip, que
àquela altura já estavam na Bósnia, fora do alcance oficial da Sérvia.
Líderes da Narodna Odbrana, a sociedade nacionalista sérvia, ocupavam
cargos no governo de Pasic e, consequentemente, souberam da trama de
assassinato. Eles instruíram seu contato na Bósnia para impedir a operação.
Ele fracassou.
Em 2 de junho, o Comitê Executivo Central da Mão Negra se reuniu.
Ou talvez fosse apenas uma reunião informal de todos os membros que
puderam imediatamente ser reunidos. Na reunião, eles foram informados da
assistência que o major Tankosic tinha dado ao grupo de Princip em nome
da organização. Por uma razão ignorada, ordenaram que a missão fosse
imediatamente abortada. Compreensivelmente, a decisão foi unânime —
exceto, parece, por Apis e Tankosic.
Apis enviou o intermediário de Tankosic junto ao grupo de Princip para
a Bósnia, onde ele se encontrou com Danilo Ilic, que atuava como
coordenador técnico do grupo de ataque. Ilic passou a ordem a Princip:
cancele! Princip recusou-se.
Aos 20 ou 21 de junho, é possível que Apis acreditasse que o plano de
assassinato houvesse sido cancelado, enquanto Pasic continuava pensando
de outro modo. Ilic insistiu em convencer Princip a obedecer a ordem de
cancelamento do ataque. Mas um confronto de opiniões entre Apis e Pasic
em meados de junho — sobre a opção entre complô homicida ou outra
coisa — levou um agente da Mão Negra a enviar uma nova mensagem a
Princip, anulando a ordem de cancelamento de Apis e restabelecendo a
operação. O homem que trouxe a mensagem foi posteriormente acusado
pela Sérvia de ser espião austríaco, mas a acusação nunca foi comprovada;
na verdade, ele atuava como chefe da rede de espionagem de Apis na
Áustria-Hungria.
De qualquer modo, a conspiração já não podia mais ser secreta; conta-se
que os cafés dos Bálcãs zuniam com as especulações sobre um complô para
matar Francisco Ferdinando, e que estavam repletos de espiões austríacos.
Um século depois, ainda não sabemos com certeza quem sabia o quê, nem
quando o teria sabido.

________________
1 Evans 1990: 32
2 Ibid. 23
3 Albertini 1952 II: 63
Capítulo 20

A CONEXÃO RUSSA

Estava a Rússia de algum modo envolvida no complô contra o futuro


líder da Áustria? Nos círculos governamentais, as pessoas se fizeram esta
pergunta na época; nos círculos intelectuais, os acadêmicos têm se colocado
a questão desde então.
O envolvimento russo teria feito pouco sentido. Francisco Ferdinando
era o principal elemento pró-russo do seu governo; assim, tirá-lo de cena
seria contrário aos interesses da Rússia. E claro, suas opiniões políticas
eram mal compreendidas em outros lugares, e talvez também o fossem em
São Petersburgo. É possível que a extensão da sua amizade não fosse
plenamente compreendida. Porém, como defensor que era do monarquismo
em toda a Europa, certamente, por princípio inarredável, o tsar teria se
oposto a um tal assassinato.
A política balcânica da Rússia, administrada no terreno por Nicolai
Hartwig na condição de representante para a Sérvia (1909-1914), era
suscetível, conforme já foi observado, de ser compreendida como uma
fraude. Militante pan-eslavo com longa folha de serviços e muito
conhecimento dos Bálcãs e do Oriente Médio, Hartwig “usava a causa
sérvia como uma arma em sua luta contra o seu próprio governo”, segundo
o bem informado representante francês em Belgrado.1 “Com apoio dos
círculos conservadores e ortodoxos de São Petersburgo”, ele travava sua
batalha contra Sazonov, o ministro das Relações Exteriores, e “forçava a
diplomacia russa na direção da evolução dos Bálcãs durante os últimos dois
anos, cujo mérito da concepção e implementação lhe cabia”.
Foi Hartwig quem reuniu os Estados balcânicos por um tempo tanto
contra a Turquia como contra a Áustria, e era crença geral que ele ditava a
política em Belgrado. Mas é improvável que ele tenha aprovado o complô
da Mão Negra; ele tinha acabado de salvar o governo Pasic de Apis,
aprovando a facção mais cautelosa e menos provocativa contra os fanáticos.
É claramente verdade que o adido militar russo em Belgrado, coronel
Viktor Artamanov, trabalhava muito ligado a Apis. Os dois podem ter
dirigido redes de espiões juntos. Segundo certas acusações, uma vez
Artamanov repassou fundos a Apis para financiar operações. Não é
inconcebível que de alguma forma Artamanov tivesse vindo a saber que
Apis estava ajudando os secundaristas bósnios. Há uma história de que
Artamanov também pode ter dado garantias a Apis de que se a Áustria
atacasse, a Rússia interviria para ajudar a Sérvia. Não obstante, não há
provas de que alguém em posição de dar tais garantias em nome do tsar o
tivesse feito.
George Malcolm Thomson, um historiador popular, escreve em The
Twelve Days [Os Doze Dias] (1964) que Artamanov “fazia parte, desde as
etapas iniciais, da conspiração da Mão Negra para assassinar o
arquiduque”.2 Thomson fundamenta a sua afirmação na pesquisa de
Albertini, a qual não sustenta uma alegação tão absoluta. Artamanov negou
tudo na entrevista a Albertini. Albertini não acreditava na veracidade da
história de Artamanov, mas não conseguiu refutá-la.
Um documento datado de 12 de junho de 1914, recentemente
encontrado nos recém-abertos arquivos do Ministério da Defesa russo,
relata que, em 1910, a Rússia concedeu um subsídio de 4 milhões de
francos à oficialidade do Exército sérvio, e que o dinheiro havia sido
impropriamente utilizado, desaparecendo desde então. O documento,
expedido pelo agente militar russo na Sérvia, sugeria que o dinheiro fora
indevidamente desviado para a Mão Negra; e parece confirmar que o
governo russo, com base na experiência passada, não pensava mais em
continuar financiando a oficialidade sérvia. A conjectura é de que a Rússia
não estaria disposta a ajudar a Mão Negra.
Havia uma conexão russa na ação de Sarajevo? Se houvesse, nenhuma
prova disso foi até hoje descoberta.
Poucos dias antes do assassinato, o primeiro-ministro Pasic recebeu
uma carta anônima. O autor especulava que o governo austríaco podia estar
manobrando para matar “aquele tolo do Fernando” durante as manobras
bósnias, para então pôr a culpa no governo de Pasic como desculpa para
começar uma guerra contra a Sérvia.3 Não foi o que aconteceu, mas podia
ter acontecido.
________________
1 Albertini 1952 II: 117
2 Thompson 1964: 47
3 Wilson 1995: 85
Capítulo 21

OS TERRORISTAS ATACAM

Domingo, 28 de junho de 1914. De manhã cedo, o arquiduque


Francisco Ferdinando e sua esposa, Sophie, oravam na missa numa capela
montada para eles em seu hotel. Deixando o balneário suburbano de Ilidze,
eles embarcaram no trem para Sarajevo, para uma viagem de menos de
meia hora. No terminal ferroviário nos limites da cidade, passaram a
automóveis, nos quais percorreram o restante do caminho. O desfile em
veículos motorizados era algo impressionante; apenas havia pouco o
automóvel passara a ser de uso comum.
O cortejo de carros com chofer entrou em Sarajevo nalgum momento
entre nove e meia e dez horas da manhã, dirigindo-se à prefeitura. O
prefeito e o chefe de polícia abriam caminho no primeiro automóvel. O
arquiduque e a duquesa iam no segundo, um carro de passeio conversível,
emprestado para seu uso. O governador militar, general Potiorek, estava
com eles. O proprietário do carro emprestado, o conde Franz von Harrach,
sentava-se à frente, junto ao motorista. O resto do cortejo — entre dois e
quatro outros veículos, dependendo do relato que aceitarmos — seguia
atrás.1
A chuva finalmente cessara. A bruma da manhã desaparecera. Um sol
deslumbrante derramava seus raios sobre o casal aniversariante: ele,
magnificamente trajado em seu uniforme multicolorido; ela, radiante de
branco. Finalmente lado a lado numa celebração oficial, eles acolhiam as
cores e sons da paisagem ao longo do caminho, o entusiasmo das massas
em aclamação e o estampido da saudação dos canhões.
Posteriormente, os historiadores ficariam perplexos com a ausência de
precauções de segurança. Soldados deviam ter sido postados ao longo da
avenida, mas não foram. Cerca de 22 mil soldados estavam nas vizinhanças,
mas o general Potiorek só destacou uma guarda de honra de 120 homens
para proteger Francisco Ferdinando e sua comitiva. Explicou-se mais tarde
que o general queria provar que, sob seu punho de ferro, a ordem estava tão
firmemente estabelecida que não carecia policiamento. Se for verdade,
Potiorek tinha provado o oposto do que pretendia.
A turbulenta Bósnia era uma região de fronteira. Ela e seus vizinhos
formavam uma arena em que o Oriente encontrava o Ocidente, em que clãs,
nacionalidades, religiões e impérios rivais colidiam. A capital da Bósnia,
Sarajevo, um antigo povoado com raízes no passado distante, era um
grupamento de edifícios espalhados de ambos os lados do rio Miljacka, cuja
conexão por pontes dava a forma de cidade. Uma torrente durante o longo
inverno, o Miljacka estiava no verão, a tal ponto que em junho o seu leito já
começava a secar. No final de década de 1930, um visitante britânico
afirmou que as águas do Miljacka corriam vermelhas, mas vai ver é uma
ilusão de ótica produzida por uma leitura da história. O caminho tomado
pelo comboio para entrar na cidade foi a avenida Appel, que corria
paralelamente ao rio. A avenida era margeada de um lado pelo Miljacka e
do outro por casas. Era a única via pública de porte considerável na cidade.
Séculos de domínio pelo Império Otomano muçulmano deixaram sua
marca nos habitantes: seu vestuário, seus hábitos, seu comportamento. O
aspecto das ruas, especialmente ao afastarem-se do rio em mas estreitas e
sinuosas na direção do interior, era distintamente oriental.
A silhueta de Sarajevo, pontuada de minaretes, candente sob o sol
ofuscante do verão, era como um lembrete de que a cidade mudara
frequentemente de mãos. Havia centenas de mesquitas em Sarajevo, e quase
o mesmo número de igrejas. As sinagogas, embora menos conspícuas,
testemunhavam a presença judaica. A população poliglota, multinacional e
religiosamente diversa aprendeu a conviver não só uns com os outros, mas
também sob a bandeira que no alto tremulasse. Domínios e poderes eram no
máximo temporários e, conforme ocorreu, estavam prestes a mudar mais
uma vez, em decorrência dos acontecimentos em Sarajevo naquele 28 de
junho.
Naquela manhã, Princip havia postado seus companheiros de
conspiração ao longo da avenida Appel, em três lugares em que ela era
cortada por pontes. Andando ao longo do cais, portanto, a comitiva estaria
passando por um corredor polonês. Atuando como coordenador, o amigo
mais velho de Princip, Danilo Ilic, não teria uma posição fixa, para deslocar
seus atiradores quando e para onde fosse necessário. Ilic, isto será
lembrado, tentou convencer Princip a obedecer à ordem de abortar a
missão.
Na primeira das pontes, o cortejo do arquiduque entrou numa zona de
perigo: três conspiradores formavam uma fila ao longo do cais no lado do
rio, e dois no lado das casas. O primeiro ataque contra a vida do arquiduque
veio do lado do rio, de Nedeljiko Cabrinovic, que pediu a um policial para
indicar qual era o carro de Francisco Ferdinando. Depois, ele bateu a
cápsula de percussão da sua bomba num poste, para acionar o detonador.
Jogou a bomba afoitamente no carro do arquiduque, atingindo a capota
baixada do conversível, de onde ela rolou para fora, indo explodir junto à
roda do carro seguinte.
A condessa sentiu o detonador lhe roçar o pescoço, ao errar o alvo,
enquanto um ocupante do carro de trás, o coronel Erich von Merizzi,
ajudante do general Potiorek, foi ferido no punho por estilhaços. O barulho
da explosão foi assustador, outro oficial e um certo número de espectadores
ficaram levemente feridos, e a comitiva parou para investigar.
Cabrinovic, o perpetrador, saiu correndo da cena. Ele pulou da margem
e tentou escapar pelas águas rasas do leito do rio. Capturado pela polícia,
que o perseguiu, ele engoliu sua pílula de veneno, a qual estava vencida,
velha demais para funcionar; seu único efeito foi fazê-lo vomitar.
Princip, que tinha ouvido a explosão e gritos da multidão, correu para o
local e achou que tudo estava perdido. A polícia tinha Cabrinovic
firmemente sob custódia, e já se apressava para levá-lo à delegacia.
Nenhum dos outros conspiradores seria encontrado.
A. J. P. Taylor nos dá o relato mais conciso do que aconteceu com os
outros: “Quanto aos outros conspiradores, um ficou tão imprensado na
multidão que não pôde nem tirar sua bomba do bolso.2 O segundo viu um
policial a seu lado e decidiu que qualquer movimento seria arriscado
demais. O terceiro ficou com pena da esposa do arquiduque e nada fez. O
quarto perdeu a coragem e foi discretamente para casa.”
Só, Princip perambulou até o que tinha sido o seu ponto na margem do
rio na avenida Appel, na chamada ponte Latina. Então, atravessou a rua. Os
relatos diferem sobre onde ele permaneceu ou sentou-se.
Francisco Ferdinando decidiu cancelar os planos em curso, que previam
a passagem da sua comitiva por ruelas sinuosas a caminho do museu; mas
não refez o caminho, recuando. Após uma parada na prefeitura para uma
recepção e discursos, ele insistiu em ir até o hospital para visitar o coronel
Merizzi, levemente ferido no ataque de Cabrinovic. O motorista do carro à
frente da comitiva não foi informado ou não compreendeu; seguiu os planos
originais, deixando a avenida Appel e pegando uma rua lateral para chegar
ao museu, e o motorista do arquiduque simplesmente o seguiu. “Volte!”,
gritou-lhe o general Potiorek. O motorista parou. Considerou a melhor
maneira de voltar. A retaguarda do seu automóvel pode ter ficado
bloqueada pelo restante do comboio. Ele teria de manobrar lentamente na
rua estreita, talvez andando de marcha a ré ou fazendo retorno. Nesse
ínterim, o veículo ficou parado. Tudo isso se passou a cerca de l,50m de
distância de Princip. Ele estava cercado por outros espectadores. Deve ter
ficado surpreso, mas pensou rápido e agarrou a chance. Pôs a mão no bolso
para pegar a bomba, mas compreendeu que estava apertado demais na
multidão para poder projetar o braço e lançá-la livremente no alvo. Então
sacou sua pistola e disparou dois tiros à queima-roupa, atingindo a jugular
do arquiduque com um e o abdome da duquesa com o outro. Àquela
distância, era quase impossível errar.
Princip virou a arma contra si mesmo, mas foi impedido de atirar por
um homem ao seu lado, que se lançou sobre o braço do assassino. Não
estava claro o que tinha acontecido. Para alguns, os dois estampidos
inesperados soaram como explosões de escapamento, a que os automóveis
estavam muito sujeitos naquela época. A confusão irrompeu quando a
multidão e os policiais próximos começaram a se bater uns contra os outros
para ver quem pegava o rapazote assassino. Princip engoliu sua cápsula de
veneno, e começou a vomitar quando ela não funcionou. A turba começou a
surrá-lo e é possível que estivesse tentando afastá-lo para linchá-lo.
Lutando, Princip usou a coronha da sua arma para revidar. Finalmente, a
polícia conseguiu arrancá-lo das mãos da multidão. Ele deixou cair a sua
bomba. Os espectadores gritaram advertências enquanto chegavam reforços
policiais para controlar a situação.
Nesse ínterim, a limusine com o casal real moribundo corria em busca
de socorro. “Sophie, querida! Sophie, querida! Não morra! Continue viva
para nossos filhos!” — gritou-lhe Francisco Ferdinando. E depois, mais
debilmente mas repetidas vezes, “Não é nada”, enquanto auxiliares lhe
perguntavam ansiosamente como estava se sentindo. O casal fatalmente
ferido foi levado às pressas à residência do governador, a apenas alguns
minutos de distância. Eles haviam sido baleados por volta das dez e meia da
manhã; Sophie morreu por volta das 10h45; Francisco Ferdinando, em
torno das onze da manhã. Não foi bem “nada”.

________________
1 Remark 1959; Morton 1989
2 Taylor 1964: 72
Capítulo 22

A EUROPA BOCEJA

Tivesse o crime de Sarajevo sido cometido até um século antes, teria


levado semanas até a notícia alcançar locais distantes. Em sua natureza,
portanto, as consequências do caso poderiam ter sido muito diferentes. Mas
a tecnologia mudara as coisas. Na era dos navios a vapor e sobretudo do
telégrafo, as notícias andavam rápido. Os Ministérios das Relações
Exteriores do mundo souberam do atentado imediatamente, e em horas
começaram a chegar condolências de lugares tão longínquos quanto da
Casa Branca, em Washington.
Ao mesmo tempo em que os detalhes dos dois assassinatos são até hoje
objeto de controvérsias, alguns traços gerais principais transpareceram já na
época, com acurácia. Assim, apesar de o cônsul britânico em Sarajevo,
desnorteado pelas duas agressões, ter relatado que o ataque a bomba havia
matado Francisco Ferdinando e Sophie, o embaixador britânico em Viena
tinha os detalhes exatos.
Nas ruas de Viena, um relato datilografado do que havia acontecido foi
distribuído imediatamente pela Agência Telegráfica Oficial austríaca.
Os rumores também andaram rápido. Um deles, persistente, era de que
os franco-maçons eram responsáveis. Uma década depois, o romancista
Thomas Mann continuava a atribuir a eles, pelo menos em parte, a crise do
verão de 1914. A “internacional dos illuminati, escreveu ele, “a loja franco-
maçônica mundial”, desempenhou um papel no desencadeamento da
guerra.1
Suspeitou-se dos serviços secretos alemães; o primeiro-ministro
húngaro foi acusado. Vinte e cinco anos mais tarde, Rebecca West, a
jornalista britânica cujo relato dos assuntos balcânicos é considerado
clássico, ainda ecoava sua crença de que fora alguém dentro do próprio
governo austro-húngaro que arranjara tudo; senão, como explicar a ausência
caso contrário desconcertante de precauções?
Além disso, o imperador, embora horrorizado pelo crime em si, não
ficou chateado por Francisco Ferdinando estar fora do caminho. Ele não
queria que o arquiduque o sucedesse. “Para mim, é uma grande
preocupação a menos”, disse ele à filha, ao falar da morte do arquiduque.2
Para um auxiliar mais próximo, ele confidenciou: “De Deus não se zomba.
Um poder superior restaurou a ordem que eu não pude manter.”
Mesmo Berchtold anotou em seu diário que durante a primeira reunião
do gabinete após o assassinato havia “sim consternação e indignação, mas
também um certo alívio”.3
O presidente Poincaré, da França, estava no hipódromo de Longchamps
quando a notícia dos assassinatos de Sarajevo lhe foi dada. Ele ficou, para
ver o fim das corridas. E depois seguiu sua rotina usual. Paris não foi
afetada.
Kiel, Alemanha. O kaiser estava participando de uma regata a bordo do
seu iate Meteor. Ao aportar, o chefe do seu Gabinete Naval, almirante von
Müller, recebeu um telegrama codificado do cônsul alemão em Sarajevo,
transmitindo a notícia. Müller partiu imediatamente na lancha Hulda,
alcançou o Meteor e gritou o que estava acontecendo.
Uma reunião foi realizada a bordo. Guilherme decidiu retornar a
Berlim, “para assumir o controle da situação e preservar a paz da Europa”.
Deve ter sido um golpe terrível para o kaiser Guilherme. Ele ficaria
horrorizado pelo assassinato de qualquer figura real; além disso, porém, ele
havia trabalhado quatro anos para consolidar um relacionamento especial
com Francisco Ferdinando. Para esse fim, ele foi, e mostrava todos os sinais
de continuar a ser, o maior defensor de Sophie. Uma vez que o velho
Francisco José morresse — em não mais do que uns poucos anos —, os
dois amigos e imperadores, Guilherme e Francisco Ferdinando, poderiam
(no que parecia ser a visão do kaiser) trabalhar em parceria para liderar o
continente europeu. Este sonho havia sido destruído. Para a Alemanha,
conjecturou-se, depois de Francisco Ferdinando sair de cena, o Império
Habsburgo poderia não ser um aliado tão próximo e confiável quanto sob a
liderança de Francisco Ferdinando.
De Kiel, o correspondente do Times de Londres passou um telegrama a
seu editor, dizendo que “o interesse alemão pelo problema austríaco será
certamente mais intenso” do que antes.
Segundo um importante editor de jornal vienense contemporâneo, muito
tempo depois, “a morte do arquiduque Francisco Ferdinando [...] foi
recebida com alívio em amplos círculos políticos, mesmo nos mais altos
círculos oficiais”.4 Bülow, o ex-chanceler alemão, contou que ouviu de um
diplomata húngaro que a afronta fora um “desígnio da Providência”, pois o
anti-húngaro Francisco Ferdinando poderia ter dividido a Áustria-Hungria,
levando-a a uma guerra civil.5
Segunda-feira, 29 de junho. Inglaterra. A “Afronta”, como o
assassinato foi chamado, dominou o noticiário dos correspondentes
estrangeiros do Times de Londres pela manhã. Segundo o correspondente de
Sarajevo, os acontecimentos terríveis na capital da Bósnia eram
“evidentemente fruto de um complô cuidadosamente tramado”.
Tendo Francisco Ferdinando e Sophie “escapado da morte por um triz”,
devido a uma bomba atirada contra eles às 10h15 da manhã por um
agressor, foram abatidos pouco depois por um outro, “um estudante
secundarista” que abriu fogo com uma pistola automática Browning. O fato
de um dos atacantes ser da Bósnia e o outro da Herzegóvina apontava para
a existência de um amplo complô. Contudo, não foram dadas informações
sobre o credo e a raça do assassino. Ambos os criminosos foram “salvos
com dificuldade de serem linchados”, relatou o correspondente do Times.
As notícias eram suplementadas por matérias de fundo. Uma nota de
solidariedade sobre o imperador austríaco de 84 anos, Francisco José, que
mais um golpe sofrerá no 66º ano de seu reinado, lembrava os leitores das
mortes violentas de sua esposa, de seu irmão e de seu filho, concluindo que
“poucos vieram a sofrer uma sucessão de calamidades tão dolorosas quanto
as que se abateram sobre o ancião que ocupa o trono mais orgulhoso do
continente”.
Contudo, o imperador não deu sinais em público de estar abalado. O
povo austríaco tampouco ficou perturbado com a notícia: “Há poucos sinais
de inquietação pública”, relatou o correspondente em Viena.
Segundo o cônsul inglês em Sarajevo, “os jornais locais falam de crime
anarquista, mas é mais provável que seja uma ação de irredentistas sérvios
[sic], há muito planejada”.
Uma biografia concisa de Francisco Ferdinando explicava que, como
desde os seus primeiros anos nunca houve a expectativa de que ele subisse
ao trono — seu primo Rudolf era o herdeiro, e presumivelmente seria
sucedido por seu futuro filho —, parecia não haver razão para lhe dar
formação na arte de governar. Seus tutores foram assim guiados pelo
princípio de que “suas faculdades intelectuais [...] não deveriam ser
sobrecarregadas”. Aos vinte e poucos anos, ele era “um bom cavaleiro,
excelente atirador e um oficial diligente, [mas] seu conhecimento em
questões políticas e constitucionais era limitado”. Ele só começou a estudar
essas matérias em 1889, pois, com a morte de Rudolf, ele tornou-se
herdeiro do trono. Rudolf era filho do imperador; Francisco Ferdinando,
apenas sobrinho.
No centro financeiro de Londres, o mercado de ações abriu em baixa,
mas recuperou-se quando ficou claro que o mercado de Viena e outras
bolsas continentais estavam reagindo bem.
Sir Mark Sykes, um legislador conservador cuja perspectiva
absolutamente não era paroquial — ele havia viajado muito pelo Oriente
Médio, área em que era um dos poucos especialistas do seu partido —,
falou por muitos ao dizer à Câmara dos Comuns que não era hora de centrar
a atenção em desenvolvimentos estrangeiros, não importa o quanto
pudessem ser envolventes; para ele, era “difícil discutir assuntos
estrangeiros livremente quando os assuntos domésticos estão em situação
tão particularmente danosa”.
Terça-feira, 30 de junho. O ponto de vista de Sykes repercutiu num
artigo de fundo do Times (um editorial), o qual concordava que o que
acontecera em Sarajevo “ocupa o primeiro lugar na mente do público” e vai
“ocupar a atenção de todos os que estudam a política europeia”, mas que a
política interna não podia ser ignorada: “Temos de tratar dos nossos
próprios assuntos.” O Times se referia provavelmente à ameaça de
dissolução do Reino Unido em poucas semanas, numa guerra civil para
determinar o destino da Irlanda — e muito mais.
Num comunicado ao seu embaixador na Rússia, o chefe permanente do
Ministério das Relações Exteriores expressou seu anseio de que as
consequências fossem limitadas. “A tragédia que ocorreu recentemente em
Sarajevo não levará, espero, a mais complicações; embora já seja bastante
evidente que os austríacos estejam atribuindo os terríveis acontecimentos a
intrigas e maquinações sérvias”, algum bem poderá vir disso tudo: “Pode
ser que o novo herdeiro seja mais popular do que o falecido arquiduque.”
Na França, no primeiro encontro ministerial após os assassinatos, estes
(segundo o biógrafo do presidente Poincaré) “mal foram mencionados”.6
O embaixador britânico na Itália relatou a Londres: “Foi curioso estudar
aqui o efeito dos terríveis assassinatos em Sarajevo.7 Ao mesmo tempo em
que as autoridades e a imprensa foram enfáticas em sua denúncia do crime
[...] é óbvio que o povo em geral considerou a eliminação do falecido
arquiduque quase providencial.”
Paris poderia ter passado em branco. Estava completamente tomada por
um escândalo, um admirável escândalo, que tinha um pouco de tudo: sexo,
violência, intriga internacional, amor, paixão e ciúme, e mau
comportamento nas altas esferas. Era o famoso escândalo Caillaux.
Joseph Caillaux, que se tornara primeiro-ministro da França em 1911,
foi um político de esquerda obrigado a deixar o cargo em 1912 por ser,
supostamente, cordato demais com a Alemanha. Em 1913, ele se tornou
novamente membro do governo, mas sob ataque constante da direita. Ele
era mesmo um importante defensor da amizade com a Alemanha — e tinha
um quê de pacifista.
Caillaux era um velho amigo do presidente Poincaré. Em seus dias de
solteiros, eles foram companheiros de aventura. Uma diferença entre os
dois era que Poincaré era discreto, enquanto Caillaux, um faroleiro. Quando
estavam de férias na Itália, em companhia de suas amantes, o contraste
entre os dois homens era marcante: nas palavras de Caillaux, “a minha, eu
exibia, a dele, ele escondia”.8
Quando, aos 43 anos de idade, Poincaré se casou, no civil, a cerimônia
foi tão discreta que poucos souberam. Caillaux, porém, mesmo ao se casar,
continuou um caso amoroso clandestino com outra amante, que finalmente
se tornou sua segunda mulher.
Apesar da amizade pessoal entre os dois homens, em 1913-1914 eles
tinham se tornado adversários políticos. Tendo acabado de ser eleito
presidente da França, em 4 de março de 1913, Poincaré apoiou um projeto
de lei para ampliar o serviço militar no Exército francês de dois para três
anos. Aquela parecia ser a única maneira de a França compensar a
vantagem populacional da Alemanha: de 70 milhões para 40 milhões.
Caillaux se opôs à medida. A lei foi adotada em 7 de agosto. Caillaux, que
havia sido eleito presidente do Partido Radical, continuou a atacar a
legislação. O dublê de pacifista Jean Jaurès fez o mesmo, ele que havia
unificado os socialistas do país.
O ponta-de-lança da campanha política contra Caillaux em 1914 foi o
jornalista mais poderoso da França, Gaston Calmette, editor do principal
jornal da direita, Le Figaro. Calmette afirmou que tornaria públicos certos
documentos que mostrariam que Caillaux, quando era ministro das
Finanças em 1911, teria obstruído a justiça num escândalo financeiro em
que talvez estivesse pessoalmente envolvido. Calmette também ameaçou
publicar a correspondência amorosa entre Caillaux e sua segunda esposa,
escrita enquanto ainda estava casado com a primeira.
E mais deveria surgir: telegramas alemães para Caillaux, datados da
crise de Agadir em 1911, que supostamente demonstravam sua simpatia
pela Alemanha, haviam sido interceptados pelo Ministério das Relações
Exteriores francês. Especulava-se que Calmette também iria publicá-los, o
que motivou um protesto do governo alemão contra a interceptação da sua
correspondência.
Caillaux foi visitar o velho amigo e presidente Poincaré, pedindo-lhe
para impedir Calmette de revelar o dossiê, e advertindo que, a menos que o
presidente o fizesse, revelaria ele mesmo o que sabia sobre as negociações
secretas de Poincaré com o Vaticano. Tais negociações tinham sido
evidenciadas pela interceptação de telegramas italianos. Se conhecidas, elas
comprometeriam as relações do presidente com suas bases secularistas
anticlericais.
Com isto, o governo francês negou oficialmente a existência de
telegramas alemães interceptados, e Caillaux, em troca, deixou de revelar a
existência dos telegramas italianos em suas mãos. Assim, só o que
ameaçava Caillaux era a publicação proposta por Calmette das cartas de
amor.
Em 16 de março de 1914, a segunda senhora Caillaux foi ao escritório
de Calmette, pediu para vê-lo, esperou e, quando o viu, disparou seis tiros
de pistola automática, matando-o imediatamente.
Seu julgamento por assassinato foi marcado para 20 de julho. Em julho,
portanto, a atenção de Paris estava inteiramente voltada para o processo.
Esquerdistas e direitistas brigavam nas ruas. Não sobravam tempo nem
atenção para o arquiduque e sua consorte.
Poincaré brincou dizendo que o caso tinha lhe inspirado novas ideias:
ele incumbiria sua mulher de eliminar seus oponentes.9
Se há um país na Europa em que a matança em Sarajevo deveria ter sido
sentida agudamente, seria a própria Áustria do arquiduque. As pessoas
deviam estar chorando pelas ruas. Contudo, Z. A. B. Zeman escreve que,
em Viena, “o acontecimento quase não causou nenhuma reação ou
impressão.10 No domingo e na segunda-feira, a multidão em Viena ouviu
música e bebeu vinho [...] como se nada tivesse acontecido”.
O autor Stefan Zweig estava sentado num banco de jardim em Viena na
tarde de 28 de junho. Sua atenção foi desviada do livro que estava lendo por
um súbito silêncio: já não se ouvia mais o som distante de uma banda; a
música havia parado. As pessoas estavam se aglomerando em volta do
quiosque da banda, ouvindo algum comunicado. Zweig juntou-se a elas. A
multidão ouvia a notícia dos assassinatos de Sarajevo.
Tratava-se de austríacos recebendo a notícia da morte do seu futuro
líder. Entretanto, Zweig escreveu mais tarde: “Não havia nenhum choque
particular ou abatimento visível nos rostos das pessoas, pois o herdeiro
aparente absolutamente não era amado. [...]11 Ele nunca era visto sorrindo,
e nenhuma fotografia o mostra relaxado. Ele não tinha sensibilidade
musical e nem senso de humor, e sua esposa era igualmente inamistosa.
Ambos eram cercados por uma atmosfera glacial; era sabido que não
tinham amigos. Minha premonição quase mística de que algum infortúnio
viria daquele homem com seu pescoço de buldogue e seus olhos frios,
fixos, absolutamente não era pessoal, mas compartilhada por toda a nação;
por isso a notícia do seu assassinato não despertou nenhuma solidariedade
profunda.”
Sem dúvida, em todas as capitais da Europa, a reação ao assassinato do
herdeiro do trono Habsburgo foi calma ao ponto da indiferença.

________________
1 Mann 1983: 18
2 Morton 1989: 267
3 Ibid.
4 Albertini 1952 II: 115
5 Ibid.: 216
6 Keiger 2002: 164
7 Zeman 1971: 2
8 Keiger 2002: 102
9 Ibid.: 160
10 Zeman 1971: 2
11 Zweig 1943: 216
Capítulo 23

DESCARTE DOS CORPOS

O príncipe Montenuovo, controlador-chefe da Casa Imperial Habsburgo


e principal perseguidor de Sophie enquanto ainda viva, ficou encarregado
dos arranjos para os dois corpos. Ele os fez despachar para Viena de modo a
chegarem tarde da noite: às dez horas da noite do dia 2 de julho.
Montenuovo esperava que ninguém os visse, para que, ignorados, ele
pudesse separar os corpos. O arquiduque podia ser enviado para a capela
Hofburg, da família Habsburgo, enquanto Sophie iria para Artstetten, um
castelo onde Francisco Ferdinando havia construído uma capela para a
esposa e para si.
O plano de Montenuovo descarrilou quando o arquiduque Charles,
sobrinho de Francisco Ferdinando que o sucedeu na posição de herdeiro
aparente, chegou à estação de trem para receber os corpos. Charles estava
acompanhado, nos conta Albertini, por “toda a oficialidade da guarnição de
Viena”.1 E lá se foram os dois corpos para a capela Hofburg, para o serviço
fúnebre.
Ainda assim, o caixão do arquiduque era mais alto e maior, e “ostentava
o seu brasão de armas” de segundo mais alto príncipe do império, ao passo
que o dela exibia um par de luvas brancas e um leque negro — a insígnia do
seu préstimo de dama de companhia.2
Os filhos do casal foram proibidos de comparecer ao funeral por seus
parentes. Eles mandaram flores, um dos dois únicos buquês permitidos.
Viena solicitou que as personalidades reais estrangeiras não
comparecessem e, consequentemente, tampouco o fez. A cerimônia ocorreu
em 3 de julho. Posteriormente, a capela foi fechada. Durante a noite, os
caixões foram enviados de volta à estação de trem, mas foram
interceptados; depois, foram acompanhados por um grande cortejo de
nobres conduzidos pelo irmão de Sophie — grupo que se recusou a ser
excluído.
Em Artstetten, os corpos do arquiduque e esposa morganática chegaram
finalmente ao campo-santo, acossados e humilhados na morte como haviam
sido em vida pela corte dos Habsburgo. Foi uma atitude vil dos próceres da
corte. E também tacanha: solapava a sua própria pretensão de terem sido
injuriados pelo crime que Gavrilo Princip perpetrara.

________________
1 Albertini 1952 II: 117
2 Ibid.
Capítulo 24

REUNINDO OS SUSPEITOS

Espancado, sangrando e vomitando, Princip foi levado para a delegacia.


Cabrinovic, que jogara a bomba, tinha chegado somente um pouco antes.
Segundo os procedimentos legais continentais, um magistrado, Leo Pfeffer
— funcionário local — foi nomeado para investigar o crime de Cabrinovic.
Quando a polícia chegou com Princip, o alcance da investigação de Pfeffer
foi ampliado. Dois atentados a minutos um do outro sugeriam algo maior do
que um assassinato; indicavam uma conspiração.
Inicialmente, escreveu o juiz Pfeffer, Princip, “exausto pelo
espancamento, não foi capaz de dizer uma só palavra.1 Era pequeno,
macilento, pálido, de feições agudas. Foi difícil conceber que um indivíduo
de aparência tão frágil pudesse ter cometido um ato tão grave”.
Mais tarde, sob interrogatório, Princip recuperou a voz e afirmou que
não tinha cúmplices, que tinha agido por iniciativa própria. Ele negou
conhecer Cabrinovic. Sobre si mesmo, disse: “As pessoas me tomam por
um fracote [...]2 E eu fingi que era uma pessoa fraca, mesmo sem o ser.”
Cabrinovic, por sua vez, embora admitisse conhecer Princip, negava
qualquer conhecimento do que seu amigo tinha feito. Se Princip também
tivesse atentado contra a vida do arquiduque, deve ter sido (segundo
Cabrinovic) porque tinha sentimentos parecidos e chegara às mesmas
conclusões sobre o que deveria ser feito.
O correspondente do Times de Londres relatou, em 29 de junho, que
Princip e Cabrinovic “estão sendo acusados de ter a mais cínica das atitudes
durante o interrogatório”, e de insistirem em afirmar que ninguém mais
estava envolvido.
A história deles — que dois amigos por coincidência tinham tentado
assassinar a mesma figura pública, independentemente um do outro, no
mesmo dia e no mesmo local, mais ou menos na mesma hora — era
essencialmente absurda. A razão pela qual não tinham nenhum relato
plausível a dar é porque não tinham feito nenhum esforço para criá-lo: a sua
missão era suicida; eles haviam engolido as pílulas de cianureto, deveríam
estar mortos e, portanto, remidos de qualquer necessidade de apresentar
uma cobertura às autoridades.
Paralelamente à continuação dos interrogatórios, a polícia jogou seu
arrastão. Não só a família de Cabrinovic e a família de Ilic, com quem
Princip morava, mas mais de duzentas importantes personalidades sérvias
de origem bósnia foram detidas apenas em Sarajevo. Princip sentiu-se
culpado por causa disso; estava errado, sentia ele, permanecer passivo e
deixar pessoas inocentes serem punidas pelo que ele havia feito. De todo
modo (embora os relatos difiram), Cabrinovic tinha revelado alguns
elementos da conspiração ao juiz Pfeffer. Princip só queria revelar os nomes
dos seus parceiros conspiradores — afinal, tinham se apresentado como
voluntários para uma missão suicida.
Ilic, apanhado com muitos outros pelo arrastão da polícia, se dispôs a
tudo revelar se sua vida fosse poupada. Diferentemente de Princip, ele tinha
mais de 21 anos, estando portanto sujeito à pena de morte. Contou aos
austríacos tudo o que sabia.
Em 2 de julho, todos os conspiradores tinham sido identificados; em 3
de julho, todos estavam sob custódia, exceto por uma figura menor que
tinha fugido para Montenegro e que acabou nunca sendo presa. Os
prisioneiros tentaram evitar dar informações que pudessem ligá-los à
Sérvia. Não foram inteiramente bem-sucedidos; em 5 de julho, o general
Potiorek pôde passar um telegrama ao seu superior civil, o ministro das
Finanças Bilinski, informando que os conspiradores tinham recebido armas
fornecidas pelo major sérvio Tankosic, que também dera treinamento de tiro
a Princip.3
O adido militar da Áustria na Sérvia descobriu indícios cabais que, se
devidamente investigados, poderiam ligar os conspiradores de Princip com
Apis — e portanto com o governo Sérvio. Ele informou aos seus superiores
no Ministério da Guerra, que falhou em dar o devido encaminhamento à
comunicação, limitando-se a arquivá-la.4
A evidência de um vínculo com a Sérvia era sugestiva, mas nada tinha
de conclusiva. O governo Habsburgo estava convencido de que a Sérvia
estava de algum modo implicada no crime, mas não tinha provas. Um
funcionário de Viena, que viajou para Sarajevo para ver por si mesmo,
telegrafou para casa: “Nada indica que o governo sérvio soubesse do
complô.”5 Além disso, Viena estava — e continuou — enganada sobre a
sociedade secreta que tinha apoiado Princip; não era a essencialmente
cultural Narodna Odbrana, mas a Mão Negra, a qual os austríacos não
mencionaram nominalmente, pois não sabiam da sua existência.
O representante diplomático alemão em Belgrado relatou ao chanceler
Bethmann Hollweg, em 30 de junho, que os sérvios estavam com medo de
serem responsabilizados pelos assassinatos e estavam “muito deprimidos”,
mas que a “cumplicidade moral da Sérvia com o crime [...] não podia ser
negada”.6 Ele disse que o representante russo esperava que não fosse um
sérvio a tê-lo cometido: “Esperons que ce ne sera pas um serbe.”
[Esperemos que não seja um sérvio.] (“Devia saber!”, comentou o kaiser
com ceticismo.)7
Em seu relatório, dois dias depois, o representante disse ao chanceler
que em 1º de julho, por iniciativa própria, o agente diplomático austríaco
em Belgrado tinha perguntado ao Ministério das Relações Exteriores sérvio
que investigações estavam sendo feitas sobre o crime. A resposta foi: “Nada
foi feito!” Quando ele expressou sua surpresa, o Ministério das Relações
Exteriores resolveu entrar em contato com o Ministério do Interior. Buscas
e prisões foram feitas, então, nos bairros em que alguns dos conspiradores
tinham morado.
No mesmo dia, Pasic, primeiro-ministro e ministro das Relações
Exteriores sérvio, despachou uma circular aos seus representantes
diplomáticos no estrangeiro a propósito de “a imprensa austríaca e húngara
culpa[re]m cada vez mais a Sérvia pela afronta de Sarajevo”.8
Caracterizando a atitude de “absurda”, ele afirmou que em todos os círculos
da sociedade sérvia o ato “tem sido o mais severamente condenado”. A
Sérvia não pôde evitar os assassinatos porque “ambos os assassinos são
súditos austríacos”.9 Ele exortou seus representantes a usar todos os canais
disponíveis “para pôr fim o mais rápido possível à campanha contra a
Sérvia na imprensa europeia”.10
Os líderes civis alemães, o chanceler, o ministro das Relações
Exteriores e o embaixador da Monarquia Dual tomaram instintivamente a
iniciativa de aconselhar Viena a reagir com moderação. Não o kaiser, que
estava arrasado e enfurecido. Já não minimizava mais, como seu amigo
Francisco Ferdinando, o problema sérvio, pois estava entre os que
pretendiam — sem esperar por provas — que a trilha de culpa levasse a
Belgrado. “Agora ou nunca”, comentou ele.11 “Os sérvios têm de ser
controlados, e o mais rápido possível!” Suas palavras ecoaram ao longo de
todo o século XX. Foram citadas repetidas vezes para mostrar que sua
reação reflexa foi o que levou à eclosão da guerra mundial.
Na velha cidade fortificada de Nish, o ministro das Relações Exteriores
da Monarquia Dual, conde von Berchtold, ouviu de um agente:
“Praticamente não houve sinais de consternação ou indignação; o ânimo
dominante era de satisfação e até alegria, e amiúde abertamente [...]12 Este é
especialmente o caso nos assim chamados círculos dirigentes — os
intelectuais, tais como políticos profissionais, educadores, funcionários,
oficiais, e os estudantes.”
Nos primeiros dias de julho, nenhuma das partes em disputa parecia ter
consciência de como a questão se colocava para o mundo exterior.
Belgrado, incapaz de ocultar a alegria do povo da Sérvia, parecia não
compreender o quanto mais teria de fazer para convencer os outros de que
era inocente. Viena não entendia o quanto mais teria de fazer para
convencer os outros de que o governo sérvio — e não eventuais patifes no
seu funcionalismo — era culpado.
Nikolai Schebeko, representante russo em Viena, iniciou uma
investigação própria. Enviou o príncipe M. A. Gagarin para Sarajevo.
Gagarin ficou chocado com a falta quase total de segurança da parte dos
funcionários Habsburgo locais.13 Ele suspeitou que, acusando a Sérvia, eles
estivessem tentando dissimular sua própria incompetência. Os assassinos,
afinal, não eram sérvios; eram súditos Habsburgo da Bósnia austro-húngara.
Parecia a Gagarin que se os sérvios tivessem tentado matar o arquiduque,
teriam feito um trabalho melhor.
O ceticismo de Gagarin poderia ter sido dissipado se os austríacos
houvessem tido uma atitude aberta e revelado os indícios que haviam
descoberto. Mas a investigação oficial continuou a ser conduzida em
segredo. Fosse de outro modo, tivesse a Áustria convencido a Rússia de que
a Sérvia era um palco de terroristas dedicados a matar a realeza, o tsar
poderia ter fechado posição com a Áustria-Hungria e a Alemanha contra os
regicidas. E não teria havido guerra em 1914, embora pudesse muito bem
ter havido uma guerra em algum outro ano.

