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História da América II
Prof. Raphael Sebrian
Texto 03 (módulo/bloco "Independência")
4 DE JULHO DE 1776
INDEPENDÊNCIA DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
Mary A. Junqueira
Coordenadora da série
Maria Luiza Tucci Carneiro
LA-LY.l-i ~ Componhío
·-··· - · eeilo16 IIi Editora Nocior>o l
.. ,;,.wo 1
© Companhia Editora Nacional, 2007
© Lazuli Editora, 2007
III. Companhia
11'" Editora Nacional
LA-Z-YL...i
-------•mora
direç·ão editorial Miguel de Almeida
direção de arte Werner Schulz
revisão Natália Cesana
Marcelo D. Brito Riqueti A SÉRIE LAZULI RUPTURAS vem incentivar o debate sobre fatos
MaxWelcman
históricos que alteraram os rumos da Humanidade ou de um
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Cãmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
povo, em particular. Fatos que se tornaram referência, uma es-
Junqueira, Mary A.
pécie de baliza de um novo tempo. Fatos que, constantemente,
4 de Julho de 1776: Independência dos Estados Unidos da América I Mary são lembrados e (re)memorados por terem causado uma revira-
A. Junqueira. - São Paulo: Companhia Editora Nacional : Lazuli Editora, 2007.
- (Série rupturas I coordenadora Maria Luiza Tucci Carneiro) volta no cotidiano desta ou daquela sociedade, alterando a or-
Bibliografia.
dem universal. Esta questão, necessariamente, nos instiga a re-
ISBN 978·85-04-00919·4 (Companhia Editora Nacional) pensar a memória histórica e a indagar: qual é a versão do fato
1. Estados Unidos· História 2. Estados Unidos- História -Independência que chega até nós?
I. Carneiro, Maria Luiza Tucci.ll. Título. III. Título: 4 de Julho de 1776:
Independência dos Estados Unidos da América. IV. Série.
Por experiência do passado, sabemos que as tradições podem
ser "inventadas", como já ressaltou Eric Hobsbawm. Muitas ve-
07-47S5 CDD-973
zes - pelo distanciamento do fato - recebemos versões distor-
lndices para catálogo sistemático:
cidas que, repetidas ao longo dos tempos, tornam-se "verdades
1. Estados Unidos História 973
absolutas". É quando o dito pelo não-dito se impõe, relegando a
Todo s os direitos reservados um segundo plano os testemunhos oculares. Enfim, nossa his-
1' edição tória é uma história de muitos silêncios, imagens construídas
São Paulo- 2007
e versões consolidadas. E, nem sempre, a versão ou a imagem-
Impressão e Acabamento IBEP Gráfi ca símbolo que "ficou" é aquela que expressa a verdadeira dimen-
Companhia Editora Nacional
são do fato acontecido.
Av. Alexandre Mackenzie, 619 • Jaguaré ·São Paulo· SP • 05322 ·000
Te i.: (11) 6099·7799 • www.editoranacional.com.br • editoras@editoranacional.com.br
São questões como estas que vamos discutir nesta coletâ-
nea de títulos direcionados para tempos distintos: o de curta
SUMÁRIO
duração, onde tudo oscila a partir de um fato , e o de longa
duração modelado pela persistência das representações cole-
tivas. Optamos por temas que causaram alguma perplexidade
por expressarem um cisma para o qual não faltam explica-
INTRODUÇÃO
ções, muitas vezes contraditórias. Daí o nosso foco sobre as
revoluções, invenções, golpes políticos, genocídios e guerras. 5
ADATA
Este leque se abre para múltiplos campos do conhecimento:
história, literatura, artes, arquitetura, fotografia, política, eco- HISTÓRICO B
nomia, música, esporte, legislação, ciência, culinária, entre
tantos outros. Alguns mais provocativas, outros mais sedu- RELATOS 41
tores. Enfim, estaremos atentos à dinâmica da História, prio-
rizando os sintomas de inércia das sensibilidades, os desvios e IMAGEM-SÍMBOLO 51
as continuidades, os encantos e os desencantos, os momentos
de luzes e os tempos sombrios. GLOSSÁRIO 65
Este desafio deve ser compreendido como um despertar
para o mundo do conhecimento, voltado para a percepção BIBLIOGRAFIA 68
das conexões e implicações estabelecidas por essas rupturas ao
longo da História. SOBRE AAUTORA 72
VI
INTRODUÇÃO
Oimpério britànico
