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FGV
Texto 3B (Escravidão e liberdade)
História da América II - Prof. Raphael Sebrian
EDITORA
Copyrig.ht © Keila Grinberg e Sue Peabody

Ii edição- 2013

Impresso no Brasil I Printed in Brazil

Todos os direitos reservados à EDITORA FGV. A reprodução não autorizada desta publicação,
no todo ou em parte, constíh.ti violação do copyright (Lei nll 9.610/9S).

Os conceitos emitidos neste livro são de inteira responsabilidade do autor.

COORDENADORES DA COLEÇÁO: Marieta de Moraes Ferreira e Renato Franco


COORDENAÇÃO EDITORIAL E COPIDESQUE: Ronald Polito
REVISÃO: Marco Antonio Corrêa e Sandro Gomes dos Santos

Escravidão eliberdade nas Américas 'DIAGRAMAÇÃO, PROJETO GRÁFICO E CAPA: dudesign

Ficha catalográfica elaborada


pela Biblioteca Mario Henrique SimonsenfFGV

Grinberg, Keila, 1971


Escravidão e liberdade nas Américas / Keila Grinberg e Sue Peabody. - Rio
de Janeiro: Editora FGV. 2013.
146 p.- (Coleção FGV de bolso. Série História)
Keila Grinberg Inclui bibliografia.
Sue Peabody ISBN: 978-85-225-1457-1
I. Escravidão. 2. Escravos- Emancipação. 3. Liberdade. I. Peabody, Sue. II.
Fundação Getulio Vargas. III. Titulo. IV. Série.

CDD-326

Editora FGV
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Capftulo 1

Escravidão, liberdade e direito no Atlântico escravista

Qual é a diferença entre escravidão e liberdade? No século


XXI, estes termos estão tão entranhados em nossa cultura -
o primeiro como exemplo do mal absoluto, o segundo como
bem autoevidente- que raramente paramos para pensar o que
cada um deles significa em termos concretos. Para as pessoas
que viveram no mundo atlântico entre os séculos XVI e XIX
- os milhões de indivíduos cujas vidas foram formadas pelas
relações sociais, econômicas, politicas e culturais entre africa-
nos, europeus e indígenas - a diferenciação entre escravidão
e liberdade era algo central para suas experiências de vida.
Ao contrário de hoje em dia, quando as práticas existentes
de escravização são ilegais tanto pela maioria dos ordenamen-
tos jurídicos nacionais quanto (e principalmente) pelo dh:eito
internacional, durante a vigência do regime de trabalho es-
cravo nas Américas a escravidão era legal. A codificação e a
legalização da escravidão, no entanto, não foram processos
simples e muito menos iguais em todas as regiões que ado-
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em sua maior parte ainda restritos a teses e publicações de


"
taram a escravidão nas Américas. Da mesma forma, os pro- caráter estritamente acadêmico, fazem parte de uma linha de
pesquisa que atualmente pode ser chamada de história social
cessos históricos- sociais, econômicos, políticos e jurídicos
- que levaram à abolição da escravidão foram diferentes em do direito, cujos fundamentos teóricos baseiam-se nas obras
cada um destes países. de E. P. Thompson, Pierre Bourdieu e Antonio Manuel ~es?~­
As relações e'ntre senhores e escravos variaram de acordo nha, e têm como premissa básica a elaboração de uma histona
com a época e o lugar. Alguns escravizados dispunham de do direito a partir de seus atores principais e suas relações so-
considerável autonomia, especialmente aqueles que garimpa- ciais, como advogados, juristas, juízes e aqueles agentes que,
por diversas razões, se envolveram com a justi~a. ~mb~ra
1
vam ouro ou eram contratados por conta de suas habilidades
específicas. Outros sofriam constante supervisão ou violência não seja nosso objetivo aprofundar discussões htstonogr.afi-
física por parte dos seus senhores ou feitores. Liberdade e es- cas neste livro, muitos dos resultados das recentes pesqmsas
cravidão, portanto, não eram antônimos exatos. Eram termos realizadas sobre o assunto podem ser encontrados aqui.
que continham muitas gradações e implicações sociais. A segunda razão é, a um só tempo, teórica e polític~: ela
O objetivo deste livro é analisar o amplo processo histórico · parte da premissa de que o universo jurídico, se anahsado
que, em aproximadamente quatro séculos, levou ao estabele- de maneira ampla, permite a compreensão das relações entre
cimento e à abolição da escravidão nas Américas, sem deixar as mudanças jurídicas, políticas e sociais e a constituição, em
de lado as 'especificidades particulares. Atenção particular cada caso, de relações assimétricas de poder. A ênfase nessas
será dada à interação entre as formações sociais e o campo relações parte da convicção de que, embora a arena juríd~­
jurídico, por várias razões. A primeira delas é historiográfi- ca não seja neutra, ela também não é previamente determi-
ca: embora as disciplinas de história e direito já tenham ca- nada. Incluídos aí os processos judiciais, são resultados das
minhado juntas na historiografia brasileira, há tempos que a disputas e dos conflitos que formam o campo jurídico. Isto
pesquisa histórica, sob influência marxista e dos Annales, ha- implica considerar que, mesmo reconhecendo que os ~rupos
via deixado de abordar temas relativos ao direito e ao Estado. que ocupam posições de pode~ e. ~orça em tod~ a soctedade
Desde os anos 1980, fontes como inventários, testamentos, são aqueles que mais têm poss1b1hdades de salT ve~ced~r~s
processos criminais e cíveis, que já faziam parte do cotidiano no embate jurídico, eles se enfrentam sem garantia previa
dos historiadores sociais, que as utilizavam como uma forma de vitória.
de adentrar no universo das relações cotidianas entre distin-
tos atores sociais, passaram a ser usadas também como forma
1 Sobre 0 campo da história social do _direito ~er: jX>r exemplo,
LARA: Silvia; MENDO~~A,
de compreender o direito e a justiça. Joseli. Direitos e justifas no Bmsil: ensatos de historia social. Campmas. Editora da Unic P·
Recentemente, o direito voltou a ser enfocado como objeto 2006; THOMPSON, E. P. Senhores e caçadorrs: a origem da Lei Negr_a. Sã~ Paulo: Paz e '!erra,
1997· BOURDIEU Pierre. A força do direito. Elementos para uma sociologta do campo JUndlco.
de estudo, principalmente em estudos sobre o século XIX, a ln: sOURDIEU, PÍerre. O poder simbólico. Rio de Janeiro_:Bertrand Brasil, sfd.; HESPANHA, An-
tonio Manuel. Justifa e litigiosidade: história e prospectiva. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1993.
escravidão e a construção do Estado brasileiro. Esses textos,
lO FGVdeBolso Escravidão e liberdade nas Américas 11

No caso das sociedades escravistas modernas, nas quais outras instituições similares reforçavam desigualdades, agu-
há seres humanos formalmente classificados como "coisas", çando hierarquias previamente existentes.
praticamente sem personalidade jurídica, 2 esta perspectiva Tendo iniciado no começo do século XVI, e durando apro-
abriu possibilidades surpreendentes de análise, ao eviden- ximadamente quatro séculos, o tráfico atlântico de escravos
ciar que a justiça se const;tuiu, entre outras formas de ação trouxe aproximadamente 11 milhões de africanos para o
política, um importante f4rum onde indivíduos escravizados Novo Mundo. Conforme a escravidão foi se tornando um fa-
questionavam sua própria condição. Ao longo do tempo, a tor central para as economias de algumas regiões americanas
justiça também se transformou, em toda a América, em um (como o Brasil, algumas regiões do Caribe e o Sul dos Esta-
importante lócus de questionamento e de ressignificação dos dos Unidos), senhores de escravos começaram a codificar suas
conceitos de escravidão e liberdade. Reis e políticos podiam práticas escravistas, com o objetivo de resolver disputas qu~
criar leis, mas, quando surgiam as disputas, eram os juízes e não raro aconteciam, que envolviam tanto senhores entre SI,
os júris que as aplicavam, produzindo resultados imediatos quanto senhores e escravos. Ao mesmo tem~o, vários Estad~s
. e tangíveis sobre as vidas das pessoas. Escravos, libertos e do Atlântico começaram a definir as fronteiras entre escravi-
africanos livres- ou seus descendentes - podiam em circuns- dão "legítima" e "ilegítima", tentando estabelecer a extensão
tâncias especiais demandar por direitos na justiça, inserindo do poder dos senhores sobre seus escravos e as condições ~as
seus interesses em uma emergente linguagem de cidadania, quais escravos poderiam legitimamente mudar seu status JU-
direito natural e direitos humanos. rídico, conseguindo suas liberdades.
Documentos jurídicos oferecem um olhar singular para os Os impérios europeus e seus governos nas Américas não
motivos, as ações e as ideias que moviam homens e mulhe- detinham o monopólio sobre a definição de liberdade. Seria
res de ambos os lados da precária fronteira que separava a um erro ver a liberdade principalmente como algo que foi
escravidão da liberdade. Os documentos citados neste livro doado pelos senhores aos escravos. Escravos buscaram, nego-
incluem argumentos de advogados, decisões de juízes, atos ciaram e exigiram suas liberdades de forma individual eco-
notariais, tratados; todos eles constituem facetas por meio das letiva de várias maneiras. Não foi incomum que quilombolas
quais podemos entender as diferentes maneiras pelas quais se engajassem em guerras abertas contra os regimes coloniais.
escravos e homens livres percebiam seus direitos e privilé- Mulheres escravizadas acusaram publicamente seus senhores
gios de liberdade. Eles também revelam como os tribunais e de abuso sexual e violação de acordos em aç~s judiciais para
a liberdade. Escravos que trabalhavam na mineração, ~em
como cativos urbanos, formaram sociedades de ajuda mútua
2 O escravo tinha personalidade jurldica no direito criminal, quando era acusado de ter co-
metido algum crime; ou quando processava seu senhor para questionar sua condição de escravo.
para comprar coletivamente suas liberdades. Em algun~ paí-
Sobre o assunto, ver MALHEIRO, Perdigão. Bscravidilo no Brosil: ensaio histórico, jurldico, so- ses, escravos e libertos participaram ativamente de movimen-
cial. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1866. O livro está disponlvel na Biblioteca Digital do
senado Federal, em: <wwwl.senado.gov.brfbdsf/itemfid/174437> . Acesso em: 30 maio 2012. tos abolicionistas. Eles encontraram aliados em ministros, ad-
Ver também GRINBERG, Keila. Código civil e cidadania. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2011 .
\.