________________
1 Albertini 1952 II: 42-43
2 Dedijer 1966: 197
3 Albertini 1952 II: 43
4 Williamson 1991: 193
5 Marshall 1964: 25
6 Kautsky 1924: 63-63
7 Ibid.
8 Great Britam 1915: 10
9 Ibid.: 11
10 Ibid.-. 12
11 Kautsky 1924: 61
12 Great Britain 1915: 9-10
13 Lieven 1983: 140
Parte Cinco

MENTINDO
Capítulo 25

ALEMANHA ASSINA CHEQUE EM BRANCO

A verdade é que, com a possível exceção de Berchtold, poucos na


Áustria-Hungria lamentavam que Francisco Ferdinando tivesse sido
removido da cena política. E verdade, os líderes da Monarquia Dual
deploraram a matança da realeza, mas se alguém de sangue tivesse de ser
sacrificado, o arquiduque era a escolha de todos.
É claro, o herdeiro aparente era, depois apenas do imperador, a figura
mais importante do Império Habsburgo. Ao assassiná-lo, os arrogantes
terroristas sérvios desafiaram publicamente a própria existência do império.
Se deixasse de responder, Viena perderia por omissão: este argumento podia
e foi plausivelmente utilizado na época, e por muitos historiadores desde
então.
Não era esta, contudo, a razão pela qual a Monarquia Dual buscava
destruir a Sérvia. Não podia ser a razão porque, Francisco Ferdinando à
parte, os líderes Habsburgo já queriam destruir a Sérvia antes do
assassinato. Eles teriam lançado a sua campanha não em 1914, mas em
1912 ou 1913, se não tivessem sido impedidos. No meio do caminho, havia
a opinião da Europa, assim como o medo da Rússia, assim como a falta de
apoio alemão.
O que as mortes deram a Viena não foi uma razão, mas sim uma
desculpa para agir. Elas deram aos austríacos motivos para destruir a Sérvia
— um pretexto em que a Europa acreditaria, e aceitaria, e com que poderia
até simpatizar. Era uma justificativa que podia atrair o apoio da Alemanha e
impedir a Rússia de fazer oposição. No passado, dois homens, Francisco
Ferdinando e Guilherme II, tinham ficado no caminho da articulação de
uma cruzada contra a Sérvia, e os assassinatos, de diferentes maneiras,
eliminaram a ambos: o arquiduque morto e o kaiser tomado pelo desejo de
vingança, presa de uma ira irrefletida.
Ao longo das guerras balcânicas de 1912-1913, a Áustria desenvolvera,
da Sérvia, um medo que chegava à histeria. O kaiser desconsiderava tais
paúras, para o intenso pesar de Viena. Na nova situação, finalmente, o
inconstante Guilherme tinha sido deixado para trás pelos acontecimentos de
Sarajevo.
Nesse aspecto, e do ponto de vista de Viena, Gavrilo Princip tinha
cometido o crime perfeito.
Logo depois dos assassinatos, quando o embaixador alemão em Viena
arriscou aconselhar seus hóspedes a agirem devagar e serem cautelosos, o
kaiser ficou furioso: “Quem o autorizou a agir deste modo?1 Quanta
estupidez! Não é problema dele, o que a Áustria planeja fazer neste caso é
problema exclusivamente da Áustria.” O próprio Guilherme passou a
acreditar que a situação dos Bálcãs só poderia ser reparada pela força.
Como o governo Habsburgo reagiria aos acontecimentos? O funcionário
responsável da política externa era Leopold von Berchtold. Era para ele que
a Monarquia Dual — e a Europa — estavam olhando, em busca de uma
resposta.
Com 51 anos de idade em 1914, o ministro não era talhado para a
liderança. Berchtold tinha aceitado o cargo somente com a maior relutância.
Nomeado quando Aehrenthal morreu, em 1912, ele manteve a jovem e
fervorosa equipe deste, tendendo a deixá-los fazer as coisas a seu modo.
Indeciso e intelectualmente superficial, mas uma pessoa de charmes e
maneiras, ele parecia ajustar-se melhor ao estilo bon-vivant.
Nascido em família de posses, tornara-se um dos homens mais ricos do
império por meio do casamento. Tinha terras e haras. Era diplomata por
natureza, mas um ministro das Relações Exteriores amador.
No passado, Aehrenthal tinha sido deliberadamente ambíguo sobre a
questão Sérvia. Francisco Ferdinando, após os encontros de Konopischt em
meados de junho, acreditava que o ministro das Relações Exteriores
concordava com ele que a Monarquia Dual devia deixar os sérvios em paz.
Mas o memorando que Berchtold havia encomendado ao seu Ministério —
de Franz von Matschenko em colaboração com Ludwig von Flotow e
Johann Forgach, funcionários identificados com a tradição expansionista de
Aehrenthal — defendia uma política agressiva: uma aliança estreita e ativa
com a Alemanha, que assumiria a ofensiva na Europa contra uma suposta
ameaça russa. O memorando considerava, entre outras coisas, o cerco
diplomático da Sérvia.
Imediatamente após os assassinatos, Berchtold deu ordens para revisar o
memorando à luz do que acabara de acontecer. O novo memorando
mantinha seu apelo por medidas fortes. As metas permaneciam as mesmas,
mas novas oportunidades podiam agora estar disponíveis. A palavra
“guerra” ainda não era mencionada. Em 30 de junho, porém, Berchtold
falou da necessidade de um “acerto final e fundamental” com a Sérvia.2
Eis algo que tinha de ser discutido com a Alemanha. O governo da
Áustria-Hungria não era forte o bastante para tomar sozinho uma posição.
Ao solicitar que a realeza europeia não comparecesse ao funeral de
Francisco Ferdinando, as autoridades de Viena abriram uma exceção para
Guilherme II; o kaiser foi convidado na condição de amigo pessoal do
falecido, mas ficaria disponível para discussões e decisões políticas.
Contudo, os funcionários alemães temiam outro ataque; em razão da
preocupação com a segurança do kaiser, seus assessores o persuadiram a
declinar o convite.
Mas como poderia o governo Habsburgo recrutar a ajuda do kaiser para
levar adiante qualquer política que adotasse? A solicitação de apoio à
Alemanha tinha de incorporar-se num plano, e tinha de ser por escrito: essa
foi a recomendação do embaixador da Alemanha em Viena, o conde
Heinrich von Tschirschky.
Berchtold, conforme mencionado anteriormente, já tinha alguma coisa
escrita: o seu memorando do Ministério das Relações Exteriores, urgindo
que a Sérvia fosse cercada, isolada e submetida, memorando este que, com
algumas modificações, poderia tornar-se a proposta escrita necessária. O
imperador da Áustria, Francisco José, concordou em escrever uma carta a
Guilherme, para servir de disfarce ou cobertura. A carta foi escrita, de
imperador para imperador, de homem para homem. O conde Alexander
Hoyos, um verdadeiro agitador de trinta e poucos anos de idade que servia
como chefe de gabinete de Berchtold, se apresentou como voluntário para
ser o mensageiro.
Hoyos tinha razões para acreditar que sua missão era promissora.
Apenas poucos dias antes, em 1º de julho, ele havia conversado longamente
com Victor Naumann, um jornalista alemão com vínculos estreitos com o
funcionalismo berlinense e especialmente com o Ministério das Relações
Exteriores. Naumann lhe disse que se Viena fosse pedir apoio a Berlim,
aquela era a hora: o kaiser estava chocado com os assassinatos. Além disso,
em todas as áreas do governo havia menos oposição do que nunca à ideia de
iniciar uma guerra preventiva contra a Rússia. (Isto é interessante porque,
feitas as contas, mostra que Berlim ainda se opunha a declarar esta guerra.)
Era chegada a hora de “aniquilar a Sérvia”, disse Naumann.3 Na sua
opinião, “se no presente momento, em que o kaiser está horrorizado com o
assassinato de Sarajevo, falarem com ele da maneira certa, ele dará [à
Áustria] todas as garantias, indo desta vez até a guerra, pois percebe os
perigos para o princípio monárquico”.
Naumann podia não estar falando apenas em seu nome, mas no de um
grupo dentro do governo alemão. Fosse ou não perspicaz e bem informado,
essa era a fama que tinha. De fato, pouco antes de viajar para Viena, ele se
encontrara com Guilherme von Stumm, um linha-dura do Ministério das
Relações Exteriores alemão.
Na Alemanha de então, havia aqueles que viam o que acontecera em
Sarajevo como uma oportunidade de ação: ação da Alemanha ou da
Áustria. O embaixador saxão em Berlim relatou ao seu governo, em 2 de
julho, que os militares alemães estavam pressionando por uma guerra
imediata, enquanto a Rússia e a França não estivessem preparadas. Tais
opiniões eram disseminadas, relatou o embaixador austríaco em Berlim.
Moltke, o chefe do Estado-maior, de férias em 5 de julho, viu uma outra
alternativa, caso fosse a Áustria que tomasse a iniciativa. “A Áustria deve
bater os sérvios e depois fazer rapidamente a paz, exigindo uma aliança
austro-sérvia como única condição.4 Exatamente como a Prússia fez com a
Áustria em 1866.”
Berchtold telegrafou à embaixada alemã em Viena que seu enviado,
Hoyos, amigo pessoal do sobrinho do chanceler da Alemanha, estava a
caminho de Berlim na esperança de se encontrar com o kaiser e com o
chanceler, chegando na manhã seguinte. Seria uma programação apertada;
Guilherme devia partir em 6 de julho, para seu cruzeiro anual no mar do
Norte.
Berlim, 5 de julho. De manhã, Hoyos deu seu informe ao veterano
embaixador da Áustria na Alemanha, Ladislaus Szögyeni-Marich, que
depois partiu para Potsdam e almoçou com o kaiser. Neste ínterim, Hoyos
almoçou com Arthur Zimmermann, subsecretário do Ministério das
Relações Exteriores alemão. Foi nesse almoço com o escalão inferior que o
enviado austríaco se mostrou mais aberto sobre os verdadeiros objetivos do
seu país. Hoyos falou abertamente de guerra, de varrer a Sérvia do mapa e
de partilhá-la em seguida entre os Estados vizinhos. Teve uma recepção
solidária.
Enquanto isso, em Potsdam, Szögyéni deu ao kaiser Guilherme os dois
documentos que Hoyos havia trazido consigo. O memorando do Ministério
das Relações Exteriores concluía dizendo que havia sido escrito antes do
assassinato do arquiduque, sendo confirmado em sua análise pelo evento. A
carta de cobertura tinha um tom mais pessoal e emotivo. Ambos os
documentos se concentravam amplamente na Romênia, advertindo sobre a
sua proximidade crescente com a Sérvia e a Rússia. Nenhum preconizava
ações específicas, embora o objetivo declarado fosse a eliminação da Sérvia
como “fator de poder político nos Bálcãs”.5
Guilherme começou a discussão dizendo que teria de consultar o
chanceler. Após o almoço, contudo, pressionado a dizer mais, ele o fez.
Prometeu o apoio incondicional da Alemanha à Áustria-Hungria no que
quer que ela decidisse fazer em seu conflito com a Sérvia. Deu o que os
historiadores chamaram de uma “carta branca” ou um “cheque em branco”.
Disse que apoiaria a Monarquia Dual mesmo que a Rússia interviesse.
Contudo, advertiu seu hóspede de que a Áustria tinha de atacar
rapidamente. Depois, ele se encontrou com o chanceler e com aqueles
dentre os seus conselheiros militares que puderam ser rapidamente
encontrados em pleno verão, e novamente na manha seguinte. Surgiu um
consenso de apoiar a decisão de Guilherme. Até o chanceler estava de
acordo.
Segundo a informação mais recente, foi principalmente o chanceler
Bethmann Hollweg quem desenvolveu os termos da resposta alemã.
Funcionário público de carreira, 57 anos de idade, ele tinha passado toda a
sua vida profissional buscando conter forças poderosas e personalidades
imoderadas.
Como chanceler por cinco anos, tinha sentido a pressão dos oficiais do
Exército que acreditavam que a guerra contra a Rússia era inevitável, e que
defendiam um ataque preventivo, antes de os russos estarem prontos. Ele
também ficou exposto à pressão oposta de Tirpitz para postergar a entrada
em guerra até o distante ponto em que a frota alemã fosse capaz de
dissuadir a Grã-Bretanha. Bethmann sabia que o kaiser, não importa o que
dissesse, no final sempre acabava optando pela paz.
Houve então a consulta por escrito de Viena, em 4 de julho, para saber
se a Alemanha protegeria a Áustria-Hungria contra a Rússia se a Áustria-
Hungria tentasse submeter a Sérvia. O que os austríacos pretendiam fazer
não estava discriminado por escrito. Não estava claro se eles teriam a fibra
de fazer o que quer que fosse. Mas ambos os lados — Berlim e Viena —
estavam preocupados, como revelou-se, com o que poderia acontecer se as
garantias solicitadas não fossem dadas.
Cada lado tinha consciência do seu isolamento internacional. Cada lado
estava com medo de perder o seu único real aliado. Nos círculos
governamentais alemães, uma preocupação, após a morte de Francisco
Ferdinando, era de que o Império Habsburgo pudesse desintegrar-se. Outra
era de que, assim como na crise marroquina de 1911, a Monarquia Dual não
apoiasse a Alemanha em suas disputas; que só lutasse em defesa dos seus
próprios interesses. Na Áustria-Hungria, por outro lado, alguns temiam que
a Alemanha pudesse se afastar de um aliado que se mostrasse inútil por não
ter coragem de lutar.
A essência do consenso desenvolvido entre os alemães em 5 e 6 de
julho era de que as circunstâncias eram então favoráveis para um projeto
audaz: que a Áustria-Hungria poderia resolver seu problema sérvio sem
arriscar uma guerra mais ampla, desde que Viena atacasse prontamente. A
resposta alemã à missão de Hoyos, segundo o respeitado trabalho de
Berghahn, trazia a chancela de Bethmann, que aparentemente a concebeu.6
Foi plano de Berlim (embora o mundo não pudesse saber disso) que Viena
assumiu a responsabilidade de apoiar. O plano era a Áustria atacar
rapidamente, submeter a Sérvia, e apresentar à Europa um fait accompli.
Em 6 de julho, Bethmann confirmou aos austríacos o compromisso
secreto do kaiser de apoiar a Áustria em caso de guerra.
A maioria dos historiadores condenou a garantia alemã como temerária
ou negligente. Samuel Williamson, um dos mais destacados estudiosos do
papel da Áustria-Hungria nas origens da Primeira Guerra Mundial, escreve:
“Com suas garantias, a Alemanha entregou a direção e o andamento da
crise de julho” à Áustria.7
Contudo, o cheque pode não ter sido inteiramente em branco. Os
alemães podem ter acreditado que era deles o plano — um ataque rápido —
que a Áustria iria levar a efeito, de modo que não estariam realmente
entregando a decisão a Viena. E depois, também, a caução alemã estava
sujeita a certas condições — ou pelo menos o kaiser pode ter pensado que
estariam implícitas. A garantia foi dada no contexto dos vários anos de
hostilidades nos Bálcãs, durante os quais a Áustria já havia pedido pelo
menos três vezes a declaração de apoio que Hoyos recebera, conseguindo
um sim e dois nãos. O kaiser tinha certas precondições em mente para dar
apoio total à Áustria-Hungria no seu continuado conflito com a Sérvia,
precondições estas que se tornam mais claras quando observadas no
contexto de 1912-1914, em vez de apenas no de 1914.

• A Áustria-Hungria tinha de ser vista — pelo menos pelo povo alemão,


e preferivelmente por toda a Europa — como a parte provocada. Na opinião
de Guilherme, esse não foi o caso no começo do outono de 1912 ou no final
da primavera de 1914, mas foi verdade no final do outono de 1912 — e
agora era verdade outra vez, por causa da matança de Sarajevo.
• A Áustria-Hungria tinha de agir só e na velocidade de um raio.
• O kaiser acreditava claramente que a Áustria pretendia punir a Sérvia
pelos assassinatos. Ou não lhe disseram ou ele não compreendeu que o que
a Monarquia Dual estava propondo era destruir a Sérvia -objetivo que
Guilherme já havia obstado no passado, quando fora explicitado
abertamente.
• As circunstâncias tinham de ser tais que Rússia, França e Inglaterra
não se inclinassem a intervir. O kaiser e boa parte do seu círculo
acreditavam que esse era o caso em julho de 1914. Bethmann, que foi
designado para supervisionar a operação contra a Sérvia em nome da
Alemanha, considerou que havia um risco de desencadear uma
conflagração, mas julgou que era pequeno. Guilherme acreditava que, na
prática, não havia risco nenhum.
• A convicção do kaiser era de que a crise passaria rapidamente: “A
situação seria resolvida em uma semana, com o recuo da Sérvia.”8
• Alternativamente, Guilherme explicou a um dos seus oficiais navais
que “o governo austríaco vai exigir as mais completas satisfações da Sérvia
e, imediatamente, se não forem dadas, deslocar suas tropas para a Sérvia”.9
Na sua visão, haveria uma rápida ocupação militar Habsburgo de Belgrado,
a capital da Sérvia, convenientemente situada à margem do rio que formava
a fronteira austro-húngara, seguida por um tratado de paz imposto, forçando
a Sérvia a tornar-se aliada da Áustria.

Em 5-6 de julho, nem o kaiser nem seus conselheiros acreditavam estar


correndo sérios riscos ao dar sua garantia. Erich von Falkenhayn, ministro
da Guerra prussiano, não estava convencido de que Viena “estava realmente
determinada” ou “tenha tomado qualquer resolução firme”.10 A Alemanha
nada estaria arriscando porque, segundo todas as probabilidades, nunca
seria chamada cumprir a sua garantia. O consenso era de que “os russos —
embora amigos da Sérvia — afinal não entrariam no conflito”.11 O kaiser
disse a Szögyéni que a Rússia “absolutamente não estava preparada para a
guerra”,12 e aos seus conselheiros militares que a França “dificilmente
permitiria que a guerra começasse”,13 pois ainda não dispunha de artilharia
pesada. Além disso, ele não acreditava que o tsar entrasse em guerra do
lado dos regicidas. Falkenhayn perguntou se preparativos adicionais
deveriam ser feitos para o caso de uma guerra envolvendo as grandes
potências, e Guilherme disse que não.
Os líderes militares da Alemanha deixaram claro que, em qualquer caso,
estavam preparados para todas as eventualidades. O kaiser e seus generais
podem ter apoiado a decisão do cheque em branco por razões opostas. Ele
foi favorável por acreditar que dele não resultaria guerra; já alguns dos seus
generais podem ter sido a favor porque o cheque em branco abria a
possibilidade de uma guerra dele resultar.
As coisas se passaram de tal modo que, três semanas depois de recusar
uma garantia de apoio incondicional ao Francisco Ferdinando vivo, o kaiser
Guilherme declarou abertamente o seu apoio à causa do Francisco
Ferdinando morto. O que mudou foi a morte do arquiduque. E Guilherme
não estava só; os líderes de outros países sentiram-se do mesmo modo. As
simpatias da Europa estariam contra a Sérvia e a favor dos austríacos — se
eles revidassem imediatamente, e se agissem sozinhos, em vez de em
conluio com a Alemanha.

Mas as mentiras — ou pelo menos declarações enganosas — dos


governos austríaco e alemão ameaçavam desmascará-los.
A Áustria-Hungria mentia ao afirmar que estava revidando o assassinato
do arquiduque. Na verdade, a matança de Sarajevo tinha relativamente
pouco a ver com o desejo dos Habsburgo de submeter a Sérvia. O que
expõe a mentira da Áustria, em primeiro lugar, é o fato de ela não ter
atacado imediatamente, que é o que se faz quando um ataque decorre de
raiva ou autodefesa. Ou então, alternativamente, dar-se-ia continuidade à
investigação judicial até a sua conclusão e publicar-se-iam os resultados
para o mundo, o que Viena não teve paciência de fazer.
O fato — hoje conhecido, mas não então — de o memorando submetido
ao kaiser em apoio ao plano de entrar em guerra ser o mesmo memorando
que havia sido preparado antes dos assassinatos de Sarajevo mostra que a
guerra não decorreu daquela ocorrência.
A Áustria não cumpriu sua parte muito bem. Seu comportamento nas
semanas seguintes nada teve que convencesse a Europa de que sua
motivação primária fosse vingar o arquiduque assassinado. A descrença
começou a corroer a Europa. As pretensões de Viena pareceram cada vez
menos dignas de crédito nas semanas que se seguiram.
Para a Alemanha, os representantes austríacos davam a impressão de
que iam fazer o que o kaiser insistia: agir com a rapidez de um raio,
concluindo o assunto em uma, duas ou três semanas.
Os alemães contavam com isso, mas o Império Habsburgo não era
capaz de satisfazer essa expectativa. Tratava-se de mais uma inexatidão
própria a deslindar a situação dos austríacos, ainda que talvez nem eles
compreendessem que não podiam cumprir o prometido.
E depois havia os alemães, talvez não propriamente mentindo, mas
dando mostras de uma certa falta de franqueza O kaiser e muitos dos seus
homens tinham certeza de que nenhuma das outras grandes potências da
Europa interviria para deter o esperado ataque austríaco. Eles se
comprometeram a repelir a França e a Rússia na firme convicção de que
nunca seriam forçados a fazê-lo. Estavam assinando um cheque em branco
que, acreditavam, nunca seria compensado.

________________
1 Kautsky 1924: 61
2 Albertini 1952 II: 125
3 Geiss 1967-66
4 Berghahn 11992: 200
5 Kautsky 1924: 69
6 Berghahn 1993
7 Williamson 1991: 199
8 Berghahn 1993: 1199
9 Ibid.
10 Geiss 1967: 72
11 Ibid.: 71
12 Clark 2000: 203
13 Geiss 1967: 71
Capítulo 26

A GRANDE FRAUDE

Em conluio, cada uma das duas partes desempenhava agora o seu papel
determinado. A Áustria decidiu — agindo aparentemente por conta própria
e espontaneamente — afirmar que estava levando os assassinos e seus
patrocinadores sérvios à justiça. Ao atacar, numa demonstração de ira
justificada, os Exércitos Habsburgo estariam punindo o culpado e também
exercendo o direito de autodefesa contra eventuais ataques posteriores
perpetrados pela Sérvia. A Europa, mesmo sem aplaudir, pelo menos
admitiria que os austríacos tinham todo o direito de fazer o que estavam
fazendo.
Era vital que o mundo não soubesse do papel da Alemanha ou da
garantia do kaiser. Os dois aliados agiram certamente como se acreditassem
que o segredo era fundamental. Mentiram repetidas vezes nas semanas
seguintes, quebrando a confiança que era a marca da diplomacia europeia
no período anterior.
Tivesse a participação da Alemanha sido descoberta a tempo, a Europa
teria reconhecido que a Áustria não estava interessada nos objetivos que
afirmava. Ela não estava vingando uma vítima de assassinato; estava
usando o assassinato como um manto sob o qual pretendia forçar um recuo
da Rússia nos Bálcãs. A Europa teria visto que o que a Áustria pretendia
não era punir a Sérvia, mas destruí-la; não derrotar a Sérvia, mas varrê-la do
mapa.
E o mundo inteiro compreenderia que a Alemanha não era, como a
França ou a Itália, uma espectadora inocente, mas sim uma participante
plena no projeto da Áustria. O conchavo germanofalante não buscava fazer
justiça ao arquiduque assassinado; em vez disso, engajava-se numa disputa
de poder que pretendia alterar o equilíbrio de forças dos Bálcãs a seu favor.
Assim, a Áustria tinha de atacar e subjugar a Sérvia antes que alguém
compreendesse claramente que algo estava em curso. A Europa tinha de ser
abrandada, levada a acreditar que a Áustria nada faria até que fossem
concluídas as semanas de investigação judicial, com a devida atribuição de
responsabilidade dos culpados. Sem saber o que fora planejado, a Europa
não tomaria precauções. Para enganar a Europa, os líderes da Alemanha e
da Áustria teriam de se tornar atores teatrais.
Há muito era costume os líderes europeus tirarem férias de verão. No
começo de julho, Berchtold tinha intenção (assim como Bethmann) de dar
ao mundo europeu uma sensação ilusória de segurança, fingindo seguir sua
programação normal de julho. Berchtold disse ao seu ministro da Guerra e
ao seu chefe do Estado-maior do Exército para partirem em férias, “para
evitar qualquer inquietação”. O imperador Francisco José retomou as suas
férias interrompidas. O chanceler Bethmann tentou o mesmo ardil e fez um
verdadeiro show da sua presença na sua casa de campo. Tirpitz estava de
férias na Floresta Negra. Moltke estava no famoso balneário de Carlsbad,
fazendo estação de águas. O ministro das Relações Exteriores estava em sua
lua de mel. Os vices de Moltke e Tirpitz estavam de férias. E de férias
estava o ministro da Guerra.
Uma vez instalados em seus retiros estivais, os alemães parecem ter
feito o melhor que podiam para lá permanecerem e parecerem inocentes. A
conselho do primeiro-ministro, o kaiser Guilherme partiu em seu cruzeiro
programado, ainda que achasse toda aquela fraude um tanto “infantil!”.1
Parece não lhe ter ocorrido na época que seu chanceler o estivesse
despachando em viagem para tirá-lo do caminho.
A singularidade especial de julho de 1914, consequentemente, foi que
as ações fatídicas que estavam em curso não eram visíveis. Como uma peça
em que tudo que fosse importante se passasse nos bastidores.
Cedo na manhã de segunda-feira, 6 de julho, antes de embarcar, o kaiser
mandou vários funcionários entregarem mensagens suas. O almirante
Eduard von Capelle, vice de Tirpitz, recebeu um telefonema entre sete e
oito da manhã. Encontrou-se com Guilherme no jardim do palácio. Capelle
recorda:2 “O imperador andou de um lado para outro comigo por um curto
período, e me contou brevemente as ocorrências do dia anterior” — o
cheque em branco para a Áustria, relato que Capelle aparentemente deveria
repassar a Tirpitz. O kaiser “não acreditava em desdobramentos bélicos
sérios. Na opinião dele, o tsar não iria, neste caso, ficar do lado de
regicidas. Além disso, a Rússia e a França não estavam preparadas para a
guerra. (O imperador não mencionou a Inglaterra.) A conselho do chanceler
imperial, ele estava iniciando uma viagem a Northland, para evitar qualquer
inquietação”.
Uma mensagem semelhante foi entregue em mãos por um oficial da
Marinha, o capitão Zenker, a seus superiores.3 “Sua majestade prometeu”
proteger a Áustria se a Rússia interferir, “mas ele não acredita que a Rússia
vá entrar na briga pela Sérvia, que tem as mãos sujas do assassinato. A
França, também, dificilmente permitiria a guerra, já que não tem artilharia
pesada para seus Exércitos. Contudo, embora uma guerra contra a França-
Rússia não seja provável, do ponto de vista militar, deve-se ter em mente a
possibilidade de tal guerra”.
Guilherme sabia que tinha reputação de recuar nas crises. “Desta vez
não vou desistir”, disse ele ao fabricante de armas Krupp.4
Embarcado, o kaiser fez o melhor que pôde para não parecer alguém à
espera de notícias importantes. Entretanto, em 6 de julho ele se permitiu
dizer a dois dos seus oficiais navais que em nove dias a resposta da Áustria
ao que os sérvios haviam feito seria conhecida. Noutras oportunidades, o
kaiser disse aos seus oficiais que a situação estaria resolvida em uma
semana, ou em três semanas. Ele disse aos chefes das forças armadas de
serviço: “Ele não estava prevendo complicações militares maiores. Na
opinião dele, o tsar não ficaria, neste caso, do lado dos regicidas. Além
disso, a Rússia e a França não estavam preparadas para a guerra [...] A
conselho do chanceler, ele partiria em seu [...] cruzeiro, para não gerar
nenhuma inquietação.”
Guilherme disse mais ou menos a mesma coisa para o chefe do seu
Gabinete Militar e para o ministro da Guerra prussiano: “Quanto mais
rápido os austríacos fizerem o seu movimento contra a Sérvia, melhor, e [...]
os russos — embora amigos da Sérvia — não vão se envolver.”
Em 7 de julho, um dia depois de a Alemanha assinar o cheque em
branco, Berchtold convocou o gabinete da Monarquia Dual para obter sua
autorização para prosseguir. O gabinete era formado pelo premiê austríaco e
seus ministros, o premiê húngaro e seus ministros e um punhado de
ministros da união austro-húngara, como Berchtold.
O gabinete deliberou e debateu durante horas. O primeiro-ministro
húngaro, conde István Tisza, expressou sua oposição frontal aos planos de
Berchtold. Ele ficou sozinho ao fazê-lo, mas impediu que os demais
tomassem atitudes. Tisza advertiu que uma invasão da Sérvia pela
Monarquia Dual “iria, até onde era humanamente possível prever, levar a
uma intervenção russa e consequentemente a uma guerra mundial”. Seu
plano alternativo para Viena era estabelecer uma lista de exigências e “só
emitir um ultimato se a Sérvia não as cumprisse. As exigências precisam ser
duras, mas não impossíveis de satisfazer”.5 Acima de tudo, argumentou ele,
o Império Habsburgo não deve permitir-se ser arrastado a uma guerra.
Em vez disso, o gabinete propôs apresentar um ultimato — uma perda
de tempo, como Berchtold deve ter imaginado — que a Sérvia não pudesse
aceitar, e de concluir lançando uma invasão. Tisza, que tinha direito de veto,
insistiu em fazer exigências que a Sérvia pudesse aceitar. Ele tinha
preferência pela solução pacífica.
Todos os ministros estavam convencidos de que funcionários sérvios
estavam de algum modo ligados ao crime em Sarajevo, apesar de não terem
provas conclusivas disso, e de que o processo de Sarajevo podia não
começar por semanas ou meses. Era tempo demais para Berchtold esperar.
Ele tinha de agir no máximo em questão de dias ou quiçá uma semana ou
duas.
Durante uma semana, de 7 a 14 de julho, o conde Tisza obstruiu a
negociação. Então, o seu conselheiro de Relações Exteriores o convenceu
de que a Hungria, em sua disputa com a Romênia, se beneficiaria de uma
cruzada contra a Sérvia. Além disso, Berchtold empregou dois outros
argumentos poderosos. Havia elementos no governo alemão que iam ficar
tão decepcionados se a Monarquia Dual não atuasse de maneira cardeal,
que não veriam mais utilidade em continuarem aliados: a aliança alemã, da
qual todos dependiam, seria perdida. Além disso, Berchtold deu esperanças
ao primeiro-ministro húngaro; não era impossível a Sérvia aceitar os termos
austríacos, caso em que não haveria guerra, afinal. (Isto não era realmente
verdade, pois Berchtold estava decidido a forçar uma guerra contra a
Sérvia, independentemente do que ela fizesse.)
Tisza abandonou sua posição, mas isto custou uma semana a Berchtold.
E o kaiser, conforme será lembrado, esperava que a questão fosse resolvida
em uma semana ou duas, ou no máximo em três.
De Londres, em 9 de julho, o embaixador alemão relatou ter discutido
os desdobramentos de Sarajevo e a possível resposta da Áustria com Sir
Edward Grey. Ele afirmou que Grey “estava inteiramente confiante, e
declarou em tom animado que não via razão para ter uma visão pessimista
da situação”.6
11 de julho. Do iate do kaiser, uma pergunta ao Ministério das Relações
Exteriores: o telegrama de congratulação costumeiro deve ser enviado ao
rei da Sérvia no dia do seu aniversário, 12 de julho?7 Resposta: “Como
Viena não iniciou até agora qualquer tipo de ação contra Belgrado, a
omissão do telegrama costumeiro chamaria a atenção e poderia tornar-se
causa de inquietação prematura [...] [Ele deve ser enviado.”
14 de julho. De Viena para Berlim. O ultimato a ser enviado à Sérvia
“está sendo redigido de modo que a possibilidade da sua aceitação está
praticamente excluída”. Mas ele ainda não foi colocado em sua forma final,
o que não deverá acontecer antes de 19 de julho. (“Lamentável”, observa o
kaiser.)8
Em meados de julho, as queixas quanto à indecisão da Áustria pareciam
ser justificadas. Podia-se especular, como fizeram os oficiais bávaros, que a
Áustria-Hungria teria preferido que o kaiser tivesse recusado o cheque em
branco na conferência de 5-6 de julho — que não tivesse dado pleno apoio
— para ela ter uma desculpa para não fazer nada.
Assim como muitos diplomatas europeus, o barão Giesl von Gieslingen,
representante da Áustria em Belgrado, estava de férias. Em 10 de julho, ele
retornou. O representante russo, Hartwig, lhe telefonou prontamente
naquele anoitecer, para apresentar condolências formais pelos assassinatos
em Sarajevo. Hartwig negou o boato de que deixara de marcar a ocasião
hasteando a bandeira da legação a meio mastro.
Hartwig, que era obeso, sofria não apenas de asma como também de
angina pectoris. Queixava-se então de dores no coração. Compromissos
oficiais o manteriam em seu posto por mais dois dias. Então ele poderia
tirar suas férias num balneário.
Hartwig investigou o que a Áustria planejava fazer em resposta aos
acontecimentos de Sarajevo. Giesl lhe garantiu que ele não precisava ter
medo pela Sérvia. Hartwig pareceu aliviado. Então, sem qualquer ruído, o
diplomata russo caiu no chão. Um médico foi chamado imediatamente,
atestando sua morte por ataque cardíaco.
Os Giesl chamaram a filha de Hartwig, Ludmilla. Ela repudiou todas as
tentativas feitas para confortá-la, chamando-as asperamente de “palavras
austríacas”.9 Ela vasculhou a peça; perguntou se tinham servido comida ou
bebida a seu pai (não tinham); levou cuidadosamente as pontas de cigarro
dele, presumivelmente para testar a presença de veneno.
Os cigarros não haviam sido adulterados. O que estava envenenado na
Europa balcânica em julho de 1914 era a atmosfera. Ela tornara-se um
mundo de mentiras, complôs e fraudes.

________________
1 Geiss 1967: 90
2 Kautsky 1924: 47
3 Ibid.: 49
4 Fisher 1975: 478
5 Berghahn 1993: 204
6 Geiss 1967: 105
7 Kautsky 1924: 95, 97
8 Geiss 1967: 114 .
9 Albertini 1952 II: 277
Capítulo 27

BERCHTOLD PERDE O PRAZO

14 de julho. Embora Tisza não estivesse mais no caminho, Berchtold


continuava sem poder avançar e atacar a Sérvia. Conrad, chefe do Estado-
maior, descobriu que a licença que fora dada às tropas para a colheita não
expiraria antes de 25 de julho. Um chamado de emergência atrairia a
atenção para as intenções bélicas de Viena; não poderia ser feito.
Atacar antes seria imprudente, decidiram os austríacos, por outra razão.
O presidente e o primeiro-ministro da França estavam prestes a partir em
visita oficial à Rússia. Consequentemente, os líderes dos dois aliados
estariam juntos, capazes de articular respostas conjuntas a quaisquer
movimentos eventualmente feitos pela Áustria. Sem querer permitir que
isto acontecesse, Berchtold decidiu esperar até que os dois franceses
tivessem saído de São Petersburgo e estivessem a bordo de um navio,
seguramente fora de alcance. Isto significava averiguar a data em que o
presidente francês Raymond Poincaré e o primeiro-ministro René Viviani
planejavam partir. Ele pediu à sua embaixada em São Petersburgo para
fornecer a informação. Tendo-o feito, Berchtold planejava apresentar o
ultimato à Sérvia em 23 de julho, expirando em 25 de julho.
Para usar na nota à Sérvia que havia proposto, Berchtold queria
informações sobre os últimos indícios incriminadores descobertos em
Sarajevo. Um dos seus oficiais foi para Sarajevo, examinou os indícios e
fez seu relato em 13 de julho: não foi o que Berchtold esperava ouvir.
Grande parte era inconclusiva. Os investigadores austríacos tinham
descoberto que: “Não há nada que prove ou sequer indique a participação
acessória do governo sérvio na indução do crime, na sua preparação ou no
fornecimento das armas. Ao contrário, há razões para acreditar que isto
esteja completamente fora de questão.” Tudo o que puderam descobrir é
que os assassinos tinham sido ajudados por pessoas que tinham ligação com
o governo.
Esperar o surgimento de provas conclusivas da culpa sérvia já não era
mais uma opção. Berchtold teria de avançar na redação do seu ultimato sem
as provas que o sustentariam.
Mais um prazo ameaçado. Conrad advertiu que as forças armadas só
estariam prontas para invadir a Sérvia em 12 de agosto. Seriam sete
semanas após o assassinato — longe demais para lançar um ataque contra a
Sérvia que a Europa desculpasse como reação impensada.
O que Berchtold devia fazer? O que deveria dizer a Berlim? Seu prazo
tinha se esgotado.
O que estava acontecendo?, perguntou Berlim. Viena não respondeu,
pois Berchtold não tinha resposta a dar.
Capítulo 28

MANTÉM-SE O SEGREDO

Berchtold deixou os alemães no escuro, na verdade mantendo silêncio


no rádio. Ele tinha uma desculpa plausível: para obter o efeito surpresa em
seu planejado ataque contra a Sérvia, tinha de impedir todos os que
estivessem fora do círculo existente de saber o que estava acontecendo.
Como as comunicações podiam ser interceptadas e decifradas, o melhor era
comunicar-se o menos possível com quem quer que fosse.
Manter segredo mostrou-se difícil. O Ministério das Relações Exteriores
alemão passou ao seu embaixador na Itália uma ideia geral do pensamento
austríaco. O embaixador o mencionou casualmente ao ministro das
Relações Exteriores Antonio di San Giuliano. As grandes potências
raramente confiavam segredos aos italianos, por causa da sua reputação de
indiscrição. É verdade, um historiador da política externa do país na época
escreve: “Os diplomatas italianos não conseguem nem marcar encontro com
políticos europeus importantes.”1 Alertado pelo embaixador alemão, San
Giuliano repassou tudo o que sabia às suas embaixadas na Rússia, na
Áustria e na Sérvia. Os austríacos, tendo quebrado o código italiano, sabiam
o que San Giuliano estava dizendo aos seus diplomatas. O historiador
Samuel Williamsom, que relata este acontecimento, conjectura que os
russos, com a sua sofisticação em criptologia, também podem ter decifrado
o código italiano, e ter alertado a Sérvia.2
Os russos tinham quebrado o código austríaco, lido a inquirição de
Berchtold quanto à data em que o presidente e o primeiro-ministro
franceses deixariam a Rússia — e podem ter tirado conclusões da sua
solicitação.
Vazamentos deste tipo eram certamente de se esperar à medida que o
tempo passava, e que uma protelação levava a outra. Um diplomata
austríaco aposentado deixou escapar uma alusão que foi captada pelo
embaixador britânico, que repassou o boato a um colega francês.
Em 16 de julho, o embaixador britânico na Rússia alertou seu governo
sobre a tempestade que estava se formando: “O governo austro-húngaro não
tem disposição de parlamentar com a Servia [sic], mas vai insistir em
anuência imediata incondicional, na falta da qual será usada a força.
Comenta-se que a Alemanha está totalmente de acordo com este
procedimento.”3
No mesmo dia, e na mesma cidade, São Petersburgo, o embaixador
italiano disse ao diplomata russo “que a Áustria era capaz de dar um passo
irrevogável em relação à Sérvia, baseada na crença de que, embora
protestasse verbalmente, a Rússia não adotaria medidas de força para
proteger a Sérvia contra quaisquer tentativas austríacas”.4
Muitos diplomatas europeus ouviram rumores preocupantes, mas
somente um punhado deles tinha informações de fato. Mesmo em Viena,
eram poucos os que realmente sabiam, e em Berlim menos ainda.
Num sentido mais amplo, além do mais, o segredo foi mantido: o
público nada sabia sobre o que se passava. Como escreve Volker Bergahahn
sobre a Alemanha: “Somente um círculo muito pequeno de homens estava
envolvido nas decisões cruciais que acabaram na guerra”, e “quando chegou
a hora de tomar essa decisão, não mais do que doze homens foram
consultados”.5 O mesmo era verdade para a Áustria-Hungria. Os
conspiradores continuaram o seu trabalho, silenciosamente e às ocultas,
enquanto, totalmente inconsciente, a Europa se aquecia ao sol daquelas
preguiçosas férias de verão.

________________
1 Bosworth 1983: 121
2 Williamson 1991: 201
3 Albertini 1952 II: 184
4 Ibid.
5 Berghahn 1993: 197
Parte Seis

CRISE!
Capítulo 29

O FAIT NÃO FOI ACCOMPLI

Em 16 de julho, o embaixador russo em Viena enviou um telegrama ao


seu governo: “Recebo informações de que, à conclusão do inquérito, o
governo austro-húngaro pretende fazer certas exigências a Belgrado. [...] A
mim parece recomendável que, neste momento, antes da decisão final sobre
a questão, o gabinete de Viena deva ser informado de como a Rússia
reagiria ao fato de a Áustria apresentar à Sérvia exigências que fossem
inaceitáveis à dignidade daquele Estado.”1
Esta e outras notificações semelhantes das intenções da Áustria
perturbaram o ministro das Relações Exteriores da Rússia. Mas o
embaixador de Viena apressou-se em contemporizar. Disse ao ministro
russo das Relações Exteriores que a Áustria-Hungria queria a paz. Assim, a
Rússia nada fez.
Em 18 de julho, Pasic, o primeiro-ministro da Sérvia, passou um
telegrama às missões sérvias no estrangeiro (exceto em Viena), dizendo que
estava determinado a não aceitar nenhuma exigência da Áustria-Hungria
que eventualmente infringisse a soberania sérvia.
A trama oculta que os líderes austríacos e alemães estavam em processo
de executar ficou clara — mas confidencialmente — para o governo da
Bavária na época. O reino da Bavária era o maior e mais populoso Estado
do império alemão liderado pela Prússia. Ao aderir à Alemanha, a Bavária
tinha “conservado um grau de independência soberana maior do que o de
qualquer outro Estado constituinte”, inclusive serviço diplomático,
administração militar e serviços postais, telegráficos e ferroviários
separados.2
Em 18 de julho, Hans Schoen, um diplomata bávaro que havia sido
informado por funcionários em Berlim, explicou minuciosamente ao seu
primeiro-ministro, conde Georg Herding, a pretensa “inclinação à paz” da
Monarquia Dual e por que um ultimato austríaco não podia ser entregue a
Belgrado até meados de julho.3 Resumindo as exigências que seriam feitas
no ultimato, Schoen observou: “É perfeitamente óbvio que a Sérvia não
pode aceitar essas exigências, que são incompatíveis com a sua dignidade
como Estado soberano. Deste modo, o resultado seria a guerra.” Isto é,
haveria guerra se Viena continuasse de fato com o plano. Jagow e
Zimmermann, respectivamente funcionários número um e dois do
Ministério das Relações Exteriores alemão, tinham suas dúvidas. Eles
“declararam que, graças à sua indecisão e à sua inconstância, a Áustria-
Hungria na verdade tinha virado o Doente da Europa, como no passado a
Turquia havia sido”.
“Um deslocamento poderoso e bem-sucedido contra a Sérvia”,
continuava Zimmermann, tiraria a Monarquia Dual da beira do abismo.
Schoen relatou que os líderes alemães “são de opinião [...] que a Áustria
está diante de um momento decisivo”. Foi por isto, disseram eles a Schoen,
que em 5-6 de julho a Alemanha tinha dado aos austríacos “autoridade
plena e indiscriminada, mesmo ao risco de uma guerra contra a Rússia”. Na
opinião deles, os austríacos foram surpreendidos por este apoio tão
incondicional, e pode ser que tivessem ficado mais à vontade se, em vez
disso, tivessem lhes dito para se conterem.
A Alemanha, Schoen deixou claro, teria preferido que Viena não tivesse
esperado tanto antes de fazer alguma coisa. Os alemães estavam esperando
a apresentação do ultimato à Sérvia. Berlim empreenderia então um esforço
diplomático para manter o conflito localizado. Todas as potências tinham de
ficar de fora, diriam os alemães, deixando a Áustria-Hungria e a Sérvia
resolverem a questão por si mesmas. Os alemães iam dizer que sabiam tão
pouco quanto os demais sobre o ultimato que os austríacos estariam
apresentando; eles iam dizer que o ultimato era uma completa surpresa —
já que o kaiser e outros estavam de férias.
Schoen concluiu: “Acima de todas as demais, a atitude da Rússia vai
determinar se a tentativa de manter a guerra localizada será ou não bem-
sucedida.” A opinião oficial alemã, conforme relatada por ele, era de que a
guerra não seria aceitável nem para a França nem para a Inglaterra. Em
outras palavras, os alemães ainda acreditavam que Viena e Berlim podiam
cumprir seu plano com êxito sem provocar uma guerra europeia. Eles
pensavam que iam conseguir o que queriam sem gerar reprimendas. Isto foi
confirmado pelo representante em Berlim da Saxônia, outro dos Estados
alemães: “Como a Inglaterra é absolutamente pacífica e a França assim
como a Rússia não estão propensas à guerra, espera-se que o conflito se
mantenha localizado.”4

A urdidura da grande rede de intrigas chegando à sua conclusão, em


Viena e Berlim preparava-se o ultimato da Monarquia Dual a portas
fechadas. O Ministério das Relações Exteriores austro-húngaro começara a
trabalhar no documento em 10 de julho. Os alemães foram mantidos
informados dos progressos. No dia 19 de julho, o texto ficou pronto para ser
discutido internamente.
Desde a mudança de disposição de Tisza, em 14 de julho, não havia
mais dúvida quanto ao propósito que a nota para a Sérvia visava cumprir.
Estava sendo redigida para ser rejeitada. O embaixador alemão em Viena
relatou ao seu governo que “a nota está sendo composta de tal modo que a
possibilidade de ser aceita está praticamente excluída’.5
Outro funcionário da embaixada alemã relatou uma conversação com o
ministro das Relações Exteriores austro-húngaro: “O conde Berchtold
pareceu esperar que a Sérvia não concorde com as exigências austro-
húngaras, já que uma mera vitória diplomática colocaria o país novamente
num ânimo estagnante.”6 No Ministério das Relações Exteriores da
Monarquia Dual, Hoyos disse a um colega alemão “que as exigências eram
de tal natureza que qualquer nação que ainda tivesse respeito próprio e
dignidade jamais poderia aceitá-las”.7
O ultimato em sua forma final foi submetido ao Conselho de Ministros
— o gabinete — no domingo 19 de julho, à tarde. Nas palavras do
historiador Frederic Morton, os ministros chegaram para a sua reunião na
residência privada palaciana de Berchtold em “táxis e automóveis
particulares. [...]8 Os carros chegavam a intervalos, evitando uma
convergência dramática. [...] A cena parecia indicar alguma reunião social
de fim de semana. Mesmo observando com cuidado, um passante não teria
notado sequer uma única limusine oficial”. Não houve imprevistos: os
participantes tinham recebido ordens para chegar em carros não
identificados.
Durante a reunião, o conselho ratificou o ultimato à Sérvia. No dia
seguinte, um correio o levou para o imperador ancião, Francisco José, em
seu palácio no campo. Francisco José leu e aprovou. Ao mesmo tempo, o
texto foi telegrafado ao enviado Habsburgo em Belgrado, que estava
incumbido de entregá-lo ao governo sérvio na data predeterminada.
A uma moção de Berchtold, o conselho concordou unanimemente “que
a nota deveria ser apresentada ao Governo Real sérvio em 23 de julho às
cinco horas da tarde”, de modo que, em seus termos de 48 horas, o ultimato
expiraria em 25 de julho às cinco da tarde.9 Por sua vez, a mobilização
austro-húngara das forças armadas poderia ser decretada e publicada na
noite de sábado para domingo, 25-26 de julho.
Berchtold disse a seus colegas que se opunha a qualquer prorrogação
dos prazos. Notícias das intenções austríacas tinham vazado em Roma,
colocando em perigo o elemento surpresa. Além disso, “Berlim estava
começando a ficar nervosa”.10
A noção de “nervosismo” talvez atenuasse o caso. Para os líderes civis
alemães, Bethmann e Jagow, a Áustria estava sendo uma decepção, e
privava-os certamente de uma brilhante vitória. O Império Habsburgo já
devia ter submetido a Sérvia àquela altura, antes de o restante da Europa ter
tempo para reagir ou responder. O assalto já devia ter acontecido. O fait já
devia ter sido accompli.
Não obstante, nada fora feito ou sequer estava prestes a ser feito. Em 19
de julho, os austríacos estavam começando — pela primeira vez — a definir
o conjunto de exigências a ser enviado à Sérvia. O documento teria então de
ser enviado e a resposta da Sérvia esperada.
Era tarde demais para lançar a invasão surpresa que Bethmann havia
considerado. Os países da Europa ficariam em alerta assim que tomassem
conhecimento do tipo de ultimato que Berchtold propunha entregar.
Saberiam que a Sérvia iria provavelmente recusar, que a Áustria iria
provavelmente declarar guerra e que a Alemanha iria provavelmente apoiar
a Áustria. O elemento surpresa estaria perdido.

