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um papel de destaque

Imprensa que, junto com


pólvora e os descobrimentos,
erla contribuído para a transição
a civilização medieval para a
lvllização moderna.
Mas a análise de como
cultura impressa afetou as
entes européias no início da Era
oderna costuma ser superficial
esse tipo de obra, e foi,
llás, por muito tempo,
m tema pouco explorado pela
squisa universitária.
A historiadora inglesa Elizabeth
. Elsenstein, que já havia tratado
m suas pesquisas anteriores de
ovlmentos históricos de grande
epercussão, como a Revolução
rancesa e as mudanças políticas
sociais ocorridas na França no
nfclo do século XIX, defronta-se
om esse problema numa obra
e grande envergadura e
dlçõo, A revolução da cultura
mpressa - Os primórdios da
uropa Moderna.
Numa linguagem ao mesmo
po simples e precisa,
Autora descreve para o leitor
século XX as mudanças
O espírito da imprensa descendo dos céus
ulturals pelas quais a Europa
ldental vem passando desde
ue •a reprodução de materiais
ritos começou a deslocar-se
mesa do copista para as
clnos dos Impressores·.
Opondo a mentalidade que
leceu no perfodo dos
~ EscR1r~
COLEÇÃO MÜLTIPLAS ESCRITAS

Elizabeth L. Eisenstein

FRONTISPÍCIO

A REVOLUÇÃO DA CULTURA IMPRESSA


Frontispício da Hi..Jtoire de !'origine et deJ premierJ progrU de tiniprinurie, de Prosper Marchand Os primórdios da Europa Moderna
(Haia: Pierre Paupíe, 1740). Mostra o espírito da imprensa descendo dos céus sob a égide
de Minerva e Mercúrio. El~ é dado em primeiro lugar à Alemanha, que o doa sucessiva-
mente à Holanda, à Inglaterra, Itália e França (lendo-se da esquerda para a direita).
Observem-se as letras diversificadas dos alfabetos latino 1 grego e hebraico, que adornam
/
os trajes drapeados do espírito da imprensa. Observem-se igualmente os retratos em meda-
lhão dos mestres da imprensa. A Alemanha tem Gutenberg e Fust (o medalhão de Peter
Schoeffer está em branco)i Laurens Coster representa a Holandai William Caxton, a Tradução
Inglaterra; Aldus Manutius, a Itália; Robert &tienne, a França. A escolha do último, que Osvaldo Biato
fugiu de Paris para Genebra, após ter sido censurado pela Sorbonne, refletia provavehnen-
te a experiência de Marchand, que trocou Paris por Haia, em 1707, após sua conversão ao
protestantismo. Essa composiçãoi como o livro que ela ilustra, dá uma idéia de como edi- Revisão técnica
tores e impressores glorificavam seus antecessores, ao mesmo tempo que se promoviam a
Rodolfo Ilari
si próprios.
Mayumi Denise Senoi Ilari
EDITOR
l\1iriam Goldfeder
EO!TOR·ASSISTENTE
Claudemir D. de Andrade
SUMÁRIO
PREPARAÇÃO DE TEXTO
Maria de Fátima 1\1.endonça Couto
REVJSAO
Célia Regina do Nascimento Camargo
Fátima de Carvalho M. de Souza (coord.)
Isaías Zilli
EbIÇÃO DE ARTE (MIOLO)
G&C Associados
Laura Sanae l)oi

CAPA
Prefácio .......................................... 7
Isabel Carballo
PARTE 1
O ADVENTO DA CULTURA IMPRESSA NO OCIDENTE
©Cambridge University Press, 1983
Título original: The printin.tJ re110Íation U1 earíy Modern Europe
1. Uma revolução despercebida ..................... 17
Impresso nas oficinas da 2. Definição do salto inicial ........................ 27
Gráfica Palas Athena 57
3. Algumas características da cultura impressa ........
4. A expansão da República das Letras ............... 109

PARTE li
INTERAÇÃO COM OUTROS DESENVOLVIMENTOS

5. A Renascença permanente:
mutação de uma revivescência clássica ............. 129
ISBN 85 08 06899 9 6. O mundo cristão ocidental dilacerado:
reformulação das circunstâncias da Reforma ........ 167
1998 7. As transformações do Livro da Natureza:
Todos os direitos reservados pela Editora Ática 1 a imprensa e o surgimento da ciência moderna ...... 207
Rua Barão de lguape, 110 - CEP 01507-900
1
8. Conclusão:
Caixa Postal 2937 - CEP 01065-970 1
Transformação das Escrituras e da natureza ........ 277
São Paulo - SP
Tel.: (Oll) 278-9322 -Fax: (Oll) 277-4146
Internet: http://www.atica.com.br Leituras selecionadas ............................... 301
e-mail: editora@atica.com.br
Índice ............................................ 315
PREFÁCIO

Confesso abertamente que, ao empreender esta história da Imprensa, assumi uma tare~
fa demasiado ambiciosa para minha capacidade, e de cujo alcance não me apercebi bem
de início.
Joseph Ames, 7 de junho de 1749.

e omecei a interessar-me pelo tema deste livro no início da década de


1960, depois de ler a alocução presidencial de Carl Bridenbaugh à
Associação Histórica Americana. Essa alocução, que se intitulava "A gran-
de transformação", enquadrava-se num gênero apocalíptico, então muito
em voga (e ainda onipresente, infelizmente). Ele chamava a atenção, alar-
misticamente, para a extensão em que uma "tecnologia desenfreada" esta-
va cortando todos os liames com o passado, e retratava os estudiosos con-
temporâneos como vítimas de uma espécie de amnésia coletiva. A descrição,
de Bridenbaugh, do momento aflitivo vivido pelos historiadores, sua quei-
xa a propósito da "perda de memória da humanidade", em geral, e sobre,
o desaparecimento da "cultura comum de leitura da Bíblia'', em particu-
lar, parecia constituir mais um elenco de sintomas do que um diagnóstico.
Faltava-lhe a capacidade de colocar os alarmes presentes dentro de algum
tipo de perspectiva - capacidade essa que o estudo da história, acima de
qualquer outra disciplina, deveria poder dar. Parecia ánti-histórico iden-
tificar o destino da "cultura comum de leitura da Bíblia" com o de toda a
civilização ocidental, quando a primeira é muito mais recente - sendo o
subproduto de uma invenção de apenas quinhentos anos. Além disso, e

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mesmo após Gutenberg, o hábito da leitura bíblica continuou sendo inco- sugeriam novas maneiras de lidar com alguns problemas de há muito exis-
mum entre muitos europeus ocidentais e latino-americanos altamente cul- tentes. McLuhan suscitou, contudo, algumas questões sobre os reais efeitos
tos, que aderiram ao credo católico. do advento da imprensa Tais questões deveriam ser elucidadas antes que outros
Seguindo a tradição de ilustres predecessores, tais como Henry Adams e assuntos pudessem ser explorados. Ouais foram algumas das mais importan-
Samuel Morison, o presidente da Associação Histórica Americana parecia tes conseqüências da mudança do texto manuscrito para o impresso? Imagi-
estar projetando sobre o curso total da civilização ocidental sua própria noção nando que seria necessário um esforço tremendo para dominar uma biblio-
de um distanciamento crescente com respeito a uma infância provinciana ame- grafia vastíssima, comecei a investigar o que tinha sido escrito sobre esse tema
ricana. Amedida que as pessoas envelhecem, passam a preocupar-se com uma obviamente importante. Para minha surpresa, não encontrei nem mesmo
memória menos confiável. A amnésia coletiva, no entanto, não me parecia o uma pequena bibliografia disponível para consulta. Ninguém havia ainda ten-
diagnóstico correto da dificuldade então enfrentada pelos historiadores. A jul- tado investigar as conseqüências da mudança nas comunicações no século XV.
gar por minha própria experiência e pela de meus colegas, era a lembrança, mais Embora reconhecendo que seria necessário mais de um livro para reme-
do que o esque,cimento, que apresentava a ameaça sem precedentes. Era tal a diar tal situação, também senti que um esforço preliminar, mesmo que insu-
quantidade de dados despejados sobre nós, de tantas direções, e com tamanha ficiente, .era melhor que nada, e por isso embarquei num estudo de dez anos
velocidade, que nossa capacidade de impor ordem e coerência estava sendo for- - com o objetivo primordial de familiarizar-me com a literatura especializa-
çada até o ponto de quebrar-se (se é que já não se havia quebrado). Se havia da (ai de mim, já imensa e em rápida expansão) sobre os primórdios da
uma tecnologia "desenfreada", que estava levando a uma sensação de crise cul- imprensa e a história do livro. Entre 1968 e 1971, foram publicados alguns
tural entre os historiadores, não teria ela mais a ver com um aumento na taxa artigos preliminares, no intuito de suscitar reações de estudiosos e colher bene-
de publicação do que com os novos meios de comunicação audiovisual? fícios de uma crítica informada. Meu trabalho completo, A máquina impreJJo-
Enquanto eu remoía esta questão e me perguntava se seria sensato con· . ra como agente de trandformaçíÜJ, foi publicado em 1979. Seu texto foi conden-
tinuar a produzir monografias ou orientar meus alunos universitários a fazê- sado, para o leitor não especializado, a fim de constituir a presente versão.
lo. - dada a indigesta i;bundância com que ora nos defrontamos e a dificul- Nela foram acrescentadas ilustrações, mas as notas de rodapé foram elimi-
dade de assimilar o que temos - , dei com um exemplar do livro A galáxia de nadas. Qualquer leitor desejoso de identificar plenamente todas as citações
Gutenberg, de Marshall McLuhan. Num vivo contraste com a queixa do his- e referências deve consultar a edição integral.
toriador americano, o professor c<1nadense de língua inglesa parecia sentir um O tratamento que dei à matéria está distribuído em duas partes principais.
prazer malicioso na perda das perspectivas históricas familiares. Ele senten" A primeira enfoca a mudança ocorrida na Europa Ocidental, do manuscrito
ciou que as formas históricas de investigação estavam obsoletas, e que a era para o impresso, e busca esquematizar as principais características da revo-
de Gutenberg estava no .fim. Mais uma vez, senti que sintomas de crise cu!, lução nas comunicações. A segunda trata da relação entre a mudança nas
lura! estavam sendo apresentados como se fossem um diagnóstico. O próprio comunicações e outros desenvolvimentos convencionalmente relacionados
livro de McLuhan parecia antes atestar os problemas especiais causados pela com a transição da era medieval para o início dos tempos modernos. (Con-
cultura impressa do que dos causados pelos meios de expressão mais rec~n­ centrei-me nos movimentos· culturais e intelectuais, adiando para um livro pos-
tes. Ele fornecia evidências adicionais de como a sobrecarga pode levar à incoe- · terior os problemas ligados aos movimentos políticos.) A última parte, por-
rência. Ao mesmo tempo, estimulou também minha curiosidade 0á desper- tanto, retoma desdobramentos conhecidos e busca focalizá-los sob um novo
tada pelas minhas considerações sobre a impressão da Bíblia) a respeito das ângulo de visão. Contudo, a primeira parte cobre terreno pouco conhecido -
conseqüências históricas específicas da grande mudança ocorrida no campo pelo menos para a maioria dos historiadores (embora não para especialistas
das comunicações no século XV. Há muito me sentia insatisfeita com as expli- na história do livro) - e particularmente desconhecido para esta historiado'
cações, então correntes, que eram dadas para as revoluções intelectuais do ra (que se havia previamente especializado no estudo da Revoluçâo Fran-
início dos tempos modernos. Algumas das mudanças a que McLuhan aludia cesa e na história francesa do início do século XIX). ·

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Enquanto tentava dar conta desse território pouco conhecido, acabei des- presumivelmente falantes, mas sem a escrita). Esses novos enfoques são úteis
cobrindo (como sucede a todos os neófitos) que o que parecia relativamente não somente para corrigir um velho desequilíbrio elitista, mas também para
simples à primeira vista se tornava gradualmente complexo, à medida que eu acrescentar muitas novas dimensões ao estndo da história ocidental. Não há
aprofundava meu exame, e que novas áreas de ignorância se abriam mais rapi- dúvida de que muito se terá a ganhar, em termos de enriquecimento e apro-
damente do que as antigas iam sendo fechadas. Como seria de esperar de um fundamento da compreensão histórica, com os trabalhos que ora se desenvol-
trabalho de tão longa gestação, os primeiros pensamentos tiveralfl de ser vem sobre mudanças demográficas e climáticas, estrutura familiar, criação de
substituídos por pensamentos segundos; e até mesmo alguns terceiros pen- menores, crime e punição, festivais, funerais e revoltas por comida - para
samentos tiveram de ser revistos. Especialmente quando escrevia sobre o papel mencionar somente algumas das novas searas que estão sendo cultivadas.
conservador da imprensa (tema a que foi dada particular impcirtârtcia e por- Embora seja proveitosa para muitas finalidades, a atual voga em favor da
tanto é repetidamente tratado no livro), não pude evitar de perguntar-me se "história de baixo para cima" não é muito apropriada para compreender os
seria sensato apresentar, sob uma forma tão fixa e permanente, pontos de vista propósitos deste livro. O antropólogo e historiador da África pré-coloni~, J ~
que ainda se ei;1contravam elfl formação. O leitor não deve esquecer o cará- Vansina, ao explorar "os relacionamentos entre a tradição oral e a h1stóna
ter conjetural e provisório do que segue. Este livro deve ser lido como um escrita" ,,omite naturalmente a diferença existente entre a história escrita pro-
ensaio extenso, e nãó como um texto definitivo. duzida por escribas e a história escrita posterior à imprensà. Quando explo-
Também convém observar, desde já, que o tratamento por mim dado ao ram o efeito da imprensa sobre a cultura popular, os historiadores da Europa
assunto é voltado primordiAflflente (embora de maneira não exclusiva) para Ocidental dirigem naturalmente a atenção para a substituição da cultura
os efeitos da imprensa sobre registros escritos e sobre os pontos de vista de popular oral pela que resulta do advento da imprensa. TàntO num como no~­
elites já letradas. A discussão centra-se na mudança de uma modalidade de tro caso, a atenção é desviada dos tópicos que serão explorados nos próxi-
cultura letrada para outra (e não de uma cultura oral para uma cultura escri- mos capítulos. Isso não quer dizer que a difusão da escrita será completamen-
ta). Este ponto merece especial realce, porque vai em sentido oposto às orien- te ignorada. Novos tópicos trazidos pela tradução e popularização da língua
tações atuais. Ao tocar no tema das comunicações, os historiadores geralmen- vernácula tiveràm repercussões significativas dentro e fora da Comunidade
te têm-se dado por satisfeitos ao observar que seu campo de estudo, ao do Saber. Não obstante, não é a expansão dessa capacidade de ler e escre-
contrário da arqueologia ou antropologia, se limita às sociedades que lega- ver, mas a maneira como a imprensa alterou lki comani.caçõeJ eJcritM Oent:o da
ram registros escritos. Para a definição dos campos de estudo, a forma parti- Comunúlade do Saher o que constitui o principal objeto de atenção deste hvro.
cular que assumem esses registros escritos é considerada menos importante Ele se preocupa mais do que tudo com o destino da Linpopular (e atualmen-
do que a questão mais geral de saber se foram deixados quaisquer registros te fora de moda) "alta" cultura das elites profissionais leitoras do latim.
escritos. Tem-se intensificado recentemente o cuidado com este importante Também considerei necessário, afastando-me da moda, manter uma posi-
aspecto, mediante um ataque bifrontal às velhas defmições do campo, que pro- ção provinciana e concentrar-me e~ algumas pou~as regiõ~s localiz,~as .n.a
vêm respectivamente de historiadores africanos e, de outro lado, de historia- Europa Ocidental. Em conseqüência, a expressão cultura impressa e utili-
dores sociais ocupados com a civilização ocidental. Os primeiros, necessaria- zada no correr deste livro num sentido ocidental provinciano: refere-se a desen-
mente, tiveram de questionar a exigência prévia de haver registros escritos.· volvimentos ocorridos no Ocidente posteriormente a Gutenberg, pondo de
Os últimos opõem-se ao modo como tal exigência tem dirigido a atenção para lado sua aplicação possível para com desenvolvimentos anteriores a Guten-
o comportamento de uma reduzida elite letrada, favorecendo ao mesmo tempo berg na Ásia. Aliás, não somente fatos anteriores acontecidos na Ásia, como
o esquecimento da imensa maioria dos povos da Europa Ocidental. Novos também outros, posteriores - na Europa Oriental, no Oriente Próximo e no
enfoques estão sendo desenvolvidos, muitas vezes com a cooperação de afri- Novo Mundo - , também foram excluídos. Oferecem-se por vezes visões oca-
canist;is e antropólogos, para tratar de problemas levantados pela história dos sionais de possíveis perspectivas comparativas, mas somente com o intuito
"inarticulados" (como são por vezes chanlados, de modo estranho, os povos de salientar o significado de certas características que parecem peculiares à

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to e ponderar sobre o peso relativo das diferentes hipóteses. De~ar de con-
cristandade ocidental. Uma vez que mensagens muito velhas afetavam os usos
signar inovações significativas também pode distorcer perspectivas. Es~ou
a que se destinava o novo meio, e tendo em vista que a diferença entre trans-
convencida de que 0 prolongado desprezo de uma mudança ~as ~omu~1ca­
missão mediante cópia manual e mediante 0ópia impressa não pode ser per·
ções levou ao estabelecimento de perspectivas cada vez mais distorcidas,
cebida sem a travessia mental de vários séculos, tive de ser muito mais elás-
tica com os limites cronológicos do que com .os geográficos, volvendo com o correr do tempo. ,
Agradeço a várias instituições pelo ap~io parcial ~ue.me deram no peno-
ocasionalmente ao Museu Alexandrino e às práticas cristãs primitivas; deten-
do em que trabalhei neste livro. A Universidade ~e ~ch1gan, em An~~bor,
do-me vez por outra a contemplar manuscritos e papelarias medievais; ante-
cipando-me para observar os efeitos da acumulação e das mudanças decor- e a Fundação John Simon Guggenheim Me~orial aJu,?aram-'.'.1e no 1mc10 do
trabalho. Terminei a obra durante meu estágm como F ellow no Centro de
rentes do aumento de produção.
Estudos Avançados nas Ciências de Comportamento, em ~t~nford, onde
Um comentário final necessário: como indica o título da minha versão inte-
· · da Nat'1onal Endowment for the Human1hes e da Fun-
conte1 com o apmo
gral, considero a imprensa como um agente, e não como o agente - e muito
menos como f único agente - de mudanças na Europa Ocidental. É neces- dação Andrew W. Mellon.
sário estabelecer estas distinções porque a própria idéia de explorar os efei-
tos produzidos por uma determinada inovação levanta a suspeita d e que este~
ja sendo favorecida uma interpretação monocausal, ou que se tenda ao
reducionismo e ao determinismo tecnológico.
É claro que ressalvas feitas num prefácio devem ser recebidas com as
devidas reservas, pois s.ó transmitem certeza na medida em que forem cor-
roboradas pelo corpo do livro. Apesar disso, parece-me recomendável escla-
recer desde já que meu ol:ijetivo é enriquecer, e não empobrecer a compreen-
são histórica, e que considero interpretações que lançam mão de uma única
variável contrárias a tal objetivo. Na qualidade de um agente de mudanças,
a imprensa modificou os métodos de coleta de dados, os sistemas de arma-
zenamento e recuperação, bem como as redes de comunicação utilizadas pelas
comunidades cultas em toda a Europa. Merece atenção especial, porque gerou
resultados especiais. Neste livro, tento descrever esses efeitos e sugerir
como podem sei: relacionados com vários outros desenvolvimentos conco-
mitantes. A idéia de que esses outros desenvolvimentos possam ser redazi-
dOd à mera mudança nas comunicações parece-me absurda. A maneira como
eles foram reorientados por tal mudança parece-me, contudo, digna de ser
exposta. Se me alinho com os revisionistas e revelo insatisfação com prátic
cas correntes, é para criar mais possibilidades para uma dimensão de mudan-
ça histórica até hoje negligenciada. Quando divirjo de .explicações conven-
cionais multivariáveis (como ocorre em várias ocasiões), não o faço para
substituir muitas variáveis por uma só, mas sim para explicar por que mui-
tas variáveis, há muito presentes, começaram a interagir de modos diferen-
tes. Isso significa que uma pessoa deve usar sua capacidade de discernimen-
1J
12
··············· P~:R-'TE I

O ADVENTO DA CULTURA
IMPRESSA NO OCIDENTE
........ · l ·

UMA REVOLUÇÃO DESPERCEBIDA

N o final do século XV. a reprodução de materiais escritos começou a trans-


ferir-se da escrivaninha do copista para a oficina do impressor. Essa
mudança, que revolucionou todas as formas de aprendizado, foi particular'
mente importante para o estudo da história. Desde então, os historiadores pas-
saram a dever muito à invenção de Gutenberg; a imprensa intervém no seu
trabalho desde o início até o fim, desde a consulta aos fichários até a revisão
do texto fmal. Uma vez qué os historiadores são geralmente ávidos por inves-
tigar mudanças capitais, e dado que esta mudança transformou as condições
de exercício de seu próprio ofício, seria normal esperar que tal mudança atrai-
ria alguma atenção dos historiadores em geral. No entanto, qualquer inves-
tigação histórica levará à conclusão contrária. É emblemático que a deusa Clio
tenha conservado em suas mãos um pergaminho manuscrito. Fez'se tão
pouco caso da mudança para as novas oficinas que, após quinhentos anos, a
musa da história ainda permanece do lado de fora. Nb dizer de um sociólo-
go, "A História é testemunha do efeitô cataclísmico que tiveram sobre a socie-
dade as invenções de novos meios de transmissão de informações entre as pes-
soas. Disso são exemplós o desenvolvimento da escrita e, mais tarde, o da
imprensa". Na medida em que historiadores de carne e osso, que produzem

17
r
artigos e ~vros, teste'.11-unham sobre o que aconteceu no passado, o efeito do
d:senvo!vtmento da 1m~re~sa. sobre a sociedade, longe de parecer um cata- tica. Na realidade, mesmo os que parecem admitir que houve mudanças fun-
c~smo, e ~otavelmente msigmficante. Muitos estudos sobre as transforma- damentais curiosamente deixam de nos dizer quais forain elas.
çoes o~orridas nos últimos cinco séculos nada dizem a esse respeito. "Nem os eventos políticos, constitucionais, eclesiáticos e econômicos, nem
, _EXIs:e, é claro, uma bibliografia ampla, cada vez mais extensa, sobre a his- os movimentos sociológicos, filosóficos ou literários podem ser plenainente
toria .da imprensa e temas relacionados. Já apareceram várias obras que com- compreendidos", nos diz Steinberg, "sem tomarmos em consideração aiofluên-
pendiam e resumem partes dessa vasta literatura. E0 caso de Rud 1 h Hir h cia que o advento do prelo teve sobre eles''. Todos esses fatos e movimentos
, bl op se,
que p~ssa :m revtsta os pro emas ligados à "impressão, venda, leitura", duran- têm sido submetidos a um exaine acurado por gerações de estudiosos, no intui-
te o prnnerro ~éculo após Gutenberg. Foi recentemente traduzida para 0 inglês to de entendê-los mais completamente. Se a imprensa exerceu alguma influên-
uma obra, mais extensa e bem organizada, de autoria de Febvre Martin dad cia sobre eles, o que explica que tal influência tenha sido tão pouco notada,
1 1 . . e ' a
ª. ume,,re a prnneira vez numa série francesa dedicada à"evolução da huma- rarainente sugerida e muito menos discutida? Convém formular essa pergun-
rudade '.e qu~ cobre com maestria os três primeiros séculos da imprensa. Cober- ta, pelo menos para sugerir que os efeitos produzidos pela imprensa não são
tura ma10r amda, abai:cando "quinhentos anos", foi realizada por Steinberg, nada óbvios. Embora possam ter sido encontrados por estudiosos que explo-
em seu excelente e sucmto exame da matéria Todos esses tr' l" ram outras áreas de interesse, é provável que eles tendam hoje a passar des-
dad · · es 1vros resumem
os recolhidos dentre numerosos estudos esparsos. Contudo, no correrdes- percebidos.Localizá-los e explicitá-los - sob uma forma esquemática ou não
sas obras, as ~rof~nd~ impli~ões históricas desses dados são, quando muito, - é algo mais fácil de dizer do que de fazer.
ape~as su~~ridas, Jainais exphc1tadas de fato. A exemplo do que ocorre na seção Não se sabe ao certo o que têm em mente os autores, como Steinberg,
ded1cad~ a imprensa na Nova Edição Cambrwge 'Je H&tóriaMo'Jerna, 0 conteúdo quando se referem ao impacto da imprensa sobre todos os cainpos da ativida-
d:ssas smtese~ raramente entra no tratamento de outros aspectos da evolu- de humana - político, econômico, filosófico, e assim por diante. Em parte,
çao da humarudade. · pelo menos, eles parecem estar assinalando conseqüências indiretas que devem
. Segundo Steinberg, "A história da imprensa é parte integrante da h' t, _ ser inferidas e se relacionain com o consumo de produtos impressos ou com
l d ' 'l' " r IS O
r'.a ger~ a.c1vt 1zação . Inrelizmente,. esta afirmação não é aplicável à histó- mudanças de hábitos mentais. Tais conseqüências, é claro, têm grande signi-
ria escrita, tal como esta se apresenta hoje, embora sej11 provavelmente cor- ficaÇão histórica e repercutem na maioria das. formas de empreendimentos hmna-
reta em relação ao curso real dos eventos humanos . Em vez de serem mtegra
· d os nos. Não obstante, é difícil descrevê-las precisainente ou sequer detenninar
ª outr~s trab~ho~, os estudos dedicados à história da imprensa são isolados exatainente o que elas são. Uma coisa é descrever como os métodos de pro-
e. mantJdo.s amfic1alm~nte estanques em relação ao resto da literatur1\ histó- dução de livros forain se modificando a partir da segunda metade do século
ric~. Teoricainente; tais estudos são centrados núm tópico que repercute em XV, ou avaliar taxas de crescimento da produção. Outra coisa é decidir como
mmt~s outros campos. Na realidade, eles raramente são consultados por o acesso a uma maior quantidade (ou variedade) de registros escritos afetou
e~tudiosos.que oper~ em quaisquer outras áreas, talvez porque sua relevân- as maneiras de aprender, de pensar e perceber das elites letradas. Do mesmo
c1~ a res~e1to dessas.amda não esteja clara. "A natureza exata do impacto que modo, mostrar que a padronização foi conseqüência do prelo nada tem a ver
ª. mvençao e d1ssemmação da imprensa tiverain sobre a civilização ocidental com decidir como as leis, as línguas ou construções mentais forain afetadas
ainda per~anece. sujeita a int:rpretações." Esta declaração parece mini~i­ pelo advento de textos mais uniformes. Ainda hoje muito pouco sabemos
zar a ~uestao. Existem poucas mterpretações, mesmo de nattireza inexata ou sobre o modo como o acesso a materiais impressos afeta o comportamento huma-
~pro~d_a, a que os. estudiosos poderiain recorrer, a fim de levai a cabo outras no -apesar de todos os dados obtidos de seres vivos e responsivos; apesar de
mvestJgaçoes. Os efeitos causados pela imprensa suscitarain mui'to pou todos os esforços desenvolvidos por analistas de opinião pública, por pesqui-
t , · N" cacon-
rovers1~. ao porque fossem coincidentes as opiniões sobre 0 tema, mas por- sadores de opinião ou cientistas do comportainento. (Um rápido olhar sobre
que pratJcainente nenhuma opinião foi exposta de forma explícita e sistemá- controvérsias recentes a propósito da desejabilidade ou não de censurar mate.
riais pornográficos mostra-nos como somos ignorantes.) Os historiadores que
18
]g
têm de ir além do túmulo para reconstruir formas passadas de consciência Os escolares a quem se pede traçar viagens antigas em alto-mar sobre mapas
encontram-~e em posição particularmente desvantajosa para lidar com esses sem legendas tendem a não dar-se conta de que não existiam mapas mundiais
temas. Teonas sobre mudanças (desigualmente espaçadas no tempo) que uniformes na era em que as viagens foram realizadas. Estimula-se um esque-
afetam processos, atitudes e expectativas de aprendizagem não se prestam, cimento semelhante, já agora em nível muito mais sofisticado, quando se.
de qualquer mod~, a formulações simples, nítidas, que possam ser facilmente recorre a técnicas modernas, cada vez mais refinadas, para cotejar, os m~nus~
comprovadas ou mtegradas em relatos históricos convencionais. . critos e produzir edições confiáveis deles. Cada edição posterior nos revela
Os problemas .gerados p~r alguns dos efeitos mais indiretos trazidos pelo mais do que o que se sabia antes sobre o modo como determinado manuscri-
~alto do ..manuscnto para o unpresso provavelmente jamais serão vencidos to foi composto e copiado. Conseqüentemente, cada edição torna mais difí-
mte1ramente. Contudo, tais problemas poderiam ser enfrentados mais dire- cil imaginar como se.mostraria um determinado manuscrito diante do estu-
tamente, se outros empecilhos não estivessem pelo caminho. Dentre os efei- dioso do tempo da escrita manual, o qual só dispunha, para consulta, de uma
tos de longo alcance que devem ser assinalados contam-se muitos que ainda única versão manuscrita e nenhuma orientação segura quanto ao local e data
afetam observ,ações atuais .e que operam de modo' particularmente intenso de composição, título ou autor. Os historiadores aprendem a distinguir as fon-
~obre todo estudioso profissional. Assim, o acesso constante a materiais tes mamJ.scritas dos textos impressos; mas não aprendem a avaliar com igual
un~ressos, é ~m.dos pré, requisitos para o exercício da própria tarefa de his- cuidado como se apresentavam os manuscritos numa época em que era incon-
tonador. E difícil observar processos que penetram tão intimamente em nos- cebível tal tipo de distinção. Da mesma maneira, quanto mais preparados esti-
sas própr'.as observações. Afim de podermos avaliar as mudanças ocasiona- vermos.para dominar os eventos e datas contidos em livros de história moder-
da~ ~ela unprensa, por exemplo, é necessário examinar as condições que nos, menos condições teremos para avaliar as dificuldades que se antepunham
existiam antes de seu advento. E as condições inerentes à cultura manuscrita aos estudiosos escribas, que tinham acesso a registros escritos variados, mas
só po~em ser. observad;;~ ?Ih.ando através da cortioa dos materiais impressos. careciam de cronologias, mapas e outros guias de referência de todo tipo, hoje
Ate mesmo uma familia:ndade superficial com as descobertas dos antro- de uso corrente.
pólogos, ou observações ocasionais de crianças em idade pré-escolar, podem Por isso, quaisquer tentativas de reconstruir as condições que precede-
ªJudar-nos a lembrar. o abismo que existe entre cultura oral e cultura escri- ram a imprensa nos conduzem a uma dificuldade acadêmica. Toda recons-
ta. Em. conformida~e com isso, vários estudos têm salientado a diferença trução pressupõe o recurso a materiais impressos, circunstância que emba-
que existe, respectivamente, entre mentalidades formadas com base na; ça a percepção das condições que existiam antes que tais materiais se tornassem
pa!avra escrita e na palavra falada. É muito mais difícil especular sobre 0 disponíveis. Mesmo quando essa dificuldade é parcialmente vencida por
abism~ que separ;; nossa experiência da de elites letradas que se baseavam estudiosos sensíveis, que conseguem desenvolver umfeeling correto das épo-
:m
exclus1vam~~te textos copiados à mão. Não existe nada de análogo em cas, após manusearem massas enormes de documentos, ainda assim tais ten-
noss~ expenenc1a ou na de qualquer ser vivo no mundo ocidental de hoje. tativas de reconstrução tendem a ser desalentadoramente incompletas.
Po.r isso, as condições existentes na cultura do manuscrito devem ser .arti- A própria teia de relações em que consistia a cultura do· manuscrito era
fi,c1a~mente reco.nstruídas pelo recurso a livros de história e guias de refe- tão esgarçada, irregular e multiforme, que só n.os é possível delinear algumas
rencia. E, na mawr parte das vezes, essas obras tendem mais a esconder que poucas tendências de longo alcance. As condições então existentes nas pro-
a revelar ~ objeto de ta~ pesquisa. Os temas da era do manuscrito são proje- ximidades das livrarias da velha Roma, na Biblioteca de Alexandria ou em
t:dos e',° epocas p~stenores, : as ~randes tendências posteriores à imprensa certos mosteiros e cidades universitárias medievais permitiram a elites letra-
sao ~ro)etadas em epocas mais anl!gas, o que torna difícil vislumbrar a exis- das desenvolver uma cultura "livresca" relativamente sofisticada. Apesar
tência de uma cultura literária distinta baseada na cópia manual. Não exis- disso, todos ps acervos de bibliotecas estavam sujeitos à contração, e todos
te sequer um termo de uso consensual que designe o sistema de comunica- os textos mam1scritos eram passiveis de adulteração, após terem sido copia-
ções escritas que existia antes do advento do prelo. . dos numerosas vezes, com o c.orrer do tempo. Além do mais, fora de certos
211
21
que não se pode responder em termos gerais. E as descobertas a esse respei-
to tendem a variar enormemente, dependendo da data e do lugar. Vereditos
conflitantes costumam ocorrer especialmente com relação ao último século
antes do advento da imprensa - época em que o papel já se tornara dispo-
nível e em que o homem letrado tendia a tornar-se seu próprio escriba.
Os especialistas em incunábulos, que lidam com informações de documen-
tos em frangalhos, tendem a insistir em que uma similar falta de uniformida-
de caracteriza os procedimentos utilizados pelos impressores primitivos. É
sem dúvida temerário fazer generalizações sobre os primórdios da impren-
sa, motivo por que se deve estar sempre prevenido contra a tendência de pro-
jetar sobre um passado distante o produto das edições padronizadas moder-
nas. Não obstante, convém igualmente precaver-se para não tornar menos
nítida a diferença fundamental entre o último século da cultura manuscrita
e o primeiro século posterior a Gutenberg. A cultura criada pela imprensa
em suas origens foi si:ificientemente uniforme, de modo que podemós medir
sua diversidade. Temos condições de.avaliar sua produção, chegar a médias,
delinear tendências. Dispomos, por exemplo, de estimativas aproximadas da
produção total de todos os materiais impressos durante a chamada era dos incu-
nábulos (isto é, o período compreendido entre a década de 1450 e 1500). Do
mesmo modo, podemos dizer que a tiragem "média" das edições primitivas varia-
va entre duzentos e mil exemplares. Não há cifras comparáveis para os últi-
mos cinqüenta anos de cultura manuscrita. Na realidade, não temos cifra
alguma. Qual foi a tiragem da "edição média" entre 1400 e 1450? A pergun-
Escriba medieval escrevendo sob ditado, retratado num anúncio gravado em madeira para a firma
ta praticamente não faz sentido. E o uso do termo "edição"; quando aplicado
de J. Badius, na obra de Vi.'illiam de Ockham, DialoguJ (Lyon, J. Trechsel, circa 1494). Reproduzi.
da mediante gentil permissão de John Ehrman, da obra A di.itribuiçã.o Je lirrod por catálogo até 1800 ô.C., às cópias de um livro manuscrito, praticamente constitui um anacronismo.
de Graham Pollard e Albert Ehrman (Cambridge, The Roxburghe Club, 1965). As dificuldades que encontramos para avaliar a produção de textos manus-
critos nos indicam que o processo de quantificação não pode ser aplicado às
condições da cultura manuscrita. Os dados de produção mais geralmente cita-
a
centros especiais transitórios, teia da cultura manuscrita era tão frágil, que dos, obtidos com base nas memórias de um vendedor florentino de livros
mesmo as elites letradas confi!lvam fortemente na transmissão oral. Uma vez manuscritos, mostram-se totalmente indignos de confiança. A Florença.qua-
que as cópias executadas nos "escritórios" eram feitas sob ditado, e que as trocentista, de qualquer modo, tem muito pouco em comum com outros cen-
composições literárias eram tidas como "publicadas" mediante sua leitura em tros italianos (tais como Bolonha), para não falar de regiões transalpinas. Na
voz alta, pode'se dizer que até mesmo o aprendizado "pelo livro" dependia realidade, nenhwna região é típica. Não existe o livreiro, o escriba ou mesmo
da confiança depositada na palavra falada - o que produzia uma cultura híbri- o manuscrito "típico". Mesmo pondo de lado os problemas apresentados pelos
da semi-oral, semiletrada, sem qualquer equivalente preciso nos dias de hoje: produtores de livros e mercados seculares (que são desesperadoramente com-
Saber o que se entendia por publicação antes da imprensa, ou como exata' plexos), e considerando somente as necessidades dos religiosos às vésperas do
mente eram transmitidas as mensagens na era dos escribas, são.indagações a advento da imprensa, mesmo assim teremos de enfrentar urna notável diver-

22 23
sidade de procedimentos. Os estoques dos livros para as ordens monacais varia- versitários - para não falarmos de livreiros que atendiam à clientela não
vam de acordo com a ordem; os frades mendicantes não seguiam as normas universitária. Importa ainda ter em mente que determinados padrões rela-
adotadas pelos monges. Os papas e cardeais freqüentemente recorriam às "ati- tivamente claros do século XIII podem tornar-se imprecisos na parte final
vidades multifárias" dos cartolai italianos; os pregadores compunham suas do século seguinte. Durante o período compreendido entre 1350 e 1450 -
próprias antologias de sermões; ordens semilaicas buscavam fornecer carti- século crucial no preparo de nosso cenário - , as condições existentes eram
lhas e catecismos para todo o mundo. .
geralmente anárquicas, e alguns hábitos presumivelmente obsoletos foram
A ausência de uma produção média ou de um procedimento típico consti- retomados. Os.Jcriptoria monacais, por exemplo, começavam a viver a sua
tui um formidávelobstáculo, quando se tenta descrever o cenário em que se última "idade de ouro".
deu o advento da imprensa. Tomemos, por exemplo, uma afirmação compre- A existência de Jcriptoria monacais até mesmo além dos pri!"órdios da
tensão de síntese, enganadoramente simples, feita por mim quando começava imprensa é demonstrada de modo fascinante por uma obra que é freqüente-
a tentar descrever a revolução da :imprensa. A produção de livros no sécnlo XV, mente citada como uma curiosidade entre os livros dos primeiros dias da
dizia eu, passpu do~ Jcriptoria para as oficinas de impressão. Essa afirmação foi imprensa: De laude Jcriptorum, da autoria de J ohannes Trithernius. Nesse tra-
criticada por não levar em conta uma mudança anterior, dos Jcriptoria para as tado, o abade de Sponheim não somente exortava seus monges a copiar livros,
papelarias. N q decorrer do século XII, donos de papelarias leigos começaram como explicava as razões pelas quais os "monges não devem parar de copiar
a substituir escribas monacais. Os livros requeridos pelos professores univer- devido à invenção da imprensa''. Dentre outros argumentos (como o da utili-
sitários e pelas ordens mendicantes passaram a ser fornecidos mediante um sis- dade de manter ativas mãos que poderiam estar desocupadas, incentivando desse
tema de "produção". Os copistas já não eram reunidos numa mesma sala, mas modo a diligência, a devoção, o conhecimento das Escrituras, e assim por dian-
trabalhavam sobre diferentes partes de um determinado texto, recebendo do te), o autor compara algo ilogicamente a palavra escrita num pergaminho, que
dono da papelaria o pagamento por peça executada (o assim chamado siste- iria durar mil anos, com a palavra impressa sobre papel, que teria uma sobre-
ma dapetia). A produção de livros, segundo aquele crítico, já havia saído dos vivência mais curta. Não se mencionou o possível uso do papel (ou pergami-
Jcriptoria três séculos ante.! do advento da·imprensa. nho raspado) por copistas, ou de pele, para uma versão impressa especial. Como
Talvez valha a pena determo-nos um pouco mais naquela objeção. Sem estudioso cristão, o abade conhecia perfeitamente escritos anteriores que ha-
dúvida, deve-se considerar o surgimento do papeleiro leigo em cidades uni- viam oposto o durável pergaminho ao papiro perecível. Seus argumentos
versitárias e outros centros urbanos durante os séculos XII e XIII. É impor- revelam sua preocupação em preservar uma forma de trabalho manual que
tante o contraste entre o trabalho gracioso de monges, que labutavam pela parecia especialmente apropriada para os monges. Resta saber se ele estava
remissão de seus pecados, e o trabalho assalariado de copistas leigos. Pesquisas realmente preocupado com o aumento do uso do papel - na qualidade de biblió-
recentes realçaram.o emprego de um sistema de "produção" e levantaram dúvi- filo ardente e à luz de antigas advertências. Suas atividades, contudo, revelam
das sobre antigas crenças em Jcriptoria leigos ligados a lojas de papelaria. Por claramente que, como autor, ele não dava preferência ao trabalho manual em
esse motivo, convém ser extremamente cauteloso no uso da expressão J'crip- detrimento do trabalho impresso. Tanto que mandou imprimir logo seu Lou-
toria, no contexto das condições existentes no fim da Idade Média - mais ror doJ edcribM, assim como outras obras suas de mais peso. Com efeito, utili-
cautelosa do que fui, em minha versão preliminar.
zou tanto uma determinada oficina impressora em Mainz (atual Mogúncia),
Contudo, é importante, por outro lado, abster-se de atribuir demasia.ta que "ela bem poderia ser chamada de Editora da Abadia de Sponheim''.
ênfase a tendências lançadas em centros como Paris, Oxford, Bolonha e outras Mesmo antes de 1494, época em que o abade de Sponheim deu o salto do
cidades universitárias no século XII, nas quais os exemplares eram repro- Jcriptorium para a oficina impressora, os cartuxos da Cartuxa de Santa Bár-
duzidos rapidamente, para atender a necessidades institucionais especiais. bara, em Colônia, já estavam aderindo aos impressores locais para dar mais
Exige-se cautela quando, tomando regulamentos universitários destinados amplitude a seus esforços, uma vez que se tratava de uma ordem de reclusos
a controlar copistas, os estendemos às práticas efetivas de papeleiras uni- . obrigados, pelo voto do silêncio, a pregar" com as próprias mãos". Como regis-
24
25
trado em outros relatos, o mesmo aconteceu fora de Colônia, e não somente
entre os cartuxos. Um certo número de ordens beneditinas reformadas tam-
bém mantinham ocupados os impressores lõcais; em determinados casos, ··········2 . .
monges e freiras mantinham suas próprias impressoras monacais. Merece cer-
tamente mais atenção o possível significado da interferência de um empreen-
dimento capitalista num espaço religioso. Nessas condições, excluir comple-
tamente a fórmula "dos Jcriptorüi para a oficina impressora" parece tão
DEFINIÇÃO DO SALTO INICIAL
inadequado quanto tentar aplicá-la de modo irrestrito. Mesmo reconhecen-
do a significação de mudanças que afetaram a produção de livros no século
XII, não devemos equipará-las ao tipo de "revolução do livro" que ocorreu
no século XV. Esta última, diferentemente da primeira, assumiu uma forma Deveríamos observar a força, o efeito e as conseqüências de invenções. que em nenhum
cumulativa e icreversível. A revivescência dos Jcriptorüi monacais durante o campo foram tão evidentes como nestas três, que erám desconhecidas dos antigosi a saber:
século anterior a Gutenberg foi a última de seu gênero. a imprensa, a pólvora e a búSsola. Pois essas três alteraram a aparência e o estado do
mundo inteiro.
Fran.cis Bacon, Novum organu1n, Aforisma 129.