Escravidão e liberdade nas Américas l3


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vogados, juízes, políticos, editores, militares. Não é pequeno rem o solo americano. Outros eram crioulos, nascidos de pais
o número de escravos que se alistaram em exércitos em troca escravizados nas Américas. Devido ao desequilíbrio entre o
de promessas de liberdade. número de homens e mulheres do comércio de escravos e às
Sem a iniciativa e as ações dos escravos, libertos e negros dificuldades da sobrevivência autônoma, frequentemente em
livres, a abolição da escravidão nos diferentes países teria se um estado de guerra contra as autoridades, os quilombolas
dado, provavelmente, de forma distinta. Isto, evidentemente, eram, em sua maioria, homens jovens, falavam línguas afri-
não implica considerar que toda ação escrava tivesse como canas e adoravam deuses africanos. Muitas vezes seguindo
meta a própria alforria, e muito menos a abolição geral da costumes africanos, ou já acostumados à sociedade escravista
escravidão; mas significa dizer que, ao longo do tempo, as americana, vários quilombolas possuíam escravos, demons-
várias ações engendradas por indivíduos escravizados foram trando, na prática, que, na maioria das vezes, a fuga e a busca
fundamentais para minar a legitimidade da instituição escra- pela própria liberdade não significavam a recusa à escravidão
vista nas Américas. de uma forma geral- o que, de qualquer modo, antes de pelo
Assim, quando a escravidão se tornava intolerável e quando menos o fim do século XVIII seria anacrônico.
a oportunidade surgia, escravos buscavam libertar-se de várias Determinadas comunidades quilombolas foram tão bem-
maneiras. Em muitas sociedades, escravos fugiam individual- -sucedidas em estabelecer sua independência e em lutar con-
mente ou em pequenos grupos em direção a pântanos, cânions tra os colonizadores europeus que algumas até conseguiram
ou áreas montanhosas fora do controle das autoridades e estabe- negociar com as autoridades. Neste contexto, foram estabele-
leciam comunidades independentes: os chamados quilombos. cidos tratados entre as autoridades metropolitanas e líderes
Comunidades quilombolas foram formadas em toda a Amé- quilombolas no Brasil, na Colômbia, em Cuba, no Equador,
rica do Sul, América do Norte e no Caribe. Elas podiam ser em Hispaniola, na Jamaica, no México e no Suriname, espe-
bem pequenas, constituídas de pouco menos de uma dúzia cialmente ao longo dos séculos XVII e XVIII.
de indivíduos, ou muito grandes, incluindo até vários mi- Além de ações coletivas como a constituição de quilombos,
lhares de escravos fugitivos e seus descendentes. Os quilom- havia outras maneiras individuais ou familiares de conquis-
bos eram uma constante ameaça aos regimes escravistas, uma tar a liberdade: por meio da fuga, da obtenção da alforria,
vez que eles atraíam escravos das propriedades e às vezes se ou do recurso à justiça. No caso da alforria - a libertação de
engajavam em luta aberta contra os senhores. Eles floresce- escravos pela via institucional, por meios previstos por lei-,
ram nos séculos XVII e XVIII, quando o comércio atlântico em todo o período de vigência do regime de trabalho escra-
de escravos estava mais ativo nas Américas como um todo, e vo nas Américas, cativos foram libertados por gratidão de
, . seus senhores, por serem seus filhos, por lhes terem prestado
continuaram existindo ao longo do século XIX. Muitos qui-
lombolas eram africanos e tinham lembranças de suas vidas .
I~~' bons serviços ou por terem conseguido meios suficientes para
antes da Jscravização; vários fugiram pouco depois de pisa- comprar suas liberdades.
14 FGVde Bolso Escravidão e liberdade nas Américas 15

O senhor podia libertar o escravo gratuita ou condicional- do início do século XIX nos Estados Unidos e a partir dos
mente: no caso da alforria gratuita, o escravo ficava imedia- anos 1820 no Brasil e em Cuba o preço médio dos escravos
tamente livre. Isto acontecia geralmente quando o escravo aumentou substancialmente. Nestes três lugares, especifica-
era filho de seu senhor, e libertado ainda criança. Quando a mente, o crescimento das plantations e da consequente con-
alforria era condicional, os escravos teriam de trabalhar um centração de escravos contribuiu ainda mais para reduzir as
certo número de anos, ou até que um dos herdeiros do senhor possibilidades de alforria.
morresse, para receber sua liberdade. A compra da alforria Sabe-se que, em geral, os escravos que tinham mais chance
também podia ser feita de d~versas maneiras: ou através de de conseguir a alforria eram crioulos, viviam nas cidades ou
pagamen~o imediato (que po?eria ser feito pelo próprio ou exerciam funções domésticas ou qualificadas no campo, e ti-
por terceiros), ou em prestaçõ~s. Estes casos são chamados de nham relações sociais estreitas com pessoas livres, fosse com
coartação (do termo espanhol coartación), quando escravos a família de seus senhores, fosse com libertos. A constituição
pagavam por ~uas alforrias em prestações. Casos de coartação de vínculos familiares muitas vezes resultava na libertação de
o:orreram ~ais frequentemente na América espanhola, mas mulheres e crianças, por conta do pagamento de seus valores
sao conhecidos também no Brasil, principalmente em Minas por cônjuges ou pais.
Gerais, onde a atividade mineradora e a possibilidade de en- Em todas as sociedades das Américas, mulheres eram mais
contrar pedras preciosas contribuíram para aumentar 0 nú- libertadas do que homens (à exceção dos Estados Unidos, onde
m~ro de casos de escravos comprando suas liberdades. o número era equivalente). Geralmente explica-se a maior in-
E difícil calcular quantas pessoas conseguiram obter a al- cidência de mulheres entre as libertas pelo menor preço e pela
forria, pois há poucos dados estatísticos a respeito. Evidente- maior possibilidade de construir laços afetivos com os senhores
mente, o n~mero. variou de acordo com a época e com 0 lugar. ou outras famílias livres. Durante a vigência do tráfico atlân-
Embora. SeJa ~abido que, em geral, na América espanhola e tico de escravos, muitas dessas libertas eram africanas, habi-
no Brasil mais escravos eram alforriados do que no Caribe tuadas ao trabalho em mercados e às profissões urbanas e mais
e na, América do No~te, é consenso entre os historiadores que aptas, em geral, a acumular pecúlio para comprar suas liberda-
o numero de alforrias foi pequeno em todas as sociedades, des ou a negociar a alforria condicional. Homens jovens afri-
afetando um escravo a cada 500, ou às vezes até menos do canos eram aqueles com menor chance de conseguir a alforria.
que isso. Este era, por exemplo, o caso de Virgínia, nos Es- Em todo o mundo atlântico, mesmo quando o escravo tinha
tados Unidos, em 1790. Em Curaçao, no mesmo período, a a quantia necessária para comprai sua liberoade, o senhor
taxa era de 0,5%. No Brasil, no período colonial, calcula-se não era obrigado a concedê-la. O ato de alforriar era uma con-
que, no máximo, 2% dos escravos tenham sido alforriados. cessão senhorial, que pressupunha reciprocidade por parte
A perspectiva de fim do comércio atlântico de escravos tam- do escravo, que devia expressar obediência e gratidão a seu
bém contribuiu para reduzir o número de alforrias. A partir senhor. Na América espanhola e no Brasil, a alforria poderia
16 FGVdeBolso Escravidão e liberdade nas Américas 17