Uma fase do plano austro-alemão para punir a Sérvia fora superada: o


plano de invasão formulado em 6 de julho e nunca experimentado. Até 19
de julho, a Áustria teria tido condições de subjugar a Sérvia sem
interferência das potências europeias, pois a operação teria sido realizada
antes de as potências terem tempo de reagir. Agora — depois do 19 de julho
— o plano teria de ser mudado, pois era tarde demais para levar a cabo o
que fora originalmente premeditado. No esquema original, a invasão seria
completada antes de o restante da Europa poder fazer alguma coisa, exceto
emitir notas de protesto depois do fato consumado. Na nova concepção, a
Europa teria tempo de reagir e responder, mas seria convencida a esperar
até que fosse tarde demais. “Localização” era a palavra-chave que os
alemães continuariam a usar, significando que as grandes potências, apesar
de plenamente conscientes do que estava prestes a suceder, optariam por
não intervir em virtude de não ser problema delas. A Alemanha
empreendeu persuadi-las de que deviam deixar a Áustria e a Sérvia
resolverem suas diferenças entre si. Claramente, os austríacos também
tinham de agir rápido, pois quanto mais demorassem para esmagar seu
vizinho menor, maior a probabilidade de que um dos patronos da Sérvia —
particularmente a Rússia ou a França — pudesse começar a pensar em
termos de interromper o conflito desigual.
19 de julho. O ultimato austríaco à Sérvia chegou à sua forma final. A
fase em que austríacos e alemães pensaram que tudo seria decidido por um
ataque rápido estava acabada. A partir de 19 de julho, os aliados
germanofalantes avançariam às claras. A Alemanha passou à fase dois:
localização, em seu novo sentido. Nesta fase, a Alemanha permitiria que as
outras potências europeias soubessem previamente que haveria uma guerra.
O ultimato tendo sido formulado, o governo alemão tratou de avisar
imediatamente as outras grandes potências para ficarem fora da briga que
estava prestes a começar, ao mesmo tempo em que, tibiamente, negava
saber o porquê de a luta estar prestes a começar ou por que as grandes
potências poderiam estar tentadas a intervir. Jagow colocou uma nota em 19
de julho numa publicação quase oficial, a North German Gazette,
advertindo “que a resolução das diferenças que podem advir entre a
Áustria-Hungria e a Sérvia deve permanecer localizada”.11 Era o começo de
uma campanha diplomática lançada pelo governo alemão em função do seu
novo objetivo tático, a localização consciente.
Quando o embaixador francês em Berlim perguntou a Jagow “quanto
aos conteúdos da nota austríaca”, Jagow lhe garantiu “que nada sabia sobre
o assunto”.12 Compreensivelmente, o embaixador ficou “surpreso”. Como
Jagow poderia não saber? É claro que sabia.
Declarações mais completas do argumento alemão em prol da
localização foram despachadas em 21 de julho para a Rússia, a Grã-
Bretanha e a França. Viena, por seu lado, repassou aos seus embaixadores
nos países principais a declaração aberta da posição austro-húngara.
A insistência continuada alemã de que nada sabia sobre o que a Áustria-
Hungria planejava fazer ou exigir foi recebida com total descrédito nas
capitais europeias. Analisando os argumentos de Jagow em prol da
localização, um funcionário britânico disse a Sir Edward Grey: “Nós não
conhecemos os fatos. E claro que o governo alemão os conhece. Eles sabem
o que o governo austríaco vai exigir [...] e eu creio que podemos dizer com
alguma segurança que eles aprovaram essas exigências e prometeram apoio
em caso de complicações perigosas.” Mas o funcionário estava confiante de
que “o governo alemão não acredita que haja qualquer perigo real de
guerra”. Segundo uma fonte, este funcionário era Sir Horace Rumbold, da
embaixada em Berlim; segundo uma outra, trata-se de Sir Eyre Crowe, do
Ministério das Relações Exteriores.13
O embaixador austríaco em Berlim trouxe uma cópia da forma final do
ultimato a Jagow; que posteriormente mentiu e negou tê-lo visto antes de
ter sido divulgado.* Jagow conferiu novamente os cálculos e descobriu que
os austríacos pretendiam apresentar o ultimato uma hora antes do ideal —
enquanto os líderes franceses ainda estavam na Rússia. Um esforço
desesperado do funcionalismo Habsburgo, alertado por Jagow, logrou adiar
a entrega do ultimato em uma hora.
Obedecendo a ordens, os líderes militares alemães permaneceram
ostensivamente de férias, deixando tudo ao chanceler Bethmann Hollweg e
aos funcionários na chefia do Ministério da Relações Exteriores, Jagow e
Zimmermann, que afetavam o melhor que podiam uma aparência externa de
despreocupação.
Mas eles esperavam o desenrolar dos acontecimentos com esperanças,
medos e expectativas diferenciadas. Apenas cerca de um mês antes, Moltke,
o chefe sombrio e pessimista do Estado-maior, tinha pedido a Jagow para
provocar uma guerra mundial rapidamente, enquanto a Alemanha ainda
podia vencer.14 Em dois ou três anos, segundo Moltke, seria tarde demais.
Agora Moltke parecia disposto a aceitar a vitória limitada mas brilhante
que resultaria de um ataque da Áustria — se é que Viena ia conseguir criar
coragem para levar adiante o plano de Bethmann, e poder realizá-lo.
Contudo, se os líderes alemães — militares e civis igualmente —
estivessem errados na sua estimativa de que a guerra podia ser mantida
localizada, e de que a Rússia ia ficar de fora, então, à diferença do kaiser e
dos líderes civis, Moltke ficaria contente — talvez até mais contente -com
este resultado também.
Bethmann, cujo papel era presidir os assuntos nacionais enquanto os
austríacos executavam a estratégia dele, estava preocupado desde o começo.
“Uma ação contra a Sérvia pode levar a uma guerra mundial”, disse ele ao
seu confidente, Kurt Riezler, em 7 de julho. Ele temia que,
“independentemente do resultado”, tal guerra virasse “tudo de cabeça para
baixo”.15 O risco de engendrar um conflito global de consequências
imprevisíveis era “um salto no escuro”.16
Não obstante, Bethmann sentia que a Alemanha não tinha escolha. O
quadro que ele pintava da posição internacional do seu país mostrava uma
visão sombria e até paranóica, com perigos exagerados. Nas próprias
palavras de Bethmann, era um “quadro dilacerante”. Na visão dele, a
Alemanha estava “completamente paralisada”,17 e seus rivais, as potências
aliadas Rússia, França e Grã-Bretanha, o sabiam. “O futuro pertence à
Rússia, que está crescendo sem parar e se tornando um pesadelo crescente
para nós.”18 Até a Monarquia Dual aliar-se-ia com a Rússia, para estar do
lado vencedor. A Alemanha ficaria só e desamparada no mundo da política
internacional.
O chanceler estava apreensivo com os relatórios da inteligência que
recebera, sobre conversações navais secretas entre a Grã-Bretanha e a
Rússia. Segundo fontes alemãs, eles podem ter considerado operações
anfíbias, nas quais forças britânicas trazidas por mar desembarcariam no
nordeste da Alemanha.
Nas memórias do secretário britânico das Relações Exteriores, Sir
Edward Grey (então visconde Grey de Fallodon), escritas pouco mais de
uma década mais tarde, as conversações não tiveram nenhuma
consequência. Elas tinham sido empreendidas a pedido da França, para
tranquilizar os russos. E assim foram mantidas. Nenhuma operação
conjunta foi planejada; nenhum compromisso foi assumido. O que de fato
aconteceu, dir-se-ia, foi uma troca de informações.
A Rússia sabia que a Grã-Bretanha e a França tinham mantido
conversações navais ao longo das quais foram reveladas as providências
que cada uma pretendia tomar em relação às suas frotas em caso de guerra.
Ambas ficaram livres para mudar as providências planejadas. Os russos
quiseram, então, ser tratados em condições de igualdade com os outros dois
países: serem aliados integrais. Como a Grã-Bretanha manteve
conversações separadas com a França, a Rússia também queria mantê-las.
Os russos informaram os franceses do seu desejo.
Em 13 de maio, o gabinete de Asquith tinha autorizado a realização das
conversações. O oficial da ativa de mais alta patente na frota britânica, o
almirante príncipe Louis de Battenberg, foi a Paris para encontrar-se com os
russos algumas semanas depois. Conversações posteriores foram
consideradas, mas acabaram baldadas pela eclosão da guerra.
A notícia vazou. Questões foram levantadas no Parlamento. Em
resposta, Sir Edward Grey reiterou uma declaração anterior do primeiro-
ministro, de que, “se estourar uma guerra entre potências europeias,
nenhum acordo não publicado restringiria ou impediria a liberdade do
governo, ou do Parlamento, de decidir se a Grã-Bretanha deve ou não
participar”.
Como escreve Grey nas suas memórias: “A resposta dada é
absolutamente verdadeira. A crítica à qual é suscetível é que não respondia
à pergunta que me foi feita. Isto é inegável.”19 Porém, argumenta Grey, é
comum funcionários do governo não revelarem inteiramente documentos
oficiais relativos às suas forças armadas.
Segundo Grey, os russos superestimaram a importância das
conversações que os britânicos mantiveram com os franceses. Sua
informação era de que três cartas secretas de fontes russas haviam sido
obtidas pelas autoridades alemãs. Elas sugeriam que Grey tinha sonegado
informações essenciais. Considerando o caráter de Grey e sua reputação de
autenticidade, se essas cartas interceptadas fossem exatas, a falta de
sinceridade de Grey, conforme percebida pelo ceticismo do olhar alemão,
deve ter sido fonte de um genuíno alarme. Não importa por que razão,
aquelas conversações preocuparam imensamente os alemães.
Apesar de todos os seus perigos, a estratégia de atacar a Sérvia rápido a
ponto de criar um fait accompli foi, na opinião de Bethmann, seu criador, a
única via plausível para sair de uma situação em que as outras grandes
potências poderiam virar-se contra a Alemanha e contra a Áustria. E esta
estratégia não foi empregada. Os austríacos sequer a tentaram.
O chanceler (segundo seu confidente) preocupou-se.20 Refletiu sobre os
erros que a Alemanha tinha cometido em política exterior desde a
exoneração de Bismarck. A Alemanha havia alienado a Rússia, a França e a
Grã-Bretanha, feito de todas inimigas, sem enfraquecer nenhuma delas.

Na Inglaterra, o secretário das Relações Exteriores professava o


otimismo em relação à disputa austro-sérvia. Sir Edward Grey era talvez o
único membro do gabinete a ter uma razão para entender precocemente que
a situação nos Bálcãs era séria. Ele fora alertado pelo embaixador alemão
em Londres, o príncipe Lichnowsky, que era firmemente pró-britânico. Já
em 6 de julho, Lichnowsky avisou a Grey que a Áustria ia adotar uma
postura dura na questão de Sarajevo, e que teria a bênção e o apoio da
Alemanha para fazê-lo.
Grey considerou a hipótese de trabalhar com a Alemanha para conter a
Áustria. Posteriormente, ele estimulou a Áustria e a Rússia a manterem
conversações para resolverem suas diferenças. Grey não demonstrou
qualquer preocupação desmedida; o Ministério das Relações Exteriores
mostrou ainda menos. Conforme relatou o embaixador alemão em Londres,
Grey “acreditava que uma solução pacífica seria alcançada”.21 Ele pregava
a moderação, e destacava a importância de a Áustria provar que as
acusações feitas contra a Sérvia eram verdadeiras.
Os britânicos também eram presas de paixões em casa, ocasionadas pela
questão do que fazer com a Irlanda. Eles permaneceram desatentos ao
perigo vindo do estrangeiro. As ameaças externas pareciam estar se
dissipando. “A primavera e o verão de 1914 foram marcados na Europa por
uma tranquilidade excepcional”, recordou-se mais tarde Winston Churchill,
chefe civil do Departamento da Marinha da Inglaterra.22 O menino prodígio
de 39 anos da política inglesa era um primeiro lorde ativista — e até
intrépido — do Almirantado, mas seu olhar escrutinava águas calmas.
Churchill não era então a figura grandiosa que o século XX
reverenciaria posteriormente. Ele havia avançado muito e rápido na política,
mas era visto como uma espécie de novo-rico por seus colegas de gabinete,
quase todos uma década ou mais idosos. Ele parecia estar sempre nas
manchetes e na ribalta. Sua energia não tinha limites — o bastante para
exaurir os que estavam à sua volta, e mesmo no gabinete ele nunca parava
de falar. Seu entusiasmo raiava o infantil. Mas suas aptidões eram
inegáveis. Mesmo então, podia-se ver que tinha talento; somente décadas
mais tarde seria visto que ele também tinha gênio.
Em 1914, ele aplicava suas habilidades à questão aparentemente
insolúvel da Irlanda. Como escreveu posteriormente: “A estranha calma da
situação europeia contrastava com a violência crescente dos conflitos
partidários em casa.”23 Quando ficou claro que a autodeterminação da
Irlanda ia finalmente ser decretada, liberais e conservadores se viram presos
na luta mortal da sua respectiva clientela, os católicos do sul da Irlanda e os
protestantes do norte: os Ulstersmen. Ambos os lados recrutavam e
treinavam formações paramilitares. O Ulster comprava armas em
quantidade da Alemanha, e havia informação de que equipamentos bélicos
eram importados ilegalmente para as milícias rivais.
Sobrepujada pelos acontecimentos, Londres acionou reforço de tropas e
apoio naval. Compreensivelmente, “vendo-se confrontados a ações que
poderiam constituir os movimentos de abertura de uma guerra civil, os
comandantes militares começaram a estudar planos de caráter muito mais
sério”. A complicação era que a parcela de protestantes do Ulster na
oficialidade do Exército britânico era desproporcional, e podia-se especular
que o Exército iria, pelo menos em parte, apoiar a Irlanda do Norte e o
Partido Unionista contra o governo liberal de Asquith. “Acontecimentos
chocantes causaram uma explosão de violência sem precedentes no
Parlamento e abalaram as fundações do Estado”, escreve Churchill. “Não
podemos interpretar os debates que se prolongaram a intervalos pelos meses
de abril, maio e junho sem nos questionar se nossas instituições
parlamentares eram fortes o bastante para sobreviverem às paixões que as
convulsionavam. O que há de surpreendente no fato de agentes alemães
relatarem, e políticos alemães acreditarem, que a Inglaterra, paralisada pela
dissensão, estava sendo arrastada para a guerra civil e não precisava ser
levada em conta como fator da situação europeia?”
Em 20 de julho, o rei George V convocou uma conferência de todos os
partidos a realizar-se no Palácio de Buckingham no dia seguinte. No 21, ele
abriu a reunião com uma declaração breve. Mencionou os perigos que o
tinham levado a convocar a conferência. “A tendência evoluiu de maneira
constante e certa na direção de um apelo à força e hoje o grito de Guerra
Civil está nos lábios da maioria das pessoas responsáveis e sóbrias do meu
povo”, disse o rei George.24 Ele chamou os líderes partidários a chegarem a
algum tipo de compromisso pacífico.
A conferência, de fato, mostrou que as diferenças eram pequenas, mas
ainda assim continuavam intratáveis. Não teve êxito e os conferencistas
debandaram na manhã da sexta-feira, 24 de julho. Segundo o primeiro-
ministro, o rei George “entrou, muito émotionné, e disse em duas frases [...]
adeus, eu sinto muito, e obrigado”.25
Naquela tarde, os membros do gabinete se reuniram e voltaram ao
trabalho sobre uma proposta de definição de fronteira entre a Irlanda
independente e a Irlanda do Norte britânica. Ao terminarem as suas
deliberações, Sir Edward Grey chamou a atenção dos presentes para a crise
sérvia.

________________
* Entretanto, numa entrevista em 17 de setembro de 1916 ao jornalista
americano William Bullitt, ele admitiu que tinha visto o ultimato antes de
ele ser mandado.14 E Zimmermann, o número dois de Jagow, disse a um
colega (em 11 de agosto de 1917) que “é verdade que nós recebemos o
ultimato sérvio cerca de 12 horas antes de ele ser apresentado”.
Zimmermann escreveu que não havia sentido em continuar mentindo, pois
o fato “não poderia continuar secreto para sempre”.
1 Albertini 1952 II: 184-85
2 Encyclopaedia Britannica, 11ª ed., s.v. “Bavaria”
3 Geiss 1967: 127-30
4 Berghahn 1993: 209
5 Kautsky 1924: 113
6 Ibid.: 126
7 Ibid.: 141
8 Morton 2001: 208
9 Geiss 1967: 139
10 Ibid.
11 Ibid.: 142
12 Ibid: 154
13 Eyre Crowe,1967: 159; Albertini 1952 II: 212
14 Fromkin 1995: 98
15 Rhöl 1973: 29
16 Berghahn 1993: 201
17 Ibid.
18 Ibid.
19 Ibid.: 201-202
20 1925 I: 283-90
21 Berghahn 1993: 209
22 Kautsky 1924: 144-45
23 W. Churchill 1923: 178
24 Ibid.: 181
25 Brock e Brock 1985: 122
Capítulo 30

APRESENTANDO O ULTIMATO

Ocorrera uma semirruptura da comunicação entre a Áustria e a Sérvia


desde a Afronta; para todos os efeitos, elas não estavam falando uma com a
outra, ou pelo menos não muito. A investigação austríaca dos assassinatos
estava sendo conduzida em segredo, e ao mesmo tempo em que só um dos
integrantes do grupo de Princip ainda não tinha sido preso, o processo
contra eles avançava em semanas, ou mesmo meses, em vez de dias.
Neste ínterim (já que a suposição comum era de que a Sérvia era
culpada pelo menos em parte), a Sérvia aguardava temerosa a punição que
lhe estava sendo preparada ou proposta. De fontes em Londres, o governo
sérvio soube, em 17 de julho, que “uma espécie de acusação estava sendo
preparada”, por “cumplicidade na conspiração que levou ao assassinato do
arquiduque”.1 Em 20 de julho, veio de Viena o rumor de que a Áustria
estava se preparando para entrar em guerra.2
Neste respeito, a população sérvia não foi de nenhuma ajuda para seu
governo, ao contrário. Ela não mostrava nenhum remorso, enquanto a
imprensa de oposição dava todos os sinais de estar contente com os
assassinatos.
Para os estrangeiros, pareceu imprudente o governo sérvio sequer
manter as aparências de que estava perseguindo energicamente os que
ajudaram os assassinos. É verdade, os dois assassinos eram súditos
austríacos; é verdade, estavam sendo julgados num processo judicial
austríaco que ainda não tinha sido concluído. Entretanto, a razão real para a
inércia servia pode ter sido o fato de o governo ter muito a esconder. Se
ficasse sabido, por exemplo, que Pasic tinha tomado conhecimento do
complô assassino a tempo de tê-lo evitado — se este fosse realmente o caso
—, o primeiro-ministro seria condenado pela Mão Negra por ter avisado
Viena, ainda que ineficazmente, e pela Áustria, por não ter sido avisada
com eficácia suficiente. Sem dúvida, se Pasic tivesse deixado a verdade
transparecer em qualquer investigação autorizada ou sancionada por ele, a
Mão Negra poderia muito bem tê-lo matado.
Além disso, as eleições sérvias estavam programadas para 14 de agosto.
Pasic tinha de fazer campanha como nacionalista inflamado. O país não
estava em posição de enfrentar o Império Habsburgo, mas se Pasic deixasse
seu eleitorado saber que estava disposto a fazer concessões ou assumir
compromissos para evitar o conflito, é provável que perdesse votos. De
algum modo, ele tinha de realizar a façanha impossível de andar em duas
direções opostas ao mesmo tempo.
O barão Giesl von Gieslingen, representante austro-húngaro na Sérvia,
deu um telefonema de cortesia ao ministro das Relações Exteriores sérvio
na quinta-feira, 23 de julho, pela manhã. Queria avisar o governo sérvio que
entre as quatro e cinco da tarde ele estaria entregando uma importante
mensagem ao primeiro-ministro.
Giesl recebeu então um telegrama do seu próprio governo referente ao
erro que Jagow tinha percebido: os líderes franceses ainda não teriam saído
de São Petersburgo àquela hora. Ele recebeu ordens de adiar a sua entrega
para as seis horas da noite.
Quando Giesl finalmente chegou, foi para saber que o primeiro-ministro
sérvio não estava em Belgrado; estava fora da cidade, fazendo campanha
eleitoral — ou pelo menos foi o que disse. Pacu, ministro das Finanças
sérvio, estava incumbido de despachar na ausência do primeiro-ministro.
Mas Pacu não falava francês, a língua da diplomacia. Assim, não seria
possível Giesl comunicar-se com ele.
O secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Slavko Grvic,
apresentou-se para traduzir. Pacu, porém, confrontado ao documento que
lhe era formalmente apresentado, recusou-se a aceitá-lo. Giesl colocou-o na
mesa e disse a Pacu para fazer o que bem entendesse, e então se foi.
Depois que Giesl saiu, Pacu e seus colegas tentaram entrar em contato
com Pasic. O esforço tomou cerca de duas horas. Por telefone, os
companheiros resumiram para o primeiro-ministro os termos ásperos do
documento que Giesl lhes havia remetido. (Ver Apêndice 1, para a íntegra
da nota austríaca.) Pasic decidiu retornar imediatamente de trem, e
convocou uma reunião do gabinete em Belgrado para a manhã seguinte, às
cinco horas da manhã. Nicolai Hartwig, o enviado russo em cujo conselho
os sérvios geralmente confiavam, tinha morrido duas semanas antes e ainda
não havia sido substituído; os sérvios estavam sós.
O gabinete de ministros esteve reunido durante todo o dia, noite afora, e
depois todo o dia seguinte. A urgência lhes fora imposta, pois a Monarquia
Dual exigia uma resposta em 48 horas. Pasic procurou outros governos em
busca de conselho e ajuda, mas o tempo foi ainda mais curto: os
mensageiros Habsburgo só tinham entregado cópias da nota às potências na
manhã de 24 de julho.
E sem sequer esperar por uma resposta, na manhã de 23 de julho, o
Exército Habsburgo abriu seu livro de guerra: seu resumo das medidas
administrativas e de atribuição de responsabilidades que entrariam em vigor
em caso de abertura de hostilidades.
A notícia chegou em Londres a tempo de pegar a reunião de gabinete
dedicada a recolher os cacos da conferência fracassada do Palácio de
Buckingham sobre a Irlanda. As diferenças entre os dois lados, segundo
Winston Churchill, tinham sido reduzidas a uma questão de fronteiras entre
dois condados irlandeses, Fermanagh e Tyrone. Sobre esta questão, porém,
restava um impasse sem saída, e pairava a ameaça de uma guerra civil.
Nas palavras frequentemente citadas de Churchill:3

A discussão chegara ao seu termo inconclusivo e o gabinete estava


prestes a separar-se, quando o tom comedido e grave da voz de Sir
Edward Grey foi ouvido à leitura de um documento que havia acabado
de lhe ser trazido do Ministério das Relações Exteriores. Tratava-se
da nota austríaca para a Sérvia. Ele ficou lendo ou falando por vários
minutos antes de eu poder desembaraçar minha mente do debate
tedioso e confuso que acabara de ser interrompido [...] A nota era
claramente um ultimato; mas era um ultimato tal que jamais havia
sido redigido nos tempos modernos. A medida que a leitura
prosseguia, parecia absolutamente impossível que qualquer Estado no
mundo pudesse aceitá-lo, ou que qualquer aceitação, por mais que
abjeta, satisfaria o agressor. As paróquias de Fermanagh e Tyrone se
eclipsaram ao segundo plano de brumas e ventos da Irlanda, e uma
estranha luz começou [...] a banhar o mapa da Europa.

Era a primeira vez naquele mês que o gabinete ouvia falar de política
exterior. Churchill era um dos dois únicos homens do gabinete, além do
primeiro-ministro, que tinham sido avisados por Grey antes da reunião.
Durante a reunião, como de costume, o primeiro-ministro Asquith
escreveu uma carta à sua confidente, Venetia Stanley. Disse a ela que a
situação europeia “está tão mal quanto é possível estar. A Áustria enviou
uma nota intimidadora e humilhante à Sérvia, que absolutamente não pode
cumpri-la, e exigiu resposta em 48 horas — na ausência da qual, marchará.
Isto significa, quase inevitavelmente, que a Rússia vai entrar em cena em
defesa da Sérvia e em desafio à Áustria; se assim for, será difícil tanto para
a Alemanha como para a França se absterem de emprestar seu apoio a um
lado ou outro. Assim, estamos a uma distância mensurável, ou imaginável,
de um verdadeiro Armagedom”.4
Mas ele termina com uma nota tranquilizadora: “Felizmente, parece não
haver nenhuma razão para sermos mais do que meros espectadores.” No
final da reunião, Churchill, por sua vez, escreveu à esposa que a “Europa
está tremendo à beira de uma guerra generalizada.5 O ultimato austríaco à
Sérvia sendo, no gênero, o documento mais insolente jamais concebido”.
Mas ele tampouco previa um papel para a Grã-Bretanha desempenhar no
conflito iminente, e escreveu principalmente para dizer que estaria com a
família na praia durante o fim de semana.
Entrementes, Grey prestou atenção inicialmente no prazo de quarenta e
oito horas. “Eu nunca tinha visto um Estado endereçar a outro Estado
independente um documento de caráter tão formidável”,6 disse ele ao
governo austríaco; e quaisquer que sejam os méritos da disputa, a primeira
coisa a ser feita é adiar ou eliminar o prazo final.
A pedido de Grey, o embaixador alemão, Lichnowsky, veio visitá-lo.
Lichnowsky relatou que Grey fora “profundamente afetado pela nota
austríaca, a qual, na opinião dele, excedia qualquer coisa que jamais tivesse
visto no gênero anteriormente”.7 Ele acreditava que “qualquer nação que
aceitasse condições como aquelas, na verdade deixaria de contar como
nação independente”. (“Isso seria muito proveitoso. Não é uma nação no
sentido europeu, mas um bando de ladrões!”, comentou o kaiser Guilherme
ao ler o relatório de Lichnowsky.)
Os comentários particulares dos três políticos, se lidos como se eles
estivessem conversando, revelam o fosso crescente entre as respectivas
opiniões:
LICHNOWSKY: “Não se pode avaliar os povos balcânicos com a
mesma medida que as nações civilizadas da Europa...”
KAISER: “Exatamente, pois eles não têm a mesma medida!”
LICHNOWSKY: Consequentemente, é preciso usar outro tipo de
linguagem com eles.”
GREY: “Mesmo que fosse capaz de compartilhar esta opinião [ela
não] seria aceita na Rússia.”
KAISER: “Então os russos não são nada melhores.”

Grey pediu apoio alemão para o prolongamento dó prazo, e sugeriu que


Inglaterra, França, Alemanha e Itália devessem mediar o conflito.
“Supérfluo”, comentou o kaiser. “Grey não tem mais nada a propor.”
Porém, o governante alemão anotou à margem do relatório de Lichnowsky
que ele próprio mediaria o conflito se, e somente se, a Áustria lhe pedisse
para fazê-lo.
De São Petersburgo, o ministro das Relações Exteriores, Sazonov,
enviou um telegrama circular aos países concernidos, pedindo para agirem
juntos para obter o adiamento do prazo. Sazonov também pediu à Áustria os
resultados do inquérito oficial dos assassinatos de Sarajevo, conforme a
promessa anterior de Viena de colocar o relatório à disposição das demais
potências.
Em Viena, em 24 de julho, Berchtold encontrou-se com o encarregado
russo de negócios, conde Kudashev, e despachou uma mensagem
apaziguadora: “Nada está mais longe dos nossos pensamentos do que o
desejo de humilhar a Sérvia”; e a Monarquia Dual “não visa vantagens
territoriais, mas apenas a preservação do status quo ”.8
Literalmente, Berchtold estava dizendo a verdade: Viena não pretendia
anexar a Sérvia; já governava eslavos demais. Mas ele foi deliberadamente
capcioso: a Áustria-Hungria, segundo o principal assessor de Berchtold no
Ministério das Relações Exteriores, pretendia a repartição da Sérvia, mas
sem tomar parte na partilha.
Kudashev perguntou o que aconteceria se a resposta da Sérvia não fosse
aceitável para o governo de Berchtold. A resposta de Berchtold: o
representante da Áustria em Belgrado fecharia a sua legação e partiria com
a sua equipe. “Então é a guerra”, exclamou Kudashev.9
Na manhã seguinte, Kudashev voltou para pedir uma extensão do prazo
estabelecido pela Áustria. O governo austríaco recusou. Kudashev passou
então um telegrama a Berchtold, que estava a caminho de um encontro com
o seu imperador, repetindo o seu pedido de extensão. Berchtold recusou.
Como Viena e Berlim haviam calculado, Paris foi incapaz de reagir de
maneira significativa à nota austríaca. O presidente Poincaré, o primeiro-
ministro e ministro das Relações Exteriores, René Viviani, e Bruno Jacquin
de Margerie, oficial mais importante do Ministério das Relações Exteriores,
ainda estavam no mar. Jean-Baptiste Bienvenue-Martin, ministro da Justiça,
e chefe interino do governo, pareceu incapaz, ou relutante, de assumir uma
atitude dura, ou qualquer atitude que fosse, apesar da assistência de Philippe
Berthelot, número dois do Ministério da Relações Exteriores.
Como a voz dos franceses não se fez ouvir, os enviados alemães e
austríacos sentiram-se evidentemente encorajados a acreditar que a França
poderia manter-se de fora nos dias a seguir. Em vez disso, o que estava
acontecendo é que Bienvenue-Martin estava encaminhando pelo menos
alguns despachos para o presidente em viagem, o que fez Poincaré decidir
retornar imediatamente a Paris.
Quando a notícia do ultimato austríaco chegou a São Petersburgo,
Sazonov explodiu: “C’est la guerre européenne” [É a guerra europeia].
Encontrando-se com o embaixador austríaco, ele se exprimiu asperamente.
“Sei o que está acontecendo. Vocês querem a guerra contra a Sérvia [...]
Estão incendiando a Europa.10 Por que não deram chance de a Sérvia falar e
por que a forma de ultimato? [...] O fato é que vocês queriam a guerra, e
queimaram as pontes [...] Dá para ver o quanto são amantes da paz.
O Conselho de Ministros russo se reuniu e decidiu tentar persuadir a
Áustria e estender o prazo de 25 de julho. Ele também decidiu aconselhar a
Sérvia a oferecer a menor resistência possível a qualquer acordo austríaco.
Finalmente, decidiu pedir ao tsar para concordar, pelo menos em princípio,
com uma mobilização parcial das forças armadas. Sem entrar em detalhes
(ainda que os historiadores o venham fazendo desde então), esta
“mobilização parcial” consistia num certo número de medidas, algumas
exequíveis, outras não, nenhuma das quais teria ajudado significativamente
a defender a Rússia, sendo que a maioria delas colocava a Rússia numa
posição menos vantajosa do que antes. Tratava-se de um conceito
essencialmente político, confuso e obscuro, cuja pretensão era transmitir a
mensagem de que a Rússia estava determinada a agir se necessário, mas não
queria alarmar ou provocar a Alemanha ou a Áustria, como teria acontecido
no caso de uma mobilização plena — de uma mobilização de fato.
A Rússia, como tão amiúde foi o caso, era um mistério para o mundo
europeu em 1914. Suas dimensões imensas e aparente exotismo oriental
eram assustadores. Era o maior dos países, e o tamanho da sua população
— 170 milhões de habitantes — era intimidador. Entretanto, em julho de
1914 os seus ministros consideravam-na vulnerável.
O ritmo da sua industrialização, a sua rede ferroviária sempre em
crescimento e o seu programa moderno de rearmamento, em grande parte
financiado pela França, começaram com a Rússia tão gravemente atrasada,
que alcançar qualquer progresso parecia muito maior do que de fato era. Na
Europa Ocidental, e na Alemanha em particular, avultava a futura ameaça
russa. Na primavera de 1914, o embaixador britânico na Rússia advertiu
Londres de que “a Rússia estava se tornando rapidamente tão poderosa, que
devemos preservar sua amizade quase a qualquer custo”.11
Porém, como nos lembra o historiador D. W. Spring, “não era assim que
o governo e o público russos viam a sua posição no mundo em 1913-14.”12
Eles viam o seu país cercado por “dez Estados com metade da população
mundial”, dos quais “três ou quatro diretamente hostis”.13 O governo russo
era amplamente ineficaz. Em sua maior parte, o país permanecia atrasado:
uma economia camponesa um século ou mais atrasada. Como se deu, a
industrialização veio de par com um processo de lutas sociais; em São
Petersburgo, em julho de 1914, “180 mil trabalhadores industriais num total
de 242 mil estavam em greve”.14
Ainda que as massas não desempenhassem nenhum papel na tomada de
decisões da política externa, algo próximo de uma opinião pública, por mais
que pálida, teve expressão na reunião do Conselho de Ministros de 24 de
julho.
Foi um daqueles raros momentos de concórdia. A imprensa, os
ministros do governo e o público pareciam ter todos a mesma opinião. A
Rússia queria que a Sérvia fizesse quaisquer concessões necessárias. Os
russos queriam a paz e sabiam que não estavam preparados para a guerra.
Por outro lado, havia um consenso de que no passado a Rússia fizera
concessões às potências germanófonas em nome da paz, mas descobrira que
tais concessões apenas estimularam Berlim e Viena a exigirem mais. O
verão de 1914 pareceu à Rússia uma boa oportunidade para experimentar a
abordagem oposta. Desta vez, de maneira não provocativa, os
representantes russos pretendiam permanecer firmes.
Todavia, a indecisão do tsar Nicolau II introduziu um elemento de
instabilidade no processo de tomada de decisão política. O monarca russo
era um homem de personalidade fraca, inadequadamente preparado para
assumir a coroa, e de cujos custosos erros — notadamente a desastrosa
guerra contra o Japão — estava consciente até demais. Ele herdara poderes
autocráticos, mas tinha sido forçado a proclamar-se imperador
semiconstitucional. O centro emocional da vida de Nicolau era seu lar: a
esposa e as filhas que ele adorava, e o filho Alexei, com pouco menos de
dez anos de idade em 1914, cuja hemofilia pesava como uma espada sobre
a monarquia.
Quaisquer que fossem os seus sentimentos sobre os sérvios como
irmãos eslavos, Nicolau tinha necessariamente sentimentos fortes quanto a
regicidas. Seu avô Alexandre II, que tinha libertado os servos, foi objeto de
mais de meia dúzia de tentativas de assassinato antes da fatal.
Além disso, Nicolau começou seu reinado um pouco sob a influência do
kaiser Guilherme. Nicolau foi coroado em 1895, aos 26 anos de idade.
Guilherme, nove anos mais velho, já ocupava o trono há seis anos. “Gui”
influenciou “Nic” durante uma década, aconselhando-o de maneira
perigosamente iníqua, instigando a ideia de conquistas no Extremo Oriente,
o que levou à desastrosa guerra contra o Japão (1904-1905), que quase
redundou no colapso da Rússia como grande potência. A crise culminou
com a revolução de 1905.
No final de 1905 e da influência de Guilherme, o tsar caiu sob o fascínio
de outra figura perigosa, o curandeiro religioso Gregori Rasputin, que
ofereceu a esperança de curar a hemofilia do herdeiro aparente. O crédulo e
vulnerável casal imperial, Nicolau e sua esposa Alexandra, que se
preocupava mais com a vida do seu filho do que com qualquer outra coisa,
parecia estar colocando o destino do czaréviche nas mãos de Rasputin, o
homem da voz gutural, dos olhos hipnóticos e do toque que abrandava.
Fisicamente vigoroso, Rasputin era movido por apetites quase insaciáveis;
os fofoqueiros tinham sempre o que fazer acrescentando nomes de mulheres
à lista das suas conquistas, que diziam incluir a imperatriz Alexandra e uma
de suas filhas, para orgulho da esposa do monge, deixada em casa na
Sibéria com seus quatro filhos: “Ele é bastante para todas elas”, jactava-se
ela.15
Ao aproximar-se a crise de julho de 1914, a ascendência exercida por
este mago fraudulento e pernicioso sobre a família real já havia abalado a
reputação da própria monarquia. Era previsível que pelo menos uma parte
do público culpasse a influência de Rasputin pela reviravolta trágica no
destino da Rússia durante e após 1914.
Na verdade, Rasputin advogava consistentemente a causa da paz. Na
crise da guerra dos Bálcãs de 1908, ele tinha dito: “Não vale a pena lutar
pelos Bálcãs.” Em 1914, recuperando-se em sua aldeia camponesa de uma
tentativa de assassinato, ele irritou o tsar com um telegrama, depois que as
hostilidades já haviam começado: “Queira Deus que Papa não esteja
pensando em guerra, pois a guerra será o fim da Rússia e o vosso, e o
senhor perderá até o último homem.”
Em 24 de julho, em Londres, o embaixador russo disse ao embaixador
alemão, “em estrita confiança”, que era “totalmente impossível” para a
Rússia “aconselhar o governo sérvio a aceitar” o ultimato, “só se fosse para
a Sérvia decair à condição de vassala da Áustria.”16 Ele disse: “A opinião
pública russa não vai tolerar.” As intenções de Viena estavam claras.
“Somente um governo que quisesse a guerra poderia ter escrito aquela
nota.”
Rumores chegaram a Berlim de que o ultimato estava sendo atribuído à
Alemanha. O Ministério das Relações Exteriores distribuiu uma torrente de
desmentidos. Aos seus enviados em Paris, Londres e São Petersburgo, a
Alemanha passou instruções de negar a acusação. “Nós não exercemos
nenhum tipo de influência quanto ao conteúdo da nota.” Não obstante,
Berlim “não podia aconselhar Viena a recuar”, pois a retratação redundaria
em perda de prestígio para a Áustria-Hungria.17
Por seu embaixador em Viena, a Alemanha soube que Berchtold havia
chamado o enviado russo para uma conversa tranquilizadora, durante a qual
o ministro austríaco das Relações Exteriores negou qualquer desejo de
alterar o equilíbrio de poder ou perturbar a Rússia. Ele conclamou à
formação de uma frente única das monarquias europeias contra o perigo
comum decorrente da “política sérvia conduzida à base de revólveres e
bombas”.
Lendo um relatório desta conversa, o kaiser Guilherme fez uma
anotação da sua desaprovação. Sobre a declaração de boas intenções de
Berchtold em relação à Rússia, ele comentou que era “absolutamente
supérflua! Dá impressão de fraqueza, e de um pedido de desculpas”.
Chamando Berchtold de “Burro!”, o kaiser anotou: “A Áustria tem de
tornar-se preponderante nos Bálcãs comparativamente às nações pequenas,
e às expensas da Rússia; de outro modo, não haverá paz.”18
Os líderes da política externa francesa pouco sabiam do que estava
acontecendo. Conforme planejado pela Áustria, eles estavam a bordo do
navio quando irrompeu a crise. O presidente, o primeiro-ministro, que
também atuava como ministro das Relações Exteriores, e o seu principal
assessor de política externa estavam cientes de que não estavam
conseguindo estabelecer comunicação. O que não sabiam é que eram os
alemães que estavam perturbando as suas transmissões.
Os líderes franceses estavam vindo de conversações com o tsar e com o
governo russo. Pouco se sabe sobre o que foi dito. Mas a política de
Poincaré desde o começo foi impedir que a Rússia fizesse qualquer coisa
que pudesse provocar a Alemanha. O presidente estava agudamente cônscio
de que a França não tinha condições militares de entrar numa guerra. Não
há razão para acreditar que tenha dito algo muito diferente durante a sua
estada na Rússia.
Entretanto, uma vez que os líderes franceses partiram, o porta-voz do
país que ficou em São Petersburgo teve uma atitude um tanto perniciosa
como embaixador. Maurice Paléologue, que apresentara suas credenciais
apenas cinco meses antes, era uma personalidade muito independente, cuja
tendência era aplicar a sua própria política externa. Ele deu ao governo
russo a impressão de que a França o apoiaria incondicionalmente. Um
estudo recente de M. B. Hayne sobre a diplomacia francesa antes da guerra
mostra que, à diferença dos demais, Paléologue acreditava que os Exércitos
francês e russo estavam em seu máximo.19 Presumindo que a Alemanha
pretendia forçar uma guerra europeia, ele advogava lutar o mais
rapidamente possível. Neste particular, ele era uma espécie de Moltke. Não
é claro até que ponto teria influenciado as decisões tomadas pelos líderes
russos, pois eles não confiavam nele.
Uma pergunta de Viena para Berlim datada de 22 de julho só chegou no
dia 24. O Império Habsburgo estava prestes a romper todas as relações com
a Sérvia. Nenhum funcionário austríaco seria deixado para trás. Como,
então, a Monarquia Dual iria declarar guerra à Sérvia? Quem entregaria
fisicamente a declaração? A Alemanha o faria em nome da Áustria?
Do Ministério das Relações Exteriores, Jagow respondeu que não seria
uma boa ideia: “Nosso ponto de vista tem de ser que a disputa entre a
Sérvia e a Áustria-Hungria é uma questão interna.”20 Contudo, Berlim e
Viena estiveram discutindo modalidades de declaração de guerra antes de o
ultimato austríaco ter sequer sido entregue, e menos ainda respondido, e
menos ainda respondido insatisfatoriamente.