O ualquer pess~aprovavelmente ganha~á


mais seguind~
o conselho de
-.._,Bacon do que meditando sobre as razões pelas quais ele deve ser
segui.do por outros. Esta tarefa claramente ultrapassa a competência de qual-
quer indivíduo, pois requer a convergência de muitos talentos e a elaboração
de muitos livros. Além disso, é di!tcil obter colaboração alheia, enquanto a
relevância do tópico para os diferentes campos de estudo permanece obscu-
ra. Antes de conseguir qualquer ajuda, parece necessário desenvolver algu-
mas hipóteses provisórias que relacionam a passagem do manuscrito para o
impresso com desenvolvimentos históricos relevantes.
Essa empreitada, por sua vez, parece requerer um ponto de partida
pouco convencional, além de uma reformulação do conselho de Bacon. Em
vez de tentar lidar com "a força, o efeito e as conseqüências" de uma única
invenção pós-clássica que está ligada a outras, preocupar-me-ei com uma
importante transformação, que constituiu em si mesma um vasto conglome-
rado de mudanças. A indecisão sobre o que se deve entender por advento
da imprensa contribuiu, creio eu, para reduzir o interesse sobre suas pos-
síveis conseqüências e as tornou mais difíceis de rastrear. É difícil desco-
brir o que aconteceu numa determinada oficina de Mainz nos anos 1450.

26 27
No curso de outras indag·ações, parece quase prudente deixar de lado um lo da imprensa. Aplica-se um modelo evolucionário da mudança a uma situa-
evento tão problemático. Isso não se aplica ao aparecimento de novos gru- ção que mais parece requerer um modelo revolucionário.
pos ocupacionais, que empregavam novas téGnicas e instalavam equipamen-
tos novos em novos tipos de oficinas, ao mesmo tempo que expandiam Um homem nascido em 1453, ano em que se deu a queda de Constantinopla, bem que
redes comerciais e buscavam novos mercados, a fim de aumentar os lucros poderia, em seu qüinquagésimo aniversário, olhar para trás e contemplar uma vida duran~
auferidos com as vendas. Desconhecidas em toda a Europa até meados do te a qual haviam sido impressos cerca de 8 milhões de livros, mais talvez do q~e todos
século xv; as oficinas de impressores eram encontradas em todos os cen- os escribas da Europa haviam produzido desde que Constantino fundara sua cidade,
tros municipais importantes já por volta de 1500. Elas acrescentavam um no ano 330 d. e.
novo elemento à cultura urbana em centenas de cidades. Negligenciar tudo
isso, ao tratar de outros problemas, pareceria pouco prudente. Por esse moti- O que foi a produção efetiva de "todos os escribas da Europa" é matéria
vo, entre outros, passaremos por alto o aperfeiçoamento de um novo pro- inevitavelmente polêmica. Mesmo que se deixe de lado o problema de tentar
cesso de impr~ssão baseado no uso de tipos móveis, e não nos deteremos estimar a quantidade de livros que deixaram de ser catalogados e foram pos-
na vasta literatura dedicada a explicar a invenção de Gutenberg. Uti- teriormente destruídos, é necessária muita cautela ao lidar com os dados hoje
lizaremos o termo "imprensa" como um rótulo conveniente, como se fosse disponíveis, uma vez que levantam freqüentemente pistas falsas com respei-
uma expressão abreviada para nos referirmos a um conglomerado de ino- to à quantidade de livros envolvidos. Uma vez que era usual registrar como
vações (ocasionando o uso de tipos de metal móveis, tinta à base de óleo, um único livro qualquer coujunto de textos distiotos, desde que estivessem enca-
prensa de madeira manual, e assim por diante). Nosso ponto de partida não dernados em um mesmo par de capas, torna-se muito difícil precisar à quan-
será uma oficina impressora em Mainz. Ao contrário, começaremos onde tidade efetiva de textos existentes numa determinada coleção manuscrita. O
ter'.1'inam muitos. estudos: ~epois de terem sido postos em circulação os pri- fato de que objetos contados como em um livro coutinham, freqüentemente,
mel!'os produtos impressos datados, e após se terem lançado ao trabalho os uma combinação variável de muitas obras constitui outro exemplo da dificul-
sucessores imediatos do inventor. · dade de quantificar dados gerados na era dos escribas. Uma situação seme-
Assim sendo, o advento da imprensa é considerado como o estabelecimen- lhante ocorre quando temos de enfrentar o problema de calcular o uúmero de
to de prelos em centros urbanos além da Renânia, durante um perÍódo que homeus-horas necessários para a cópia de livros manuscritos. Pesquisas receu-
se inicia na década de 1460 e que coincide, de modo aproximado, com a era tes acabam de tornar virtualmente inúteis as velhas estimativas baseadas no
dos incunábulos. Os estudos dedicados a este ponto de partida foram tão pou- número de meses que 45 escribas, a serviço de um vendedor de livros manus-
cos, que ele não recebeu ainda qualquer etiqueta convencional. Poder-se-ia critos de Florença, Vespasiano da Bisticci, levaram para produzir duzeutos livros
falar numa mudança básica em determinado modo de produzir livros, numa para a Biblioteca Badia, de Cosimo de Mediei.
revolução dos meios de comunicação ou da mídia; ou talvez, de modo mais Assim sendo, o número total de livros produzidos por "todos os escribas
simples e mais explícito, num salto do texto manuscrito para o impresso. ·Seja da Europa" desde 330, ou mesmo desde 1400, com toda a probabilidade per-
qual for o termo utilizado, deve-se entender que ele abarca um amplo feixe manecerá indefinido. Não obstante, é sempre possível fazer algumas compa-
de mudanças relativamente simultâneas e inter-relacionadas, cada uma das rações, que colocam a produção das impressoras em nítido contraste com as
quais requer estudo detido e tratamento mais explícito - como vai sugerido tendências anteriores. "Em 1483, a Impressora Ripoli cobrava 3 florins por
no rápido esboço a seguir. quinterno, para compor e imprimir a tradução dos DiálogoJ de Platão, feita
Em primeiro lugar, impõe-se dar maior ênfase ao marcante acréscimo por Ficino. Um escriba poderia ter cobrado 1 florim por quinterno para
havido na produção de livros e à redução drástica conseguida no número de copiar o mesmo trabalho. A prensa de Ripoli produziu 1 025 cópias; o escri-
homens-horas necessários para fabricá-los. Hoje em dia, há uma tendência a ba teria completado uma." Teudo em vista este tipo de comparação, parece
imaginar um aumento crescente na produção de livros durante o primeiro sécu- equivocado sugerir que "a multiplicação de cópias idênticas" foi merameute

28
29
"intensificada" pela imprensa. O processo de copiar à mão poderia ser muito
eficiente, não há dúvida, quando se tratava de duplicar um edito real ou uma
1lt
bula papal. No século XIII, foram produzidas tantas cópias de uma Bíblia
1 '
então recentemente editada, que alguns estudiosos de hoje julgam poder refe-
rir-se a uma "edição" parisiense de um manuscrito da Bíblia. Contudo, pro-
duzir uma só "edição" integral de qualquer texto constituía difícil empreita-
da naquele século. Aquela solitária "edição" manuscrita do século XIII bem
poderia ser comparada com o grande número de edições da Bíblia produzi-
das nos cinqüenta anos que vão de Gutenberg a Lutero. Além do mais, quan-
do a mão-de-obra de escribas era empregada para multiplicar editos ou pro-
duzir uma "edição" integral das escrituras, ela estava sendo desviada de
outras tarefas.

Muitos textos valiosos escaparam por pouco à destruição; inúmeros outros


desapareceram. A sobrevivência, em tais casos, dependeu muitas vezes da cir-
cunstância de que uma cópia esporádica fosse feita por um estudioso interes-
sado, que agira como seu próprio escriba. Em vista da proliferação de textos
"únicos" e da acumulação de variantes, constitui prática duvidosa dizer que
"cópias idênticas" tenham sido "multiplicadas" antes da imprensa. Este ponto
é especialmente importante quando se tem em mente a literatura técnica. Era
de tal magnitude a dificuldade de produzir uma cópia "idêntica" de uma obra
técnica significativa, que a tarefa não podia ser confiada a quaisquer assala-
riados. Homens de saber tinham de engajar-se em"copiar como escravos" qua-
dros, diagramas e termos não-usuais. A produção de edições completas de
conjuntos de tábuas astronômicas não se limitou a "intensificar" tendências
anteriores. E la as reverteu, ao criar uma situação nova, que liberou tempo
para a observação e a pesquisa. <
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Na vez anterior em que fora introduzido na Europa do século XIII, con-
vém observar, o papel não tivera de modo algum um efeito "similar". A pro-
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11.
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dução de papel atendeu então às necessidades dos comerciantes, burocra- .,,
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tas, pregadores e literatos; acelerou o ritmo da correspondência e permitiu
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e.> ::'!: e... \,)
Dois mapas (nas páginas seguintes) que revelam a disseminação da imprensa na Europa Ocidental < -o., n$
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.....
dura nte a era dos incunábulos. Estes mapas, traçados por Henri-Jean Martin, mostram a dissemi- ~ e:.,"' ., o
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nação da imprensa antes de 1471; de 1471a1480; de 1481 a 1490; e de 1491 até 1500. Reproduzi- LtJ
ti)
ti)
< Cl w ;.
.....-i-
êi •
dos da obra L'nppnr1iio11 d11 Ú°111Y (da série É1•ol11tio11 dt l'h11111n111il ), de L. Febvre e H.-J. Martin (Paris, o ~
Albin Michel, 1958, defronte da página 272), mediante gentil permissão de H.-J. Martin e Edições o .>~
<
Albin Michel.
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)(}
j/
A DISSEMINAÇÃO DA IMPRENSA
Antes de 1481
(Locais mostrados no mapa anterior)
• De 1481 a 1490
o De 149 1 a 1500

o 100 200 300


Escala em milhas

N SBA
JTl!.RRANE
M l!D

12 JJ
que um maior número de homens de letras agissem como seus próprios
1ndquinas. Na realidade os bibliófilos florentinos já mandavam comprar livros
escribas. Mas ainda se necessitava da mesma quantidade de homens-horas
ltllJll'CBBOS em Roma desde 1470. Sob a direção de Guidobaldo da Montefel-
para produzir um determinado texto. Multiplicaram-se as lojas de papelei-
11•01 11 niblioteca ducal de Urbino adquiriu edições impressas e (envergonha:
ros, ou cartolai, em resposta a uma demanda crescente por cadernos, tabu-
tlnmcnte ou não) mandou-as encadernar com as mesmas capas magníficas então
letas, folhas preparadas e outros artigos. Além de vender materiais de escri-
UMndns para os manuscritos. A mesma corte patrocinou o estabelecimento de
ta e livros escolares, bem como serviços e materiais de encadernação, alguns
lllllll impressora pioneira em 1482. O comentário de Vespasiano mostraque
comerciantes passaram também a auxiliar os colecionadores de livros que
•I~ estava sendo vítima de devaneios nostálgicos e irrealizáveis, tanto assim
os patrocinavam, procurando localizar obras mais valorizadas. Mandavam
que não conseguiu de seus clientes principescos apoio suficiente para conti-
copiá-las, atendendo a encomendas, e conservavam alguns exemplares para
ntllll' seu comércio exclusivista. Seu principal concorrente em Florença,
vender em suas lojas. Contudo, sua participação no comércio de livros era
;l,nnobi di Mariano, conseguiu manter-se em atividade até sua morte em 1495.
mais o~asional do que se poderia imaginar.
"A disposição de Zanobi para vender livros impressos - um tipo de comér-
do que Vespasiano havia rejeitado - explica sua sobrevivência como livrei-
As atividad;s dos cartolai eram variadas[... ] Os que se especializavam na venda e pre-
ro nos anos traiçoeiros do final do século XV. Lidando exclusivamente com
paração de materiais para a produção de livros, ou na sua encadernação, provavelmen-
mimuscritos, Vespasiano teve de encerrar seu comércio em 1478."
te pouco, ou nada, se interessavam pela produção ou venda de manuscritos e (mais tarde)
de livros impressos novos ou usados. Só depois de Vespasiano ter fechado as portas é que se pode dizer que come-
1

çou um autêntico comércio de livros por atacado.

Até mesmo o comércio de livros a varejo empreendido por Vespasiano da


Logo que Gutenberg e Schoeffer terminaram a última folha de sua monumental Bíblia,
Bisticci, o mais conhecido mercador florentino de livros, que atendia prela- o financista da firma, Johan. Fust, tomou para si cerca de uma dúzia de exemplares, a
dos e príncipes e "fazia todo o possível" para atrair clientes e fazer negócios, fim de verificar a melhor maneira de colherÁs frutos de seus pacientes investimentos.
jamais esteve a ponto de transformar-se num comércio por atacado. Apesar E para onde se voltou ele em primeiro lugar, para.converter suas bíblias em dinheiro?
1

dos métodos geralmente agressivos com que Vespasiano promovia suas ven- Dirigiu-se a Paris, então a maior cidade universitária na Europa, onde mais de 10 mil
das e correlacionava livros e clientes, ele jamais deu sinais de "ter ganhado alunos lotavam a Sorbonne e outras faculdades. E o que encontrou ele naquela cidade,
muito dinheiro" com todas as suas transações. Não há dúvida de que ele con- para seu amargo desprazer? Uma corporação bem organizada e poderosa,~ guilda do
quistou clientes notáveis e angariou considerável celebridade como "o prín- forte comércio livreiro, a Confrérie des Libraires, Relieurs, Enlumineurs, Ecrivains et
cipe dos editores". Sua loja foi enaltecida por poetas humanistas em termos Parcheminiers [...]fundada em 1401 [... ]Alarmados pelo aparecimento de um foras-
similares aos que foram utilizados mais tarde em louvores dedicados a Guten- teiro detentor de tesouro tão inaudito, quando constataram que ele estava vendendo uma
berg e Aldus Manutius. Talvez seja ainda mais notável a sua fama póstuma Bíblia atrás da outra .chamaram logo a polícia e apresentaram seu abalizado veredicto
1

de que tal quantidade de livros valiosos só poderia estar na posse de um só homem median-
- alcançada somente no século XIX, depois da publicação de suas memó-
te a ajuda do próprio diabo. Fust teve de fugir para salvar a pele, ou sua primeira via-
rias, e da utilização destas por Jacob Burckhardt. A obra de Vespasiano, VúlM
gem de negócios teria terminado numa vexatória fogueira ...
de home/1,J ÜllJlrl!4, contém uma referência aos livros manuscritos ricamente enca-
dernados, existentes na biblioteca do Duque de Urbino, e dá a entendei:, em
Esta história, tal como referida por E. P. Goldschmidt, pode ser tão infun-
tom esnobe, que um livro impresso se sentiria" envergonhado" em tão elegan-
dada quanto a lenda que associava afigura de Johann Fust à do dr. Fausto. A
te companhia. Essa referência, isolada, feita por um mercador de livros atí-
reação adversa ali narrada não deve ser considerada como U.pica; inuitas refo-
pico e obviamente preconceituoso, foi reproduzida e expandida em muitos
rQncias a esse período inicial são, na pior das hipóteses, amb1valentes. As mais
comentários enganosos sobre o suposto desdém que os humanistas da
freqüentemente citadas costumam associar a imprensa aos poderes divinos, não
Renascença teriam alimentado em relação aos objetos vulgares produzidos pelas
nos. diabólicos. Contudo, as referências mais conhecidas provêm dos anúncios

J4
J5
bombásticos ou prefácios compostos precisamente pelos primeiros impresso- ]~preciso dar o peso devido à circunstância de que havia novas caracte-
res, ou então dos edit~res e autores que trabalhavam nas oficinas de impres- rísticns e que elas foram exploradas. A despeito dos seus esforços no sentido
são. Tais pessoas tendiam a adotar uma visão mais favorável do que os mem- du reproduzir os manuscritos o mais fielmente possível, o fato é que Peter
bros das corporações, que tinham feito dos livros manuscritos o seu ganha-pão. Schoeffer, impressor, estava seguindo procedimentos diferentes dos adotà-
Os liúraire.J parisienses poderiam ter boas razões para estar alarmados, embo- dos por Peter Schoeffer, escriba. A ausência de quaisquer mudanças visíveis
ra se estivessem antecipando aos fatos: o valor de mercado doslivros copiados no produto combinava-se com uma mudança completa nos modos de produ-
à mão só veio a cair depois da morte de Fust. Outros membros daconfrérie jamais ÇflO, dando origem a uma combinação paradoxal de continuidade aparente e
poderiam prever que a maioria dos encadernadores, rubricadores, desenhistas mudança radical. Por isso, a semelhança temporária entre o produto do tra-
de iluminuras e calígrafos passariam a estar mais ocupados que nunca, tão logo balho manual e o do trabalho impresso parece dar apoio à tese de uma mudan-
os primeiros impressores se estabelecessem. Quer vissem a nova ar.te como a ça evolutiva muito gradual; e, no entanto, podemos também sustentar a tese
dádiva ou maldição, quer a atribuíssem a Deus ou ao Diabo, o fato é que o aumen- oposta, se sublinharmos a sensível diferença entre os dois modos de produ-
to inicial de p~odução impressionou os observadores-contemporâneos como sendo ção e observarmos as novas características que começaram a surgir antes do
algo tão notável, a ponto de sugerir uma intervenção sobrenatural. Até mesmo final do século XV. ·
os incrédulos estudiosos modernos podem ficar perturbados, ao tentar calcu- O trabalho do escriba era necessariamente orientado pela aparência super-
lar o número de bezerros que foram necessários para suprir peles em quanti- ficial do texto. Ele se empenhava totalmente em procurar traçar letras espa-
dade suficiente para editar em papel velino a Bíblia de Gutenberg. Não deve- çndas uniformemente, dentro de um padrão simétrico e agradável. Procedi-
ria ser difícil chegár ao consenso sobre a idéia de que o aumento ocorrido na mento completamente distinto exigia-se para orientar os compositores. Neste
segunda metade do século XV foi abrupto, e não gradual. caso, era necessário fazer marcações no manuscrito, enquanto se ia analisan-
Se em vez da quantidade considerarmos a qualidade, torna-se muito mais do o seu conteúdo. Desse modo, todo manuscrito que vinha às mãos do
difícil vencer o ceticismo. Quando se coloca uma cópia manuscrita tardia de impressor tinha de ser examinado de uma maneira nova - que dava ocasião
um dado texto ao lado de uma das primeiras versões impressas, a tendência
mais imediata é achar que não houve mudança alguma, muito menos uma
mudança abrupta ou revolucionária.

Por trás de cada livro impresso por Peter Schoeffer há um manuscrito publicado [... ]
A decisão sobre os tipos de letras a usar, a seleção das iniciais e a decoração das rubri-
cas, a determinação do comprimento e largura de cada colllna1 o planejamento cks mar-
gens [... ]tudo estava predeterminado pela cópia manuscrita precedente.

Não somente os primeiros impressores (como Schoeffer) buscaram copiar


um determinado manuscrito o mais fielmente possível, como também os escri-
bas do século XV retribuíram a gentileza. Como nos demonstrou Curt Büh-
ler, um grande número de manuscritos executados no final do século XV foram
copiados de livros impressos primitivos. Assim, tanto o trabalho manual
/\ semelhança entre u1n texto manuscrito e um impresso é demonstrada por estas duas páginas·, a
como o executado no prelo mantiveram-se quase indistinguíveis na aparên-
primeira das quais eXtraída 'de uma Bíblia manuscrita (a Bíblia Gigante de 1\tlainz), e a segunda, de
cia, mesmo depois que o impressor começou a afastar-se das convenções dos uma Bíblia imprcSsa (a famosa Bíblia de Gutenberg). Reproduzidas por especial cortesia Ja Divisão
escribas e a explorar algumas características novas inerentes à sua arte. de Livros Raros e Coleções Especiais da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos.

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por sua vez a mais revisões, mais correções e mais cotejos do que nos textos nté mesmo os problemas decorrentes de uso e desgaste podem ser minimiza-
copiados à mão. No espaço de uma geração, os resultados desse reexame apon- cfos: as partes rombudas puderam ser aguçadas, os detalhes esmaecidos pude-
taram uma nova direção - não mais no sentido da fidelidade às convenções 1'1\lll ser reavivados, de modo a garantir-se uma durabilidade notável.
dos escribas, mas buscando servir a conveniência do leitor. O caráter comer- Não é tanro pela importância que dá à imagem impressa, mas antes por subes-
cial altamente competitivo do novo modo de produção de livro,s incentivou a tlmur o significado do texto impresso, que Ivins parece perder-se no caminho.
adoção relativamente rápida de toda e qualquer inovação que valorizasse uma Bm bora ele mencione de passagem que "a história dos impressos como uma
determinada edição junto aos compradores. Muito antes de 1500, os impres- Hérie integrada" se inicia com seu uso "como ilustrações em livros impressos de
sores já faziam suas experiências com o uso de "tipos graduáveis, títulos de tipos móveis", em outros lugares sua análise tende a apartar o emprego das figu-
páginas, notas de rodapé, índices, cabeçalhos ilustrados, referências cruza- ms impressas do destino dos livros impressos. Seu tratamento dá a entender
das [ ...] e muitos outros artifícios à disposição do compositor" - todos indi- que os novos aspectos da repetitividade se limitavam às mensagens pictóricas.
cadores da "vitória do operador de buril sobre o escriba". As páginas de rosto E nós sabemos que esses efeitos não estavam limitados a figuras ou, no caso
tornaram-se c.i'da vez mais comuns, facilitando o preparo de listas de livros cm tela, a figuras e palavras. As tabelas matemáticas, por exemplo, também foram
e catálogos, ao mesmo tempo que constituíam anúncios em si mesmas. As ilus- ll'ansformadas. Para estudiosos interessados na mudança científica, o que acon-
trações feitas ~ mão foram sendo substituídas gradualmente por xilografias teceu com os números e as equações é certamente tão importante como o que
e estampas - movação que acabou contribuindo para revolucionar a litera- nconteceu com as imagens ou as palavras. Além disso, muitas das mais impor-
~ra técnica, p~l: ~trodução de "i:iensagens pictóricas que podiam ser repe- tantes mensagens pictóricas produzidas durante o primeiro século de impren-
ndas com exandao em todos os tipos de obras de referência. sa empregavam vários dispositivos - bandeirolas, chaves alfanuméricas, linhas
O fato de que imagens, mapas e diagramas idênticos podiam ser vistos simul- apontando para o desenho etc. - destinados a relacionar imagens aos textos.
taneamente por muitos leitores. esparsos constituiu por si só uma espécie de 'Jl'atar material visual ilustrativo como uma unidade à parte corresponde a per-
revolução. Esta observação foi feita de modo incisivo por William Ivins, anti- der de vista os elos vinculadores, que eram tão importantes na literatura téc-
go curador de gravuras do Metropolitan Museum. Embora a ênfase particu- nica, porque expressavam relações entre palavras e coisas.
lar dada por Ivins à "mensagem pictórica que podia ser repetida com exati- Mesmo tendo em vista que a impressão tipográfica e a impressão manual
dão" tenha sido bem acolhida entre historiadores da cartografia, sua propensão podem ter-se originado como inovações distintas, que eram utilizadas inicial-
ao exagero provocou objeções de outros especialistas, As imagens passíveis mente para fins diversos (assim, as cartas de baralho e imagens de santos eram
de repetição, argumentavam eles, datam dos antigos selos e moedas, ao passo estampadas com base em blocos de madeira, enquanto as iluminuras, feitas à
que uma reprodução exata não tinha muito a ganhar com o uso de blocos xilo- mão, continuavam a decorar muitos dos primeiros livros impressos), as duas
gráficos, que se gastam e quebram após longo uso contínuo. Neste ponto, como técnicas em breve se tornaram integradas. A utilização da tipografia para os
em qualquer outro, não convém subestimar ou exagerar as vantagens da textos levou ao uso da xilografia para as ilustrações, com o que foram selados
nova tecnologia. Embora se admita que as :xilografias podiam danificar-se ao os destinos do escriba e do desenhista de iluminuras. Ao considerar-se a manei,
serem copiadas para inclusão em diversos tipos de texto, convém considerar ra como a literatura técnica foi afetada pelo deslocamento do manuscrito para
também, por outro lado, o estrago que ocorria quando imagens feitas à mão o impresso, parece razoável adotar a estratégia de George Sarton, que con-
tinham de ser copiadas para centenas de livros. Embora alguns desenhistas templava "uma invenção dupla: tipografia para o texto, gravura para as ima-
de iluminuras medievais dispusessem de livros de padrões e de técnicas de gens". Convém dar mais importância ao fato de que as letras, os números e as
perfuração, a reprodução precisa de detalhes sutis permaneceu fugidia até o figuras, tudo já podia ser repetido nos últimos anos do século XV. É talvez mais
ad~en:o da xilografü e da gravura. Blocos e pranchas tornaram possível pela significativo salientar que o livro impresso tenha proporcionado novas formas
prime1ra vez a repetição de material visual ilustrativo. Ouando confiados a de interação entre esses diferentes elementos, do que a transformação sofrida
artesãos experientes no uso de bons materiais e sob ad~quada supervisão, pela figura, pelo número ou pela letra tomados separadamente.

JS J9
A preparação da cópia e do material ilustrativo destínado a edições impres- tc.çllo e empregos lucrativos, sem se esquecer de cultivar e promover autores
sas também provocou um rearranjo nas artes e rotinas ligadas à produção ll urtistas talentosos, que poderiam angariar lucros ou prestígio à sua firma.
de livros. Não somente as novas técnicas (c0mo fundição de tipos e prensa- Nus cidades em que sua empresa prosperava e ele pessoalmente atingia uma
gem de livros) envolviam verdadeiras mudanças ocupacionais, como a pro- posição de influência junto aos seus co~cidadãos, s~a loja torna~a-se um ver-
dução de livros impressos também reunia num só local talentos tradicionais dadeiro centro cultural que atraía os literatos locais e personalidades famo-
de várias espécies. Durante a era dos escribas, a fabricação de livros havia Bl\S estrangeiras, ao constituir um local de reuniões e centro de mensagens
ocorrido sob os auspícios distintos representados por donos de papelarias e para uma Comunidade do Saber cosm~polita ~ crescent_e. , .
copistas leigos nas cidades universitárias; iluminadores e miniaturistas trei- Alguns vendedores de livros manuscntos haviam exercido, sem duVIda, fun-
nados em ateliês especiais; mestres ourives e artesãos de couro associados a ções similares, antes do advento da imprensa. Já se mencionou que os huma-
guildas especiais; monges e irmãos leigos reunidos nos Jcriptoria; funcionários nistas italianos eram reconhecidos a Vespasiano da Bisticci por muitos dos ser-
da realeza e secretários p~pais ativos em chancelarias e cortes; pregadores viços que mais tarde seriam prestados por Aldus Manutius. Mas, na verdade,
que compilav91'1 por conta própria livros de sermões; poetas humanistas que u estrutura da loja a que presidia Aldus era muito diferente da conhecida por
agiam como escribas de si próprios. O advento da imprensa levou à criação Vespasiano. Como protótipo do capitalista primevo e herdeiro de Ático e seus
de um novo tipo de estrutura de loja; a um reagrupamento que gerou conta- sucessores, o impressor abraçou uma gama de atividades mais ampla. A casa
tos mais estreitos entre trabalhadores diversamente capacitados e incentivou de Aldus em Veneza, que abrigava cerca de trinta pessoas, foi recentemente
novas formas de trocas interculturais. descrita por Martin Low:ty como uma "quase incrível mistura de colônia pen~!,
Por esse motivo, não é raro encontrar ex-padres entre os primeiros impres- casa de pensão e instituto de pesquisa". Poder-se-ia consagrar um estudo mmto
sores, ou ex-abades atuando como organizadores ou corretores de texto. Por interessante a uma comparação entre a cultura ocupacional do impressor Peter
outro lado, muitos professores universitários, que amiúde também se exerci~ Schoeffer e a do escriba Peter Schoeffer. Diferentemente do salto entre dono
tavam nesses labores, passaram a ter contato mais próximo com mecânicos de papelaria e editor, o salto do escriba para o impressor representou uma mudan-
e metalúrgicos. Outras formas profícuas de colaboração aproximaram astrô- ça ocupacional autêntica. Embora Schoeffer tenha sido o primeiro a dar o
nomos e gravadores, ou físicos e pintores, assim desvanecendo velhas divi- salta, muitos outros seguiram o mesmo caminho antes do fim do século.
sões de trabalho intelectual e incentivando novas maneiras de coordenar a A julgarmos pela excelente monog-rafia de Lehmann-Haupt, muitas das
ação do cérebro, dos olhos e das mãos. As antigas dificuldades de financiar n;tividades pioneiras de Schoeffer estavam relacionadas com a passagem
a publicação de grandes volumes em latim - que eram usados no fim da Idade do comércio a varejo para uma indústria por atacado. "Durante algum tempo,
Média por faculdades de teologia, direito e medicina - levaram por sua vez 0 comércio com livros impressos se manteve dentro dos estreitos canais do
à formação de sociedades que agregavam ricos negociantes e estudiosos comércio de livros manuscritos. Dentro em pouco, contudo, a vaga não pôde
locais. Finalmente, as novas corporações financeiras, formadas para permi- mais ser contida." Foram localizados novos pontos de distribuição; impri-
tir aos mestres impressores contratar mão-de-obra e suprimentos necessários, miram-se folhetos, circulares e catálogos de vendas; os próprios livros
puseram em contato representantes da sociedade e do meio acadêmico. eram levados Reno abaixo, para além do Elba; para o ocidente, em dire-
Na qualidade de elemento-chave em torno do qual giravam todos os arran- ção a Paris; para o sul, em direção à Suíça. O impulso no sentido de abrir,
jos, o próprio mestre-impressor funcionava como ponte entre vários univer- novos mercados era acompanhado de esforços para manter os concorren-
sos. Ele era responsável não só por conseguir dinheiro, como pelo suprimen- tes sob controle,' mediante a oforta de melhores produtos, ou, pelo menos,
to de insumos e mão-de-obra, ao mesmo tempo que tinha de desenvolver u impressão de um prospecto anunciando os textos "mais legíveis" da firma,
complexos esquemas de produção, lidar com greves, tentar avaliar as condi- índices "mais completos e mais bem arranjados", "mais cuidadosa revisão
ções dos mercados livreiros e angariar o apoio de assistentes preparados. Tinha de textos" e edição. Eram objeto de atenção os funcionários que serviam
de manter-se em bons termos com as várias autoridades que asseguravam pro, arcebispos e imperadores, não somente porque eram potenciais bibliófilos

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i,k_,l. ftrinb in t~or.ru,itc mu.('~ ipjr{urcumbtn_s, & m infig~tU5,iJ: infe:riont repr.tftntttm.l tmJintm pr.t[m-
tú mu[cu/1 mtÚcdl.'Poffo 1,/z & l.fmul,huoo mi{c_uUrrun!.ulifjtc1tm quokmmokofltndunr.
m .Jt[ujc'ufm,1uilf{cAf ulf bitjif'romtJUJ,Oflq{uftrÍoribm tfior11ci& r:ofli.J in{tritur.
b. JJ1xttr r1E. fJrum 1tbdominU mufuMrum..At n cuntum rtBi 11blomin# mufcuüpincipium,rri.mgulo mm
n,o. Alfmi!t mt.tt.o princpium tiu[dtm mufcu!intrtuumiefcribirnr,pm't unit1trfam efform.tm mufculum, To-
f •1' to inurU.t.!lo,d f' .i1.J q ptrt1ii/u,re8i11bJominü mufuú'inurniJ/HitÚttrib!#inuictm r:~tingunt., Tor1t1tut1m
ftdt fuprA q,11ur moxfor"" umbilicum conjiflmtt,ttmro m.tgH mufcul:immu'oftiunguntur, qu11nto lfltilH con
[ctndimr. Gtterbm 1 mrAbiltrÍ.tmoMi1Nbrum ;1bdfJminM mufiuhrumn:ruft tmuit.ttU, .:dtr1tn{utrji11n
r. "bdomínism11fculmn,hacinp.trtt.tdpt8ori&ufjJidtmconntxum.1'off'o r !iMdinjigmi#r,qu.rcdrntitmre
lli mu[cull f itrttm jinir, qiuÍ ulúmd ipfi111 inj~friorm in Jiqmint tfl portio, uti in q11;1rt..t tdbu!A ad ch11rdlt~
f rem n tfl cerner1. !nurclfftlin1~irur .tb r Ad fftrtin.mtt,f ofjtrtrt8ifmi.nt6dormDi&mufculi ttndo ftu
t. m1m'1r.m.l,1xc.trni/ut mu[c11üp1trs. t Állttmindic.tr t.trnMmmufcuúft"dtr,n, piffMcofl.e &foll1UÚ thor"
cU in{trr4r11. tflf.i '4t1H il!1 un.k &carnt.t hi1c f.trf i& mu[c11/uJ,qun11,J11lmm quinrum rhor.t.cf moUlntiNm
enumerdr ,in homimbw h11uifi""'fHtlm,ut in c.tud.trNf_mij; <4.fMkbU4,co'1}icu111. 'Nos AUrtm htc iltum, Ç.t 4

ltnum imt!lig11ubgr1tt1<:, drlmtlluÍmM, quDdJ.bDquin h.<cp1!/IN fedtr, fequmn'um tÍudrum t.tbul.i1.rum pe 4

u,u,u. 8orib1utr1trd.bfJ,hNmufcu!Hrtj}onfor.t. 'Pofirtr»o,u,u,u mtAnturinfrptionts,Ji.untr11t.tkkii11tmem1t,


tranfaeifim rtllo mufulo imprtjfa, 'fJIÍbm obliqHf .t{cttJtÍttttiJ mufub'numfa ~x1lit4J ptrtindc!Jfittit cotJ-
nit[csrur.
x Lint.i1. hi1c parriunculdmmt<tt inu[cufidbdominis obbju'c .i1.fcmdtntff, 'l"" ittr411f11tr[o.tbJominil mufula
imbi itdt~ u.:liJ't comm1uirur,ut inur JifJer.trdum,nijirtliElo tiufmoJiJigno,À trdll[utrfa libtrari 1uqut4t.
y Trlfnfotrfa11bdrimínlfm11fcu"'1.
Este. exemplo
. . de . material ilustrativo/visual
. • o da o bra De humanc·cor~
com remissões ao texto é e;tra<d
1t Obfrqu'tttfandtns,,J,dqmmumuftu"'1,11b.rbtkm1111hicrefltxlfl.
p11r1.1Jabrtca
.
librt,1cpfem, de Andreas Vesalius (Basiléia Johann Oporinus 1555 p 224 5) R
. . ' , ,.
d. 'd
-.eprouz10 ~ VAforum
me d1ante gentil permissão da Folger Shakespeare Library.