ser revogada, caso o liberto não se comportasse adequada- muitos indivíduos argumentavam ter sido ilegalmente trans-
mente; na prática, no entanto, a revogação das alforrias era portados da África para a América, tendo sido escravizados
uma opção bastante remota, tendo praticamente cessado de em situações não permitidas pelas leis locais e por direito in-
existir no decorrer do século XIX. . ternacional. Depois da proibição da entrada de escravos no
Mesmo sendo formalmente uma concessão senhorial, não se reino de Portugal e Algarves, em meados do século XVIII, al-
pode atribuir 'a alforria unicamente à vontade dos senhores. guns escravos levados por seus senhores brasileiros para Lis-
Toda alforria era fruto de negociações entre senhores e escra- boa argumentaram ter direito às suas liberdades. Tratava-se
vos. Quando essas negociações não chegavam a um fim pacífi- do princípio, também evocado na França, na Inglaterra e nos
co, ou quando um senhor se recusava a alforriar um escravo, Estados Unidos, de que, se um escravo pisasse em território
este poderia tentar fugir, poderia tentar ser vendido, poderia livre, automaticamente conseguiria a liberdade. Da mesma
apelar para o rei - como ocorreu na América espanhola e por- forma, depois que a Grã-Bretanha proibiu o tráfico atlânti-
tuguesa - , ou poderia entrar na justiça contra seu senhor, co de escravos em 1807, alguns escravos argumentaram ter
conseguindo libertar-se à revelia de seu senhor. Na justiça, sido ilegalmente transportados da África para as possessões
as ações de escravos contra seus senhores foram chamadas britânicas na América. O mesmo aconteceu no Brasil, depois
de "aÇões de liberdade", e ocorreram em todas as Américas- da primeira proibição do comércio de escravos, em 1831. Em
embora também em pequena escala, se comparada ao número vários códigos legislativos das Américas, como o francês e o
de escravos existentes nestes países -, e baseavam-se em uma espanhol, um castigo excessivamente violento aplicado pelo
ampla gama de argumentos. Por exemplo, um escravo cujo senhor poderia ser usado como argumento para obtenção da
senhor lhe concedeu a liberdade em testamento podia ter sua liberdade (ou pelo menos como argumento para forçar a ven-
alforria desafiada pelos herdeiros do senhor. Às vezes, um da para um senhor mais "humano").
indivíduo que já vivia como livre poderia iniciar uma ação de Outra ~aneira de conseguir a alforria à revelia da vonta-
liberdade contra seu antigo se~hor ou outro indivíduo, cdtnb li de senhorial era mediante o alistamento militar ou entrando
forma de resistir a uma tentativa de reescravização. Como o em milícias privadas. Durante a Revolução Americana e as
status de escravo era definido pelo ventre da mãe - se o ven- lutas pela independência ocorridas na América espanhola e
tre era escravi:zado, o filho também o seria-, muitos escravos no Brasil no início do século XIX, escravos fizeram parte das
evocaram o princípio da noção de "ventre livre" (isto é, que o fileiras tanto dos exércitos ingleses, espanhóis e portugue-
escravo descendia de uma mulher livre, às vezes ilegalmente ses quanto das forças rebeldes, animados pelas promessas de
escravizada) para basear suas argumentações. Alguns casos alforria feitas àqueles que se alistassem nos exércitos. Pelo
envolveram disputas sobre a compra de liberdade, tanto pe- mesmo motivo, escravos participaram de conflitos armados
los próprios escravos (através das poupanças dos escravos, o em guerras civis como a Farroupilha (1835-45), ocorrida no
chamado pecúlio) ou por um terceiro interessado. Além disso, sul do Brasil, a Guerra do Paraguai (1865-70), entre o Brasil,
18 FGVde Bolso
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Uruguai, Argentina e Paraguai, ou a guerra civil americana eram obrigados a deixar seus estados. Isto ocorria desde o sé-
(1861-65). . . . culo XVIII na Carolina do Sul, mas a partir do século XIX pas-
Há muito debate entre os histonadores sobre os sigmfica- sou a ocorrer também em estados como Virgínia. A restrição
dos da alforria. Para muitos, a alforria era fundamental para à alforria no Sul dos Estados Unidos chegou a tal ponto que,
0 controle exercido pelos senhores sobre seus escravos, obri- a partir de 1852, os libertos da Louisiana tinham que deixar
gando-os a anos de serviços em troca da concessão ou da pro-- o país. E, em 1860, Georgia, Mississipi e Alabama, além da
messa da liberdade futura. A alforria era fundamental para a Lousiana, proibiram qualquer forma de alforria.
ideologia senhorial, sendo o principal recurso dos senhores Embora também houvesse considerável preocupação quan-
na efetivação da dominação escravista. Outros historiadores to ao crescimento das comunidades de negros livres na Améri-
argumentam que senhores temiam que a alfo~ria, quand,o ca espanhola e no Brasil, ela não foi acompanhada de medidas
ocorria em maior escala (como nos Estados Umdos nas de- restritivas à alforria. Desta forma, a população liberta e afro-
cadas imediatamente anterior e posterior à independência), descendente livre era considerável nas cidades destas regiões,
abalasse as bases do regime escravista, conduzindo à eman- como Lima, Buenos Aires, Caracas, Rio de Janeiro e Salvador.
cipação geral dos escravos. Provavelmente a alf?rri~ teve de Mesmo assim, até a véspera da abolição, muitos senhores ten-
fato estes dois significados, podendo ter contr1bmdo tanto taram manter o controle sobre a alforria, pretendendo gerar
para reforçar quanto para minar o poder moral dos senhor~s. dívidas de gratidão que resultassem na manutenção de vín-
De qualquer forma, esta discussão mostra que a alforn~, culos mesmo após o fim do regime. No fim, para a maioria dos
mesmo sendo um ato privado entre senhores e escravos, ti- escravos, a alforria já não era mais uma concessão senhorial,
nha consequências sociais e públicas imediatas. Embora os mas o reconhecimento de seu direito à libertação.
senhores fossem responsáveis por seus escravos, ao Estado Ainda que a escravidão tenha existido formalmente em al-
cabia legislar sobre os libertos. Restrições à alforria ocorri~m gumas regiões da Europa (por exemplo, na Itália e na Espanha
quando governos achavam que devia~ manter a ordem ~aCial muçulmana) entre o período romano e o medieval, escravos
ou prevenir o surgimento de comumdades de negros hvres, eram numericamente poucos neste período. Assim, as leis
enfraquecendo a hierarquia racial das sociedades. N_ão é por que definem a escravidão - onde elas existiram - eram geral-
outra razão que em colônias do Caribe, como a Jamaica, e em mente locais, costumeiras e fragmentadas.
vários estados norte-americanos foram promulgadas leis de Muitos fatores contribuíram para construir 0 direito escra-
restrição à alforria de meados do século XVIII ao século XIX. vista, tanto em termos regionais quanto nacionais. Socieda-
Estados norte-americanos como Pennsylvania, Nova York e des escravistas - nas quais a escravidão era a principal forma
Nova Jersey requeriam que senhores pagassem impostos por de organização do trabalho - desafiaram a maneira como a
escravos alforriados, além de sustentá-los. No Sul dos Estados classe senhorial deveria legislar sobre a escravidão, de forma
Unidos, principalmente depois da independência, os libertos distinta daqueles problemas colocados pelas sociedades com
I

20 FGVdeBolso
r Escravidão e liberdade nas Américas 21

escravos, nas quais a rriaior parte da atividade produtiva ·era XVIII, o mesmo não acontecia com escravos que viajassem por
exercida por camponeses, proprietários de pequenas exten- entre territórios diferentes nas colônias francesas do Caribe.
sões de terra e homens livres em geral. Algumas leis foram Um dos primeiros intelectuais a se interessar pelo contraste
geradas em resposta a casos específicos: disputas entre pes- entre as culturas do norte e do sul do Atlântico relativas a
soas mantidas como escravas, mas que argumentavam terem raça e escravidão foi Frank Tannenbaum. O interesse princi-
direito legítimo à liberdade e, seus pretensos senhores,· que pal deTannenbaum eram as relações raciais; em seu clássico
tentavam mantê-las escravizadas. Outras foram produzidas estudo de 1947, Escravo e cidadão- até hoje inédito em por-
em função de intensas contestações à ordem social, como foi tuguês -, ele notou que os brasileiros, em particular, eram
o caso de Palmares, no nordeste do Brasil, no século XVII. relativamente abertos à mestiçagem e à atuação de mestiços
Embora várias leis e atitudes metropolitanas em face da es- na política, cultura e negócios, enquanto nos Estados Uni-
cravidão tenham sido semelhantes, é possível diferenciar as dos a assim chamada "regra da uma gota de sangue" excluía
tjadições jurídicas portuguesas e espanholas, por um lado, afrodescendentes da elite. 3 Tannenbaum localizou as origens
. le as tradições francesas e anglo-saxãs, por outro. Ambos os desta tradição nas altas taxas de alforria existentes na Améri-
impérios português e espanhol possuíam códigos legais uni- ca Latina, argumentando que os latino-americanos eram mais
ficados, baseados no direito romano, que tanto regulavam a propensos a libertar seus escravos do que os britânicos por
escravidão como favoreciam a alforria. Desde o período is- conta da influência do catolicismo e do direito romano, que
lâmico e medieval, os espanhóis e os portugueses mantive- reconhecia a inerente humanidade dos escravos; e partiu de
ram uma pequena minoria de escravos em suas populações. sua investigação sobre a escravidão e o processo de abolição
Consequentemente, o corpo de direito persistiu para regular para analisar as relações raciais então existentes nos Estados
escravos como propriedade e como.pessoas. Estas leis foram Unidos e no Brasil.
transplantadas .+- muitas ve:ies também adaptadas para os
,, l ' I I ' ~ . Iii J
1
jj· f I Muitos historiadores, desde então, criticaram tanto os
contextos espec1ficos - para as colomas portuguesas e espa- pressupostos de Tannenbaum quanto suas conclusões, ofere-
nholas nas Américas e na África. cendo uma ampla gama de explicações para as variações nas
Em contraste, os ingleses e os franceses não possuíam leis taxas de alforria. Por exemplo, sociedades ou localidades com
específicas relativas à escravidão. No entanto, quando a escra- pequeno número de escravos tenderam a favorecer a alforria,
vidão se tornou parte integral das colônias britânicas e france- mas quando a plantation passou a dominar a região, muitos
sas, cada metrópole desenvolveu tradições jurídicas coloniais governos, independentemente de tradições jurídicas ou re-
- e, eventualmente, leis - para regular escravos e seus senho- ligiosas, instituíram impostos e outras medidas que torna-
res de maneira diferente das leis aplicadas nas metrópoles. Se,
por exemplo, escravos ficavam livres assim que pisavam em
solo francês, como regulou o Parlamento da França no século 3 TANNENBAUM, Frank. Slave and citizen. Nova York: Beacon Press, 1946. Os EUA tive-
ram outra vivência diante da guerra, inclusive, vendo melhoras na sua economia.
FGVde Bolso Escravidão e liberdade nas Américas 23
22 ;