________________
1 Albertini 1952 II: 280
2 Ibid.: 282
3 W. Churchill 1923: 193
4 Brock e Brock 1985: 122-23
5 R. Churchill 1969: 1987-88
6 Great Britain 1915: 30-31
7 Kautsky 1924: 184-85
8 Albertini 1952 II: 378 Ibid.
9 Ibid: 291
10 Evans e Strandmann 1990:76; Ibid.: 77; Ibid.; Ibid.
11 Massie 1996: 186
12 Kautsky 1924: 180
13 Ibid.
14 Ibid.: 182
15 Hayne 1993: 294-93
16 Geiss 1967: 180
17 Ibid.18
18 Ibid.: 18219
19 Hayne 1993: 294-9520
20 Geiss 1967: 180
Capítulo 31

A SÉRVIA MAIS OU MENOS ACEITA

Uma “nota bastante forte”, observou o kaiser, a bordo do seu navio, ao


chefe do seu Gabinete Naval, almirante von Müller.1 O imperador tinha tido
notícia do ultimato austríaco. Mas “isto quer dizer guerra”, respondeu o
almirante. Não, disse Guilherme, a Sérvia jamais se arriscaria.
O regente da Sérvia, príncipe Alexandre, visitou a legação russa em
Belgrado na noite de 23-24 de julho, “para expressar sua desesperança
diante do ultimato austríaco, cujo atendimento ele considera uma
impossibilidade absoluta para um Estado que tenha um mínimo de respeito
por sua própria dignidade”.2 Suas esperanças repousavam no tsar, disse ele,
“cuja poderosa expressão era a única que podia salvar a Sérvia”. Pasic, o
primeiro-ministro, também deu uma passada na legação russa, um pouco
mais tarde, a caminho da reunião às cinco da manhã com os ministros
disponíveis.
Mas a Rússia não ofereceu nada além de apoio moral. De São
Petersburgo, Sazonov, falando apenas em seu nome, disse que seu país
ofereceria ajuda, mas não especificou que forma esta ajuda tomaria. No
final, o governo do tsar sugeriu que a Sérvia — se a resistência fosse sem
esperanças — deveria recuar em vez de resistir, e confiar no senso de
justiça da Europa para corrigir a questão. Nem a Rússia nem sua aliada, a
França, estavam prontas para lutar, especialmente pela Sérvia.
Inicialmente, o governo sérvio estava inclinado a ser desafiador. Mas
depois de os ministros examinarem a questão em detalhes, passaram a um
ânimo mais realista.
Era unânime entre os líderes sérvios que seu país seria esmagado em
caso de guerra contra a Monarquia Dual. Somente a Rússia, ou uma
combinação de potências neutras, poderia salvá-los. Tal apoio seria difícil
de obter em qualquer caso, ainda mais porque havia pouco tempo: a
resposta Sérvia tinha de ser dada até as seis horas da tarde do dia 25 de
julho. Pasic e seus colegas estavam trabalhando continuamente, hesitando
entre a aceitação total do ultimato e a tentação de apresentar condições ou
restrições que permitissem escapar mais tarde do peso das rígidas
exigências de Viena.
À medida que frases eram acrescentadas, modificadas e riscadas, o texto
tornava-se cada vez menos legível. Contudo, ele precisava ser
suficientemente legível, para o tradutor poder fazer o seu trabalho.
Revisado e rebatido várias vezes, o texto continuava confuso e o prazo final
se aproximava. O datilografo não era experiente; a máquina de escrever
quebrou. A menos de duas horas do fim do prazo, foi feita uma tentativa de
escrevê-lo a mão.
O documento final parecia mais um primeiro rascunho, com palavras
riscadas, borrões de tinta e outras coisas mais. Como ninguém mais se
ofereceu para levá-lo, foi o próprio Pasic quem o fez, apressando-se na
direção da legação austríaca para entregar a resposta sérvia antes do prazo
de seis da tarde. Ele pode ter chegado ligeiramente atrasado. Giesl leu
rapidamente, levantando-se. Ele já havia destruído seus papéis e feito as
suas malas. Um automóvel estava pronto para levá-lo à estação ferroviária.
Ele desempenhou as formalidades sumárias atinentes à ruptura de relações
diplomáticas e partiu para pegar o seu trem.
Fora da Áustria-Hungria, acreditava-se que a resposta ao ultimato
aceitaria todas as condições menos uma. Na verdade, ela continha uma série
de reservas (Ver Apêndice 2, pp. 345-348). Pouco importava, pois a
Monarquia Dual estava apenas cumprindo formalidades.
O armador Albert Ballin recordou-se mais tarde da “frustração” no
Ministério das Relações Exteriores alemão quando chegou a notícia de que
a Sérvia tinha aceitado — seguida de uma “tremenda alegria” quando a
correção foi recebida: a Sérvia não tinha aceitado integralmente.3 Dever-se-
ia chamar o kaiser? Não, disse a fonte de Ballin no Ministério das Relações
Exteriores: “Ao contrário, tudo deve ser feito para garantir que ele não
interfira no andamento das coisas, com suas ideias pacifistas.”
Berchtold assumiu a posição de que a sua nota para a Sérvia não era um
ultimato, pois nenhuma declaração de guerra decorreu automaticamente
quando o prazo expirou. Em 25 de julho, Berchtold ainda estava dizendo
aos russos que a ruptura das relações com a Sérvia pela Áustria não levaria
necessariamente à guerra: “Nossas exigências podem fazer surgir uma
solução pacífica.”4
Mas chegou então um telegrama do seu embaixador em Berlim,
lembrando-o de que a Alemanha esperava que a Áustria abrisse as
hostilidades. “Considera-se aqui que toda demora em dar início às
operações de guerra representa o perigo de que potências estrangeiras
possam interferir. Fomos urgentemente aconselhados a proceder sem
tardança.”
Poderia a convocação de uma conferência das potências neutras evitar a
eclosão da guerra? Sir Edward Grey inquiriu cautelosamente as opiniões
sobre a questão. Ainda que temporariamente, a conferência que Grey tinha
convocado em Londres em 1913 trouxera a paz para os Bálcãs; talvez fosse
possível fazer o mesmo outra vez. Porém, era o momento certo de
apresentar tal proposição? Até então, a disputa dizia respeito apenas à
Áustria e à Sérvia; não era entre a Áustria e a Rússia.
Para surpresa de Grey, o embaixador russo adivinhou que seu governo
não ia concordar com uma conferência. Se Alemanha, Itália, França e Grã-
Bretanha mediassem a relação entre a Áustria e a Rússia, ficaria a
impressão, disse ele, de que a França e a Grã-Bretanha tivessem rompido
com seu aliado russo. Contudo, quando a pergunta foi feita a São
Petersburgo, Sazonov não criou tanta dificuldade.
Grey enviou notas a seu embaixador em São Petersburgo em 25 de
julho, resumindo a sua posição. Ele escreveu: “Não acho que a opinião
pública aqui sancione ou deva sancionar a nossa entrada em guerra numa
disputa sérvia. Contudo, se a guerra acontecer, o desenvolvimento de outras
questões pode nos arrastar a ela, e consequentemente estou ansioso para
impedi-lo.” Em vista das ações da Áustria, escreveu ele, a Áustria e a
Rússia irão quase inevitavelmente se mobilizar uma contra a outra; é
quando uma mediação de quatro nações poderá ser oportuna.
Era sábado. Grey achou que a ameaça de guerra não era imediata o
bastante para afastá-lo do campo. Passou os negócios às mãos do seu
assistente e saiu da cidade.
Um telegrama do enviado da Alemanha em Belgrado descrevia a
confusão e o desânimo do governo sérvio ao lidar com o ultimato austríaco.
O kaiser Guilherme ficou contentíssimo. “Bravo! Quem ia pensar que os
vienenses o fizessem! [...]5 Como pode mostrar-se tão oco o poder sérvio; e
pelo jeito é assim com todas as nações eslavas! É só bater o pé com firmeza
que lá se vai toda a canalha!”
25 de julho. São Petersburgo. Noite. O Estado-maior russo dá início ao
“Período Preparatório para a Guerra”, o primeiro passo de um caminho que,
se mais passos fossem dados, podia levar à mobilização.
Paris. O governo interino da França tomou suas primeiras medidas de
prontidão militar. Secretamente, ele reconvocou seus generais para o
serviço em 25 de julho; cancelou licenças de oficiais e soldados em 26 de
julho; e deu ordens de retornar à França ao grosso do seu exército de
ocupação no Marrocos em 27 de julho.
Berlim. O ministro das Relações Exteriores, Jagow, disse ao jornalista
alemão Theodor Wolff que “nem Londres, nem Paris, nem São Petersburgo
queriam a guerra”.6

________________
1 Görlitz 1961: 5
2 Albertini 1952 II: 348
3 Fisher 1975: 464-65
4 Geiss 1967: 200-201; Albertini 1952II: 372
5 Kautsky 1924: 186
6 Evansand Strandmann 1900:102
Parte Sete

CONTAGEM REGRESSIVA
Capítulo 32

CARTAS NA MESA EM BERLIM

As principais figuras militares da Alemanha estavam ostensivamente de


férias no mês de julho. Assim o kaiser, o chanceler e o secretário das
Relações Exteriores. Na verdade, eles retornavam a Berlim de tempos em
tempos, amiúde secretamente. E seus assessores mantinham os
comandantes militares bem informados.
Depois que os austríacos estabeleceram uma data fixa para seu ultimato,
Berlim comunicou discretamente aos seus líderes para retornarem. Eles o
fizeram a partir do dia 23 de julho, voltando separadamente mas procurando
uns aos outros.
Numa espécie de conferência secreta itinerante, sobre a qual sabemos a
partir dos relatórios dos adidos militares saxão e bávaro, os líderes militares
alemães, por um lado, e os líderes civis, o chanceler e seus funcionários do
Ministério das Relações Exteriores, por outro, discutiram o que fazer a
seguir.1 Sua melhor informação era de que agora a Áustria estava dizendo
que precisaria de pelo menos mais duas semanas — talvez em 12 de agosto
— antes de poder atacar a Sérvia. Os alemães, militares e civis, igualmente,
sentiram repugnância pela indolência da Áustria.
O chanceler e seus colegas civis conduziram uma operação de
contenção. Pediram mais tempo para seus planos — e os de Viena —
funcionarem. Insistiram numa suspensão de pelo menos alguns dias antes
de uma mudança de planos.
Os generais eram em grande parte liderados por Moltke e por Erich von
Falkenhayn, o ministro da Guerra, que desempenhou importante papel
argumentando que a Alemanha devia empreender ações militares contra a
Rússia e seus aliados.
Moltke desempenhou um papel curioso, mudando frequentemente de
atitude, às vezes se contendo, mas argumentando vigorosamente que estava
na hora de entrar em guerra porque as circunstâncias eram mais favoráveis
do que jamais seriam outra vez. Em Berlim, a estrutura da agitada e
decisiva semana parece ter sido, em termos gerais, a seguinte: retornando de
semanas no campo, os líderes do país passaram da tarde de domingo à noite
de segunda-feira (26-27 de julho) se atualizando e trocando opiniões; de
terça a quinta-feira (28-30 de julho) acertando detalhes entre si e de sexta a
segunda-feira (31 de julho a 3 de agosto) entrando em ação. Foram dias de
pôr as cartas na mesa, em que os líderes alemães lutaram entre si, mudaram
de ideia e correram perigo, devido à violência dos seus medos e ódios, de
sofrer derrames e ataques do coração.
Os líderes sobrepostos do Exército da Alemanha — von Moltke, chefe
do Estado-maior; von Falkenhayn, ministro da Guerra; e von Lyncker, chefe
do Gabinete Militar — estavam entre os vários oficiais-chave a debater as
questões da guerra e da paz após seu retorno das férias. Para Moltke, as
discussões eram particularmente frustrantes, em parte porque os líderes
civis compartilhavam os seus pontos de vista mas não os seus objetivos, e
em parte porque ele sabia coisas que eles não sabiam — coisas que ele não
podia lhes contar. Em 1997, Holger Herwig escreveu que “a destruição
quase total dos papéis de Moltke ‘impede qualquer conexão formal entre a
perspectiva de Moltke e a pressão em prol da guerra em 1914’”.2 Parece
que isto já não é mais verdade. A publicação recente da biografia de Annika
Mombauer, em parte baseada, conforme observou-se anteriormente, em
documentos até então não usados, torna possível interpretar os
pensamentos, palavras e ações de Moltke.
Um funcionário saxão que falou com o vice de Moltke em 3 de julho
relatou ter tido a impressão de que o Grande Estado-maior “ficaria satisfeito
se a guerra começasse agora”.3 Nas palavras de Mombauer, a crise de julho
“parecia representar uma oportunidade em vez de uma ameaça”.4 Isto pode
explicar por que Moltke se conteve durante um período no final de julho,
para surpresa dos seus colegas beligerantes. Ele não temia a mobilização da
Rússia; desejava-a sinceramente. Se ela significasse o adiamento dos seus
próprios planos por alguns dias, muito bem, valia a pena esperar; podia
significar a diferença entre vencer e perder. Além disso, Moltke recebeu
informações de que as preparações da mobilização russa eram de menor
escala do que se pensara.5
Mas Moltke era quase o único a estar consciente de que o tempo estava
se esgotando para seu país. A Alemanha estava comprometida com a
grande estratégia de Moltke, que poucas pessoas conheciam. O kaiser e (até
31 de julho) o chanceler, Bethmann, figuravam entre os que estavam no
escuro, assim como Falkenhayn. Nenhum deles sabia o que Moltke tinha
realmente planejado para seus primeiros passos na guerra.
Com notável coerência, e por longo tempo, Moltke acreditara que a
Alemanha devia iniciar imediatamente uma guerra preventiva contra a
Rússia e sua aliada, a França. Mas ele também continuara pensando que
essa guerra preventiva só poderia ser empreendida com êxito se fosse
possível convencer o povo alemão de que a Rússia a começara: que a
Rússia estava atacando a Alemanha.
Assim, ocasionalmente, ele argumentou que a Alemanha devia conter-se
e esperar que a Rússia fizesse o primeiro movimento — quer dizer,
começasse a mobilização. Mas com a passagem das semanas, ele mudou
para a posição oposta: atacar imediatamente.
Moltke era um pessimista. Ele temia que os alemães, especialmente os
alemães prussianos, fossem finalmente superados pelo grande número de
eslavos, a menos que uma atitude fosse tomada imediatamente. Ele incitou
frequentemente a guerra contra a Rússia, antes de o tsar modernizar e
rearmar seu império. Contudo, Moltke também previu que uma guerra entre
as grandes potências na era moderna destruiria a Europa.
Até abril de 1913, a Alemanha tinha um plano de guerra alternativo para
fazer guerra apenas contra a Rússia. Isto não era mais verdade.
Moltke mandou o seu Estado-maior preparar um plano de guerra
atualizado em 1913-1914, lidando com apenas uma eventualidade: uma
guerra de duas frentes contra a França e a Rússia. Ele tinha boas razões para
manter os detalhes do plano em segredo bem guardado.
Será lembrado que na primeira fase do plano de Moltke, que acatava
algumas (mas não todas) das linhas principais do memorando de Schlieffen
de 1906, a Alemanha deveria empregar uma grande força para invadir a
França através da Bélgica, enquanto uma força menor mas ainda
significativa bloquearia o caminho pelo qual se poderia esperar que os
russos atacassem. Ora, em 1914, os russos tinham capacidade de se deslocar
muito mais rapidamente e em muito maior número do que quando
Schlieffen elaborou seu memorando e Moltke assumiu seu cargo. Assim,
era absolutamente imperativo desdobrar todo o Exército austríaco ao longo
da frente russa para ajudar a proteger a Alemanha quando a guerra
começasse.
Claramente, essa era a razão pela qual Moltke sempre foi um advogado
de peso da aliança austríaca, e porque desenvolveu uma relação pessoal
amistosa com seu homólogo na Áustria-Hungria, Conrad. Também foi por
isso que ele garantiu o apoio alemão à Áustria se a Rússia atacasse. Mas ele
não revelou o que seria exigido da Áustria-Hungria.
Moltke guardava seus segredos, e Conrad guardava os dele. Da maneira
como Conrad via a questão — ou pelo menos afirmou fazê-lo
posteriormente —, a Áustria esmagaria a Sérvia enquanto a Alemanha
dissuadiria a Rússia de interferir.6 Seu inimigo — o inimigo da Áustria —
era a Sérvia; ele não tinha nenhum desejo de lutar com a Rússia. O que
Moltke não contou a Conrad foi que, se a guerra estourasse, a Áustria teria
de subordinar seu conflito com a Sérvia a fim de dedicar-se inteiramente ao
combate na frente russa.
Moltke tinha outro segredo. Era um segredo que ele não podia
compartilhar nem com o kaiser, o ministro da Guerra ou o chefe do
Gabinete do Exército do kaiser. Tinha sido ideado para ele, em grande
parte, por seu antigo assessor, Erich Ludendorff. Era um plano de tomar a
fortaleza de Liège (na Bélgica) de surpresa no momento em que a guerra
fosse declarada. A menos que a fortaleza fosse tomada, a invasão da França
e da Bélgica provavelmente fracassaria — e com isso, a guerra. Se a França
ou a Bélgica obstasse de algum modo a manobra alemã, seria
consequentemente a catástrofe.
Como nos conta o historiador militar John Keegan, as fortalezas de
Liège e de Namur, interditando a passagem do rio Mosa, eram “as mais
modernas da Europa”.7 Elas foram “construídas para resistir ao ataque dos
mais pesados canhões então existentes [...] Cada uma consistia num círculo,
40 quilômetros de circunferência, de fortificações independentes, dispostas
[...] para emprestar uma à outra a proteção dos seus próprios canhões”. Ele
nos diz que em Liège havia quatrocentos canhões, dispostos em 12 fortes,
“todos protegidos por concreto reforçado e chapas de blindagem”, e um
contingente de 40 mil soldados.
Quanto mais rápido a Alemanha começasse a guerra, melhor seria para
a operação Liège. Cada dia que a operação era adiada, era um dia em que a
França ou a Bélgica podia adivinhar ou prever a manobra da Alemanha. Por
outro lado, Moltke sempre argumentou que a Alemanha tinha de adiar a
declaração de guerra contra a Rússia, até ser possível fazer parecer que a
Rússia era a agressora.
Qual seria a opção, mais cedo ou mais tarde? Na última semana de julho
de 1914, Moltke mudou de ideia de hora em hora, dia a dia, visivelmente
angustiado.

________________
1 Berghahn 1993: 212
2 Mombauer 2001: 186
3 Ibid: 187
4 Ibid.
5 Ibid: 200
6 Churchill 1931: 120-26
7 Keegan 1999: 77-78
Capítulo 33

26 DE JULHO

Situado à esquina da Downing Street e reconstruído na década de 1860


como palácio italianizado para agradar os gostos Regency de lorde
Palmerson, o prédio do Ministério das Relações Exteriores não abrigava o
tipo de instituição exigente que reclamasse longas horas dos seus
empregados. Eles podiam dormir até tarde; nos diz Zara Steiner,
historiadora do Ministério das Relações Exteriores, que nos dias da semana,
“o horário oficial era de doze às seis”.1
Nos fins de semana, partia-se para o campo. No fim de semana em
questão, o primeiro-ministro e o secretário das Relações Exteriores — e
praticamente todos sabiam — estavam no campo, como sempre. Asquith
estava jogando golfe e Grey estava pescando trutas. Winston Churchill
estava na praia com a sua esposa e filhos, construindo castelos de areia.
Assim, é notável que o chefe do Ministério das Relações Exteriores, Sir
Arthur Nicolson, em Londres, tivesse ido ao escritório trabalhar em 26 de
julho, um domingo.
Os despachos telegrafados que o esperavam continham notícias duras.
A Sérvia havia ordenado a mobilização no dia anterior, antes sequer de
responder ao ultimato austríaco; e de Viena vinham relatórios de que a
Áustria havia rompido relações com a Sérvia. “Acredita-se que a guerra é
iminente.2 Prevalece em Viena o mais desenfreado entusiasmo”, telegrafou
o embaixador na capital Habsburgo.
De São Petersburgo: “A Rússia não pode permitir que a Áustria
esmague a Sérvia e se torne potência predominante nos Bálcãs.”3 Segundo
o telegrama, a Sérvia havia ordenado a mobilização e a Rússia tinha
ordenado preparações preliminares para a mobilização. Nos anos
subsequentes, os historiadores se tornariam especialistas em mobilizações,
debatendo infinitamente nuanças de diferença entre as várias formas de
prontidão para a guerra: etapas preparatórias, mobilizações parciais, e
outras posturas que não fossem marchar sobre um país vizinho ou abrir
fogo contra ele.
Sir Nicolson passou à ação. Tinha dois expedientes em mente, mas eram
reciprocamente excludentes: se desenvolvesse um, bloquearia o outro. Era
preciso escolher. O que ele não adotou foi sair em campanha em favor de
conversações diretas entre a Áustria e a Rússia, as duas grandes potências
diretamente concernidas. Em vez disso, propôs convocar uma conferência
em Londres dos embaixadores das grandes potências não envolvidas —
Alemanha, Itália e França, que se reuniriam com a Grã-Bretanha —, na qual
a disputa entre a Áustria-Hungria e a Sérvia poderia ser analisada
pacificamente. Eis o processo que havia interrompido as guerras balcânicas
no ano anterior. De sua casa de campo, Grey enviou sua permissão a
Nicolson, que telegrafou a sugestão às capitais estrangeiras relevantes.
Asquith comentou com Venetia Stanley que estava preocupado com o
fato de que a “Rússia está tentando nos arrastar para a guerra”.4 Ele lhe
escreveu: “A notícia esta manhã é que a Sérvia tinha capitulado nos pontos
principais, mas é muito duvidoso que quaisquer reservas venham a ser
aceitas por Viena, que está determinada quanto a uma humilhação completa
e final. O que é curioso é que em muitos, senão na maioria dos pontos, a
Áustria tem uma boa causa, e a Sérvia, uma péssima. Mas os austríacos são
perfeitamente o povo mais estúpido da Europa (assim como os italianos são
os mais pérfidos) e há uma brutalidade em seu modo de proceder que vai
fazer a maioria das pessoas pensar que se trata de uma grande potência
intimidando arrogantemente uma pequena. De qualquer maneira, é a
situação mais perigosa dos últimos quarenta anos.”
Esta não era necessariamente a opinião do gabinete de Asquith. Naquela
noite, relata-se que o ministro das Finanças, David Lloyd George, disse
outra coisa a um amigo: “Ele disse que a Áustria tinha feito exigências que
nenhuma nação que se desse ao respeito poderia cumprir [...] ele disse que a
situação era séria, mas que achava que haveria paz — na verdade, ele
pensava assim com muita convicção.”5
Em Britain and the Origins of the First World War [A Grã-Bretanha e
as origens da Primeira Guerra Mundial] (1977), analisando as semanas
seguintes ao assassinato de 28 de junho de 1914, Zara Steiner sugere:
“Somente um calendário dos acontecimentos seria capaz de captar o sentido
de tensão crescente e ilustrar a interação, entre todas as capitais, que
redundou na ruptura do sistema de Estados europeu.”6
Enquanto estivermos falando de Berlim e Viena, há nisto um claro
elemento de verdade. Mas não havia nenhuma tensão crescente dia a dia,
por exemplo, em Paris, Roma ou Londres. A Áustria e a Alemanha
conseguiram manter a sua conspiração em segredo das outras grandes
potências por quase quatro semanas. Dos assassinatos na manhã de 28 de
junho até a manhã de 24 de julho, não houve nenhum aumento significativo
do nível de tensão.
Então, de repente, no fim de semana estivai de 24 de julho, uma crise
bélica plenamente amadurecida surpreendeu os líderes europeus. Ela os
pegou desprevenidos. Até 23 de julho, o gabinete britânico não dedicou
nenhuma atenção a assuntos externos; em 26 de julho, o ministro das
Finanças ainda acreditava que a paz seria preservada.
Na Rússia, dois funcionários de Estado em sua folga de fim de semana
encontraram-se casualmente no domingo: o embaixador alemão estava
embarcando no mesmo trem que Sazonov, ministro das Relações Exteriores
russo. Isso aconteceu porque suas casas de verão eram próximas uma da
outra. O embaixador tirou vantagem da situação para convencer Sazonov a
rejeitar a proposta britânica de convocar uma conferência das potências:
“Um fórum europeu”.7 Seria “improdutivo”, argumentou o embaixador; o
mecanismo funcionaria muito devagar. Em vez disso, a Rússia deveria
negociar diretamente com a Áustria. (Londres, isto será lembrado, tinha
decidido não fazer campanha em prol de negociações diretas porque a
proposta bloquearia a sugestão mais promissora de uma conferência.)
Segundo o embaixador alemão, a Áustria “não está pensando em engolir a
Sérvia, mas apenas quer lhe dar uma merecida lição”. Sazonov, relatou o
embaixador, prometeu seguir o conselho: nada de conferência, negociações
diretas.
Sazonov assumiu uma linha conciliadora. Expressou sua disposição de
ver quase todas as exigências da Áustria atendidas. Na verdade, ele adiou
ações na direção da conferência britânica e explorou a possibilidade de
negociações diretas com a Monarquia Dual. Mas a Áustria se recusou a
fazer qualquer concessão. Sazonov fora induzido a desperdiçar dias vitais.
Grã-Bretanha. O pessoal da reserva da Marinha retornou às suas casas
imediatamente após os exercícios. As próprias frotas estavam programadas
para se dispersar na segunda-feira. No domingo, o primeiro lorde do mar,
príncipe Louis de Battenberg, falou duas vezes ao telefone com o primeiro
lorde do almirantado, Winston Churchill, que estava na praia. O príncipe
Louis notificou a rejeição pela Áustria da resposta servia.
Ou Churchill ou o príncipe Louis deu ordens às esquadras para não se
dispersarem e permanecerem onde estavam. Churchill foi para Londres,
chegando às dez horas da noite. Foi encontrar-se com o secretário Grey, das
Relações Exteriores, para discutir se seria útil fazer um anúncio público da
ordem que fora dada. Grey disse que sim. Churchill fez o anúncio. Foi um
tiro de advertência à frente da proa, destinado a chamar a atenção da
Alemanha.
Contrariamente às opiniões dos seus colegas mais próximos no
Ministérios das Relações Exteriores, que eram céticos com relação às
intenções da Alemanha, Grey tendia a dar a Berlim o benefício da dúvida.
Sua estratégia em 1914, como em 1913, era evoluir na direção de uma
abordagem conjunta anglo-germânica, com base na teoria de que, agindo de
outro modo, os alemães achariam que os britânicos estavam formando um
bloco com a França e a Rússia. Em outras palavras, precisamente por causa
da aliança informal entre Grã-Bretanha, França e Rússia, a Grã-Bretanha
tinha de mover-se primeiro na direção da Alemanha, para não parecer que
estava apoiando a França e a Rússia.
Não obstante, Berlim recusou a proposta de conferência de Grey,
afirmando que seria uma arbitragem, uma censura à Áustria. Grey negou,
mas Jagow se recusou a aceitar a negativa. Neste ínterim, uma declaração
foi publicada num periódico quase oficial da Alemanha, a North German
Gazette, apoiando totalmente a Áustria.
Nicolson, o chefe do Ministério da Relações Exteriores britânico, disse
a Grey que “Berlim está brincando conosco”.8 Embora Nicolson não o
dissesse, a estratégia de Grey se mostraria fútil se a Alemanha, em vez de
ser neutra como a Inglaterra, fosse beligerante às escondidas — na verdade,
patrocinadora secreta da Áustria. E este, com certeza, era o caso.
Paris. O coordenador político do Ministério das Relações Exteriores
francês disse ao embaixador alemão que “para qualquer simplório, a atitude
alemã seria inexplicável se o objetivo não fosse a guerra”. O embaixador
negou, mas nada sabia; Berlim o tinha deixado no escuro.
Viena. Jagow incitou Berchtold em Berlim a declarar guerra
imediatamente; antes que as outras potências se intrometessem para impor
um acordo de paz. Por sua vez, o ministro das Relações Exteriores austro-
húngaro tentou exercer pressão sobre o chefe do seu Exército, Conrad, que
no passado fora defensor persistente de fazer a guerra. Conrad afirmou que
não estava pronto. No relato de Conrad:9

BERCHTOLD: Nós gostaríamos de entregar a declaração de


guerra à Sérvia o mais rápido possível, para acabar com as diversas
influências. Quando o senhor quer a declaração de guerra?
EU: Só quando tivermos avançado o bastante para iniciar as
operações imediatamente — por volta de 12 de agosto.
BERCHTOLD: A situação diplomática não vai se manter por tanto
tempo.

Conrad respondeu que a Áustria devia se conter. Olhando apenas a


situação russa — o que pretendia a Rússia? —, era preciso esperar pelo
menos até 4 ou 5 de agosto. “Assim não vai dar!”, exclamou Berchtold.
O embaixador da Alemanha na Rússia relatou que teve uma longa
reunião com Sazonov. O ministro das Relações Exteriores russo fora
“conciliatório”. Frisou que estava pronto a exaurir todos os meios
necessários para evitar a guerra. Ele também “rogou urgentemente” à
Alemanha que fizesse todo o necessário para alcançar esse objetivo.10
Embora os sérvios fossem eslavos, a política russa não se orientava apenas
por suas “simpatias”. Era guiada pela necessidade de manter o equilíbrio de
poder e de proteger interesses considerados vitais.
O embaixador alemão relatou: “Eu salientei que [...] se a Áustria
estivesse mesmo procurando um pretexto para atacar a Sérvia [...] nós já
devíamos ter sabido do começo de alguma ação da sua parte.”
Foi uma maneira engenhosa de tirar partido da lentidão exasperadora da
Áustria. O governo civil austríaco estava tentando pôr seu Exército em
movimento, e a Alemanha também estava pressionando os austríacos a
pegarem em armas.
Berlim. Moltke, o chefe do Estado-maior, voltou ao trabalho com seu
vice desde a manhã de 26 de julho. Ele foi então ao Auswaertiges Amt, o
Ministério das Relações Exteriores alemão, para examinar questões com
Jagow. Durante o encontro, Moltke forneceu a Jagow um esboço de
ultimato para a Bélgica, a ser usado se e quando a guerra começasse. O
documento conjeturava um conflito com a França, não com a Sérvia: uma
guerra mais ampla, em vez de local.
Finalmente, Moltke se encontrou com o chanceler, que estivera ao
telefone quase continuamente desde o seu retorno na véspera.
Segundo sua esposa, Moltke tinha ficado “muito insatisfeito” com a
situação que encontrou ao retornar.11 E também os outros funcionários e
oficiais que retornaram naquele fim de semana para reuniões e trocas de
opiniões. Nas três semanas em que deliberadamente estiveram afastados, a
Áustria deveria ter subjugado a Sérvia, mas, em vez disso, não fizera sequer
o primeiro movimento. A Rússia, que deveria ter sido mantida fora do
negócio, estava tomando medidas militares preliminares. Os planos de
Bethmann estavam desmoronando. A apresentação de um fait accompli —
seu plano original — não tinha acontecido. A localização do conflito — seu
segundo plano aperfeiçoado — tampouco estava acontecendo: a Grã-
Bretanha considerava tomar iniciativas diplomáticas, e a Rússia pensava em
agir militarmente.

________________
1 Steiner 1969: 12
2 Albertini 1952 II: 200
3 Ibid.
4 Brock e Brock 1985: 125-26
5 Riddell 1986: 84
6 Steiner
7 Albertini 1952 II: 404
8 Geiss 1967: 235
9 Ibid: 227
10 Kautsky 1924: 220-21
11 Mombauer 2001: 197
Capítulo 34

27 DE JULHO

Okaiser Guilherme II insistiu em retornar do seu cruzeiro em águas


setentrionais. Ele interrompeu sua viagem quando ficou claro que seu
governo não o estava mantendo plenamente informado. Bethmann,
figurativamente tremendo, senão literalmente, o encontrou à chegada para
oferecer a sua demissão. Guilherme não o deixaria sair tão facilmente.
Segundo Bülow, predecessor de Bethmann, o kaiser disse algo como: “Você
fez o caldo, agora vai ter de tomá-lo.”1 Mais tarde, instalado em seu palácio
em Potsdam, Guilherme se colocou ao par dos telegramas diplomáticos, e
encontrou-se com os líderes do seu governo e das suas forças armadas.
Segundo o plano formulado em grande parte por Bethmann em 56 de
julho, Guilherme deveria ter retornado para encontrar o Exército Habsburgo
ocupando Belgrado, supervisionando o cumprimento dos termos de
rendição acordados por uma Sérvia subjugada. Tudo teria acontecido rápido
demais para que potências externas pudessem impedir. Seria tarde demais
para elas fazerem alguma coisa. A Rússia e seus aliados teriam de curvar-se
ante o inevitável.
Mas não foi o que aconteceu. O que Guilherme encontrou foi que a
Austria-Hungria tinha deixado passar uma chance de humilhar a Sérvia
pacificamente. Agora a Sérvia estava se aprontando para tomar uma atitude,
a frota britânica estava mobilizada e a Rússia tinha dado o primeiro passo
na preparação para a guerra. A Grã-Bretanha estava pressionando para uma
conferência diplomática que pudesse resolver a disputa em bases menos
favoráveis do que os termos que a Áustria já havia recusado em 25 de julho.
Ao retornarem das suas férias encenadas, os líderes das potências
germanófonas tiveram de tomar decisões sobre o seu próximo passo.
Aquela se mostraria uma semana decisiva. O que os elementos-chave dos
governos alemão e austríaco identificaram como perigo imediato foi que a
proposta de Grey de mediação pelas quatro potências poderia ter êxito,
evitando a eclosão da guerra. Nos Ministérios das Relações Exteriores de
Viena e de Berlim, o 27 de julho viu desencadear-se o começo de um
pânico da paz.
Por sua conta, a Alemanha rejeitou a ideia de conferência. O governo
alemão concordou em remeter a proposta à Áustria-Hungria, mas ao mesmo
tempo sabotou secretamente os esforços de Grey para obter o acordo de
Viena.
Bethmann explicou a um dos seus funcionários por que se sentiu
obrigado a remeter a proposta. “Como já rejeitamos uma proposta britânica
de conferência, não é possível nos recusarmos” a repassar sua ideia.2 “Se
rejeitarmos todas as tentativas de mediação, o mundo inteiro vai nos
responsabilizar pela conflagração e nos caracterizar como fomentadores da
guerra. Isto tornaria a nossa posição insustentável aqui na Alemanha, onde
temos de aparecer como se a guerra nos tivesse sido imposta.” Bethmann,
que até então vinha falando de a Áustria entrar em guerra, de repente estava
falando de a Alemanha entrar em guerra.
O governo alemão remeteu os planos de paz da Grã-Bretanha enquanto
aconselhava secretamente os austríacos a não dar atenção. O embaixador
austríaco em Berlim passou um cabo para Bethmann em Viena com uma
mensagem “na mais estrita privacidade” de Jagow, que dizia que em breve a
Alemanha enviaria as propostas de mediação de Grey. “O governo alemão
garante da maneira mais decisiva que não se identifica com essas
proposições, que ao contrario, aconselha a desconsiderá-las, mas precisa
retransmiti-las, para satisfazer o governo inglês.” Berlim esperava impedir
que a Grã-Bretanha se alinhasse com a França e a Rússia: “Se a Alemanha
dissesse francamente a Sir E. Grey que se recusava a comunicar o plano de
paz da Inglaterra, este objetivo poderia não ser alcançado.”3
Jagow relatou que Grey tinha lhe pedido para remeter um apelo para
modificar o ultimato austríaco. Ele explicou aos colegas que havia enviado
a mensagem ao seu embaixador em Viena, mas sem instruí-lo a entregá-la
aos austríacos. Assim, concluía Jagow, ele poderia dizer honestamente a
Grey que tinha remetido a nota britânica “a Viena”.
Bethmann continuou a adotar a sua linha da semana anterior: as outras
potências deveriam ficar fora do conflito entre a Áustria e a Sérvia.
Consequentemente, os britânicos deveriam usar sua influência para
convencer a Rússia a aceitar a “localização”. Grey destacou que, na sua
resposta às exigências da Áustria, a Sérvia tinha cedido praticamente em
tudo, e Grey atribuiu tal atitude à pressão exercida pela Rússia sobre a
Sérvia. A pedido da Grã-Bretanha, a Rússia tinha refreado a Sérvia; e agora
a Grã-Bretanha estava pedindo à Alemanha para usar sua influência para
conter a Áustria.
Mas a Alemanha rejeitou a proposta de Grey. Jagow afirmou que a
Rússia e a Áustria estavam prestes a entrar em negociações, e que era
preciso esperar o resultado antes de fazer qualquer outro movimento. Como
antes, ele estava usando a proposta de negociações para bloquear a proposta
de conferência.
Londres. Numa reunião do gabinete naquela manhã, Grey disse a seus
colegas que chegara a hora de decidir se estavam ou não preparados para
apoiar a França e a Rússia se a guerra estourasse. Era a primeira reunião do
gabinete inteiramente dedicada à crise bélica na Europa. O Partido Liberal
no governo tendia a uma perspectiva pacifista. Nenhum tratado obrigava a
Grã-Bretanha a ajudar a França, e o gabinete se opunha esmagadoramente a
intervir numa guerra europeia.
Grey ainda estava concentrado em impedir a eclosão da guerra, mas
acreditava que, se não pudesse evitá-la, a Grã-Bretanha tinha de participar.
O primeiro-ministro Asquith estava vigorosamente disposto a apoiar seu
secretário das Relações Exteriores, mas sua principal preocupação era
manter o seu Partido Liberal unido no apoio à política adotada, fosse qual
fosse.
Após a reunião do gabinete, Winston Churchill começou a traçar planos
para garantir a prontidão da força naval. Ele estava em seu elemento. Tinha
experiência de campo de batalha na índia e no Sudão, e seus feitos notáveis
como civil na Guerra dos Bôers tinham ajudado a lançar sua carreira
política. Embora não fosse um fomentador de guerras, foi no fragor dos
Exércitos que se notabilizou.
À tarde, ele começou a dispor proteções em pontos vulneráveis, a tomar
precauções contra ataques surpresa. O seu Almirantado se juntou ao
Ministério da Guerra, reunindo um pequeno grupo para avaliar a melhor
maneira de pedir autocensura à imprensa; informações úteis não podiam ser
reveladas ao inimigo.
O figurão da imprensa George Riddell, que estava entre os presentes,
registrou posteriormente em seu diário que um porta-voz do governo “nos
informou que a situação continental estava se tornando muito séria.4 Ele
disse que poderia ser necessário deslocar tropas e navios [...] secretamente”,
e perguntou como evitar que a notícia fosse publicada. Riddell rascunhou
uma carta aos jornais, a qual foi divulgada “e constituiu a primeira sugestão
oficial à imprensa sobre a guerra iminente. O resultado foi notável.
Nenhuma informação era divulgada, e os alemães estavam alheios ao que
estava sendo feito”.
Naquela noite, Churchill colocou suas forças em alerta informal. Ele
passou um cabo às frotas da Marinha Real espalhadas em todo o mundo:
“Secreto. Situação política europeia mostra que guerra entre potências
Tríplice Aliança e Tríplice Entente definitivamente não é impossível.5 Este
não é um Telegrama de Alerta, mas estejam preparados para vigiar
possíveis navios de guerra [...] Medida é puramente preventiva.”
Paris. Os embaixadores alemão e austríaco em Paris foram mantidos na
ignorância dos planos e do pensamento dos seus respectivos governos. Isto
acrescentou uma dose extra na confusão dos acontecimentos, conforme
vistos naquela capital efetivamente sem comando, cujos líderes do governo
ainda estavam ao mar.
O embaixador austríaco ficou obviamente admirado de o seu governo
rejeitar a nota sérvia de quase rendição. Ele disse a seus superiores em
Viena: “A ampla aquiescência da Sérvia, que aqui não era tida como
possível, produziu uma forte impressão. Nossa atitude dá lugar à opinião de
que queremos a guerra a qualquer preço.”
Londres. Como anglófilo que era, Lichnowsky, embaixador da
Alemanha em Londres, nem sempre recebia a confiança de Berlim. Em 27
de julho, ele questionou vigorosamente a avaliação dos seus superiores.
Como poderia ele advogar a localização do conflito, como o Ministério das
Relações Exteriores lhe dissera para fazer, quando a hostilidade entre a
Sérvia e a Áustria não podia ser localizada — e quando a Grã-Bretanha
sabia? A Áustria-Hungria tinha armado a briga de modo a forçar a Rússia a
intervir. A pequena guerra podia estar levando a uma grande guerra.6 “As
nossas relações futuras com a Inglaterra dependem inteiramente do êxito”
da iniciativa de Grey em prol de uma conferência.7 Se Berlim tudo
sacrificar à sua aliança com a Áustria, “nunca mais será possível restaurar
os laços que ultimamente mantiveram [a Grã-Bretanha e a Alemanha] [...]
juntas”.8
A tendência de Grey na crise tinha sido de buscar a parceria da
Alemanha para lidar com o problema. O argumento de Lichnowsky ao seu
governo era que, se Berlim mantivesse o curso, no futuro Grey deixaria de
fazê-lo. Funcionários de primeiro escalão do Ministério das Relações
Exteriores britânico já criticavam Grey a este respeito. E também alguns
líderes estrangeiros.
Naquela noite, ao jantar, um diplomata russo disse a um político
britânico que a “guerra é inevitável e por culpa da Inglaterra; que se a
Inglaterra tivesse declarado de uma vez a sua solidariedade com a Rússia e
a França e sua intenção de lutar se necessário, a Alemanha e a Áustria
teriam hesitado”.9
Berlim. Desde o conselho de guerra de dezembro de 1912, pelo menos,
os líderes militares alemães vinham se concentrando em culpar a Rússia
pelo conflito europeu, que eles próprios previam e consideravam inevitável.
Esta tinha sido, e continuava a ser, a linha de Moltke. Ela foi ecoada em 27
julho pelo almirante von Müller: a Alemanha devia, escreveu ele em seu
diário, “permanecer calma e deixar a Rússia isolar-se, mas então não se
encolher diante de uma guerra se ela for inevitável”.10 Bethmann
concordava com o militar num aspecto: “Em todo caso, a Rússia tem de ser
implacavelmente isolada”, disse ele a Guilherme.
Viena. Depois de conversar com outros embaixadores, o embaixador
britânico passou um telegrama a Grey dizendo que “a nota austro-húngara
fora composta para tornar a guerra inevitável; que o governo austro-
húngaro estava totalmente determinado a entrar em guerra com a Sérvia;
que eles consideravam que a sua posição como grande potência estava
ameaçada”, e que “o país tinha ficado tremendamente entusiasmado com a
perspectiva de guerra com a Sérvia”.11

________________
1Büllow 1931 III: 184
2Fisher 1967: 70
3Geiss 1967: 236
4Riddel 1986: 85
5Churchill 1968: 1988
6Geiss 1967: 239
7Ibid.: 240
8Ibid.: 241
9Albertini1952 II: 416
10Berghahn 1993: 216
11Great Britain 1915: 74
Capítulo 35

28 DE JULHO

Viena. Conforme a decisão alcançada em 25 de julho, a Áustria-


Hungria ordenou a mobilização parcial em 28 de julho. Metade do Exército
dos Habsburgo recebeu finalmente ordens para tomar posições ao longo da
fronteira sérvia. A manobra foi feita segundo o plano do Estado-maior
austríaco para a guerra apenas contra a Sérvia. Isso representava uma aposta
na localização. Conrad solicitou a Berchtold que pedisse à Alemanha para
impedir a Rússia de intervir.
Os líderes alemães continuaram as discussões que tinham começado no
fim de semana. Em 28 de julho, ficou claro que, apesar das diferenças entre
eles, estavam com vontade de agir. Estavam dispostos a deixar de esperar a
Áustria fazer alguma coisa. Por sua conta, estavam dispostos a fazer andar a
coisa. Segundo o ministro da Guerra: “Acaba de ser decidido resolver a
questão pela luta.”1 Eles não estavam falando de lutar contra a Sérvia.
Estavam falando de lutar contra a Rússia e a França.
A posição mais extrema era às vezes tomada por Moltke. Como fizera
no passado, ele argumentava a favor de uma guerra preventiva.
Sua posição era de que a guerra era inevitável, que o tempo estava
correndo contra a Alemanha, e que em um ou dois anos a vantagem
mudaria de lado: em 1914, a França e a Rússia podiam ser batidas, mas em
1916 ou 1917, a Alemanha podia perder. Por conseguinte, a Alemanha tinha
de atacar imediatamente.
A crise de julho, como Moltke a via, evoluíra, felizmente para a
Alemanha, de modo a colocá-la numa “posição singularmente favorável”.2
As colheitas já haviam acontecido, o treinamento anual de recrutas estava
concluído, e a Rússia e a França não estariam realmente prontas antes de
dois anos. A Áustria tinha se colocado numa posição em que não podia
deixar de lutar ao lado da Alemanha, e isto era absolutamente vital. Como
resumiu Moltke: “Nunca mais teremos uma chance tão boa como a que
temos agora.”
Na manhã de 28 de julho, o kaiser Guilherme, que retornara do seu
cruzeiro no dia anterior, leu — pela primeira vez — a resposta Sérvia à nota
austríaca. Convenceu-se, e o escreveu à mão para Jagow no Ministério das
Relações Exteriores, que a Áustria tinha conseguido quase tudo o que
queria. Na opinião dele, tratava-se da “mais humilhante capitulação”, e
consequentemente, “cai por terra todo motivo de guerra”. Poucas linhas
depois, ele se repetiu: “Dissipou-se todo motivo de guerra.”3
Não havia mais qualquer necessidade de iniciar uma guerra. Na
verdade, segundo Guilherme, à diferença de Berchtold, “Eu nunca teria
ordenado uma mobilização nessas bases”.4
“Entretanto, pode-se considerar que o pedaço de papel, assim como o
seu conteúdo, tem pouco valor se não for traduzido em ações.5 Os sérvios
são orientais, portanto mentirosos, embusteiros e mestres do subterfúgio.”
Então, deve-se consentir que o Exército austríaco ocupe temporariamente
parte da Sérvia, inclusive Belgrado, como refém, até que a Sérvia cumpra
sua palavra. Nessas bases, escreveu o kaiser, “estou pronto a mediar em
prol da paz”. Esta resolução daria aos Exércitos dos Habsburgo, uma vez
tendo ocupado Belgrado, a satisfação de ter alcançado êxito. Mediando pela
paz, escreveu Guilherme, ele teria o cuidado de salvaguardar a honra e a
autoestima da Áustria-Hungria.
O kaiser deu ordens a Jagow para informar Viena de que ele estava
preparado para mediar o conflito Áustria-Sérvia nas bases que descreveu.
Era preciso dizer aos austríacos que não havia mais qualquer razão para
entrar em guerra.6 O kaiser também notificou Moltke, por escrito, da
mesma conclusão.
Como escreve Christopher Clark, um dos biógrafos recentes do kaiser:
“Talvez o mais surpreendente nessa carta do 28 de julho para Jagow é que
ela não foi posta em prática [...]7 Suas instruções não tiveram nenhuma
influência sobre as representações de Berlim em Viena. Bethmann
realmente mandou um telegrama para Viena, repetindo algumas das
opiniões do kaiser, mas omitindo a mais importante: que a Áustria deveria
parar, não entrar em guerra, permitindo, em vez disso, que o kaiser
mediasse a disputa com a Sérvia.”
Um general bávaro anotou em seu diário que “infelizmente [...] havia
notícias de paz. O kaiser quer absolutamente a paz. [...]8 Ele quer até
influenciar a Áustria, e fazê-la parar de avançar”.
Segundo o ministro da Guerra, von Falkenhayn, o kaiser “fazia
discursos confusos, que davam a clara impressão de que não queria mais a
guerra e estava determinado a [evitá-la], mesmo que isso significasse9
deixar a Áustria-Hungria em apuros”.10 Mas Falkenhayn relembrou ao
kaiser que ele “já não tinha mais o controle da questão nas suas mãos.” Em
outras circunstâncias, isso teria parecido uma insubordinação chocante.
Porém, desde o incidente com o Daily Telegraph, em 1908,* a posição do
imperador era precária. Em maio de 1914, apenas dois meses antes do
lembrete de Falkenhayn, Edward House, enviado do presidente Wilson,
havia relatado de Berlim que a “oligarquia militar” era suprema, estava
“determinada quanto à guerra” e preparada para “destronar o kaiser tão logo
ele desse sinais de assumir um curso que levasse à paz”.11 E claro,
Guilherme, cuja relação com o real era bastante débil, podia não ter plena
consciência dos perigos da sua posição. Alternativamente, House pode ter
exagerado.
Mas não pode haver dúvidas de que o imperador não tinha consciência
de muita coisa que estava em curso. Com certeza, entre as coisas que
Guilherme não sabia estava o fato de que, no dia anterior, Jagow havia
enviado um telegrama urgente para Viena, instando — decerto praticamente
ordenando — que o governo austríaco declarasse guerra à Sérvia
imediatamente. Jagow advertiu que a proposta inglesa de conferência para
preservar a paz não podia ser repelida por muito mais tempo. O ministro
das Relações Exteriores alemão nem consultou o kaiser antes de enviar esta
advertência, e nem o informou depois de tê-la enviado.
Na Áustria, o monarca relutante também foi deixado para trás. O
imperador Francisco José estava hesitante quanto a declarar guerra, e seus
ministros eram obrigados a obter seu assentimento para poder fazê-lo.
Berchtold obteve o consentimento informando — falsamente — que tropas
sérvias tinham aberto fogo contra forças austríacas. Na verdade -e foi
apenas um incidente isolado —, as tropas austríacas tinham aberto fogo
contra os sérvios.12
Viena. Era a GUERRA. A decisão fora tomada um dia antes.
Respondendo à pressão do Ministério das Relações Exteriores alemão, a
Áustria finalmente declarou guerra à Sérvia. Segundo o embaixador
alemão, a declaração foi feita “principalmente para frustrar qualquer
tentativa de intervenção.13
Como em tantas outras coisas, os austríacos agiram atrapalhadamente.
Enviar a declaração por mensageiro sob bandeira de paz não era exequível,
pois até a declaração ter sido recebida, os países não estariam em guerra,
sendo a bandeira branca por isto inadequada. Não tendo mais representação
em Belgrado, o governo Habsburgo enviou sua declaração ao governo
sérvio por telegrama. Não havia certeza de que seria recebido — ou de que
seria recebido pela pessoa certa. Ocorre que o governo sérvio, uma vez
tendo recebido o curioso cabo, passou um outro às principais capitais da
Europa perguntando se aquilo era trote. A declaração de guerra fazia alusão
ao suposto ataque contra forças austríacas por tropas sérvias.
Conrad, chefe do Estado-maior da Áustria, tinha se oposto à declaração.
Queria esperar mais umas duas semanas até seus Exércitos estarem prontos
para marchar. Porém, surpreendida pela diplomacia internacional, a Áustria-
Hungria tinha ficado sem tempo.
Naquela mesma noite, a artilharia austríaca, breve e ineficientemente,
bombardeou Belgrado através da estreita fronteira do rio Danúbio.
Paris. A França nada sabia sobre a crise bélica; a notícia que todos
comentavam era que a senhora Caillaux havia sido absolvida!
São Petersburgo. A Rússia iniciou a mobilização em quatro regiões
militares que haviam sido previamente alertadas em “preparação para as
etapas da guerra”.
Sem saber que o seu próprio Ministério das Relações Exteriores estava
anulando os esforços que ele havia empenhado para conter os austríacos,
Guilherme enviou uma mensagem ao tsar. Ele lembrava seu primo que “nós
dois, você e eu, temos o interesse comum, bem como todos os soberanos”,
de punir os sérvios por matarem membros de uma família governante.
“Neste particular, a política não desempenha nenhum papel.” Porém,
continuou o kaiser: “Por outro lado, entendo plenamente o quanto é difícil
para você e o seu governo enfrentarem o ímpeto da opinião pública.” O
nacionalismo russo, incerto, mas todavia uma força, era um fato da vida
política para Nicolau. (Soubesse Guilherme ou não, pressões pró-
mobilização também estavam sendo exercidas pelo Estado-maior russo.) O
kaiser protestou a sua “sincera e afetuosa amizade” e lhe garantiu: “Estou
exercendo minha máxima influência para induzir os austríacos a lidar
corretamente com a situação.”
Essa mensagem — a primeira na correspondência entre Gui e Nic após
a Áustria declarar guerra à Sérvia — cruzou no caminho com uma outra do
tsar: “Estou feliz que tenha voltado [...] peço-lhe para ajudar-me. Uma
guerra ignóbil foi declarada contra um país fraco [...] [E]m breve eu serei
sobrepujado pela pressão exercida sobre mim [...] para tomar medidas
extremas que levarão à guerra. Para buscarmos evitar uma calamidade do
porte de uma guerra europeia, eu lhe rogo, em nome da nossa velha
amizade, para fazer tudo o que estiver ao seu alcance para impedir os
aliados de irem longe demais.”
Londres. Grey retornou à visão de que negociações diretas entre a
Rússia e a Áustria propiciariam a melhor possibilidade de manter a paz.
Berlim. Bethmann voltou sua atenção para o objetivo de pôr a
Alemanha numa posição de travar uma guerra de grande porte.
Discordâncias internas eram o seu principal obstáculo, pois então o governo
tinha aberto negociações com o Partido Social Democrata (SPD), em vista
de garantir um acordo de lealdade dos representantes da classe trabalhadora
em caso de guerra. A preocupação era genuína. O comitê executivo do
SPD, denunciando “a frívola provocação do governo austro-húngaro”, tinha
convocado seus simpatizantes a irem para as ruas.14 O jornal deles
prognosticou que a guerra traria a revolução na sua esteira. Manifestações
em Berlim em 28 de julho, que a polícia tentou reprimir, trouxeram a
violência para a própria capital e pareceram ser apenas um preâmbulo de
mais distúrbios a vir.
Entretanto, Bethmann marcou um ponto ao negociar com a liderança do
SPD um acordo de alinhamento com o governo naquele momento de perigo
nacional.
Nesse ínterim, o kaiser, ainda sem saber que a sua decisão pela paz
tinha sido sabotada por seus subordinados, perguntava-se confusamente se
não tinha agido tarde demais. Ele observou que “a bola estava rolando” e
“já não podia mais ser detida”.
Londres. Churchill informou ao rei George as várias medidas tomadas
pelo Almirantado para colocar a Marinha “em bases preparatórias
preventivas”.15 Após detalhar muitos dos passos que foram dados, ele
garantiu ao monarca: “Não é necessário enfatizar que essas medidas não
prejudicam de maneira alguma uma intervenção, ou que tomem por líquido
e certo que a paz das grandes potências não será preservada.”
À meia-noite, Churchill escreveu à sua esposa: “Minha querida e bela,
tudo tende à catástrofe e ao colapso.”16 A Grã-Bretanha não era, continuava
ele, “em nenhum grau significativo responsável pela onda de loucura que
varreu o equilíbrio da cristandade”.
O primeiro-ministro Asquith escreveu à sua confidente, Venetia Stanley,
que acabara de ser informado que o governo francês estava ordenando
importantes vendas de papéis na Bolsa de Londres para levantar dinheiro:
“Parece agourento.”17 A casa inglesa dos Rothschild, a quem a ordem foi
dada, se recusou a executá-la. Asquith recebeu um telegrama informando
“que a Áustria ordenara a guerra!”. Venetia Stanley dizia às vezes ao
primeiro-ministro que havia dias em que gostaria de trocar de lugar com
ele; este, sugeriu ele, provavelmente não seria um deles.