42 4J
O FFICIN lE TYPO GRA.- l'ICTUl\E OF A PHINTING OFFICE [><;J
P HI CJE DELINEATro. nM donos de papelarias que serviam as faculdades universitárias, os escribas
leigos que prestavam serviços às ordens mendicantes e os copistas semilai-
l'Oa que pertenciam a comunidades fundadas pelos Irmãos da Vida em Comum,
nfio faltavam de todo iniciativas competitivas e comerciais. Tais iniciativas,
eontudo, eram fracas, quando comparadas com os esforços do velho Schoef-
for e seus concorrentes, no sentido de recuperar os investimentos iniciais, pagar
OB credores, consumir resmas de papel e manter empregados os impressores.
Ovendedor de livros manuscritos, ao contrário do que ocorria com o impres-
MOI', não tinha por que se preocupar com máquinas paradas ou com trabalha-
dores em greve. Alguém já lembrou que o simples fato de instalar um prelo
l\lllll mosteiro, ou num tipo de associação com uma ordem religiosa, já cons-
tituía uma fonte de perturbação, pois trazia "uma multidão de preocupações

E N T1:1YM11 fculptorisopus,quo pro<liditunl


Singula chalcograph1 mnncra ritC gregis.
Et corrcétornm curas,operas<]; regenrum, -
This cut, the work ofThymius' accurate hand
com dinheiro e propriedade" a um espaço previamente reservado à medita-
ç1to e aos trabalhos pios. .
Shows a!J at oncc how printing shops are manned:
~as<j; gcrit /c&or, compofitorq; 'ices.
Ut vulgus filc.im. tu qui JCgis ill.a, hbc:llo
The masters' duties, the correctors' chores, Na qualidade de publicistas que defendiam seus próprios interesses, os
The work of readers and compositors.
Fac itcratâ animi fedulitatefaris. primeiros impressores publicavam listas de livros, circulares, cartazes.
To this small book then you'll apply your mind
Sic mc:r:itz cumularis hinc fertilicatis honores, Good reader, ifyou're not the vulgar kind,
Ceu piétura oculos, intima mentis ages. So that a picture in your mind may rise
Colocavam o nome de sua firma, o emblema e endereço de sua loja no fron-
L. l. L, F. To match this picture that's before your eyes. 1ispício de seus livros. Com efeito, a utilização por eles dada às páginas de
L.l.l.F
rosto desde já acarretava uma inversão significativa em relação aos proce-
dimentos dos escribas, uma vez que elas se colocavam na frente; e o colofão
Um mestre impressor em sua oficina. Os versos latinos e a xilogravura apareceram pela primeira vez
na obra de Jerome HornschuC:b, Orthotypographüz (Leip~ig, 1\1 Lantzenberger, 1608). A tradução
do escriba aparecia em último lugar. Eles estenderam suas técnicas promo-
em inglês foi extraída de uma ~<lição fac-similada, organizada e traduzida por Philip Gaskcll e Patri- cionais, de modo a incluir os artistas e autores das obras por eles publica-
cia Bradford (Biblioteca da Universidade de Cambridge, 1972, p. XVI). Reproduzida mediante gen- das,· com isso contribuindo para a criação de navas formas de celebridade
til permissão da Biblioteca da Universidade de Can~bridge.
pessoal. Os mestres de· cálculos e fabricantes de instmmentos, à semelhan-
çn de professores e pregadores, também ganharam com os anúncios nos livros,
que espalhavam sua fama além das lojas e salas de aulas. Os estudos dedi-
e censores, mas também porque constituíam fregueses virtuais que expe-
ciidos à formação de uma intell.igentJia leiga - nos quais se reconhece uma
diam um fluxo contínuo de ordens para a impressão de decretos, editos, nova dignidade aos ofícios artesanais, ou se admite uma visibilidade maior
bulas, indulgências, cartazes e panfletos. No final do século, Schoeffer havia
ganha pelo "espírito capitalista" - bem que poderiam atribuir mais atenção
galgado uma posição de eminência na cidade de Mainz. Com~dava uma
u esses primeiras praticantes das artes da propaganda.
"extensa organização de vendas", associara-se também a uma operação con-
Por outro lado, o fato de que eles dispunham de um novo aparelho publi'.
junta de mineração e fundara uma dinastia de impressores. Após sua morte,
citário colocou os primeiros impressores numa posição extremamente vanta-
o acervo de tipos passou para seus filhos, e a firma Schoeffer, sempre em
josa em relação a outros empresários. Eles não só buscavam conquistar mer-
operação, expandiu-se pelo século seguinte, para abarcar também a impres-
cados cada vez mais amplos para seus produtos, como também contribuíam
são de música.
para a expansão de outros empreendiment~s comerciais, com, os .quais luc_r~­
Como está sugerido no trecho anterior, há muitos pontos de possível con-
vam igualmente. Que efeitos teve o aparecunento de novas tecmcas pubhc1-
traste entre as atividades do impressor de Mainz e as do escriba de Paris. Entre
t(irias sobre o comércio e a indústria do século XVI? Talvez já conheçamos

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algumas das respostas. E outras provavelmente poderão ainda ser encontra- td!'io em relação ao problema, sem dúvida fascinante, de quão rapidamente
das. Vários outros aspectos da impressão de pequenos trabalhos avulsos e das tnis grupos se expandiram. . .
transformações por ela trazidas merecem .estudos mais aprofundados. Por Quando a atenção se concentra nos grupos já então alfabe~ados, toi:i~-
exemplo: os calendários e indulgências impressos, que foram inicialmente 80 claro que sua composição social requer maior reflexão. Terá a unprensam1-
executados em Mronz, nas oficinas de Gutenberg e Fust, justificariam pelo menos cinlmente servido ao clero e ao patriciado, como uma "arte divina"?, ou deve-
tanta atenção quanto as bíblias, muito mais conhecidas. Com efeito, a produ- l'lamos antes imaginá-la como" amigado pobre"? Ela foi descrita dos dois modos
ção de indulgências em quantidades maciças ilustra de modo claro o tipo de pelos contemporâneos, e provavelmente teve as duas funções. Ao no~ recor-
mudanças que muitas vezes passam despercebidas, fazendo com que, mais tarde, darmos das funções de escriba realizadas por escravos romanos, ou mais tarde
suas conseqüências sejam mais difíceis de avaliar do que talvez devessem ser; por monges, irmãos leigos, clérigos e i;otários, pode'.11os co~cluir que o t_raba-
Em contraste com as várias mudanças esboçadas acima, as modificações !ho de escrever jamais coincidiu com a condição social de elite. Pode-se igual-
ligadas ao consumo de novos produtos i:ffipressos são mais intangíveis, indi- mente supor que a situação de letrado era mais compatível com. as funções s~den­
retas e difícei_s de tratar. Desse modo, é indispensável deixar uma larga mar- tárias do que com as caças e cavalgadas tão ao gosto de mmtos cavalberros e
gem de incerteza, quando se examinam essas modificações. lordes. Sob essa luz, pode ser equivocado imaginar que a recém-criada impren-
A propósito do espinhoso problema de estimar as taxas de alfabetização, sa pôs à disposição de pessoas menos favorecidas alguns produto~ até e~tão
antes e depois do advento da imprensa, parecem-me irrefutáveis os comen- usados exclusivamente por pessoas com mais recursos. Parece mais provavel
tários de Cario Cipolla: que muitas áreas rurais tenham permanecido intocadas :~é a c~:~ada da era
da estrada de ferro. Dada a grande população rural europeia no m1c10 da Idade
Não é fáca tirar uma conclusão geral dos dados esparsos que eu citei e dos dados igual- Moderna, bem como a persistência de dialetos locais, que impunham uma bar-
mente esparsos que eu não citei [... ] Eu bem poderia prosseguir concluindo quei no final reira lingiüstica adicional entre o mundo falado e o escrito, é pro;ável que somen-
do século XVI, "havia mais pessoas alfabetizadas do que geralmente se supõe" [...] Do te uma parcela muito pequena da população total tenha sido afe~da pela
mesmo modoi também poderia concluir que ''havia menos indivíduos alfabetizados do que mudança inicial. Não obstante, no interior dessa população relativamente
geralmente se acredita", uma vez que, na realidadei ninguém sabe o que significa a expres- pequena e predominantemente urbana, um espectro social razoavelmente
são "geralmente se acredita"[...] Poder-se-ia arriscar afumar que, no final do· século XVI, ~xtenso pode ter sido atingido. Na Inglaterra do século XV, po: ex'::11plo, ~er­
a taxa de analfabetismo da população adulta na Europa Ocidental ficava abaixo de 50% cadores e escribas engajados no comércio de livros manuscntos Jª atendiam
nas cidades de áreas relativamente mais adiantadas e acima de 50o/o em todas as áreas
1 às necessidades de humildes padeiros e comerciantes, como também de advo-
rurais, bem como nas cidades de áreas mais atrasadas. Esta assertiva é horrivelmente vaga g·ados, dignitários e fidalgos. A proliferação de· comerciantes alfabetizados
[...], mas os dados disponíveis sobre o assunto não nos permitem ser mais precisos. nas cidades italianas do século XN não é menos notável que a presença de
um comandante militar analfabeto na França do final do século XVl.
Tendo em vista os elementos fragmentários disponíveis, bem como as pro- Seria um equívoco, contudo,· imaginar que o desapreç<;> pela leitura era uma
longadas flutuações resultantes, parece-nos mais prudente deixar de lado os característica peculiar à nobreza, embora pareça plausível que o enfado com
controversos problemas ligados à difusão da alfabetização, até que outros temas o pedantismo latino fosse compartilhado igualmente por aristocr~tas e ,pl~­
tenham sido explorados com maior cuidado. Um ponto que merece &er ressal- beus leigos. Também se nos afigura duvidoso des?rever. os pruneiros publ'.-
tado (e que será repetidamente ressaltado neste livro) é o fato de que existem cos ledores como pertencentes à "classe média'. E preciso te~ extremo ~li­
outros tópicos que merecem ser explorados - além da expansão do público dado quando se tenta associar gêneros de livros a grupos de leitores. Mmtas
leitor e da "disseminação" das novas idéias. Ao considerarmos as transforma- e muitas vezes, toma-se como certo que obras "incultas" ou "vulgares" refle-
ções .iniciaú geradas pelo advento da imprensa, seja como for, as mudanças tem gostos de" classe baixa", apesar de catálogos de biblioteca e listas d~ aut~­
sofridas por grupos já então alfabetizados devem receber tratamento priori- res nos oferecerem provas em contrário. Antes do advento da alfabetizaçao

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em massa, as obras mais "populares" eram aquelas que atraíam diversos gru- com base em catálogos de bibliotecas, listas de subscrições e outros dados - ·
pos de leitores, e não somente a plebe. mesmo tendo em vista, é claro, .a circunstância de que muitos compradores
As divisões entre os públicos ledores em latim e em língua vernácula são de livros se preocupam mais em exibi-los do que em lê-los-, e os alvos, mais
muito mais difíceis de correlacionar com o JfatlM social do que se sugere em hipotéticos, visados pelos autores e editores. Com demasiada freqüên~ia, os
muitos estudos. É fato que o médico do século XVI que usava latim era con- títulos e prefácios são considerados como prova do número real de leitores,
siderado superior ao cirurgião, que não o fazia, mas também é verdade que embora saibamos que eles não são nada disso.
nenhum dos dois tinha chance de pertencer aos escalões mais elevados da socie-
dade. Na medida em qu.e o movimento de tradução para o vernáculo se des- .fu; informações sobre a disseminação da leitura e 'da escrita [... ] têm de ser suplemen-
tinava aos leitores que desconheciam o latim, ele visava freqüentemente a atrair tadas pela análise de seu conteúdo; estai por sua vez, fornece prova circunstancial sobre
pajens e aprendizes, mas também a aristocracia rural, os fidalgos e os corte- a composição do público leitor: um livro de culinária [... ] reinipresso oito ou mais vezes
no século XV, era obviament_e lido por pessoas interessadas no preparo de alimentos;
sãos, bem como lojistas e balconistas. Nos Países Baixos, uma tradução do
assim, o livrinho DoctrinalJe.;fillu, sobre a conduta de moças, devia ser consultado pri-
latim para o francês muitas vezes era destinada a círculos cortesãos relativa- 11
mariamente por" donzelas e "madames".
mente fechados, passando ao largo da população urbana leiga, que só conhe-
cia os dialetos da Baixa Renânia. Enquanto isso, uma tradução para o "holan-
dês" poderia destinar-se a pregadores que necessitavam em seus sermões citar Essa "prova circunstancial", contudo, é altamente suspeita. Sem fechar ques-
passagens da escritura, e não necessariamente à população leiga (que freqüen- tão sobre o corpo de leitores dos mais antigos livros de culinária (cujo cará-
temente é tida como destinatária exclusiva de trabalhos devocionais em "ver- ter não me parece nada óbvio), os livrinhos referentes à conduta das moci-
náculo"). Tutores empenhados em educar jovens príncipes, instrutores da corte nhas talvez apresentassem igualmente interesse para os tutores, confessores
ou de escolas religiosas, capelães que traduziam do latim atendendo a pedi- ou educadores do sexo masculino. A circulação de livros impressos sobre nor-
dos da realeza haviam sido pioneiros em introdnzir técnicas de "popJJlariza- mas de etiqueta tinha ramificações psicológicas muito amplas; não se deve
ção", antes mesmo que o impressor se lançasse em sua empreitada. ignorar sua capacidade de aumentar a ansiedade dos pais. Além domai~, tais
Mas o mais vigoroso ímpeto dado à popularização, antes do advento da obras eram provavehnente lidas também por autores, tradutores e editores
imprensa, veio mesmo da necessidade, sentida por pregadores, de manter suas de outros livros de etiqueta. Impõe-se ter sempre em mente o fato de que auto-
congregações acordadas e reter a atenção em vários tipos de ajuntamentos res e editores constituíam um grupo muito amplo de leitores. Até mesmo aque-
ao ar livre. Diferentemente do pregador, o impressor só podia fazer suposi- les poetas do século XVI, que evitavam impressores e circulavam seus ver-
ções sobre a natureza do público interessado em seu trabalho. Assim sendo, sos em forma manuscrita, bem que se aproveitaram da possibilidade de ter
deve-se ter cuidado extremo ao tomar os títulos das primeiras obras impres- acesso a materiais escritos. Alguém já sugeriu que os livros que descreviam
sas como se fossem guias seguros sobre seu público ledor. Exemplo disso é a os sistemas de escrituração por partidas dobradas eram lidos menos por
descrição freqüente da Bíblia ilustrada do sécnlo XV, primeiro tirada como comerciantes do que por autores de livros de escrituração mercantil e pro-
manuscrito e em seguida impressa manualmente, como sendô a Bíblia "do fessores de contabilidade. Pode-se especular se não haveria mais poetas e auto-
pobre". Tal descrição é talvez anacrônica, por ter sido baseada na abrevia- res teatrais do que pastores entre os que estudaram os chamadosAlmanaquu
ção do título completo latino dado a esses livros. Com efeito, a Bíblia paupe- () paAor. Dada a adulteração de dados transmitidos no correr dos tempos, e
0
rum praiJú:atorum tinha como alvo não os homens miseráveis, mas os pobres vistos os falsos remédios e receitas impossíveis contidas nos tratados médi-
pregadores, que só tinham conhecimentos superficiais de latim e considera- cos, é de desejar-se que tais compêndios tivessem sido estudados mais por poe-
vam de mais fácil entendimento as lições das Escrituras desde que contas- tas do que por médicos. Dados, por outro lado, os exóticos ingredientes des-
sem com livros ilustrados como guias. Os analistas mais exigentes têm suge- critos, pode-se supor que poucos boticários chegaram de fato a tentar a
rido a necessidade de distinguir entre o número real. de leitores, calculado çocção de todas as receitas contidas nas primitivas farmacopéias impressas,

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embora pudessem ter-s.e sentido obrigados a entulhar suas prateleiras com No romance Notre Dame de Pari.11 de Victor Hugo, damos com um estudioso, mergulha-
aqueles produtos bizarros, para a eventualidade de que a nova publicidade do em profunda meditação, no seu gabinete [... ] o qual contempla fixamente o primei-
p~~~sse provocar a demanda por tais itens. I'.lefrontamo-nos com enigmas de ro livro impresso que veio perturbar sua coleção de manuscritos. Então [ ... ] ele mira a

difícil solução, ao tentarmos decifrar os fins, pretendidos ou reais, de alguns imensa catedral, cuja silhueta se desenha sobre o céu estrelado [ ...] "Ceei tuera cela", diz
ele. O livro impresso destruirá o edifício. A parábola que Victor Hugo desenvolve, com-
dos primeiros manuais impressos. Qual seria, por exemplo, o interesse em publi-
parando a construção, repleta de imagens, com a chegada a sua biblioteca de um livro
~~r, em língua v~~nácula, manuais que ddineavam procedimentos com os quais
impresso, bem poderia aplicar#se ao efeito causado pela disseminação da imprensa sobre
Jª estavam familianzados todos os praticantes proficientes de certos ofícios?
os invisíveis templos da memória do passado. O livro impresso tornará desnecessárias
É oportuno relembrar, de qualquer modo, que começava a tornar-se evidente, essas imensas memórias construídas pelas gerações, repletas de imagens. Fará desapa#
durante o primeiro século da imprensa, a distância entre a prática aplicada na recer hábitos de épocas prisca.:3 imemoriais, pelas quais cada "coisa" ganha de imediato
loja e ~ teori~ aprend'.da na sala de aula; e que muitos dos chamados guias e uma imagem e passa a ser guardada nos escaninhos da memória.
manuais práticos continham na realidade conselhos impraticáveis, quando não
lesivos às pessoas. · Ao conhecido tema romântico da catedral gótica como uma" enciclopédia
Embora pos~am ser adiadas certas conjecturas sóbre transformações sociais ele pedra", Frances Yates acrescentou um prolongamento fascinante, com seu
e psicológicas, convém, neste passo, salientar certos pontos. Como sugere estudo das esquecidas artes da memória. A imprensa não somente eliminou
Altick, é necessário distinguir entre a condição de alfabetizado e a leitura muitas funções até então exercidas por figuras de pedra colocadas sobre
habitual de livros. Não se pode dizer, de modo algum, que todos os que domi- velhos pórticos ou desenhadas em vitrais, como também afetou imagens
naram a palavra escrita, até os dias de hoje, se tenham tornado membros de menos tangíveis, ao eliminar a necessidade de colocar figuras e objetos em
uma comunidade de leitores de livros. Além do mais, aprender akr é diferen- nichos imaginários localizados em teatros da memória. Ao tornar dispensá-
te de aprender pela kitura. A confiança no treinamento pelo aprendizado, na vel a utilização de figuras para fins mnemônicos, a imprensa revigorou ten-
comunicação oral e em artifícios mnemônicos especiais, havia caininhado dências iconoclásticas já presentes entre muitos cristãos. As sucessivas edi-
junto com a conquista das letras na era dos escribas. Com o advento da impren- ções das /114tituifõu de Calvino desenvolvem a necessidade de se obedecer ao
sa, contudo, a transmissão de informações escritas tornou-se muito mais efi- Segimdo Mandamento. O texto favorito dos defensores de imagens era o dita-
ciente. Não foi só o artesão fora da universidade que se beneficiou com as novas do de Gregório Magno, segundo o qual as estátuas serviam como "os livros
oportunidades de ensinar a si próprio. De igual importância foi a oportunida- cios iletrados". Embora Calvino, ao repelir esse ditado com desdém, nada tenha
de, agora aberta a alunos brilhantes, de ultrapassar os limites alcançados por dito a respeito da imprensa, o fato é que o novo meio de comunicação dava
seus mestr~s. Alunos bem dotados não precisavam mais sentar-se aos pés de suporte à idéia calvinista de que aos analfabetos se devia ensinar a ler, e não
um ~etermmado professor a fim de aprender uma língua ou especialização aca' dar estampas com imagens. Sob essa ótica, parece plausível sugerir que a
dêm1ca. Ao contrário, eles passaram rapidamente a poder conquistar maes- imprensa estimulou um movimento no sentido "da cultura da imagem para a
tria por si próprios, mesmo tendo de obter certos livros sorrateiramente às cultura da palavra", tendência essa que se revelava muito mais compatível
escondidas de seus professores - como fez o jovem e futuro astrô~omo Ty~ho com a bibliolatria e panfletagem protestante, do que com as estátuas e pin-
Brahe. "Por que devem os velhos ter preferência sobre os jovens, agora que turas barrocas patrocinadas pela Igreja católica pós-tridentina.
é possível a estes últimos, mediante estudo diligente, adquirir os mesmos Na realidade, a metamorfose cultural provocada pela imprensa foi muito
conhecimentos?", perguntava-se o autor de um livro de história do século XV. mais complicada do que se poderia exprimir numa simples fórmula. De um
Amedida que o aprendizado nos livros foi ganhando realce, diminuía a lado, as estampas com imagens se tornaram mais e não menos abundantes
importância dos processos mnemônicos. Já não eram mais necessárias a rima após o estabelecimento de oficinas impressoras pela Europa Ocidental. Em
e a cadência para se preservarem certas fórmulas e receitas. Transformou- segundo lugar, a propaganda protestante explorava a imagem impressa não
se a natureza da memória coletiva. menos que a palavra impressa - como sugerem numerosas caricaturas e ilus-

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A R S M E M O R I JE. tl importância das imagens, ampliaram muito as oportunidades abertas aos
erlndores de imagens e contribuíram para colocar a história da arte em seu
enminho atual. Nem mesmo as figuras imaginárias e teatros da memória, des-
eritos por Frances Yates, caíram no desaparecimento, ao se perderem suas
!'unções mnemônicas; ao contrário, ganharam "um novo e surpreendente
nlQnto". Passaram a suprir o conteúdo de magníficos livros de emblemas e esme-
radas ilustrações barrocas para livros da Ordem Rosa-Cruz e obras ocultis-
tas no século XVII. Ajudaram ainda a inspirar um gênero inteiramente novo
de literatura impressa - o livro didático ilustrado para crianças. Os meni-
nos de Leipzig, na época de Leibniz, "eram criados com base no livro ilustra-
do de Comenius e no Catecismo de Lutero". Desse modo, as imagens da anti-
g11 memória reentraram na imaginação das crianças protestantes, culminando
por fornecer a Jung e seus seguidores os indícios que alimentaram a hipóte-
0e do inconsciente coletivo. Não paira qualquer dúvida de que a nova voga
dos livros de emblemas recheados de imagens era tanto um fruto da impren-
01.\ do século XVI quanto o era o livro de texto "ramista", sem figuras.
Além disso, em certos campos do conhecimento, como na arquitetura, geo-
metria ou geografia, bem como em muitas das ciências da vida, a cultura impres-
A visão de um "terceiro olho", no século XVII. Depois de terem perdido suas funções originais, as
81.\ não só não realizou a fórmula oferecida acima; na verdade, ela ampliou as
a1ies da memória antiga adquiriram um significado ocultista e como que recobrararn força sob a forma
impressa. Extraída da obra de Robert J:<"""'ludd, l'triuJque cOJ111i maiorú... (Oppenheim, Johan-Theodor funções exercidas pelas imagens, ao passo que reduzia as desempenhadas pelas
de Bry, typis Hieronymi Gallery, 1621, II, 47). Reproduzida mediante gentil per~issào da Folger l!Lllavras. Muitos textos fundamentais de Ptolomeu, Vítrúvio, Galeno e outros
Shakespeare Library.
untigos tinham perdido suas ilustrações após terem sido copiados durante sécu-
los, e somente as readquiriram depoiS que o manuscrito foi substituído pelo texto
trações satíricas da época. Mesmo as imagens religiosas eram defendidas por impresso. Pensar em termos de um movimento que vai da imagem para a pala-
certos protestantes, e isso com base na sua compatibilidade com a cultura vra orienta a literatura técnica na direção errada. Na visão de George Sarton,
impressa. O próprio Lutero fez comentários sobre a incoerência de certos iCo- nüo foi a 11palavra impressa", mas a "imagem impressa!' que atuou como um "sal-
noclastas, que arrancavam quadros das paredes, mas contemplavam com a vndor da ciência ocidental". Para a Comunidade do Saber tornou-se cada vez
~a!or reverência as ilustrações na Bíblia. As imagens "não são mais prejudi- mais elegante adotar a velha máxima chinesa segundo a qual uma só imagem
c1a1s nas paredes do que nos livros", comentava ele para em seguida, de modo Ql'I\ mais valiosa do que muitas palavras. Na antiga Inglaterra dos primeiros
sarcásti~o, interromper sua linha de pensamento: "Preciso contet-me e parar 'I\1dors, Thomas Elyot marcou sua preferência por "figuras e tabelas", em vez
por ~qm, para não dar aos destruidores de imagens outro pretexto para de 11 ouvír as regras de Ul1,la ~iência' , o que merece maior consideração. Em-
1

Jamarnlerem a Bíblia, ou para queimá-la". bora as imagens sempre fossem indispensáveis para estimular a memória, as
Se aceitarmos a idéia de um movimento no sentido da imagem p.,'.a a pala- comunicações se haviam apoiado pesadamente na instrução verbal também na
vra, teremos, além do mais, alguma dificuldade em justificar e entender a obra era dos escribas. As preleções acadêmicas, é claro, eram por vezes suplemen-
de alguns artistas do Norte, tais como Dürer, Cranach ou Holbein, que eram tudas por figuras desenhadas nas paredes; instruções verbais aos aprendizes
prote~tantes, embora devessem muito à imprensa. Como se pode verificar pela cmm acompanhadas de demonstrações; era comum o uso de blocos e painéis,
carreira de Dürer, as novas artes da imprensa e gravação, em vez de reduzir dedos e articulações da mão para ajudar no ensino da aritmética; e gestos nor-

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malmente acompanhavam a recitação de chaves mnem&nicas. Apesar disso tndo,
quando se desejava duplicar com rapidez um conjunto de instruções, as pala-
vras sempre tinham preferência sobre quaisquer outras formas de comunica-
ção. De que modo, a não ser pelo uso de palavr:i.s, poderia. alguém ditar um
texto a um grupo de escribas? Após o advento da imprensa, multiplicaram-se
os materiais ilustrativos visuais, codificaram-se símbolos e sinais; desenvolve·
ram-se muito rapidamente formas distintas de comunicação iconográfica e

Prudence. PrNdentia.

~:~
·--.:'''.I
Prudence, 1. Prudentitt. I.
looketb apon ali tbi11g11 omnia ci1 cumfpellat,
as a Serpem, 2. ut Serpen.r, ~.
an111111111, nihilq; agir, .
fpe1flrtb, 01 tbfnketfl loquitur, & cog1tat
notblng fn batn. iR caffum.
~bc looks backward, J Ri/picit, 3.
811 tnto a lonbng-glafs,4 tanc;Liam in Specu/um, 4•
to tilings pall 1 ~d Pr<tterita ;
anb íliltb hefore her' \. & Profpicit, 5·
as l»ilb a Perfpefüve-
glafs, 7· tanquam Ttltfc•pio, 7 •
thing• t-0 come, Futu:r.-:i
DJ the end ; 6. leu Fimm: 6.
11111 r11 11J• petcct11ctll atq; ita perfpicit
1DlllC 1

Uma antiga imagem mnemônica transformada, para fins didáticos, em ilustração de um livro de figu- l~mbora a utilização dos dedos e gestos para Fazer contas tenha sido suplantada pelo uso de livros,

ras para crianças. A imagem da Prudência, extraída da obra Or6i.1.1en.iualiwnpict11,1 (1658), de Johann du !·llbelas e de quadros aritméticos i1npressos, estas artes antigas Foram codificadas e tivet·~m lo~ga
Amos Comenius, traduzida para o inglês por Charles Hoole (Londres, 1685). Reproduzida m~dian­
' 1I\
Vll so b a f'arma impressa.
· E•ta
,, g"avuca
• , extraída da obra de Jacob Leupold, Tbeafr1111z arLthmettca-

te gentil permissão da Folger Shakespeare Library. ·


l/('iJ1111•1·r11·11m... (Le'1pz1g,
· C. Zunkel , 1727) , é aqui reproduzida com gentil pennissão do Departamen-
'111 de Coleções Especiais das Bibliotecns da Universidade de Stanford.

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não-fonétic~. A circunstância de que os livros ilustrados impressos foram usa-
dos pela prunerra vez pelos reformadores da educação, com o intuito de ins-
truir crianças, bem como o fato de que o desenhoJoi crescentemente conside- ..... ···3
rado pelos pedagogos como uma realização útil, tudo isso nos indica a necessidade
de pensar além da fórmula simples "da imagem para a palavra''.
~orno se i~fere desses comentários, as tentativas de resumir as mudanças
trazidas pela imprensa numa única frase ou fórmula exata tendem a nos con- ALGUMAS CARACTERÍSTICAS
duzir a c~inhos errados. Mesmo reconhecendo que havja uma confiança cres- DA CULTURA IMPRESSA
cente em hvr?s de regras (e menos em regras empíricas) ou que 0 conheci-
mento pela leitura se avantajava em detrimento do ouvjr ou do fazer mesmo
assim ~eve-se ~onsiderar como a imprensa incentivou novas obj~ções ao
conhec1ment? livresco baseado na cópia "servil", e como permitiu a muitos
observadore~ êomparar dados recentemente coligidos com as regras herda-
das. Por motivo semelhante, temos de ter muito cuidado, antes de supor que
a palavra.falada foi gradualmente silenciada, à medida que se multiplicavam
os textos impressos: ou que a faculdade da audição passou a ser negligencia-
da em proveito da visão. Por certo, a história da música ocidental após Guten-
b,:rg depõe contra essa última opinião. No que diz respeito às muitas ques-
toes suscitadas p~la afirmação de que a imprensa emudeceu a palavra falada,
observo que vánas delas são referidas em outras partes deste livro. No
momento, todas têm de ser deixadas de lado.
A dmitindo-se que tenha ocorrido algum tipo de revolução nas comunica-
ções no fmal do século XV, pergunta-se: como isso afetou outros desen-
volvjmentos históricos? A maioria dos estudos convencionais detém-se logo
Esta discussão preliminar teve como propósito demonstrar que 0 salto do depois de haver feito algumas poucas observações a propósito da disseminação
mundo do manuscrito para o do impresso acarretou um largo espectro de modi- mais ampla de obras de humanistas ou de panfletos protestantes. Algumas
ficações, cada uma das quais exigiria mais investigação, sendo que 0 conjun- ~ugestões úteis - sobre os efeitos da padronização no ensino formal e na ciên-
to de t~das con:esponde a alg~ complicado demais para ser englobado em qual- cia, por exemplo --'- aparecem ein obras dedicadas à Renascença ou à história
quer formula sunples. Mas dizer que não existe um modo simples de resumir d() ciência. Em todos os sentidos, os efeitos do novo processo ficam vagamente
esse complexo conjunto não quer dizer em absoluto que nada tenha sido modi- Mttbentendidos, em vez de serem definidos explicitamente; além disso, são dras-
ficado. Muito pelo contrário! ticamente minimizados. Isso pode ser ilustrado com um exemplo. Durant~ os
primeiros séculos da imprensa, os textos velbos foram duplicados mais rapida-
mente que os novos. Com base nisso, a maioria das autoridades conclui que "a
imprensa não apressou a adoção de novas teorias". Mas de onde vjeram essas
novas teorias? Devemos invocar algum espírito dos tempos? Ou será possível
que um aumento na produção de velhos textos tenha contribuído para a formu-
lução de novas teorias? Talvez também tenham contribuído para tais teorias alguns
outros traços característicos que distinguiram a nova da velha maneira de pro-
duzir um livro. Precisamos fazer um balanço desses traços antes de podermos
rdncionar o advento da imprensa com Outros désenvol~entos históricos.

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Sem tentar levantar um inventário completo, destaquei alguns dos aspec- nbsorver por um só texto e a aplicar suas en~rgias em c.o~~ntá-lo ...Assim
tos que aparecem na literatura especializada sobre a imprensa das origens, e ICl'll1inou 0 tempo do glosador e do comentarista, e teve 1mc10 uma era de
mantive-os em mente enquanto reconsideríJ,va alguns desenvolvimentos his- Intensas referências cruzadas entre um livro e outro".
tóricos escolhidos. Algumas conjecturas baseadás nesse enfoque podem ser Em conexão com a Renascença do norte da Europa, se não com o advento
passadas em resenha a seguir, subordinadas a títulos que indicam minhas prin- dn imprensa, já houve sugestões muito freqüentes de que se e~perimentou
cipais linhas de pesquisa. no século XVI algo parecido com uma grande explosão do conhec1U1ento. Pou-
cos estudos sobre a literatura da época deixam de citar passagens pertin~n­
lCB de Marlowe ou Rabelais, indicando como as pessoas se sentiam embna-
Um exame mais detido da disseminação ampla: !!t\das ao ler, e de que modo o conhecimento livresco era tido como um
o aumento da produção e as alterações na recepção poderoso elixir mágico, que conferia novo~ poder;s ~cada ~ole. Contudo, ao
l rntar de qualquer mudança intelectual de 1U1portancia no secu!o X~I, tende-
A maioria das referências à ampla disseminação é demasiado fugaz para MQ a ignorar a efervescência provocada pelo acesso a um mai?r ~umero de
tornar claros ·os efeitos específicos de um acréscimo no suprimento de tex- livros. Num estudo recente e penetrante sobre a sensação de cnse mtelectual
tos em diferentes mercados. Do mesmo modo como a "disseminação" da alfa- refletida nos escritos de Montaigne, por exemplo, somos informados sobre o
betização tende a ganhar tratamento prioritário sobre as alterações sofri- impacto esmagador da Reforma e das guerras de religião, e sobre a "amplia-
das por setores já instruídos, a "disseminação" das idéias de Lutero ou a i'ªº dos horizontes mentais" produzida pelas descobertas geográfica~ e pelas
dificuldade das teorias de Copérnico em se "disseminarem" tão rápido como redescobertas dos humanistas. Seria tolice asseverar que os acontecimentos
as ptolomaicas parecem sobrepujar quaisquer outras questões. Muitas mrds dignos de nota daquela época não causaram impres~ão num obs~rva­
vezes, atribui-se ao impressor apenas a função de servir como agente de dor tão arguto como Montaigne. Mas seria igualmente eqmvocado negligen-
imprensa. Sua eficiência é julgada exclusivamente pela cifra de circulação dl\l' 0 fato que repercutiu mais diretamente sobre seu ponto de observação
alcançada. Mesmo quando um número maior de exemplares de um deter- favorito. Temos de ter em conta, entre outras coisas, o fato de que ele, pas-
minado texto estavam sendo "disseminados, dispersos ou espalhados" pela Hnlldo alguns meses em seu estudo na torre, podia exaroinar mais liv~os do
tiragem de uma edição impressa, textos diferentes, que já haviam sido ante- que os estudiosos de épocas anteriores tin~am vist~ ao final de .uma vt~a de
riormente espalhados e disseminados, também estavam sendo aproximados viagens. Ao explicar os motivos pelos quais Monta1gne percebia, nos hv_ros
entre si e reunidos para uso de leitores individuais. Em alguns locais, os por ele consultados, um .grau mai?r d~ "co~flito e dive~sid~de".do qu~ haviam
impressores produziam mais textos eruditos do que poderiam vender, e assim constatado os comentanstas medievais na epoca antenor, 1U1poe-se dizer algo
inundavam os mercados locais. Em todas as regiões, um dado comprador MObre a maior quantidade de livros que ele tinha à mão. . .
podia adquirir mais livros, a preço mais baixo, e levá-los para seu escritó- Estantes de livros abastecidas com mais abundância só poderiam obvia-
rio ou biblioteca. Assim, o impressor que duplicava livros de uma lista apa- mente aumentar as oportunidades de consultar e comparar diferentes textos.
rentemente antiquada estava ainda assim proporcionando ao vendedor uma /\penas pelo fato de tomarem disponíveis dados mais va;iados, ao ~pliar ~
escolha de textos mais rica e variada do que a suprida pelo escriba. "Um Mnída de textos aristotélicos, alexandrinos e arábicos, os 1U1presso;es mcen.tt-
estudante sério, numa leitura individual, podia agora cobrir um acervo de Vll.Vl\m esforços para organizar esses dados. Alg1U1s map'.18 costerros me~ie­
material mais amplo do que um estudante, ou até mesmo um estudioso vuls, por exemplo, tinham alcançado maior grau de precisão do que mmtos
experimentado, precisava ou aspirava a dominar, antes que a imprensa tor- dos antigos, mas poucos olhos tinham podido ver ~ns e ~utros. Do mesmo modo
nasse os livros baratos e abundantes." Para consultar diferentes livros, o estu- como os mapas de diferentes regiões e épocas haviam sido ~eumdos para~ pre-
dioso já não mais precisava ser também um andarilho. Gerações sucessivas pumção de novos atlas, assim também os textos técnicos v1ero;m ~~n~ergrr nas
de estudiosos sedentários passaram a sentir-se menos inclinadas a se deixar bibliotecas de certos médicos e astrônomos. Tomaram-se mais visive1s as con-