ram difícil para os senhores libertar seus escravos por medo ser importante ter em mente que, se ao final do século XIX a
que os africanos livres e seus descendentes ultrapassassem, escravidão estava abolida nas Américas, suas consequências
em número, a elite branca. Outros ressaltam a existência do ainda hoje são sentidas nos países que a adotaram.
costume da compra da própria alforria, em que um escravo O que se pretende, de fato, é refletir sobre um amplo pro-
poderia acumular dinheiro suficiente por seu trabalho diá- cesso histórico, consciente das complexidades que a análise
rio, trocas comerciais ou por outros meios para comprar sua de múltiplos contextos traz. Um processo histórico cuja cen-
própria alforria em prestações (coartación, em espanhol, ou tralidade está na interação entre a instituição da justiça e a
coartação, em português).4 ação, individual ou coletiva, de indivíduos. Eles - homens e
Importante, neste caso, não é tanto recuperar ou negar o mulheres escravizados, que procuraram a justiça para ques-
argumento de Tannenbaum. Trata-se, ao contrário, de usar tionar sua condição - são o personagem central deste livro.
sua constatação sobre a importância do estudo do direito Os capítulos deste livro referem-se aos quatro mais impor-
e da justiça para a compreensão das sociedades escravistas tantes impérios europeus que colonizaram as Américas entre
das Américas como ponto de partida, não de chegada. E de os séculos XVI e XIX, com ênfase nos séculos XVIII e XIX.
mostrar a validade de partir do direito e do acesso à justiça O envolvimento dos Países Baixos com a escravidão atlântica
para com~rar diferentes realidades jurídicas e políticas das foi deixado de fora. Os holandeses tiveram um papel funda-
Américas, s~, evidentemente, a pretensão de se fazer julga- mental tanto em relação aos impérios do sul da Europa - Por-
mento de valor na...c.omparação em si. Não se trata de voltar tugal e Espanha - quanto aos do norte - Inglaterra e França.
ao debate sobre o caráter da escravidão, da liberdade ou das Eles investiram e participaram ativamente do comércio de es-
relações raciais, estabelecendo que tal região seria mais ou cravos (especialmente no século XVII) e estabeleceram várias
menos violenta do que outra, que os escravos seriam mais colônias nas Américas, como Nova Amsterdam (depois deno-
ou menos bem tratados pelos senhores do que em outros lu- minada Nova York) e Suriname, onde o trabalho escravo era
gares. A escravidão foi violenta onde quer que tenha exis- significativo. Mas, ao final dos séculos XVIII e XIX, o período
tido, e nisso não há nenhuma dúvida. E ela deixou marcas em que este volume se concentra, a · presença holandesa no
que permanecem presentes nas sociedades americanas até mundo atlântico já estava consideravelmente reduzida- daí
hoje. Talvez não sejam - provavelmente não são - as mesmas a exclusão como caso específico neste livro. Embora a ordem
apontadas por Tannenbaum em seu estudo; mas não deixa de dos capítulos pudesse ter sido outra ~ pelo est,abelecimento
de regimes escravistas nas Américas, por exemplo -, como a
ênfase deste livro está nos séculos XVIII e XIX e no processo
que levou à emancipação dos escravos nas Américas (e não
4 Para sumário da critica a Tannenbaum. ver GRINBERG, Keila. Alforria. direito e direitos na constituição, propriamente dita, dos regimes escravistas),
no Brasil e nos Estados Unidos. Estudos Históricos, Rio de Janeiro. v. 27, p. 63-83, 2001; FUEN-
T_E, ~ejandro de la. F~m s~aves t_o citize~s7 Tannenb~um and the debates on slavery, eman- optaJ,Dos por organizar os capítulos pela ordem de abolição da
ctpatiOn, and race relauons m Latm Amenca. Intemattonal Labor and Working-Class History,
v. 77, Issue 1, p. 134-153, Mar. Spring 2010.
{

24 FGVdeBolso

escravidão: assim, iniciamos com a França e a Revolução do


Haiti, seguimos com o império britânico e os Estados Unidos,
continuamos com a América espanhola e Cuba e finalizamos
Gom o império português e o Brasil, último país a abolir a es-
cravidão nas, Américas.
Como é sempre o caso quando se trata de uma visão ampla,
este livro está baseado no trabalho de vários historiadores.
Alguns, quando citados expressamente, estão referenciados
em notas de rodapé. Outros estão arrolados na bibliografia.
Como também se trata de um livro curto, muitas vezes argu-
mentos foram resumidos; de forma a possibilitar a compreen- ·
são geral dos processos históricos aqui analisados.
Capítulo 3

Escravidão e liberdade no Atlântico britânico


e nos Estados Unidos

Assim como a França, a Inglaterra originalmente não tinha


leis relativas à escravidão. Mesmo que a escravidão tenha
existido na Inglaterra durante os períodos romano e medie-
val, na época em que os colonizadores ingleses começaram a
estabelecer colônias na América do Norte e no Caribe, a escra-
vidão já não existia como categoria jurídica no direito inglês.
Em meados do século XVII, quando africanos e ameríndios
esCravizados passaram a ser cada vez mais numerosos nas co-
lônias inglesas, os colonos começaram a criar suas próprias
leis relativas à escravidão nas assembleias coloniais. Como
resultado, o império britânico- e depois os Estados Unidos
- se tornou uma colcha de retalhos de leis independentes, às
vezes contraditórias, para escravos e cidadãos.
Os ingleses não tinham nenhuma experiência ou prática
anterior de como organizar o trabalho escravo na América;
de fato, como seus contemporâneos franceses, a maioria das
·· primeiras colônias era composta de trabalhadores forçados,
46 FGVdeBolso Escravidão e liberdade nas Américas 47