cerveja, e John Hancock, filho de um rico comerciante. Alinha- e instituir novos impostos sem a devida representação. Em Lon-
vam-se também entre os descontentes muitos artesãos e peque- dres, os que defendiam os impostos a serem pagos pelos colo-
nos bandos formados por pobres e analfabetos que espalharam nos argumentavam que, na Inglaterra, vigoravam determinadas
temor pelas colônias naqueles tempos. As casas das autoridades tarifas às quais os colonos não estavam submetidos. Mas a ver-
inglesas, especialmente as que haviam aplicado a Lei do Selo, fo- dade é que a maioria dos colonos aceitava que o parlamento re-
ram invadidas, as vidraças foram quebradas, os móveis destroça- gulasse o comércio, mas não aceitava ser tributada, uma vez que
dos, indicando que o descontentamento havia chegado a vários a própria regulamentação restringia os lucros que os colonos
segmentos da sociedade. poderiam alcançar sem o controle da Metrópole. Se já tinham
As cidades coloniais concentravam homens e mulheres po- os seus lucros restringidos devido à regulação do comércio, por
bres e insatisfeitos com os lugares que lhes eram reservados na que pagar impostos?
sociedade. Há muito tempo vinham mostrando descontenta- A Lei do Selo foi revogada em 1766, depois que a Inglaterra
mento com o que consideravam a "riqueza dos ricos da colô- reconheceu a extensão dos distúrbios e também porque os colo-
nia': Quando as colônias passaram a se opor ao governo inglês, nos decidiram boicotar os produtos britânicos. Os comerciantes
a insatisfação se voltou contra a monarquia e o parlamento, na Inglaterra, temendo ser afetados nos seus lucros, pressiona-
pois eles viam nesse conflito a oportunidade de melhorarem de ram o parlamento para que voltasse atrás na medida.
condição. Homens como o sapateiro pobre Ebenezer Mclntosh Em 1767, a Inglaterra - agora com um novo lorde do Te-
comandavam, em Boston, a turba que tomava de assalto ci- souro, Carlos Townshend - continuava com problemas para
dades, quando os ressentimentos antibritânicos se misturavam gerir os seus gastos internos e externos, especialmente devi-
com o descontentamento em relação a sua própria condição. do à manutenção de um exército de defesa do outro lado do
A Lei do Selo e os acontecimentos do explosivo ano de 1765 Atlântico. Depois de muito debate, foi instituída a Revenue Act
haviam revelado que a insatisfação contra o governo inglês to- (Lei da Receita), também chamada de Tarifas Townshead, que
mava conta de muitos colonos ricos e chegava às camadas mais estabelecia que produtos importantes para os colonos, como
pobres da sociedade (NASH, 1986: 184-99). o vidro, a tinta, o papel e o chá, antes não taxados, passas-
As 13 colônias pediram a revogação da Lei do Selo, numa sem a ser tarifados. A Inglaterra revogara a Lei do Selo, mas
reunião de representantes em outubro de 1765. Os colonos pro- instituía novas tarifas, e mais que isso: instituía um controle
meteram lealdade ao rei, mas declararam não reconhecer "as maior nas colônias para o recolhimento de impostos. A partir
medidas arbitrárias" tomadas pelo parlamento, como aumentar de então, funcionários alfandegários - desde que solicitados
por tribunais coloniais - poderiam dar buscas nas residên- O ponto crítico da primeira fase da controvérsia entre as co-
cias dos colonos. lônias continentais e Londres foi o levante colonial ocorrido após
Como era de se esperar, os colonos se revoltaram e ameaça- a instituição da Lei do Selo. Embora a indignação e a resistência
ram novamente com um boicote dos produtos britânicos. Novos fossem fortes, ainda não se falava formalmente em independên-
panfletos foram escritos, pastores com filiações religiosas distin- cia da Metrópole; porém, não havia dúvidas de que a autoridade
tas proferiam sermões indignados, os jornais protestavam contra inglesa estava sendo questionada e os laços e compromissos que
o rei, contra o parlamento e contra os comerciantes ingleses. O permitiam a existência do império britânico estavam em crise.