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tradições, ficou mais difícil harmonizar as tradições divergentes. A transmis- O intercâmbio transcultural estimulou atividades mentais de modos con-
são das opiniões estabelecidas não pôde ser feita sem dificuldades, depois que tí·uditórios. O primeiro século da imprensa foi marcado sobretudo pela efer-
os arabistas tomaram partido contra os galenistas, e os aristotélicos contra os vescência intelectual e por uma "dedicação ao estudo, de grande abertura, mas
ptolomaicos. Não só se enfraqueceu a confiança n'as velhas teorias, mas 0 enri- 8Cm foco preciso". Algumas dessas correntes cruzadas podem ser explicadas
quecimento dos materiais de leitura incentivou o desenvolvimento de outras BC observarmos que novos elos entre as disciplinas estavam sendo forjados antes
novas combinações e permutas intelectuais. A atividade intelectual combina- que os antigos tivessem sido cortados. Na era dos escribas, por exemplo, as
tória, como bem sugeriu Arthur Koestler, inspira muitos atos criativos. Depois urtes mágicas estavam ligadas estreitamente aos ofícios mecânicos e à bru:xa-
que os velhos textos foram postos em contato num mesmo escritório, distin- 1·iu matemática. Quando "a tecnologia invadiu a imprensa", foi acompanha-
tos sistemas de idéias e disciplinas especiais passaram a poder combinar'se. dl\ de um vasto acervo de conhecimentos ocultos, e poucos leitores tinham
Em resumo: a maior produção, dirigida a mercados relativamente estáveis, criou condições de distinguir entre os dois elementos. Os historiadores que ainda
condições que favoreceram inicialmente novas combinações de velhas idéias hoje se mostram perplexos com o elevado prestígio de qne desfrutavam a al-
e, mais tarde, a criação de sistemas de pensamento inteiramente novos. , quimia, a astrologia, a "magia e cabala", além de outras artes ocultas, na
Vale observar que o intercâmbio transcultural foi, de início, experimen- Comunidade do Saber, talvez considerem útil meditar sobre como foram
tado por todos os novos grupos ocupacionais responsáveis pela .tiragem de transmitidos na era dos escribas os espólios herdados das antigas culturas do
edições impressas. Antes que uma determinada obra de referência viesse à Oriente Próximo. Parte desses documentos se haviam reduzido a alguns frag-
luz, já tinham ocorrido encontros frutíferos entre fundidores de tipos, revi- mentos de leitura frustrante, que haviam sobrado de sistemas de contagem
sores, tradutores, editores de texto, ilustradores ou negociantes de materiais de números, medicina, agricultura, cultos míticos, e assim por diante. Outros
impressos, indexadores e outros profissionais engajados em operações edito- tinham-se reduzido a impenetráveis glifos. Como certos ciclos cósmicos e
riais. Os impressores mais antigos foram os primeiros a ler os produtos que vitais são experimentados por todos os homens, alguns elementos comuns
saíam de seus prelos. Eles também ficavam ansiosamente de olho na produ- podiam ser encontrados nos fr<igmentos e glifos. Parecia plausível conside-
ção de seus concorrentes. Os efeitos do acesso a um maior número de livros 1•nr, por um lado, que todos derivavam de uma mesma fonte, e, por outro, acre-
(e, na realidade, a todas as múltiplas características ligadas à tipografia) fize- ditar, piamente em certas alusões contidas em obras, patrísticas a respeito de
ram-se sentir pela primeira vez, e com mais intensidade, dentro das oficinas um texto da primitiva Ur, deixado pelo próprio inventor da escrita, no qual
dos impressores, nos próprios produtores de livros novos. Enquanto outras se continham todos os segredos da Criação, tais como haviam sido_ revelados
bibliotecas eram alimentadas pelas criações de impressores famosos, como os a, Adão, antes da queda. Parecia igualmente plausível que os ensinamentos
Estiennes ou Christopher Plantin, as valiosas coleções reunidas por esses pró- contidos nesse primitivo texto de Ur, após terem sido cuidadosamente pre-
prios impressores continham muitos subprodutos de sua labuta diária. servados pelos antigos sábios. e videntes, tinham se corrompido e tornado con-
Comenta-se amiúde que, no início da Idade Moderna, uma quantidade notá-. fusos no decorrer das invasões bárbaras. Uma grande coleção de escritos con-
vel de trabalho inovador, tanto no campo da erudição como no da ciência, foi tendo o saber antigo foi enviada da Macedônia para Cosimo de Mediei,
realizada fora dos centros universitários. Essa nova ocorrência talvez possa tl'üduzida do grego por Ficino em 1463, e impressa em quinze edições antes
ser explicada pela atração que as oficinas impressoras passaram a exercer sobre de 1500. Tinha a forma de diálogos com o deus egípcio Toth, cujo nome gregd
os estudiosos e homens de letras. Pode-se dizer o mesmo com respeito à dis- cm Hermes Trismegisto. Os escritos recuperados no século XV pareciam pro-
cussão dos novos intercârn bios entre .artistas e estudiosos, ou entre teóricos vir do mesmo corptúi de textos, juntamente com outros diálogos fragmentários,
e praticantes, que se mostrou tão proveitosa na fase inicial da ciência moder- j(~ conhecidos de estudiosos mais antigos e também atribuídos a Hermes Tris-
na. A imprensa incentivou novas formas de atividade combinatória, de fundo megisto. O chamado corpw hermético passou por muitas edições até 1614, ano
tão social quanto intelectual. .Ela alterou as relações não só entre os homens cm que um tratado de Isaac Casauhon mostrou que ele havia sido compilado
de cultura, mas também entre os sistemas de idéias. já na Era Cristã. Com base nisso, somos informados de que os estudiosos renas-
60 61
centistas cometeram um "erro fundamental na datação". O que é verdade, sem
dúvida. Uma compilação neoplatônica, feita na Era Cristã, fora tomada como
se se tratasse de um trabalho que preceder<!. e influenciara Platão. Não obs- Specimen LeEl-ionis / tkalü, in primo lattre Obelifti exbibitum.
tante, parece igualmente um erro atribuir datas preCisas a compilações de escri- mum .& Archctypon
Hemphta Numen fupre-
bas, que muito provavelmente derivavam de fontes mais antigas. influit virtutem & m1,1ncra fua

Requer também mais estudo a transformação da "ciência" oculta e esoté- mã:,id cfi folare Numé fi bi fubditú
in {idcrci Mundi ani-
rica dos escribas, após o advento da imprensa. Alguns escritos arcanos (em
vnde vitalis motus in Mundo Hyla:o, fiue Ekmcntari ,
grego, hebreu ou siríaco, por exemplo) tornaram-se menos misteriosos, ao dãtia, & fpccierú varietas proueri.it.
omniumquc rerum ahun-
passo que com outros ocorreu o contrário. Assim, os hieróglifos foram com- cx vbcrtate Cr2- tcris Ofiriaci, in quem mira
quadam fympathia traltus continuà influit
postos tipograficamente mais de três séculos antes de sua decifração. Essas
letras esculpidas sagradas afiguravam-se densas de significação para leitores duplici in fibi fub dita dõminio p~ncns.
que não as podiam entender. Eles eram também usados, por vezes, como sim- Vigilantlffimug Chcnofiris
facrorum canalium cufios, iddl.Naturz humid:t
ples motivos crrnamentais por arquitetos e gravadores. Tendo em vista, por in qua vira rerum on;anium coníiftit.
um lado, a decoração barroca e, por outro, as complicadas interpretações dos Ophionius Agathoda>non
estudiosos (das seitas Rosa-Cruz ou maçônica), a duplicação da escrita pic- ad cuius fa .. U9rem obtincndum

tórica egípcia, ao longo de toda a Idade da Razão, confronta os estudiosos

e~
vitamque pro- pagandam
modernos com enigmas que jamais poderão ser decifrados. Por isso, não Sacra h~c ci Tabula confecranda cfi;
cuius beneficio czlefie Hcprapyrgon idcfi arx ?l~nctarum
devemos pensar somente em novas formas de ilustração, ao considerarmos diuioi Ofiiidis Agalhoda:mon1s h11m1d1
os efeitos da imprensa sobre o mundo acadêmico de então. Novas formas de
~ffiftcntia ah om- nibus aduerús confcrua1u·r •
mistificação também foram incentivadas
Desse ponto de vista parece necessário qualificar melhor a assertiva de ficijs & cerimoni js in hunc
que o primeiro século de imprensa deu "grande ímpeto à ampla dissemina-
ção de conhecimentos precisos sobre as fontes do pensamento ocidental, tanto
clássico como cristão". A duplicação dos escritos herméticos, das profecias
sibilinas, dos hieróglifos de "Horapollo" e de muitos outros escritos aparen-
Prxrerca in facri ..
finem eiufdem

Epariflerium Naturre
.id cíl: N2tura: efflu-
:A
~
ftacua ci rcum.fC:tcnda cil ;

ftuc fons Hecatinus, {iuc vetigincus


uium inter fat:rificia aperiendum.

morphus Dremon, v,berem (do

~
temente respeitáveis, mas que eram na realidade fraudulentos, produzia o ~ allcólus Poly·
varietatem rerú cócC'dc:t in quadripattito Mú-
efeito contrário, espalhando conhecimentos errôneos, embora tenha poste-
vit~ infidiatriccs, clidentur

~
riormente contribuído para a purificação de fontes dos ensinamentos cris- Typhonis tcchQa:
tãos. Neste ponto, como em outros, impõe-se distinguir sempre entre os resul-
tados iniciais e os efeitos a longo prazo. O enriquecimento material das
V nde vita rerum
ad quod plurimum ~
-- innoxia conferuabit1Jr
qUo'l;condÜcét ha:ç, qua: fequútqr

~''f
bibliotecas acadêmicas veio rápido; a triagem de seu conteúdo levou mais pentacala·' fiue
periammata, oh myfiicas

rationes, quibus ! conll:rutl:a {une·

A duplicação da escrita pictórica egípcia contribuiu inais para a mistificação do que para a ilustração
das pessoas. Uma vez que haviam sido compostos e impressos muito antes de seren1 decifrados, os
funt enim Vil:E"
~
® e bonorum omnium

hieróglifos eram interpretados de modos diferentes pelos estudiosos, tal como o jesuíta autor da obra acquirendorum potentes -~--~="=·-"_..,,.._ illeccbra:.
que aqui aparece. Extraída da obra 06dMci a~qyptiaci ... de Athanasius Kircher (Roma, Ex Typogra-
phia Varesij, 1666, p. 78). Reproduzida mediante gentil perrnissão da Folger Shakesj)eare Libriuy.
6J
62
tempo. Em comparação com a grande saída de materiais não-acadêmicos,
em língua vernácula, veremos que a tiragem dos dicionários trilíngües, ou
de edições em grego ou mesmo em latim, parece tão reduzida a ponto de
levantar a questão de se a expressão "ampla disseminação" não deveria ser
abandonada de uma vez por todas.
O termo "disseminação", tal como é definido nos dicionários, parece espe-
cialmente apropriado para caracterizar a duplieação de cartilhas, livrinhos
de bê-á-bá, catecismos, calendários e literatura devocionária. A produção cada
vez maior desses materiais, contudo, não acarretava necessariamente um
maior avanço da instrução ou dos intercâmbios transculturais. Catecismos,
panfletos religiosos e bíblias iriam encher algumas prateleiras em detrimen-
to de qualquer outro material de leitura. O ensino formal, aberto mas sem
objetivos precjsos, conviveu com um novo espírito de religiosidade inflexível
e estreito. Ao mesmo tempo, os manuais e guias práticos também se torna-
ram mais abundantes, tomando possível o estabelecimento de planos para orien-
tar as pessoas neste mundo -possivelmente afastando sua atenção das incer-
tezas futuras no próximo. Daí, a exclusão do "Paraíso" nos mapas, a partir
do século XVI, por se tratar de localidade demasiado incerta. Mais tarde, o
cardeal Barônio seria citado por Galileu, por distinguir entre "como ir para
o céu" - problema da alçada do Espírito Santo - e "como se movem os céus"
- objeto de demonstração prática e de raciocínio matemático. Contudo,
seria um equívoco insistir demasiadamente neste ponto, uma vez que muitos
desses chamados guias práticos continham verdadeiros disparates e mistifi-
cações, o que os tornava altamente inaplicáveis. Além do mais, e até a publi-
cação dos Princifm(Í'rincípios), de Newton, a produção de teorias conflitan-
tes e de tábuas astronômicas oferecia uma orientação muito incerta sobre "como
se movem os céus". Os manuais sobre exercícios devocionários e guias sobre
problemas espirituais continham sempre recomendações precisas. Os leito-
res que podiam contar com a ajuda de mapas de estradas, livros de frases, Hic canettrrant'é Lunam,Sol!fq; lahorer
tabelas de conversão e outros recursos semelhantes tendiam a depositar sua Arffuriiq;,pluuiafq; /?Jad.g'éin?fiJ; tríõer
confiança em guias para a jornada da alma após a morte. Panfletos que expu-
nham o livro do Apocalipse pressupunham forte apoio n<l" raciocínio mate-
mático. O estabelecimento de datas precisas para a Criação e para a Segun- lmngens medievais do niundo tornaram-se mais acessíveis no século XVI, graças à utilizaçã~ de bl.o-
da Vinda ocupava os mesmíssimos talentos que desenvolviam novas tábuas . · ' so b uma nova forma visual ·
1·n~ o chapas, que apresentavrun esquemas tra dic1onais Um re1 med1e- .
astronômicas e modernas técnicas de projeção cartográfica. vnl, nqui representando Atlas, su~tenta um cosmo aristotélico, nesta gravura extraída da obra de Wil~
IJllm Cunninghanl Tht. a.Mmographicalgla.Me (ii abóbada cosn1ográlica) (Lo~dres, John Day, 1559,
Paira muita dúvida, de qualquer modo, quanto a saber se "o efeito da nova
J't11Jo 50). Reproduzida mediante gentil permissão da Folgcr Shakespeare L1brary.r:
invenção sobre o nível geral de cultura" foi mais significativo do que sua ação

ó4
65
sobre aleiturada Bíblia em língua vernácula, no começo do século XVI. O impor- nvunçar demasiado na outra direção, superestimando a capacidade dos pro-
tante a enfatizar é o fato de que muitos efeitos dessemelhantes, mas de grande ccêlimentos dos escribas para alcançar os mesmos resultados das primeiras
importância, aconteceram quase que simajtaneamente. Se isso pudesse ser impressoras. Os primitivos métodos de impressão tornavam impossível, obvia-
expresso de modo mais claro, certos acontecimentos que parecem contraditó- mente, lançar os tipos de edição "padrão" com os quais estão habituados os
rios poderiam ser confrontados com mais equanimidade. Poder-se-ia compreen- cRt:udiosos modernos. As variantes impressas multiplicavam-se rapidamen-
der melhor a intensificação dos sentimentos de religiosidade e de secularismo. lo, e havia a necessidade de rodar uma quantidade enorme de erratas. Resta
Poderiam do mesmo modo ser evitados alguns debates sobre perioclização. A ofoto de que Erasmo ou Bellarmino podiam imprimir erratas; Jerônimo ou
imprensa tornou mais visíveis alguns textos antigos e muito utilizados, que são Alcuíno, não. O próprio ato de publicar erratas já demonstrava uma capaci-
habitualmente negligenciados e às vezes (erroneamente) tidos por obsoletos, d11de nova de localizar erros textuais com precisão e transmitir essa informa-
quando se delineiam tendências novas. Ml!itas figuras medievais da terra foram Ç[o simultaneamente a leitores esparsos. Isso ilustra bem claramente alguns
multiplicadas mais rapidamente durante o primeiro século da imprensa do que dos e(eitos da padronização. Como quer que fosse a supervisão que se apli-
durante toda a chamada Idade Média. Elas não sobreviveram somente entre os cuva aos copistas medievais - e os controles eram mais flexíveis do que se
conservadores_elisabetanos "relutantes em perturbar a velha ordem", mas tor- poderia inferir de muitos relatos - , os escribas não tinham como perpetrar
naram-se mais acessíveis aos poetas e autores teatrais do século XVI do que haviam o tipo ele erro "paclronizaclo" incorrido, por exemplo, por um compositor de
sido aos menestréis e jograis do século XIII. Dado o emprego de novos veícu- l'Cxto que omitiu a palavra "não" no início elo Sétimo Mandamento, e desse
los (como xilografias e gravuras metálicas) para representar cosmologias medie- modo criou a "Bíblia iníqua" de 1631. Se o erro de um único compositor podia
vais, não se pode pensar simplesmente em mera sobrevivência, mas deve-se ao circular num grande número de exemplares, o mesmo podia ocorrer com a
contrário admitir um processo mais complexo, por meio do qual ilustrações anti- emenda introduzida por uma autoridade na matéria.
gas eram apresentadas sob novas formas visuais. A necessidade de qualificar a tese da padronização é talvez menos urgen-
Em vista de tais considerações, não posso concordar com o seguinte te do que a necessidade de acompanhar suas ramificações. A observação feita
comentário de Sarton: "É desnecessário indicar quanto a arte da impressão por Sarton, de que "A imprensa tornou possível pela primeira vez publicar cen-
significou para a difusão da cultura; mas não se deve dar ênfase demasiada
à difusão, e sim falar mais de padronização". Mostrar como a imprensa modi-
ficou padrões de difusão cultural merece muito mais estudo do que foi feito.
Além disso, ter acesso individual a textos diversos não é o mesmo que sub-
meter um determinado texto ao exame e à ação de muitas mentes. A primei-
ra questão costuma ser esquecida quando se dá ênfase demasiada exclusiva-
mente à "padronização".

Considerações sobre alguns efeitos da padronização

Embora ela deva ser considerada juntamente com muitos outros tópicos,
é inegável que a padronização merece estudo mais detido. É necessário ter
cuidado em não desprezar perspectivas históricas, como conseqüência de não /\mpliação de un1a passagen1 da "Bíblia iníqua", impressa por R. Barker en1 1631, mostrando o man~
se levar em conta a imensa diferença existente entre os métodos da impren- dmncnto "Cometerás adultério". Reproduzida mediante gentil permissão da Divisão de Livros Raros
sa primitiva e os de tempos mais recentes. Contudo, importa igualmente não dn Biblioteca Pública de Nova York.

66 67
tenas de cópias que, embora semelhautes, podiam ser espalhadas por toda parte", lc, os traços idiossincráticos da mão do escriba. Colocado em face de uma répli-
é demasiado importaute para ser perdida em questitinculas sobre o fato de que rti sua impressa, qualquer desenho ou esboço revela um contraste mais
as primeiras cópias. impressas.não eramtod,as precisamente iguais. Mas eram Impressionante ainda. Parece mais novo e mais" original" do que quando_ p_osto
uniformes o suficiente para que os estudiosos locàlizados em regiões distintas dimite de uma cópia feita à mão. Assim, as distinções entre o novo e ongmal,
pudessem corresponder-se a respeito de uma determinada citação, e assim per- de um lado, e o passível de repetição e copiado, de outro, tornaram-se pro-
mitir que aS' mesmas emendas e erros fossem localizados por muitos olhos. V(lvelmente mais agudas depois do advento da imprensa. O processo de
Ao sugerir que as implicações da padronização podem ser subestimadas, pndronização também pôs a descoberto, de modo mais claro, todo~ os des-
estou pensando não somente em erros e emendas de textos, nias também em vios dos cânones clássicos refletidos em muitos ediflcios, estátuas, pmturas e
calendários, dicionários, efemérides e outros guias de referência; em mapas, objetos de arte. Inicialmente, a expressão "gótico" significava "ainda não
tabelas, diagramas e vários outros materiais visuais. A capacidade de produ- · "i e "barroco ", "desvto
e áss1co
1 ' da norma el'ass1ca
. ".. E, m u'ltº·1ma insl4nc1a,
. •• . t od o
zir imagens espaço-temporais uniformes é freqüentemente atribuída à inven- o curso da história da arte ocidental viria a ser traçado em obediência a câno-
ção da escrita, sem que se tenha em conta a dificuldade de multiplicar à mão nes clássicos fixos e diversos desvios deles: "Esta seqüência de estilos e perío-
imagens idênticas. O mesmo é válido para sistemas de notação, musicais ou dos, conhecidos de todos os iniciantes - clássico, românico, gótico, renas-
matemáticos. Com efeito, é provável que a capacidade de repetição tenha traus- centista, maneirista, barroco, rococó, neoclássico, romântico --, representa
formado. mais as disciplinas do qll11drivium do que as do trivium. somente uma série de máscaras, de duas categorias: clássica e não-clássica".
Os diferentes tratamentos sobre o tema da padronização são demasiado Com o desaparecimento das variadas formas de escrita à mão dos copis-
numerosos para que eu possa enumerá-los exaustivamente aqui. Este tema tas, os estilos de letras tornaram-se mais agudamente polarizados em dois gru-
entrou em todas as operações relacionadas com a tipografia, desde a fundi- pos de caracteres: "gótico" e "romano". Uma polarização similar afetou os ~ro­
ção em réplica de tipos metálicos medidos com toda a precisão até a confec- Jctos arquitetônicos. Uma consciência mais. viva das três ordens estabe.lec1~~s
ção de blocos de madeira que tinham as dimensões exatamente necessárias por Vitrtivio acompanhou a produção de 1IDpressos e gravuras arqmtetom-
para coincidir com a superflcie dos tipos. Ele envolveu também o impacto "subli- cas, paralelamente com novos tratados e velhos textos. O conhecimento mais
minar", em leitores esparsos, dos encontros repetidos com idênticos estilos exato de distantes fronteiras regionais também foi incentivado pela tiragem
de tipos, dispositivos de impressão e ornamentação da página de rosto. Até de mapas mais uniformes, com limites e nomes topográficos mais uniform~s.
mesmo a caligrafia foi afetada. Os livros de padrões do século XVI peneira- Desenvolvimentos parecidos <tfetaram costumes, leis, línguas e roupas locais.
ram as idiossincrasias pessoais de diversas "formas de letras" dos escribas. Um certo livro de moldes de vestidos, publicado em Sevilha na década de 1520,
Sua ação sobre os manuscritos foi a mesma que a dos livros de padrões sobre foz com que a moda "espanhola" se tornasse conhecida em toda a extensão
a tipografia, a dos livros de modelos sobre as indtistrias de roupas ou de móveis, do vasto império dos Habsburgos. Desse modo, dava-se orientação nova a
ou a dos motivos arquitetônicos e plantas de construção. Os manuais de 1\lfaiates e costureiras, ao mesmo tempo que a diversidade dos trajes locais se
escrita, do mesmo modo que as folhas com modelos e os livros de padrões, tornava mais surpreendente para os moradores de Bruxelas ou Lima.
não eram desconhecidos na era dos escribas. Mas, tal como as gramáticas e Um reconhecimento mais pleno da diversidade corria paralelamente à
cartilhas manuscritas - usadas por professores diferentes, em distintas padronização. As publicações do século XVI não soment~ disseminaram ~odas
regiões - , eram diferenciados, e não uniformes. idllnticas, como também incentivaram o hábito de colecionar outras. Os hvros
Talvez a própria noção de "estilo", tenha sofrido mô.dançâ:s a partir do que ilustravam os trajes diversos usados em todo o mundo passaram a ser estu-
momento em que o trabalho da mão utilizando o "estilo" foi substituído por dados por artistas e gravadores, bem como duplicados em tal quantidade de
impressões mais padronizadas obtidas com o recurso aos tipos metálicos. As contextos, que os estereótipos de trajes regionais se foram desenvolvendo. Com
distinções entre caligrafia e impressão são.tais que, ao confrontarmos um texto o correr dos tempos, adquiriram no papel uma vida para toda a eternidade, e
manuscrito com um impresso, podemos perceber nele, muito mais claramen- podem ainda hoje sei- reconhecidos em bonecas, óperas ou bailes a fantasia.

69
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& anco ~rçhe 'il neuoddpiidtftal/o/e11~r1 la cima/a e hajfame1110 ticfca didu.oi quadri, comeftpuo ve·
Jere p~l1/uoh-r.umeri 11 ref1oc1oela /;afr, êlacimifa, f!J i/hajfd!Rento ,pereffere notdlominu111ment';
e anca 111 w~t;ojlad~l!· arco, n11n accade altra fCritturd.
A Torroovero baflor.e jup:riore) BTortJovcro/;af1011e inferiore.

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lllP biltt nict meer. lltln te fcb1ijtJcn.
A se Coiu~ oft ~ock nan bOIUn/ B<!De Coiu,oft ftoefl~an bmlbm.

I Je Picdeil.al de ccileot<lonnance Cotintbicnne eft lc tiers de la colomnc, il tiendra fix mo-


S dules & ... , mais on Jc pourra bienfaire de fept Modulespour P:lus grande folidité , fon con..
forme & co~vcoablc a ccfle ordonnance : &auffi, afio que le Piedeftal, fans la d mace & bafe..
ment, rcvienneàdcuxquarrcz, oomme l'on pourra voir parles nombres. LC refie, c'cftafavoir
fa baíe , lacimace & le Dafement, puis qu'ils fonr notez par menu• comme auffi l'impoficion
de là.rc, iln'eíl:jabefoing d'cncfcrire d~vantage. .
J Le Tore ou baftond'enhaut,1J LeToreoubaftond'embas.

Ity,Fftxthemodulos
whicb
Peddl:al of this Corinthian Order bce the third part ofrhe Cotumne, lbaH conmine
en and twóthirds, but yoU may make it of7 moduloS, forthe greatcr folidi ..
isverry conformable and bcfitting this Order ~
asalfot chePedeftal,that
it

withouc the
Cimaet and bafcmcnr commcch outeven in :z. fouresquareseven as you may fce by the Num.
bers. Thc rcft, to witt the bafe, the Cimate and bafement che wbile they arenoted lcaft, as alfo
the Impoft or fctting upof thcBow or Arch, ío chat wee neede not write morethereof.
"The Toros or j>iece on higb, B The Toru.s or piei;:e belou.

lJma consciência mais viva das antigas ordens arquitetônicas descritas por \litrúvio acompMhou a
lh'ngem de gravuras e textos irnpressos. Regras detalhadas para a ordem coríntia (acin1a) são dadas
ülll italiano, holandês, francês, alemão e inglês, acompanhando a gravura da página ao lado. Extraí-
tia de Giacomo Barozzio Vignola, Rego/a Je càu;ue orJini J'architeltura (Amsterdam, Jan. Janz., 1642,
p. 64-5). Reproduzida mediante gentil permissão da Folger Shakespeare Library.

Os conceitos relacionàdos com uniformidade e diversidade - com o típi-


ço e o único - são interdependentes. Representam os dois lados da mesma
moeda. Sob este ponto de vista, poder-se-ia considerar o aparecimento de um
novo sentido de individualismo como um subproduto das novas formas de
padronização. Com efeito, quanto mais padronizado for o tipo, tanto mais impe-
7(}
71
Vaiq11üiaCola J 11 par10 (bl:i )tlb}
•• • bm B
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E \;..~_.· ~

R~~:~~~!r~.~Y~:,~~~~=~~;c;~~~~~:::.:~~~~~~r~:;~;::~~~:
A ~º~ ':i: ~::~h~~..ra~;!i.·~:i:.:; c~f 0

hotdrlantuo•J laml..,.d dC'rOJ1r.11i:ro:i.Y dc-Jao-


1 uclúllo• orafc101 Q ~"lD,y CD<I LDnu> de- om:ílra ... no 1z'111icr.d:Lfalr11 CllChillOI ddantuOl>J !'iCI l•i ~oi• Cole Ja mcdl:a Íl7'1Craltn ~6 Jnab<~ dei
~alHman11~1.. [01 .;t1(hi!lo1 tui<:.01,.1 m11pun!illo1 p»do.1-
chUlos dc11n1cros.l.lru1 dcbrgo 'i.u.7 mcdla, J
lkrucdo'luimepab:poL ~ ~i'

Livros de moldes para costureiras e alfaiates publicados na Sevilha do século XVI tornaram as ~odas
"espanholas" mais conhecidas em todo o imenso império dos Habsburgos. O modelo mostrado acima
foi extraído de Diego de Freyle, Geometria y fraca para el oficio de lo.1 ,1a,1tnv (Sevilha, Fernando Díaz,
1588, fólio 17, verso). Reproduzida mediante gentil permissão da Folger Shakespeare Library.

rioso será o sentido do ser pessoal idiossincrático. E este foi exatamente o sen-
tido captado nos llJJaiJ de Montaigne. Por ser uma criatura irrequieta, preo-
cupada com incidentes triviais, o autor dos EruaioJ contrastava em quase tudo
com o tipo ideal dado a conhecer por outros livros. Esses últimos apresenta-
vam príncipes, cortesãos, conselheiros, comerciantes, professores, bem como
lavradores e outros semelhantes, usando termos que levavam seus leitores a ·
se tornarem cada vez mais conscientes, não somente de suas deficiências em
seus respectivos papéis, mas também da existência de um ser único e solitá-
rio, caracterizado por todos os traços peculiares que não eram compa~ha­
dos pelos demais - traços esses que não tinham quaisquer funções exem-
plares ou de relevância social, e por via de conseqüência, destituídos de
mérito literário. Por apresentar-se assim, em toda a modéstia, como um indi-
víduo atípico, e por pintar com amor cada uma de suas peculiaridades, Mon-
taigne, por assim dizer, retirou do esconderijo o seu ser individual. Ele foi o
primeiro a exibi-lo, de modo deliberado, à curiosidade pública.
As convenções retóricas tradicionais haviam permitido a diferença de tom
entre o discurso perante uma grande platéia, numa arena pública, em que se
impunham pulmões fortes e largos gestos oratórios, e a defesá' de uma causa,
num tribunal, que requeria uma cuidadosa atenção para o detalhe, bem como A diversidade acompanhou a padronização. Também foram editados no século XVI livros que ilus-
uma abordagem íntima, em voz suave, baseada em ar.gumentação cerrada. ll'Utn trajes diversos. Esta figura d~ um "indo_-africano" é extraída de Cesare Vecellio, Deg'.ihahiti~nti­

Não existia ainda,. contudo, qualquer precedente para orientar quem dese- rbl dmoderniJiJii1erJe rxirti rlelmm1Jo (Veneza,'Damian Zenaro, 1590, p. 495-6). Reproduz1damed1an-
to gentil permissão da Folger Shakespeare Library.
jasse dirigir-se a uma larga platéia de pessoas que não se achavam reunidas
no mesmo lugar, mas, ao contrário, espalhadas em moradas esparsas, e que,
na condição de indivíduos solitários com interesses divergentes, seriam muito

7]
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mais receptivos a intercâmbios íntimos da que a efeitos retóricos de grosso ll[\ impressora, tendência esta que se firmou com a preparação de cópias rela-
calibre. O ensaio informal concebida por Montaigne revelou-se um método tivas a motivas arquitetônicos, divisas regionais, nomes de lugares, detalhes
engenhoso para lidar com a nova situação. ·Estabeleceu portanto uma base das roupas e costumes locais. Ao que tudo indica, o próprio ato de reunir mate-
nova para conseguir contato íntimo com leitores desconhecidos, os quais, embo- l'ial e publicar guias e manuais de vestuário ilustrados teria estimulado não
ra admirando à distância retratos de homens respeitáveis, se sentiam mais à s6 uma nova consciência de lugar e de época, como a preocupação de atri-
vontade quando apresentados face a face a uma pessoa que se declarava buir a cada uma delas a sua carreta ornamentação. Na verdade, esta tese pare-
medíocre. Acima de tudo, ele garantiu uma bem-vinda segurança de que o GC ser posta em dúvida quando constatamos a utilização - na Crônica de
solitário sentimento de singularidade, que era sentido pelo leitor, não só tinha N uremberg, por exemplo - da mesma gravura em madeira, para represen-
sida experimentado por um outro ser humano, como era suscetível de ser com- tar cidades diferentes (tais como Mainz e Bolonha ou Lyon) ou da mesma
partilhado em larga escala. efígie para indicar distintas personagens históricas. Os primeiros impresso-
Enquanto um autor como Montaigne desemrolvia um novo gênero literá- res freqüentemente se mostravam muito frugais no uso de algumas poucas
rio, informal e idiossincrático - pondo a nu, ao mesmo tempo, todas as arti- estampas para cobrir uma variedade de propósitos. Uma edição de Ulm, de
manhas e peculiandades que definem o "me, mim mesmo" em contraste com 1483, "tem uma gravura que é usada 37 vezes; 34 ilustrações são feitas
o tipo - , outros gêneros definiam tipos ideais e delineavam papéis apropria- mediante o emprego de somente dezenove blocos". E no entanto a década de
dos para padres e comerciantes, para o nobre e a senhora, para o moço e a 1480 também viu um artista gravador ser contratado com a incumbência de
moça bem nascidos. fazer representações novas para cidades e plantas encontradas ao longo de
Neste ponto, como em outros, a "mensagem pictórica que podia ser repe- uma peregrinação à Terra Santa. As ilustrações de cidades, feitas por Erhard
tida com exatidão" ajudou a reforçar os efeitos da tiragem de edições estan- Rcuwich, para a obra de Breydenbach, Peregrinatw in Terram Sanctam (1486),
dardizadas. Encontros repetidos com figuras idênticas de casais representa- e de plantas, para o herbário em vernácula Gart der Guun'Jheit, ele Schoeffer
tivos das três grupos sociais - nobre, burguês e campesino - , trajando roupas (1485), mostraram o caminho no sentida de alcançar-se um registro cada vez
distintas e colocadas diante de paisagens regionais também distintas, prova- mais preciso e detalhado de observações em forma visual. Importa distinguir
velmente incentivaram um aguçado sentimento das divisões, sociais e regio- ninda entre a reutilização descuidada de alguns blocos para propósitos vários
nais. Ao mesmo tempo, a circulação de retratos dos reis e de estampas de oca- e o reemprego deliberado da representação de uma cidade ou efígie "típica'',
siões solenes permitiu à dinastia reinante imprimir, de um moda novo, uma para servir como indicadores ou pontos de referência nos guias, no intuito
presença pessoal na consciência de todos os seus súditos. A diferença entre de auxiliar os leitores a orientar-se num texto. Seja qual for o propósito das
a velha imagem passível de repetição, que era estampada nas moedas, e o mais gl'avuras de cidades e efígies utilizadas numa obra como a Crônica de Nurem-
nov.o subproduto da imprensa nos é sugerida por um dos mais célebres epi- berg, permanecem igualmente válidas as observações anteriores sobre indi-
sód10s da Revolução Francesa. As feições individuais de imperadores e reis vidualização e padronização. Quanto mais estandardizada era a imagem
não eram suficientemente detalhadas nas moedas para que seus rostos pudes- empregada, mais claramente podiam ser observados pelo desenhista atento
sem ser reconhecidas, quando eles viajavam incógnitos. Mas um retrato os traços peculiares de diferentes cidades, efígies ou plantas que se desejava
estampado em papel-moeda permitiu a um cidadão francês mais atento reco- representar. Durante séculos, pintores, entalhadores e escultores vinham
nhecer e deter Luís XVI em Varennes. t'Cpresentando formas naturais sobre margens de manuscritos, trajes eclesiás-
Convém notar que um grau de percepção mais agudo, tanto para os tra- ticos ou matrizes de pedra. Agora, seus talentos eram utilizados para novas
ços individuais como para os típicos, tenderia a aparecer primeiro nas pes- finalidades, em programas de publicações técnicas iniciados por mestres
soas que eram responsáveis por compilar e editar novos' manuais de vestuá- impressores e editores eruditos, a partir de Peter Schoeffer e outros.
rio, livros de estilo, festejos em ocasiões solenes e guias regionais. A prática E neste ponto, como em outros, temos de nos recordar que os impresso-
de publicar erratas havia aguçado a atenção para erros perpetrados na afiei- res primitivos eram responsáveis não somente por publicar guias de referên-

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eia inovadores, como também por compilar alg·uns deles. Para aqueles de nós itl:ierona
que pensam em termos.de divisões de tarefas (as quais só viriam muito mais
tarde), parecerá imenso, quase inconcebív.el, o repertório dos papéis que
cabiam aos antigos impressores. O próprio mestre-impressor poderia servir
ora como um produtor e vendedor de livros, ora como indexador-condensa-
dor de texto-tradutor-lexicógrafo-cronista. Muitos impressores, é claro, limi-
tavam-se a duplicar o que lhes caía nas mãos, de modo muito mal-ajambra-
do. Mas havia também os que se orgulhavam de sua profissão, e não hesitavam
em contratar assistentes bem preparados. Tais mestres colocavam-se na invul-
gar situação de poder lucrar passando a outros alguns sistemas que haviam
criado para si próprios. Com isso, não só praticavam auto-ajuda, como tam-
bém a pregavam. No final .da Idade Média, já havia manuais práticos escri-
tos especificaniente para orientar padres, inquisidores, confessores e peregri-
nos - como também comerciantes leigos. Embora dilatadas Jurnmae atraiam
hoje a atenção de eruditos, sabe-se que os escribas medievais também com-
punham Jummulae compactas, isto é, livros-guias· abrangentes, destinados a
transmitir orientação prática em matérias diversas - que incluíam desde a
composição de um sermão até o comportamento esperado no leito de morte.
Aqui, como em outras instâncias, o impressor parece ter entrado em função,
a partir do momento em que o escriba saiu de cena. Mas, ao fazê-lo, ele muito
amplificou o tratamento de velhos temas. Simplesmente não há, na cultura
dos escribas, algo equivalente à "avalanche" de livros do tipo "como fazer"
que jorravam dos novos prelos, explicando por "passos fáceis" exatamente
como assenhorear-se de diversas habilidades que variavam entre tocar um
instrumento musical e escriturar livros de contabilidade.
Muitas indústrias capitalistas primitivas exigiam um planejamento efi-
ciente, atenção metódica aos detalhes e cálculos racionais. Contudo, as deci-
sões tomadas pelos primeiros impressores afetaram diretamente tanto a fei-
tura de ferramentas como a de súnbolos. Seus produtos transformaram a
capacidade de manipular objetos, de perceber fenômenos variados e meditar
sobre os mesmos. Os estudiosos interessados na "modernização" ou "racio-
nalização" ganhariam em refletir mais sobre os novos tipos de trabalho men-

O uso de um quarteirão para ilustrar várias cidades é mostrado na página ao lado por Verona
(acima) e l\tlântua (abaixo), que estão representadas na Crônica de Nuremberg. Extraídas de Hart~
mann Schedel, Li6erchronicortun (Nuremberg, Anton Koberger, 12 de julho de 1493; fólios 68 e 84).
Reproduzidas mediante gentil permissão da Folger Shakespeare Library. ~

77
76
ltlluretius '1allenfi'o

J&rnal<dus cõpoftdla jo. Gerfon ca11cc1,.


nus i:ll.'lcto:
.. larius p.1rific1JíitJ

Retratos idênticos (de Baldus e Lorcnzo Valla, acima, e de Compostela e Jean Gerson, abaixo) tam-
bém adornam a Crônica de Nuremberg. A reutilização de uma determinada xilogravura pode ter sido
destinada a chamar a atenção do leitor para um dado tópico (como uma cidade ou personagem), e
não para representar um detenninado perfil. Extraída da obra de Hartmann Schedel, Liber chronico-
rum (Nuremberg, Anton Koberger, 12 de julho de 1493, fólios 236, 246, 213, 240). Reproduzida median-
te gentil permissão da Folger Shakespeare Library.

Pouco antes da publicação da Crônica de Nuremberg, o artista-gra~ador ~~~ard Rcuwich hav'.a con-
tal estimulado pelo escrutínio silencioso de mapas, tabelas, diagramas, dicio- duÍdo novas ilustràç,ões de cidades e plantas encontradas numa viagem a lerra Santa. S.ua Vista de
nários e gramáticas. Eles também precisam olhar mais dê perto para as roti- Veneza contém vários traços arquitetônicos reconhecív'eis Guntamenfe com uma conven:1onal,e des-
nas seguidas por aqueles que compilaram e produziram essas obras de refe- !'li b1'<l aprusagemao
· f'undo) · Extraída das ilustrações
· de Veneza feitas
. ,por Erhard Reuwich,
. · dda obra
rência. Essas rotinas levariam a um novo eJprit de JyJteme. No prefácio de seu (lo Dci•nhard von Breydenbach, Peregniwti.o in Terram S'anctaJn (Ma:mz, Erhard Reuwich [~pos e P~t~r
Hdioeffer], 1486). Reproduzida mediante gentil permissão do Departamento de Coleçoes Espec1a1s
pioneiro atlas, que continba textos e índices suplementares, Abraham Orte-
duB Bibliotecas da Universidade de 'Stanford.