homens jovens que vinham da própria Inglaterra para culti- tender como o abolicionismo parecia estranho àquela época,
var tabaco, que na época era muitíssimo rentável. Ainda as- é preciso compreender que virtualme?t~ todas as socie~ades
sim, alguns colonos ingleses compraram escravos africanos e do mundo conviveram com a escrav1dao em alguma epoca
ameríndios de espanhóis e holandeses e, com a introdução do de sua história. Enquanto, de maneira genérica, ninguém
açúcar em Barbados nos anos 1630, a economia escravista de queria ser escravo, a ideia de que a escravidão em si era mo-
plantation foi estabelecida na região. De Barbados, a escravi- ralmente errada foi sendo formada aos poucos, mas se ex-
dão britânica foi expandida pelas colônias tropicais - Surina- pandiu rapidamente no final do século XVIII e no início do
me, Jamaica, Antigua, Monserrat, Tobago - e cada uma das século XIX.
Treze Colônias do continente americano. Historiadores identificaram várias origens para o abolicio-
A escravidão nas Treze Colônias não estava confinada so- nismo britânico. A primeira é a resistência escrava: um gran-
mente às colônias do sul do território que viria a ser os Esta- de número de escravos não queria ser escravizado, estando
dos Unidos da América a partir de 1776, com a independên- dispostos a trabalhar coletivamente para libertar a si e a seus
cia do país. Rhode Island, o vale do rio Hudson e partes de familiares e, finalmente (em alguns casos), abolir a escravidão
Nova Jersey tinham população significativa de escravos; em de todo. Em segundo lugar, na Europa, datando pe!o men?s
meados do século XVIII, a cidade de Nova York tinha a se- da época medieval, existia uma tradição popular antle~c~avis­
gunda maior proporção de escravos urbanos entre as cidades ta, especialmente nas áreas urbanas onde. escrav?s f~gitlvos _e
das Treze Colônias (a cidade com maior proporção de escra- servos gozavam de certa proteção das leis e da JUStiça mum-
vos era Charleston, em South Carolina). cipais. Em terceiro lugar, havia um igualitarismo. radical em
Além disso, muitas colônias do norte - notavelmente Mas- alguns movimentos religiosos evangélicos, especialmente os
sachusetts, Rhode Island, Connecticut e Nova York \estavam quakers, que desafiaram toda sorte de hierarquias, incluindo a
intimamente conectadas com a escravidão caribenh~ através escravidão, como sendo contra a vontade divina. Finalmente,
de empréstimos financeiros, comércio de escravos, conStrução parte das elites europeias, no âmbito do pensamento ilumi-
de navios, fabricação de açúcar e provimento de aliment~ nista, começou a questionar a escravidão. Alguns pensadores
itens essenciais para subsistência local. Consequentemente, observavam que a escravidão corrompia o caráter não a~enas
estes estados, mesmo quando não tinham muitos escravos, dos escravos, encorajando-os a parecer fracos, subserviente~
nem pensavam na abolição. e ignorantes, mas também o dos senhores, acostumando-os a
Ainda assim, mesmo com a expansão da escravidão nas co- luxúria e fazendo-os preguiçosos e gananciosos. No final c\.o
lônias britânicas da América do Norte e do Caribe ao longo século XVIII, particularmente na época da Revoluç~o Amer~­
do século XVIII, uma nova ideia começou a ser formada de cana, a noção de que a escravidão era errada e sena um dia
ambos os lados do Atlântico: a noção de que a escravidão, abolida estava difundida na Europa e por toda a América bri-
como instituição, era errada e deveria ser abolida. Para en- tânica- embora isto ainda não fosse um consenso.
48 FGVde Bolso Escravidão e liberdade nas Américas 49

Na Inglaterra, na França e em certas regiões '<ia América A única questão para nós é se [Stewart está legalmente justifi-
do Norte (especialmente Pennsylvania e Massachusetts), cado ao deter Somerset]. Se [ele] estiver, o negro deve [retor-
começaram a ser organizadas sociedades antiescravistas. Es- nar para a custódia de Steward]; se não, ele deve ser libera-
tes grupos de voluntários começaram a promover palestras do. De acordo com os documentos do advogado de Somerset,
públicas, a publicar panfletos, livros e cartas, e procuravam ele partiu e se recusou a servir; em consequência disso ele foi
várias maneiras de publicizar o terrível mal da escravidão. capturado e enviado para ser vendido no exterior. Um ato tal
Um grupo em Londres criou uma estratégia particularmen- de domínio deve ser reconhecido pelo país onde é utilizado.
te interessante. Eles tentavam fazer com que o tribunal real O poder de um senhor sobre o seu escravo vem sendo extrema-
estabelecesse que a escravidão era ilegal na Inglaterra. Seus mente diferente em diferentes países. O estado da escravidão é
esforços resultaram na decisão do famoso caso Somerset, de de tal natureza que é incapaz de introduzir quaisquer razões,
1772. ; morais ou políticas, [que o justifiquem] (... ). É tão odiosa que
Em 1769, o escravo James Somerset foi levado da colónia de nada pode ser permitido para apoiá-la que não o direito posi-
Virgínia por seu senhor Charles Stewart, oficial da alfândega tivo. Quaisquer que sejam as inconveniências, por essa razão,
de Boston; para Londres. Depois de permanecer dois anos na que possam seguir esta decisão, eu não posso dizer que este
Inglaterra, Somerset fugiu. Steward conseguiu que ele fosse caso é permitido ou aprovado pela lei da Inglaterra; e portanto
. capturado e o colocou em um navio para ser enviado de volta o negro deve ser liberado. 12
à Jamaica, mas vários abolicionistas souberam do empenho
de Somerset para conseguir se libertar e intervieram a seu O público e depois os tribunais, incluindo os dos Estados
favor. Eles enviaram um pedido de habeas corpus (uma peti- Unidos, receberam a opinião de Mansfield como tendo abo-
ção para o tribunal determinar se uma determinada detenção lido a escravidão em todo o território da Inglaterra. Foi uma
é legal) e conseguiram que o advogado Granville Sharp, um tremenda vitória do movimento abolicionista.
importante abolicionista, defendesse Somerset durante o pro- · O caso Somerset foi importante por várias razões. Em pri-
cesso; ele e outros quatro advogados trabalharam no caso sem meiro lugar, ele estabeleceu que escravos não poderiam ser
aceitar qualquer remuneração. mantidos por seus senhores na Inglaterra contra a sua von-
O juiz do caso de Somerset, o chefe de Justiça William Mur- tade. Ademais, ele foi importante para reforçar a noção- na
ray, conde de Mansfiel~, tentou reunir as duas partes para Inglaterra e, subsequentemente, nos Estados Unidos - de
resolver o caso por vi.. extrajudicial, já que o tema era tão que escravos que pisassem em solo livre teriam direito à li-
controverso. Os abolicionistas, no entanto, estavam deter- bertação. Sua decisão foi fundamental para que o sentimento
minados a conseguir um resultado positivo para Somerset.
E conseguiram, como mostra a sentença do juiz Murray:
q · The case of James Somerset, a Negro, on a Habeas Corpus, King's Bench: 12 George III,
A.D., 1771-1772. ln: HOWELL, Thomas Bayly. A complete collection o.f state trials, v. 20, 1771-
1777. Londres: T.C. Hansard, 1814. colunas 23-82.
50 FGVdeBolso Escravidão e liberdade nas Américas 51

abolicionista fosse, aos poucos, se espalhando pela Ingla:._ três grandes insurreições, todas ocorridas, não por acaso, em
terra. As propostas antiescravistas mais radicais no início 1831: na Jamaica, na Martinica (então colônia francesa) e na
do século XIX, demandavam abolição imediata e' completa, Virgínia (a revolta liderada pelo escravo Nat Turner, quere-
enquanto aqueles mais cautelosos argumentavam por um sultou na morte de 60 brancos e mais de 100 negros).
programa de emancipação gradual, iniciando com 0 fim do Finalmente, em 1833, o Parlamento britânico aprovou uma
comércio de escravos. lei de emancipação gradual, estabelecendo um período de
Mas o abolicionismo inglês, seja na versão radical ou na cau- "aprendizagem" para os escravos adultos, que deveria durar /

telosa, não foi suficiente para acelerar o processo de emanci- até 1840. Muito parecido com os regulamentos de trabalho
pação dos escravos na Inglaterra. Ao contrário: a forte reação instituídos imediatamente após a emancipação em Saint-Do-
conservadora na Inglaterra, provocada pelas consequências
t mingue (depois Haiti), a lei de emancipação britânica criou
das revoluções francesa e haitiana dos anos 1790 e início dos
1800, aplacou a força que o movimento abolicionista havia
conquistado junto à opinião pública britânica. E, enquanto
l um sistema de "aprendizagem" projetado para durar até
1840. Sob este sistema, os --li-bertoSrecém-emancipados em
colônias britânicas foram forçados a continuar trabalhando
isso, as colônias britânicas do Caribe - incluindo Bahamas, para os mesmos senhores por três quartos do seu tempo, ten-
Barbados, Belize, Bermuda, Dominica, Granada, Jamaica, São do apenas o restante para cultivar suas próprias hortas.
~ristóvão e Nevis (Ilhas Leeward), Trinidad e Tobago - con- O sistema de aprendizagem não foi bem-sucedido. Os li-
tmuavam a importar milhares de escravos da África todos os bertos continuaram tendo as mesmas péssimas condições de
anos. Trinta e sete anos ainda se passariam entre a decisão So- trabalho que tinham antes, como escravos, e geralmente não
merset e a proclamação da abolição do comércio britânico de conseguiam ter as condições necessárias para se tornarem in-
escravos, que só ocorreu em 1807 (os Estados Unidos fariam dependentes. Além disso, havia problemas adicionais: havia
o mesmo, em 1808). poucos supervisores do sistema no Caribe britânico - apenas
Depois da abolição do comércio de escravos, muitos ativis- 132, a metade na Jamaica-, vistos pelos libertos sempre como
tas ingleses abolicionistas avaliaram que a escravidão colonial defensores dos senhores. Estes, por sua vez, não deixavam de
findaria lentamente. No entanto, os proprietários das colônias tentar defender seus direitos de propriedade e continuar a

l
continuavam bastante motivados para manter a sua oferta de explorar os aprendizes libertos. Logo começaram os protestos
t~abalhadores, _e resistiram fortemente à pressão para eman- contra o sistema e, em 1838, foi abolido no Caribe britânico.
Cipar voluntanamente seus escravos. Esta situação fez com A proclamação da abolição previu a indenização dos senhores
que vários grupos de missionários evangélicos começassem a pela perda de propriedade e o pagamento de salários a esses
trab~lhar nas colônias inglesas do Caribe, ajudando a propa- trabalhadores livres, o que criou uma enorme obrigação fi-
gar, Junto aos escravos, ideias a favor da emancipação geral. nanceira - o equivalente à metade do orçamento nacional da
Estas espalharam-se rapidamente, influenciando pelo menos Inglaterra.
52 FGVde Bolso Escravidão e liberdade nas Américas