parlamento novamente recuou da sua decisão e desistiu de co- A idéia de uma ruptura com Londres foi elaborada aos poucos,
brar as Tarifas Townshead. Mas, em 1768, devido a agressões a tomando mais consistência na década de 1770.
alguns funcionários da alfândega, o parlamento inglês deliberou
pelo envio de tropas e navios de guerra para Boston. Ase!lUT1Ói1 f2se j .i;.:;,; em 1772, a crise financeira inglesa se
Era evidente que as dimensões da crise pela qual passava o agravara e foi a vez de Iord North assumir o Ministério do Te-
governo inglês não eram pequenas, e manifestou-se, particu- souro. A situação econômica fez com que a Companhia das
larmente, no Ministério do Tesouro, uma vez que esse cargo Índias Orientais, importante empresa colonial britânica que
concentrava um extraordinário poder na época, tal e qual o de atuava também na Ásia, particularmente na Índia, chegasse a
um primeiro ministro. O rei George III, cujo reinado começara uma difícil situação financeira. Nos
em 1760, havia indicado inicialmente para o ministério o con- depósitos da Companhia avoluma-
de George Bute. Em 1763, Bute deixou o cargo, e tomou seu lu- vam-se caixas e caixas de chá não
gar George Grenville, responsável pela proposta da Lei do Selo vendido. Em J 773, Iord North pro-
e, como conseqüência, rejeitado por grande parte dos colonos. pôs, e o parlamento aprovou, o Tea
Em 1765, foi a vez de Iord Rockingham assumir o cargo. Deveu- Act (Lei do Chá). E foi em torno do
se a ele a revogação da Lei do Selo. Em 1767, Iord Townshead chá, produto muito consumido na
assumiu o posto e caiu em 1770, quando Iord North assumiu. Inglaterra, que se deu a segunda
A velocidade com que esses ministros assumiam e deixavam o fase da crise.
cargo mostra que a questão financeira na Inglaterra era nevrál- O parlamento concedeu à Com-
gica e que não havia um projeto a médio e longo prazo para so- Adaptação de caricatura da época. Cairmos panhia das Índias Orientais o direi-
forçam coletor de impostos atomar chá.
lucionar a situação, tanto interna, quanto externamente. to de vender diretamente o chá aos
(www.log.gov)
24 Rupturas 4 de de 1776
colônia de Massachusetts e de que a força militar os recolocaria apelando para que atuasse em favor dos seus súditos além-mar.
no "seu devido lugar" (WOOD, 2002: 52-3). Em 19 de abril de O rei não recebeu o enviado, rejeitando de forma incontestável
1775, o general inglês Gage- governador de Massachusetts- en- a proposta. Com isso, estavam definitivamente rompidos os la-
viou à cidade de Concord alguns soldados para confiscar pólvo- ços entre a Inglaterra e as 13 colônias continentais.
ra, armas e prender dois homens considerados responsáveis por A emancipação política das 13 colônias foi a primeira a se
incentivar rebeliões e tumultos: os radicais Samuel Adams e John realizar no Novo Mundo. Além disso, a possibilidade de inde-
Hancock Os minutemen agiram rapidamente, espalhando a no- pendência significava que os colonos teriam de criar um au-
tícia a tempo de as milícias enfrentarem as tropas britânicas em togoverno, reunindo algumas ou mesmo todas as 13 colônias
Lexington e Concord. Estima-se que nesse primeiro embate, o nú- insurgentes, algumas delas com pouco contato entre si . A tarefa
mero de colonos mortos foi de 100, enquanto 273 o de realistas. não era fácil, pois as decisões deveriam ser acordadas entre as
Havia começado a guerra entre colonos e Inglaterra. partes envolvidas.