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lius comparava seu Theatram a uma "bem sortida loja", disposta de modo a VIII em York. A lista de livros, rimada, estava incompleta porque exigências
permitir que os leitores possam facilmente encontrar quaisquer instrumentos n;étricas impunham a exclusão de várias obras. Os catálogos das bibliotecas
que desejem obter. "É muito mais cômodo enconti;ar coisas quando elas estão medievais não se apresentavam, é claro, normalmente em versos, mas esta-
dispostas nos seus lugares, e não espalhadas ao acaso", observava um outro vam, de qualquer modo, muito longe de se organizarem segundo os padrões
editor do século XVI, ao justificar o modo como havia reorganizado um texto dos fichários modernos - ou, na realidade, de quaisquer padrões uniformes.
por ele editado. Da mesma forma, ele poderia ter reclamado de um funcioná- Refletindo o temperamento multiforme da cultura dos escribas, eles eram, na
rio que houvesse desarrumado documentos contábeis da grande firma comer- maior parte das vezes, organizados de modo idiossincrático, no intuito de aju-
cial por ele gerida. dar um dos guardiães a encontrar, a seu modo, os iivros buscados, que podiam
repousar em armários ou arcas, como também podiam ficar acorrentados a
carteiras, num aposento especial.
Alguns efeitos produzidos pela reorganização dos textos e dos guias A utilização crescente da ordem alfabética plena, tanto para catálogos de
de referência: a racionalização, codificação e catalogação dos dados livros como para índices, tem sido atribuída ao advento do papel, material
menos custoso para a confecção dos necessários índices de fichas. Não resta
As decisões editoriais tomadas pelos primeiros impressores, no que diz res- dúvida de que os materiais de escrita mais baratos tornaram menos onerosas
peito à apresentação e layout, muito provavelmente contribuíram para reor- us tarefas de indexação e catalogação, mas certamente pouco fizeram para
ganizar o modo de pensar dos leitores. A sugestão de McLuhan, de que a var- vencer a resistência natural à operação de copiar longas listas repetidamen-
redura de iinhas impressas afetou os processos de pensamento, é, à primeira te, pelo processo manual. Houve esforços ocasionais, no sentido de fazer com
vista, um tanto estranha. Uma reflexão mais detida, contudo, sugere que os que um índice fosse válido para várias cópias, mas tais empenhos eram inva-
pensamentos dos leitores são guiados pelo modo como estão ordenadas e apre- riavelmente prejudicados por diversos tipos de erros dos escribas. Na maior
sentadas as matérias contidas nos iivros. Mudanças básicas no formato de um parte das vezes, o dono de um compêndio medieval, ao preparar um índice
iivro bem poderiam conduzir a mudanças nos padrões de pensamento. para seu próprio uso, não se sentia na obrigação de empregar um sistema usado
A utilização de livros de referência impressos, por exemplo, incentivou um por qualquer outra pessoa; geralmente, seguia um método qualquer de sua
repetido recurso à ordem alfabética. Desde o século XVI, a porta de acesso livre escolha. Do mesmo modo, ao procurar manter atualizado o acervo de
ao mundo da leitura, para todas as crianças ocidentais, tem sido a memoriza- uma biblioteca, o seu responsável não tinha qualquer incentivo a organizar
ção de uma seqüência fixa de letras distintas, representadas por símbolos e sons seus registros nos moldes adotados por outros bibliotecários - nem qualquer
desprovidos de sentido em si. As coisas eram tão diferentes antes do advento estímulo tampouco a colocar os volumes em qualquer ordem clára que fosse.
da imprensa, que um compilador genovês de uma enciclopédia do século XIII (Com base em contatos com alguns guardiães vivos de livros raros, é de sns-
chegava ao ponto de dizer que '"amo' vem antes de 'bibo', porque 'a' é a letra peitar-se que os predecessores medievais destes últimos se sentiriam tão mais
inicial do primeiro; 'b' é a primeiraletra do segundo; e 'a' vem antes de 'b' [... ] 8t\tisfeitos quanto mais inexplicável fosse o arranjo dado a um determinado
com a graça de Deus atuando sobre mim, eu inventei esta ordem". inventário de livros.) Contudo, após o advento da imprensa, as listas organi-
Nos manuais de referência dos escribas havia iguais chances de ser utili- ~l\das por prateleiras foram suplementadas por catálogos de venda destina-
zados outros modos de organizar os dados. No que diz respeito aos catálo- dos a leitores fora do recinto da biblioteca; ao mesmo tempo, qualquer índi-
gos de bibliotecas de escribas, o pleno uso de sistemas alfabéticos pelos famo- ce compilado para um texto podia agora ser duplicado centenas de vezes. Desse
sos guardiães da Biblioteca de Alexandria desaparecera com a própria modo, o caráter comercial competitivo do negócio de livros impressos, mor-
instituição. "No que diz respeito à catalogação, há um grande contraste entre mente quando associado à padronização tipográfica, fez com que as etapas
um poema e um índice de fichas", observam Reynolds e Wilson, em conexão do catalogação e indexação se tornassem não só mais praticáveis, como alta-
com alguns versos atribuídos a Alcuíno, ao descrever a biblioteca do século mente desejáveis. Para abastecer mercados e atrair potenciais compradores,

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mantendo seus concorrentes sob controle, era indispensável ni10 s6 contar com
listas de vendas que arranjassem os títulos dos livros de maneira clara e coe-
rente, como igualmente oferecer edições que pudessem ser descritas como "nova
e melhorada", e "com bom índice".
Não se deve levar ao pé da letra um prospecto de Peter Schoeffer, segun-
do o qual sua firma oferecia índices "mais completos e bem arranjados", e tex-
tos "mais legíveis" do que a concorrência. Os primeiros impressores, tal como
os modernos agentes de imprensa, muitas vezes prometiam mais do qne tinham
condições de entregar. Não obstante, a pressão da concorrência exacerbou os
esforços no intnito de tentar melhorar os produtos costumeiros, e também aju-
dou a combater a resistência congênita às mudanças que até então havia carac-
terizado a cópia dos textos valiosos. A racionalização do formato contribuiu
para sistematizar a educação fornial em diversas áreas. Os cinco catálogos pari-
sienses de livros de Robert Estienne, publicados entre 1542 e 1547, refletem
um rápido avanço em muitas frentes. Dispostos em linhas trilíngües, com
cada seção ordenada numa progressão uniforme, começando com os alfabe-
tos em hebraieo, grego e latim e prosseguindo com gramáticas, dicionários e
textos, esses catálogos foram descritos com toda a justiça como um "milagre
de lúcida organização". A mesma competência foi usada por Estienne tanto
no seu trabalho pioneiro em lexicografia como na sua seqüência de edições da
Bíblia. Suas sucessivas edições melhoradas da Bíblia, produzidas na Paris do
século XVI, podem ser comparadas com a.assim chamada "edição" posta em
circulação pelos escribas da Paris do século XIII; analogamente, suas nume-
rosas contribuições à lexicografia podem ser comparadas com o singular e único
léxico bihngüe elaborado pelos mestres da Universidade medieval no século
XIII sob a direção de Robert Grosseteste.
Tais comparações têm utilidade não somente porque revelam o novo poder
JLste exemplo de un1 tratado medieval, onde o texto é circundado por uma glosa e recheado de abre"
que a imprensa podia alcançar, mas também porque sugerem que tentativas de vhituras, foi extraído de uma cópia manuscrita em velino, da obra de Aristóteles, Phy,liat (e. 1300,
trabalhos lexicográficos já haviam sido realizadas antes da chegada da impren- !'olha 22, recto). Reproduzida mediante gentil permissão da Folger Shakespeare Libra.ry.
sa. Esforços no sentido de codificar e sistematizar, feitos antes da entrada dos
novos prelos, haviam sido realizados por pregadores e professores, que tinham
compilado concordâncias para uso de outros clérigos, ou organizavam passa- gramas que mostravam os ramos do conhecimento e conceitos abstratos esque-
gens das Escrituras, tópicos de sermões e comentários para si próprios. Um poema matizados, ou relacionavam os órgãos do corpo humano a corpos celestes.
não constitni somente "um grande contraste em relação a 11m índice de fichas"; Ontros vinham com pequenas abas, de pergaminho ou papel, para facilitar refe-
ele está igualmente distante de muitos tratados escolásticos sobre temas não só rências. Em outras palavras, convém precaver-se contra qualquer tendência a
médicos como legais e teológicos. Tais tratados tinham o texto circundado por superestimar as.novidades introduzidas coma imprensa ou, ao contrário, anão
glosas e repleto de abreviatnras e anotações marginais. Alguns continham dia- levar em conta o modo como alguns desenvolvimentos prévios ajudaram a

SJ
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canalizar os usos que a nova ferramenta foi chamada a implementar. Alguns Entre 1500 e 1800, foram publicados mais de setenta léxicos dedicados
dispositivos, que mais tarde se tornariam usuais (como diagramas ou colche- exclusivamente ao hebraico. Na segunda metade do século XVI, Christopher
tes, ou o hábito de ligar um trecho a outro mediante .referências cruzadas), não Plantin lançou-se ao preparo de uma edição levemente revista da Bíblia Poli-
eram desconhecidos dos compiladores e comentadores medievais, embora tais glota Complutense de 1517-1522. Acabou publicando um monumental tra-
práticas tomassem, naqueles tempos, formas idiossincráticas e variadas. Assim balho novo, contendo cinco volumes de texto e três de materiais de referên-
como a utilização uniforme da ordem alfabética para todas as palavras de refe- cia, que incluíam gramáticas e dicionários de grego, hebraico, aramaico e siríaco.
rência não resultou exclusivamente da invenção da imprensa, mas necessitou Nova expansão foi trazida pela edição poliglota parisiense de 1645, sendo que
da existência de uma linguagem escrita alfabética como base, do mesmo modo o clímax sobreveio na Inglaterra de meados do século XVII. A edição "poli-
se pode dizer que muito do que diz respeito às atividades de catalogação, refe- glota", de Londres, datada de 1657, foi anunciada por um folheto que exal-
rências cruzadas e indexação - que tanto marcaram a educação formal do sécu- lnva a sua superioridade sobre todas as edições precedentes (em termos que
lo XVI - não deve ser tido apenas como subproduto de uma cultura tipográ- foram mais tarde reproduzidos pelo bispo Sprat, no seu louvor à Royal
fica, mas também como reflexo de novas oportunidades criadas entre membros Socieiy). Seu conteúdo nos revela quanto terreno já havia sido conquistado
do clero e da burocracia, para a realização de velhos objetivos. cm dois séculos de imprensa. Ela apresentava textos em "hebraico, samari-
tano, grego da tradução dos setenta, caldeu, siríaco, árabe, etíope, persa e latim
No que ele tinha de mais característico, o homem!Iledieval [...] era, um organ~zador, um dn Vulgata'', aumentando assim o acervo de tipos de imprensa postos em uso
construtor de sistemas, um codificador. Ele queria uni lugar para cada coisa e cada coisa pelos eruditos ocidentais em seus estudos orientais. Seus apêndices sofistica-
no seu lugar certo. Seu deleite estava em fazer distinções, -criar definições e tabulações dos revelaram em que medida a impressão da Bíblia fizera avançar a indús-
[ ... ]Nada havia que os povos medievais fizessem melhor, ou com maior prazer1 do que tria do conhecimento moderno. Eles compreendiam
classificar e arru~àr coisas. De todas as nossas invenções modernas, suspeito que eles
teriam a maior admiração pelo índice de fichas.
um vasto aparato que incluía um quadro de cronologia antiga preparado por L:iuis Cap"
pel; descrições e mapas da Terra Santa e de Jerusalém; plano do templo; tratados sobre
Como sugere esta citação de C. S. Lewis, não se deve pensar somente em moedas hebraicas, sobre pesos e medidas, sobre a origem da linguagem e do alfabeto e
"lojas bem sortidas", quando se considera o ímpeto de racionalizar as institui- sobre o idioma hebraico; um relato histórico das principais edições e principais versões
ções ocidentais. O desejo de ter "tudo em seu lugar correto" era compartilha- das Escrituras; urna tabela com leituras variantes, com um ensaio sobre a integridade e
do tanto pelos universitários medievais como pelos primeiros capitalistas. A a autoridade dos textos originais e outras matérias.
oficina gráfica cumpriu uma função significativa, embora esquecida, ao com-
binar atividades intelectuais e comerciais, que se reforçavam mutuamente e A produção de t~belas, catálogos, dicionários geográficos e outras obras
desse modo criavam um impulso particularmente poderoso, quase irresistível. de referência satisfazia tanto impulsos práticos como religiosos. Enquanto a
Por outro lado, deve-se evitar a tentação de conferir demasiado valor a obra de Robert Estienne sobre lexicografia surgiu como um resultado episó-
antecipações medievais ocasionais de tendências que só poderiam realmen- dico de suas edições bíblicas, uma das contribuições lexicográficas de Chris-
te ter sido lançadas após o advento da imprensa. Os estudiosos medievais teriam topher Plantin resultou simplesmente de sua condição de comerciante imi-
admirado nossos fichários, mas seu sentido de ordem não era baseado na uti' grndo. Depois de estabelecer-se em Antuérpia e de estabelecer vínculos com
lização dele. Um único léxico bilíngüe não pode ter o mesmo efeito que cen- 1\ cidade holandesa de Leiden, Plantin decidiu aprender holandês. Como
tenas de guias de referência trilíngües. Simplesmente, não há, nas casas de indivíduo que jamais desperdiçava esforços, ele passou a "colocar em pilhas
estudo ou bibliotecas conventuais medievais, algo que se possa comparar às e em ordem alfabética" cada palavra que aprendia. Desse modo, lançou-se
bíblias poliglotas impressas dos séculos XVI e XVII ou ao aparato de refe- numa parceria que resultaria no Thuaurlld theutonicae linplllle, de 1573 - o "pri-
rências que as acompanhavam. meiro dicionário holandês digno desse nome".

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C-Olocar palavras (e letras) em pilhas, em ordem alfabética, era na reali- imprensa tornara a feitura de livros de texto um gênero novo e lucrativo. A
dade uma rotina empregada universalmente nas oficinas impressoras. O pre- mora preparação desse tipo de livros, de textos em diferentes níveis, para o
paro de cada índice já constituía um exercíóo de análise textual - algo que ensino de disciplinas variadas, incentivou a reavaliação de procedimentos her-
se aplicava agora a muitas obras que jamais haviam recebido um índice antes. dados e uma reorganização dos diferentes enfoques a serem aplicados aos diver-
Tal atividade e outros procedimentos inerentes à edição de cópias orientavam sos campos de estudo. C-Ontudo, o novo realce aplicado ao sistema e ao mé-
as atividades acadêmicas numa direção algo distinta da que presidira o pre- todo não era exclusivamente pedagógico ou limitado à prepàração de livros
paro de orações, diálogos e outras peças comemorativas ocasionais, que de texto. Era utilizado igualmente nos textos que os primeiros humanistas
haviam preocupado os humanistas das gerações anteriores. As objeções levan- haviam menosprezado: a saber, textos consagrados aos estudos avançados nas
tadas pelos últimos contra a linguagem e grafia bárbaras usadas pelos esco- faculdades de teologia, direito e medicina.
lásticos acrescentavam-se novas objeções à organização bárbara dos compên- O professor medieval do CorptU Juru "não estava preocupado em mostrar
dios medievais, com sua vasta massa de. complicadas digressões e detalhes como cada componente se relacionava com a lógica do conjunto", em parte
aparentemente sem relação entre si. As primeiras edições impressas eram répli- porque muito poucos professores nas faculdades de direito jamais tinham tido
cas fiéis, é verdade, desses compêndios manuscritos "bárbaros"; mas o pró- 11 oportunidade de ver o CorplU Juru inteiro. A separação acidental de porções
prio ato da duplicação já representava uma preliminar necessária à futura rear- <lo manuscrito do DigeJto dera origem a duas séries de aulas, "ordinárias" e
rumação. Uma falha, que antes passara despercebida devido à apresentação "extraordinárias", antes mesmo que sucessivas teias de comentários fossem apos-
oral ou ao hábito das cópias de trechos avulsos, agora se tornava mais visí- tas ao texto por glosadores e pós-glosadores. Por outro lado, a subdivisão de
vel aos revisores de. textos e indexadores, e também mais chocante para os porções em puncta, a serem lidas em voz alta, dentro de horários fixados por
editores, que valorizavam rotinas sistemáticas. Os critérios clássicos de uni- cn.lendários acadêmicos, também provocou fragmentação e conseqüente desor-
dade, coerência interna e harmonia eram agora aplicados além do campo das ganização das seqüências. Para alguém ter acesso à mais importante fonte ma-
orações, poemas e pinturas, de modo a abarcar a reorganização de vastas com- nttscrita do Diguto, era necessário fazer uma peregrinação a Pisa, onde o
pilações e de inteiros campos de estudo que não se enquadravam até então Códice Florentino, lá conservado a sete chaves, poderia, quando muito, ser
dentro da seara humanística. oxruninado por um curto limite de tempo. Por todo um século após o advento
dil imprensa, este problema do acesso ao texto continuou a martirizar aque-
A clareza e lógica de organização, a disposição da matéria na página impressa torna- les que tentavam limpar" os estábulos de Augias do direito'', mediante o exp~­
ram-se (... ] uma preocupação dos editores, quase que um fim em si mesmo. Trata-se de (;O de touceiras de comentários e reconstituição do corpud na sua forma ong1-
fenômeno conhecido por qualquer estudante de livros enciclopédicos dos fins do sécu- nnl. Os estudiosos de direito eram simplesmente barrados (aliás literalmente,
1o XVI, decorrente do fascínio crescente com as novas possibilidades técnicas da com- no caso de Budé, que só pôde ver o manuscrito através de uma grade) pelos
posição tipográfica e da grande influência exercida pela metodologia de Peter Ramus ... ?.ciosos guardiães do precioso códice, os quais somente concediam aos visitan-
A doutrina ramista """"' segundo a qual todo assunto pode ser tratado topicamente, e a tes dar miradas fugazes à venerada relíquia. Sua publicação em 1553 consti-
melhor exposição é a que, procede mediante análise - foi adotada entusiasticamente l uiu pois um acontecimento de alguma importância - que permitiu a umagera-
por impressores e editores. çao nova, encabeçada por Jacques Cujas, completar o trabalho iniciado por
estudiosos da geração anterior, como Budé, Alciato e Amerbach. As correções
Cimo sugere Neal Gilbert, o termo metbodtu, que fora tido por bárbaro e d0>Cujas incluíam desde "os mais simples erros textuais" até "substituições ana-
como tal banido pelos primeiros humanistas, impôs-se plenamente um sécu- l'l'Ônicas". Ele empreendeu também "a tarefa de indexar as citações", de modo
lo antes de Descartes - vindo a aparecer "com uffia freqüência quase ina- que, no fim do século, a totalidade da compilação já estava à disposição dos
creditável nos títulos dos tratados do século XVI". A doutrina ramista pro- cMudiosos, emendada e indexada. Despojada da incrustação das glosas, a
vavelmente deveu muito de sua popularidade ao fato de que o advento da ~ntiga compilação tornou-se mais que nunca uniforme sob os aspectos de esti-

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lo e coerência. Justamente por isso, ela passou a ser vista como cada vez menos John Rastell cuidou de fornecer uma tabula introdutória: um "registro cro-
relevante para a jurisprudência da época. Tal como ocorrera com o latim de noiógico, em capítulos, dos estatutos de 1527 a 1523", em 46 páginas. Assim
Cícero depois que a restauração completa foi aplicada com sucesso à letra do agindo, ele não se limitava a suprir um índice de matérias; oferecia também
antigo código, seu sopro de vida evaporou-se definitivamente. uma resenha esquemática da história parlamentar - aliás, a primeira a ser
Um outro corpo de leis vivas também sofreu como resultado de editora- vista por muitos leitores.
ção, indexação e .emendas ao texto. Mesmo quando algumas antigas compi- Esse tipo de inovação espetacular, embora merecedor de estudo acurado,
lações, como o CorplM Juru, pareciam menos relevantes para a prática cor- ní(o deve desviar nossa atenção de mudanças muito menos conspícuas e muito
rente, deu-se uma incisividade maior a alguns estatutos e ordenaçõu vigentes. mais generalizadas. A familiaridade crescente com páginas numeradas regu-
Na Inglaterra Tudor, as proclamações reais, uma vez impressas, não mais tinham larmente, sinais de pontuação, divisões de seções, títulos de páginas, índices
de ser afixadas em paredes, portas e outros locais públicos; eram coleciona- o assim por diante ~judou a reorganizar o pensamento de todoJ os leitores, fosse
das num conveniente volume in octavo e recebiam um índice de seu conteú- qual fosse sua profissão ou ofício. A utilização de números arábicos para a nume-
do, para mais fácil referência. Na década de 1480, e começando com W de mção de páginas indica como a mais banal inovação poderia ter conseqüên-
Machlinia (um contemporâneo de Caxton, quase desconhecido), as tarefas das pesadas - no caso, resultou numa elaboração mais cuidadosa de índi-
ligadas à impressão da legislação inglesa atraíram um número crescente de ces, de anotações e referências cruzadas. A maior parte dos estudos feitos sobre
empreendedores londrinos, como Pynson, Redman, Berthelet ou John Ras- l\ imprensa tem apontado, com toda a propriedade, a indicação das páginas
tell, o versátil cunhado de Thomas More. de rosto como sendo a mais significativa das novas características associadas
l\O formato do livro impresso. Parece-me dispensável explicitar de que modo
Acompanhando de perto a produção dos seus concorrentes, cada um deles envidava esfor- (IS páginas de rosto contribuíram para a catalogação de livros e o aprimora-

ços. no sentido de manter suas mercadorias atualizadas e atraentes para o público mais mento do ofício de bibliógrafo. Já a maneira como elas concorreram para a
interessado em direito. Foi provavelmente no intuito de. contrapor-se à sumarização inte- formação de novos hábitos de indicar local e data, de um modo generalizado,
gral dos Estatutos [... }publicados por Redman em 1528, que Pynson reimprimiu sua parece requerer considerações mais detidas.
edição de 1521 [... } com nova página de rosto e quatro fólios de "novas adições"[ ...}
Rastell não .podia deixar tais iniciativas sem respostai motivo por que respondeu com
seuklagnamA6hreviamentum, em que alistou os estatutos desde 1523, sumariados em[ ... ]
Onovo processo de coleta de dados: da cópia
latim, anglo-francês e inglês.
adulterada à edição melhorada

A publicação de sumários e listas de estatutos, lançados por John Rastell Ao tirarem edições sucessivas de uma determinada obra de referência ou
e seu filho, oferece uma boa ilustração de como um formato de livro raciona- conjunto de mapas, os impressores não só competiam com seus rivais como
lizado podia afetar os órgãos vitais da comunidade política. A organização faziam progressos em relação a seus predecessores. Além disso, passavam a
sistemática dos títulos; as tábuas que seguiam uma rigorosa ordem alfabéti- poder melhorar a si próprios. A seqüência de Bíblias latinas publicadas. por
ca, os índices e referências cruzadas a parágrafos corretamente numerados, Robert Estienne e a sucessão de atlas rodados por Ortelius sugerem como a
tudo isso nos revela como as novas ferramentas postas à disposição dos tendência inveterada da cultura escriba havia sido não meramente contida,
impressores ajudaram a pôr mais ordem e método num considerável corpo mas de fato revertida.
de leis públicas. Até fins do século XV nem sempre era fácil decidir exata- Ao dizer tal coisa, deparar-me-ei provavelmente com objeções levantadas
mente "o que era realmente um estatuto", motivo por que se vinha multipli- por estudiosos que têm boas razões para receber com ceticismo quaisquer afir-
cando há muito tempo a confusão sobre as diversas "grandes" cartas. Ao "ingle: mnções favoráveis aos primeiros impressores. Os prefácios e reclames que
sare imprimir" o Great 6oke o/JtatuteJ 15J0-15JJ (Grande livro dos estatutos), repetidamente anunciam melhorias são invalidados por provas concretas de

88 89
~ópias
1 ~etentes.
feitas sem cuidado, quando não - o que é pior - de correções incom-
Algumas comparações de livros de referência da era dos manuscri-
O Thealrum foi[ ... ] em pouco tempo reimpresso várias vezes [... ]As sugestões de cor-
·reções e revisões não paravam de chegar, mantendo Ortelius e seus gravadores ocupa-
tos .com suas primeiras versões impressas rwelam freqüentemente que um dos em alterar as chapas para novas edições[ ...] Em três anos, ele conseguira adquirir
tantos mapas novos, que publicou um suplemento de 17 mapas, que foram mais tarde
antigo processo de adulteração foi agravado e acelerado após a impressão.
incorporados ao Tbeatrum. Até o ano de sua morte, em 1598, pelo menos 28 edições do
No campo das ilustrações da Bíblia, por exemplo, a utilização repetida de blo-
atlas tinham sido tiradas em latim, holandês, alemão, francês e espanhol [...] A última
cos de qualidade inferior levava à impressão de letras pouco legíveis; legen-
edição foi publicada pela Casa de Plantin, em 1612.
das ~orr~as, qu~ndo interpretadas erroneamente por oficiais ignorantes, pro-
duziam JUStapos1ções enganadoras. E, com o correr das décadas, todos esses
Nem todas as edições, é claro, eliminavam todos os erros percebidos; as
erros se combinavam entre si, nas edições clandestinas,
boas intenções, apesar de declaradas nos prefácios, nem sempre eram hon-
Os primeiros livros impressos de botânica sofreram degradações muito
1•adas no correr da manufatura. Ainda assim, os pedidos dos editores por vezes
parecidas com as das primeiras bíblias impressas. Uma seqüência de herbários,
incentivavam leitores a empreenderem seus próprios projetos de pesquisa e
impressos a partir da década de 1480 e terminados em 1526, revela um "cres-
trabalhos de campo, os quais resultavam em programas adicionais de publi-
cimento contínuo da quantidade de distorções", a ponto de chegar o produto
cações. Eclodiu, desse modo, uma explosão de conhecimento. Das edições
final - um herbário inglês de 1526 - a fornecer um "exemplo notavelmente
de Ortelius restavam, por exemplo, tratados sobre topografia e história local,
triste do que acontece com a informação visual, à medida que ela passa de um
numa área que vai de Moscou a Gales.
copista para o próximo. Contudo, no próprio decorrer de um processo de adul-
O solicitador ou receptor dos novos dados nem sempre era um impressor
te~~ (que já.vinha de longe, embora num passo mais lento e irregular, sob
ou editor. Muitas vezes, tratava-se do autor ou responsável por uma série de
a eg1de dos escnbas), o novo veículo tornou esse processo mais visível aos letra-
edições, que recebera de leitores dados sobre erros ou acréscimos a serem incor-
dos, e ofereceu um meio de dominá-lo pela primeira vez. Nas mãos de muitos
porados numa edição posterior. Uma vez que os comentários de Mattioli sobre
impr.essores ignorantes, somente interessados em obter Incras rápidos, os dados
Dioscórides (publicados pela primeira vez em 1554) consumiam uma edição
tendiam a adulterar-se em ritmo cada vez mais acelerado. No entanto, sob a
atrás da outra, foram periodicamente revistos e corrigidos, tendo por base os
orientação de mestres tecnicamente competentes, a nova tecnologia também
espécimes e as informações recebidas dos correspondentes. Plantas exóticas
proporcionava um modo de transcender os limites que os procedimentos dos
eram desse modo apresentadas aos europeus (foi assim que a castanha-da-
escribas haviam imposto a mestres igualmente capazes do passado. Sob super-
índia, o lilás e a tulipa vieram da Turquia para os jardins botânicos europeus,
visão adequada, observações feitas ao vivo podiam finalmente ser duplicadas
via edição de Mattioli de 1581). A proliferação de relatos sobre frutos e
sem correr o risco de saírem tremidas ou borradas, com o passar do tempo.
sementes também teve como resultado uma série de descrições mais comple-
Alguns impressores e publicadores do século XVI nada mais fizeram que
tas e precisas de plantas domésticas.
reproduzir velhos compêndios. Outros, contudo, estabeleceram imensas redes
de correspondentes e solicitaram críticas sobre cada edição, por vezes pro-
Em meados do século XVII, os botânicos competiam entre si para obter novidades da
metendo publicamente mencionar o nome dos leitores que enviassem novas Índia, do NoVo Mundo, de regiões geladas, pântanos e desertos _, de qualquer lugar,
informações ou localizassem erros a serem eliminados. em toda parte. As plantas e os animais de países exóticos distantes eram ora radical-
mente novos, ora suficientemente diferentes dos já conhecidos a ponto de causar per-
1

Pelo simples expediente de ser honesto com seus leitores, bem como de solicitar~lhes plexidades e requerer investigação mais detalhada[... ] Surgiu assim um novo tipo de
críticas e sugestQes1 Ortelius transformou o seu Theatrwn numa espécie de empreendi~ cientista, o naturalista itinerante[ ... ] Os gananciosos aventureiros de antes eram agora
menta cooperativo em b~e internacional. Ele recebeu inform9-ÇÕes úteis de todos os can~ substituídos por homens que buscavam conhecimento[... ]
tos do mundo, a ponto de cartógrafos se acotovelarem para lhe enviar os mais recentes As descobertas feitas em terras estrangeiras excitavam os cientistas da natureza que eram
mapas de regiões ainda não cobertas pelo Theatruni. obrigados a permanecer em seus países - como médicos, professores e curadores de

90 91
jardins botânicos ou estufas ~, e os forçavam a descrever de 111odo mnis completo e acu- vento da imprensa do que o fora antes. Ao relacionar os que haviam colabo-
rado as faunas e floras dé seus próprios países [...] A soma de conhecimentos assim adqui- mé:lo para o enriquecimento de seu atlas, Ortelius prenunciava a "idéia moder-
ridos ganhou tal envergadura, que tendeu a ge~ar confusões, do que surgiu a necessi- 11(1 de cooperação científica". Isso, contudo, não nos autoriza a estabelecer
dade de novas apresentações de conjunto. ·,
comparações odiosas entre, de um lado, artesãos "honestos" e cooperadores,
que visavam ao bem alheio, e, de outro, escolásticos ou literatos petulantes, tor-
As novas apresentações de conjunto, por sua vez, levaram a outros novos tuosos e egoístas, que só trabalhavam para si próprios. Nenhum grupo ocupa-
intercâmbios, que provocaram também novas investigações; desse modo, a cional jamais teve o monopólio de determinada virtude ou vício. Após o sécu"
acumulação de mais dados tornava necessária uma classificação mais apura- lo XVI foi possível incentivar publicamente algumas técnicas socialmente úteis,
da; e assim por diante, numa seqüência ad infinitum. Esta sucessão de edições não porque artesãos cooperativos tivessem se tornado mais influentes, mas devi-
melhoradas e obras de referência em contínua expansão constituía uma série do ao advento da imprensa. Com efeito, os artesãos-autores não eram menos
ilimitada - o que não era o caso das coleções armazenadas nas bibliotecas "g·ananciosos", nem menos atraídos pela isca dos novos direitos de proprieda-
dos monarcas alexandrinos e príncipes renascentistas. A destruição da Biblio- de intelectual do que os literatos e mestres das universidades medievais.
teca de Alexandria, no passado distante, e a destruição da grande coleção reu- Convém assinalar que algumas passagens moralmente mais elevadas, que
nida por Matthias Corvinus, no passado recente, foram assinaladas por Con- justificavam a feitura de livros por "humildes" artesãos, eram acompanhadas
rad Gesner, na dedicatória da primeira edição de sua monumental bibliografia, de apelos para que o leitor visitasse a oficina do autor, onde "podem ser vis-
a Biúliotheca Univerdalu (1545), que arrolava cerca de 10 mil títulos de obras tus coisas maravilhosas", e de endereços onde os instrlUllentos estavam à venda.
em latim, grego e hebraico. As ciências naturais e as ligadas às bibliotecas, Ao dizer a seus leitores onde poderiam obter seu endereço, e convidá-los para
que Gesner ajudara a fundar, continuavam capazes de expansão ilimitada. Elas uma demonstração grátis na 'oficina, o artesão-autor estava provavelmente
provocaram um processo aberto, indefinidamente contínuo. A palavra ingle- refletindo seu desejo de atrair potenciais compradores para suas mercado-
sa /eedback e sua tradução portuguesa, "retroalimentação", embora horroro- rias. O importante a sublinhar é que, em casos como esse, egoísmo e altruís-
sas e usadas em demasia, ajudam-nos a definir a diferença entre a coleta de mo podiam caminhar juntos.
dados tal como foi realizada antes e depois do salto nas comunicações. Após Este ponto é aplicável às "criações mentais" tanto de professores como dos
o advento da imprensa, a coleta de dados em larga escàla tornou-se o tema construtores de instrumentos - se é que de fato as duas figuras podem ser
de novas formas de realimentação que não haviam sido possfveis durante a mantidas separadas. De início, uma certa ambivalência com respeito a novas
era dos escribas. modalidades de propaganda caracterizou não só os acadêmicos mas também
Aqui como em outras passagens interessa, antes de. passarmos a outros os artesãos. Em ambos os grupos havia autores que expressavam o desejo de
temas, delinear os novos traços da cultura decorrente da imprensa, em vez de prestar informações por louváveis motivos desinteressados, embora continuas-
apenas observar, de passagem, que o advento da imprensa era, muito natural- sem a buscar fama e a engajar-se em disputas por preferência. De maneira
mente, um dos pré-requisitos para o advento do ensino e da ciência modernos. semelhante, o modo de procedimento cooperativo na coleta de dados e o reco-
Se os efeitos da imprensa tivessem recebido mais atenção, talvez nos mostrás- nhecimento honesto das fontes consultadas e contribuições recebidas não se
semos menos inclinados a atribuir especiais virtndes morais aos homens de saber limitavam absolutamente ao campo das ciências naturais. Não menos que a
do século XVI, ou a opor.supostos "aventureiros gananciosos" a naturalistas · zoologia, a bibliografia tornou-se nova área de trabalho cooperativo, sujeita
desinteressados. Se os autores, editores e impressores adotaram, por vezes,"o 1.1 transformações e crescimento. Na realidade, o chamado pai das duas dis-
simples expediente de ser honesto", ao citar nominalmente os autores das con- ciplinas era o mesmo homem.
tribuições recebidas, tal não se deveu à .circunstância de que eles tivessem Na medida em que todos os campos acadêmicos e científicos se tornaram
corações mais nobres, mas à constátação de que esse expediente muito simples palco de uma mudança tão fundamental, passando de uma sucessão de cópias
se havia revelado, por uma série de motivos vários, mais satisfatório após o ad- rldulteradas para uma seqüência de edições melhoradas, era de se prever que

92 95
tais efeitos se manifestassem de modo generalizado sobre a totalidade da Considerações sobre o poder de preservação da imprensa:
Comunidade do Saber: E, segnndo penso, isso deve ser considerado, quan- fixidez e mudança cumulativo
do tratamos de movimentos intelectuais jle peso, tais como a crescente
orquestração de temas associados a progressos ilimitados e a colocação em De todas as novas características trazidas pela capacidade de duplicação
surdina de velhos temas de "decomposição da natureza''. "O Poder que a própria da imprensa, a de preservação é possivelmente a mais importante. Para
Imprensa nos confere de aperfeiçoar e corrigir continuamente nossos Tra- podermos avaliar devidamente sua importância, precisamos recordar as con-
balhos em Edições sucessivas", escreveu David Hume ao seu editor, "pare- dições que prevaleciam quando os textos ainda não eram compostos em tipos.
ce-me a principal vantagem dessa arte". O que era verdadeiro para nm autor Nenhum manuscrito, por mais útil que fosse como gnia de referência, pode-
isolado aplicava-se com força ainda maior aos trabalhos de referência de maior ria ser preservado por muito tempo sem ser adulterado pelos copistas. E mesmo
alcance, escritos em colaboração. Uma série de edições novas e ampliadas esse tipo de "preservação" dependia precariamente não só da demanda incons:
fez com que o futuro parecesse reservar maiores promessas de ilustração que tunte de elites locais, como da incidência incerta de um trabalho qualificado
o passado. 1lo escriba. Na medida em que os registros eram vistos e usados, tornavam-
"Até um século após a morte de Copérnico", escreve Thomas Kuhn, "não MC vulneráveis ao desgaste. Documentos armazenados estavam sujeitos a
ocorreram; com relação aos dados então disponíveis aos astrônomos, quais- umidade, insetos, roubo e fogo. Mesmo que fossem colecionados ou conser-
quer modificações potencialmente revolucionárias." E no entanto, a vida de vados no abrigo de um grande centro de mensagens, sua dispersão final ou
Copérnico (1473-1543) coincidiu com as próprias décadas em que muitas pcl'da eram inevitáveis. Para poderem ser transmitidas por via escrita, de uma
alterações, hoje apenas perceptíveis a olhos modernos," estavam transfor- gcl'ação para a seguinte, todas as informações tinham de ser trasladadas por
mando "os dados disponíveis" para todos os leitores de livros. Um estudo meio de textos inconstantes e manuscritos efêmeros.
mais detido dessas mudanças poderia ajudar-nos a explicar por que siste- Esse aspecto da cultura do escriba não é tratado com freqüência pelos estu-
mas concebidos para traçar os cursos dos planetas, mapear a terra, sincro- diosos modernos, motivo por que o vemos eclipsado completamente por
nizar cronologias, codificar leis e compilar bibliografias foram todos revo- recentes estudos antropológicos, que só focalizam os contrastes entre os
lucionados antes do fim do século XVI. Observa-se que, em cada caso, os registros orais e escritos exibidos durante os últimos séculos. Por isso, os antro-
resultados alcançados no Período Helenístico foram inicialmente duplica- ptllogos tendem a atribuir à escrita manual a capacidade de produzir "ver-
dos, para depois, num espaço de tempo incrivelmente rápido, serem todos ~(\es do passado registradas de modo permanente". No entanto, um registro
ultrapassados. Em cada caso, os novos esquemas, desde que foram publi- t\nico em manuscrito, mesmo que sobre pergaminho, tinha muito pouco de
cados, tornaram-se .logo disponíveis à correção, ao desenvolvimento e ao permanente, a menos que fosse encafuado e não mais usado. Proceder a mais
refinamento. Gerações sucessivas puderam assim construir sobre o traba- de um registro implicava o ato de copiar, que levava a alterações textnais. Regis-
lho deixado pelos polímatas do século XVI. em vez de tentar recuperar frag- 1l'os duráveis não podiam prescindir de materiais duráveis. As inscrições em
mentos esparsos dele. As variadas "revoluções" culturais do início dos tem- pedras conservaram-se; os registros em papiros se desmancharam. Essas
pos modernos deveram muito às características já esboçadas. Mas os grandes diferenças tangíveis deram nascimento à regra seguinte: "Preserva-se muito
tomos, tábuas e mapas, vistos hoje em ·dia como "marcos memoráveis", quando se escreve pouco; preserva-se pouco quando se escreve muito". Após
poderiam ter sido inúteis, se não houvesse também entrado em ação o poder o ttdvento da imprensa, no entanto, tornou-se menos significativa a durabi-
de preservação da imprensa. A fixidez tipográfica constitui um dos pré-requi- lidade do material de escrita; podia-se agora preservar graças à utilização abun-
sitos básicos para o avanço acelerado do conhecimento. Ela contribui para dnnte de papel, em lugar da pele escassa e custosa. A quantidade passou a
explicar muitas outras coisas que parecem diferenciar a história dos últi- importar mais que a qualidade. No próprio momento em que eram duplica-
mos séculos da de todas as eras anteriores - com? espero que as próximas tlns, regras seculares se tornavam obsoletas. Isso nos faz lembrar o modo como
observações venham a indicar. . ' VMiudiosos modernos sorriem à menção de que um abade instruía seus mon-