________________
* Ver cap. 11.
1 Herwig 1997: 26
2 Berghahn 1993: 212
3 Geiss: 1967: 256
4 Clark 2000: 208
5 Geiss 1967: 256
6 Clark 2000: 208-209
7 Ibid.: 209
8 Mombauer 2001: 199
9 Clark 2000: 208
10 Herwig 1997: 26
11 Ensor 1936: 484
12 Albertini 1952 II: 460-61
13 Kautsky 1924: 243
14 Berghahn 1993: 216 R.
15 Churchill 1967: 692
16 Ibid.: 694
17 Brock e Brock 1985: 161
Capítulo 36

29 DE JULHO

Potsdam. Gui passou um telegrama a Nic dizendo que a Rússia


realmente podia ficar fora do conflito. “Acho um entendimento direto entre
o seu governo e Viena possível e desejável”, e — o kaiser não sabia que
não era verdade — “o meu governo continua a empenhar-se em promovê-
lo”. Contudo, Guilherme advertia que se a Rússia tomasse medidas
militares que ameaçassem a Áustria, tais medidas redundariam em guerra,
em vez de paz.
Nic respondeu, indicando que o que o intrigava era que o que estava
ouvindo do kaiser não era o que estava ouvindo do embaixador do kaiser.
“Por favor, esclareça a diferença”, escreveu ele. Nicolau insistiu em que o
conflito austro-sérvio fosse encaminhado a Haia* para julgamento. “Confio
na sua sabedoria e amizade.”
Quando ficou claro que a Rússia poderia de fato intervir se a Sérvia
fosse ameaçada de destruição, questões se impuseram ao espírito dos
generais austríacos. Foram encaminhadas ao ministro das Relações
Exteriores alemão, Jagow. Dois dias antes, ele tinha dado garantias oficiais
ao governo russo de que Berlim não tinha objeções a uma mobilização
parcial russa, desde que não fosse dirigida contra a Alemanha.
Os austríacos mostraram aos seus colegas alemães que a mobilização
parcial russa ordenada era dirigida contra a Áustria. Se a decisão
continuasse com efeito, não significaria ela que quando a Áustria enviasse
seus Exércitos contra a Sérvia, a Monarquia Dual ficaria sem defesa contra
um ataque russo pela retaguarda? Conrad ainda esperava que a Alemanha
pudesse dissuadir a Rússia, e tomou suas decisões precipitadamente,
supondo que a Alemanha teria êxito em fazê-lo.
Nas conversas com o enviado russo, Jagow inverteu então a sua
posição. Em vista da mobilização parcial da Rússia, “a Alemanha seria
provavelmente obrigada a mobilizar-se; nada mais restava a fazer, e está na
hora de os diplomatas deixarem a discussão para os canhões”.1 Se com isto
pretendia convencer os russos a suspenderem a sua mobilização parcial, não
alcançou o propósito.
Moltke entregou ao seu governo um memorando que redigira sobre a
situação vigente. Ele havia esperado, como os seus colegas militares, que a
Áustria não começasse as hostilidades ainda por cerca de mais duas
semanas. Assim como o kaiser, ele não sabia que Jagow vinha pressionando
Viena a agir imediatamente. Assim, Moltke fora pego de surpresa pela
declaração de guerra da Áustria. Em seu memorando, analisava as
consequências da iniciativa austríaca. A iniciativa da Áustria estava fadada
a desencadear uma série de acontecimentos que conduziriam a Alemanha à
guerra contra a Rússia. Segundo Moltke, “os Estados civilizados da Europa
começarão a dilacerar-se”. Seria preciso um milagre para impedir a eclosão
de uma “guerra que aniquilará a civilização da Europa quase toda durante
as próximas décadas”.2
Contudo, aquele era um preço que ele estava preparado para pagar. A
pergunta que Moltke estava fazendo ao seu governo era essencialmente se
ele ainda acreditava que podia manter o conflito localizado e assim evitar as
consequências terríveis que ele estava prevendo?
O kaiser convocou seus chefes militares a Potsdam, para discutirem
suas conversações com Bethmann. Nas palavras de Tirpitz, que estava
presente, o kaiser disse que o seu chanceler “tinha ficado completamente
prostrado”, e Guilherme “se expressou em reservas sobre a incompetência
de Bethmann”.3
Bethmann, na verdade, tinha, por sua conta, estabelecido dois objetivos.
Um deles era garantir a aceitação da política de guerra pelos trabalhistas e
pela esquerda — o que ele alcançara. O outro era conseguir uma promessa
de neutralidade da Inglaterra — o que ele não alcançara. Manter a Grã-
Bretanha fora da guerra era importante para Bethmann, embora
absolutamente não o fosse para os chefes militares da Alemanha.
Segundo Tirpitz, na conferência de Potsdam, o “kaiser informou o
grupo que o chanceler havia proposto que, para manter a neutralidade da
Inglaterra, nós deveríamos sacrificar a frota alemã em troca de um acordo
com a Inglaterra, o que ele, o kaiser, havia recusado”.4
A conferência decidiu que nada seria feito até Viena responder à
proposta do kaiser de parar em Belgrado e então terminar a guerra.
Bethmann enviara finalmente a proposta, ao mesmo tempo em que a
sabotava. Ele a tinha despachado com instruções ao seu embaixador, de
garantir que os austríacos compreendessem que a Alemanha não queria
“contê-los”; ele desejava salientar para Viena que o propósito da proposta
era apenas propagandístico.
Mas depois da censura do kaiser em Potsdam, Bethmann ficou
emocionalmente prostrado e tentou desesperadamente mudar de posição.
Mergulhou-se em esforços para convencer Viena a fazer precisamente
aquilo que, apenas um dia antes, ele tinha dado a entender que Viena não
devia fazer. Às dez horas da noite, ele enviou um telegrama aberto à
Áustria-Hungria perguntando se sua mensagem do dia anterior sobre parar
em Belgrado havia sido recebida. Doze minutos mais tarde,
impacientemente, ele telegrafou outra vez.
Naquela altura, o chanceler já estava informado de que,
independentemente uma da outra, a Itália e a Grã-Bretanha tinham proposto
planos de manutenção da paz que eram muito semelhantes ao plano de
parada em Belgrado do kaiser. Pareceu então que, se Bethmann e Jagow
tivessem seguido lealmente as instruções de Guilherme no dia anterior e
posto todo o peso da Alemanha sobre a sua aliada, a crise bélica teria sido
resolvida.
Em vez disso, no anoitecer do dia 29, Bethmann, para escapar da ira do
kaiser, teve de limitar-se a esperar que a Áustria-Hungria também estivesse
propensa a mudar de curso.
Bethmann telegrafou então ao seu embaixador na Áustria:5 “Estamos
preparados, é claro, para cumprir nosso dever como aliados, mas não
devemos nos deixar arrastar por Viena, irresponsavelmente e sem
consideração por nosso conselho, a uma conflagração mundial.” Ele disse
ao seu embaixador para convencer Berchtold que a Áustria devia pelo
menos fazer jogo de cena: “Para evitar uma catástrofe generalizada, ou pelo
menos desacreditar e pôr a culpa na Rússia, nós devemos urgentemente
aconselhar Viena a iniciar e perseverar em conversações.”6
Mas ao mesmo tempo Moltke passava um telegrama para Conrad,
instando a mobilização plena da Áustria. Talvez isso fosse indicativo da
preocupação justificada de Moltke de que a Áustria viesse a mobilizar-se
contra a Sérvia, em vez de contra a Rússia.
Não obstante, Berchtold estava certo de perguntar, como perguntou ao
ler a mensagem do chanceler: “Quem governa em Berlim — Moltke ou
Bethmann?”7 Um telegrafava a guerra enquanto o outro telegrafava a paz.
De qualquer modo, Bethmann estava muito atrasado. Seu telegrama chegou
horas depois de Viena, respondendo ao telegrama de Moltke, ordenar a
mobilização total.
Mais cedo naquele dia, em Londres, Grey havia pedido ao embaixador
alemão para ir encontrar-se com ele. O secretário das Relações Exteriores e
Lichnowsky conversaram como velhos amigos, mas ao considerar a eclosão
de uma guerra europeia, Grey “não queria que ele se deixasse levar pelo
tom amistoso da nossa conversação — que eu tinha esperanças de que
perdurasse — à ideia de que nós devêssemos ficar de fora”, e “eu não
queria dar campo a qualquer repreensão da parte dele de que o tom
amistoso de todas as nossas conversações o teria induzido, ou o seu
governo, a supor que não empreenderíamos nenhuma ação”.
Em linguagem diplomática, isso era uma ameaça de guerra.8 Mas Grey
sabia que, pelo menos naquele momento, o seu governo não a estava
apoiando.
Foi durante essa conversa com Lichnowsky que Grey fez a sua proposta
de parada em Belgrado, que era tão parecida com a do kaiser Guilherme.
Quando Lichnowsky o informou, o kaiser comentou: “Há dias nós vimos
tentando conseguir isto, em vão.” 9 Ele não sabia que Bethmann e Jagow
tinham lhe passado à frente em Viena em 27 e 28 de julho, nem que a
proposta só fora encaminhada com urgência apenas havia horas, não dias.
Lichnowsky informou que Londres estava firmemente convencida de
que, “a menos que a Áustria desejasse abrir uma discussão sobre a questão
Sérvia, a guerra mundial era inevitável”.10 Na opinião de Grey: “Se a guerra
estourar, vai ser a maior catástrofe que o mundo já viu.” O comentário do
kaiser sobre isso foi de que a culpa seria da Inglaterra; tudo que a Grã-
Bretanha tinha a fazer era dizer a sua posição, disse ele, e a França e a
Rússia se acalmariam e não haveria guerra. “A Inglaterra detém sozinha a
responsabilidade da guerra ou da paz”, escreveu ele.11
“Uma das ironias do caso”, escreveu Asquith à sua amiga Venetia
Stanley, “é que sendo nós a única potência que chegou a fazer uma sugestão
construtiva na direção da paz, tanto a Alemanha como a Rússia nos acusam
de provocar a deflagração da guerra.12 A Alemanha diz: ‘se dissessem que
serão neutros, a França e a Rússia não ousariam lutar’, e a Rússia diz: ‘se
declarassem com ousadia que iam ficar do nosso lado, a Alemanha e a
Áustria conteriam imediatamente os seus ímpetos.’ Nada disso é verdade, é
claro”.
Neste dia, o gabinete aprovou a publicação de um alerta geral, que foi
enviado às bases inglesas em todo o mundo. Várias e extensivas precauções
foram tomadas. Em termos técnicos, o “Livro de Guerra” foi aberto pelo
secretário do Comitê de Defesa Imperial. Contudo, a maioria dos membros
do gabinete pretendia manter a Grã-Bretanha fora do conflito.
Winston Churchill temia que a opinião do gabinete e do Partido Liberal
no governo ainda se inclinasse à neutralidade. Secretamente, ele enviou
uma mensagem ao seu mais íntimo amigo conservador, F. E. Smith,
pedindo-lhe para sondar a liderança do seu partido sobre a possibilidade de
formar uma coalizão de governo apoiada por liberais pró-intervenção —
segundo toda probabilidade uma minoria dentro daquele partido — e todos
os conservadores. Smith comprometeu-se a conversar com os outros líderes
partidários na oportunidade então já marcada para dois dias depois, num
fim de semana no campo.
Churchill tinha preocupações mais urgentes. Como primeiro lorde do
Almirantado, estava preocupado com a vulnerabilidade da Marinha a
ataques de surpresa. Ele queria deslocar as frotas para as suas bases de
tempos de guerra no bem protegido norte. Porém, recordou-se ele mais
tarde, ele não queria pedir ao gabinete aprovação para esta iniciativa, que
poderia ser interpretada como provocativa. Em vez disso, ele foi ver o
primeiro-ministro com a sua proposta, e decidiu interpretar uma espécie de
grunhido de Asquith como uma aprovação.
O movimento foi feito em segredo, e a parte crucial da jornada para a
segurança teve lugar à noite — no relato de Churchill, “ao cair da noite, 18
milhas de navios de guerra em alta velocidade e na mais completa escuridão
através de estreitos apertados, levando consigo às vastas águas do Norte a
salvaguarda” das forças britânicas.13
Paris. Jean Jaurès, ídolo pacifista da esquerda francesa, é assassinado
por um fanático nacionalista. Por mais de uma semana, Jaurès vinha
elogiando os esforços do governo Poincaré-Viviani para manter a paz.
Inesperadamente, sua morte unificou o país em apoio ao governo.
Berlim. Numa hora tardia — na verdade, por volta da meia-noite —,
Bethmann convocou o embaixador inglês, Sir Edward Goschen, à sua
residência. O chanceler pediu a Goschen para transmitir uma oferta a
Londres: se a Grã-Bretanha concordasse em permanecer neutra na guerra
que poderia começar rapidamente, a Alemanha respeitaria a independência
e a integridade da Holanda, e não procuraria adquirir territórios franceses
— promessa esta de que as colônias francesas estavam excluídas. Goschen
de fato transmitiu a mensagem ao Ministério das Relações Exteriores, onde
ela foi recebida na manhã seguinte, encolerizando Grey quando a leu.

________________
* Sua referência teria sido à Corte Permanente de Arbitragem,
estabelecida em Haia pela Convenção para a Solução Pacífica de Disputas
Internacionais (1899).
1 Albertini 1952 II: 499
2 Ibid.: 488-89
3 Ibid.: 495
4 Ibid.: 498
5 Albertini 1952 III: 1
6 Ibid.: 2
7 Mombauer 2001: 205
8 Albertini 1952 II: 513-14
9 Kautsky 1924: 319-22
10 Ibid.: 313
11 Ibid.: 319-22
12 Brock e Brock 1985: 132
13 W. Churchill 1923: 212
Capítulo 37

30 DE JULHO

O embaixador da França em São Petersburgo, Paléologue, foi acusado


durante anos por historiadores — erradamente, agora acreditamos — de ter
deixado, na noite de 29 a 30 de julho, de notificar seu governo de que a
Rússia estava mobilizando as suas tropas. A pesquisa de Jean Stengers
mostrou que os russos — sem confiar em Paléologue — nada lhe
contaram.1 Quando a França soube de fato do movimento iminente, era
tarde demais para deter os russos.
A quinta-feira 30 de julho foi um dia que muitos historiadores mais
tarde considerariam fatídico, e começou mal. Na noite anterior, o governo
alemão, concordando atrasadamente com o kaiser, enviara uma mensagem
a Viena, dizendo à Áustria-Hungria para aceitar a fórmula de parada em
Belgrado para retirar-se da guerra — ou isso ou perder o apoio da
Alemanha. Mas Berchtold afirmou não ser capaz de dar uma resposta na
circunstância em curso. Foi extremamente frustrante porque, como
observou Guilherme, a Alemanha, a Grã-Bretanha e a Rússia pareciam
todas concordar com a proposta de parar em Belgrado.
Guilherme desalentou-se. Recebeu notícias de que a Áustria-Hungria
desejava ter conversações com a Rússia: “Temo que seja tarde demais”, foi
o seu comentário.2 “Começar! Agora!”, exclamou ele. Interpretando essas
observações a seu próprio modo, Bethmann instou Berchtold a pelo menos
cumprir as formalidades de busca de um arranjo pacífico, pois de outro
modo — se Viena disser não — “não será mais possível pôr a culpa do
início da guerra europeia nos ombros da Rússia”.3 O kaiser só estava
tentando negociar um final para a crise porque “não podia recusar-se a fazê-
lo sem criar a suspeita inegável de que nós queríamos a guerra”.4 Ele
acrescentou que se “Viena rejeitar tudo, Viena estará dando provas
documentais que quer absolutamente a guerra [...] ao passo que a Rússia
restaria livre de responsabilidades. Isso nos colocaria, aos olhos do nosso
próprio povo, numa posição insustentável”.
Enquanto isso, o kaiser estava furioso com a resposta que seus esforços
de mediação estavam recebendo em São Petersburgo, pois não compreendia
bem o que estava acontecendo. Ao raiar do dia, ele acordou para encontrar
uma mensagem de Nicolau informando que a Rússia havia ordenado a
mobilização parcial decidida em 25 de julho: a mobilização nas quatro
regiões militares confrontando a Áustria-Hungria. Segundo o tsar, “as
medidas militares que ora tomam efeito foram decididas há cinco dias”. Em
outras palavras, eram as medidas que o Conselho de Ministros da Rússia
tinha examinado mas não imediatamente adotado, quando informado de que
Viena tinha rejeitado a aceitação parcial pela Sérvia do ultimato austríaco.
A Rússia havia ficado quieta desde então, dando uma chance às
negociações. Não se tratava de medidas novas ou de medidas adicionais;
eram as únicas medidas que a Rússia havia tomado — e elas acabavam de
ser tomadas. A mobilização estava apenas começando.
Guilherme não entendeu. Ele acreditou que o tsar o estava informando
que a Rússia vinha se mobilizando há cinco dias, e consequentemente
estava à frente da Alemanha, que ainda relutava em avançar. “Ora, isso quer
dizer que ele está quase uma semana à nossa frente”, protestou o kaiser. “E
tudo em nome de defender-se contra a Áustria, que não o está atacando!!!
Não posso continuar comprometido com a ideia de mediação, pois o tsar,
que foi quem invocou a mediação, estava ao mesmo tempo mobilizando as
suas tropas, pelas minhas costas.”5 Ao apelo de Nicolau: “Nós precisamos
da sua forte pressão sobre a Áustria”, Guilherme rabiscou: “Não, não
estamos pensando em nada deste tipo!!!”
Segundo Guilherme, o tsar “estava apenas desempenhando um papel,
nos enrolando num passeio pelos jardins!” — o que levou o kaiser a
concluir: “Isso quer dizer que também tenho de mobilizar minhas tropas!6
Mas o kaiser respondeu mais tarde ao tsar em tons de civilidade.
Guilherme disse: “Cheguei ao limite máximo do possível em meus esforços
para salvar a paz. [...] Mesmo agora, você ainda pode salvar a paz da
Europa se suspender as suas medidas militares.”
O embaixador alemão em São Petersburgo advertiu o tsar que a
mobilização da Rússia iria acarretar a mobilização alemã. Nesse aspecto, o
governo alemão estava reagindo de maneira claramente excessiva. A
mobilização russa não apresentava o perigo mortal que uma mobilização
alemã representaria. Para a Alemanha, mobilização significava guerra; para
a Rússia, como o seu governo explicou aos alemães, não. Como
recentemente destacou uma autoridade acadêmica: “Os exércitos russos
[podiam] permanecer mobilizados atrás das suas fronteiras quase
indefinidamente”.7 E na verdade o governo alemão sabia disso.
São Petersburgo. Sazonov telefonou ao tsar para pedir uma reunião
imediata. Então viajou para Tsarkoe Selo, o palácio do tsar, onde advertiu
solenemente o monarca de que a guerra tinha se tornado inevitável e a
situação exigia a mobilização geral. Relutantemente, o tsar concordou e
Sazonov deu as ordens necessárias.
O plenipotenciário militar alemão na embaixada de São Petersburgo
relatou: “Tenho a impressão de que eles [os russos] mobilizaram as tropas
aqui com medo do que podia acontecer mas sem nenhuma intenção
agressiva, e que agora estão assustados com o que desencadearam.” Para o
kaiser Guilherme, a impressão pareceu manifesta. “Certo, isso mesmo”, foi
seu comentário.8
Reagindo às mensagens do kaiser, o tsar revogou a mobilização total.
Ordenou que seus generais voltassem à mobilização parcial. O que
aconteceria em seguida? O Conselho de Ministros russo não se reuniu, mas
líderes individuais apresentaram seus pareceres ao soberano. Havia opiniões
persuasivas por todos os lados. Sazonov juntou-se aos generais para
defender a mobilização generalizada, a qual um tsar indeciso e infeliz,
mudando de ideia mais uma vez, finalmente ordenou. O chefe do Estado-
maior do Exército russo disse a frase famosa: “Vou [...] destruir meu
telefone” para não poder “ser encontrado e ter de dar ordens contrárias a um
novo adiamento da mobilização generalizada”.
Bethmann compreendeu que o movimento da Rússia não era causa de
alarme. Ele disse aos ministros de Estado da Prússia que “embora a
mobilização russa tivesse sido declarada, suas medidas de mobilização não
podem se comparar àquelas dos Estados europeus ocidentais [...] Além
disso, a Rússia não pretende entrar em guerra, apenas foi forçada a tomar
essas medidas por causa da Áustria”.9
Os chefes de Estado-maior da Alemanha e da Áustria estavam em
contato um com o outro, e Moltke advertiu o impaciente Conrad: “Não é
preciso declarar guerra contra a Rússia.”10 Em vez disso, os dois impérios
germanófonos deviam apenas “esperar que a Rússia atacasse”.
Nesse ínterim, Bethmann argumentava em favor de um adiamento
enquanto Moltke, que tendera ao adiamento a metade do tempo naquela
semana, mudou de posição. Repentinamente, passou a ser a favor de
avançar. “Suas mudanças de ânimo são difíceis ou impossíveis de explicar”,
observou um desgostoso Falkenhayn.11
Ao cair da noite, o kaiser soube da advertência de Grey ao embaixador
alemão em Londres na noite anterior. Grey, falando apenas por si mesmo,
externou sua opinião de que se a França fosse ameaçada, a Inglaterra
interviria. Como era amplamente sabido nos círculos governamentais que,
em caso de uma guerra contra a Rússia, a Alemanha planejava atacar e
subjugar a França antes de dar a volta e invadir a Rússia, Grey estava
dizendo que a Inglaterra ia apoiar as potências associadas da Entente,
Rússia e França, contra as potências da Tríplice Aliança, Alemanha e
Áustria. Mais uma vez, o kaiser explodiu em fúria: “A irresponsabilidade e
a fraqueza estão prestes a mergulhar o mundo na mais terrível das guerras,
que em última análise visa destruir a Alemanha”, asseverou ele.12 “Não
resta nenhuma dúvida em minha mente: Inglaterra, Rússia e França [...]
estão coligadas para promover uma guerra de aniquilação contra nós,
usando o conflito austro-sérvio como pretexto [...] a estupidez e a rudeza da
nossa aliada tornou-se um nó corrediço em nossos pescoços. [...] E nos
caímos numa armadilha.”
Londres. Havia no ar uma expectativa de que o debate ansiosamente
aguardado sobre a Irlanda, marcado para a Câmara dos Comuns naquela
tarde, levasse a Grã-Bretanha a uma guerra civil. Mais cedo naquele dia,
porém, os líderes da oposição se encontraram com Asquith e chegaram a
um acordo, em vista dos perigos europeus, de apresentarem uma frente
unida. Tratava-se de uma reviravolta rápida demais para a gente comum do
Exército e do povo perceber. Violet Asquith, a filha do primeiro-ministro,
juntamente com a sua madrasta, Margot, estiveram na Galeria Feminina da
Câmara e a encontraram “lotada de espectadoras ansiosas e excitadas” que
“deram um suspiro de admiração” quando o primeiro-ministro se levantou
para mencionar o adiamento do debate irlandês.13 “Aquelas palavras
produziram espanto na Galeria Feminina”, observou Violet. “Muitas das
presentes estiveram muito energicamente empenhadas na preparação da
guerra civil iminente — frequentando aulas na Cruz Vermelha, preparando
rolos de bandagem, fazendo talas e tipoias, etc. Uma matrona do Ulster, a
senhora M. (cuja figura se adaptava particularmente bem ao papel), tinha a
fama de ter contrabandeado quantidades de rifles para Belfast debaixo da
anágua.” Elas ficaram chocadas com a notícia do adiamento, sem
compreender o que estava acontecendo.
Paris. De volta da sua longa viagem, e ainda sem terem sido alcançados
por todas as notícias do que tinha acontecido durante as suas ausências, os
líderes franceses tentaram acionar os freios, diminuir a alta velocidade dos
acontecimentos. Com a aprovação do presidente Poincaré, o primeiro-
ministro Viviani passou ao governo russo um telegrama aconselhando
cautela:14 “Entre as medidas preventivas e as medidas defensivas de que a
Rússia acredita ser obrigada a lançar mão, ela não deve proceder
imediatamente no sentido de tomar quaisquer medidas que possam dar à
Alemanha um pretexto para a mobilização total ou parcial das suas
forças.”15 A própria França fez recuarem suas forças armadas a 10
quilômetros da fronteira franco-alemã.
Londres. “A situação europeia está pelo menos um grau pior do que
estava ontem”, observou o primeiro-ministro. “E não melhorou por causa
da tentativa totalmente desavergonhada da Alemanha de comprar nossa
neutralidade durante a guerra com promessas de que não iria anexar
territórios franceses (exceto nas colônias) ou a Holanda e a Bélgica. Há algo
de muito cru e pueril na diplomacia alemã. Enquanto isso, a França está
começando a exercer pressão no sentido oposto, como os russos estiveram
fazendo por algum tempo. O centro comercial e financeiro de Londres, que
está num terrível estado de depressão e paralisia, no momento é totalmente
contra a intervenção inglesa. Acho que hoje a perspectiva é muito
sombria.”16

________________
1 Stengers mostrou: Wilson 1995: 125
2 Kautsky 1924: 368
3 Ibid.: 372
4 Ibid.
5 Albertini 1952 III: 2
6 Ibid.: 3
7 Lieven 1983: 146
8 Kautsky 1924: 375; Cimbala 1996: 389
9 Berghahn 1993: 217
10 Ibid.
11 Mombauer 2001: 205
12 Albertini 1952 III: 34
13 Bonham-Carter 1965: 305
14 Wilson 1995: 127
15 Albertini 1952 II: 604
16 Brock e Brock 1985: 136
Capítulo 38

31 DE JULHO

Jules Cambon, embaixador francês veterano em Berlim, telegrafou ao


seu governo que a Alemanha estava prestes a iniciar a guerra sem esperar
que a Rússia mobilizasse primeiro as suas forças.1
A notícia da mobilização geral da Rússia chegou a Viena mas não teve o
efeito esperado; não dissuadiu o Império Habsburgo de levar adiante,
mesmo que mais lentamente, a pretendida invasão da Sérvia. Os gabinetes
combinados da Monarquia Dual — o seu Conselho Ministerial Comum —
se reuniram, fizeram uma avaliação da notícia e decidiram seguir avante
como planejado, apesar da probabilidade de que fazê-lo provocasse uma
intervenção da Rússia.
Desdenhando obviamente a ameaça russa, os Exércitos dos Habsburgo
continuaram a marchar para o sul, para a Sérvia. Conrad havia planejado
deslocar tropas para a frente russa se o tsar ordenasse a mobilização;
inexplicavelmente, ele não o fez. Com isso, todo o fardo de defender a
Áustria contra a Rússia recaiu sobre os ombros da Alemanha, o que pode
ter sido a verdadeira razão. Samuel Williamson sugere que Conrad visava
atacar a Sérvia o mais rápido possível, para garantir que a luta começasse
antes de os diplomatas poderem intervir.2
Ao meio-dia, chegou a Berlim a notícia de que a Rússia estava
mobilizando tropas tanto contra a Alemanha como contra a Áustria. O
kaiser tinha acabado de enviar um telegrama ao tsar dizendo que “a paz da
Europa ainda pode ser mantida por você, se a Rússia concordar em
interromper as medidas militares que necessariamente ameaçam a
Alemanha e a Áustria-Hungria”.3 Ele ofereceu continuar seus esforços de
mediação.
O tsar respondeu: “Eu lhe agradeço cordialmente por sua mediação, que
começa a dar uma esperança de que tudo ainda pode acabar pacificamente.4
É tecnicamente impossível interromper nossas preparações militares, que
foram obrigatórias devido à mobilização austríaca. Nós estamos longe de
desejar a guerra. Enquanto continuarem as negociações com a Áustria sobre
a Sérvia, minhas tropas não tomarão a iniciativa de nenhuma ação
provocativa. Quanto a isso, dou-lhe a minha palavra solene.”
Nesse ínterim, Francisco José passou um telegrama ao kaiser
agradecendo a sua oferta de mediação e dizendo que tinha chegado tarde
demais: a Rússia já mobilizou suas tropas e as tropas austríacas já estão
marchando sobre a Sérvia.
Paris. Naquela tarde, em sua condição de ministro das Relações
Exteriores, o embaixador alemão na França apresentou um ultimato a René
Viviani. Rússia, aliada da França, tinha de revogar sua proclamada
mobilização, advertia o alemão, ou aceitar a responsabilidade de
desencadear o conflito. Viviani, juntamente com o presidente Poincaré,
estivera ao mar, e nada sabia sobre as mobilizações russas. Ele telefonou
para São Petersburgo em busca de informações.
São Petersburgo. Quase meia-noite, o embaixador alemão na Rússia
entregou um ultimato: interrompam a mobilização num prazo de 12 horas,
ou a Alemanha também vai mobilizar suas tropas — e, à diferença da
Rússia, a mobilização alemã faria os países “chegarem extraordinariamente
perto da guerra”.5
Londres. “Ainda há esperança, embora as nuvens estejam cada vez
mais carregadas e sombrias. A Alemanha está compreendendo, acho eu, o
quanto são vastas as forças contra ela, e está tentando, tardiamente, conter a
sua tola aliada. Nós estamos trabalhando para abrandar a Rússia”, escreveu
Winston Churchill à esposa.6
Asquith tinha almoçado com Churchill, juntamente com lorde
Kitchener, o mais famoso general britânico, que estava passando umas
poucas semanas na Inglaterra antes de retornar ao Egito, onde servia como
procônsul. Kitchener disse aos civis que a Grã-Bretanha tinha de apoiar a
França. Mas essa não era a opinião geral. Asquith confidenciou que “a
opinião em geral hoje — particularmente forte no centro financeiro e
comercial de Londres — é ficar de fora quase a qualquer custo”.7
Lloyd George, líder da ala radical do partido governante, era talvez o
único membro do gabinete com um número de seguidores suficientemente
importante para desafiar o primeiro-ministro, e ele disse a um político
íntimo: “Estou lutando arduamente pela paz. Todos os banqueiros e
comerciantes estão nos suplicando para não intervirmos. O governador do
Banco da Inglaterra me disse com lágrimas nos olhos: ‘Mantenha-nos fora
disto. Nós todos seremos arruinados se formos arrastados ao conflito.’”8
Winston Churchill foi alertado por pelo menos um bem relacionado
membro liberal do Parlamento, Arthur Ponsonby, de que dentro do partido
havia um sentimento “muito forte” e “muito difundido” contra a
intervenção.9 Ao mesmo tempo, ele recebeu de F. E. Smith, dos
conservadores, uma indicação de que o partido de oposição apoiaria o
governo se ele pegasse em armas contra uma invasão alemã da França
através da Bélgica. Em sua resposta, Churchill disse a Smith: “Não acredito
que agora a guerra possa ser evitada. A Alemanha precisa marchar através
da Bélgica, e creio que a maioria do dois partidos vai se opor firmemente a
isto.”10
Paris. O comandante do Exército francês, general Joseph Joffre, pediu
permissão ao governo para ordenar a mobilização geral. O gabinete
recusou.

________________
1 Hayne 1993: 293
2 Williamson 1991: 207 nº 122
3 Albertini 1952 III: 37
4 Ibid.: 56
5 Ibid.: 62
6 Gilbert 1975: 21
7 Brock e Brock 1985: 138
8 Riddel 1986: 85
9 Gilbert 1971: 21
10 Ibid.: 22
Capítulo 39

1º DE AGOSTO

Paris. Joffre pediu outra vez permissão ao seu governo para ordenar
uma mobilização geral imediata. Em vez disso, o gabinete o autorizou a
fazê-la no dia seguinte.
Londres. Na reunião matinal do gabinete, Winston Churchill perguntou
se podia ordenar a mobilização total da frota. O gabinete, porém,
profundamente dividido, recusou a permissão. Entre aqueles cujo instinto
era contra a guerra, Lloyd George era a figura-chave; se fosse convencido,
poderia trazer outros consigo.
Segundo o primeiro-ministro, “a maioria do partido” se opunha a
intervir militarmente em qualquer circunstância, mas “Lloyd George —
inteiramente pela paz — é mais sensível e político quanto a manter uma
posição ainda aberta”.1 Churchill tinha sido seguidor de Lloyd George
durante anos, e durante a reunião eles trocaram bilhetes entre si. Num deles,
o líder radical dava esperanças: “Se prevalecer a paciência e você não nos
pressionar demais [...] há possibilidade de nos unirmos.” “Por Deus. É todo
o nosso futuro — companheiros — ou oponentes”, respondeu Churchill.2
“Anseio muito profundamente que nossa longa cooperação possa não
ser interrompida”, escreveu Churchill em outro momento.3 “[...] Imploro-
lhe que venha e que dê a sua prestigiosa ajuda ao desempenho do nosso
dever.” E outra vez: “Temos o resto das nossas vidas para sermos oposição.
Sinto-me profundamente ligado ao senhor e tenho seguido os seus instintos
e a sua orientação há quase dez anos.”
Ao mesmo tempo, Churchill dirigia uma torrente de retórica ao restante
do gabinete. Ele era famoso por não deixar ninguém tomar a palavra ou
apartear. “Não é exagero dizer que Winston ocupou toda a segunda metade”
da reunião.
Berlim. O chanceler falou na Bundesrat, a assembleia dos Estados
alemães, apresentando o ponto de vista do governo. Ele explicou que em
vez de continuar as negociações com a Áustria, a Rússia havia mobilizado
suas forças militares. Em resposta, a Alemanha tinha dado um ultimato ao
governo russo: ou concordava em desmobilizar até o meio-dia, ou a
Alemanha mobilizaria as suas tropas. A Alemanha também enviara um
ultimato à França, para que se mantivesse neutra — e desse garantias
adequadas de assim permanecer — ou então a Alemanha também declararia
guerra contra ela. O ultimato à França fora fixado para expirar às treze
horas. A Bundesrat deu apoio unânime a Bethmann.
O meio-dia chegou e passou, e não houve resposta russa. Quase uma
hora mais tarde, a Alemanha telegrafou sua declaração de guerra ao seu
embaixador na Rússia, a ser entregue em São Petersburgo, com redação
alternativa, de modo que ele pudesse afirmar que o governo do tsar ou bem
tinha rejeitado o ultimato ou deixado de respondê-lo.
Tsarkoe Selo. Era meio-dia na Rússia, o tsar Nicolau recebeu a notícia
da mobilização alemã. Passou rapidamente um telegrama ao seu primo
Guilherme: “Compreendo que seja obrigado a mobilizar suas tropas, mas
gostaria de ter de você as mesmas garantias que eu mesmo lhe dei — de que
as medidas não significam guerra.”4
Porém, é claro, o tsar estava errado. No mundo de 1914, nem sequer os
generais e ministros compreendiam bem a diferença existente entre os
vários tipos de mensagens preventivas que foram adotadas pelos vários
países. Uma, todavia, em sua clareza insofismável, se destacava das demais:
para a Alemanha, mobilização significava guerra — em vinte e quatro
horas, senão antes.
Berlim. Às quatro da tarde, ainda não houvera resposta da Rússia.
Falkenhayn e Bethmann foram ver o kaiser. Haviam decidido na noite
anterior que a guerra tinha de ser declarada mesmo que a Rússia propusesse
negociar. Mas eles encontraram um kaiser que relutava em fazê-lo. Houve
um momento em que isso teria sido um obstáculo fatal para seus planos,
mas já não era mais o caso. Durante a última semana de julho, as instruções
de Guilherme foram desconsideradas por seu próprio chanceler e ministro
das Relações Exteriores, por seus líderes militares e pelo imperador
austríaco e seu governo. As ordens de Guilherme continuavam a valer para
algumas coisas, mas não para tudo.
O kaiser concordou em assinar as ordens de mobilização, que entraram
em vigor no dia seguinte. Moltke tinha rascunhado para Guilherme um
discurso ao povo alemão. Bethmann, que havia chegado tarde, ficou
zangado por Moltke ter usurpado a prerrogativa das autoridades civis.
Moltke, visivelmente nervoso, disse a um ajudante: “Esta guerra vai virar
uma guerra mundial e a Inglaterra também intervirá. Poucos podem ter uma
ideia da extensão, da duração e do final desta guerra. Hoje ninguém tem a
menor ideia de como vai acabar.”5
Quando o kaiser e seus chefes militares acabaram suas discussões e se
preparavam para dispersar, chegou um aviso do Ministério das Relações
Exteriores de que uma importante mensagem da Grã-Bretanha estava em
processo de decifração. O almirante Tirpitz sugeriu aos dois chefes do
Exército que esperassem para lê-la. Em vez disso, eles se apressaram em
partir com as suas ordens de mobilização assinadas. Seria melhor se
tivessem esperado, pois rapidamente receberiam ordens de retornar.
A mensagem de Londres atrapalhava os planos do governo alemão. O
telegrama veio do embaixador de Berlim naquela cidade, príncipe
Lichnowsky, que repetia as garantias que ele erradamente havia acreditado
que Sir Edward Grey lhe dera. A Inglaterra parecia estar dizendo que, se a
Alemanha deixasse a França em paz, Inglaterra e França permaneceriam
neutras na guerra da Alemanha contra a Rússia.
O kaiser e seus assessores ficaram exultantes. Isso praticamente
garantia a vitória, do modo como a viam. Moltke, como oficial-chefe do
Estado-maior responsável pelas operações, se viu em posição de total
isolamento. Como recordou logo depois, “o kaiser me disse: ‘Então nós só
desdobramos a leste, com todo o Exército’”.6
Moltke ficou desalentado. O kaiser parecia incapaz de compreender o
plano de guerra em andamento, que era lançar o grosso das forças alemãs,
via Luxemburgo e Bélgica, contra a França, enquanto continha a Rússia
com uma força menor a leste. A rápida vitória sobre a França seria seguida
por uma ágil transferência dos Exércitos da frente francesa para a russa.
Desde abril de 1913, o Estado-maior não mantinha um plano generalizado
de desdobramento apenas contra a Rússia.
O Exército já estava no processo de deslocar-se para atacar a França.
Cancelar as ordens, argumentou Moltke, criaria o caos. Após uma violenta
discussão entre o kaiser e o chefe do Estado-maior, um compromisso foi
alcançado: a mobilização continuaria, e as tropas se deslocariam na direção
da França, mas então ficariam disponíveis para redesdobramento em massa
para o leste, se um acordo fosse feito para a Grã-Bretanha e a França
permanecerem neutras.
Isso deixava um problema fundamental não resolvido. No plano de
guerra alemão, o movimento inicial dos Exércitos do kaiser seria tomar as
estradas de ferro do neutro Luxemburgo antes que a França o fizesse, e
então despachar um ultimato à neutra Bélgica para não se intrometer e
deixar os Exércitos da Alemanha atravessá-la para invadir a França. A
Alemanha fazia vezes de fiadora da neutralidade da Bélgica e do
Luxemburgo.
Agora que a França ia ficar fora da guerra, isso tinha de ser modificado.
Segundo Moltke, “sem me perguntar, o kaiser virou-se para o ajudante de
ordens presente e mandou telegrafar instruções imediatas [...] para não
invadir o Luxemburgo. Pensei que meu coração ia estourar”.7 Com a
Inglaterra e a França recusando a provocação para a guerra, “a gota d’água
seria que a Rússia também debandasse”. A Alemanha ficaria despojada de
inimigos!
Nesse ínterim, o kaiser e seu chanceler enviaram mensagens a Londres
para selar a barganha: Guilherme ao rei George V, e Bethmann ao governo
britânico. Porém, como escreveu o rei George em sua resposta telegrafada:
“Creio que deve haver algum mal-entendido.”8 A oferta de neutralidade
britânica e francesa jamais fora feita.
Depois de ler o telegrama do rei George, o kaiser disse a Moltke:
“Agora pode fazer como quiser.” Moltke telegrafou prontamente às suas
forças ordens de prosseguir com a invasão do Luxemburgo.
Às sete horas da noite, as tropas alemãs tomaram o seu primeiro
objetivo: uma estação ferroviária e um posto de telégrafo dentro do
Luxemburgo. Às sete e meia, outras unidades vieram para chamar de volta,
dizendo ao primeiro contingente que ele havia sido despachado por erro;
esperava-se o telegrama do rei George. Então, em resposta ao último
telegrama de Moltke, contraordens foram dadas de novo, e mais uma vez
prosseguiu a invasão alemã do Luxemburgo.
Londres. Autorizado pelo gabinete, Grey, ainda que em linguagem
diplomática, advertiu o embaixador alemão de que uma violação da
neutralidade belga tinha fortes possibilidades de levar a Grã-Bretanha a
intervir.
São Petersburgo. O embaixador alemão entregou a declaração de
guerra do seu país ao ministro das Relações Exteriores russo. Em sua
confusão, ele entregou um documento que incorporava as duas versões que
Berlim lhe havia fornecido: a afirmação de que a Rússia não tinha
respondido e a afirmação de que a resposta russa era insatisfatória.
Londres. Através de seu amigo tóri F. E. Smith, Churchill convidou
Bonar Law, o líder tóri, para jantar com ele e com Sir Edward Grey no
Almirantado. Smith pediu a Sir Max Aitken, o amigo mais próximo de Law,
para juntar-se ao grupo. Law, porém, declinou o convite, e Grey a certa
altura saiu para encontrar-se com o primeiro-ministro. Afinal, Churchill
jantou sozinho.
Após o jantar, por volta das nove e meia, Smith e Aitken apareceram e
encontraram Churchill com dois amigos. Eles começaram uma discussão
sobre a crise. Chegou a notícia de que os alemães estavam adiando seu
ultimato à Rússia, e as opiniões divergiram sobre o seu significado. Três
dos homens jogaram uma partida de bridge com Churchill. Aitken se foi.
As cartas tinham acabado de ser dadas e o jogo começava quando
chegou para Churchill uma caixa vermelha de despachos oficiais. Ele pegou
uma chave e abriu-a. Dentro havia uma única folha de papel “singularmente
desproporcional ao tamanho da caixa”, como Aitken escreveu mais tarde,
em que estava escrito: “A Alemanha declarou guerra à Rússia.”9
Churchill passou sua mão de bridge para Aitken e partiu a pé para o
número 10 da Downing Street. Encontrou o primeiro-ministro trancado com
Grey e outros conselheiros.
Churchill disse a Asquith que ia ordenar a mobilização total da frota.
Ele sabia, é claro, que o gabinete lhe recusara a permissão de fazê-lo
naquela mesma manhã. E responderia pessoalmente ao gabinete, na manhã
seguinte, sobre o que estava em vias de fazer.
O primeiro-ministro não disse nada. Churchill retornou aos seus
escritórios e passou o resto da noite tratando de garantir que, o que quer
acontecesse, a Marinha Real estaria pronta.
Mais tarde naquela noite, Londres recebeu uma comunicação da sua
embaixada em Berlim de que o kaiser estava afirmando que seus esforços
para manter a paz estavam sendo minados pela mobilização total da Rússia.
Havia algo que George V pudesse fazer para ajudar?
Asquith rascunhou rapidamente uma nota ao tsar em nome do rei
George, chamou um táxi e correu ao Palácio de Buckingham à uma e meia
da manhã para pegar a assinatura do monarca. “O rei foi arrancado da
cama”, anotou o primeiro-ministro em seu diário, “e uma das minhas mais
estranhas experiências foi sentar-me com ele vestido de roupão enquanto eu
lia a mensagem e a resposta proposta”.10
Berlim. Os jornais em Berlim e Hamburgo contavam a história da
“aliança naval” entre a Grã-Bretanha e a Rússia. Supostamente, os russos
esperavam obter o acordo da Marinha Real para enviar navios de transporte
a portos bálticos antes da eclosão da guerra. Eles transportariam as tropas
russas que iriam invadir o nordeste da Alemanha.
Porém, como as conversações entre o almirante príncipe Louis de
Battenberg e o Almirantado russo tinham sido marcadas para agosto, ainda
não haviam começado. Segundo a imprensa alemã, o príncipe Louis não
cuidou de ir a São Petersburgo: “A guerra que a Rússia nos impôs impediu”
que a aliança naval russo-britânica fosse concluída.
“A guerra que a Rússia nos impôs”: isto encarnava aquilo em que os
alemães passaram a acreditar. Quando a notícia da mobilização russa foi
inicialmente divulgada, o adido militar bávaro confidenciou em seu diário:
“Corri ao Ministério da Guerra.11 Rostos sorridentes em toda parte. Todos
trocando apertos de mão nos corredores: as pessoas se congratulam por
terem saltado o obstáculo.” O povo alemão, os partidos políticos, os
sindicatos, a imprensa, todos foram enganados, levados a crer que a Rússia
tinha começado a guerra. Outro diarista, o chefe do Estado-maior da
Marinha do kaiser, falou ainda mais claro: “O ânimo é radiante. O governo
manobrou brilhantemente para fazer parecer que fomos atacados.”12
O governo alemão anunciou que invasores russos haviam cruzado a
fronteira do território alemão. O povo alemão acreditou.