Mesmo assim, no dia 10 de maio, instalou-se o segundo
congresso continental, também na Filadélfia. Os delegados re-
solveram formalizar a criação de um exército continental sob
a liderança de George Washington, pois até então, como já se
sabe, as disputas vinham sendo travadas entre os soldados bri-
tânicos e as milícias coloniais.
Durante o segundo congresso, a proposta de independência
tornou-se pública e passou a ser formalizada. Mas deve-se dizer,
muito instigada por radicais como Thomas Paine e o seu famo-
so panfleto, Comon Sense (Senso Comum), no qual argumen-
tava e defendia de forma ardorosa a Independência. O panfleto
de Paine alcançou todas as 13 colônias continentais britânicas
em pouco tempo (FLORENZANO: 1998).
Os delegados reunidos no congresso fizeram um último ape- Pintura de John Trumbull reatizada em 1817. procura reproduzir o momento no qual o comitê instituído para
lo ao rei, enviando a Oliver Branch Petition (Petição do Ramo de elaborar a primeira versão da Declaração de Independência apresenta oseu trabalho ao Congresso Continen-
tal em 1776. Desde 1826 oquadro encontra-se exposto na rotunda do Congresso. em Washington. D.C
Oliveira), mais uma vez confirmando a lealdade à Coroa, mas (www.loc.govl
30 Rupturas 4 de de 1'776 31
deve ser entendido também entre o conjunto de questiona- Para a elite que pensava a formação do Estado Nacional e os li-
mentos políticos, sublevações e conflitos entre classes que vi- mites da participação política, um homem que depende do ou-
nham acontecendo tanto na Europa quanto no Novo Mundo, tro não podia ser considerado livre; logo, os escravos, depen-
apoiados no debate das idéias liberais, na possibilidade de cons- dentes como eram dos senhores, estavam incapacitados para o
tituição da república e nas questões dos direitos. Esse debate al- exercício da liberdade.
cançou o seu momento de mais forte expressão entre o final do A liberdade individual estava vinculada à busca da felicida-
século XVIII e início do XIX. de e também, especialmente para a elite comercial, à liberdade
dos mares. Tanto é assim que a doutrina dos comerciantes no
período da independência era conhecida como Free ships make
Os limites das transformações Jreegoods, ou seja, navios livres fazem mercadorias livres (MOR-
GAN, 1972: 6). Todavia, os negócios e a riqueza dos colonos
Escravidão eram baseados em determinadas mercadorias produzidas por
Nos discursos e debates proferidos pelos colonos, eles insis- mãos escravas. O novo país pretendia estabelecer negócios com
tiam que lutavam por liberdade. A palavra freedom (liberdade) outros países e aumentar as suas exportações, indicando que a
foi exaustivamente utilizada na época, uma vez que, para os co- mão-de-obra escrava era vital para os planos após a Indepen-
lonos, a monarquia inglesa e o parlamento queriam escravizá- dência.