O problema da abolição do comércio de escravos e da es- Ao contrário: ele mostra como, embora alguys setores da eco-
cravidão na Inglaterra, no entanto, é que não bastava que ela nomia de plantation do Caribe britânico tenham passado por
acontecesse no âmbito do império britânico. Na perspectiva problemas econômicos, o comércio britânico no Caribe teria
oitocentista britânica, se os ingleses condenaram a escravi- aumentado em volume, bem como o número de africanos es-
dão, o mumfo inteiro deveria fazer o mesmo. Para estender cravizados trazidos para a região. A economia escravista esta-
a proibição britânica ao comércio de escravos a todo o mun- ria em ascensão, não em declínio.
do, os diplomatas britânicos negociaram acordos com mais de Assim, se as razões econômicas não foram suficientes para
120 países entre 1807 e 1860. explicar o fim do comércio de escravos, quais teriam sido as
Vale a pena perguntarmo-nos por que a maior potência co- outras razões? Historiadores vêm elencando uma ampla gama
mercial escravista do mundo teria se voltado contra a escra- de fatores, demonstrando que, assim como em outros proces-
vidão em fins do século XVIII e por que a Grã-Bretanha teria sos históricos, este não tem uma explicação simples e pronta.
extinguido uma instituição que, claramente, constituía uma Roger Anstey, por exemplo, destacou o importante ressur-
fonte importante e crescente da riqueza. gimento do sentimento religioso moralista nos séculos XVIII
Historiadores vêm debatendo essas questões por mais de e XIX, argumentando que esse novo moralismo motivou abo-
meio século, a iniciar por Eric Williams. Para ele e vários de licionistas americanos e britânicos. David Brion Davis rela-
seus seguidores, a escravidão norte-americana teria gerado cionou essas motivações religiosas à efervescência política da
uma enorme riqueza para a Inglaterra e os Estados Unidos, chamada Era das Revoluções, na qual americanos, britânkos
tendo chegado mesmo a financiar a Revolução Industrial. 13 e franceses celebraram os direitos do homem e a propaga-
No entanto, após a independência dos Estados Unidos, a eco- ção dos ideais democráticos. Seymour Drescher demonstrou
nomia escravista teria diminuído em lucratividade e impor- que a cultura política inglesa de democracia representativa
tância para a Inglaterra, minando assim o compromisso inglês fez com que homens e mulheres comuns sentissem que suas
com a escravidão. vozes pudessem ser ouvidas, levando milhares deles a assinar
As teses de Williams foram posteriormente criticadas por petições, participar de comícios e pressionar o governo para
vários outros historiadores. Um dos mais contundentes foi acabar tanto com o comércio de escravos quanto com a escra-
Seymour Drescher, ao demonstrar que, ao contrário do que vidão em si. 14
defendia Williams, a economia escravista não teria se tornado Mais recentemente, Robin Blackburn alargou a amplitude
menos lucrativa após a independência dos Estados Unidos. das análises, incluindo a maneira como o fim do comércio de

13 WILLIAMS, Eric. Capitalismo e esct-at•idãa. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. Para 14 ANSTEY, Roger. The Atlantic slave trade and British abolition, 1760-1810. Nova York:
o debate sobre o livro, ver MARQUESE, Rafael de Bivar. Capitalismo & escravidão e a historio- Macmillan, 1975; DAVIS, David Brion. O problema da escraviddo na cultura ocidental. Rio de
grafia sobre a escravidão nas Américas. Estudos Al'an(ados, São Paulo, v. 26, n . 75, p. 341- 354. Janeiro: Civilizaç.lo Brasileira, 2001; DRESCHER, Seymour. Capitalism and antislavery: British
maiojago. 2012. mobilization in comparative perspective. Nova York: Oxford University Press, 1987.
54 FGVde Bolso
Escravidão e liberdade nas Américas 55

escravos aconteceu em meio a uma série de crises econômicas


e políticas que também abrangiam os movimentos de inde- so, embora várias medidas restritivas tenham sido tomadas.
pend~ncia da América espanhola e o Brasil. Essa perspectiva, A situação começou a se alterar com as mudanças no go-
tambem compartilhada por Kenneth Morgan, leva em con- verno britânico em 1806. Além de fazerem parte do novo
~ideraçã~ tanto a política interna quanto o amplo contexto governo vários políticos comprometidos com a causa abo-
I~ternac10nal para entender a mudança de perspectiva britâ-
licionista, havia um consenso geral sobre a importância de
mca em relação ao comércio de escravos, já que nem a análi- se preservar o interesse nacional na guerra contra a França.
se puramente econômica, nem apenas a força do movimento E, agora, o comércio de escravos estava no centro do debate
abolicionista parecem suficientes para explicar o fenômeno. 1s sobre o interesse nacional. O governo defendia que era contra
Sigamos primeiro o desenvolvimento do contexto interna- o interesse nacional negociar escravos com potências inimi-
cional: com o avanço da Revolução Francesa, a causa do abo- gas, me~mo que isto significasse perdas econômicas. E signi-
licionismo, que até então crescia na opinião pública inglesa ficava. A época, um terço dos escravos comercializados pelos
e ganhava cada vez mais apoio no Parlamento, perdeu força. ingleses tinha como destino regiões colonizadas por potên-
A radic~lização da Revolução Francesa em 1793 fez com que cias estrangeiras (nem todas inimigas), como o Caribe francês,
as aut~ndades temessem o alastramento do jacobinismo en- Cuba e o Brasil. O Parlamento inglês foi convencido de que a
tre os mgleses: afinal, o rei francês Luís XIV já tinha tido a Inglaterra não deveria contribuir para aumentar o número de
cabeça decepada, a Igreja Católica já havia sido atacada e a escravos nas colônias das potências inimigas, argumento com
guilhotina passava a ser cada vez mais usada. Naquele mesmo o qual também concordavam os senhores de escravos das co-
ano, a Inglaterra e a França entraram em guerra no Caribe, lônias inglesas do Caribe. O Foreign Slave Trade Bill foi apro-
e o governo evitou qualquer assunto que pudesse desviar a vado em 1806, renovando a pressão popular pela interrupção
atenção nacional. O comércio de escravos e a escravidão cer- total do comércio de escravos pela Inglaterra, que finalmente
tamente eram dois deles. A Inglaterra também queria evitar foi aprovada em 1807.
q~e aconte~esse em suas colônias do Caribe o mesmo que ha-
O fim do comércio de escravos na Inglaterra, portanto, obe-
VIa acontecido na França, com Saint-Domingue; e adotou vá- deceu a uma série de fatores: econômicos, políticos, religio-
rias medidas para evitar o crescimento de movimentos tidos sos, morais, que só podem ser plenamente compreendidos
como radicais, como o abolicionismo. se analisados em conjunto. E se não deixarmos de levar em
Ainda assim, moções para abolir o comércio de escravos conta, também, que nos 60 anos seguintes a Inglaterra se en-
foram apresentadas ao Parlamento desde 1797, sem suces- gajou em um grande projeto de abolição geral do comércio de;:
escravos; coisa que, se também motivava a opinião pública
inglesa e era reforçada por questões religiosas e morais, se
I 5 BLACKBURN, R~bin . The American crucible: slavery, emanclpation and human rights. tornou fundamental para manter a supremacia marítima que
Londres. Verso, 2011, MORGAN, Kenneth. Slavery, A tlantic trade and the British economy
1660-1800. Cambndge: Cambridge University Press, 2001. ' os ingleses haviam garantido em fins do século XVIII.
56 FGVde Bolso Escravidão e liberdade nas Américas 57