95
ges a copiarem manualmente livros impressos, para que os textos respecti- cos de fogo, ou do deslocamento1 quando este for necessário por qualquer razão públi-
vos não se perdessem. E, não obstante, os estudiosos de hoje, não menos que ca. Nossa experiência provou que uma cópia única, ou até mesmo algumas, guardadas
os monges do século XV, estão sujeitos a se deixarem levar pelas aparências, manuscritas em escritórios públicos, não são algo com que possamos contar por um lapso
de tempo maior. fu devastações causadas pelo fogo ou por inimigos ferozes foram as
e as aparências se tornaram c~da vez mais 'enganadoras.
maiores causas das perdas que ora deploramos. Quantas das preciosas obras da Anti-
De modo geral, a imprensa impunha o uso de papel, isto é, material já
guidade se perderam irremediavelmente, porque existiam unicamente em forma manus-
por si menos durável do que pergaminho ou velino, além de se ter tornado
crita? Já se terá perdido alguma, desde que a arte da imprensa permitiu multiplicar e
mais perecível com o correr dos séculos, na medida em que se reduziu seu
distribuir as cópias? Isso nos leva portanto à única maneira de preservar esses rema-
teor de fibras têxteis.'A raspagem e reutilização de pele animal não oblitera
nescentes de nossas leis ora em exame, isto é1 a multiplicação de cópi;:ts impressas.
as letras completamente, enquanto a raspagem ou reciclagem de material
impresso descartado não permitem a obtenção de palimpsestos. Numa época
em que as mensagens escritas são duplicadas em tal abundância que podem Esta reveladora carta é apontada por Julian Boyd como tendo levado à
ser lançadas à lata de lixo ou convertidas em polpa, é improvável que as mes- publicação de Staiu/:eJ o/ Vúyinw, de Hening. Segundo Boyd, ela reflete os mes-
mas suscitem idéias de preservação prolongada. Manuscritos conservados mos pontos de vista que Jefferson expressara muito antes "a Hazard, autor
em salas de tesouros, testamentos guardados em caixas-fortes ou diplomas de HiAorU:al Co!lectwfhi: 'o que foi perdido não pode ser recuperado; mas sal-
emoldurados sohvidros parecem-nos menos perecíveis do que mapas rodo- vemos o que resta: não por meio de cofres-fortes e grades, que afastam da
viários, calendários de cozinha ou jornais diários. Além disso, somos lem- vista e do uso públicos e condenam ao desgaste com o passar do tempo, mas
brados com freqüência donotável valor de sobrevivência de velhos docu- por uma multiplicação de cópias de tal ordem, que as coloque a salvo de qual-
mentos, que se mantiveram durante milhares de anos enterrados sob lava quer acidente"'.
ou conservados em vasos. Posteriormente ao advento da imprensa, um pro- Está de acordo com a índole de Jefferson enfatizar o aspecto democrati-
cesso de recuperação já nos permite a descoberta de tantos registros, há tanto zador do papel de preservação do texto impresso, o qual salvou documentos
tempo perdidos, que tendemos a subestimar como podem ser perecíveis preciosos, não guardando-os a sete chaves, mas retirando-os das arcas e cofres-
todos os manuscritos que não foram enterracfos, mas estiveram em uso. O fortes, e duplicando-os para q~e todo o mundo pudesse vê-los. Esta noção de
desenvolvimento de novas técnicas de restauração e duplicação, que trou- que a melhor ~aneira de preservar dados significativos consistia em torná-l~s
xeram à luz escritos dados por perdidos, leva-nos a esquecer as perdas ocor- públicos, em vez de mantê-los secretos, chocava-se frontalmente c~m a tra~1-
ridas antes da introdução das novas técnicas. ção, razão por que produziu choques com os novos censores e fm essencial
Estudiosos de antes eram menos desatentos. Thomas Jefferson, por exem- tauto no advento da ciência moderna como no pensamento da Era das Luzes.
plo, era extremamente consciente do poder de preservação da imprensa. Ao deplorar a perda das "preciosas obras da Antiguidade" enquanto "elas exis-
Assim escreveu a George Wythe: tiam somente em manuscritos", Jefferson deu expressão a µm velho tema huma-
nista, que associava o renascer do conhecimento antigo à nova arte da imp~en­
Desde cedo, no decorrer de minhas pesquisas sobre as leis da Virgínia, observei que
sa. Os problemas inerentes a essa associação serão discutidos no próxuno
muitas delasjá estavaní perdidas, e muitas mais se encontravam a ponto de sê-loi poi' capítulo. Permitam-me aqui assinalar somente que um renascimento do mundo
existirem somente em cópias únicas, em poder de indivíduos cuidadosos ou curiosos, clássico, já em movimento quando os primeiros impressores se passaram para
após cuja morte elas seriam provavelmente usadas como papel velho. Assim, impus-me (\Itália, resistiu a tudo - os avanços otomanos na Europa Ocidental, as inva-
a tarefa de reunir todas as então existentes[... ] na busca desses resíduos não economi- sões francesas da Itália, os saques dos mosteiros ingleses e todos os horrores
zei nem tempo, nem esforços, nem dinheito [ ... ].Mas [...]pergunto-me: Qual será o meio das guerras de religião. Uma vez fundidos os novos tipos com os caracteres
mais eficaz de preservar de perdas futuras esses remanescentes? Por mais cuidado que gregos, nem a ruptura da ordem óvil na Itália, ~em a conquista d~ t.erras gre-
eu tenha, não poderei preservá-los das traças, da deterioraçãb natural do papeli dos ris- gas pelo Islã, nem mesmo a tradução para o latun de todos os mais unportan-

96 97
tes textos gregos, nada disso fez com que o conhecimento elo mundo grego defi- tipos no século XVI, porter seguido padrões aleatórios, muito contribuiu para
nhasse outra vez no Ocidente. Mas as decorrências da fixidez tipográfica vão nposterior elaboração de mitologias nacionais por parte de certo~ grupos sepa-
muito além da recuperação permanente das letras gregas. Nem se esgotam elas mdos, no interior dos estados dinásticos multilíngües. A duplicação de car-
com o cômputo das outras línguas antigas que foram recuperadas e garanti- tilhas e traduções vernáculas contribuiu de outros modos para o desenvolvi-
das após terem sido perdidas - não somente para a Europa Ocidental, mas mento do nacionalismo. Uma "língua materna" aprendida"naturalmente" em
para o mundo inteiro - durante milhares de anos. Elas implicam a totali- casa só padia ser fortalecida par um tipo de ensino que consistia em repisar
dade da moderna "indústria do conhecimento" em si mesma, com suas biblio- uma língua impressa homogeneizada adquirida na infância quando do pro-
grafias em contínua expansão, sua pressão constante por mais instalações cesso de aprendizado de leitura. Durante os anos mais impressionáveis da infân-
para as bibliotecas e mais espaço nas estantes. cia, os olhos viam primeiro uma versão mais padronizada do que. o ouvido
Elas envolvem também questões menos acadêmicas e mais geopolíticas. escutara antes. Particularmente, depois que as escolas de gramática passa-
O mapa lingüístico da Europa foi "fixado" pelo mesmo processo e ao mesmo ram a ensinar os primeiros rudimentos de leitura usando antologias vernácu-
tempo que o foram as letras gregas. É muito enfatizada a importância da fixa- las em substituição às latinas, as" raízes" lingüísticas e o enraizamento de uma
ção das línguas nacionais literárias. Contudo, muitas vezes se minimiza o papel pessoa no seu torrão natal passaram a confundir-se entre si". ,
estratégico representado pela imprensa. O relato de Steinberg, cuja pq,ráfra- Mas a imprensa veio a contribuir ainda de outras maneiras para a frag-
se resumida é reproduzida a seguir, nos revelq, até que ponto esse papel foi mentação permanente da cristandade latina. & chamadas políticas erastia-
crucial. · · nas, havia muito seguidas por diversos soberanos, puderam, por exemplo, ser
implementadas de modo mais radical. A duplicação de documentos lig~os
A imprensa "preservou e co.dificou, por vezes chegou mesmo a criar", alguns idiomas. no ritual, à liturgia ou à lei canônica, que estivera sob a proteção dos cléngos
Sua ausência entre pequenos grupos lingüísticos, durante o século XVI "levou com-
1
na era dos escribas, passou, na era da imprensa, para as mãos de indivíduos
provadamente" ao desaparecimento ou exclusão de seus idiomas vernáculos do domí- laicos empreendedores, sujeitos somente à autoridade dinástica. Firmas locais,
nio da literatura. Sua presença no interior de outros grupos, no mesmo século, asse- não sujeitas ao controle papal, receberam lucrativos privilégios dos n_ionar-
gurou a possibilidade de reavivamentos intermitentes ou contínua expansão. I-:Iavendo cas das casas de Habsburgo, Valois e Tudor, para atenderem às necessidades
fortificado as paredes lingüísticas que separavam grupos distintos, os impressÓres dos cleros nacionais. Um impressor de Antuérpia juntou forças com um rei
mais tarde tornaram homogêneo tudo que se encontrava no interior dessas pá.redes, de Espanha, no intuito de fornecer a todos os padres espanhóis cercq, de 15
eliminando pequenas diferenças/ padronizando os idiomas para milhões de escritores mil exemplares de um breviário do século XVI - cujo texto fora levemente
e leitores, conferindo papel periférico aos dialetos provinciais. A preservação de uma
alterado em relação à versão autorizada pela Roma pós-tridentina. Desse modo,
determinadalínguahterári..'l dependeu freqüentemente de que, no século XVt tivessem
Felipe II demonstrou o controle real sobre o clero d: s~u reino, ~º. me~mo
ou não sido impressos em vernáculo na região- (sob os auspícios nacionais ou estrangei-
ros) algumas cartilhas, catecismos e bíblias. Em caso afirmativo ocorria a subseqüen-
tempo que Christopher Plantin deixava de pagar dire'.tos ao pn~eg1ado
impressor italiano, a quem havia sido outorgado um lucral!vo m.onopólio so~re
1

te expansão de uma cultura literária "nacional" separada. Quando não foi esse o caso,
desaparecia um dos pré-requisitos para que brotasse a consciência nacional; e o diale- a versão romana recém-autorizada. Não podemos explorar aqm os outros dife-
to falado manteve seu caráter local. rentes modos pelos quais os impressores, ao servirem seus próprios interes-
ses, contribuíram para enfraquecer ou cortar .os vínculos com Roma, f~rtale­
Os estudos sobre consolidação dinástica e nacionalismo bem que pode- cer o sentimento nacionalista e consolidar as dinastias. Mas não há dúVJda de
riam dedicar mais espaço ao advento da imprensa. A tipografia não só dete- que eles merecem estudo mais acurado. . . , .
ve a deriva lingüística como enriqueceu e padronizou as línguas nacionais, Ainda há muitas outras conseqüências da fixidez tipográfica que precIBam
preparando desse modo o caminho para as etapas de mais consciente purifi- ser exploradas. Como sugere o capítulo 6, as divisões religiosas no século XVI,
cação e codificação de todas as principais línguas edropéias. A fundição de no interior da cristandade latina, mostraram-se particularmente duradouras.

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Quando agora se condenava uma heresia ou se excomungava um rei cismáti-
que não fossem impostas novas restrições. A iniciativa privada já não depen-
co, tais ações deixavam um rastro mais indelével do que fora o caso nos anos
di:í da proteção da guilda, mas novos poderes eram simultaneamente confia-
anteriores. De modo similar, à medida que os editos se tornavam mais visí-
dos às autoridades burocráticas. A competição pelo direito de publicar um
veis, tornavam-se também mai~ irrevogáveiS. A Magna Carta, por exemplo,
dndo texto gerou também controvérsias a respeito de novos tópicos, como o
era "publicada" ostensivamente (isto é, proclamada) duas vezes por ano, em
monopólio e a pirataria. A imprensa trouxe a necessidade de definir legal-
cada condado. Jáem 12.37haviaconfusão sobre de que "carta" se tratava. Em
mente o que pertencia ao domínio público. Uma espécie de "terra de ninguém"
15.3.3, no entanto, os ingleses que consultassem a Ta6ula do Great 6oke pode-
literária tornou-se' com o tempo objeto de um "loteamento", e um individua-
riam verificar com que freqüência ela fora confirmada em sucessivos estatu-
lismo possessivo começou a caracterizar a atitude dos escritores para com suas
tos reais. Também na França o "mecanismo mediante o qual a vontade do sobe-
obras. Os "termos plágio e direito de reprodução (copirraite) não existiam
rano" era incorporada ao corpo "publicado." da lei, por meio do "registro", foi
jl(lt'a o menestrel. Somente depois do advento da imprensa é que, passaram a
provavelmente alterado pela fixidez tipográfica. Já não. era mais possível ter
['Cl' significação para o autor".
certeza de que alguém estava seguindo o" costume imemorial" quando conce-
A celebridade pessoal está associada hoje à publicidade pela imprensa. O
dia uma imunidade ou assinava um decreto. Os monarcas aprenderam com
mesmo pode ser dito com relação ao passado - de um modo que é especial-
os teóricos políticos que estavam "fazendo" leis, do mesmo modo como M. Jour-
mente relevante para os debates sobre as diferenças entre individualismo medie-
dain aprendeu que estava falando em prosa. Mas os membros dos parlamen-
V(ll e renascentista. A existência de materiais de escrita mais baratos incen-
tos e das assembléias também aprenderam com juristas e impressores sobre
tivou o registro individual de biografias e de troca de correspondência
velhos direitos abusivamente usurpados. Tornaram-se mais intensas as lutas
particular. Mas os fatos estritamente pessoais e "efêmeros" só foram conser-
pelo direito de estabelecer precedentes, uma vez que cada precedente se tor-
vados incólumes graças aos prelos e não às fábricas de papel. A própria
nava mais duradouro e, conseqüentemente, mais difícil de quebrar.
"busca da fama" talvez tenha sido afetada também pela imortalidade confe-
A fixidez do texto impresso também permitiu o reconhecimento mais
rida pela imprensa. O impulso de escrever foi manifestado tanto nos dias de
explícito da inovação individual e incentivou o registro de títulos de proprie-
Juvenal como na era de Petrarca. O desejo de ver o próprio trabalho impres-
dade sobre invenções, descobertas e criações. Não foi por acaso, penso eu,
so (fiJ>'.ado para sempre com o próprio nome em antologias e fichários) nada
que a imprensa constituiu a primeira "invenção" a tornar-se enredada num
tem a ver com a vontade de traçar linhas que jamais seriam fixadas de forma
conflito sobre prioridades e pretensões nacionais rivais. Discussões em favor
permanente, ou que poderiam ser perdidas para sempre, se.r alteradas ao ser~m
de Gutenberg contra Co.ster ou Jenson abriram o caminho para disputas pos-
copiadas, ou mesmo - caso fossem realmente memoráveis - tornar-se obje-
teriores do tipo "Dia de Co.lombo". Poder-se-ia contrastar o anónimato do
to de transmissão oral, sendo atribuídas finalmente a um "anônimo". Não foi
inventor dos óculos com as futuras querelas sobre o direito que teria 'Galileu
praticável iniciar o moderno jogo de livros e autores enquanto não se torn?u
de reclamar prioridade de invenção no caso do telescópio. Oue participação
possível distinguir entre compor e recitar um poema,, ou entre escrever e copiar
tiveram os impressores e editores de mapas na atribuição do nome do pró-
um livro, e enquanto os livros não' puderam ser classificados por algo mais
prio Novo Mundo? O modo como foram fixàdos os nomes de órgãos do corpo
que seu incipit. ·
humano ou das crateras da lua também serve como, indicação da maneira como
. São Boaventura, monge franciscano do século XIII, disse que havia qua-
a imortalidade individual podia ser alcançada por meio da imprensa.
tro modos de fazer livros:
Por volta de 1500, já estavam sendo criadas ficções legais capazes de ajus-
tar o patenteamento de invenções e a atribuição de propriedades literárias.
Um homem pode escrever aS obras de outros, sem qualquer acréscimo ou alteração, e
Uma vez que os direitos de um inventor podiam ser estabelecidos legalmen-
nesse caso ele será chamado simplesmente um "escriba" (.1criptor). Um Outro escreve Os
te e que, por outro lado, já não se colocava mais o problema de se manterem
trabalhos de outros, com adições que não lhe são próprias; será então chamado de
intactas as receitas não escritas, a livre publicidade pássava a dar lucro, desde
"compilador" (con1pilator). Um terceiro escreve tanto obras suas como alheias, mas

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dando o principal lugar à all1eia, e reservando a sua própria para fins de explicação; será dus novas línguas vulgares, impõe-se tomar em consideração o formidável ímpe-
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então chamado um "comentador (conzmenlafor) ( ... ] Um último escreve tanto obra sua to· dado pelos impressores, em diversos países, aos movimentos em prol de
como alheia, mas reservando o lugar principal para a sua e juntando a de outros paréi: tradução para o vernáculo.
fins de confirmaçãoi tal homem ·será chamado de "autor" (auclor). Convém ainda considerar que a determinadós termos - tais como: anti-
g·o e moderno, descoberta e recuperação, invenção e imitaçã~ - tal:ez tenham
Essa passagem é notável, não somente por excluir qualquer composição sido atribuídos sentidos diversos, antes que pudessem ter sido registrados de
inteiramente original nesse esquema em tudo mais simétrico, como também modo permanente alguns importantes desvios, com relação aos usos preceden-
pela concepção unitária do escrever que lhe é inerente. Um escritor é um homem tes. "Durante todo o período patrístico e o medieval, a busca da verdade é con-
que "faz livros" com uma pena, do mesmo modo como um sapateiro é um cebida como a redescoberta do que está entranhado na tradição ... não como o
homem que faz calçados sobre uma fôrma. deJcobrimento do que é novo". E muitos estudiosos compartilham este ponto
Muitos dos problemas ligados ao reconhecimento de autoria em "autores" de vista. Deve ter sido muito difícil, na era dos escribas, distinguir entre "des-
1
1
escribas podem resultar de esforços equivocados no sentido de aplicar con- cobrir alguma coisa nova' e "redescobri-la". "Descobrir uma nova.arte' con-
cepções decorrentes da imprensa em áreas onde não são adequadas. O cha- fundia-se facilmente com recuperar uma arte perdida, uma vez que técnicas
mado livro forjado de Hermes é apenas uma das muitas exemplificações e sistemas de conhecimentos mais avançados eram freqüentemente descober-
desse ponto. Quem ucreveu as falas de Sócrates, as obras de Aristóteles, os tos aos s~rem recuperados. Provavelmente, Moisés, Zo~oastro e Toth não
poemas de Safo, ou qualquer trecho das Escrituras? "Deus não foi o autor" tinham de fato "inventado" todas as artes que havia por descobrir. Mas mui-
do texto escrito das Escrituras, afirma o recensor de um livro recente, /Jupi- tas provinham de antigos gigantes, cujas obras tornaram a entrar no Ociden-
ração bíblica. "Quem foi então?" Esta é a nova e radical interrogação levanta- te através de rotas sinuosas, trazendo poucos traços de sua origem, mesmo quan-
da pela pesquisa acadêmica, trazendo até nós séculos de desenvolvimentos e do davam provas de uma perícia técnica notáveL Supunha-se que a ~lguns
a complexa multiplicidade de autoria dos documentos bíblicos, tais como os videntes pagãos tinha sido di\do prever a Encarnação. Talvez lhes tivesse
lemos hoje. Isaías não escreveu o Livro de Isaías. igualmente sido dada pela mesma outorga divina uma chave especial para o
As novas formas de autoria e de direito de propriedade literária solapa- saber, universal. A veneração pela sabedoria dos antigos não era incompatível
ram as velhas concepções de autoria coletiva, de maneira a afetar não só a com 0 avanço do conhecimento, nem a imitação era incompatível com a ins-
composição de textos bíblicos, mas também os ligados à filosofia, ciências e piração. Esforços pàra pensar e agir como o tinham feito os antigo~ ~oderiam
direito. A veneração pela sabedoria dos tempos antigos foi provavelmente sendo talvez refletir a esperança de experimentar um deslumbramento sub1to ou de
modificada, na medida em que os sábios da Antiguidade eram retrospectiva- acercar-se mais ainda da fonte original de um conhecimento puro, claro e certo
mente colocados no papel de autores individuais - isto é, humanamente sus- ~ que estivera até então encoberto pela prolongada noite gótica. .
cetíveis de erros e talvez até mesmo plágio. O tratamento das diversas bata- Além do mais, quando ocorriam inovações sem precedentes, não haV1a qual-
lhas de livros entre "antigos e modernos" provavelmente ganharia com uma quer modo seguro de reconhecê-las, antes do advento da imprensa. Quem
maior discussão sobre esses tópicos. Não deveria ser minimizado o papel dos poderia, com precisão, determinar o que era conhecido - quer de gerações
primeiros impressores nessa famosa querela, posto que eles foram os respon- ~nteriores, riuma dada região, quer de habitantes contemporâneos, em ter-
sáveis por provocar a definição dos direitos de propriedade literária, por criar ras distantes? "Um progresso constante", diz-nos Sarton, "pressupõe a deter-
novas concepções de autoria, por explorar os livros mais vendáveis e por abrir minação exata de cada etapa anterior". Diz ele que o advento da imprensa
novos m.ercados. No início do século XVI, por exemplo, equipes de traduto- tornou essa determinação uma tarefa "incomparavelmente mais fácil", mas
res eram utilizadas para produzir versões vernáculas das obras mais popula- ele talvez tenha ficado aquém do que pretendia dizer. Qualquer determina-
res dos autores romanos antigos e dos humanistas contemporâneos que se expri- ção exata deve ter sido impossível antes da imprensa; o refinamento progres-
miam em latim. Ao discutirmos sobre os debates entre latinistas e defensores sivo de certas artes e técnicas podia ocorrer e ocorreu. Contudo, nenhuma

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técnica sofisticad~ poderia ser estabelecida de modo seguro, registrada per-
positivos mnemônicos foram transmudados em imagens, ritos e encantamen-
manentemente e ameia conservada para posterior recuperação. Antes de ten-
tos misteriosos.
tarmos dar conta de uma "idéia" de progresso, poderíamos observar de mais
Não obstante, a veneração pelo conhecimento antigo que se havia desen-
perto os novos proc~ssos dinâmicos trazidos pela acumulação contínua de regis-
volvido no tempo dos escribas sobreviveu muito depois que desapareceram
tros fixos. A condição de •permanência trouxe como resultado uma nova
ns condições que a haviam alimentado. Entre os seguidores da Rosa-Cruz e
modalidade de mudança progressiva. Em resumo, a preservação do velho foi
um requisito para que se criasse a tradição do novo. da Maçonaria, por exemplo, permaneceu a crença de q.ue a '.'no~a. filosofia"
Na época dos escribas, o avanço do conhecimento havia tomado os con-
é na verdade muito antiga. Descartes e Newton nada mais teriam feito.do que
recuperar a chave mágica dos segredos da natureza, ou~ora conhecida ~os
tornos de uma busca da sabedoria perdida. Após o advento da imprensa, essa
b~sca teve um rápido impulso. Velhos mapas, tabelas e textos, depois de orga- (llltigos construtores de pirâmides, mas posteriormente retirada do mundo laic.o
ou deliberadamente tornada incompreensível por má-fé do clero. Na reali-
mzados e datados, tornaram-se contudo datados em mais de um sentido.
dade, o lndex só veio após a imprensa, e a preservação do. conhecimento
Muitas casas editoras de mapas deram a lume edições realmente novas e melho-
pagão deveu muito aos monges e freiras. No entanto, alguns livres-pensado-
radas de atlas e mapas das estrelas, pelos quais se verificava que os moder-
res iluminados remeteram algumas instituições da Contra-Reforma para a I~e
nos navegadores e observadores do universo sabiam muito mais sobre os céus
e.ª terra do que os ~ábios da Antiguidade. "Um simples marinheiro de hoje",
das Trevas gótica e transformarain Zoroastro num discípulo de Copérmco.

~1sse.Jacques Cartier, em Brie/ nqrration, de 1545, "aprendeu por real expe- Analogamente, depois que a imitação foi separada da '.nspiração, e a cópia da
composição, a experiência de reviver a cultur~ c~áss1ca tornou-se. cada vez
nênc1a o oposto do que ensinam os filósofos". Edições novas e melhoradas
mais árida e acadêmica. A busca das fontes pnmanas, que antes s1gmficava
de antigos textos também começavam a acumular-se, revelando a existência
beber em águas cristalinas, passon a associar-se a um pe~antis'.°o ressequi-
de mais escolas de filosofia antiga do que se havia sonhado até então. Ata-
do. Nem por isso ficou comprometida a rep~tação. de ~n~g~s vident~s, bar-
ques desfechados aqui e ácolá contra uma autoridade pelos que favoreciam
dos e profetas. A herança de seu manfo m~1co sena re1vin~1Cad_a m:is tarde
uma outr~ ~cabara'.11 ~ornecendo munição para um assalto global contra qual-
quer espec1e de op1mões consagradas. pelos românticos, que reorientaram o significado do tenno ongmal , busca-
ram inspiração no oculto e tentaram ressuscitar as artes dos escribas na época
As partes incompatíveis das tradições herdadas podiam agora ser deixa-
das de lad~, em parte po~que a tarefa de preservação se tornara menos urgen-
da imprensa. Até mesmo o tema da "decomposição da natnreza", an.tes inti:
mamente ligado à erosão e adulteração dos escritos da era dos esc;1bas, fm
te. As atividades de copiar, memorizar e transmitir absorviam menos ener-
retrabalhado e reorientado por sombrios profetas modernos, que JUigaram
gias. Os livros de referência de uso corrente já não saíam tremidos ou borrados
defrontar-se c.om uma "tecnologia descontrolada" e acharam que o regresso,
com o correr dos tempos. O ritmo e a rima, as imagens e os súnbolos deixa-
e não o progresso, caracterizava a sua época.
ram de preencher sua função tradicional de preservar a memória coletiva. Uma
vez ~ue as info;inações técnicas podiam ser transmitidas diretamente, por meio
de numeros, diagramas e mapas exatos, a experiência estética se tornou cada Amplificação e reforço: a persistência dos
vez mais autônoma. Embora os livros sobre as artes da memória tenham se •estereótipos e das divisões sociolingüístirns
multiplicado após o advento da imprensa, a necessidade de recorrer a essas
Mnitos outros temas que haviam feito parte da prática de escrever no
artes. reduziu-se. Os. sistemas dos escribas, elaborados em forma impressa,
período dos escriba;;, avulsos das cultnras vivas que os moldarain, passavam
termmaram por petnficar-se, e somente nos dias de hoje estão sendo reuni-
~os pela pesquisa moderna, como se fossem resíduos fósseis. Desapareceram às páginas impressas como "tipologi":s". Com o correr dos tempos, certos
arquétipos foram convertidos em estereó~p~s - na fó~i:'ula de M:,rton, p~­
1gu~mente ~s fó:mulas especiais que haviam ajudado a preservar receitas e
sou-se da linguagem dos Titãs para os chches dos namcos. TaJito estereoh-
técmcas no mtenor dos círculos fechados de iniciados. Alguns restos de dis-
_po" como "clichê" são termos oriundos de processos tipográficos desenvolvi-
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dos três sé~ulos e ~eio ap6s Gutenberg. Eles npontam, contudo, para outras guas vernáculas não eram sempre as mesmas. E, o que é mais importante,
car~cterfaticas gerais da cultura associada à tipografia que merecem conside- tninbém eram compostos em tipos e fixados permanentemente documentos
raçao mrus atenta. Durante os últimos cinco séculos, a disseminação de novas inteiramente diversos, tais como crônicas dinásticas, municipais e eclesiás-
mensagens também acarretou a amplificaçãÔ e o reforço de mensagens velhas. ticas, juntamente com outros produtos das culturas locais, alguns orais,
Refiro-me aos efeitos produzidós por uma repetição cada vez mais freqüênte, outros remontando aos manuscritos dos escribas. No início do século XVII,
de capítulos e versos idênticos, de anedotas e aforismos extraídos de um limi- a mistura de red gutae regionais da Idade Média com distintas fontes clássi-
tadíssimo número de fontes manuscritas. Independentemente da republicação cas e das Escrituras já havia implantado estereótipos nitidamente diversos
constante das obras clássicas e bíblicas ou das mais antigas obras vernácula dentro de cada literatura vernácula. Ao mesmo tempo, é claro, também se
'd . ~
tem haVJ o uma mconsciente colaboração entre inúmeros autores de novos expandia uma &Jpublica Litltrarum mais cosmopolita. Mens~ge~s em la~
livros ou artigos. Durante quinhentos anos, esses autores têm coincidido em (e, mais tarde, em francês) eram disseminadas para um público '."ternac10-
transmi~ir algnmas velhas mensagens com uma freqüência crescente, mesmo nal cruzando as fronteiras lingüísticas. Os autores de textos técmcos desen-
que esteJain relatando, cada um por si, eventos recentes, ou desenvolvendo idéias volviam ao mesmo tempo um meio ainda mais eficaz de ultrapassar as bar-
novas. Assim, por exemplo, se calhar que essas mensagens contenhrun uma reiras lingüísticas. Formulações matemáticas e pictóricas levavam mensagens
s6 ,re~erência, por fugaz que seja, à heróica resistência dos espartanos nas Ter- idênticas aos virtuodi e aos correspondentes científicos em toda parte, sem
mopilas, uma centena de relatos sobre distintas campanhas militares fixará a necessidade de tradução. Embora uma parte considerável do público ledor
descrição de Heródoto ~a mente do leitor, que passa a visualizar tais relatos já tivesse, no século XVIII, sido alcançada não só por publicações eruditas
com u~ impacto multiplicado em cem representações distintas. Qualquer em latim, como por uma vigorosa imprensa em francês e pela correspondên-
rela~o diferente de outras campanhas será recebido somente uma vez. Na cia epistolar científica, essas distintas culturas cosmopolitas literárias não
medida em que os mat:riais impressos proliferam, esse efeito se torna mais pro- tinham a mesma força de ampliação das diferentes línguas vernáculas. Por
nunciado. Quanto mrus amplos forem os horizontes do leitor no momento tão isso, as mensagens recebidas do exterior em língua estrangeira só reforça-
'."ais freqüente será o encontro com a versão idêntica, e mais profunda a vam de modo intermitente e ocasional as referências compartilhadas que
llllpressão por ela deixada. Como, em sua maioria, os escritores costumam ser haviam sido aprendidas em casa, na língua familiar.
Pru:ticularmente inclinados a um largo espectro de leituras, disso resulta um Por outro lado, a fixação de fronteiras religiosas que não coincidiam com
efeito "realimentador" multiplicado. Na hora de cunhar citações familiares, des- as fronteiras lingüísticas no século XVI teve um efeito poderoso sobre a fre-
~rever '.'Pi~ódios cotidi'."'os ou criar símbolos ou estereótipos, os antigos (isto qüência com que certas mensagens for= transmitidas. Por exemplo: nas regiões
e: os prlllleiros a serem impressos) ganharão geralmente a preferência em detri- onde predominavam culturas católicas, as passagens extraídas de traduções
m:n_:o d?s modern~s. Quantas vezes não foi repetida até hoje a famosa des- vernáculas da Bíblia eram disseminadas de modo mais esparso e tênue do que
cr'.çao fe~a.por Tácito dos Teutões amantes da liberdade, desde que se desco- o eram nas áreas protestantes. O abandono do latim eclesiástico nas regiões
brm um umco manuscnto da obra Germania, num convento do século XV? E, protestantes tornou possível fundir tradições eclesiástic":' e dinásticas nos rei-
pergunt~ e~, em ~~autos outros conte)(tos diferent.es - anglo-saxão, franco nos protestantes de modo mais íntimo do que nos cató.hcos - fato.que con-
on germamco - Jª apareceu essa mesma descrição? vém observar, quando se considera como foram resolvidos os conflitos entre
~freqüência com que qualquer mensagem era transmitida dependia pri- Igreja e Estado nos diferentes países. Finalmente, a penetração social da
manamente da fixaçã~ de fronteiras lingüísticas literárias. Um tipo partícu- alfabetização, que não seguia por toda parte as mesmas fases, a difusão segun-
la: de reforço.acontecia quando se reaprendia a língua-mãe durante 0 apren- do um quadro um tanto aleatório dos hábitos de leitura, a distribuição irre-
~1zad~ da ,!e1tu.ra. ~a ~o mesmo sentido a amplificação progressiva de gular de livros novos, mais caros e de reimpressões baratas de velhas obras
m.emonas nac1ona1s diversamente orientadas. As parcelas de uma cultura entre diferentes setores sociais, tudo isso afetou a freqüência com a qual
latma herdada que eram traduzidas num dado mo~ento para diferentes lín- mensagens diversas foram recebidas nos distintos grupos lingüísticos.

106 ](}7
···········4·.

AEXPANSÃO DA REPÚBLICA DAS LETRAS

Aampliação do público leitor

U ma vez que nos é bem conhecida a diversidade religiosa, lingüística e socio-


econômica dos leitores europeus, torna-se difícil imaginar o que tinha
em mente Marshall McLuhan, quando escreveu sobre a "formação do homem
tipográfico". Ao chamar nossa atenção para a possibilidade de que o adven-
to da imprensa pudesse ter conseqüências sociais e psicológicas, penso que
McLuhan prestou um bom serviço. Mas ele também deixou de lado intera-
ções múltiplas que transcorreram sob a ação de circunstâncias que estavam
em ampla mudança. Ao admitirmos que a substituição do discurso oral pela
varredura silenciosa das linhas e a substituição dos contatos face a face por inte-
rações mais impessoais tíveram provavehnente conseqüências importantes,
teremos de aceitara decorrência de que precisamos pensar de modo menos meta-
fórico e abstrato, e mais histórica e concretamente, sobre as .diversas modali-
dades que decorreram, e sobre o modo como diferentes grupos foram afeta-
dos. Mesmo à primeira vista, os dois tópicos parecem ser muito complexos.
Não nos deteremos muito sobre uma polêmica que atraiu as atenções
recentemente, a saber, a demonstração, feita por Paul Saenger, de que hábi-
tos de leitura silenciosa já se desenvolviam durante a Idade Média. Hoje está
claro que McLuhan (e os estudiosos em quem ele se baseou) exageraram a
importância do caráter oral dos intercâmbios medievais, e que atribuíram equi-