los. Por isso, viam-se lutando pela nobre causa da liberdade. No Na época do conflito, os mais elo-
entanto, havia em todas as 13 colônias um número considerável qüentes defensores da liberdade eram
de escravos, submetidos a um sistema de trabalho que negava da colônia da Virgínia. Eram, tam-
completamente a idéia de liberdade pela qual tanto lutavam os bém, grandes proprietários e donos de
colonos. Como entender que esses homens, que diziam não per- escravos. Thomas Jefferson é o mem-
mitir serem escravizados, possuíssem, eles próprios, escravos? bro da elite mais lembrado quando o
Além da palavra liberdade, outra expressão comum ente uti- tema é a questão da liberdade das co-
lizada era pursuits of happiness (a busca da felicidade). Para os lônias e a escravidão, em virtude de ter
colonos, a busca da felicidade era, grosso modo, a possibilidade passado para a História como um dos
de gerenciarem seus próprios negócios, sendo que a tão reivin- mais nobres e virtuosos pais fundado-
dicada "liberdade" estava vinculada aos direitos do indivíduo. Thomas Jefferson 11743-1826). res da nação. Mas foi Jefferson quem
40 Rupturas 4deJulhodel'/76 41
dependam sua felicidade e futura fama, e a preservação des- de independência corria já de boca
sa harmonia que, sozinha pode dar prosseguimento, tanto em boca. defendida por muitos, e
para a Grã-Bretanha como para a América, às vantagens re- rechaçada por outros tantos. "Ad-
cíprocas de sua relação. Não é nosso desejo nem nosso inte- mitindo-se porém que somos todos
resse separar-nos da Inglaterra(...) não os deixe pensar em de ascendência inglesa, o que signi-
impedir-nos de ir a outros mercados dispor das mercado- fica isso? Nada. A Bretanha, sendo
rias que eles não possam usar ou de suprir as necessidades agora um inimigo declarado, todos
que eles não podem preencher. Menos ainda propor que os outros nomes e títulos desapa-
nossas propriedades, em nossos próprios territórios, sejam recem: e dizer que nosso dever é a
tributadas ou reguladas por qualquer poder que não seja o reconciliação seria ridículo. O pri-
nosso" (JEFFERSON, 1964: 29-30). meiro rei da Inglaterra, na presente
O Summary View é uma referência para os estudos políti- linhagem (Guilherme, o Conquis-
cos nos Estados Unidos e um dos mais conhecidos textos de tador) era francês, e a metade dos
Thomas Jefferson. O autor clamava para que o rei demonstras- Capa do panfletu CllfJIIJIOfl 5ens. (Senso nobres da Inglaterra são descen-
se a "grandeza" que o cargo lhe conferia, defendendo os súdi- CGmull. escril ,.. 1'helnas Paine e111 dentes do mesmo pais; assim sen-
tos injustiçados além-mar. Afirma claramente que os colonos ln6. (www.inliatla.edul do, se seguíssemos o mesmo mé-
tinham alguns direitos sobre o comércio e sobre determinadas todo de raciocínio, a Inglaterra deveria ser governada pela
propriedades. Ainda que sustentasse que as colónias não tives- França" (PAINE, 1982: 25 -6).
sem a intenção de se separar da Inglaterra, a simples menção Contundente, direto e um tanto provocador, Paine defendia
da palavra - separação - nos informa que a idéia de emancipa- ferozmente a independência, contrapondo-se aos contrários a
ção política era vista como possibilidade. ela que recorriam à argumentação de que havia uma identidade
Os radicais, por outro lado, mais eloqüentes e combativos, inglesa no império britânico. Ele próprio havia nascido na Ingla-
mas igualmente atuantes quando dos acontecimentos e debates terra, mas questionava frontalmente não só a autoridade britâni-
da época, se impuseram em muitos momentos. Esse foi o caso ca, mas a identidade britânica de todo o império. O argumento
do já citado Thomas Paine (1737-1809) e do seu famoso Com- de Paine é um tanto irreverente e irônico, uma vez que devido
mon Sense (Senso Comum), panfleto que circulou amplamente às rivalidades entre Inglaterra e França, não seria nada cómodo
pelas colônias no início do ano de 1776, quando a possibilidade para a primeira ser governada pela segunda.