A abolição da escravidão na região que se tornou os Esta- brancos do Sul de uma "africanização" crescente da popula-
dos Unidos foi um processo gradual que, iniciado na década ção escrava e o processo de abolição do comércio de escravos
de 1770, durou praticamente um século inteiro. Alguns esta- na Inglaterra levaram à abolição do comércio de escravos nos
- dos do Norte aboliram a escravidão no contexto da adesão à Estados Unidos pelo governo federal.
recém-proclamada independência dos Estados Unidos, ocor-. Antes disso, a população escrava dos estados do Norte já
rida em 1776. Este foi o caso de Vermont, que, possuindo vinha diminuindo consideravelmente. Esses estados já vi-
menos de 30 escravos, declarou independência da Inglaterra nham libertando escravos que se alistassem no serviço mili-
e aboliu a escravidão em 1777, tendo se juntado aos Estados tar desde as lutas pela independência. Estima-se que cerca de
Unidos em 1791. Embora o presidente Abraham Lincoln te- · 5 mil tenham lutado ao lado dos colonos norte-americanos.
nha proclamado a abolição da escravidão em todo o território Provavelmente, número semelhante lutou nas tropas britâ-
norte-americano em 1865- decisão depois referendada pela nicas. Após a independência, a população escrava nestes es-
13a emenda à constituição - , o último estado norte-americano tados continuou diminuindo. O resultado disso foi que, até
a abolir formalmente a escravidão foi Delaware, que só ratifi_: 1804, praticamente todos os estados do Norte desistiram de
cou a 13a emenda em 1901. investir na escravidão.
Embora, logo após a independência dos Estados Unidos, o Embora a abolição da escravidão nestes estados tenha ocor-
congresso norte-americano tenha declarado que "nenhum es- rido devido ao crescimento do movimento abolicionista, ao
cravo deve ser importado para qualquer uma das treze colô- sentimento popular de que a escravidão era moralmente con-
nias", esses honrosos ideais não foram igualmente aplicados denável e ao declínio da importância econômica dos escravos
em todo o território norte-americano. Até o momento da reu- nestas sociedades, os escravos tiveram participação funda-
nião da Assembleia Constituinte, em 1787, apenas dois estados . mental neste processo. Em primeiro lugar porque, desde o
do Norte haviam abolido a escravidão. No mesmo ano, porém, estabelecimento do regime de trabalho escravo nos Estados
o Congresso aprovou a Northwest Ordinance, que proibia a Unidos, vários cativos ocupavam posições que os valoriza-
escravidão ao norte do rio Ohio e a oeste do rio Mississippi. vam no mercado de trabalho local, principalmente nas cida-
Mas a pressão dos estados do Sul - e a ameaça de alguns, des. Havia escravos artesãos, padeiros, alfaiates, marceneiros.
como a Georgia, de que não participariam dos Estados Uni- Estes tinham mais poder de barganha com seus senhores do
dos se houvesse qualquer condenação à abolição no texto da que aqueles escravos que viviam no meio rural, negocian-
Constituição - fez com que ficasse decidido que o governo do, frequentemente, suas liberdades; tanto que, em cidades
federal ficaria proibido de abolir o tráfico de escravos nos 20 como Boston, Nova York e Philadelphia, trabalhadores livres
anos seguintes. reclamaram várias vezes contra a competição dos escravos.
Em 1807, no entanto, o contexto político já havia mudado: Em segundo lugar, as ações dos escravos muitas vezes ul-
a oposição dos estados do Norte à escravidão, os temores dos trapassavam seus objetivos iniciais. Isto aconteceu algumas
58 FGVde Bolso
Escravidão e liberdade nas Américas 59

vezes em que escravos tentaram obter a liberdade na justiça.


cada sujeito tem direito à liberdade, (.. .) bem como à vida e à
Alguns casos foram de tal modo importantes que seus resul-
propriedade - e, em suma, é totalmente repugnante a ideia de
tados provocaram, em certos estados, mudanças significati-
alguém nascer escravo. Sendo este o caso, eu acho que a ideia
vas na gestão da escravidão. Outros foram o estopim para a
da escravidão é incompatível com a nossa própria conduta e
abolição da escravidão. Como este, descrito a seguir.
com a Constituição; e não pode haver tal coisa como servidão
Em 1781, Quock Walker, um escravo de Massachusetts, fu-
perpétua de uma criatura racional, a menos que sua liberdade
giu do seu senhor, mas foi recapturado e punido com castigos
seja restrita por alguma conduta criminosa ou cedida por con-
físicos. Baseado nas cláusulas do direito natural ("todos os
sentimento pessoal ou contrato. 16
homens nascem livres e iguais") e na constituição de Mas-
sachusetts de 1780, Walker conseguiu desafiar seu senhor
Depois de Massachusetts, o estado de New Hampshire ado-
no processo depois conhecido como Commonwealth vs. Jen-
tou semelhante retórica em sua constituição no mesmo ano.
nison, baseando seus argumentos nos maus-tratos sofridos.
Mas outros estados com população escrava mais numerosa
A sentença, como se vê a seguir, efetivamente aboliu a escra-
tomaram um caminho diferente, aprovando leis que facilita-
vidão na região em 1783:
riam a alforria de escravos. Por exemplo, Virgínia, com 42%
de sua população escravizada em 1770, aprovou uma lei em
Quanto à doutrina da escravidão e o direito dos cristãos para
1782, tornando mais fácil aos proprietários alforriar seus es-
manter os africanos em servidão perpétua, e vendê-los e tratá-
cravos, no que foi seguida por Maryland (32% de escravos
-los como fazemos com os nossos cavalos e com o gado, que (é
no mesmo ano), que proibiu a importação de escravos em
verdade) foi até agora tolerado pelas antigas leis da Província,
1783 e removeu algumas restrições à alforria em 1790. Mui-
mas em nenhum lugar elas foram expressamente aprovadas ou
tos proprietários, considerando que havia incoerência entre
estabelecidas. Tem sido um uso - um uso que teve sua origem
a propriedade de escravos e seus princípios revolucionários
na prática de algumas nações europeias, e nos regulamentos
ou crenças cristãs, aproveitaram essas leis para libertar seus
do governo britânico em relação a suas Colônias, em benefí-
escravos. Como resultado, a percentagem de pessoas escravi-
cio do comércio e da riqueza. Mas sejam quais forem os senti-
zadas nesses estados diminuiu nos anos seguintes; no entan-
mentos que tenham prevalecido anteriormente neste particular
to, o número absoluto de escravos aumentou tanto em Virgí-
(...) uma ideia diferente tomou corpo entre o povo da Améri-
nia quanto em Maryland, juntamente com a população livre
ca, mais favorável aos direitos naturais da humanidade, cujo
branca e negra. Ao colocar o poder de emancipar nas mãos-
desejo natural e inato de Liberdade (... ) tem inspirado toda a
dos senhores, entretanto, esses estados reforçaram o poder
raça humana. E é esta base que nossa Constituição, pela qual as
pessoas desta comunidade se empenharam solenemente, define
declarando que todos os homens nascem livres e iguais - e que
16 EGLE, William Henry. Histmy of lhe cmmties of Da11phin and Lehannn in tire Cc>mmon -
wealth n(Pennsyll'ania: biographical an d genealogical. Safem: Higginson, ! QQI.p. 50.
60 FGVde Bolso Escravidão e liberdade nas Américas 61

dos senhores sobre seus escravos, sem enfraquecer a institui- quanto outros foram proibidos. Estes foram os casos de Ohio
ção como um todo. {1802 e 1851), Indiana {1816 e 1851), Illinois (1818 e 1847),
Com o estado da Pennsylvania foi diferente porque, entre Michigan (1835), Wisconsin (1848), Califórnia (1849), Iowa
os estados que formaram inicialmente os Estados Unidos, este (1851 ), Minnesota (1858), Oregon (1859), Nebraska (1860) e
era o único que tinha uma comunidade quaker antiescravis- Kansas (1861). No entanto, mesmo proibindo a escravidão,
ta considerável, e uma pequena e majoritariamente urban~ muitos estados livres do Oeste americano também eram hostis
~opul~ção escrava. Em 1780, os deputados da Pennsylvania, aos negros livres, aprovando leis ou constituições estaduais
Incentivados ~r abolicionistas como Thomas Paine, An- que, por exemplo, proibissem a sua entrada no estado, como
th.ony Benezet e John Woolman, passaram uma lei para eli- · aconteceu, por exemplo, em Oregon, Illinois e Indiana. Entre
mmar gradualmente a escravidão. Em um único aspecto - a 1839 e 1849 o estado de Iowa proibiu que afro-americanos
diminuição do número absoluto de escravos - a lei foi bem- frequentassem escolas, participassem do exército, tivessem
-sucedida. A população escrava .c aiu de 6.885 em 1780, para direito a voto e testemunhassem contra brancos nos tribu-
3. 760 em 1790, e para 795 em 1810. No entanto, a escravidão nais. O casamento entre negros e brancos também não era
permaneceu existindo por ainda aproximadamente 68 anos. permitido.
~ão apenas isso: nesta mesma época, a população de negros Enquanto a maioria dos estados do Norte e do Oeste tentou
hvres da Pennsylvania cresceu rapidamente, em parte como pôr fim à escravidão ao mesmo tempo que estabelecia novas
resultado das alforrias, mas também por conta das migrações, distinções entre os cidadãos com base no conceito de raça, os
aumento da taxa de natalidade entre negros livres e o maior tribunais e as legislaturas do Sul reafirmaram seu compromis-
apoio do estado aos escravos fugitivos do Sul. Entre 1790 e so com a escravidão e a desigualdade entre as raças. Os esta-
1840, a população negra livre cresceu de cerca de 6.500 pe~­ dos de Delaware, Maryland, Virgínia, Carolina do Norte, Ca-
soas até cerca de 48 mil, enquanto a população escravizada rolina do Sul e Georgia mantiveram a escravidão até a Guerra
diminuiu de cerca de 7 mil pessoas em 1780 para menos de Civil Americana (1861-65). Além destes, foram incorporados
600 em 1810. Em 1848, quando foi proclamada finalmente à União como estados escravistas os novos estados de Kentu-
a abolição na Pennsylvania, poucas dúzias de pessoas ainda cky, Tennessee, Louisiana, Mississippi, Alabama, Missouri,
eram mantidas como escravas. Arkansas, Flórida e Texas.
Ao longo do século XIX, aos poucos, novos estados foram A maioria dos estados do Sul também aprovou leis queres-
sendo admitidos na União, como Missouri e Texas, respecti- tringiam os direitos dos negros livres, de modo que suas vi-
vamente, em 1821 e 1845. Por conta disso, para manter um das, na prática, não diferiam muito da dos escravos. Os negros
equilíbrio entre os estados escravistas e aqueles nos quais a . eram tidos como escravos, a menos que pudessem provar sua
escravidão já havia sido abolida, o governo federal autorizou liberdade. Os deputados brancos proibiam os negros de par-
alguns estados a manterem escravos em seus territórios, en- . ticipar da política, mover-se livremente, testemunhar contra
Escravidão e liberdade nas Américas 63
62 FGVdeBolso