109
vocadamente à imprensa a bil.1d d
leitura silenciosa que já se h::spoi;;a ~ lela i.ntrodução de hábitos de
7 livros baratos e folhas de baladas multiplicados anonimamente para distri-
alfabetizados, na era dos escri~= ~e:~ v1 o n? mtenor de alguns grupos buição por mascates. Desse modo, pode-se dizer que, com base na produção
leitura silenciosa ela incent' · · n dao,, se a 1?'prensa não introduziu a em massa de arcaicos romances medievais em vernáculo, uma tênue cultura
' Ivou um uso ca vez · · d u
res silenciosos que hoje levam mai 1 d mais mtenso os professo- "popular" estava sendo produzida muito antes do advento da imprensa a vapor
p~avras de um professor de medi:in:nJ: sé~~:e~Vralestras públicas" \n~s e dos movimentos literários em grande escala do século XIX. A maior parte
to Já era anterior a Gutenberg • d' .. . . . . ). Mostrar que o habi- dessa produção, contudo, era consumida por um público ouvinte, separado
nao 1mmm a import' · d f d
se tornou, após o salto do manuscrito . anc1a o ato e que ele por um abismo psicológico de seus contemporâneos capazes de ler.
salador e c~d~ v~z mais meticulosame~~::i:!:~:~~~~: vez mais avas- O distanciamento entre o novo modo de produção e as velhas modalida-
Mesmo ms1stmdo sob . · des de consumo é apenas uma das muitas complicações que requerem mais
supor, como o fizeram .:r:~~~~:nto, prec1sare~os ter o cuidado de não pres- estudo. Membros de um mesmo público leitor que se defrontaram com a mesma
hábitos de leitura silenciosa levou i:~~:~e=:::s~ ;:; a _di~eminjão ~os inovação na mesma região e na mesma época forain por ela afetados de modos

vra falada!. Apesar do êxito crescente da indústria de li:i:~e ;e:~


que aspa estras em aula jamais feneceram Os -
ªl: ª:
- . ' o a oe
nitidainente diversos. Por exemplo, a impressão da Bíblia, como a discussão
em capítulos seguintes sugerirá, provocou tendências tanto no sentido do moder-
não afastaram os pregadores d úl : sermoes e oraçoes lffipressos nismo co;,,o no do fundamentalismo. A pornografia e a devoção religiosa toma-
bunas. Ao contrário tant. e se~s P pJtos, nem os oradores de suas tri- ram novas formas. A leitura de livros não se limitava a manuais e textos ou
dos pelo modo com; seu :a~s sacer ate~ c~~o os tribunos foram beneficia- a guias para uma vida devota, do mesmo modo como os impressores não se
do pela palavra impressa. sma pessoa po e ser aumentado e engrandeci- restringiain a produzir esses gêneros de trabalhos. O mesmo silêncio, a mesma
A utilização mais freqüe t d bli .· • . . solidão e as mesmas atitudes contemplativas, até então associadas à devoção
da o caráter de algu ai n e e pu. caçoes silenc10sas alterou sem dúvi- espiritual, acompanhavain agora a leitura atenta de folhas de escândalos,
Parlamento mas P avras esc.ntas. Os diálogos entre os membros do "baladas lascivas", "livros joviais da Itália" e outros "contos corruptos em Tinta
de se impr~fr:~e:::~:t!;~:~:~:~!:'.::v~el~~?te :Fetados pela prática e Papel". Não havia o desejo de afastar-se de uma sociedade mundana ou da
teatrais e canções alterou o modo co "!.' h p~ icaçao de poemas, peças cidade do homem; uma curiosidade gr~gária sobre eles podia ser satisfeita
d mo as m as passaram w - , .
0
~:n~~;~::; :~:~:~:s P~r algu~s "disc:::::~;::~~~
por meio de um exame silencioso de revistas, gazetas ou boletins. As quei-
cpantadas. um lado, xas sobre o "silêncio mal-humorado" de leitores de jornais nos cafés do século
r . ara serem impressos sem) . · t 'd
rendas; por outro a bl' 'd d . ' . . amais erem s1 o pro- XVII revelam os efeitos invasores dos materiais impressos sobre algumas for-
• ' pu ICI a e Impressa permJtIU que OS ev: j'
d emagogos prancassem as art tr d' . . . ange istas e mas de sociabilidade.
auditório am r d es ª. lCIOnais em lugares abertos diante de um Depois que a comunhão com o jornal de domingo substituiu a ida à igre-
modo levada ~o~ao:~~omsaec~tura htlehrária,. criada pela tipografia, era desse ja, há uma tendência a nos esquecermos de que, em certa época, os sermões
, nao aos o os pelas c h' . ·
tório e círculos de leitura P 't' N h ' r . ompan ias teatrais de reper- eram acompanhados de notícias sobre assuntos locais e estrangeiros, transa-
oe 1ca. en umarór j · 1 d ,
as modificações refletidas por essas novas at' 'dmadu a Slffip es po era abarcar ções imobiliárias e outras matérias mundanas. Com a chegada da imprensa,
p d d' IVJ es. . contudo, a coleta e circulação de notícias passaram a ser tratadas com mais
o e-se izer o mesmo com rela ão ao d0
mdo c o~o foram afetados os dife-
rentes grupos. A maioria dos ç
1
camponeses as a de1as P
ve1mente pertenceu, até o século XIX 'bl'
1
' fr ~xemp o, prova-
eficiência por mãos leigas. Como já observavam os contemporâneos, havia
semelhanças entre a atmosfera dos cafés e a das reuniões das seitas heréti-
te. No entanto, o que eles ouviam tinha si;oum pu ico exc us1vamente ouvin- cas. Só que os inveterados fumantes dé cachimbos que freqüentavam os pri-
pela imprensa dois séculos antes s· 'em numerosos casos, transformado meiros davam muito pouca importância a assuntós relativos ao além-mundo.
tituído pelos raríssimos aldeões ·al;n;; =qdue o conl~ador de histórias foi subs- Devemos ter tais considerações em mente,.quando pensarmos'.em "seculari-
a e a os que iam em voz alta pilhas de zação" ou "dessacralização" da cristandade ocidental. Porque em todas as
IIO
lll
regiões (para irmos além do século XVIII, por um momento), 0 púlpito foi
fin:lm~nte desloca~o pela im~rensa periódica, e a expressão "nada é sagra- gens impressas em qualquer lugar ainda exigia um isola~ento temporári~ -
como acontece hoje numa biblioteca. A idéia de que a sociedade pode ser vista
do ve10 a caractenzar a carreira do Jornalista. Imprensados contra "a furio-
como um conjunto de seres discretos, ou de que o indivíduo precede o grupo
sa coceira ela novidade" e a "sede geral de nÓtícias", todos os esforços feitos
por católicos moralistas, católicos e evangélicos protestantes,. inclusive as social, parece ser mais compatível com um púb~co ledo~ ~o que co~ uma pla-
escolas dominicais e várias outras medidas sabatistas, se viram fadados ao insu- téia de ouvintes. A natureza do homem como ammal político passana a enqua-
cesso. A gazeta mensal deu lugar ao periódico semanal, que foi substituído drar-se menos dentro dos modelos clássicos, depois que os tribunos do pov~
deixaram de ser oradores em praças públicas para se transformarem em edi-
pelo jornal diário. Mais e mais jornais de província eram fundados com cor-
0 tores de folhetins infonrativos e de gazetas.
rer do tempo. Lá pelo fmal elo século, os devotos bisbilhoteiros já podiam mui-
Mesmo quando a solidariedade comunitária diminuía, a participação vicá-
tas vezes ficar sabendo de assuntos locais lendo silenciosamente as colunas
da imprensa, em casa. ria em eventos mais distantes era realçada; analogamente, mesmo quando se
viam enfraquecidos os vínculos locais, começavam a forjar-se ligaç_ões cor~ out~as
A substituição do púlpito pela imprensa é significativa não somente em
rela~ão :o processo de s~cularização, mas também porque aponta para uma unidades coletivas de âmbito mais amplo. A difusão de maténas escritas m-
centivou as adesões silenciosas a causas cujos patronos não poderiam ser lo-
explicaçao elo enfraquecimento elos vínculos éomunitários locais. Para ouvir
calizados' em qualquer paróquia definida, porque se dirigiam de longe a um
um discurso ser proferido, as pessoas têm de reunir-se; a leitura de relatos
impressos estimula as pessoas a se isolarem. "O que os oradores de Roma e público invisível. Novas formas de identidade de grupo começavam a conc~r­
rer com vínculos mais antigos e mais localizados de lealdade. As populaço~s
Atenas eram no meio de um povo reuniíJo'; dizia Malesherbes, num discurso
urbanas foram não somente dilaceradas, mas tiveram seus segmentos reum-
de 1775, "os homens de letras são hoje nomeio de um povo íJiiperJo". Sua obser-
dos em novos arranjos, por força de canais de comunicação '."ais impe~soais.
~ação sugere como o deslocamento nas comunicações pode ter alterado o sen-
t1d~ ~o ~ue si~nificava p".rticipar de negócios públicos. A larga distribuição A troca de bens e serviços, as transações imobiliárias, os serviços de candade,
tudo acabou sendo afetado. Nas funções cívicas e assuntos municipais apre-
de 1dent:Jcas migalhas de mfonnação constituía um elo impessoal entre pes-
soas que se desconheciam. sença física em eventos foi sendo progressivamente suplantada por .uma parti-
Por sua própria natureza, um público constituído de leitores não era cipação indireta. Cópias baratas de e.stampas ~agnífic~ com,emoratlvas de c:_r-
tas cerimônias cívicas, como as procissões reais, permrbr~ as pessoas que nao
somente mais disperso; era também mais atomizado e mais individualista do
arredavam o pé de casa participar da experiência das festividades "~úblicas''.
que um público de ouvintes. A fun de captar melhor esse contraste, Walter
On~ ~u~er~ que imagin~mos um orador que, tendo diante de si uma platéia As feições características do n:onarca e dos membros ~e, s.eu seqmto tor·
~ue J~ d1spoe de textos, mterrompe sua fala e pede a seus ouvintes qne leiam naram-se mais nítidas para os súditos espalhados pelo temtono de um dete~­
s1lenc10samente uma determinada passagem textual. Quando os ouvintes minado reino. A circulação de impressos e gravuras permitiu à dinastia rei-
voltam a encará-lo, a platéia assim fragmentada tem de ser transformada de nante impor, de um modo novo, uma presença pessoal na consciênc_ia da mass~.
novo numa coletividade: Do mesmo modo como um sentimento tradicional Ainda precisa ser mais bem avaliado pelos cientista~ polític?s o efeito da dupli-
cação de imagens e retratos dos monarcas, os quais, depms de em~l~urados,
de comunidade exigia a reunião freqüente de pessoas para receber determi-
nada i;iensagem, é provável que esse sentimento se tenha enfraquecido com acabavam pendurados nas cabanas dos camponeses, p~la Europa cato~ca afora,
a d~phcaç~~ ~e n;ens.agens idênt!cas, _qne deslocava toda a importância para
juntamente com as imagens de santos e ícones. A vanedad~ e quant:Jdade d~s
o leitor sohtar10. E evidente que hvranas, cafés e salões de leitura constituíam adeptos de um determinado líder, bem como o alcance na~10nal de seu c~f!S­
ma, constituem, de qualquer modo, subprodutos possíveis dos novos siste-
novas modalidades de locais de encontro coletivo. E, no entanto, as listas de
subscrição e sociedades de correspondência da época revelavam formações mas de comunicação, e como tal mereceriam ser mais explorados. O estudo
de grupos relativamente impessoais, ao passo que orecebimento de mensa- de Joseph Klaits sobre os esforços de propaganda de Luís XIV mostra como
desde cedo os soberanos exploraram deliberadamente os novos prelos:
112
llJ
Estaimagell)- dos fogos de artiHcio que celebraram a chegada do conde de Leicester a Haia, em 1586,
demonstra co1no a imprensa permitiu. às pessoas que não arredavam -0 pé de casa imaginar de que
modo transcorreran1 as festividades "públicas". Extraída de Jacob Savery, Delincatio pompae triwnpha-
li..i qua Rnbertu.J lJ1ul!aeud conu..J ÚÍCNlren.1iJ Ifagae Comitúfuit e.rceptuJ (Haia, 1586, Chapa 11). Repro-
duzida mediante gentil permissão da Folger Shakespeare Library.

um episódio da mesma épocai sintomático da importância que o cardeal Richelieu atri-


buía à imprensa, nos seus desígnios de fortalecimento do poder do Estado.

Representação de. uma entrada real destinada a viajantes de gabinete Extraída de La ; _.:> :t:
Como nos sugerem essas referências a Richelieu e Thomas Cromwell, e
que entr!e de MoMe' p, ;,·:1 _-_1 ' joyeuJe ô nwgnyt-
mesmo realçando a maior visibilidade ganha por determinados monarcas, pre-
tgneur rancoyJ, UJ oe France.. , en Ja Lred renOJnée vil/e d:í'l1werJ (A al . & 'fi
trada do senhor Francisco filho de l<'ran . f' . egre magn1 1ca en- cisamos observar como foram se ampliando os poderes das autoridades e buro-
' ça... einsuamu1to amosac1dacledeAntu' ·) (An , . .
topher Plantin, 1582, Chapa 5). Reproduzida n1ediante gentil permissão da Foi erpS>ahal tuerp1aL·''Cbhns- cratas, depois que os regulamentos governamentais foram afetados pelos
ger cespeare 1 rruy.
poderes multiplicadores da imprensa. A expansão dos estados-leviatã provo-
Os príncipes, que até então só haviam utilizado os incômodos me't d d . cou, como seria de esperar, medidas retaliatórias por parte de parlamentos e
· o os o manuscrito
para comunicar-se com seus súditos1 aderiram rapidamente à impren . assembléias. As tensões tradicionais entre a corte e as regiões rurais, ou entre
d l N d . sa para anunc1ar
ec araçoes e guerra, divulgar relatos de batalhas promulgar tratad d b a coroa e os segmentos do povo, eram exacerbadas por guerras de propagan-
. ' osoueater
~ssuntos mais controversos, sob a forma de panfletos. Eram esforços no sentido de [ J da. Como resultado da circulação mais ampla de modelos de petições e listas
vencera · l' · ...
guerra ps1co ~g1ca que preparava e acompanhava as operações militares,, dos de reivindicações, as demandas provinciais passaram a caracterizar-se por um
monarcas[... ] A coroa mglesa, sob Henrique VIII e Thomas Cro 11 til' .
t . mwe , u IZOU-se SIS- grau maior de uniformidade.
ematicfamente tanto do Parlamento quanto da imprensa para conquistar o apoio públi-
co em avor da Reforma [...] Recentemente, alguns historiadores começaram a abandonar, por consi-
Na França, a regência de Luís XIII assistiu à última reunião dos Est d G .
derá-los infrutíferos, os velhos debates sobre a "ascensão" de uma nova clas-
tes de 1789· 1 b. · a os era1s an- se ao poder político, nos albores da Idade Moderna. Preferem eles, em vez
, e a~: ~m viu a :~ndação da primeiro jornal patrocinado pela realeza na
Europa. A substitmçao da volatil assembléia pela controlada ,.,"'"" ai . . disso, fixar-se na reeducação e no reagrupamento de elites governamentais
-J u.,..,,.uie seman constitui
mais antigas ~ e com isso têm desencadeado novos debates. Acredito que as
114
115
duas linhas de investigação poderiam ser harmonizadas e ser levadas adiante,
so, e terminando, talvez, com os redatores dos jornais que tomaram.ª si o
se as conseqüências da imprensa recebessem mais atenção.
governo da França em 1848. "Os homens de letras tendem a ser considera-
dos como porta-vozes dos interesses de todas as classe~, excetuada a deles,
em grande parte porque se silencia o poder crescente da imprensa como força
Aascensão de uma nova classe de "homens de letras"
independente na Europa do começo da Era Moderna." Ainda per1'.1anecern
indefinidos os valores que eram comuns aos membros da Comumdade do
Além do reagrupamento de velhas elites e de um sentimento mais vivo
de ~~nscien~zação política entre os burgueses letrados, os historiadores
Saber e das instituições que erain peculiares à República das Letras. Está
bastante claro que as "Notícias da República das Letras:, tal com~ ~.di~adas
soc1a1s deven~ também levar em consideração a formação de novos gru-
por Pierre Bayle, vinbam de Rotterdaiu, cidade que tambem ofe_rec1a o ~IC.o
pos comprometidos com a produção e distribuição de materiais impressos.
patrono de que Bayle pr~,cisava", a saber, Re'.n~r Leers, seu ~ditor. Este ulti-
Apesar de toda a atenção dedicada aos "intelectuais alienados" na Inglater-
mo conseguia manter-se, por sua vez, graças a liberdade rel.atJva ~e q~e goza-
ra dos Tu~ors e Stuarts, ou à"deserção dos intelectuais" na França dos Bour-
vaiu os impressores holandeses e à existência de um público leitor 1~terna­
bons, mmto pouco se escreveu a propósito da ascensão dos intelectuais como
cional suficientemente amplo". Também está claro que a língua dos habJtantes
uma classe social distinta. Ainda está por ser avaliada corretamente a real
distânci~ que separava os mais eminentes heróis da cultura, como Erasmo da República das Letras, no curso do século XVII, deixou de ser o latim_ e
passou a ser o francês. Sua principal cidade ~o ~éculo XVI!!, contudo, nao
ou _\'"oltaire, dos artistas da pena anônimos. Aliás, até mesmo 0 próprio apa-
era Paris ou Rotterdam. De acordo com a ma10na das autoridades no assun-
recrn:ento desses relegados profissionais da pena, no início da Idade Moder-
to, era Amsterdam, cidade que já dera os primeiros jornais aos europeus e
na, amda espera por seu historiador. Vários estudos fascinantes de Robert
que continuaria a fornecê-los a seus leitores na França, até às vésperas da
Darnton trouxeram luz à chamada "literatura de baixa extração", na Fran-
~a d~ ~éculo XVIII, e o papel estratégico desempenhado pelos carreiristas Revolução Francesa.
Deve-se deixar, contudo, uma margem de incerteza, quando se tenta
hterar'.os frustrados, ao traduzirem as doutrinas iluministas em ação políti-
localizar o quartel-general dessa "República" ou q.uando se ~u~c.a traçar suas
ca radical. Por outro lado, alguns estudos esparsos, dedicados à Veneza do
fronteiras em mapas reais. Este ponto sempre f01, desde o m1c1~, um terre-
século XVI ou à Londres elisabetana, já nos permitem entrever cenas de uma
no esquivo, muitas vezes deliberadamente ':'isterioso. Se~s hab'.t~ntes rara-
subcultura à parte, associa:Ja ao submundo literário. Mas o quadro comple-
mente usavam os próprios nomes ~ prefermdo-lhes versoes latm1z~ntes ou
to, aquele qu~ nos facultaria ~ ne~essária perspectiva sobre os eventos que
gregas, mais elegantes quando não escondiam sua identidade prop.os1talmen:
marc~ram o secul~ XVII frances, ainda está por ser esboçado. O mesmo pode
te, por detrás de pseudônimos vernáculos ou do completo anommato. Ate
ser dito com respeito ao desenvolvimento de um lucrativo mercado de livros
mesmo os colofões dos impressores a quem os autores confiavam suas obras
e o surgi~ento de mercados negros para livros proibidos. De novo, é possí-
freqüentemente refletiam não o desejo de atrair potenciais clientes ~ lojas
vel colber miagens desse fenômeno em estudos sobre tópicos variados - desde
(como fora o propósito usual dos primeiros colofões), mas o de despistar as
o contrabando de bíblias em vernáculo, no início do século XVI, até com-
0 autoridades e evitar as multas ou a prisão. Certas indicações de "Utopia" ou
p_ortam~n~~ evasivo de _Galileu ante as autoridades que o colocaram em pri-
"Cosmópolis'', comó local de impressão, aju~araiu ~ difu~dir esses novos ter-
sao dom1cil1ar. Mas as dimensões reais do tema permanecem submersas corno
mos, mas por outro lado reforçaram o sentJdo de 1rreahdade e descompro-
se ele fosse um gigantesco iceberg. Somente o topo é visível - definido em
misso com a prática associado à circulação de idéias. E, no. entanto, os que
termos vagos, em debates sobre o significado da literatura incendiária na Fran-
se beneficiavam das novas carreiras agora abertas aos escritores talentosos
ç~ pré-revolucionária. Da mesma forma, ainda está por ser contada a histó-
não eram precisainente espíritos desencarnados que tivessem de se materia-
ria da ascensão de um "quarto estado", começando com os extremamente
lizar para ser acreditados. Eram seres humanos complexos, de carne e osso.
versáteis grupos ocupacionais ligados ao incipiente c"omércio do livro impres-
(Foraiu necessários quarenta e poucos volumes, em meados do século XVIII,
116
117
para cobrir a vida dos mais célebres habitantes da "República das Letras".) demasiado crédito às imagens trazidas por artistas literários. Na verdade, o
Além do mais, fundições, oficinas e escritórios, todos muito concretos, foram advento de uma sociedade "industrial" é tido, mais freqüentemente do que
c,o~struídos para ate~der às necessidades d~sse reino presumivelmente fic- deveria, como responsável por condições que havia~ si~o geradas ~e!~
tic10; haVIa lucros reais, que eram obtidos pela exploração dos talentos que impulso de uma revolução então em curso nas comumcaçoes. Dede o rn1-
graVItavam em torno deles. cio, a idéia de autoria esteve estreitamente ligada à nova tecnologia. Como
Muitos dos primeiros líderes das indústrias impressoras, então em plena sugerem Febvre e Martin, constitui um "neologismo" usarª-ex?ressão "ho-
expansão, revelaram uma astuciosa combinação de sentido prático e prefe- mem de letras" antes do advento da imprensa. A figura romantica do mece-
rência aparentemente idealista por lugares como "Cosmópolis" ou "Utopia" nas aristocrata ou nobre contribuiu para obscurecer a figura do antigo em-
(para não falar de Eleuthera e Filadélfia). Paradoxalmente, os prelos que acen- presário capitalista, mais para plebeu e. prosaico, que tinha de contrat~r
diam as chamas das controvérsias religiosas foram os mesmos que criaram especialistas, tradutores, compiladores, editores de texto e o~tros, qu~ndo ,nao
c~ndi~õe~ mais propícias à harmonia e tolerância ecumênicas; por outro lado, se desincumbia ele próprio de todas essas funções. O fato e que, ate o secu-
a rndustna que, no plano glob<tl, fixava de modo mais permanente as fron- lo XVIII o autor tinha uma situação de semi-amador: em parte, porque os
teiras religiosas, <1'.n~sticas e lingüísticas era a mesma que também operava copistas )amais tinham de fato pago coisa alguma àqueles cujas obras copia-
com grande lucratiVIdade ao explorar as potencialidades dos mercados cos- vam; em parte porque os livros novos constituíam uma fração peq~e~a do
mopolitas. Também paradoxalmente, essas mesmas firmas trouxeram contri- incipiente comércio de livros; e finalmente porque as ~iVIsões da at.lVldade
buições significativas ao ensinamento cristão, ao receber em suas casas e literária ainda estavam algo fluidas. Durante todo esse mtervalo, os rmpres-
lojas ta~t~ infiéis judeus e ~rabes, como gregos cismáticos e um grande núme- sores faziam as vezes de patrocinadores de seus autores, ou agiam como seus
ro de dissidentes estrangeiros. A formação de empresas familiares poliglotas próprios autores, mas sem deixar de buscar patrocínio, privilégi~s e favore.s
em centros urbanos esparsos no continente é indicada pela existência de gru- dos meios oficiais. Nessa época, os homens de letras e de estudos tinham mm-
pos associados às firmas de Daniel Bomberg ou de Aldus Manutius, em tas vezes um grau de conhecimento das técnicas de impres~ão e das rotas co'.'1~r­
Veneza; dos Amerbachs ou Oporinus, em Basiléia; de Plantin, em Antuér- ciais bem mais profundo do que os observadores de ho1e tendem a admilrr.
pia; ou dos Wechels, em Frankfurt. Durante o século XVI tais oficinas Karl Mannheim vê a intell(9entJia, a elite cultural, como especialmen-
impr~ssora~ .eram "casas internacionais" em miniatura. Propo;cionavam aos te destituída de "acesso direto a qualquer segmento vital e operante da
estudwsos itinerantes, ao mésmo tempo, um local de encontro, um domicílio sociedade".
postal, um santuário e um centro cultural. A nova indústria não estimulou
s?mente a formação de associações profissionais e extensas redes de negó- O gabinete isolado e 0 grau de dependência em relação a matérias impressas só permi-
c10~, semelhantes às formadas por mercadores engajados no comércio de tem uma visão derivada do processo social. Não é pois de estranhar que a esse segmen-
tecidos ou em outros empreendimentos de larga escala, no início da Era to tenha passado despercebido por tanto témpo o caráter social das mudanças [...] O
Moderna. Estimulou ainda a criação de um ethoJ especificamente associado proletariado já havia reformulado sua própria visão do mundo, quando esses retarda-
à Comunidade do Saber ~ ecumênico e tolerante, embora não secnlar; sin- tários entraram em cena.
ceramente piedoso, apesar de oposto ao fanatismo; muitas vezes combinan-
do sna própria fidelidade íntima a crenças heterodoxas com uma conformi- Para Mannheim, "a ascensão da intel/igen&ia marca a fase derradeira do cres-
dade externa com as igrejas estabelecidas. cimento da consciência social". No meu entender, contudo, ele começou pelo
Alguns estudos recentes focalizaram as numerosas tensões criadas para fim. Em sua grande maioria, os habitantes da República d~s Letra~ no sécu-
os autores pela expansão dos mercados literários após o advento da impren- lo XVI gastavam parte considerável de seu tempo nas ?,ficmas .dos rmpresso-
sa. Apesar ~e~ses estudos, contudo, existe uma tendência, quando se discu- res. Achavam-se, portanto, em contato direto com um setor vital e ope.ran:e
te a comerciahzação das 6el/eJ !ettru ou o desaparecimento do mecenato, a dar da sociedade". Não eram raros, na época de Erasmo - nem da de Ben1amm

11S //9
Franklin - , os autores que" compunham" sua obra com um componedor nas
mãos. Com efeito, a simplicidade dos prelos primitivos permitiu a homens de
letras americanos agir como seus próprios impressores - assim como os
humanistas italianos, tinham atuado como s~us próprios escribas.

Uma pessoa alfabetizada - homem ou mulher, aliás - que tenha em mãos um exem-
plar dos Mechanick exerc/Ju (Exercícios mecânicos), de Moxon (1683), podia aprender
sozinho(a) aquele ofício, do princípio ao fim. A simplicidade de operação não era con-
siderada como um fator de primeira importância em Londres [... ]Mas era de impor-
tância crucial nas províncias e colônias, onde eram pequenas as casas impressoras, e bem ;f

poucos os oficiais impressores. Nunia delas, quando isso era necessário, um profissio-
nal competente podia preparar a tinta, compor sua folha na caixa de tipos, operar ele
próprio a prensa, secar as páginas e até mesmo levar os impressos pessoalmente às taver-
nas e cafés vizinhosi para venda e distribWção, caso não contasse com um aprendiz· ou
não conseguisse um menino que fizesse isso por um pêni. Tal processo representava uma '
li d Moxon nas mãos, qualquer pessoa po ena a
d ·. . prender sozinha a arte da
.
escola natural para o autodidata, abrindo-se o caminho para o desenvolvimento de Com um exemplar d o vro e . . · d"agramados e relacionados ao
• f. da caixa de tipos e seus ca1xot1ns, 1 ,
impressão. A hgur.a n1ostra a arma .k . C rJ to the arl ofprúitti1g (Exercícios mecân1-
autores que poderiam completar o processo, mediante a composição efetiva de sua obra J h Moxon Jfecha111.e e.r:erct.1e.J. · · app u: · • ·1
texto. Da obra de osep ' II Ch pa) Reproduzida mediante gentl per-
nos dois sentidos da palavra, inclusive com a utilização do componedor. Dois que assim .cad ' rtedaimpressão) (Londres, 1683 'v. , a ' .
1 osaa
cos ... a.pt
o fizeram foram os impressores autodidatas l\1.ark Twain e Benjamin Franklin. missão da Folger Shakespeare Libraf}'·

Poder-se-ia esperar que a experiência de Franklin com a atividade de impres- . 'tal' ânicos não se acha-
sor despertaria a curiosidade de um sociólogo do conhecimento, como Man-
, 1os """I
secu Av e XVIII 1 os intelectuais, cap1 istas e mec
nheim, que se interessa pela maneira como as atividades sociais interferem vam isolados uns dos outros. ai l . t algo mais indireto e mais
nas visões de mundo. Mas, como se pode deduzir das muitas discussões da Mesmo durante esse interv o, um re ac10~amen o t dramatur-
] · E· tadoporpoe as,
tese de Max Weber, os sociólogos são estranhamente indiferentes à ocupa- ambivalente com a nova tecno ogi~ OI expenmtenam ligados igualmente a {a
b ]' tír' e romanc18 tas, que es av
ção particular de Benjamin Franklin. No tratamento que Mannheim dá às gos, fa u istas, sa icos ']'b· de maneira algo incerta entre o patrocí-
associações intelectuais durante os primórdios da Era Moderna, ele nos fala t la ifl e que se eqm 1 ravam d ,
cour e v e, . l d't N s círculos literários franceses o secu-
sobre universidades, chancelarias, cortes, salões e academias; mas sobre a ofi- . ai agamento pe o e 1 or. o l
more ~o P . 'E d ambivalência quanto a saber se e es esta-
cina de impressão, que garantia empregos, alimentação, moradia e todo tipo lo XVII Já se havia mam estad o ~ma res se estavam comprometidos com
de intercâmbios, nada se diz. Foi graças à sua presença em numerosos cen- . d usas ou os impresso ' d
vam a se!'VIÇO as m " f' . ar'io" Freqüentemente trata os
tros urbanos que a "consciência histórica e social" dos homens de letras, no
"art divina)' ou com um o ic10 mercen . . . .
uma e " vinha.dores" pertenciam a Uill grupo
início da Era Moderna, se avantajou tanto sobre a dos demais grupos. Até com desprezo pe~os aristocratas, ess.es t~scrle Sua existência jamais foi reconhe-
mesmo no começo do século XIX, um homem de letras profissional do cali- d e cond'içao
• c al extremamente ms ave · . . ad
so 1 . d . tituições ou sistemas tradicionais 1ig os
bre de Walter Scott podia escrever: "Adoro ouvir a prensa sacudir, retinir, cida como tal por qua1squedr das ms d' " 'al Eles oscilavam entre os
martelar em meu ouvido. Ela cria a necessidade que sempre me faz trabalhar
melhor". A idéia do "gabinete isolado", que hoje coustitui o pano de fundo de
. , ·
a posto hierarqmco, I'r10n
· ·
t
e ou con 1çao soei ·
bl' me de árbitros do gosto e "imortais" inspi-
dois extremos, ora no pape s~o;es subalternos (em troca de paga ou favo-
muitos sociólogos do conhecimento, não deve ser recuada demais sob~e o pas- rados, ora como meros prod~e did .o mercado aberto, para obten-
sado. De qualquer modo, e pelo menos no período compreendido entre os res) de mercadorias que po iam serven as n
121
120
ção de lucro. Já existia portanto uma te " ., . .
mos e totalmente contradito'r' t d usdao enti e esses dois papéis extre- no ataque a homens de família de reputação respeitável. "O leitor recusava-se
10s, an es o a veut d t'b · d
prensas a vapor e do graude públ' 1 . d bo as a ncas e papel, das L\ cair na conversa, a não ser diante de um livro que tivesse por isca um peque-
1co e1tor eo rasd fi - EI . ]
mente se tornou mais aguda . l ., d e icçao. a s1mp es- no cadáver no primeiro estágio de putrefação ... Os homens não são muito dife-
, . , como resu tauo a e " d .
rano e conquista de novos gru d 1. xpansao o mercado hte- rentes dos peixes, como muita gente parece crer." Não estará talvez nessa
. pos e e1tores.
O comerc1aute ou especialista com eteute h . .. . busca por efeitos cada vez mais chocantes e emocionantes a explicação da sín-
ral do impressor primitivo P. . . , que aVJa sido o aliado uatu- drome descrita por Mario Praz como a" agonia romântica"?
. . , era agora o IUIIUigo n tur l d fi . .
s1oual ou poeta endeusado U t balb d r a a o icc10msta profis- Embora muitos autores manifestassem repugnância pelo sensacionalismo
. · m ra a oresrorç d 0 d d
e cifras, como aliás qualqu a que epen esse de futos vulgar dos outros, nenhum deles podia dar-se ao luxo de abrir mão da espe-
. , er outra pessoa que tr b Ih d
a VJda, uão poderia gastar 't a a asse uro para ganhar rança de criar alguma sensação. Sozinho com sua pena de ganso, totalmente
mm o tempo leudo r .
ratos de biblioteca J'ovens r . , . ºi;'ances ou poesias. Jovens afastado das fundições e oficinas impressoras, isolado tainbém dos volúveis
' rnnc10nar10s e aprendi b
gama de leitoras erain m•; . 1· d zes, em como uma vasta leitores de quem dependia a sua fama e a sua fortuna, o autor profissional não
. .......s Inc Ina os a ter cor - . .
VeIS de serem aprisiouados Co . ]'d açoes e imagmação suscetí- espelhava tão somente a alienação dos outros em relação a uma sociedade iodus-
. · m ISso, canso 1 ou-se fí · d d
c1stas e poetas (bem com 0 d . no o cio e to os os roman- trial ou urbanizada. Era ele próprio um homem alienado, que trabalhava dura-
. e outros artistas tamb' ) · .
na oc10sidade, na valorizaç· d b d em um mteresse baseado mente pata assegurar o entretenimento alheio, batalhava por alcançar um
ao a usca o prazer ] ul · d
sumo das coisas "finas" d 'd P - e azer, no e tiva o cou- sucesso comercial que ele mesmo desprezava, colocava as mulheres contra seus
a V1 a. retensoes a uma d· 'd d h'
e a valores espirituais superio _ d vaga igm a e 1stórica maridos e os pais contra os filhos, e celebrava a juventude, mesmo quando já
d e obras populares que v d'res nao,se coa -
unava I da .
m com a e eva tiragem se tornara velho. Dado o ímpeto da revolução nas comunicações, então em curso,
, en iam como pao qu t d
anunciadas como mera mer d . . en e no merca o, e que eram mesmo que não tivessem surgido novas fábricas, minas e montes de dejetos, é
. ca ona na imprensa diá · A · d
era vítima de incompreensão da P rt d fili na. queJXa e que se provável que esse autor profissional tenha se preocupado com a anarquia e a
nação tinha, como observa G - a e e steus sem coração e sem imagi- vulgarização dos gostos, que tenha sentido saudade da cultura da era dos escri-
, I rana, um aspecto parad 1 ·
SIIUp esmente que uma detenninad b _ · mm , pms pressupunha bas, tenha visto o público como um monstro de muitas cabeças, e tenha ata-
O 0 f'1 . d a o ra nao estava vendendo bem cado a.rede de poder do dinheiro, não menos que o comerciante desalmado.
c10 o novo autor pr fi · al b, . ·
d d d d o 1ss10n tain em Já continha embutid .
a e e espertar e manter a atenção alh . S - . a a ans1e- No correr do século XIX, dentre muitos dos artistas mais sensíveis e dos
..
aguentar-se em face de concorrA . . d d~M~~~h . a somente e d mais talentosos fazedores de imagens, foi abandonado completamente o esfor-
enc1a acrrra a os · D · d
espaçoparaapublicaçãoemcap1'~-1 . d nvais. epms e conseguir ço no sentido de harmonizar o métier comercial com o papel de imortal. A tare-
. cwos sena os ou obt ·..: r , .
parte d os Jornalistas literários tr .ta d, er cnucas ravorave1s por fa de ganhar o pão de cada dia foi separada da de produzir um dllCCU o'edtime.
. . , a va-se agora e contr bal ' . .
s10mstas da ação dos políti , 'd
cos aVI os por manchetes d
ª ançar os. ere1tos .diver- De modo crescente, as imagens mais impressionantes e mais surpreendente-
tos a comprar espaço, e dos repórt b d '. os anunciantes dispos- mente "originais" foram moldadas no âmbito de torres de marfim exclusivis-
" . eres em usca e noVJdad S
mano e seu prestígio pessoal d di. d bl' . . es. eu retorno peçu- tas, para pequenos grupos de ioiciados. O autor que guardava sua fé nas
epen am a pu 1c1dad
como acontece com qualquer e__ .l e IIUpressa - exatamente .musas era premiado, muitas vezes postumamente, com a ioclusão de seu nome
- d rnma comercia . Mas aí .
sao e valores. Ganhava-se reputa ão não e! .oco~~eu uma nova mver- no último capítulo de uma antologia literária. Mas a capacidade de preserva-
cu de dcat1oa!e; épater !e boumeoid t b ~ . h P ª respe'.tabilidade, mas pelo duc- ção da palavra impressa também tornou cada vez mais difícil de ser alcança-
de negocios , . " ain emVlll aaserumns tr O h
e demais profission . d. fi co a aente. s omens da pela geração subseqüente essa ambição sobranceira. Quanto mais estriden-
seriam atraídos pela ficça"o d aisalpo Iain dcar ofendidos, mas poucos deles te era a voz de uma geração, tanto mais ensurdecedora se tomava a ioterferência
' e qu quer mo o U 'bli ·
era mais suscetível de ser conquistado d . r m pdn co Jovem e feminino estática para a g·eração seguinte. Dentre as mnítas reações suscitadas, dJiaS podem
· , ·
VIcana nesse tipo de esporte A .da o queb
arasta 0 p
or uma participação
· ·
ser destacadas: de um lado, cultura de museu, preservada nas antologias e ensi-
. com em . usca do_ escândalo não se limitava nada nas salas de aula, foi alvo de ataques selvagens; de outro, a "anarquia"
122
123
· ra parecem inacei-
. quaisquer vereditos cone1us1vos por o
cultural moderna e a sociedade que a mantinha foram repudiadas nostalgica- sob re o tema, que . .
. or vários motivos. - fi .
mente. Imagens milistas, relativas a uma "lata de lixo do passado" e a uma "terra táv'e1s e prematuros, P a\ t er quaisquer observaçoes rnus.
. . l te rematuro nesta tura, az -
devastada do presente", foram, uma após outra, devidamente registradas e expos- Sena 1gua men P ' b . po para estudos futuros, e nao
. d , · · aa nrumcam
tas. Vários capítulos finais de antologias lií'erárias correntes contêm hoje tais Esta seção mtro utona vis~u 1 • Limitar-me-ei, portanto, a fazer
b ara tlfar cone usoes. h, .
imagens. (Elas servem, note-se, para apresentar a presente geração de estu- a fornecer uma ase P. l 'd t'l' ada pela primeira vez, a cmco
. 1
uma recap1tu açao. o
- F 1 desenvo VI a, e u 1 iz .
dantes à sociedade na qual eles estão se tornando adultos.) Desse modo, o pro- :f' . f
o.
ib. nol _ um novo me
'todo de copiar textos es-
cesso que antes tinha dado origem aos autores epômmos e tinha canalizado o séculos uma arJ art~1cia iter Jcr e . d' a1 transformação nas condições da
"El drou a mais ra 1c · f.
desejo de fama para a busca da imortalidade através da imprensa acabou critos à mão. e engen . , . d .viliza ão ocidental [ ...} seus e eitos,
vida intelectual de toda a historia ~dei tçodos os setores da vida huma-
resultando na superpopulação do Parnaso. Um esforço ainda maior foi reque- · d foram senil os em d
rido para lidar com um crescente "peso do passado" cada vez mais incômodo. mais ce d o ou mais tar e, li f . " t'1dos em todos os setores a
d va ar e eitos sen .
Aqui, porém, não podemos analisar como as fases posteriores da revolução em na." No momento, temos e a . tes e os que vieram depois, e sem
" ber os que Vieram an .
andamento contribuíram para o pessimismo cultural, nem tampouco os múl- vida humana , sem sa . . lar b ue foram tais efeitos. Em resu-
d d'ias c asso re o q ·
tiplos tratamentos de que esse tema foi objeto. dispor, na verdade, e 1 e lí . N . tu1'to de preparar o terreno para que
· exp 'citas. om . .
mo, ha, eial'ta d e teorias d tinado apenas a d el'me ar
Essa breve digressão fora dos linlites estritos da Idade Moderna aparece r esboço pre1nnmar, es .
aqui com o objetivo exclusivo de sugerir que algumas perturbações particu- elas surjam, ornrecemos um al de suas ramificações menos eVl-
lares, oriundas de uma cultura permanente criada pela imprensa por um pro- o tema como um todo, a apo~t~ rmas b muitas formas distintas de
dentes e a sugerir seus poss1ve1s e e1tos so re
cesso cumulativo, têm de ser levadas em conta, quando se tenta reconstituir
a experiência de elites letradas durante os últimos séculos. Impõe-se tê-las transformação histórica. • . detida alguns desenvolvimentos espe-
Na Parte II, recebem atençao ~ai.s • . das com o innúto de suprir
em consideração também quando se busca compreender o sentido de crise - ões poss1ve1s sao examma
cultural que se tornou cada vez mais agudo nos anos recentes. Este último cíficos. fure1açoes e conex • . , . referentes aos efeitos que teve
nclusoes proV1Sonas,
ponto requer um realce especial, em vista dos efeitos de distorção que pode-
a1
uma base para gum~s co_ . 1 ente sobre três movimentos que pare-
amudqnça das comumcaçoes parhcu arm d
riam resultar dos novos meios de comunicação eletrônica. Qua{squer que . . ara a formacão da mente mo erna.
tenham sido os estragos causados nos hábitos de leitura dos jovens, os velhos cem cruc1a1s p "
temas literários continuam ainda hoje a ser difundidos em transmissões "no
ar" pelos roteiristas e pelos letristas de canções. Além disso, não há indícios
de que nossas bibliotecas ou museus sem paredes tenham começado a enco-
lher ou que a sobrecarga do passado esteja ficando menor para os literatos
de hoje. Assim, embora eu acredite que a cultura da era dos escribas termi-
nou, não estou convencida de que se possa dizer o mesmo sobre a cultura
impressa. Os efeitos da imprensa parecem ter-se manifestado sempre com altos
e baixos, mas sempre de modo contínuo e cumulativo, desde o final do sécu-
lo XV Não consigo identificar um ponto no tempo em que eles tenham dei-
xado de exercer-se, ou mesmo um ponto em que tenham começado a redu-
zir-se. Pelo contrário, vejo muitos motivos para sugerir que eles persistiram,
com um vigor sempre acrescido, desde entãff até o presente. Obituários recen-
tes sobre a era de Gutenberg mostram que outros autores discordam. De qual-
quer modo, contudo, são tão poucos os historiadores que já se pronunciai·an1
125

121
P~R..'TE II

INTERAÇÃO COM OUTROS


DESENVOLVIMENTOS
···········5.

ARENASCENÇA PERMANENTE
MUTAÇÃO OE UMA REVIVESCÊNCIA CLÁSSICA

Todos sabemos[ ... ] que até o s.éculo XV todos os livros europeus foram escritos a pena,
e que, desde então, a:maioria deles foi impressa. Sabemos igualmente que, naquele mesmo
século XV, a cultura ocident~ se despiu dos seus traços medievais e se tornou nitida~
mente m~derna. Co~tudo, somos incapazes de conceber de modo realístico qualquer
conexão entre essas rnydanças tecnológicas e culturais, a não ser para dizer que elas acon~
teceram no mesmo período. -

E ssa afirmação, feita por Pierce Butler em 1940, descreve uma situação
que parece atual até mesmo nos dias de hoje. Embora a relação entre
a tecnologia e a cultura em geral tenha sido objeto de uma bibliografia cres-
cente, a relação mais específica entre o advento da imprensa e a transforma-
ção cultural no século XV ainda não foi explorada. Isso se deve, em parte, ao
fato de que o próprio processo de estabelecer conexões constitui tarefa menos
simples do que se poderia imaginar. Butler prossegue referindo-se a uma "cone-
xão íntima", que se· torna aparente "desde o momento em que nossa interpre-
tação atravessa os fatos", mas devo confessar que não consigo imaginar exa-
tamente que conexão ele tinha em mente. Embora o salto do livro escrito a
pena para o livro impresso possa ser tomado como um fafo conhecido, não
se trata do gênero de fato do qnal se possa dizer que "fala por si mesmo". Como
sugerem os capítulos anteriores, houve no caso um complexo conjunto de mui-
tas mudanças relacionadas entre si.
Quando nos voltamos para o outro lado da equação, vemos que as coisas
não são menos complicadas, se é que não são mais obscuras. Será que de fato
"todos sabemos" em que século a cultura ocidental se tornou "nitidamente
moderna"? Os historiadores tendem mais a proclamar-se conhecedores da vasta
bibliografia de controvérsias que se crion em torno desse ponto específico.