________________
1 Brock e Brock 1985: 140
2 R. Churchill 1969: 701
3 Ibid.
4 Massie 1996: 258
5 Mombauer 2001: 206
6 Albertini 1952 III: 172
7 Ibid.: 176
8 Ibid.: 177
9 Beaverbrook 1960: 29
10 Brock e Brock 1985: 140
11 Evans e Strandmann 1990: 120
12 Ibid.
Capítulo 40

2 DE AGOSTO

Londres. O gabinete britânico, que se reuniu excepcionalmente no


domingo, começou andando um pouco na direção do envolvimento. Era
uma sessão de onze da manhã às duas da tarde, mas foi então reconvocada
até as seis e meia.
Na sessão da manhã, os ministros ratificaram a ordem de Churchill,
mobilizando a frota. A reunião analisou mas rejeitou a opção de despachar
uma força expedicionária ao continente, conforme fora conjeturado em
conversações secretas dos Estados-maiores do Exército poucos anos antes,
o que a maioria dos membros do gabinete ignorava.
Entre as sessões matinal e da tarde, Grey advertiu o embaixador francês
de que se a Marinha alemã atacasse a mal defendida costa atlântica
francesa, a Marinha britânica ofereceria proteção à França.
Na sessão da tarde, o gabinete soube da violação pela Alemanha da
neutralidade do Luxemburgo. O governo britânico assumiu a posição de
que a sua responsabilidade em relação ao Luxemburgo era coletiva -isto é, a
Grã-Bretanha só era obrigada a agir se outros fiadores também o fizessem.
Mas a Bélgica era uma outra história; a fiança de neutralidade era
claramente individual, e Grey já havia alertado o embaixador alemão da
posição da Grã-Bretanha no assunto. Contudo, a invasão alemã do
Luxemburgo pressagiava uma invasão e ocupação também da Bélgica. De
fato, quando o gabinete se reuniu novamente, às seis e meia, um ultimato
alemão estava sendo recebido em Bruxelas. Asquith ordenou a mobilização
do Exército.
A mudança do sentimento político ao longo do dia foi notável. Naquela
manhã, Asquith tinha expresso por escrito, numa carta pessoal, a sua
opinião sobre a situação europeia.
(1) Não temos obrigação de nenhum tipo nem com a França nem
com a Rússia de dar apoio militar ou naval.1
(2) Despachar a força expedicionária para ajudar a França neste
momento está fora de questão e não serviria a nenhum objetivo.
(3) Não devemos esquecer os laços criados por nossa íntima e
duradoura amizade com a França.
(4) Não é do interesse da Grã-Bretanha que a França seja eliminada
como grande potência.
(5) Não podemos permitir que a Alemanha use o canal como base
hostil.
(6) Nós temos a obrigação de impedir que a Bélgica seja utilizada e
absorvida pela Alemanha.

Pode-se considerar que esta formulação dos objetivos das políticas


públicas do primeiro-ministro no momento em que a tempestade europeia
se formava é quase completamente abrangente. Contudo, ela só
representava suas opiniões pessoais, que não eram compartilhadas pelo seu
Partido Liberal. Ele calculava que “uns bons % do nosso próprio partido”
na Câmara dos Comuns “são pela não intervenção absoluta a qualquer
custo”.
Antes da reunião matinal do gabinete, ele havia recebido da liderança
conservadora uma garantia de apoio firme para a sua política de amparar a
França. Isto colocava Asquith na curiosa posição de ser apoiado em sua
política externa por seus oponentes políticos. Seu objetivo político
dominante era manter o Partido Liberal unido quaisquer que fossem as
decisões que o gabinete finalmente tomasse, ao mesmo tempo que tentava
convencer o gabinete da correção da sua opinião e de Grey.
Berlim. Moltke enviou algumas sugestões ao Ministério das Relações
Exteriores “de natureza político-militar”, às quais atribuía “algum valor do
ponto de vista militar”.2 Se a Inglaterra entrasse na guerra, sugeria Moltke,
a Alemanha deveria incitar levantes contra a Grã-Bretanha na África do
Sul, no Egito e na índia, transformando deste modo a guerra europeia numa
guerra mundial. A aliança secreta da Alemanha com a Turquia, que estava
sendo concluída, deveria ser tornada pública; e a Itália deveria dizer se ia ou
não apoiar seus aliados Alemanha e Áustria. A Suécia e a Noruega
deveriam ser pressionadas a mobilizarem-se contra a Rússia, para aumentar
a pressão. O Japão deveria ser pressionado a agir contra a Rússia na Ásia. A
Suíça já se mobilizara; e o chefe do Estado-maior suíço, confidenciou
Moltke, esboçara documentos secretamente, os quais, se ratificados,
colocariam o Exército suíço sob comando alemão.
O Ministério das Relações Exteriores anunciou que a França e a Rússia
já haviam dado início às hostilidades.3 Houve vazamentos de que isso não
era verdade.
Roma. O embaixador alemão soube pelo ministro das Relações
Exteriores italiano, o marquês de San Giuliano, que Roma tinha decidido
permanecer neutra. San Giuliano explicou que o tratado de aliança com a
Alemanha e a Áustria só obrigava a Itália a apoiá-las se elas fossem
atacadas. E que o conflito em que estavam engajadas no verão de 1914 era
“uma guerra de agressão”.4 Portanto, a Itália ficaria de fora. Num relato
posterior dessa entrevista, San Giuliano afirmou que “a guerra empreendida
pela Áustria [...] tinha, nas palavras do próprio embaixador da Alemanha,
objetivo agressivo”.
O chefe militar da Itália disse que seu país não podia entrar em guerra
em nenhuma hipótese, pois suas forças armadas não tinham uniformes
suficientes.
Basileia. Fontes alemãs relataram a Berlim que as autoridades suíças
haviam prendido agentes franceses que estavam despachando pombos-
correio para a França com informes sobre os movimentos das tropas
alemãs.
Cidade de Luxemburgo. A grã-duquesa de Luxemburgo, Maria
Adelaide, telegrafou ao kaiser: “O grão-ducado está sendo ocupado neste
momento por tropas alemãs.”5 Ela protestou e exigiu que Guilherme
respeitasse os direitos do país. Em resposta, o chanceler alemão afirmou:
“Nossas medidas no Luxemburgo não indicam ações hostis contra o
Luxemburgo; são apenas medidas de proteção das estradas de ferro sob
nossa administração naquele país, contra um ataque pelos franceses.”6 Ele
prometeu indenizar plenamente o país.
Londres. O embaixador alemão advertiu seu governo: “A questão se
vamos violar o território belga em nossa guerra com a França pode ter
importância decisiva em determinar a neutralidade da Inglaterra.”7
Na verdade, na hora da reunião do gabinete britânico naquele anoitecer
havia amplo acordo de que a questão era a Bélgica. A situação legal não
estava inteiramente clara: tinha um fiador da neutralidade belga de agir
mesmo se nenhum dos outros fiadores o fizessem? O gabinete achava que
se a violação da neutralidade belga fosse substancial, e se a própria Bélgica
contra-atacasse seus invasores, a Grã-Bretanha estaria obrigada a ajudá-la.8
Bruxelas. Alarmado pela incursão alemã no Luxemburgo, o ministro
das Relações Exteriores belga telefonou ao ministro residente da Alemanha
para reclamar garantias. Grey já havia pedido tanto à França como à
Alemanha, para confirmarem o seu apoio às obrigações do tratado assinado
por elas de proteger a neutralidade da Bélgica. A França tinha dado a
garantia; a Alemanha, não. O ministro alemão mostrou-se então evasivo.
Tinha de mostrar-se. Ele ainda não conhecia o conteúdo das instruções
lacradas que um mensageiro lhe entregara em 29 de julho, com ordens para
não abrir até lhe dizerem para fazê-lo. Ele recebeu tais ordens em 2 de
agosto. O representante da Alemanha pegou suas instruções no cofre e
desselou-as. Dentro havia um ultimato e a ordem para entregá-lo ao
governo belga, que ele cumpriu naquela mesma noite. O ultimato dava doze
horas à Bélgica para responder. Redigida em 26 de julho, mas dando a
impressão de que houvesse acabado de ser escrita, a nota alemã queixava-se
de movimentos de tropas francesas inteiramente imaginários e exigia que a
Bélgica permitisse que as forças alemãs passassem por seu território para
enfrentar as francesas.
Londres. Reunido naquele anoitecer, o gabinete britânico tomou
conhecimento de que a Alemanha havia invadido o Luxemburgo e parecia
estar pronta a invadir a Bélgica. O primeiro-ministro ordenou a mobilização
do Exército.

________________
1 Brock e Brock 1985: 146
2 Geiss 1967: 179 e seguintes
3 Kautsky 1924: 496
4 Ibid.: 501
5 Ibid.: 482
6 Ibid.: 483
7 Ibid.
8 Albertini 1952 III: 410
Capítulo 41

3 DE AGOSTO

Bruxelas. Na segunda-feira pela manhã, o rei Albert, dos belgas,


rejeitou o ultimato alemão. Assumindo o comando das forças armadas
relativamente modestas do país, ele ordenou a destruição das pontes e
túneis que as tropas alemãs poderiam usar na sua invasão.
Cidade de Luxemburgo. Distribuídas pelas forças invasoras alemãs,
proclamações circulavam em toda a cidade, anunciando: “Considerando que
a França, sem respeitar a neutralidade do Luxemburgo, abriu hostilidades
contra a Alemanha a partir do território do Luxemburgo”, as forças alemãs
fizeram o mesmo.1 O chefe do governo luxemburguês protestou junto ao
governo alemão de que “esta declaração se funda num erro. Não há um
único soldado francês em território luxemburguês”.2
Londres. Em sua sessão matinal, o gabinete soube do ultimato alemão à
Bélgica. “Os alemães, com uma grosseria quase austríaca”, marcharam
sobre a Bélgica, anotou Asquith em particular.3 A mudança da opinião
ministerial foi dramática. A questão passara a ser a Bélgica. Na semana
anterior, o gabinete era esmagadoramente contra qualquer intervenção.
Então, eles queriam ficar de fora; mas agora sentiam-se obrigados a entrar
na luta. Lloyd George, anteriormente favorável à paz, assumiu a liderança
falando em favor da guerra. A opinião do gabinete era quase unânime. Não
obstante, Asquith e Grey continuavam a tomar decisões sem pedir ou
colocar em votação.
Naquela tarde, Grey falou à Câmara dos Comuns. Londres estava lotada
de turistas; era uma segunda-feira de folga, conhecida pelos ingleses como
feriado bancário. O próprio Parlamento estava lotado de membros e de
visitantes; a Câmara dos Comuns, segundo Barbara Tuchman, “registrava
um comparecimento total pela primeira vez desde que Gladstone apresentou
o decreto de autodeterminação da Irlanda [Home Rule Bill], em 1893”.4
“Grey fez um discurso extraordinário — de cerca de uma hora — em sua
maior parte em tom de conversação”, escreveu Asquith.5 Grey não tinha
tido tempo de escrevê-lo com antecedência. Ele narrou a história da crise,
mas quando chegou à questão da Bélgica, ficou claro que a Câmara dos
Comuns o apoiava esmagadoramente, a favor da intervenção.
Apenas uma semana antes, a Grã-Bretanha estivera à beira de uma
guerra civil por causa da questão da Irlanda. Naquele momento, depois de
Grey ter acabado de falar, John Redmond, o principal líder dos nacionalistas
irlandeses, ergueu-se para dar garantias ao governo de que “podia retirar
amanhã todas as suas tropas na Irlanda”, pois “os católicos nacionalistas
armados do Sul ficariam certamente muito contentes de juntar tropas com
os Ulstersmen protestantes armados do Norte” para defender as costas do
Reino Unido.
O que vai acontecer agora? Violet Asquith perguntou a seu pai, ao
mesmo tempo em que, independentemente, Winston Churchill fazia a
mesma pergunta a Grey.6 O primeiro-ministro e o secretário das Relações
Exteriores deram a mesma resposta: entregar um ultimato. De fato, depois
da reunião do gabinete, convocada após a sessão da Câmara dos Comuns,
esta foi a decisão tomada.

________________
1 Kautsky 1924: 527
2 Ibid.
3 Brock e Brock 1985: 148
4 Tuchman 1963: 139
5 Jenkinss 1966: 329
6 Bonham-Carter 1965: 312
Capítulo 42

4 DE AGOSTO

Londres. Às nove e meia da manhã, Grey enviou um telegrama à


Alemanha, protestando contra o ultimato à Bélgica e exigindo que fosse
retirado.
Como chegassem notícias sobre a intenção da Alemanha de invadir a
Bélgica, às duas horas da tarde Grey enviou a Berlim um ultimato exigindo
respeito à neutralidade da Bélgica, a ser confirmado até a meia-noite. O
telegrama foi enviado para o embaixador britânico, que só pôde entregá-lo
às sete horas da noite. A certa altura dos acontecimentos, Grey percebeu
que o ultimato não especificava se a expiração era à meia-noite britânica ou
do tempo continental, decidindo-se então que seria do tempo continental, o
que dava à Alemanha mais cinco horas para responder. A Alemanha nunca
respondeu.
A invasão da Bélgica pela Alemanha, que fez a Grã-Bretanha entrar na
guerra, transformou o que vinha sendo uma guerra continental em uma
guerra mundial. O Império Britânico entendia-se por todo o mundo e, por
causa disso, daquele momento em diante, também a guerra.
O memorando de Moltke em 2 de agosto ao Ministério das Relações
Exteriores alemão deixava claro que o governo alemão o compreendia.
Considerando a importância determinante da decisão britânica, é
muitíssimo notável a maneira como, naquela época pré-democrática, ela foi
tomada. O Parlamento não votou. O papel do gabinete foi pequeno. Como
nos diz A. J. P. Taylor, o rei George V “presidiu um conselho privado no
Palácio de Buckingham” na noite de 4 de agosto “em que só estavam
presentes um ministro e dois funcionários da corte”, o qual “sancionou a
proclamação do estado de guerra”.1 E mais impressionante ainda, se
observarmos com olhos modernos: “Os governos e Parlamentos dos
Domínios não foram consultados.” Em vez disso, cada “governador-geral
editou a proclamação real sob sua própria autoridade, como fez o vice-rei
da índia”. Canadá, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, índia (que
então incluía o Paquistão e Bangladesh) e grande parte da África foram
arrebatados numa guerra sem antes ser consultados.
A situação era peculiar de uma maneira diferente na Alemanha, que
estava lutando contra a Rússia, a França, a Grã-Bretanha, Luxemburgo e a
Bélgica — tudo isso supostamente para apoiar a Áustria, a qual ainda estava
em paz com todos eles em 4 de agosto. Contudo, a Alemanha não estava em
guerra com, ou lutando contra, a Sérvia, único país com o qual a Áustria
estava em guerra, que, segundo Viena, era o país que apresentava uma
ameaça à existência da Áustria.
No dia seguinte, nos conta o historiador Hartmut Pogge von
Strandmann, houve “um pânico em Berlim”, pois as tropas alemãs
continuavam a avançar sozinhas, sem aliados.2 Moltke disse a Tirpitz em 5
de agosto que se a Áustria continuasse a esquivar-se, a Alemanha — apenas
dias depois de ter declarado guerra — teria de apelar à paz nos melhores
termos possíveis.3
Em 6 de agosto, Viena superou a sua relutância e declarou guerra contra
a Rússia.
Não é de admirar sentirem-se os beligerantes desde o começo obrigados
a explicar aos seus próprios povos, e aos povos de outros países, a lógica
obviamente confusa que os levou ao campo de batalha e, aos olhos da
Áustria, ao campo de batalha errado.

________________
1Taylor 1965: 2-3
2Evans e Strandmann 1990: 116
3Ibid.
Capítulo 43

DESTRUINDO PROVAS

Michael Howard, o historiador militar, escreve em 1914:


“Provavelmente, nenhum período de poucos dias na história do mundo foi
submetido a escrutínio tão intenso como aquele entre 28 de junho, quando o
arquiduque foi assassinado, e 4 de agosto, quando a Grã-Bretanha declarou
guerra.” Contudo, subsistem lacunas nos anais. Desconfiados, os
historiadores são obrigados a virar detetives e investigar o significado das
lacunas. Pois a supressão ou destruição de provas é em si mesma uma
prova, e o desafio é descobrir: prova de quê?1
Um exemplo eloquente é o da semana que começa na manhã de 28 de
junho. A Áustria-Hungria estava decidindo como reagir ao assassinato do
seu herdeiro aparente. O ministro das Relações Exteriores, conde von
Berchtold, o maior responsável pelas decisões quanto ao que se seguiu, é a
primeira pessoa cujos papéis particulares nós gostaríamos de consultar. Isso
poderia nos esclarecer coisas de que tomamos conhecimento com Holger
Herwig, autor de um trabalho magistral sobre a Áustria e a Alemanha na
Primeira Guerra Mundial: “É interessante observar que o diário oficial de
Berchtold no Ministério das Relações Exteriores é conspicuamente
destituído de anotações no período entre 27 de junho e 5 de julho de 1914.”
Há uma lacuna de uma semana. Isso sugere que na semana seguinte ao 27
de junho, Berchtold estaria fazendo coisas que sabia que um dia poderia
querer negar. É interessante notar, também, que os registros dos serviços de
inteligência austríacos, nos arquivos de guerra de Viena, interrompem-se
em 28 de junho, e só são retomados um ano depois. Quando a Alemanha se
justificou publicando documentos em 3 de agosto, dois dias depois de ter
declarado guerra, “metade dos trinta documentos eram falsificações
clamorosas”.
Durante a Primeira Guerra Mundial, todos os lados queriam provar que
não a tinham começado; depois, todos queriam evitar a “culpa da guerra”,
especialmente a Alemanha, a quem ela foi oficialmente atribuída no Tratado
de Versalhes de 1919, depois do Armistício. As autoridades alemãs
incitaram a supressão de partes relevantes dos papéis de Moltke.
O resultado foi que, mesmo décadas após a guerra, houve uma
tendência a destruir indícios em vez de recuperá-los, os quais, mesmo
quando recuperados, tenderam a ser reescritos ou reestruturados. Além
disso, as autoridades sob sucessivos regimes alemães até e inclusive o
governo nazista levaram a cabo uma campanha de desinformação que foi
descrita por Herwig em detalhes em seu ensaio “Clio Deceived” [Clio
ludibriada].
Os diários de Kurt Riezler, secretário particular do chanceler alemão,
ilustra as dificuldades enfrentadas pelos estudiosos pesquisadores. Riezler
morreu após deixar instruções para que seus diários fossem destruídos. Os
papéis pessoais de Bethmann tinham sido removidos ou destruídos uma ou
duas décadas antes. Depois de muitas manobras e discussões, os papéis de
Riezler foram recuperados. Mas o exame mostrou que, enquanto os diários
de antes e depois do verão de 1914 tinham sido escritos em pequenos
cadernos de exercício, os meses-chave de julho e agosto estavam
registrados, em vez disso, em folhas soltas e de outra maneira, sugerindo
enfaticamente que aquelas seções centralmente relevantes tenham sido
reescritas — e colocadas no lugar do original. Os papéis de Müller, chefe do
gabinete naval do kaiser, embora tenham sobrevivido, foram expurgados.
Os alemães não foram os únicos a destruir ou falsificar seus registros.
Nas primeiras semanas da guerra de 1914, o Ministério das Relações
Exteriores francês publicou um Livre jaune* para justificar tudo o que havia
feito — um trabalho sobre o qual Albertini escreveu nos anos 1940: “Ele
passa em revista 159 documentos, muitos dos quais alterados, mutilados ou
falsificados.” Sobre um esforço semelhante da parte de São Petersburgo,
Albertini escreve que o Livro laranja russo “apresenta 79 documentos,
alguns consideravelmente fraudados”. E os arquivos da Sérvia estiveram
fechados por meio século. Nenhum minuto das reuniões do gabinete sérvio
em 1914 foi preservado.
Porém, em parte alguma a supressão ou destruição de registros, diários e
afins foi tão amplamente sistemática ao longo das décadas seguintes quanto
na Alemanha. Assim, todos os registros de conversas telefônicas e
anotações de outras comunicações verbais nos anos em questão foram
extraviados no Ministério das Relações Exteriores alemão. No lado alemão,
os dois pontos críticos foram as conversações de 5 de julho com os
austríacos, que resultaram no “cheque em branco”, e as discussões entre os
líderes alemães na semana do 27 de julho, que levaram à decisão de entrar
em guerra. Todos os registros relativos a ambos foram extraviados,
desapareceram do Ministério das Relações Exteriores. Todos os registros
das conversações do kaiser com líderes militares e políticos ao longo do
mês de julho também foram extraviados, nos diz um importante
pesquisador deste campo, Imanuel Geiss. Neste tocante, não há nenhum
registro de conversações da Alemanha em Berlim com potências
estrangeiras.
A propósito, foram os estudiosos alemães, começando pelo corajoso
Fritz Fischer na década de 1960, que tomaram a iniciativa da descoberta ou
restituição de fragmentos esparsos de registro, frequentemente por meio de
um trabalho de campo arrojado e imaginativo. Foi assim que John Röhl,
uma destacada autoridade na Alemanha guilhermina, publicou, no começo
da década de 1970, dois documentos de considerável importância,
“descobertos num baú no porão do castelo Hemmingen, em Württemberg, e
numa cesta de roupa suja no sótão do solar Hertfeld, na Alemanha
Ocidental, junto à fronteira holandesa”, escreve ele, “quando eu estava
procurando cartas”.2 Os dois documentos ficaram escondidos por meio
século.
No computo geral, nós temos de tirar a conclusão óbvia e de senso
comum de que os documentos destruídos ou escondidos eram embaraçosos
ou incriminatórios, e que o esforço para apagar ou falsificar o registro
histórico foi empreendido a fim de negar a responsabilidade pela guerra.
Como veremos, não obstante, o conhecimento moderno tornou possível,
apesar da destruição e da falsificação maciças de provas, revelar grande
parte do que realmente aconteceu.

________________
* O Livre Jaune [Livro amarelo], que também pode ser azul, branco,
laranja... é uma coletânea de documentos oficiais, diplomáticos, publicada
em vários países europeus após acontecimentos importantes, como uma
guerra, para permitir a pesquisa em originais. (N. do T.)
1 Herwig 1997 e o capítulo de Herwig em Winter/Parker/Habeck 2000
foram seguidos neste capítulo.
2 Röhl 1973: 17
Parte Oito

O MISTÉRIO DESVENDADO
Capítulo 44

REUNIÃO NA BIBLIOTECA

A investigação das circunstâncias em torno da eclosão das hostilidades


em 1914 resulta em descobertas que, em alguns aspectos, parecem com um
romance policial. Há a pergunta simples às. quem foi: quem, se é que havia
alguém, estava por trás do garoto que puxou o gatilho. E também há a
pergunta complexa de quem foi: quem, se é que havia alguém,
deliberadamente manipulou a situação resultante visando destruir a ordem
existente na Europa.
A velha história de detetive que se tornou popular com a geração que
emergiu da Grande Guerra, particularmente na Grã-Bretanha,
frequentemente acabava com todos os personagens sobreviventes reunidos
numa sala. Lá, no saguão de um navio, no salão de baile de um hotel ou na
biblioteca de uma casa de campo, o Hercule Poirot de Agatha Christie ou
algum detetive parecido explicaria o que realmente aconteceu e responderia
à pergunta elementar: quem foi?
Para nós, em nossa própria investigação, a sala em que nos reuniremos
para fazer nosso sumário tem necessariamente de ser uma biblioteca. Os
que tiveram um papel na crise de julho já não estão mais vivos. Já não
podem mais responder às nossas perguntas em pessoa. Luigi Albertini, o
historiador italiano que morreu nos anos de abertura da Segunda Guerra
Mundial, foi talvez o último historiador dos acontecimentos de 1914 a
poder conduzir sua inquirição investigando à maneira dos detetives:
tomando o depoimento de testemunhas e de suspeitos, interrogando-os,
comparando os seus relatos, procurando contradições e discrepâncias. Seus
volumes são os últimos de investigação policial.
Uma nova era se abriu, a partir dos anos 1960, com a publicação da
pesquisa pioneira de Fritz Fischer, que escavou os arquivos como os
arqueólogos escavam em campo. Seu exemplo foi seguido e levou a novas
descobertas. Memórias tinham sido perdidas, mas arquivos foram
encontrados. Hoje em dia, ano após ano, década após década, descobertas
são feitas, novas abordagens são viabilizadas, documentos ocultos são
recuperados e exibidos à luz do dia. É verdade, os participantes já não falam
mais conosco, mas a literatura fala.
Milhares de volumes foram escritos sobre as origens da Primeira Guerra
Mundial; destes, porém, talvez uns cinquenta ou cem da era pós-Fischer,
tomados em conjunto, componham, pelo menos em seus detalhes
principais, um relato fidedigno do que aconteceu naquele verão seminal de
1914, com cujas consequências nós ainda vivemos.
Capítulo 45

O QUE NÃO ACONTECEU

Na era pós-Fischer, os estudiosos revisaram muitas das opiniões que se


costumavam sustentar sobre as origens da Grande Guerra. Mas o
conhecimento não impregnou eficazmente a consciência do público mais
amplo. Grande parte do que as pessoas continuam a dizer e pensar sobre os
acontecimentos de julho de 1914 é hoje questionada e contestada pelos
estudiosos.
Segundo os estudos mais recentes e convincentes, não é verdade, como
o homem nas ruas parece ter acreditado na época, e como os ingleses e
outros deveriam escrever mais tarde, que o mundo europeu de junho de
1914 fosse uma espécie de Éden no qual a eclosão das hostilidades entre as
principais potências foi uma surpresa. Ao contrário, como reconheciam as
elites políticas e militares, a Europa era presa de uma corrida armamentista
sem precedentes; internamente, as potências eram vítimas de uma violenta
rivalidade social, industrial e política; e os Estados-maiores trocavam ideias
constantemente, não sobre se haveria ou não guerra, mas quando e onde
seria.
Mesmo onde surgiram transtornos, longe de emergirem como surpresa,
eles puderam ser discernidos previamente. As chancelarias da Europa
previam que os instáveis Bálcãs estariam rapidamente prontos para uma
outra rodada de guerras, em que o Império Otomano podia desaparecer
completamente da Europa. Os líderes alemães se preocupavam com a
possibilidade (que alguns líderes russos esperavam) de o Império
Habsburgo também desmoronar. A Áustria-Hungria afligia-se com a
possibilidade de não ser capaz de conter a maré eslávica. A Alemanha
aumentava os impostos para acelerar seus programas militares a taxas
insustentáveis; dava fortemente a impressão de que teria de lançar
rapidamente uma guerra ou desistir. O que ninguém sabia era quando ia
haver guerra: em que ano ou, caso seja, em que década.
A Europa que pegou em armas no verão de 1914 não era um lugar
calmo e pacífico. Estava dilacerada por milhares de inimizades e era
conspicuamente belicosa.
Tampouco é verdade, pelo menos na minha opinião, que a marcha para
a guerra começou em 28 de julho, e em Sarajevo. Foi a Segunda Guerra dos
Bálcãs e suas consequências que convenceram Berchtold e seu Ministério
das Relações Exteriores de que a Áustria-Hungria tinha de destruir a Sérvia.
Será lembrado que Viena começou a esboçar seu plano-memorando para
esmagar a Sérvia duas semanas antes dos acontecimentos de Sarajevo.
Quanto à Alemanha, foi a expansão militar, ferroviária e industrial russa
após 1905 que despertou em seus generais o desejo urgente de lançar uma
guerra preventiva contra a Rússia e sua aliada, a França. Por isso eles
olhavam com tristeza para 1905: tanto a Rússia quanto a França estavam
temporariamente enfraquecidas naquele ano, e poderiam ter sido facilmente
derrotadas. As raízes da iniciativa alemã podem ser datadas,
consequentemente, nalgum momento da década 1904-1914, quando seus
líderes militares começaram a advogar a proposta de guerra preventiva. O
gesto, ele mesmo, teve lugar repentinamente na última semana de julho de
1914, quando eles agarraram a oportunidade e optaram por provocar a
guerra preventiva com que tão longamente sonharam.
Na sequência dos assassinatos de 28 de junho, Viena acreditou que eram
produto de um complô arquitetado e organizado pela Sérvia. Revelou-se
que isto não era inteiramente verdade. A Sérvia tinha algumas
responsabilidades, mas não todas.
O assassinato, como vimos, foi cometido por uma pessoa, um bósnio e,
consequentemente, súdito austríaco, e não sérvio. Ele agiu provavelmente
(mas não certamente) por iniciativa própria, ainda que fosse assistido por
outras pessoas. Seu ato — hoje podemos confirmar — foi viabilizado pelo
apoio de oficiais dissidentes do Exército sérvio.
Não há dúvida de que a bala que matou o arquiduque austríaco
Francisco Ferdinando em Sarajevo no final da manhã de domingo, 28 de
junho de 1914, veio de uma arma manuseada pelo estudante secundário
terrorista Gavrilo Princip.
Embora afirmasse o contrário durante alguns poucos dias após a sua
captura, Princip não agiu inteiramente só. Ele pode ter originado só a ideia
de assassinar Francisco Ferdinando, como manteve até o final, mas liderava
uma equipe. Como ele, os outros eram jovens amadores motivados por
ideologias nacionalistas ou afins. Outro membro do seu bando tentou o
assassinato, mas fracassou. No final, Princip agiu sozinho. Não houve
terceira bala. Não houve elevação gramada.*
A trama do assassinato talvez não tivesse êxito sem o apoio essencial da
sociedade secreta sérvia Mão Negra, que proveu armas, treinamento de tiro
e uma “estrada de ferro clandestina”** para contrabandear Princip e um
colega através de postos de fronteiras e alfândegas da Sérvia até a Bósnia.
A Mão Negra, por sua vez, recorria ao apoio de funcionários do baixo
escalão do governo sérvio e aos recursos da organização cultural
nacionalista sérvia Narodna Odbrana.
Apis e seus principais lugares-tenentes, os ativos chefes da Mão Negra,
eram oficiais do alto escalão do Exército que se infiltraram no governo
sérvio. Tratava-se de uma facção político-militar conspirando contra o
primeiro-ministro; assim, o primeiro-ministro não era responsável pelo que
eles fizeram.
Rumores circularam na época e durante décadas a seguir de que a
Rússia deu apoio financeiro à Mão Negra e aos conspiradores de Sarajevo.
Parece que isto não tem base. Adidos diplomáticos mais jovens de fé pan-
eslava podem ter sabido da ajuda de Apis a Princip e podem ter expressado
simpatia, mas eram indivíduos que não representavam seu governo na
questão. O homem pan-eslavo da Rússia nos Bálcãs, Hartwig, o
representante na Sérvia, apoiou o primeiro-ministro Pasic contra a Mão
Branca, e isso certamente há de ter excluído a possibilidade de qualquer
ajuda dos russos ao grupo terrorista.
Princip, que matou Francisco Ferdinando, o fez por um amontoado de
razões mal informadas. Embora o arquiduque fosse o membro mais pró-
eslavo da hierarquia Habsburgo, o jovem acreditava que ele fosse
antieslavo. Princip temia que as manobras militares anuais que Francisco
Ferdinando estava inspecionando mascarassem uma força de invasão que
lançaria um ataque surpresa contra a Sérvia (falso). Princip tinha ouvido
falar que o herdeiro era um moderado cuja política de atração podia colocar
todos os eslavos dos Bálcãs sob controle austríaco.
Como outros terroristas, Princip deve ter acreditado que matar os líderes
do governo desmoralizaria as classes governantes. Ele tinha acalentado
esperanças de assassinar outro funcionário Habsburgo, até ouvir sobre a
planejada viagem do arquiduque.
Parece que Apis, que facilitou a façanha de Princip, não tinha muito
mais informação do que Princip sobre a política que Francisco Ferdinando
propugnava. Porém, a questão da motivação de Apis é mais complexa.
Como destacou A. J. P. Taylor, Princip e seus amigos secundaristas, na
época em que se fizeram conhecer por agentes da Mão Negra, não podiam
inspirar muita confiança como grupo de matadores. Eram adolescentes
amadores sem qualquer treinamento ou experiência militar, e sem nenhum
conhecimento de armas. Como iriam passar pela guarda pessoal daquela
que seria uma das figuras políticas mais fortemente bem guardadas da
Europa? Não há dúvida, somente uma série de erros graves e de
coincidências que ninguém podia ter esperado levou ao bom êxito da trama
de Princip.
Não é mais provável que, como Taylor sugeriu, Apis tenha decidido
facilitar os planos do pequeno bando de adolescentes incompetentes por ter
suposto que eles iriam fracassar? Se assim tivesse sido, sem dar um pretexto
à Áustria para tomar iniciativas, a tentativa de assassinato podia ter
seriamente embaraçado o primeiro-ministro sérvio — inimigo de Apis
especialmente nas iminentes eleições de 14 de agosto. Assim, enquanto o
mundo sempre pensou que os assassinatos de Sarajevo fossem um episódio
na política internacional, eles podem ter sido planejados na época mais
como uma manobra na política interna sérvia.
Acreditou-se amplamente que as ações da Áustria-Hungria, desde a
Afronta em 28 de junho até a declaração de guerra contra a Sérvia, em 28
de julho, foram inspiradas por um desejo de punir o culpado.
Argumentaram os críticos que Viena estava julgando rápido demais — que
estava condenando a Sérvia com base em provas insuficientes.
Na verdade, como agora sabemos, a Áustria-Hungria não dava
importância ao fato de a Sérvia ser ou não culpada dos assassinatos. Ao
contrário, alguns membros da corte imperial chegaram perto de dar boas-
vindas ao assassinato. O governo da Áustria-Hungria, nem zangado nem
triste pela morte do arquiduque e sua consorte — na verdade, aliviado de
que o casal que ninguém amava tivesse sido tão convenientemente
removido de cena —, usou os acontecimentos de 28 de junho como
desculpa para fazer o que havia planejado fazer de qualquer modo. Ainda
melhor, os assassinatos proveram uma oportunidade de garantir o apoio da
Alemanha, que era vital para o sucesso do plano austríaco de atacar a
Sérvia. Até o 28 de junho, a aprovação alemã era tudo que estava faltando.
O kaiser Guilherme normalmente teria se recusado a dar apoio a uma
agressão austríaca. Ele já o havia recusado antes. Mas ele — praticamente
sozinho — estava genuinamente ultrajado pelo assassinato do amigo, ou
pelo menos dava impressão de estar. Evidentemente, estava arrebatado.
Como o seu ídolo homérico, Aquiles, ele mudou de ideia e optou pela
guerra para vingar o seu melhor amigo.
Mais tarde, tornou-se lugar-comum entre historiadores que os
assassinatos em Sarajevo serviram como mero pretexto para desencadear a
guerra contra a Sérvia. Eles foram um pretexto, mas não um mero pretexto.
Os assassínios foram importantes em si mesmos, pois ao eliminar o
arquiduque e mudar a posição do kaiser, eles neutralizaram a oposição das
duas pessoas que provavelmente continuariam a impedir o governo
Habsburgo de tomar a iniciativa de subjugar a Sérvia.
Os acontecimentos-chave subsequentes da evolução na direção da
guerra com a Sérvia ocorreram em 5-6 de julho, quando o kaiser Guilherme
e seu governo deram o cheque em branco para a Áustria-Hungria.
Corretamente, os historiadores têm condenado este gesto: um governo é
responsável por suas decisões; assim, um cheque em branco dá poder sem
responsabilidade a um grupo de dirigentes, e responsabilidade sem poder ao
outro.

Mas a Alemanha não teve motivos para lamentar a sua insensatez de ter
emitido um cheque em branco; na prática, o cheque jamais foi usado.
Falando cruamente, em vez de tomar decisões estouvadamente pela aliada,
a Áustria continuou recebendo ordens da Alemanha. O chanceler Bethmann
planejou a estratégia de invasão que Berchtold e seu governo se
encarregaram de seguir; foi Berlim, não Viena, que preparou a campanha
diplomática pela “localização” que se seguiu.
É verdade que os austríacos não cancelaram a guerra quando o kaiser
lhes deu ordens para fazê-lo no final de julho, mas quando declararam
guerra contra a Sérvia, em 28 de julho, foi porque o ministro alemão das
Relações Exteriores tinha lhes dito para fazê-lo.
O cheque em branco nunca foi descontado, mas seria errado dizer que
sua emissão se mostrou irrelevante. Foi somente pela segurança que ele deu
que Francisco José, Berchtold e Conrad tomaram o caminho que levou à
guerra contra a Sérvia.
Foi o kaiser quem decidiu dar o cheque em branco. Seus líderes
militares e civis aprovaram a decisão, compartilhando assim a
responsabilidade. Apesar de todo o ódio dirigido contra ele pelos Aliados
na guerra de 1914-1918- “Enforquem o kaiser!”, dizia um canto popular na
Grã-Bretanha —, o cheque foi o único aspecto pelo qual ele figurava entre
os principais responsáveis pela eclosão da guerra.
Por mais que fosse um monarca turbulento, ameaçador e desequilibrado,
o kaiser não queria levar seu país e a Europa a uma guerra. Ao contrário,
ele era a principal força a favor da paz no governo do seu país. Guilherme e
Francisco Ferdinando eram as duas figuras públicas mais detestáveis da
Europa, mas eram eles quem mantinham os irascíveis sob controle e, no fim
das contas, sempre optavam pela paz. Somente quando foram removidos do
processo de tomada de decisões, Francisco Ferdinando permanentemente e
Guilherme apenas provisoriamente, é que a facção pró-guerra encontrou
aberta a sua janela de oportunidade. Mesmo na questão do cheque em
branco, o kaiser não acreditava que estava iniciando uma guerra entre as
grandes potências. Ele pensava estar estimulando a Áustria a fazer a guerra
contra a Sérvia, mas que nenhuma das outras potências entraria em guerra.
Ele parecia ter certeza disso.
O próprio nome que os historiadores deram aos 37 dias desde os
acontecimentos de Sarajevo até a guerra mundial — a “crise de julho” —
tende a enganar. Ele sugere uma tensão gradativa, dia a dia; porém,
conforme observou-se anteriormente, não foi assim que os acontecimentos
se desenrolaram.
A conferência do cheque em branco de 3-6 de julho e suas decisões
foram secretas, e os governos da Alemanha e da Áustria tiveram êxito, em
seguida, em fingir que nenhuma preparação estava em curso para a queda
da Sérvia. Assim, desprevenida, a Europa não ficou alarmada, nem
gradativamente nem de nenhum outro modo.
Uma cópia do ultimato austríaco à Sérvia foi entregue aos Ministérios
das Relações Exteriores europeus em 23 ou 24 de julho, e foi somente então
que a crise foi detonada. Para a Rússia e a Grã-Bretanha, foi em 24 de
julho; para a França, aconteceu quase uma semana depois, quando Poincaré
e Viviani retornaram da Rússia.
O ultimato que a Áustria-Hungria entregou à Sérvia em 23 de julho
chocou a Europa. A opinião disseminada na época era de que nenhum país
que aceitasse seus termos poderia permanecer independente.
Mas depois das experiências do brutal século XX, os historiadores
ficaram menos sensíveis; já não acham as exigências da Áustria ultrajantes.
Nós continuamos a nos questionar em relação à época; os sérvios não
deviam ter recebido um ultimato. Mas achamos que a Sérvia é em grande
parte culpada.
A Sérvia abrigava, e talvez até fomentasse, grupos terroristas. Ela foi o
campo de treinamento e a plataforma do comando assassino que matou o
herdeiro aparente dos Habsburgo. Além disso, o povo sérvio tinha
claramente exultado com o assassinato.
A decisão da Áustria de responder com a invasão da Sérvia, o
desmantelamento do apoio logístico aos terroristas, a dispersão das
organizações que tenham apoiado ataques contra a Áustria e o esforço de
levar os culpados a julgamento têm uma aura de século XXI. Em 2001, o
governo dos Estados Unidos, com a ajuda dos seus aliados da OTAN, agiu
de modo semelhante no Afeganistão, no despertar do novo milênio.

O princípio de que cada governo deve impedir forças armadas de usar


seu território como base para atacar outros países é básico para o direito
internacional. Mas se um governo não tem o poder de impor a lei dentro dos
seus próprios domínios — se não tem o poder de impedir que seu território
seja usado para agredir outros países —, ele terá seu direito à soberania
confiscado nesse aspecto, e o país prejudicado poderá enviar suas próprias
tropas para punir os culpados e prevenir novos ataques. Foi no exercício
desse direito que as forças americanas do general John Pershing receberam
ordens de perseguir o bando de Pancho Villa dentro do território mexicano,
após a incursão de Villa, em 1916, no território estadunidense.
Acreditou-se na época que, em sua resposta, a Sérvia tinha concordado
com quase todos os termos da Áustria. Os historiadores já não acreditam
mais nisso. Os leitores poderão julgar por si mesmos por meio da leitura das
notas (Apêndices 1 e 2).
Tendo de encarar os eleitores do seu turbulento país em 14 de agosto, o
primeiro-ministro Pasic precisava convencê-los de que estava fazendo
poucas concessões, ao mesmo tempo em que, ao responder a Viena,
precisava dar a impressão de que concordava com todas as concessões
exigidas. O documento foi, portanto, minutado para ser ambíguo.
A Rússia foi acusada por alguns historiadores de encorajar Pasic a evitar
a rendição total. A visão corrente entre historiadores, hoje, é de que a
Rússia não deu tal conselho e, ao contrário, estimulou a Sérvia a fazer a paz
com a Áustria.
O nó da questão é perceber que o que Pasic escreveu na resposta ao
ultimato não tinha importância: a Áustria decidira previamente não aceitar a
resposta sérvia, não importa qual fosse. O ultimato, na verdade, foi escrito
com o objetivo de tornar praticamente impossível a Sérvia aceitá-lo.
A Áustria continuou a mover-se lentamente, mas sempre adiante, como
vinha fazendo desde 5-6 de julho. Ela apresentou seu ultimato à Sérvia em
23 de julho, rejeitou a resposta em 25 de julho e declarou guerra ao país em
28 de julho. Depois disso, tomou medidas para se preparar para enfrentar o
inimigo.
Acreditou-se amplamente durante longo tempo que a estrutura política
do mundo europeu em 1914 — em particular o sistema de alianças
supostamente rígido demais — fez o conflito aumentar e envolver as
grandes potências. Retrospectivamente, isso não parece ser verdade. A
Itália estava ligada à Alemanha e à Áustria na Tríplice Aliança, mas
permaneceu neutra em 1914, juntando-se depois aos Aliados. A Grã-
Bretanha, por outro lado, não tinha nenhum tratado de aliança com a França
e a Rússia, mas contudo se uniu a elas. Os tratados, portanto, não
determinaram que países decidiram lutar e em que lado.
Os pactos de aliança não levaram países à guerra. Ao contrário, o
sistema de alianças (como observou Kurt Riezler, secretário de Bethmann)
restringia o aventureirismo e conduzia à paz, pois cada país tendia a
desestimular seus aliados a correrem riscos com questões em que somente
um deles tivesse interesses sérios. A França geralmente desencorajava a
Rússia nos Bálcãs, ao passo que a Rússia acautelava a França quanto ao
Marrocos. Os copartícipes continham o ímpeto uns dos outros porque não
queriam participar das disputas dos outros.
Os tratados eram normalmente defensivos, um país prometendo ajuda
apenas se o outro fosse atacado. Isso mudou crucialmente em 1909.
Ignorando a linguagem do tratado de aliança de 1879, Moltke, apoiado por
seu governo, afirmou que a Alemanha era obrigada a apoiar a Áustria
mesmo se ela tivesse começado a guerra.
Foi essa disposição alemã de apoiar um aliado, certa ou errada, que
causou a derrubada da ordem europeia em 1914? Poderia ter causado, mas
não o fez: a Alemanha não apoiou cegamente a agressividade da Áustria; ao
contrário, ela levou-a à agressividade e lhe deu ordens para ir mais longe e
mais rápido. A aliança austríaca não arrastou a Alemanha para a guerra; foi
a aliança alemã que empurrou a Áustria à guerra: a guerra contra a Rússia e
seus aliados mundiais.

O que então causou a guerra? Ou quem?


Na tarde do dia 31 de julho, quando a Alemanha se preparava para dar
início às hostilidades, o chanceler Bethmann, num discurso ao seu gabinete,
concluiu dizendo que “todos os governos — inclusive o da Rússia — e a
grande maioria das nações são em si pacíficos, mas a situação fugiu ao
controle”.
A situação fugiu ao controle! Eis a mais difundida das explicações. Ela
parecia justa e imparcial. Absolvia os políticos de culpa, muitos dos quais
certamente não eram responsáveis. E, o melhor de tudo, provia uma
resposta plausível à questão de outro modo desconcertante do que causara a
guerra — e do que significava “causa” naquele contexto. Porém, como o
historiador Marc Trachtenberg e outros argumentaram convincentemente,
não iria funcionar, pois os dirigentes compreendiam as consequências dos
seus atos.
É verdadeiro dizer que a França, a Rússia e a Sérvia não estavam
totalmente no controle das suas respectivas situações. Todas queriam
permanecer em paz, mas a paz não era uma opção disponível para elas. Mas
não foi pelas consequências involuntárias da mobilização, pelas exigências
de cronogramas ferroviários ou por requisitos do sistema de alianças que
uma guerra lhes foi imposta no verão de 1914. Foi porque elas foram
atacadas. Elas foram atacadas pela Alemanha e pela Áustria.
Diz-se frequentemente que o que levou à guerra foi a decisão russa de
mobilizar-se. Em outras circunstâncias, isso poderia ser verdade. Mas não
era verdade nas circunstâncias do verão de 1914. O governo alemão tinha
decidido entrar em guerra antes de a Rússia mobilizar-se;
consequentemente, a decisão alemã não pode ter sido causada pela decisão
russa. E longe de temerem a mobilização russa, os líderes alemães a
esperavam e aguardavam: era a sua desculpa para conseguirem conquistar o
apoio essencial do seu povo.
Sazonov, o ministro da Relações Exteriores russo, sabia que se a Rússia
se mobilizasse, a Alemanha, colocando a culpa na Rússia, declararia guerra;
e ele não optou pela mobilização até estar convencido de que se a Rússia
não se mobilizasse, a Alemanha ia fazer exatamente a mesma coisa: culpar
a Rússia e declarar guerra. Assim, a questão da mobilização teve de ser
pensada em São Petersburgo apenas em seus méritos como medida militar.
Se, conforme mostra a evidência, o governo austro-húngaro impôs
deliberadamente uma guerra à Sérvia, e iniciou-a lançando um ataque não
provocado, e se, como mostra a evidência, o governo alemão
deliberadamente impôs uma guerra à Rússia, à França e à Bélgica, e
começou-a lançando um ataque não provocado, significa isto que a Áustria
e a Alemanha devam ser declaradas culpadas de ter iniciado a guerra? Não -
não no mundo de 1914.
A culpa, nesse contexto, é um conceito posterior à guerra e não anterior
a ela. Até a Grande Guerra de 1914, a guerra era uma atividade
internacional usual. Era considerada, por exemplo, por Theodore Roosevelt
em passagens citadas anteriormente, tão saudável quanto desejável. Nós não
pensamos mais assim, mas seria injusto julgar os homens de 1914 pelos
nossos padrões, em vez de fazê-lo pelos seus próprios.
Além disso, Moltke e seus colegas, e Berchtold e os seus, não pensavam
que estavam começando uma guerra que podia ser evitada — guerras que,
não fosse por eles, não teriam ocorrido. Do modo como viam, eles estavam
apenas precipitando, em 1914, guerras que de qualquer maneira teriam
eclodido posteriormente. Eles só eram responsáveis pelo momento e a
cadência dos conflitos, não pelos próprios conflitos.
Finalmente, somente as pequenas camarilhas governantes da Alemanha
e da Áustria-Hungria foram responsáveis por desencadearem e levarem a
cabo a suas respectivas guerras. Os povos que elas governavam nada
tiveram a ver com isto.
Dizia-se que os rígidos requisitos do plano Schlieffen, da Alemanha,
inexorável como as batidas de um relógio, forçaram a Alemanha e, por
conseguinte, a Europa a entrar em guerra. Esse é o assunto de grande parte
da literatura sobre o tema. Nós sabemos que, no sentido relevante da
palavra “plano”, não havia nenhum plano Schlieffen. O que Schlieffen
projetou em seu memorando foi um simples cenário. A Alemanha iniciou a
guerra não conforme o memorando de Schlieffen, mas sim conforme o
plano operacional de desdobramento de Moltke.