Georgia, meus qualificados testamenteiros devem enviar os di-


os brancos ~~ tribunais, .praticar certos ofícios e profissões
tos escravos para fora do estado da Georgia, para o lugar que
(como a med1cma ou o ensmo) e possuir armas de fogo, exceto
quiserem ir; e que suas despesas sejam pagas pelos meus tes-
em casos extremos de autodefesa. Na Georgia, todos os ho-
tamenteiros (.. .), e que todo este processo seja conduzido de
mens livres não brancos tinham que ter um "patrocinador"
acordo com as leis e decisões do Estado da Georgia; eu não te-
branco que atuava como seu tutor legal - independentemente
nho vontade nem intenção de violar o espírito ou a intenção
da sua riqueza ou status social. Em muitos casos, as penalida-
(... ) de tais leis (... ). Eu desejo que os ditos escravos, se assim
des por, violar a lei incluíam castigos físicos ou a escravização,
obrigados, possam escolher a sua residência fora do Estado da
para alem de multas e penas de prisão regularmente infligidas
Georgia, e em qualquer parte do mundo.( ...)
aos criminosos brancos.
Oitavo. E eu direciono meus testamenteiros, na divisão dos meus
O caso seguinte, ocorrido na Georgia na década de 1850
, . ' negros entre os meus filhos, para conservar os ditos negros em
e mteressante pela maneira como encerra em si vários temas
suas famílias, de modo que os princípios de humanidade possam
importantes: o compromisso do Sul em perpetuar a escravi-
ser observados, e a separação um do outro seja a menos dolorosa
dã~ a animosida.de dos brancos contra-a expansão da popu-
possível. Eu também espero e rezo (por respeito à minha memó-
laç~o .de negros hvres; os esforços para realocar os negros em
ria) que a divisão de meus bens se dê sem disputa ou litígio. (...). 17
colomas fora dos Estados Unidos, incluindo a Libéria, Sierra
Leoa e o Haiti; e o paternalismo dos senhores em relação a
Tendo concluído que Waters pretendia alforriar todos
alguns de seus escravos.
.. os escravos citados em seu testamento, a Suprema Corte da
Desde 1801, o estado da Georgia passou a proibir os senho-
Georgia se reuniu para determinar se este ato foi, de fato,
res de libertar seus escravos, exceto por uma permissão espe- ·
legal, e emitiu duas decisões sobre isso, uma em 1854 e outra
cífica da Câmara, inclusive em testamento. Por conta disso,
em 1855. O juiz J. Lumpkin escreveu a decisão da maioria,
o testamento de Thomas J. Waters, um senhor rico da Geor-
autorizando a alforria dos escravos, desde que eles realmente
gia com escravos vivendo em suas diversas propriedades, foi
deixassem o estado. O argumento de Lumpkin foi visto com
questionado na Justiça por um de seus herdeiros, W. C. Cle-
. cautela pelos legisladores do estado. Em 1859, foram proibi-
land. Para Cleland, as cláusulas 3 e 8 do testamento de Waters
das todas as alforrias por testamento na Georgia, reforçando a
indicavam que ele pretendia libertar seus escravos:
fronteira que separava a supostamente perpétua ~ondição de
. escravidão da cada vez mais distante condição da liberdade.
Terceiro. Considerando que eu próprio possuo quarenta e oito
escravos( ... ) Por conta dos fiéis serviços de meu servo William
eu quero e desejo sua emancipação ou liberdade, de sua es~
17 W. C. Cleland et aL vs . Thomas J. Waters et ai. No 53. Suprerne Court of Georgia 16 Ga .
posa e das mulheres de sua família( ... ). Se a sua liberdade for 496; 1854 Ga. LEXJS 213 and Wm. C. Cleland et ai. vs. Thomas J. Waters et ai. No 10. Supreme
incompatível com a humanidade das autoridades do estado da Court of Georgia 19 Ga . 35; 1855 Ga. LEXJS 21. Casos acessados através do LexisNexis® Aca-
demic . Utilizado com permissão do LexisNexls, do grupo Reed Elsevier lnc .
64 FGVde Bolso
Escravidão e liberdade nas Américas 65

As considerações finais de Lumpkin na sentença também nunca surgisse. Este crescente medo da expansão da escravi-
anteciparam, de certa maneira, o arrazoado que a Suprema dão entre os habitantes dos estados do Norte foi fundamental
Corte dos Estados Unidos faria na mais famosa ação de liber- para o crescimento do sentimento anti-Sul, que contribuiu
- dade dos Estados Unidos, o caso de Dred Scott, iniciado em para a deflagração da Guerra Civil. .
1854 e encerrado três anos depois. Nos meses seguintes à eleição do presidente Abraham Lm-
Dred Scott havia tentado processar seu senhor em seu nome coln em 1860, 11 estados escravistas se separaram da União
e de sua família, argumentando que, tendo vivido com seu (Carolina do Sul, Mississippi, Flórida, Alabama, Georgia,
senhor em estados e territórios onde a escravidão era ilegal - Louisiana, Texas, Virgínia, Arkansas, Tennessee e Carolina do
Scott havia acompanhado seu senhor desde o estado escravis- Norte), criando a Confederação dos Estados da América. Em
ta da Virgínia até o estado livre de Illinois - , ele havia ficado 1861, foi iniciada a chamada Guerra Civil americana, que du-
livre. A Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que Scott rou até 1865 e foi o maior conflito do século XIX.
e sua família não poderiam ser libertados; não por questionar . Quase dois anos após a eclosão da guerra civil, Lincoln emi-
a evidência de que eles haviam estado em solo livre, mas por tiu a Proclamação de Emancipação dos Escravos, libertando
considerar que, por ter sangue africano, Dred Scott jamais po- os escravos dos estados confederados. A estratégia de Lin-
deria solicitar a cidadania norte-americana. E, por não poder coln era principalmente conseguir o apoio dos escravos do
ser cidadão, ele não poderia iniciar uma ação cível contra seu ·Sul, para que se juntassem à luta contra os confederados. Ao
senhor. A Suprema Corte também estabeleceu que o chamado · não incluir os escravos dos estados da União na declaração de
Missouri Compromise, que em 1820 havia proibido a escra- emancipação, Lincoln esperava obter o apoio dos proprietá-
vidão no então território da Louisiana (exceto às margens do rios de escravos daqueles estados pertencentes à União que
estado do Missouri), era inconstitucional. não haviam abolido a escravidão (os chamados "estados de
A decisão do caso de Dred Scott serviu para abrir os olhos fronteira": Delaware, Kentucky, Maryland e Missouri). Em
daqueles habitantes dos estados do Norte que acreditavam · resposta a seu ato, cerca de 200 mil ex-escravos e negros li-
que a escravidão era tolerável enquanto permanecesse restri- vres se juntaram ao exército dos estados da União.
ta ao Sul. Para estes, se a sentença tirou o poder do Congresso Enquanto a guerra se arrastava, um número crescente de
de regular a escravidão nos novos territórios agregados pelos nortistas começou a apoiar a redação de uma emenda constitu-
Estados Unidos, a escravidão poderia rapidamente se expan- cional para abolir a escravidão. Alguns, como o liberto aboli-
dir por todo o Oeste do país. Essa possibilidade era muito cionista Frederick Douglass, rejeitavam a ideia pura e simples
assustadora para ser ignorada. De repente, muitos nortistas da abolição, se ela não garantisse igualdade de direitos civis.
que antes não haviam se posicionado estritamente contra a No entanto, inicialmente no Senado e, em seguida, após as
escravidão no Sul começaram a se dar conta de que, caso não eleições de 1864, a Câmara dos Deputados aprovou a emen-
a atacassem de uma vez por todas, talvez esta oportunidade da; abolindo a escravidão em todos os Estados Unidos. No
66 FGVde Bolso

dia 6 de dezembro de 1865, um número suficiente de estados


(inclusive alguns do Sul) ratificou a emenda, permitindo sua
aprovação final.
Bibliografia

Literalmente, milhares de livros e artigos têm sido escritos


sobre a história da escravidão nas Américas. Os livros lista-
dos a seguir são apenas uma amostragem de obras de síntese
e daqueles relacionados principalmente com direito, justiça e
escravidão, que irão proporcionar aos estudantes um mosai-
co de algumas das novas pesquisas na área. Eles são uma mis-
tur~ d~ obras relativamente recentes e clássicos no campo.

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