42 Rupluras 4 de julho de , m 43
Oproblema comos ín dios Os Iroquois são um bom exemplo da atuação indígena du-
rante o conflito. Eram poderosos e apresentavam comporta-
Como vimos, na década de 1760, parte dos índios, especial- mento mais guerreiro; congregaram nações perto de Nova
mente os que se encontravam ao nordeste das colónias, se jun- York, também conhecidos como Six Nations (Seis Naçôes),
tou aos franceses contra os colonos ingleses, na conhecida guerra fizeram acordos e elaboraram uma espécie de Confederação
Franco-índia. Durante as guerras de independência, alguns gru- que reunia os grupos, desde o século XVII: Senecas, Cayugas,
pos indígenas que tinham contato com os brancos se dividiram. Onondagas, Oneida Mohawks e Tuscaroras. Durante a guerra
Alguns lutaram ao lado dos colonos, outros do lado da Coroa, Franco-índia se colocaram ao lado dos ingleses, mas durante
devido às alianças ou conflitos com os colonos. Por outro lado, as a guerra de independência, a confederação dos Iroquois se di-
rivalidades entre as tribos também fizeram com que rivais optas- vidiu. Algumas nações se posicionaram contra os colonos, en-
sem por um determinado lado. Mas o interessante é que alguns quanto outras se colocaram ao lado dos ingleses.
grupos, como os nômades Abenakis, estavam confusos e procu- É bom lembrar que na conhecida Boston Tea Party, de 1773,
ravam entender o que se passava. Veja o relato de um colono do em Boston, os colonos que lançaram ao mar as cargas de chá
nordeste, escrito em 1775: "Há cinco ou seis famílias de índios que permaneciam nos navios ancorados estavam vestidos
caçando em Androscoggin, por volta de 25 milhas ao norte da como os índios Mohawks. Pois bem, esse mesmo grupo se co-
minha casa. Algumas das mulheres e jovens estiveram em minha locou ao lado do exército inglês na guerra de independência.
casa na última semana; um deles expressou muita preocupação Não só os Mohawks, mas, em 1777, um significativo número
sobre os tempos em que vivemos; disse que os homens não po- de Oneidas, Cayugas e Senecas estavam prontos para lutar do
diam caçar, comer, nem dormir; permanecem juntos e atentos lado dos britânicos, criando uma cisão na Confederação indí-
todas a noites, inquirindo, inquirindo toda a noite. Oh, estranho gena dos Iroquois. Apesar de alguns grupos tomarem posição
inglês que mata um ao outro" (RAPHAEL, 2002: 237). frente ao conflito anglo-norte-americano, grande parte dos in-
Certamente, os Abenakis compreendiam que um grupo in- dígenas preferiu se distanciar do embate.
dígena matasse um inimigo seu, de outra tribo, mas não conce- Os ingleses, por outro lado, não foram condescendentes
biam que houvesse extermínio dentro do mesmo grupo. O que com quem estava ao seu lado. Mary Jamison, já envelhecida,
esses índios não perceberam é que os colonos, de uma forma relatou a um escritor sua vida de cativa entre os índios e como
ou de outra, não mais se identificavam com os ingleses e esta- mulher de um guerreiro Seneca. Ela se colocava ao lado dos
vam constituindo outra identidade. índios e não poupou os ingleses especialmente com relação às
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mentos fundadores das nações simbólicos, mas a reverência e a at-
mosfera sagrada que os norte-americanos atribuem ao original da
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Declaração de Independência mostram a importância do evento
e a simbologia do texto para essa cultura.
Fotografia da Rotunda do National Archives. em Washington D.C.. onde está exposto o manuscrito da ' Ver o local de exibição das Charters of Freedom (Ca rtas da Liberdade) no National Ar-
Declaração de Independência. ehives: www.archives.govI national-arch ive-experience.
4 de 1ulho de 1776 ó5
64 Rupturas
escreveu no calor dos acontecimentos da Revolução Inglesa e reestruturação política, econômica e social da Inglaterra. Tra-
seus textos circularam tanto na Europa quanto nas Américas. tou-se de um enfrentamento entre a burguesia ascendente, que
Monarquia: forma de governo no qual o poder é fortemen- se identificava com o protestantismo, e o rei, que, por sua vez,
te centralizado nas mãos do monarca, soberano que procurava identificava-se com o anglicanismo e com o poder divino dos
manter sob o seu controle as áreas política, econômica e mi- reis. Tal revolução fez com que o poder do rei fosse limitado,
litar. Fundado na origem dinástica e em bases hereditárias, o ao mesmo tempo em que se instituíam novos poderes ao Par-
poder do soberano era considerado perpétuo, irrevogável e in- lamento. Além disso, foi elaborado um conjunto de normas re-
vestido inclusive de direitos divinos. Na Inglaterra, quando da guladoras: a constituição, e a partir de então, tal regime passou
Revolução Inglesa do século XVII, tal regime era o da política a ser conhecido como monarquia constitucional.