________________
* Trata-se da tradução literal da expressão “grassy knoll”, que se tornou
genérica, conotando trama oculta ou subterfúgio, a partir das especulações
sobre a existência de conspiração no assassinato do presidente John
Kennedy, o terceiro tiro tendo sido disparado de uma elevação gramada à
direita do automóvel presidencial. (N. do T.)
** A expressão entre aspas evoca a memória das rotas de fuga do
movimento antiescravista conhecido na história dos Estados Unidos como
Underground Railroad. Do século XVII ao XIX, homens e mulheres
ajudaram escravos africanos a fugirem para a liberdade por meio de uma
complexa rede informal de caminhos e meios clandestinos através de
campos, rios e florestas. (N. do T.)
Capítulo 46

A CHAVE PARA O QUE ACONTECEU

Muito aconteceu naquele remoto verão de 1914, um verão que de


muitas maneiras ainda está conosco. A questão é, o que aconteceu para
causar uma guerra mundial?
Há aspectos da história que sempre foram embaraçosos. Num certo
sentido, não se podia esperar outra coisa: enormes quantidades de indícios
essenciais foram destruídas porque dariam respostas às nossas questões.
Porém, os grandes estudiosos da era pós-Fischer recuperaram tanta coisa do
passado que hoje temos a possibilidade de preencher as lacunas com
relativa certeza de o fazermos corretamente.
Nós sabemos como o conflito entre a Áustria e a Sérvia rompeu
abertamente. A Áustria andava ressentida com a Sérvia desde 1903, quando
um golpe de Estado em Belgrado causou uma mudança de orientação
naquele reino balcânico, transformando-o de satélite austríaco em aliado
russo. Nós sabemos que nas guerras balcânicas que acabaram em 1913, a
Áustria desenvolveu um temor mortal da Sérvia. Há registros claros de que,
em meados de junho de 1914, sob ordens de seu chefe, o ministro das
Relações Exteriores Habsburgo estava trabalhando num memorando que
reclamava a destruição da ameaça sérvia; plano que exigiria o apoio
alemão. Aí jaz o problema. Pois quando o imperador alemão foi solicitado a
dar apoio total à Áustria em meados de junho de 1914, ele declinou fazê-lo.
O assassinato inteiramente fortuito de Francisco Ferdinando e Sophie,
bem no momento em que o memorando estava sendo redigido, forneceu um
argumento emocionalmente poderoso que levou o kaiser a mudar de ideia.
Foi puro acidente, mas resultou em que Guilherme e seus funcionários
dessem a Viena, em 5-6 de julho, a carta branca que o kaiser havia recusado
apenas uma semana antes.
Na época, o cheque em branco não parecia ser um compromisso tão
fatídico quanto hoje, em retrospecto. A Alemanha se encarregou apenas de
impedir que outras potências europeias interviessem enquanto a Áustria-
Hungria agia contra a Sérvia. O kaiser e muitos dos seus funcionários não
viram risco em assumir o compromisso; eles estavam absolutamente certos
— e por boas razões — de que outros países nada fariam se a Áustria-
Hungria agisse rápido. Outros funcionários alemães — notadamente
Falkenhayn, o ministro da Guerra — acreditavam que a Alemanha não seria
convocada para o que quer que fosse, porque a Áustria-Hungria não iria
agir.
Ao sair das reuniões de 5-6 de julho e embarcar, como outras figuras-
chave na encenação de férias, o kaiser Guilherme estava avaliando que a
Áustria levaria de uma a três semanas para se ver livre da Sérvia. Voltando
das férias três semanas mais tarde, os líderes militares alemães encontraram
as suas piores suspeitas confirmadas: a Áustria não tinha destruído a Sérvia
enquanto eles estavam fora. Adiando mais uma vez, Conrad, líder dos
Exércitos dos Habsburgo, estimava agora que suas forças não estariam
prontas para marchar antes de quatro semanas; estabelecera então a data de
12 de agosto.
Essa foi a situação à qual retornaram os generais alemães, dando início
a consultas informais uns com os outros na última semana de julho.
Esta é a história do duelo mortal da Áustria com a Sérvia no começo do
século XX: como começou, como evoluiu para a sua fatídica conclusão.
Como o duelo acabou? É significativo que esta pergunta seja feita tão
raramente. Durante a última semana de julho de 1914, a Europa parece ter
perdido o interesse pela guerra austro-sérvia. Esta guerra tinha feito a sua
parte. Tinha preparado o caminho. Mas então, em certa medida, sumiu da
vista.
Os principais atores do drama que se desdobrou em Berlim na última
semana de julho foram os chefes militares alemães. Falkenhayn tinha dito
ao kaiser que a partir daquele momento a questão estava fora de seu
controle (do kaiser), e o kaiser parece tê-lo aceitado, pelo menos em parte.
Contudo, em outras oportunidades ele agia e falava como se ainda fosse o
responsável. Não houve golpe de Estado militar, ainda que o kaiser — e o
chanceler — tenha divergido mais tarde naquela semana das opiniões dos
generais.
O que havia mudado no final de julho era que os militares estavam
assumindo o controle ativo da situação. O cheque em branco tinha sido
política do kaiser, embora seus oficiais tenham feito objeção; e o conselho
para a Áustria sobre como alcançar seus objetivos foi formulado pelo
chanceler, um civil. O plano de Bethmann era a Áustria lançar uma invasão
para esmagar a Sérvia tão rapidamente que a operação estaria concluída
antes de outras potências europeias terem tempo de intervir ou mesmo
protestar. Era para estar feito antes de as potências tomarem consciência do
que estava começando a acontecer. Bethmann fora encarregado de
monitorar o desempenho austríaco. A Áustria não tinha desempenhado
bem. Então os militares da alta hierarquia estavam propondo planos de sua
lavra.
Moltke sempre acreditou que a guerra contra a Rússia fosse inevitável
— que era um encontro fadado entre germânicos e eslavos, e que o tempo
estava do lado da Rússia; de modo que, tão logo fosse possível, a Alemanha
tinha de iniciar uma guerra preventiva. Essa era a sua doutrina, então, na
crise de julho, e parece que dos seus colegas oficiais, bem como do Estado-
maior como um todo.
Mas as circunstâncias tinham de ser favoráveis, dizia Moltke
frequentemente, assim como seus colegas.
Quais eram as circunstâncias necessárias?
Na crise do Marrocos em 1911 — a crise de Agadir — a Alemanha
aprendeu que os Habsburgo não apoiariam interesses que fossem apenas
alemães. Entretanto, os austríacos esperavam que a Alemanha os apoiasse
em defesa dos seus próprios interesses. Tratava-se, neste sentido, de uma
aliança de mão única.
Apenas algumas décadas antes, a Prússia tinha alcançado seu objetivo
de excluir a Áustria do restante do mundo germânico. E no âmbito das
ambiguidades e ambivalências convolutas do relacionamento entre Berlim e
Viena — rivais unidos por necessidade recíproca — que está a explicação
dos acontecimentos em desdobramento.
A aliança Habsburgo era vital para a grande estratégia da Alemanha. Na
guerra que Moltke via chegar, ele precisava que os Exércitos da Áustria-
Hungria o ajudassem a se defender da Rússia nas semanas iniciais,
enquanto a Alemanha se preocupava com a França.
Assim, vários requisitos fundamentais de Moltke para uma
circunstância favorável à guerra envolviam a Monarquia Dual. A disputa
tinha de começar como um conflito austríaco, não alemão; de outro modo, a
Áustria não iria tomar parte. Inicialmente, cabia à Áustria determinar o
passo. A pendenga tinha de ser tal que provocasse a Rússia. No começo a
Alemanha só apareceria no conflito como protetora da Áustria. Como
resultado, a Rússia teria de atacar a Alemanha — ou pelo menos tinha de
parecer ao público alemão que a Rússia tinha atacado.
Qualquer general alemão em Berlim no final de julho podia ver que por
um grande golpe de sorte as estrelas estavam na posição correta, e que era
improvável que as constelações fossem tão favoráveis outra vez. Moltke era
apenas um entre os que diziam isto.
Assim, na última semana de julho, os generais em Berlim estavam se
agitando em prol da guerra — não de uma guerra austríaca, uma guerra
dirigida contra a Sérvia, mas uma guerra alemã, dirigida contra a Rússia.
O que parece ter sido mistificado pelos historiadores durante décadas,
ao tentarem responder todo tipo de questão sobre as origens da guerra de
1914, é que havia duas guerras sendo propostas naquele verão, não uma.
Além disso, as duas guerras não eram inteiramente compatíveis entre si.
Havia algo sobre Moltke e Conrad não serem completamente sinceros um
com o outro. Uma vez começadas as hostilidades, ficaria claro que Conrad
necessitava de todas as suas tropas para submeter a Sérvia, ao passo que
Moltke queria todos os Exércitos de Conrad para precaver-se contra a
Rússia.
Cada um deles esperava que, chegada a hora, o outro fosse abrir mão da
sua guerra. Conrad desejava que a Alemanha apenas dissuadisse — não
combatesse realmente — a Rússia, enquanto ele estava destruindo a Sérvia.
Moltke insistia em que a Áustria protelasse os seus objetivos próprios até a
Alemanha ter alcançado os dela.
A posição alemã tornou-se inequivocamente clara em 31 de julho, com
a mobilização. Naquele dia, Guilherme passou, por telegrama, a Francisco
José uma mensagem para a qual o historiador Fritz Fellner chamou a justo
título a atenção. Guilherme disse a Francisco José: “Nesta dura luta, é da
maior importância que a Áustria dirija sua força principal contra a Rússia e
não a divida em razão de uma ofensiva simultânea contra a Sérvia. [...]1
Nesta luta gigantesca em que estamos nos envolvendo ombro a ombro, a
Sérvia desempenha um papel completamente secundário.” Não era o que os
líderes Habsburgo queriam ouvir e, como veremos agora, Conrad só
obedeceu com relutância — e lentamente. A mensagem era: dedique-se à
nossa guerra, porque esta é a guerra importante, e adie a sua, que não é
importante, até estarmos em posição de voltar nossa atenção para assuntos
menores.
Ressaltar a distinção entre as duas guerras ajuda a responder muitas das
perguntas que sempre foram feitas sobre a crise de julho. Uma delas,
formulada sob várias roupagens desde o começo, é por que pessoas de todas
as partes do planeta estavam lutando e morrendo por causa de algo que
tinha acontecido com duas pessoas, Francisco Ferdinando e Sophie, sobre
quem a maioria nada sabia.
A resposta é: não era por isto que pessoas em lugares tão distantes do
mundo estavam lutando e morrendo. A guerra local entre a Áustria e a
Sérvia estava ligada a Francisco Ferdinando e Sophie, mas a grande guerra
não; a guerra mundial realmente não era o mesmo conflito, era causada pela
luta pela supremacia entre as grandes potências europeias. O desejo de ser
número um pode ser uma razão deplorável para iniciar uma guerra, mas não
é surpreendente nem desconcertante que tenha sido isso o que motivou as
potências. A Alemanha começou deliberadamente a guerra europeia, para
evitar de ser alcançada e superada pela Rússia.
Houve um certo paralelo entre as origens das duas guerras. A guerra
austro-sérvia supostamente foi desencadeada pelos assassinatos em
Sarajevo, mesmo que a trama austríaca contra a Sérvia tenha sido urdida
duas semanas antes. De modo semelhante, o governo alemão lançou mão de
um pretexto para começar uma guerra mundial, e esse pretexto foi a
possibilidade de a Rússia vir a intervir na guerra austro-sérvia. Assim,
pretexto foi empilhado sobre pretexto, e um tanto de poeira jogado nos
olhos da posteridade. As duas guerras estavam entrelaçadas, mas, para
repetir — eram diferentes e individuais; e no final, a Alemanha fez a
Áustria descartar a sua própria guerra em favor da guerra alemã.
Em julho de 1914, os generais alemães tiraram vantagem das suas
semanas de férias para meditar sobre seus planos. Eles não estavam
inteiramente isolados dos acontecimentos; tinham feito arranjos para
manterem-se informados. Eles voltaram a Berlim exigindo a guerra. Não
uma guerra contra a Sérvia. Uma guerra contra a Rússia, para a qual a crise
sérvia tinha lhes dado uma desculpa.
Deve-se notar que os generais russos ainda não tinham feito nada
quando os generais alemães retornaram a Berlim entre 23 e 27 de julho. Os
russos não tinham intervindo nem interferido. Tinham apenas empreendido
uma pré-mobilização mínima (em 26 de julho).
Assim, o que estava fazendo a temperatura subir a níveis de febre em
Berlim era a perspectiva de o governo poder atacar a aliança franco-russa
em 1914, em vez de depois. Os generais alemães tinham se decidido sobre a
guerra antes de a Rússia mobilizar-se (em 31 de julho), portanto —
conforme destacado anteriormente — não foi a mobilização russa (como se
afirma tão frequentemente) que começou a guerra. Até onde podemos dizer,
a questão que angustiava Moltke, fazendo-o mudar aparentemente de ideia,
era se devia tomar Liège imediatamente, como ele precisava absolutamente
fazer, ou esperar a Rússia ordenar a mobilização e assim dar ao seu governo
uma desculpa para declarar guerra.
Uma vez compelida a Rússia, ao ordenar a sua mobilização, a guerra
sérvia, local e comparativamente pequena, podia ser ignorada, e a guerra
mundial das grandes potências podia começar. Historiadores escreveriam
que a guerra local sérvia de algum modo fugiu ao controle, entrando em
escalada até virar guerra mundial. Mas uma não virou a outra. Ao contrário,
foi preciso colocar uma de lado para poder começar a outra.
Duas guerras, não uma; eis a chave.

Sir Michael Howard, com sua habitual clareza, explicou o que


confundiu os estudiosos da Primeira Guerra Mundial desde sempre: não
havia lógica na decisão alemã. Concordando com Clausewitz de que planos
militares não têm lógica inerente, Sir Michael escreve: “Certamente não
havia lógica na decisão tomada pelo Estado-maior de que, para apoiar os
austríacos num conflito com a Rússia por causa da Sérvia, a Alemanha
devia atacar a França, que não era parte na disputa, e fazê-lo invadindo a
Bélgica.”2
Se você apagar as palavras em itálico — pois agora sabemos que a
Alemanha instigou a guerra contra a Rússia por conta própria, e não a
Áustria —, o quebra-cabeça está montado. E isso mostra que não havia
lógica nas decisões do Estado-maior alemão. Não foi para apoiar os
austríacos que os líderes alemães fizeram suas manobras em julho. Foi
exatamente o contrário; foi para garantir o apoio da Áustria para si mesmos
em sua própria guerra. Os generais alemães tiveram de usar o expediente de
primeiro fazer a Áustria se envolver na guerra e depois fazê-la trocar de
inimigo.
As duas guerras eram em certa medida incompatíveis. Só podemos
enxergar isso, contudo, se primeiro virmos que havia duas guerras, não
uma.

________________
1 Wilson 1995: 22
2 Howard 2002: 28
Capítulo 47

AFINAL, POR QUÊ?

Quando afirmamos que isto ou aquilo foi o “porquê” da guerra,


podemos estar dizendo um sem-número de coisas diferentes, entre elas: a
razão que os tomadores de decisão deram para entrar em guerra; a razão em
que realmente acreditavam; e quais foram finalmente os resultados do
conflito.
No caso da guerra austro-sérvia, Viena afirmou que estava entrando em
guerra para fazer justiça pela matança de Sarajevo e para evitar a ocorrência
de crimes semelhantes no futuro. No que os líderes austríacos realmente
acreditavam era um pouco diferente. Eles pensavam que estavam lutando
para preservar o caráter multinacional do seu império -em outras palavras,
para proteger a Áustria-Hungria da desintegração. Do modo como viam,
com poucos anos para recuperar-se após as guerras balcânicas, a Sérvia
estaria ameaçando assumir a liderança dos eslavos meridionais no interior
dos limites do Império Habsburgo tal como constituído em 1914, e também
daqueles no exterior. Assim, eles estavam lutando pela existência do seu
império.
O caso da Sérvia era ainda mais simples. Os sérvios lutaram porque
foram atacados. Se perdessem, a Áustria estava planejando cortá-los em
pedaços; tanto quanto a sua independência, a Sérvia perderia a sua
existência.
Os austríacos até podiam estar certos ao acreditar que, se tivessem uns
poucos anos para reconstruir-se, a Sérvia representaria um poderoso desafio
ao Império Habsburgo. Como sua aliada alemã, em 1914a Áustria estava
lançando o que concebia ser uma guerra preventiva.
Nos primeiros anos do seu reinado, o kaiser foi o patrono das
reivindicações da Marinha. Ele apoiou o programa, defendido por Tirpitz,
que considerava que o rival que a Alemanha teria de desafiar era a Grã-
Bretanha. Se este programa tivesse obtido êxito, a Alemanha — se Tirpitz
estivesse certo — teria se transformado de potência europeia dominante em
potência mundial dominante.
Porém, este não era o objetivo — ou pelo menos não era o objetivo a
curto prazo — do governo alemão em 1914. A Rússia, e não a Grã-
Bretanha, tinha se tornado a inimiga. A Marinha fora suplantada pelo
Exército; Tirpitz tinha sido em grande parte eclipsado por Moltke e
Falkenhayn. Aqueles que então ditavam a política da Alemanha — os
generais do Exército —, objetivavam preservar o que este país possuía.
Queriam manter o domínio do seu país no continente europeu. Eles queriam
impedir uma futura contestação dessa posição pela Rússia, apoiada pela
França, provocando uma guerra imediatamente, enquanto suas chances de
vencer eram maiores do que seriam no futuro.
Em Berlim, o que motivava os oficiais do Exército que impuseram sua
política de guerra ao relutante kaiser era o medo do poder crescente da
Rússia. Nós hoje não daríamos crédito à sua noção de que um confronto
final entre teutônicos e eslavos era inevitável. Mas o medo deles era real.
Os homens que dirigiam a Alemanha em 1914 adotaram o que a seus
olhos era uma política defensiva. Era uma política conservadora, no sentido
de que seu objetivo era manter o domínio militar alemão existente na
Europa. O inimigo — o competidor que mais dia menos dia eles teriam de
enfrentar — era a Rússia. Como a Áustria, preferindo combater a Sérvia
hoje em vez de amanhã, a Alemanha — isto é, os líderes militares alemães -
decidiu combater a Rússia hoje em vez de amanhã.

Do ponto de vista dos tomadores de decisão alemães em julho de 1914,


o porquê da guerra era que país dominaria a Europa nos anos a vir:
Alemanha ou Rússia?
Durante a guerra, V. I. Lenin, o teórico comunista e futuro ditador russo,
escreveu, enquanto ainda estava em Zurique, que o propósito da guerra era
imperialista. Inspirado por um teórico britânico, J. A. Hobson, Lenin
afirmou que o capitalismo tinha entrado na sua fase final, em que os
principais países industriais só poderiam expandir suas economias mediante
a aquisição de impérios coloniais para serem usados como mercados
cativos. A guerra de 1914, tal como ele a via, era uma guerra por império.
Lenin estava errado. Era uma guerra pelo controle da Europa
continental, não por um império na Ásia ou na África. Mas o que ele
escreveu era plausível, e amplamente aceito, especialmente nas décadas de
1920 e 1930. Os indícios pareciam ser persuasivos.
Quando a guerra mundial acabou, pôde-se ver que um dos seus
resultados, em 1919, tinha sido a dramática expansão do Império Britânico.
A Inglaterra tomara as colônias alemãs na África. Um Exército britânico de
um milhão de homens estava ocupando o Oriente Médio. Entre os que
observavam esses resultados, alguns tiraram a conclusão de que fora uma
guerra imperialista, desde o começo uma guerra de expansão imperial. Mas
isso era uma ilusão. Em agosto de 1914, Grey e Asquith, fazendo a Grã-
Bretanha entrar na guerra, não nutriam nenhum desejo de expansão e não
adotaram nenhuma estratégia projetada para promover a expansão imperial;
e eles não presidiram a entrada do seu país na guerra na esperança ou na
expectativa de adquirir mais territórios.
O mesmo era verdade para a Alemanha, embora já em setembro de
1914 ela tenha começado a expandir suas ambições, como fizeram outros
países de ambos os lados. Eles começaram lutando para conservar o que
tinham. Uma vez em guerra, porém, o que abria todas as possibilidades,
eles arrolaram os seus desejos, e apegaram-se tanto que acabaram
determinados a não fazer a paz sem alcançá-los. Quanto mais lutavam, mais
extravagantes tornavam-se seus objetivos. Foi assim com a Alemanha, e
com a França, e com a Inglaterra também.
Como escrevi em outros trabalhos, não foi o imperialismo que causou a
guerra, foi a guerra que produziu uma nova onda de imperialismo. O que os
beligerantes reclamavam na conferência de paz tinha pouca semelhança
com o que os fizera entrar em guerra.
Nós vimos por que a Áustria e a Alemanha entraram em guerra. O que
levou a França e a Rússia a ingressarem na refrega pode ser explicado com
uma frase: a Alemanha lhes declarou guerra, e elas se defenderam. Das
grandes potências que se uniram contra a Alemanha e a Áustria em agosto
de 1914, somente a Grã-Bretanha teve a liberdade de decidir por si mesma
se entrava na guerra ou ficava fora.
Uma das histórias mais extraordinárias das origens da guerra é a de
como os britânicos, que em sua maioria era contra a participação na guerra
até o dia 1º ou 2 de agosto, mudaram de ideia e chegaram bem perto de
serem unanimemente a favor em 3 de agosto. Eles foram convencidos a
mudar de ideia por Sir Edward Grey. A questão em que ele apoiou sua
argumentação foi a Bélgica.
A neutralidade belga fora garantida duas vezes pelas potências ao longo
do século XIX. Não havia questão ou dúvida de que, como fiadora ou
garantidora da neutralidade da Bélgica, a Grã-Bretanha teria o direito de
defendê-la se escolhesse fazê-lo. O que era menos claro era se a Grã-
Bretanha era obrigada a intervir se seus colegas cossignatários não o
fizessem. Havia uma dúvida real quanto a saber se a garantia pelas
potências europeias era conjunta ou múltipla.
Contudo, seja lá qual for a razão, a causa belga desencadeou uma
resposta emocional entre os britânicos de todos os tipo, opiniões políticas e
convicções. Alguns diziam que a honra britânica exigia manter a promessa
de proteger a Bélgica. Alguns diziam que, ao violar uma obrigação de
tratado, a Alemanha tinha de ser punida por não manter a sua palavra.
Outros veneravam a neutralidade e a dedicação da Bélgica em defendê-la.
Ainda outros acreditavam que a Inglaterra devia impedir que países grandes
pisoteassem os direitos dos pequenos. E depois havia aqueles que viam a
neutralidade da Bélgica como um interesse vital da Grã-Bretanha,
imaginando os portos do canal nas mãos de um inimigo potencial como
uma ameaça estratégica às ilhas britânicas.
Para um grande número de pessoas do gabinete, do Parlamento e do
público britânicos, um ou outro desses aspectos da questão belga -
habilmente combinados por Grey em seu magistral discurso aos Comuns
em 3 de agosto — operou uma mudança de pensamento. Para o auditório de
Grey, o martírio da Bélgica não era o pretexto; era, com toda honestidade, a
razão real para mergulhar a Inglaterra e o seu povo na luta de vida ou morte.
A Grã-Bretanha disse que estava indo para a guerra por causa disso; e
também a Grã-Bretanha acreditou que estava indo para a guerra por causa
disso.
Asquith e Grey, porém, que levaram o pais à guerra, não o fizeram em
nome do ideal britânico, mas sim em nome do interesse vital da Grã-
Bretanha. Há razões para acreditar que se a neutralidade da Bélgica tivesse
sido violada pela França em vez de pela Alemanha, Asquith e Grey teriam
olhado a questão de outro modo. Mas o fato de a Alemanha o estar fazendo
ameaçava a Grã-Bretanha. Destruindo a França como potência, a Alemanha
estaria destruindo o equilíbrio de poder na Europa, e ameaçando dar cabo
da supremacia global britânica. Controlando a extensão das costas atlânticas
francesa e belga, inclusive os portos do canal, a Alemanha tornaria as ilhas
britânicas permanentemente vulneráveis a ataques, bombardeios ou
invasões. Para Asquith e Grey, a guerra era uma questão de equilíbrio de
poder e de segurança nacional.
Houve época em que era comum os historiadores dizerem (como disse
Elie Halévy, citado anteriormente) que a causa do duelo anglo-alemão na
Primeira Guerra Mundial foi o desafio da Alemanha à supremacia da Grã-
Bretanha no sistema europeu existente. Descrevia-se a Grã-Bretanha como
tendo lutado uma guerra defensiva para preservar o status quo, e a
Alemanha como um agressor dinâmico em busca de mudar o mundo.
Hoje, essa teoria requer modificações. Tanto a Alemanha como a Grã-
Bretanha estavam procurando, pelo menos em alguns aspectos, preservar o
equilíbrio de poder existente, tal como o percebiam. A Alemanha não podia
se dar ao luxo de perder a Áustria, seja como aliada, seja como grande
potência; a Grã-Bretanha não podia se dar ao luxo de perder a França, seja
como aliada, seja como grande potência. A Alemanha lutou para salvar a
Áustria; a Grã-Bretanha lutou para salvar a França. Em primeira instância,
os dois lados foram à guerra para conservar o que tinham: o seu aliado mais
próximo. Neste sentido, tratava-se — no início, embora apenas no início —
de um conflito defensivo para ambos.
Também era, no caso da casta junker prussiana na Alemanha, uma
guerra defensiva num sentido mais amplo. A oficialidade de Moltke estava
imbuída de um sentido de pessimismo decorrente da incapacidade de
enxergar uma maneira qualquer de preservar seus valores, seu modo de vida
e sua posição dominante por mais tempo — mesmo no interior das
fronteiras da Alemanha.
Devemos a Fritz Fischer a descoberta de que o governo alemão
preparou um programa grandioso de objetivos de guerra em setembro de
1914: um grande projeto. Era expansionista e imperialista. Mas era um
programa de setembro, não de julho. Não foi ele que levou Falkenhayn e
Moltke à ação.
E assim foi, não apenas com os beligerantes de 1914, mas mesmo com
aqueles que entraram na luta mais tarde. O que levava um país a entrar na
guerra nem sempre era a mesma coisa que causava a sua permanência na
guerra. Eles entraram em guerra por um conjunto de razões, mas
desenvolveram outras razões para batalhar contra seus inimigos à medida
que o conflito prosseguia. Suas diferenças com o outro lado se ampliavam,
intensificavam e deslocavam para novos terrenos ou bases. A entrada da
Grã-Bretanha no conflito transformou a guerra europeia numa guerra
global. A entrada da América na guerra e nos negócios mundiais em 1917
mudou as equações de equilíbrio de poder. A participação da América,
juntamente com as duas revoluções russas daquele ano, deu dimensões
ideológicas ao conflito que antes não estavam presentes, mas que deveriam
configurar o resto do século XX.
No começo, contudo, tratava-se simplesmente de as grandes potências
lutando para permanecer onde estavam e para manter o que tinham.
Capítulo 48

QUEM PODERIA IMPEDIR?

Nos poucos dias que lhes deram, políticos europeus experientes e


talentosos lutaram, em julho de 1914, para tentar impedir que a guerra
estourasse. Por que fracassaram? Terão sido, como pretendem alguns,
simplesmente pouco eficientes e habilidosos? Nos noventa anos
transcorridos desde então, a especulação sobre o que poderia ter sido feito
tem sido praticamente infinita. Alguma coisa poderia ter sido feita?
A hipótese comum hoje é de que todos querem a paz, se puder ser
obtida em termos aceitáveis. O que a Europa não entendeu na época foi que,
excepcionalmente, isso não era verdade quanto a dois governos em 1914.
Viena não queria apenas se impor à Sérvia; ela queria provocar uma guerra
com a Sérvia. Berlim não queria se impor à Rússia; queria provocar uma
guerra com a Rússia. Em cada um dos casos, era a própria guerra que o
governo queria — ou, dito de maneira mais precisa, queria subjugar o
adversário numa medida que apenas uma guerra bem-sucedido torna
possível.
São necessários pelo menos dois para manter a paz, mas somente um
para começar uma guerra. Se um governo estiver determinado a
desencadear uma guerra, nenhuma conciliação, não importa o quanto seja
extensiva e imaginativa, poderá impedi-lo. Tendo falhado em compreender
o que lhe aconteceu em 1914, a Europa teve de receber a mesmíssima lição
outra vez com os resultados de Munique, em 1938-39. Somente um poder
oposto equivalente pode deter um governo inclinado a lançar uma invasão.
No caso da guerra da Áustria, Viena reconheceu que não podia sair
impunemente de um ataque à Sérvia, a menos que Berlim oferecesse
proteção. Assegurada a cobertura alemã, ela estava livre para fazer o que
quisesse. E claro, a Áustria também precisava obter (e obteve) a aprovação
e o apoio da Hungria. Depois disso, nada podia impedir a Áustria-Hungria
de marcharem juntas para a guerra.
Os políticos da Europa estavam no escuro sobre os motivos da Áustria,
e consequentemente desorientados. Eles acharam que o Império Habsburgo
era o que fingia ser: um país ferido que queria reparação. Na verdade, ele
não queria a sua ferida remediada; queria um pretexto. A Áustria não
procurava justiça, pois isso a teria privado de uma desculpa para fazer o que
realmente queria: entrar em guerra. Ela expediu um ultimato, não para
obrigar a Sérvia a aceitá-lo, mas antes para forçá-la a rejeitá-lo.
E claro, a pesada máquina do governo austro-húngaro andava
lentamente. No começo de agosto, os Exércitos dos Habsburgo ainda não
tinham iniciado as hostilidades que deviam ter concluído em julho.
Contudo, a passo de lesma, a Monarquia Dual ia diretamente ao seu
objetivo, sem parar, sem se desviar, sem permitir-se ser distraída ou
rechaçada. Sua direção era o campo de batalha, e ela não permitiria que
nada a impedisse de chegar lá.
Poderia a Grã-Bretanha ou a França, ou mesmo a Rússia, ter feito
alguma coisa diferente para impedir a guerra austríaca contra a Sérvia?
Hoje nós temos a satisfação de saber que nada que elas pudessem ter feito
teria impedido a Áustria de atacar a Sérvia. A Áustria queria a guerra e só
poderia ter sido contida pela Alemanha.
Com isto, eis duas virtualidades: duas coisas que podiam ter acontecido.
A primeira é que o governo alemão podia ter seguido as ordens do kaiser na
semana de 27 de julho e retirado o apoio à Monarquia Dual, a menos que
ela concordasse com a paz nos termos da Alemanha. O resultado poderia ter
sido um admirável triunfo diplomático para os aliados germanófonos. A paz
teria sido garantida em termos favoráveis à Áustria e a Sérvia teria sido
severamente punida.
A segunda virtualidade: a Rússia poderia ter se retirado do conflito. Isso
poderia ter ocorrido se ela estivesse convencida da culpa sérvia no caso
Sarajevo. A Rússia poderia ter abraçado a causa da Áustria contra regicidas
e terroristas, e dado a Viena uma carta branca, como fez a Alemanha, para
resolver o problema o melhor que pudesse nas suas transações com a
Sérvia.
Se a Rússia o tivesse feito, teria privado os líderes militares alemães das
condições e pretextos necessários para iniciar sua intentada guerra contra a
Rússia e a França. A guerra mundial teria no mínimo sido adiada e, na
melhor hipótese, evitada.
No caso da guerra da Alemanha, havia muito mais coisas no caminho
dos que queriam iniciar hostilidades. O movimento sindical e os sociais
democratas na Alemanha tiveram de ser derrotados, mas Bethmann
conseguiu isso durante a turbulenta última semana de julho. As complicadas
exigências dos generais alemães — as coisas que tinham de ser feitas antes
que eles pudessem começar sua guerra diziam respeito à Áustria.
Como vimos anteriormente, Viena tinha de ser convencida a
comprometer seus Exércitos num objetivo, a aventura sérvia, e depois, em
vez disso, usá-los em outra aventura: a cruzada da Alemanha contra a
Rússia, que Berlim apresentava em casa como a cruzada russa contra a
Alemanha.
Tudo tendo sido alcançado, contudo, nada havia para impedir o governo
alemão de iniciar a guerra no momento que lhe fosse mais favorável — que
revelou ser o T de agosto de 1914. A mais poderosa potência do continente,
com o Exército mais poderoso do mundo, estava fazendo o que considerava
necessário para manter sua posição. E difícil resistir à conclusão de que
nada poderia tê-la impedido.
A pergunta feita de uma maneira ou de outra ao longo de todo o século
XX foi formulada do seguinte modo pelo historiador James Joll: visto que a
“guerra tinha sido evitada nas crises imediatamente precedentes — 1908,
1911, 1913” — por que “não foi evitada em 1914”?1
Uma resposta possível é que nas crises anteriores nenhuma das grandes
potências queria a guerra. Em 1914, duas delas queriam. E uma razão por
que a Alemanha não quis entrar em guerra naquelas crises anteriores é que
não podia contar com a Áustria — e os generais alemães estavam
convencidos de que sem as tropas austríacas retendo os russos nas semanas
de abertura da guerra, eles poderiam não ganhar.

________________
1 Joll 1992: 234
Capítulo 49

QUEM COMEÇOU?

Grosso modo e brevemente, a resposta é que o governo da Áustria-


Hungria começou sua guerra local com a Sérvia enquanto os líderes
militares alemães começavam uma guerra mundial contra a França e a
Rússia, que ficou conhecida como Primeira Guerra Mundial.
No mundo moderno, as guerras tendem a estourar por uma série
complexa de razões e envolver uma multidão de participantes em vários
níveis do processo de tomada de decisão. Forças impessoais podem entrar
em jogo, assim como pressões institucionais. Predileções e afinidades
culturais podem conformar os acontecimentos. Os vários interesses em jogo
numa sociedade moderna frequentemente tornam a política interna um foco
de atenção tão importante quanto a política internacional na determinação
de quando os países entram em guerra. Ainda assim, casualidades, erros,
equívocos, as características de indivíduos e outros fatores aleatórios
continuam a explicar grande parte do que de fato acontece.
A peculiaridade da Primeira Guerra Mundial é que, apesar de ter
ocorrido nos tempos modernos, relativamente democráticos e em certa
medida suscetíveis à opinião pública, as suas origens tenham envolvido tão
poucas pessoas: um punhado de gente num punhado de países. Não se trata
apenas de um número minúsculo de indivíduos ter tomado as decisões; é
surpreendente que tão poucas pessoas soubessem que coisas estavam
acontecendo ou que decisões devessem ser tomadas ou estavam sendo
tomadas. Foi uma crise que surgiu e foi exaurida em segredo.
É claro, vista numa perspectiva mais ampla, forças poderosas estiveram
em jogo durante décadas e até séculos, até criarem o mundo em que a
Grande Guerra eclodiu: a explosão da Revolução Industrial, a propagação
do nacionalismo, a ascensão da ciência, o triunfo do imperialismo e o
militarismo da sociedade alemã, que era produto de como a Alemanha foi
unificada nos anos 1860 e 1870. Mas nenhum desses movimentos e
acontecimentos de massas explica a eclosão imediata da guerra. Nenhum
revela por que a Europa não riscou o fósforo no material explosivo no verão
de 1913, mas o fez no verão de 1914.
As pessoas que acenderam o estopim eram, é claro, produto dos seus
ambientes familiares, das suas sociedades e das circunstâncias sociais nas
quais agiam. Elas não falavam — ninguém poderia — apenas em seu
próprio nome. Quando Moltke falava, por exemplo, ele o fazia em nome
dos 650 membros do Grande Estado-maior e, até certo ponto, pela
oficialidade como um todo. Ele falava com o peso da sua função; era mais
do que apenas um indivíduo.
Ao sugerir que um ou mais indivíduos começaram a Primeira Guerra
Mundial, estou usando as palavras em seu sentido mais corriqueiro. Quero
dizer que havia homens que queriam começar uma guerra, e que agiram
deliberadamente de modo a começar uma guerra, e que tiveram êxito, pelo
que fizeram, em começar uma guerra. Assim, o detetive do romance
policial, fazendo um resumo dos indícios e provas para os hóspedes na
biblioteca, pode apontar seu dedo acusadoramente e dizer: “Eis o culpado!”
No caso da Alemanha, nós apontamos para Moltke. Ele começou a guerra
mundial, e o fez deliberadamente.
No caso da guerra austro-sérvia, o criminoso óbvio foi Gavrilo Princip.
O adolescente errante e poeta fracassado provavelmente (não com certeza)
imaginou a trama de assassinato em Sarajevo, conduziu-a e, por sua
determinação e persistência, levou-a a cabo apesar das ordens para abortá-
la, dos apelos para desistir e das mudanças de circunstância.

Mas Princip não pretendia inspirar a Áustria a invadir a Sérvia. Muito


pelo contrário, sob interrogatório por seus captores ele tentou evitar que
soubessem de qualquer conexão existente entre os sérvios e ele. Além disso,
o Ministério das Relações Exteriores austro-húngaro já planejava a
destruição da Sérvia antes sequer de Princip atacar. Ao matar o arquiduque
que estivera bloqueando esta opção, o perturbado e confuso terrorista
adolescente de fato abriu a porta para a invasão austríaca, mas Princip não
sabia disto; o que ele fez, neste particular, foi inadvertido.
O kaiser Guilherme, o chanceler Bethmann, o ministro das Relações
Exteriores Jagow e todo um conjunto de seus colegas civis e militares
encorajaram os austríacos a lançar um ataque contra a Sérvia, e portanto
foram diretamente responsáveis pela guerra. No caso do kaiser, há um
atenuante; enquanto pareceu que havia uma solução pacífica, ele optou por
ela entusiasticamente.
O ministro das Relações Exteriores austro-húngaro, conde Leopold von
Berchtold, foi o homem mais responsável por levar a cabo a guerra sérvia.
Em algum momento durante ou após as guerras dos Bálcãs ele decidiu que
o seu país só poderia sobreviver se a Sérvia fosse esmagada e
completamente eliminada como fator político. Parece que ele acreditava
que um triunfo diplomático seria insubstancial e poderia não durar. Somente
a vitória numa guerra poderia alcançar o objetivo dele, e isto só poderia ser
conseguido se a Alemanha impedisse a Rússia de intervir, enquanto a
grande Áustria-Hungria esmagava a pequena Sérvia.
Assim que o cheque em branco da Alemanha foi recebido, Berchtold
pôs mãos à obra para começar a sua guerra. Como Princip, ele era
persistente e inabalável. Recusava-se a ter a sua atenção desviada.
Ele não seria arrastado a conversações ou negociações que poderiam
prendê-lo na armadilha de manter a paz — nem mesmo (e isso confundia
outros líderes) em termos favoráveis. Os outros atores da política europeia
acharam a crise de julho extraordinariamente desconcertante, pois sentiam
que algo estava lhes escapando. O que lhes escapava era o conhecimento de
que Viena não queria a paz. Eles tinham para si que Berchtold esperava
garantir seus termos, os quais bem podiam ser extremos ou radicais. Mas
ele não queria seus termos ou quaisquer termos; preferia fazer a guerra.
Após a guerra (como seu enviado conde Hoyos deixou claro em julho de
1914 em conversações em Berlim), ele não queria (como o kaiser queria)
uma Sérvia subserviente; queria que não houvesse nenhuma Sérvia. Para o
problema que a Sérvia colocava ao seu país, ele queria, poder-se-ia dizer,
uma solução final.
Berchtold operava sob condições de severa desvantagem: a máquina do
Estado austro-húngaro movia-se com uma lentidão estarrecedora. Ele não
pôde andar rápido o bastante para produzir o fait accompli que os alemães
pediram. Tudo levava tempo — tempo durante o qual as potências podiam
impor a paz. Como seus Exércitos não puderam se mexer por semanas, ele
declarou guerra mesmo assim, usando apenas o status “em estado de
guerra” para afastar pacificadores potenciais.
Berchtold estava cercado por sua equipe das Relações Exteriores, os
ativistas herdados de Aehrenthal. Eles podem tê-lo inspirado. O gabinete da
Áustria-Hungria — mesmo Tisza, depois de lhe opor resistência por uma
semana — o apoiou. Todos partilharam sua responsabilidade pela guerra.
Nem precisa ser dito que Conrad foi parceiro integral de Berchtold em
começar a guerra.
Berchtold tinha um grande trunfo ao perseguir sua meta. O ministro das
Relações Exteriores de qualquer outra grande potência seria contido por
seus aliados. Se a Rússia quisesse invadir seu vizinho, a França -que
financiou a expansão militar russa —, ia tentar impedir São Petersburgo de
fazê-lo. Quando a Alemanha interveio no Marrocos em 1911, até a Áustria
se recusou a apoiá-la e assim ajudou a deter Berlim. Apenas um país na
Europa tinha um aliado que não o refrearia — que o apoiaria cegamente.
Era a Áustria, que era apoiada incondicionalmente pela Alemanha e, contra
todas as probabilidades, o único país da Europa a ser liderado por um
homem que estava determinado a começar uma guerra.
Por que Berchtold estava apto a começar uma guerra? A resposta é
porque não havia ninguém para detê-lo. Ele foi o único líder na Europa, nós
agora sabemos, cujos aliados lhe deram carta branca. Deve-se observar,
contudo, que ele não a usou independentemente dos outros. Ele só declarou
guerra quando — e porque — o ministro das Relações Exteriores alemão,
Jagow, lhe disse para fazê-lo. Assim, Jagow foi mais um a começar a guerra
austro-sérvia.
No caso da guerra preventiva contra a Rússia e a França, ela foi por
longo tempo contemplada pelos líderes do Exército alemão. Era uma
proposta política que tendia a emergir toda vez que surgiam crises. Moltke é
geralmente citado como aquele que propunha a opção, mas parece que
falava em nome da oficialidade como um todo. Quando estourou a crise de
julho, contudo, pareceu aos generais alemães que era tempo de agir, não
meramente de falar.
Falkenhayn e Moltke assumiram a iniciativa. Foram eles os oficiais,
apoiados por seus colegas militares, que tomaram a decisão real de fazer a
guerra no verão de 1914. Eles pensavam saber o que estavam fazendo.
Moltke previra que a guerra levaria a civilização europeia à ruína, mas ele a
considerava inevitável. Ele acreditava que tudo o que estava decidindo —
tudo que estava em posição de decidir — era o momento em que a guerra
iria ocorrer. E isto ele decidiu.
Aqui, mais uma vez, confunde-se a questão, se pensarmos em termos de
uma guerra em vez de duas. No princípio — no momento da Afronta e do
cheque em branco — só havia a iniciativa da guerra sérvia sobre a mesa: a
guerra era proposta pelos austríacos. Mas foi o governo civil da Alemanha
que concebeu o plano concreto de operações para a Áustria. E foi esse
governo civil — o chanceler e seu Ministério das Relações Exteriores —
que monitorou o desempenho da Áustria.
Tão pouco progresso havia sido feito pela Monarquia Dual em iniciar a
guerra na última semana de julho (segundo os generais alemães) — ou em
chegar a um acordo (segundo o kaiser) — que nenhum lado na Alemanha
estava propenso a deixar o chanceler, o Ministério das Relações Exteriores
e os austríacos continuarem no comando da operação.
Viena tinha querido começar e vencer a guerra, mas até o fim de julho
tinha falhado em fazê-lo. Tudo o que Viena criou — e o kaiser e Bethmann
— ela não queria criar: uma crise bélica envolvendo, em alguma medida,
todas as outras potências da Europa. Porém, os generais alemães
começaram a ver que a crise bélica era algo que eles queriam.
Tal crise bélica e tal internacionalização criaram confusão. Como
espectadores durante o mês de julho, Moltke, Falkenhayn e outros líderes
militares alemães meditaram sobre os benefícios que podiam tirar de
tamanha confusão. Eles estiveram dispostos a deixar a Áustria viver a sua
aventura sérvia, ainda que pouco significasse para a Alemanha; mas agora a
Áustria tinha estragado tudo, e ao fazê-lo envolveu-se talvez
inextricavelmente, de tal modo que agora a Alemanha podia contar com o
apoio integral do Império Austro-Húngaro para lançar uma nova iniciativa
de guerra, da própria Alemanha — uma guerra contra as demais potências
da Europa.
Portanto, a partir do fim de semana de 25 de julho, o governo alemão
estava em processo de modificar a sua política. O kaiser e o chanceler,
apesar de alguns receios, deixaram Moltke e Falkenhayn fazerem a seu
modo. Na confusão de uma crise bélica europeia, os generais alemães
substituíram espertamente uma guerra por outra. O mundo foi levado a crer,
então e posteriormente, que uma se desdobrou da outra, mas não foi isto o
que aconteceu; uma teve de ser sobrepujada para que a outra pudesse ser
empreendida.
Da parte de Moltke e Falkenhayn, foi um ato supremo de oportunismo.
Ele viram a abertura e prontamente tiraram partido. Foi como se tivessem
visto um avião de passageiros estacionado na pista, reabastecido e pronto
para decolar, o tivessem abordado e tomado, e a mão armada, obrigado o
comandante a desviar do rumo programado para algum lugar na direção
oposta. Moltke e Falkenhayn tiveram êxito num ato de sequestro político
sem precedentes; eles tomaram a guerra de Berchtold contra a Sérvia e a
obrigaram a levá-los à sua própria guerra contra a França e a Rússia.
Capítulo 50

PODERIA ACONTECER OUTRA VEZ?

Na esteira da Primeira Guerra Mundial — nos anos 1920 e 1930 —, os


sobreviventes passaram a encarar o desastroso conflito como uma guerra
civil europeia. Tê-la desencadeado foi condenado seja como um erro
assustador ou como um crime terrível. Considerou-se que a principal lição
da catástrofe era que a humanidade nunca deveria permitir que uma coisa
daquelas acontecesse outra vez.
É claro, aconteceu outra vez, em 1939-1945, quando os Aliados -
França, Grã-Bretanha, Rússia e Estados Unidos — continuaram a luta que
não fora resolvida em 1914-1918. Então, porém, as hostilidades reais entre
as potências sobreviventes — Grã-Bretanha, Rússia e Estados Unidos —
não se desenvolveram quando elas deixaram de alcançar os acordos de paz
que deveriam ter fechado as duas etapas da guerra mundial de 1914-1945.
Em vez disso, elas se voltaram para uma guerra que era “fria”.
Ao administrar a Crise dos Mísseis em Cuba, em 1962, o presidente dos
Estados Unidos John F. Kennedy estava assombrado pelo que acreditava ter
aprendido com a leitura de Os canhões de agosto, de Barbara Tuchman,
sobre as origens da Primeira Guerra Mundial. Ele achava que a guerra tinha
resultado de uma reação em cadeia não intencional.
A geração de Kennedy foi educada nos anos entre guerras, numa época
em que o principal texto americano, The Origins of the World War [As
Origens da Guerra Mundial], de Sidney B. Fay, ensinava que nenhuma das
grandes potências tinha querido uma guerra entre si. Elas teriam sido,
todavia, arrastadas à Grande Guerra, pela qual a Áustria-Hungria seria mais
responsável do que outros países, embora nem mesmo Viena tenha feito a
guerra acontecer. Opiniões semelhantes foram popularizadas por Tuchman,
cujo livro alcançou um público de massa.
Baseados em indícios disponíveis naqueles tempos pré-Fischer, os
ensinamentos de Fay pareciam aproximar-se da verdade, e mesmo na
Europa, estudiosos e políticos de peso chegaram a conclusões muito
semelhantes às dele.
Em suas memórias de guerra, o ex-primeiro-ministro David Lloyd
George afirmou celebremente que “as nações escorregaram por sobre a
borda do caldeirão fervente da guerra sem o menor traço de apreensão ou
desânimo”.1 Raymond Aron, um dos maiores pensadores políticos do
século XX, viu na história de 1914 “o desencadeamento da Primeira Guerra
Mundial, que nenhum dos atores principais desejava direta ou
conscientemente. 2
A lição a ser tirada da Primeira Guerra Mundial, dizia-se ao mundo, é
que os governos devem ter cuidado para não perder o controle. Eles não
devem permitir que confrontos transbordem inadvertidamente em
hostilidades. Não devem permitir que pequenas guerras cresçam em escala
até virarem grandes guerras. Não devem permitir que queimadas se
transformem em incêndios florestais.
Eis boas lições a serem aprendidas, mas não é julho de 1914 que as
ensina. O fato de a Europa entrar em guerra naquela época nada tem de
casual. Foi resultado de decisões premeditadas de dois governos. Uma vez
esses dois países tendo invadido os seus vizinhos, não havia como os
vizinhos manterem a paz. Foi isso o que aconteceu na Segunda Guerra
Mundial; em Pearl Harbor, ao lançar seu ataque, o Japão não tomou uma
decisão guerra-ou-paz apenas para si próprio, mas também para os
relutantes Estados Unidos. Tampouco a América tinha outra escolha na
Europa de 1941; a Alemanha de Hitler declarou guerra aos Estados Unidos,
ao que a América foi obrigada a responder.
Repetindo, são necessários pelo menos dois para manter a paz, mas
somente um para começar uma guerra. E isso quer dizer que pode acontecer
outra vez. Mesmo hoje, um agressor pode começar uma guerra maior, e
mesmo que outras grandes potências desejem ficar em paz — a menos que
outras nações tenham poder suficiente para detê-lo.
Pelo menos uma coisa mudou muito desde aquele tempo até agora. Em
1914, a guerra iminente foi uma surpresa quase completa para o público.
No mundo aberto de hoje, é provável que tenhamos ao menos algum tipo de
advertência prévia. Isso daria aos povos e Parlamentos pelo menos a chance
de fazerem conhecer suas opiniões. O quanto esta diferença pode significar
é difícil prever.
________________
1 Mombauer 2002: 95
2 Aaron 1990: 275
Capítulo 51

RESUMINDO

O conflito internacional no verão de 1914 consistiu em duas guerras,


não em uma. Ambas foram iniciadas deliberadamente. Foram começadas
por impérios rivais ligados por necessidades recíprocas. Uma guerra foi
iniciada pelo Império Habsburgo e a outra pelo Império Alemão. Em cada
caso, a decisão de começar a guerra foi tomada por poucos indivíduos da
mais alta hierarquia, cujas respectivas populações não sabiam que aquelas
decisões estavam sendo consideradas e muito menos tomadas.
O objetivo das guerras foi o poder. Especificamente, tratava-se da escala
de poder relativa às grandes potências europeias que na época dominavam a
maior parte do mundo. Tanto a Alemanha como a Áustria acreditavam estar
decadentes. Ambas iniciaram a guerra em vista de permanecer onde
estavam.
Como muitas guerras terríveis mas pequenas nos Bálcãs, a guerra
austríaca contra a Sérvia foi um episódio menor da história. Teria sido
rapidamente esquecido, não tivesse propiciado aos generais alemães as
condições de que necessitavam para poder começar a sua própria guerra:
um conflito europeu, o qual se desdobrou em conflito mundial. Embora os
soldados nas trincheiras por quatro longos anos desde 1914 tenham
começado a acreditar que a guerra não tinha sentido, isso não era verdade.
Ela girava em torno da questão mais importante na política: quem deveria
dominar o mundo.
A questão foi aberta em 1914 pela guerra alemã. Nas décadas que se
seguiram, novas potências e forças surgiram para disputá-la. A questão de
saber se a Alemanha ou a Rússia deviam dominar a Europa e se a Europa
deveria continuar a dominar a África e grande parte da Ásia se sobrepunha
e coincidia com ideologias rivais: comunismo, fascismo, nazismo,
democracia liberal e outras. No começo da década de 1990, finalmente a
questão parecia estar respondida. Quase todos os povos do mundo
governavam a si mesmos, em vez de serem governados por estrangeiros; e a
maioria aspirava à democracia, seja lá como a definisse.
A decisão de fazer a guerra em 1914 tinha um objetivo significativo; e a
própria guerra não foi, como gerações de historiadores pensaram, sem
sentido. Ao contrário, ela foi travada para decidir questões essenciais de
política internacional: quem alcançaria o domínio da Europa e,
consequentemente, do mundo, e sob a bandeira de que fé.
Epílogo
Capítulo 52

A GUERRA DA ÁUSTRIA

Desde o começo — isto é, desde meados de junho, quando Berchtold


colocou seu Ministério das Relações Exteriores para trabalhar num plano a
intenção de Viena era subjugar a Sérvia sem interferências exteriores. O
sonho austríaco era ser capaz de concentrar todos os seus recursos na
campanha sérvia. Viena declarou guerra à Sérvia em 28 de julho. Conrad
von Hötzendorf, chefe do Estado-maior austríaco, enviou prontamente
metade do seu Exército à fronteira sérvia por estrada de ferro, com a outra
metade de reserva para apoiar.
Os austríacos souberam quase imediatamente que eles e seus aliados
alemães estavam trabalhando em propostas conflitantes. Viena tinha
planejado sua invasão da Sérvia na crença de que Berlim tomaria medidas
para manter a Rússia fora da guerra. Em vez disso, a Alemanha estava
deliberadamente fazendo a Rússia entrar na guerra.
A Alemanha optou pela guerra na semana de 27 de julho e fez seu
movimento final em 31 de julho. A mobilização foi ordenada naquele dia, a
ser seguida por uma declaração de guerra contra a Rússia no dia seguinte.
Moltke e seus colegas em Berlim disseram a Conrad para abandonar a
campanha sérvia por um tempo e enviar o grosso do seu Exército para a
fronteira russa, deixando apenas uma força grandemente reduzida para se
defender contra algum possível ataque sérvio. Se Conrad concordasse — se
deslocasse suas tropas para novas posições antes de terem tomado as
antigas corria o risco de produzir uma confusão administrativa.
A logística de tal deslocamento era desafiadora. De qualquer modo,
Conrad não queria fazê-lo. Estivera planejando a realização de uma guerra
sérvia por tantos anos que deve ter lhe parecido intolerável abrir mão na
última hora — justo quando tinha conseguido a autorização — para ajudar a
Alemanha em primeiro lugar. Ele decidiu que suas forças permaneceriam na
campanha sérvia por um tempo, e depois uma parte seria retirada em 18 de
agosto e transferida para a frente russa.
Conrad queria descontar o cheque em branco alemão antes de a
Alemanha ter a chance de sustá-lo. Estava tentando lançar em agosto a
invasão da Sérvia que devia ter iniciado — e concluído — em julho. Numa
carta a Moltke datada de 2 de agosto, ele explicou que continuaria a
conduzir suas operações na Sérvia de modo a impedir que a Rússia entrasse
na guerra.
Uma das coisas que emerge das várias explicações de Conrad é que ele
não entendeu que a política e os objetivos da Alemanha haviam mudado.
Em 5-6 de julho, o kaiser tinha esperado — e tinha certeza disso — que a
Europa ficasse inativa, fora da esfera principal, enquanto a Áustria
conseguia submeter a Sérvia. A política alemã era convencer a Rússia, a
França, a Grã-Bretanha e outros a não se meterem. Mas animada por
Moltke, Falkenhayn e seus colegas, Berlim tinha mudado de posição.
Conrad recebeu a notícia de que a Alemanha já não estava mais apoiando a
guerra austríaca e que agora a Áustria tinha de apoiar a guerra alemã.
Moltke e Conrad jamais coordenaram de fato os seus planos de guerra.
Como cada um deles se propunha a usar o outro para seus próprios fins, os
dois chefes militares podem ter sentido que não podiam se dar ao luxo de
ser francos demais um com o outro. De qualquer modo, eles estavam
pagando o preço dessa política nos meses de abertura da guerra, cada um
buscando a seu modo a própria conveniência.
Conrad queria a Rússia dissuadida. Ele preferia não entrar em guerra
com os russos — ou os franceses, ou mais tarde os britânicos, ou ainda mais
tarde, os americanos. Tal como Conrad o via, o papel da Alemanha era
manter a Rússia fora da luta — e não trazê-la para o conflito. O único país
com que Conrad queria lutar no verão de 1914 era a Sérvia.*
Porém, como demonstrou a história pré-Sarajevo, a Alemanha não via a
Sérvia como um perigo. Não sentia necessidade de eliminar o reino
balcânico. Eram Conrad e o seu governo que temiam a Sérvia. Moltke
temia a Rússia e a França. Do ponto de vista da Alemanha, a única utilidade
do conflito sérvio era que comprometia a Áustria a permanecer fiel à
Alemanha na guerra desta contra a Rússia e a França. Em 1º de agosto de
1914, esse objetivo tinha sido alcançado. Do ponto de vista de Moltke, a
questão sérvia já havia servido ao seu propósito. Da perspectiva de Conrad,
contudo, ainda não.
Assim, Conrad bancou o gazeteiro nas primeiras semanas das duas
guerras entrelaçadas: ordenou a seus soldados que fossem de trem para o
sul, em vez de para o norte. Assim fazendo, ele surrupiou para seu país a
chance passageira de empreender seu duelo particular com a Sérvia, um
contra um. Seus Exércitos invadiram a Sérvia. Eles forçaram os sérvios a
batalhar. E — violenta e esmagadoramente — os austríacos foram
derrotados!
Os Exércitos dos Habsburgo parecem nunca ter se recuperado dos seus
equívocos iniciais de posicionamento e deslocamento. Depois de atacarem a
Sérvia e serem derrotados, a sua guerra particular estava concluída, e eles se
juntaram ao conflito mais amplo. Deslocaram-se para a frente russa e
também foram esmagados lá.
No começo de dezembro de 1914, o Império Habsburgo, segundo John
Keegan, já não era mais uma grande potência militar;1 nos diz ele que
perdera 1.268.000 homens dos 3.350.000 mobilizados.2 A Áustria
continuou a lutar, sob as ordens dos seus comandantes alemães, numa luta
mais para sobreviver do que para conquistar.
Conrad estava desalentado. No começo da guerra, tendo recebido uma
medalha, ele comentou: “Se ao menos eu soubesse por quê.”3 Quando os
fracassos aumentavam, ele confidenciou a colegas que perder a guerra lhe
“custaria o conforto da minha amada Gina”.4 Ele estava consumido pela
autopiedade. Toda a culpa, refletiu ele, será “descarregada sobre mim. Eu
terei provavelmente que sair de cena como um fora da lei. Eu não tenho um
lar, não tenho uma esposa que fique a meu lado nos meus anos finais”.5
Ele se recordava do seu mentor esporádico, o arquiduque Francisco
Ferdinando, que tanto se preocupava com o seu amado Exército austríaco, e
que, ano após ano, se opôs aos planos de lutar contra a Sérvia e de se
indispor com a Rússia: o arquiduque, cujo assassinato fora cinicamente
explorado por Viena para provocar a guerra que ele próprio tão
ardentemente obstava. O fantasma de Francisco Ferdinando se avultava
sobre o mundo naquele verão. O que teria ele pensado? O que teria dito? O
que teria feito? Estivesse ainda vivo, teve Conrad de admitir, o arquiduque
“teria me matado”.6

________________
* Conrad era belicoso e, em outras circunstâncias, ficaria feliz de
começar uma guerra contra vizinhos como a Itália.
1 Keegan 1999: 170
2 Ibid.
3 Herwig 1997: 91
4 Ibid.: 92
5 Ibid.: 26
6 Ibid.: 94
Capítulo 53

A GUERRA DA ALEMANHA

Berchtold (especialmente em julho) e Conrad (especialmente em


agosto) foram os agentes ativos que levaram a Áustria à guerra contra a
Sérvia. Eles o fizeram com total apoio do Gabinete e do Ministério das
Relações Exteriores da Monarquia Dual, e no mínimo com a aprovação do
imperador ancião. Não há dúvidas de que os dois homens o tenham feito —
e querido fazê-lo. A única questão a este respeito é a extensão em que
Berchtold terá sido influenciado por sua equipe do Ministério das Relações
Exteriores.
Berchtold é frequentemente citado como a pessoa isolada mais
responsável pela guerra mais ampla. Isto, como agora podemos ver, não é
verdade. A acusação confunde as duas guerras. O que ele queria era a
guerra sérvia, não a outra. Estava disposto a arriscar a guerra maior se
tivesse de fazê-lo, mas não era o que ele desejava.
Era Moltke quem queria a guerra contra a Rússia e a França. Ele sempre
se absteve — ou foi impedido — de iniciar essa guerra em crises passadas
porque as circunstâncias nunca foram totalmente adequadas. Tudo tinha de
estar no lugar: a autoridade do kaiser tinha de estar declinante, a
participação austríaca tinha de estar garantida, e a Rússia tinha de parecer o
agressor. Repentinamente, perto do fim de julho de 1914, tudo realmente se
encaixou. Moltke agarrou a chance; ele viu que sua hora tinha chegado, e
tratou de aproveitar. Sua ardilosa substituição da guerra de Berchtold pela
sua na agenda de julho de Berlim foi uma espécie de conto-do-vigário que
manteve as gerações subsequentes no escuro sobre quem teria causado a
guerra. Ele trocou a política do começo de julho por uma política do final
de julho, e uma guerra pela outra.
Ele não poderia tê-lo feito se não representasse uma força maior do que
ele próprio. Ele representava a casta da oficialidade junker prussiana, cuja
militarização da vida alemã levou à guerra. A cultura militarista alemã fora
identificada em 1914 como a causa da guerra iminente por, entre outros,
coronel House.

A Alemanha declarou guerra à Rússia em 1º de agosto. Sua escala de


atividades era o plano de Moltke. O plano exigia que o Exército alemão
marcasse o seu rendez-vous com o destino em solo francês em seis
semanas. Lá e então, ele faria a França, aliada da Rússia, entrar na batalha.
A batalha seria decisiva. Sua pretensão era eliminar a França da guerra,
eliminá-la da aliança com a Rússia, eliminá-la da história política da
Europa.
Seis semanas após o 1º de agosto, o Exército alemão teve de fato o seu
rendez-vous com o destino em solo francês. Para os amigos da França e da
Grã-Bretanha, foi uma disputa feroz, de ficar com o coração na mão; os
alemães quase ganharam. Mas a França e a Grã-Bretanha ganharam. E a
batalha — a primeira batalha do Marne — foi decisiva. O que ela decidiu
foi que nenhum dos lados poderia obter uma vitória rápida ou uma vitória
real. Em vez disso, o conflito deveria tornar-se um torneio de resistência
com anos de duração, arruinando vencedor e vencido igualmente.
Tampouco os seus resultados em 1918 foram conclusivos, pois as partes não
os aceitaram como tal.
A guerra entre a Alemanha, de um lado, e Rússia, França, Grã-Bretanha
e Estados Unidos, do outro, recomeçou em 1939-1941; e também falhou em
resolver a questão de que potência teria supremacia no continente — e se os
Estados Unidos e a Grã-Bretanha aceitariam essa supremacia. O conflito
que os militares alemães iniciaram ao declarar guerra contra a Rússia em 1º
de agosto de 1914 só chegou ao fim quando o último soldado russo saiu do
solo alemão, em 31 de agosto de 1994.

Durante quase um século, o debate foi acalorado entre os participantes


e, depois, entre estudiosos sobre a batalha decisiva com a qual concluiu-se o
plano de Moltke: a batalha do Marne, em setembro de 1914. Do lado
alemão, a questão era se tinha sido Moltke ou seu jovem enviado Richard
Hentsch quem ordenou a retirada e o reagrupamento atrás do Marne; e se
ter ordenado a retirada foi uma decisão correta ou causou a derrota quando
a vitória era certa. Na época, 33 generais alemães foram demitidos pelo
kaiser. Pouco depois, Moltke também perdeu seu emprego. Guilherme foi
implacável.
Moltke, obviamente, não podia ter previsto todo o horror da longa
guerra do século XX (a guerra de 1914 que levou à de 1939, a qual levou à
Guerra Fria), nem as dezenas de milhões que morreriam ou a multidão de
consequências a que a guerra direta ou indiretamente deu lugar. Mas ele
sabia muito bem quem havia começado a guerra.
Em junho de 1915, Moltke, que fora transferido para uma função que
ele considerava de pouca importância, queixou-se disso ao seu amigo
general (barão) Colmar von der Goltz. “E terrível ser condenado à
inatividade nesta guerra”, escreveu ele ao amigo: “Esta guerra que eu
preparei e iniciei” (grifo meu).1 Não deixa de ser um pensamento
impressionante que este indubitavelmente modesto, habitual e ordinário
oficial de carreira do Exército tenha, na medida em que qualquer indivíduo
possa tê-lo feito, começado a Grande Guerra e com isso anunciado o século
XX, com todos os seus horrores e prodígios.

________________
1 Mombauer 2001: 281
Apêndice 1

A NOTA AUSTRÍACA

Conde Berchtold, ministro austríaco das Relações Exteriores, para


conde Mensdorff, embaixador austríaco em Londres. (Comunicado pelo
conde Mensdorff, 24 de julho de 1914.) (Tradução.) (British Documents in
Public Record Office.)
O governo austro-húngaro sentiu-se obrigado a dirigir a seguinte nota
ao governo sérvio no dia 23 de julho, por intermédio do representante
austro-húngaro em Belgrado:

“Em 31 de março de 1909, o representante sérvio em Viena, instruído


pelo do governo sérvio, fez a seguinte declaração ao Governo Imperial e
Real:
“A Sérvia reconhece que o fait accompli concernente à Bósnia não
afetou os seus direitos, e consequentemente ela irá conformar-se com as
decisões que as Potências possam tomar em conformidade com o artigo 25
do Tratado de Berlim. Em deferência ao conselho das grandes potências, a
Sérvia concorda em renunciar de agora em diante à atitude de protesto e
oposição por ela adotada em relação à anexação desde o outono passado.
Além disso, ela concorda em modificar a direção da sua política em relação
à Áustria-Hungria e a viver futuramente em termos de boa vizinhança com
esta última.
“Os acontecimentos dos anos recentes, e particularmente os dolorosos
acontecimentos de 28 de junho passado, revelaram a existência de um
movimento subversivo com o objetivo de separar uma parte dos territórios
da Áustria-Hungria da Monarquia. O movimento, que nasceu sob os olhos
do governo sérvio, desenvolveu-se a ponto de manifestar-se de ambos os
lados da fronteira sérvia na forma de atos terroristas e de uma série de
afrontas e assassinatos.
“Longe de pôr em prática as responsabilidades formais contidas na
declaração de 31 de março de 1909, o Governo Real Sérvio nada fez para
reprimir esses movimentos. Ele permitiu as maquinações criminosas de
várias sociedades e associações dirigidas contra a Monarquia, e tolerou a
expressão irrestrita por parte da imprensa, a glorificação dos perpetradores
de afrontas, e a participação de oficiais e funcionários na agitação
subversiva. Ele permitiu a realização de propaganda perniciosa na instrução
pública, ele permitiu, em resumo, toda a manifestação de natureza a incitar
a população sérvia ao ódio contra a Monarquia e ao desrespeito por suas
instituições.
“Essa tolerância culpável do Governo Real Sérvio não cessou no
momento em que os acontecimentos de 28 de junho último deram provas a
todo o mundo das suas consequências fatais.
“Resulta dos depoimentos e confissões dos criminosos perpetradores da
afronta de 28 de junho que os assassinatos de Sarajevo foram planejados em
Belgrado; que as armas e explosivos à disposição dos assassinos foram
fornecidas por oficiais e funcionários sérvios pertencentes à Narodna
Odbrana; e finalmente, que a entrada dos criminosos e suas armas na
Bósnia foi organizada e levada a efeito pelos chefes do serviço de fronteiras
sérvio.
“Os resultados, acima mencionados, da investigação judicial não
permitem que o governo austro-húngaro persevere na atitude de abstenção
expectante que vem mantendo há anos perante as maquinações urdidas em
Belgrado e dali propagadas aos territórios da Monarquia. Os resultados, ao
contrário, impõem ao governo austro-húngaro o dever de pôr um termo às
intrigas que constituem uma ameaça perpétua à tranquilidade da
Monarquia.
“Para alcançar este fim, o Governo Imperial e Real se vê obrigado a
exigir do Governo Real Sérvio uma garantia formal de que condena essa
perigosa propaganda contra a Monarquia; noutras palavras, toda a gama de
propostas cujo fim último é separar dos territórios da Monarquia, que a ela
pertencem; e de que assume a responsabilidade de reprimir por todos os
meios essa propaganda criminosa e terrorista.
“Para dar um caráter formal a essa responsabilidade, o Governo Real
Sérvio deve publicar na primeira página do seu ‘Jornal Oficial’ de 26 de
julho a seguinte declaração:
“O Governo Real da Sérvia condena a propaganda terrorista
dirigida contra a Áustria-Hungria — i.e., a proposta geral cujo objetivo
final é separar da Monarquia Austro-Húngara territórios a ela
pertencentes, e deplora sinceramente as consequências fatais dessas
ações criminosas.
“O Governo Real lamenta que oficiais e funcionários sérvios
tenham participado da propaganda acima mencionada e deste modo
comprometido as relações de boa vizinhança com as quais o Governo
Real estava solenemente comprometido por sua declaração de 31 de
março de 1909.
“O Governo Real, que desaprova e repudia toda ideia de interferir
ou tentar interferir nos destinos dos habitantes de toda e qualquer parte
da Áustria-Hungria, considera seu dever formal advertir os seus
oficiais e funcionários, e toda a população do reino, de que doravante
irá proceder com o máximo rigor contra as pessoas que possam ser
culpadas de tais maquinações, contra as quais usará todo o seu esforço
para antecipar e frustrar.

“Esta declaração deve ser comunicada simultaneamente ao Exército


Real como ordem do dia de sua Majestade o Rei, e deve ser publicada no
Boletim Oficial do Exército.

“O Governo Real Sérvio se compromete igualmente:

“1. A reprimir quaisquer publicações que incitem à desobediência


ou ao ódio contra a Monarquia Austro-Húngara, e cuja proposta geral
é dirigida contra a sua integridade territorial;
“2. A dissolver imediatamente a sociedade intitulada Narodna
Odbrana, a confiscar todos os seus meios de propaganda, e a proceder
de modo semelhante contra outras sociedades e suas ramificações na
Sérvia que façam propaganda contra a Monarquia Austro-Húngara. O
Governo Real deve tomar as medidas necessárias para impedir as
sociedades dissolvidas de darem prosseguimento às suas atividades
sob outro nome e sob outra forma;
“3. A eliminar sem demora da instrução pública na Sérvia, tanto no
tocante ao seu corpo docente como no tocante aos seus métodos de
ensino, tudo o que sirva ou possa servir para fomentar a propaganda
contra a Áustria-Hungria;
“4. A remover do serviço militar, e da administração em geral,
todos os oficiais e funcionários culpados de propaganda contra a
Monarquia Austro-Húngara, cujos nomes o Governo Austro-Húngaro
se reserva o direito de comunicar ao Governo Real;
“5. A aceitar a colaboração na Sérvia dos representantes do
Governo Austro-Húngaro para a supressão do movimento subversivo
dirigido contra a integridade territorial da Monarquia;
“6. A tomar medidas judiciais contra cúmplices da trama de 28 de
junho que estão em território sérvio; delegados do Governo Austro-
Húngaro tomarão parte nessa investigação;
“7. A impedir por meio de medidas efetivas a cooperação de
autoridades sérvias no tráfico ilícito de armas e explosivos através das
fronteiras, a demitir e punir severamente os funcionários do serviço de
fronteiras em Schabatz e Loznica, culpados de terem prestado
assistência aos perpetradores do crime de Sarajevo, facilitando a sua
passagem pela fronteira;
“8. A fornecer ao Governo Imperial e Real as explicações relativas
aos pronunciamentos injustificáveis de altos funcionários sérvios, tanto
na Sérvia como no estrangeiro, os quais, apesar da sua posição oficial,
não hesitaram, desde o crime de 28 de junho, em se expressar em
entrevistas em termos de hostilidade para com o Governo Austro-
Húngaro; e, finalmente;
“9. A notificar sem demora o Governo Imperial e Real da execução
das medidas incluídas nos parágrafos precedentes.

“O Governo Austro-Húngaro espera a resposta do Governo Real no


mais tardar até às seis horas da tarde de sábado, 25 de julho.
“Um memorando relativo aos resultados do inquérito judicial em
Sarajevo a respeito dos oficiais mencionados nos parágrafos (7) e (8) está
anexado a esta nota.”
Tenho a honra de solicitar a vossa Excelência que leve o conteúdo desta
nota ao conhecimento do governo junto ao qual o senhor está credenciado,
acompanhando a sua comunicação com as seguintes observações:
Em 31 de março de 1909, o Governo Real Sérvio dirigiu à Áustria-
Hungria a declaração cujo texto é reproduzido acima.
No dia seguinte a esta declaração, a Sérvia abraçou uma política de
insuflar ideias revolucionárias nos súditos sérvios da Monarquia Austro-
Húngara, preparando deste modo a separação do território austro-húngaro
na fronteira sérvia.
A Sérvia tornou-se o centro de uma agitação criminosa.
Nenhum tempo foi perdido na formação de sociedades e grupos cujos
objetivos, sejam admitidos ou secretos, eram a criação de desordens no
território austro-húngaro. Essas sociedades e grupos contam entre seus
membros com generais e diplomatas, funcionários de governo e juízes —
em resumo, membros do primeiro escalão da sociedade oficial e não oficial
do reinado.
O jornalismo sérvio é quase inteiramente dedicado ao serviço dessa
propaganda, a qual é voltada contra a Áustria-Hungria, e não passa um dia
sem os órgãos da imprensa sérvia incitarem os seus leitores ao desrespeito
ou ao ódio contra a Monarquia vizinha, ou a afrontas dirigidas mais ou
menos abertamente contra a sua segurança e a sua integridade.
Um grande número de agentes é empregado na condução por todos os
meios da agitação contra a Áustria-Hungria e da corrupção dos jovens nas
províncias fronteiriças.
Desde a recente crise dos Bálcãs, houve um recrudescimento do espírito
de conspiração inerente aos políticos sérvios, o que deixou uma trilha
sanguinária clara na história do reinado; indivíduos antes pertencentes a
bandos empregados na Macedônia vieram para se colocar à disposição da
propaganda terrorista contra a Áustria-Hungria.
Diante dessas ações, às quais a Áustria-Hungria tem sido exposta há
anos, o governo sérvio não pensou ser responsabilidade sua tomar a menor
providência que fosse. Portanto, o Governo Sérvio fracassou no dever a ele
imposto pela declaração solene de 31 de março de 1909, agindo
contrariamente à vontade da Europa e à responsabilidade conferida à
Áustria-Hungria.
A paciência do Governo Imperial e Real em face da atitude de
provocação da Sérvia se inspirava no desinteresse da Monarquia Austro-
Húngara e na esperança de que o governo sérvio acabasse, apesar de tudo,
reconhecendo o verdadeiro valor da amizade da Áustria-Hungria.
Observando uma atitude benevolente em relação aos interesses políticos da
Sérvia, o Governo Imperial e Real tinha esperanças de que o Reino, por sua
vez, iria finalmente se decidir por uma linha de conduta análoga.
Especificamente, a Áustria-Hungria esperou um desenvolvimento deste tipo
nas ideias políticas da Sérvia quando, após os acontecimentos de 1912, o
Governo Imperial e Real, por sua atitude desprendida e desinteressada,
tornou possível uma ampliação tão considerável da Sérvia.
A benevolência que a Áustria-Hungria mostrou ao Estado vizinho não
teve efeitos restritivos sobre a conduta do reino, que continuou a tolerar a
propaganda em seu território, cujas consequências fatais foram
demonstradas para todo o mundo em 28 de junho último, quando o
Herdeiro Aparente da Monarquia e sua ilustre consorte caíram vítimas de
um complô urdido em Belgrado.
Diante desse estado de coisas, o Governo Imperial e Real sentiu-se
obrigado a tomar novas e urgentes medidas em Belgrado, em vista de
induzir o governo sérvio a deter o movimento incendiário que está
ameaçando a segurança e a integridade da Monarquia Austro-Húngara.
O Governo Imperial e Real está convencido de que, tomando essas
medidas, ele está plenamente de acordo com os sentimentos de todas as
nações civilizadas, que não podem permitir que o regicídio se torne uma
arma que possa ser usada impunemente pelos movimentos emanando de
Belgrado.
Em apoio ao acima exposto, o Governo Imperial e Real mantém um
dossiê à disposição do governo britânico, elucidando as intrigas sérvias e a
conexão existente entre essas intrigas e o assassinato de 28 de junho.
Uma comunicação idêntica foi endereçada aos representantes imperiais
e reais credenciados junto às outras Potências signatárias.
O senhor está autorizado a deixar uma cópia deste despacho nas mãos
do ministro das Relações Exteriores.

Viena, 24 de julho de 1914

Anexo

O inquérito criminal aberto pela Corte de Sarajevo contra Gavrilo


Princip e seus cúmplices durante e antes do ato do assassinato cometido por
eles em 28 de junho último chegou até o presente às seguintes conclusões:

1. A trama, tendo como objeto o assassinato do arquiduque


Francisco Ferdinando na ocasião da sua visita a Sarajevo, foi montada
em Belgrado por Gavrilo Princip, Nedeljiko Cabrinovic, um certo
Milan Ciganovic, e Triiko Grabez, com a assistência do comandante
Voija Tankosic.
2. As seis bombas e quatro pistolas Browning e munição com que
as partes culpadas cometeram o ato foram fornecidas a Princip,
Cabrinovic e Grabez por Milan Ciganovic e o comandante Voija
Tankosic, em Belgrado.
3. As bombas são granadas de mão oriundas do depósito de armas
do Exército sérvio em Kragujevac.
4. Em vista de garantir o sucesso do ato, Ciganovic ensinou
Princip, Cabrinovic e Grabez a usar as bombas, e deu aulas de tiro com
pistolas Browning para Princip e Gabrez numa floresta perto do campo
de treinamento de tiro em Topschider.
5. Para permitir que Princip, Cabrinovic e Grabez cruzassem a
fronteira e fizessem entrar seu contrabando de armas secretamente, um
sistema secreto de transporte foi organizado por Ciganovic.

Por meio desse arranjo, a introdução de criminosos e armas na Bósnia-


Herzegóvina foi efetuada pelos funcionários no controle das fronteiras em
Chabac (Rade Popovic) e Loznica, assim como o funcionário da alfândega
Rudivoj Grbic, de Loznica, com assistência de vários indivíduos.
Apêndice 2

A RESPOSTA SÉRVIA

Segunda-feira, 27 de julho

Resposta do Governo Sérvio à Nota Austro-Húngara. (Comunicada


pelo representante sérvio, 27 de julho.)
(Tradução.) (British Documents in Public Record Office.)

O Governo Real Sérvio recebeu o comunicado do Governo Imperial e


Real corrente e está convencido de que sua resposta irá dirimir qualquer
mal-entendido que possa ameaçar prejudicar as relações de boa vizinhança
entre a Monarquia Austro-Húngara e o Reino da Sérvia.
Conscientes do fato de que os protestos feitos tanto na tribuna da
Skupstina [Assembleia Nacional da Sérvia] como nas declarações e ações
dos representantes de Estado responsáveis — protestos estes que foram
interrompidos pelas declarações feitas pelo governo sérvio em 18 de março
de 1909 — não foram renovados em nenhuma ocasião em relação à grande
Monarquia vizinha, e que nenhuma tentativa foi feita desde então, seja
pelos sucessivos governos reais ou por seus órgãos, para mudar o estado de
coisas criado na Bósnia e na Herzegóvina, o Governo Real chama atenção
para o fato de que, neste particular, o Governo Imperial e Real não fez
nenhuma representação, exceto uma concernente a um livro escolar, ocasião
em que o Governo Imperial e Real recebeu uma explicação inteiramente
satisfatória. A Sérvia deu provas várias vezes da sua política pacífica e
moderada durante a crise dos Bálcãs, e foi graças à Sérvia e ao sacrifício
que ela fez no interesse exclusivo da paz europeia que a paz foi preservada.
O Governo Real não pode ser responsabilizado por manifestações de caráter
privado, como artigos na imprensa e no funcionamento pacífico de
sociedades — manifestações que ocorrem em quase todos os países no
curso normal dos acontecimentos, as quais, como regra geral, escapam ao
controle oficial. O Governo Real absolutamente não é responsável, haja
vista o fato de que, na hora da solução de uma série de questões levantadas
entre a Sérvia e a Áustria-Hungria, ele deu provas de uma grande
disposição de assentir, logrando desse modo acordar a maioria dessas
questões à vantagem dos dois países vizinhos.
Por essas razões, o Governo Real ficou penalizado e surpreso diante das
declarações, segundo as quais membros do Reino da Sérvia teriam
participado nos preparativos do crime cometido em Sarajevo; o Governo
Real esperava ser convidado a colaborar numa investigação de tudo o que
diz respeito a este crime, e a fim de provar a correção da sua atitude, estava
pronto a tomar medidas contra quaisquer pessoas contra quem fossem feitas
representações. De acordo, consequentemente, com o interesse do Governo
Imperial e Real, o Governo Real está preparado para entregar para qualquer
processo qualquer súdito sérvio, sem consideração por sua situação ou
posição social, cujas provas de cumplicidade no crime de Sarajevo sejam
apresentadas, e mais especialmente ele empreende mandar publicar na
primeira página do Jornal Oficial na data de 26 de julho a seguinte
declaração:
“O Governo Real da Sérvia condena toda propaganda que possa ser
dirigida contra a Áustria-Hungria; todas as propostas que visam em última
análise separar da Monarquia Austro-Húngara territórios que dela fazem
parte, e deplora sinceramente as consequências perniciosas de tais
movimentos criminosos. O Governo Real lamenta que, segundo o
comunicado do Governo Imperial e Real, certos funcionários e oficiais
sérvios possam ter tomado parte na propaganda acima mencionada e desse
modo comprometido a boa relação de vizinhança com a qual o Governo
Real Sérvio está solenemente comprometido pela declaração de 31 de
março de 1909, declaração esta que desaprova e repudia toda ideia ou
tentativa de interferência no destino dos habitantes de qualquer parte da
Áustria-Hungria, e o Governo Real considera seu dever prevenir
formalmente seus funcionários, oficiais e toda a população do reino de que
doravante irá tomar as medidas mais rigorosas contra todos aqueles que
forem culpados de tais atos, os quais ele irá empenhar o seu máximo
esforço para impedir e reprimir.”
Esta declaração será levada ao conhecimento do Exército Real numa
ordem do dia em nome de Sua Majestade o Rei, por Sua Alteza Real o
Príncipe Herdeiro Alexandre, e será publicada no próximo boletim oficial
do Exército.
O Governo Real se encarregará ainda:
De introduzir, na primeira convocação ordinária da Skupstina, uma
cláusula na lei de imprensa prevendo a mais severa punição contra a
incitação ao desrespeito ou ao ódio contra a Monarquia Austro-Húngara, e
abertura de processo contra qualquer publicação cuja proposta geral seja
dirigida contra a integridade territorial da Áustria-Hungria. O governo se
compromete, na revisão que se aproxima da Constituição, a produzir uma
emenda a ser introduzida no artigo 22 da Constituição, de tal natureza que
as referidas publicações possam ser confiscadas, procedimento atualmente
impossível sob os termos categóricos do artigo 22 da Constituição.
O Governo Real não possui provas, e tampouco a nota do Governo
Imperial e Real as fornece, de que a “Narodna Odbrana” e outras
sociedades semelhantes tenham cometido até o presente qualquer ato
criminoso dessa natureza por meio da conduta dos seus membros.
Entretanto, o Governo Real aceitará a exigência do Governo Imperial e
Real e dissolverá a Sociedade “Narodna Odbrana” e qualquer outra
sociedade que possa estar dirigindo seus esforços contra a Áustria-Hungria.
O Governo Real sérvio se compromete a retirar imediatamente dos seus
estabelecimentos educacionais públicos tudo o que sirva ou possa servir de
propaganda fomentadora contra a Áustria-Hungria, sempre que o Governo
Imperial e Real lhe fornecer fatos e provas desta propaganda.
O Governo Real também concorda em afastar do serviço militar todos
aqueles cuja culpa de atos contra a integridade do território da Monarquia
Austro-Húngara possa ter sido comprovada conforme o inquérito judicial, e
espera que o Governo Imperial e Real lhe comunique posteriormente os
nomes e atos desses funcionários e oficiais para fim de ações a serem
empreendidas contra eles.
O Governo Real deve confessar que não compreende claramente o
significado e o alcance da exigência feita pelo Governo Imperial e Real de
que a Sérvia deve aceitar a colaboração dos órgãos do Governo Imperial e
Real em seu território, mas declara que admitirá tal colaboração, conforme
o princípio da legislação internacional, o processo criminal e as relações de
boa vizinhança.
Não é preciso dizer que o Governo Real considera seu dever abrir um
inquérito contra as pessoas que estão, ou possam eventualmente estar,
implicadas na trama de 15 de junho, e que estejam no interior do território
do Reino. Quanto à participação neste inquérito de agentes ou autoridades
austro-húngaras designadas para estes fins pelo Governo Imperial e Real, o
Governo Real não pode aceitar tal arranjo, pois seria uma violação da
Constituição e da legislação do processo criminal; não obstante, em casos
concretos, informações sobre os resultados da investigação em questão
poderão ser dadas a agentes austro-húngaros.
O Governo Real deteve, no próprio anoitecer da entrega desta nota, o
comandante Voislav Tankossitch. Quanto a Milan Ciganovic, que é súdito
da Monarquia Austro-Húngara e que até 15 de junho era empregado
(período de experiência) pela diretoria das ferrovias, ainda não foi possível
prendê-lo.
O Governo Austro-Húngaro deverá ter a bondade de fornecer o mais
rápido possível, sob a forma costumeira, os indícios de culpa, bem como as
eventuais provas de culpa que tenham sido recolhidas até o presente, no
inquérito em Sarajevo para os propósitos deste inquérito.
O Governo Sérvio vai reforçar e estender as medidas tomadas até aqui
para impedir o tráfico ilícito de armas e explosivos através da fronteira. É
claro, ele ordenará um inquérito imediato e punirá severamente os
funcionários aduaneiros na fronteira de Schabatz-Loznitza, que não
cumpriram seu dever e permitiram a passagem do autor do crime de
Sarajevo.
O Governo Real terá a satisfação de dar explicações sobre observações
feitas por seus funcionários tanto na Sérvia como no estrangeiro, em
entrevistas após o crime, as quais, segundo declaração do Governo Imperial
e Real, foram hostis em relação à Monarquia, tão logo o Governo Imperial e
Real tenha comunicado as passagens em questão nessas observações, e
assim que ele tiver mostrado que as observações foram realmente feitas
pelos ditos funcionários, embora o próprio Governo Real vá tomar medidas
para coletar indícios e provas.
O Governo Real informará o Governo Imperial e Real sobre a execução
das medidas compreendidas nos parágrafos acima, na medida em que a
presente nota ainda não o tenha sido feito, tão logo cada medida tenha sido
ordenada e posta em prática.
Se o Governo Imperial e Real não ficar satisfeito com esta resposta, o
Governo Sérvio, considerando que não é do interesse comum precipitar a
solução desta questão, está pronto, como sempre, a aceitar um entendimento
pacífico, seja submetendo a questão à decisão da Corte Internacional ou
Haia, ou às grandes potências que tomaram parte na composição da
declaração feita pelo Governo Sérvio em 18 (31) de março de 1909.

Belgrado, 12 (25) de julho de 1914.


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Agradecimentos

Por volta de 1999, Joy de Menil, a quem eu fora brevemente


apresentado, enviou-me uma simpática nota, comparando minhas
descrições da crise de julho de 1914 — em escritos anteriores — com
narrativas recém-publicadas, feitas por outros historiadores. O pensamento
estava comigo quando almocei pouco depois com Ashbel Green, meu editor
na Knopf. Perguntei-lhe que tipo de livro ele queria que eu escrevesse em
seguida. Ele disse que esperava um livro cujo tema fosse a história da
Europa, com alcance temporal delimitado. A ideia veio imediatamente ao
espírito: os 37 dias desde o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando
até a eclosão da Primeira Guerra Mundial. Tantas monografias novas e
brilhantes haviam sido pesquisadas e escritas por estudiosos nas décadas
recentes, que eu tinha certeza de que, se as reunisse, um novo retrato da
crise de julho emergiria.
Ao começar minhas leituras para o livro, fiquei chocado pela quantidade
de ideias preconcebidas que tinham de ser descartadas. A partir de escritos
tão convincentes quanto os citados nos textos de John Maynard Keynes e de
A. J. P. Taylor, eu abandonei a ideia de que a Europa pré-guerra vivia
tempos idílicos e pacíficos. Tratava-se, em vez disso, de um mundo
dilacerado, conflituoso, presa de uma corrida armamentista facilmente
passível de ser qualificada de suicida. Procurei uma metáfora e a encontrei
na aviação comercial: por um lado, forças atmosféricas que ameaçam
destruição, mas as quais, inicialmente, por serem invisíveis, restam
ignoradas pelos passageiros; por outro, o contraste entre a inadvertência dos
passageiros face ao perigo e a consciência aguda dos comandantes e da
tripulação. Lembrei-me de ter lido relatos noticiosos sobre um determinado
voo, os quais poderiam ilustrar meu argumento. Elie Montazeri, um ex-
estudante meu, ofereceu-se para fazer as pesquisas necessárias, e conduziu-
as com imensa perícia. A Joy, Ash e Elie, muitos agradecimentos por terem
me ajudado a começar.
Eu quis encontrar instalações onde pudesse trabalhar sem perturbações
durante os verões, quando as férias acadêmicas nos liberam para escrever.
Sou grato a Richard Herland e a Martine Callandrey por propiciarem tudo o
que eu precisava neste particular: por terem criado, isto sim, uma colônia de
escritores de uma só pessoa em sua casa em Cap d’Antibes, na França,
verão após verão. Meu agradecimento igualmente a Gwenyth E. Todd, por
sua extraordinária generosidade de me ceder um lugar tranquilo para
trabalhar ao longo de agosto de 2003, e a Robert Baker por tê-lo arrumado,
e muito mais.
Carol Shookoff conseguiu ler minha caligrafia e transformar meu
manuscrito em algo publicável. Ela tem tanto a minha admiração como a
minha gratidão. Também sou grato ao Dr. Illya Zaslowsky por suas
pesquisas em arquivos russos no interesse do meu trabalho.
Pela leitura minuciosa dos manuscritos acabados, por suas sugestões
judiciosas e suas críticas desafiadoras em praticamente todas as páginas,
sou imensamente grato a Timothy Dickinson, ao professor emérito Alain
Silvera, da Bryn Mawr College, e à Dra. Annika Mombauer, da Open
University na Grã-Bretanha. Mais do que geralmente é o caso, devo
salientar que esses leitores não têm nenhuma responsabilidade pelo texto
precedente ou pelas opiniões nele expressas.
Meu agradecimento carinhoso e constante a Ash Green, o melhor dos
editores, e à sua sempre pronta assistente Luba Ostashevsky. Muito
obrigado, também, à operadora de milagres Carol Janeway; tomara que
esteja sempre na minha equipe.
Como sempre, sou grato à minha agente Suzanne Gluck, a melhor que
há ou, penso eu, sempre haverá. Meus agradecimentos a ela e às suas
animadas e competentes assistentes, inicialmente Emily Nurkin e agora
Christine Price, que ajudam e assistem com eficiência não intrusiva.
Meus agradecimentos igualmente a Robert e Jeanne-Mary Sigmon, por
localizarem na Grã-Bretanha livros e fotografias de que eu necessitava.
Almoços aos domingos com o professor Ralph Buultjens, com suas
conversações estimulantes, deram-me novas perspectivas, pelas quais sou
grato.
Finalmente, meu agradecimento, como sempre, a James Chace, meu
conselheiro literário de toda a vida. Em certo sentido, todos os meus
trabalhos são dedicados a ele.
DF
Antigny-le-Chateau (Cote d’Or), França
27 de agosto de 2003

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