absolutista dos reis Stuart. Rousseau: Jean- Jacques Rousseau (1712-1778) foi um dos
Montesquieu: Charles-Louis de Secoudant, Barão de Mon- pensadores de destaque do iluminismo na França. Publicou,
tesquieu (1689-1755), filósofo iluminista francês. Era nobre e entre outros, Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da De-
crítico do poder absoluto da monarquia. Entre outros livros, es- sigualdade entre os Homens (1755) e Do Contrato Social ( 1762).
creveu o influente O Espírito das Leis (1748), no qual discute o Ambos os livros serviram como referência para a crítica às mo-
lugar das instituições e o significado das leis. Montesquieu era narquias, ao poder autoritário e à rígida hierarquia instituída
simpatizante da monarquia constitucional e tornou-se conheci- pelos reis. Defendia que o direito político dos governantes esti-
do dos dois lados do Atlântico, devido a sua teoria de divisão de vesse estreitamente atrelado ao povo.
poderes, implementada e discutida até os dias de hoje.
República: A primeira república moderna bem sucedida do
Ocidente foi criada nos Estados Unidos, após a Independência,
a partir das idéias políticas contestatárias que circulavam en-
tre a Europa e as Américas. Trata-se de um regime de governo
baseado em princípios constitucionais e, em geral, fundado na
divisão de poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário, no
qual um presidente, eleito, governaria por tempo limitado.
Revolução Inglesa: movimento que questionou o poder da
monarquia dos Stuart no século XVII (1640-1660) e levou à
4 de jUlho de 1776 ní
66 Rupturas
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4 de JUlho de 1T76 69
68 Rupturas
Filmografia
Revolução (1985). Direção: Hugh Hudson. Com AI Pacino, Donald Su - Library of Congress (Biblioteca do Congresso)
therland e Nastassja Kinski. O filme mostra a trajetória de Tom Dobb, caçador www.memory.loc.gov
e comerciante de peles, que é colhido de surpresa pela guerra de Independên- Natíonal Archives (Arquivos Nacionais)
cia das 13 colónias quando chega ao porto de Nova York. Ele e seu filho pro- www.archives.gov
curam se manter fora do conflito, mas as circunstâncias não o permitem.
Informações sobre a Independência
O Último dos Moicanos (1992). Direção: Michael Mann. Com Daniel www.pbs.org/ktca!liberty
Day- Lewis, Madeleine Stone e Russell Means. Baseado no romance de James www.theamericanrevolution.org
Fenimore Cooper, o filme enfoca a luta entre ingleses e franceses- e o posi -
cionamento de determinados grupos indígenas- durante a guerra Franco-ín- Cartas do período
dia de 1754 e 1763, conflito no qual os ingleses saíram vencedores, mas endi- www.si.umich.edu/spies
vidados. A partir de então, a Inglaterra optou pela política de reestruturação www.massh ist.org/ digitaladams
do seu império além-mar e instituiu impostos, antes não cobrados dos colo-
nos. Tal redirecionamento da política colonial fez com que 13 das colónias in- Acessos realizados aos sites citados em junho de 2007.
glesas se revoltassem até pegar em armas pela sua emancipação política.
Jefferson em Paris (1995). Direção: James Ivory. Com Nick Noite, Gre-
ta Scacchi e Jean-Pierre Aumont. O filme se passa em meio a década de
I 780, quando o viúvo Thomas Jefferson foi designado como representante
dos Estados Unidos na França. Nesse período, Jefferson iniciou um roman-
ce com uma das suas escravas, a negra Sally Hemings, na época com IS
anos, com quem teve seis filhos. Jefferson voltou aos Estados Unidos quan-
do estourou a Revolução Francesa de 1789.