129
Na falta de consenso, e tendo em vista esse debate lo . , .
mos Sllllplesmente ser tentad A d l d ngo e mconclus1vo, pode- trezentos anos, durante os quais vê-se a Europa Ocidental experimentar o
. osapor e a oaqu t" 'd
armadilha semântica H, d"r es ao, por cons1 erá-la uma equivalente cultural a uma transformação química de fase. Contudo, dife-
. , . . a uma Herença, contudo tr . .
h istonca. Na teoria é poss1'vel b' ' en e a teona e a prática rentemente do que acontece com uma transformação quúnica (de um líqui-
· . ' que os pro Temas d · d' - _ .
Jamrus resolvidos mas na pr' ti t e peno izaçao nao sej1llll do num sólido, ou num gás), a natureza precisa da transição cultural não é
nhas delinidas n: mai~ria d a ca'.I emosdque traçar linhas delinidas. As li- nunca definida. Tudo que nos dizem é que aconteceu "alguma coisa bem deci-
os catá ogos e cursos . , d, d
parecem confirmar a opinião d B tl A . e per'.º. 1cos aca êmicos siva", "de importância crucial 11, ou "incomensuravelmente diferente'!. ('Houve
acadêmicas espelhad .e u er. JUigar pelas divisões de trabalho alguma coisa muito importante e revolucionária [... ] e podemos continuar
' as em artigos e cursos fi .
o século XV é considerad . '. ica-se com a impressão de que chamando aquela coisa de Renascença" - é assim que uma resenha resu-
o como um ponto mt dº, .
saber dos medievalistas e · . . d ,er~e iar10 no qual termina 0 me um livro recente sobre este tema f=iliar. A natureza "daquela coisa" é,
Mas neste ponto, de n:~~~co1nav~ os esp~c1ahstas n~ Europa Moderna. contudo, fugidia; e ainda não sabemos o que fazer para liquidar essa incer-
l
p es como poderia imag'
' I . em repetrr que as c OJSas nao - - .
sao tão Sllll-
mar um e1go no assunto A dº . teza. O fato é que não foi possível encontrar uma resposta precisa para as
parece tão natural quand 'd . mesma •visão que nos perguntas lançadas em 1920 por Huiziriga: "Qual foi realmente a transfor-
' o cons1 er1llllos as p ]ft' d .
calwn ou o Journal otMi0
Y
a ,,. t.
ern nu ory, parecerá arbitrária
o icas e revistas como Spe-
, . . mação cultural que cham1llllos de Renascença? Em que consistiu ela? Qual
vacad a, se considerarmos Q,. o· . /. , 'ou ate mesmo eqm- foi seu efeito?".
. os cJ<UUl&J lll toe Rena&Janc S d
de vista da maioria dos estudi d R e. e ª atarmos o ponto Em conseqüência, outros estudiosos objetam que a pergunta é baseada numa
osos a enascença d d ·
re tarde demais para q ' o a vento a llllprensa ocor- premissa falsa. Eles vêem que algumas mudanças decisivas ocorrer1llll no sécu-
. ue o possamos tomar com 0 t d '
transição aos tempos mod S d l pon o e partida para a lo XII, ou até antes; outras, no século XVII, ou depois; mas nenhuma de con-
emos. egun o e es ess t · -
gerações de Giotto e Petrarca e co . ' Aa :a~s~ç~o começa com as seqüência fundamental, no período intermediário. Prolongando a Idade
cios do Ouattrocento ºt ' m a revivescenc1a m1c1ada desde os .iní- Média, para alguns fins, e antecipando o advento da Era Moderna, para outros,
~ · - mm o antes portant G b
trabalho. Antes de avançar na ºd .t'.fi· - do, que uten erg se pusesse ao eles conseguem preencher a lacuna imaginada e, desse modo, eliminar a
1er, torna-se necessário con 'd 1 en llcaçao as conexoes - ]
a que a ude But- necessidade de um período de transição para servir de ponte. Essas opiniões
, . s1 erar o argumento d d
nolog1cas e culturais não c . ºd 1m· e que suas mu anças tec- confli1;antes encontram-se embaralhadas numa confusão semântica, uma vez
omc1 em rea ente e d
tural mais profunda havia .d b ' , . e que a metamorfose cul- que o termo "Renascença" é utilizado por ambas as escolas para designar uma
Pode ºd ocorn o so os ausp1c1os dos escribas
-se cons1 erar como bem estab l ºd f · ' determinada revivescência clássica e um determinado estilo estético. A con-
gou à Itália bem antes que a. . e.dec1 o o ato de que a rina.Jcita che- fusão gerada pelo alarg1llllento do mesmo rótulo, de modo a abrigar também
1mprensa se esenvolv Maº
embora a questão da cronolooia se resolv r iJ esse em mz. Contudo, um período traJ1Sitório, só contribuiu para criar uma nova controvérsia. A ques-
. .
bl ema da penod1zação U o· . , a rac mente' permanece o difícil pro-
· ma cmsa e mostrar que · tão básica reside em saber se esse período, independentemente do rótulo
d ~ revivescencia preconiza-
A •
d a por PetrarcaJºáflorescia na Itáli' , dado, abarca uma transformação histórica fundamental, caso em que mere-
. . . anaepoca oslivr · d , _
mmto diverso é demonstrar P . P os copia os a mao. Algo ce consideração à parte, ou se, ao contrário, não passa de uma construção espú-
or que o mesmo etrar
ser considerados como agente d d :ca e seus sucessores devem ria, caso em que deve ser descartado. Uma característica criticável desse
- s e umamu ança de epo E '] .
nao está assente de modo ai J bB ] c~. esse u tllllo ponto debate reside no modo como ele incentiva os dois lados a silenciar sobre uma
gum. aco urc <hardt fi . .
d a época de Petrarcafor1llll os "filhos . A • a rma que os Ita1ianos transformação real, a fim de discutir sobre uma outra, hipotética, que não pode
para cada argumento em defesa d t pnmdoBgemtkohs da E.~rapa Nloderna", mas ser clar1llllente definida.
, a ese e nrc ardt ,
t1vo contra-argumento N r. 't d al . ';a apareceu o respec- Para resolver o problema da delimitação da Renascença, Huizinga nos
.
tes específicos da mudança de é oc
ª rai a e qu quer cons
; .
· d
~nso a respeito .os agen- sugere começar por contrastar a Idade Média com a Renascença, e, em
na noção de uma idade de t P - a, mmt~s dhistona~ores tender1llll a recair seguida, distinguir esta da cultura moderna. De modo semelhante, Fergu-
rans1çao - peno o elástico que abarca cerca de
son advoga uma "análise sistemática tanto das diferenças essenciais entre a
!Ji!

131
civilização medieval e a moderna, como d, 'l .
período de transição" p , . aqw 0 ~ue era peculiar ao próprio estão produzindo livros em quase todas as lfoguas da Europa Ocidental nos
. ·. oupanamos mmta energ d' .
começássemos por respond . 1 ia aca em1ca, penso eu, se p1focipais centros urbanos. Novas ocupações estão sendo criadas, como as
. er sucmta e c aramente à "O
pecu1iar ao próprio período de tr . _ ?""E pergunta: que era de compositor e fundidor de tipos; técnicas tradicionais desenvolvidas por ofi-
ans1cao. ntre ·
das a essa era poderíamo d' , . d. as c01sas novas reserva- chtis metalúrgicos, comerciantes e acadêmicos estão sendo direcionadas para
, s izer, repetm ó as 1 d .
século XVI ". · pa avras e um cromsta do novos fins. Novos grupos profissionais, em todas as regiões, estão sendo
' que a imprensa merece ser colocada e . . 1 "
tando esta tática podemos d . d I d . m primeiro ugar . Ado- mobilizados por empresários laicos, que buscam abrir novos mercados, expan-
' e1xareaotod db b
construções duvidosas Co . d' . , os os e ates so re rótulos e dir novas redes comerciais e expor seus produtos em feiras anuais de livros.
. m Isso, 1r1g1remos nossa t -
mente àcorreu para o que b . . a ençao para o que real- Por volta de 1500, já podemos dizer com segurança que está encerrada a era
' o VIamente teve IID ort' · . I
aco~tece~ na segunda metade do século XV. p ancia crucia ' para o que dos escribas e que a idade dos impressores começou.
da história do Ocidente. ' e em nenhum outro momento Por que, então, tanta controvérsia para decidir onde terminar uma e come-
. Rótulos verbais, ta{s como "medieval" e "moderno" ~ çar a outra? Por que tanto debate sobre uma transição hipotética, em vez de
mdos operacionalmente O r , ' nao podem ser defi- uma ocorrência concreta? Por que, sobretudo, uma tal quantidade de falsos
. s renomenos esp 'fi Ih ·
podem ser embaralhados co t t r il'd dec1 icos que es cabe designar começos? Em outros termos, e para apresentar a pergunta de modo menos
manarac1aequest ..
Ve1conseguir comparações Úteis. Mas ar r
' e ~rna quase ImpossÍ- retórico: Por que se tornou um hábito tão comum misturar desenvolvimen-
tos copiados à mão e textos im . 'P a ana isar as, diferenças entre tex- tos que ocorreram durante mais ou menos o último século da cultura escri-
tangíveis, bem como as ativid i;es~os, torna-se nece~sano examinar objetos ba com os que só viriam a ter lugar durante mais ou menos o primeiro sécu-
pretações têm, necessariamen: eds ~ grdupos determmadós. As várias inter- lo da cultura tipográfica, criando desse modo uma perturbadora era de
.
d a dos empíricos. e, e run amentar-se no d
O salto do . . exame os mesmos transição, ao mesmo tempo que se escondia uma autêntica transformação revo-
manuscrito para 0 Impresso -
um grupo de transformacões (dif; t d . . nao somente gerou lucionária? Poder-se-ia alegar que o impacto da nova maneira de produzir
- ") , eren emente a idéia de ", . d ,
çao ' como envolveu uma tra E - . epoca e trans1- livros seria fatalmente amortecido ou retardado, já que, não podendo ter
ocorreu num período de tempo nsl ~rmaçao que cobriu toda a Europa, e que efeito sobre a população analfabeta, só teria afetado inicialmente uma peque-
re auvamente curt N d
das, estabeleceram-se oficinas . o. o correr e poucas déca- na elite ledora.· Felizmente, podemos pôr de lado tal tipo de argumentação,
. impressoras em ce t b d
contmente. Por volta de 1500 ., . ~ ros ur anos e todo o sem termos de nos preocupar com a existência, ou não, de dados adequados
escoamento de t . . . 'Jª se registravam vár e·
. ws ·ereitosresu Itantes do
ma ena1s impressos Com d sobre taxas de alfabetização no século XV. Sim, porque os especialistas nos
de 1250 a 1550, ou de 1300 a 1600 o P,ª~ o coi;n os três séculos que vão problemas da Renascença - que apontam a sobrevivência de uma "imagem
curto. Não cheg·a a ser preciso t ' peno o dos mcunábulos é realmente do mundo medieval" além do século XVI, ou que tomam como ponto de par-
nos ransportarmos de um .-
po d ermos localizar um salto im rta t P a regiao a outra, para tida para a nova época cultural a inversão petrarquiana da escuridão pagã e
Renascença, teremos de deixar Ppo . n e. ara encontrarmos uma mc1p1ente · · ·
da luz cristã - estão olhando apenas para as elites letradas.
cas e suas faculdades d t l . ans e seus arredores, com suas catedrais góti- Tentemos chegar a uma visão mais nítida do problema: segundo nos dizem
'd e eo og1a, atravessar os Alpes e . . ' I 'l'
SI erarmos o que estava acont d . VIaJar a ta la. Se COn' sempre, o advento da imprensa foi o acontecimento mais importante "na his-
poderemos nos perguntar se :~::s;a: :es~ do contmente, ~ntre 1350 e 1450, tória cultural da humanidade"; ele "trouxe amais radical transformação às con-
liares não terá sido tomad . ad çao e algumas condições locais pecu- dições de vida intelectual da história da civilização ocidental". Apesar disso,
a equ1voc amente c d d
nova era. Mas podemos VI. . li orno sen o o a vento de uma os historiadores culturais e intelectuais, em particular, não conseguiram
. ªJªr vremente cruz· d t d ·
te1ras européias - do Monte Etna até as ~ .• an o o os os tipos de fron- encontrar espaço para ela nos seus esquemas de periodização. Para entender
litoral atlântico às montanhas a 1 t d Meg1oes ao norte.de .Estocolmo, do essa situação paradoxal, parece necessário examinar com maior profundida-
es e o ontenegro d
metade do século XV: 'fi -, urante a segunda de a natureza paradoxal da própria transformação radical: Em vez de asso-
' e veri icaremos que os mesmos tipos de novas oficinas
ciar o advento da imprensa a outras inovações, ou de considerá-lo como um
112
IJJ
exemplo de algum outro desenvolvimento, devemos apontá-lo individualmen-
te como um acontecimento duigenerid, ao qual não podem ser aplicados os mode- Já sugeri alhures que Regiomo~tanus llé'ou,xexu1v.111:::sta~ar
' tai te elemento evo-
seu prelo em
los convencionais de mudança histórica. Embora a imprensa tenha transfor- . d da t nolUla no s cu o ,
lntivo para o estu o as ro . '' . ensa produziu uma mutação da
mado as condições nas quais os textos "êram produzidos, distribuídos e b A · sugerir que a 1mpr
Nurem erg. qm, quero eqüênciaaadoçãodeuma
consumidos, importa observar que ela não realizou isso mediante a elimina- · , · l' · Isso traz como cons . ,
iir6pria revivescenc1a e ass1ca. r . d citação reproduzida no im-
ção dos produtos culturais da época dos escribas, mas sim pela sua reprodu- ' . l d' r t d ue rm emprega a na l
estratégia a go neren e ª q l - tr uma determinada tecno º"
ção em quantidade jamais vista antes. Mesmo quando as condições da cultu- , l S , nfocada a re açao en e
cio deste capitu o. era e l 1 - tendendo que elas coincidem, como
ra dos escribas estavam sendo superadas, os textos que refletiam tais conclições n·ia e uma dada mudança cu tura ' nao en. omentos distintos, e inves-
iam se tornando mais abundantes, e se divulgavam simultaneamente menta- o h d e elas surgrram em m
lidades cliferentes de tempos diversos.
faz Butler, mas recon ecen o qu D . os de lado no momento, o
d E tou a outra. eixem '
tigando de que mo o uma a e . - t e os tempos medievais e modernos,
Os estudiosos que virão mais tarde, ao voltarem o olhar para o primeiro d 1 r uma trans1çao en r A ' 1
problema
· e oca izart d parti'da o moVlffien . to italiano de revivescenc1a cu -
século da imprensa, verão necessariamente poucos sinais do advento de uma
e adotemos como pon o e . . D d e 1' á estava em andamento uma
nova cultura, a menos que saibam de antemão o que devem procurar. Não é f1 t da unprensa. a o qu d
possível, consultando os catálogos de livreiros, em busca de novos títulos, iden-
tural que oresceu an es
revivescência, . po demos perguntai·. orno rm e a ''
e r . 1 aretada pela passagem o

tificar as mudanças mais significativas trazidas pela tipografia. Essa consul- ·· · pressa? '
manuscrito para o un . ta a rimeira consideração que vem a
ta não permite reconhecer que, durante o primeiro século da imprensa, a uti- Buscando responder a essa pergund ' hip . d r de arte Erwin Panofsky:
lização freqüente de páginas de rosto constituía uma novidade (assim como dis . - t 'ta elo renoma o stona o '
os catálogos de livreiros). mente é uma hnçao ei P dievais· foram limitadas e tran-
'
' Para sermos reves, as
.
b duas renascenças me
- t ,, U a vez que uma
E 1· t 0 tal e permanen e . m
revivescen~
. ,
Como já foi sugerido nas discussões anteriores sobre clisseminação, os
sitórias; a Renascença º. d s forças de preservação entra-
impressores contribuíram de início para o "avanço das disciplinas", menos por . . d t m curso quan o nova .
eia clássica am a es ava e al . 'ncia ganhasse características
comercializarem obras novas, do que por proporcionarem o acesso a 11ldM livros - . d erar que t revivesce .
rain em açao, seria e esp
i
_ · U ue ela se
. . .
m1c1ara so
b um con1' unto de circunstâncias, .
e
para leitores individuais. O mero crescimento na quantidade de e;;;emplares Pecunares. ma vez q . , 1e' que ela começaria pare-
em circulação tinha de fato uma importância capital. A maior produção de b - d tras o mais provave .
se perpetuou so a açao e ou ' d t as não .obstante isso, segm-
livros alterou os padrões de consumo; a tiragem ampliada mudou a nature- . tos prece en esi m ,
cendo-se com os reavivamend' . t Dentre outras diferenças que se toma-
za da aquisição individual. As leituras de que se alimentava nm dado leitor . radualmente istm o. . t
na
riamum curso g com o passar do tempo, ~ena
aparentes . de Prever que esse reavivainen o
do século XVI eram qualitativamente distintas daquelas do leitor do século
XIV. Sua clieta básica havia sido enriquecida, e incentivada a fermentação cul- . t do que os antenores. .
fosse mais permanen e . d P f k a questão da permanência apa-
tural, independentemente da circunstância de que ele consultasse autores vivos
ou mortos, livros "novos" ou "velhos". Contudo, um observador do século XX,
Como sugere a formulação ed ~~ s Jí
receu com destaque nos debates e. OJe. assmno reconhecida como um novo
ão a fixidez tipográfica. Em

voltado para a identificação de tendências ou transformações nos estilos de 'b 'd ' tecnologia ou me
vez de ser atn u1 a a nova . , A • rve no momento como um
traço cultur a merecer exam~,
pensamento e expressão, está mal posicionado para acompanhar aquela evo- al. a permanencm se
d al um modo emanava da cul-
lução. Com respeito à história social da arte, somos informados por uma d b e · tude merente que e g
tema de e ate.. orno l vir,· cad a para escorar a tese d.e que a Renascença
autoridade na matéria: "No século XV[ ...] é verdade, muitas coisas dão fru-
tura renascentista, e a e mvo . . nb rcação é dada para o fato
~zm anç~
tos, mas praticamente nada de realmente novo começa". Um outro relato, tra- . . d . d radicais. Ne uma exp i . 'd
tando de desenvolvimentos na astronomia, chega à conclusão de que "não pare-
italiana mtro mu . s forain mais transitórios do que o ocorn .º
de que os reavivamentos e ass1co . d t u'ltimo provou ser mais
cem ter sido introduzidos no século XV quaisquer novos elementos importantes A . nstânc1a e que es e
de um ponto de vista evolutivo". na Itália do Quattrocento. circu d nvolvimento sistemático con-
P t. r que se prestou a um ese . - .
ermanente, mo Ivo po. 1 . eparado das revivescenc1as
IJ4
tínuo, é tida como JUSt . ifican'va Para que e e se1a s

JJ5
l .
prévias e para d ,
, qne seu a vento maugure um
podem ser contestadas as ob. - ] d a nova época. Desse modo, do clássico de uma distância fixa, como fazemos nós. Eles não o encaravam
e prolongado um debate apa~:~~=:e:a~ta as ?º~trai a tese de Burckhardt, como um recipiente de objetos a serem colocados em estantes de vidro, para
A est al ., e mtermmave .
a tura, Jª nos parece evidente ' . , serem investigados por especialistas nos diversos campos acadêmicos. Nem
para distinguir a Renasceu "tal" d que '.11mtos dos critérios utilizados se achavam familiarizados com as disciplinas históricas como as praticamos
ça l iana as reVIv ' · .
com a mesma validade ser tamb, . d escenc1as anteriores podem, hoje. O consenso sobre estes pontos, contudo, ainda deixa abertos a contro-
, em emprega os .1 • • •
vescências entre si. A Ren . al' , para wsttngmr essas revi- vérsias os pontos de vista dos humanistas da Renascença, e a correta inter-
ascença it iana tmha c t .
merecem ser apontados co . d , . er os traços peculiares que pretação de sua atitude com respeito ao passado. Tendo em vista, por um
. mo mova ores e s1grufi t" Ma
ser dito da revivescência car0 ]' . d . ica ivos.1 s o mesmo pode lado, a exaltação que aqueles humanistas faziam de uma revivescência basea~
"b . mgia e a ocorrida n é ui XII p
atn mr à revivescência do O tt os c o . or que então da em modelos clássicos, bem como sua paixão por recuperar, colecionar e
, ~ua rocento um papel "al .
car epoca? Parece difíc1"!J"ustºfi tal "b . espec1 no senttdo de mar- examinar obras antigas; mas considerando, por outro lado, sua então nova
1 1car atri mç" ·. b .
poníveis, isto é, sem interpretar . t . ao sem orçar as eVIdências dis- crença de que um fosso escuro de barbárie os separava da Antiguidade, per-
0~uattrocento, como antecipaçõeredrospecttvamente
d 1.
d ]
os pro utos cu tura1s do
.
. s e esenvo Vll!1entos post eriores. · N gunta-se: seriam mesmo eles os precursores de uma consciência histórica
1o XIX, mterpretaram-se . . o sécu-
. os prune1ros textos hu ·t . . moderna? Teria sua sensação de distanciamento temporal chegado a asse-
b eresias seculares e modernas marus as como md1cando as melhar-se. à nossa? Panofsky, como seria de esperar, responde afirmativa,
Na visão de hoje, os humanis:edaestaRevam sendo ":roladas no Sílaba de Erros.
. nascença sao men "d mente, e com ele concordam muitas outras autoridades conhecidas. Citam-
]ivres-pensadores do sécul 0 XIX d ., r os pareci os com os
o que Ja roram Em v d" se passagens extraídas de um bom número de textos renascentistas - que
,
· .
mais com historiadores do s, 1 XX
ecu o
e " . ez ISSO, parecem-se vão de Petrarca a Erasmo - para apoiá-lo. Considera-se boje como prati-
bistoriadores modernos" 1 . orno pred ecessores d os filólogos e camente certo que a capacidade de observar o passado de uma distância fixa
' , e esse parecem com os. ad' . .. .
temporaneos ~demais em . 1 . ·- ac emicos profissionais con- pode ser apontada como um traço distintivo do pensamento renascentista
m1111a op1111ao para d d .
ça possa ser percebida. que sua ver a erra semelhan-
- algo que liga a revivescência italiwa a outros eventos posteriores' e adis-
tingue de similares precedentes.
Na Idade Média houve, com relação à Anti a "d d Não obstante o considerável apoio com que ela conta, eu acredito que essa
· · .
assimilativos e não assim 'lat" D d ""Ou1 a e' uma sucessao
1 1vos. es e a Renru:;
. - , ·
c1chca de estáITTos
o~
interpretação é passível de discussão. Parece-me pouco plausível que uma visão
de tem estado constantemente con E.l . cença, gostemos ou não, a Antíguida-
. asco.
a vive em nossa t , , "totalmente racionalizada" de qualquer civilização passada pudesse desenvol-
c1as naturais[...] acha-se firmemente t· • h , da ma ematicae em nossas ciên-
.d en nnc eira por tr' da d ver-se antes da produção de guias de referência e dicionários geográficos uni-
ain a não rompidas, dahistór' fiil l . . . as s pare es tênues, mas
A fi - , . ia, o og1a e arqueologia. formes. Como poderia todo o passado clássico ser visto "de mna distância fixa",
' ormaçao e, em ultima in.stânciai a formaliza ão " . . ,
a Idade Média, apesar de t d "! . ,,ç dessas tres d1sc1pl1nas - estranhas antes que se tivesse identificado uma localização temporal permanente para
o os os 1uman1stas carolín iOs d
lamumadiferençacapitalentrea. +.:t d di g e oséculoXII--nosreve· objetos, topónimos, personagens e acontecimentos antigos? A nova capaci-
. sal1 u esme evale d ,
gmdade [... ]Na Renascença i'ta)' d mo ema.com respeito[ ... ] àAnti- dade de assim ver o passado não poderia ter sido alcançada com o mero empre-
1ana, o passa o cl, ·
uma distância fixa, muito comparáv J' di " . "ass1co começou a ser observado de go dos dispositivos óticos inventados pelos artistas da Renascença. Ela reque-
·
mais característica das invenções d
e ª stanc1a entre o olh
, . R
b" "
o e o o Jeto ' segundo a ria um rearranjo de documentos e artefatos, mais do que uma nova disposição
· d , a propna enascenca a s b .
ttr e pontos focais [... ] essa di t" . 'b' • ' ª er, a perspectiva a par· do espaço pictórico .
.~ s anc1a pro1 ia o contato di [ J
VIsao total e racionalizada. reto ... mas permitia uma
Passou-se pelo menos U111 século desde o advento da imprensa para que
pudessem ser devidamente classificados os mapas multiformes e as confusas
Inegavelmente, existe uma diferen a fund . cronologias herdadas dos registros dos escribas; para que fossem reorgani-
val e moderna da Antiguidad O ç d" amental e~tre as visões medie-
e. s es!u 10sos med1eva1s na"o V!. zados os respectivos dados; e desenvolvidos novos e mais mliformes sistemas
amo passa-
/J6 . para dispor materiais. Antes que isso ocorresse, não havia U111 quadro de refe-

IJ7
rência espaço-temporal compartilhado pelos homens de saber. Não queremos
com isso negar que já se manifestava entre os estudiosos do Ouattrocento uma
sensibilidade crescente aos anacronismos. Havia discriminação entre os esti-
los gótico e antigo, entre o latim medieval e o de Cícero, entre instituições
republicanas e imperiais, entre a Roma dos antigos Césares e a dos papas medie-
vais. Essa discriminação ocorria, contudo, dentro de um contexto espaço-tem-
poral amorfo, ainda fundamentalmente diferente do moderno. Dentro de tal
contexto, algumas fases remotas do passado poderiam dar a impressão de estar
muito próximas, enquanto outras, menos afastadas, poderiam ser situadas a
uma grande distância. Como sabemos que certos especialistas do século XVI
não conseguiam distinguir entre uma estela ática do quinto século a.C. e uma
escultura de Michelangelo, poderíamos supor que algumas fases do passado
greco-romano devem ter parecido muito próximas, mesmo depois do fim do
Quattrocento. . . ro leccatis popit1i voluntariç nuictatus
Panofsky considera como uma das características da mentalidade medie- (cruce. Ta1nquan1 novellu~ v1tulus . p 1 1. pto corpore de tumulo surgens.
. t ula vehen1ens. re ce. . a·t
in 1 passióne · Et s1cu .uqt . .1 , t super cherub1n ascen l ·
val o fato de que ela percebia a Antiguidade clássica como "tendo uma pre- · 1
Iapsu cacav1 ·e ·
stri'cto secans aeren1 · onunun1 ' t · Ascendit in c~lu1n · cut
: · . nas yen ·o run1 ·
sença demasiadamente forte" e, ao mesmo tempo, "como estando longe et vola'vit ~ qui a1nbu]at supe1 pen ,
est ho~or l et gloria in secula seculonun . an1en )
demais" para ser "entendida como um fenômeno histórico[... ] Os lingüistas
viam Cícero e Donato como seus antepassados [ ... ] os matemáticos traça- . ~ J s humanistas da
. . roneamente atribuída aos antigos romano:. pe o
vam linhas genealógicas que remontavam a Euclides", mesmo tendo a cons- A escrita minúscula carolíngia fm cr . . . , , cuia dos inícios do século XII pro"
d j' . isento. em escnta m1nus d
Renascença. Este exen1plo e rvro mant A . ' 1· to Gteek anJ Latin paleograpby (lntro u-
ciência de "uma lacuna intransponível" entre as eras pagã e cristã. "Somen- d i\il de Thompson, 11 mtrouuc wn
vén1 da obra de Edwai.· L aun r d Cl d Press 1912, fac-sín1ile 181).
te mais tarde essas duas tendências se equilibrariam, permitindo uma sensação . ) (Oxror
ção à paleografia greg~ e lat ina '
arcn on '

de distância histórica [ ...] Nenhum homem medieval poderia ver a civiliza-


ção da Antiguidade como um fenômeno completo em si mesmo [... ] perten- . ti .dade alguns sistemas de escrita medievais (p~r-
cente ao passado [ ... ] desligado do mundo contemporâneo." Esta discussão supunham pro~e','.1 da An ~ ·a Ao manusearem livros manuscritos, copia-
de Panofsky se afigura apropriada tanto para a mentalidade dos humanistas ticularmente ~rrunuscuJ_acaro ~lxn, os literatos do Quattrocento supunham
dos pelos escribas dos seculos XI . d d' . t das livrarias da velha Roma.
do Quattrocento como, sem dúvida, para muitos eruditos quinhentistas. tinham vm o iretamen e
A esse propósito, convém distinguir entre a mentalidade daqueles artis- ter em mãos textos que , .
reviam seus propnos I
r
vros utilizando uma letra
'
tas e literatos que colecionavam obras de arte antigas ou copiavam velhas ins- Ouando se sentavam e esc . el . ntassem uma sensação de pro-
~ 1 , 'vel que es expenme .
crições, durante o Quattrocento, da que orienta os curadores e estudiosos semelhante àque a, e prova . , t tal ente distinta do que sentunos
ximidade com os autores antigos ':l~e '.' do mhumanista que estivesse empe-
modernos que ainda se empenham em atividades similares. Estes últimos estão . d , parar a expenencra e um
atentos às diferenças entre o estilo romano de letras e o dos escribas carolín- hoie. Po eruunos com . d ...,, L' . ( desse moclo ocupado num certo
· d0s livros e 1Ito IVlO e, ' · d ti
gios. Dificilmente irão confundir a obra de um artista antigo com a de um nhado em copiar um., • ) com nossa própria experiência e re -
sentido em" escrever a obra em questão\ cadernado da coleção Loeb.
quinhentista. Já o contrário era a regra entre os estudiosos e aficionados da d b'bl' t a um vo wne en
época renascentista. rar de uma estante. e J JO. ec . 'd d d copiar e comentar livros de auto-
a própna at1VI a e e . . . d d'f
Não somente confundiam as obras dos artistas de seu tempo com as da Anti- lnegave!ment e, . ' . d ter fortalecido a consc1ênc1a as J e-
res antigos, tais como Tito L1VJ0, eve
guidade e se valiam de formas pagãs para tratar de temas cristãos, como ainda IJ9

138
rença~ entre a gramática do latim anti o d 1 .' '
os estilos antigos de pen g e a o atun contemporaneo, e entre Convém ter em mente tais considerações, ao verificarmos como Panofsky
sarnento e expressão 11
tos em latim medieval e +" ti]' d , e os que espe 1avam os tex- tenta ilustrar sua tese:
. n..,o u iza os nas escolas AI .
d iosos dil eril dos es. criba d. .d . ' . guns renascentistas estu-
s, e emo ommtoesp . lL
ram elevado grau de sofisti - . ec1a orenzo Valia, revela-
caçao ao Us<irem a füolo . 1 A grafia com que escrevemos e as letras que imprimimos derivam dos. tipos da Renas-
para datar documentos Ma ··1 g1a como e emento-chave cença italiana, desenhados cm oposição ao gótico, a partir de modelos carqlíngios, e mode-
, . . . s o ape o constante às t d , .
tonas, aliado à ausência d - . ar es a mell1ona e ora- los do século XII, os quais, por sua vez, haviam evoluído a partir de uma base clássica.
e convençoes umE d
obras antigas, impedia qua· ormes para atar e localizar Poderíamos dizer que o sistema de escrita gótico simboliza o caráter transitório dOs renas-
isquer progressos d ·' ·
Em virtude da ubiqüidad d tr . essa consc1enc1a embrionária. cimentos m_edievais. Nossos tipos de imprensa modernos, rorilanos ou itálicos, são uma
e o emamento na arJ o· , ·
vel que as imagens clássicas r d l memoranot, e mais prová- prova da qualidade duradoura da Renascença italiana. Desde essa época, foi possível
d a memória" do que relacionada l l' rossem to as co ocad . h "
- as em me os nos teatros tomar posição contra o element~ clássico em nossa civilização (embora não se deva esque-
'd . s a oca Izaçoes pe
ti o como fixo. rll1anentes nmn passado cer que a opOsição não é nada mais que uma outra forma de dependência), mas ele já
não pôde desaparecer iD.teiramente.
. Po;, isso, mantenho os dois pontos seguintes· " .-
hzada da Antiguidade , · uma VIsao total e raciona-
" so começou a aparecer a , , l d .
e nao durante a vida de P t . ., . pos um secu o e Imprensa, O final desse trecho parece aplicar-se, com igual razão, ao elemento" góti-
. e rarca, o Ja mencmnad 0 1d
imprensa constituía um P , . . pape e preservação da co" presente em nossa civilização. As formas do chamado tipo gótico compe-
,, re-reqmsJto para essa vis" N" , "d d
cença , mas sim desde o advent d . d ao. ao e es e a Renas- tiram, no primeiro século da imprensa, em pé de igualdade com os anúqua
dad e Vive . o a1mprensae agra " An . .
conosco o tempo t d " Alé di' ,. vura, que a hgm- na maioria das regiões; sobreviveram depois da Renascença nas regiões
r
transrormações que afetar ºº· . m ssoebe ., , l que as mesmas
m poss1ve holandesa, escandinava e alemã; continuaram a imprimir sua marca nos tex-
. ama reVIvescência l' · I ,.
gido também as sobrevivê · di . c assica na ta1Ia tenham atin- tos alemães durante o século XIX e depois. Nada disso parece ter sido leva-
nc1as me evrus aqué al, d AI
mad a revolução histórica d , ui XVI tal · m e em os pes. A cha- do em'conta. As formas modernas das letras atestam um complexo conjunto
e cod mcação da lei consuet d' á . d
·~ o sec o vez deva t t • " . .
_ ,, an o a s1stematização de mudanças que apareceram na esteira da imprensa. Não é possível com-
· d u m na e entao qua t " ·
üca a herança legal recebid d R

O
a e orna. modo de v
° n a mvesügação sistemá-
ad .
preender essas ll1Udanças pensando na "qualidade duradoura da Renascen-
mo diJicou-se de modo mu 't lh er o pass o medieval ça italiana", ou na "trân:;;itoriedade'i das revivescências medievais; ao contrá-
. 1 o seme ante ao que foi li d
Sico, de modo que este tamb, b ap ca o ao passado clás- rio, só se tornam compreensíveis se examinarmos os efeitos da tipografia na
Ate, mesmo a arte gótica acabou em passou a ser o servad d
por
"di , .
l d o e uma stanc1a fixa". caligrafia dos escribas do século XV. No século XVII, a padronização dos.esti-
d e um museu ideal que abrig sercooca aat, d .
l' . ras as mesmas paredes fos tipográficos refletia a fixação das novas fronteiras religiosas e divergia mar-
, . e . . avrun a arte c ass1ca Dur t , d
goüco ro1 smônimo de "b , b ,, al . · an e o per10 o em que cadamente das convenções renasc~ntistas. "O leitor do século XX", escreve
. ar aro ' gmnas tradições l b, b
saram admiração (com popu ares ar aras cau' Panofsky, "acha a escrita carolíngia mais fácil de decifrar que a gótica, e -esse
, . o sugerem as numeros 't - d
Tacito). A partir do século XV l .· • . ~ c.1 açoes ª. German.Ui; de fato irônico diz tudo''. O que é realmente irônico é que isso nãci diz. tudo, e
· ' os e ogms as msntm - e d ·
pelas literahiras vernáculas r - çoes reu rus e o orgulho que essas palavras vêm dé um leitor do século XX que, ainda na escola pri-
rorrun quase tão comU11 , ui l
to o culto à Antiguidade "E t, d s nos circ os etrados quàn- mária, provavéhnente, aprendeu a ler sua língua materna em textos compos-
. s avrunos ten o umape
nós; ou uma revivescência g 't' .. quena r.enascença só para tos com 'tipos ªgóticos•!.
'I
M a1t and parece aplicar-s - , 01ca,seass1mse E'"O
pre erir. comentário de O_contr.aste entre a "escrita gótica", considerada como súnbolo da transi-
Stuart, mas também à cenae co nao so aos eventos da I 1 d
~ I · ng aterra os. Tudor e toriedade, e os "nossos tipos de imprensa modernos"; tomados como repre-
· _ nunenta contempo ' , E fi e .
s1çao a uma revivescência gótic h . l ranea. n un, r01 em opo- sentantes da duradoura Renascença, bem mostra como a confusão se arma,
e
tumou rorma, a que aVIa a cançad l · d
no século XIX 'd,. d " o sua p emtu e que quando se atribuem ao humooismo renascentista funções realizadas pela nova
, ' a 1 eia e uma Renasce nça."
tecnologia, No que diz respeito às escritas, a gótica constitui um súnbolo par-
140

141
.!tlilnt Cuion.
Alimenta fanis cor:1
ticularmente inadequado para a forma ele revivescência que patrocinou a
poribus agriculcu;: minúscula carolíngia, ao passo que o tipo popularizado pelos impressores da
ra: Sanita tem autem Bíblia luterana nunca existiu na Idade Média, e não deu prova de ser transi-
tório. Um norte-americano do século XX que localiza a edição de hoje doNew
re$ri~ Medicina pro- York Time; ou do W!Mhington PoJ~ no meio de uma pilha numa banca de jor-
m1tnt. Corn.CeJJ: nais, não sente a menor dificuldade em decifrar letras góticas. As formas dos
!'Xunbc Antiqua. tipos renascentistas deixaram sua marca indelével, não porque a escolha se
.IEftimatione noéturnz baseou num estilo de letra em detrimento de outro, mas sim porque essa marca
qui~tis '. dimidio quifquc foi deixada pelos caracteres impressos, e não pela mão do homem.
fpat10 vua:fua:vivic.PJin. Até o advento da imprensa, as revivescências clássicas eram necessaria-
. .~illnlf~ Antiqua. . mente limitadas em seu alcance, e transitórias em seus efeitos; ainda não
Vita qu1d dt hominis? Spcs havia meios de sustentar uma recuperação permanente de todas as porções
& formido futuri 0. da herança recebida da Antiguidade. E assim foi mesmo depois da introdu-
l\kefücia: {l'lu!cum fa:ti· ção do papef. A existência ele materiais para escrever mais baratos incenti-
. '
~1req; parum,
' vou o registro de mais sermões, orações, adágios e poemas. Ela contribuiu
TertiaAotiioa. · sobremaneira para que aumentasse o volume de correspondência e para que
Damnum turpi ucro long~ houvesse mais diários, memórias, livros 'de estampas e cadernos de aponta-
pra'!fcrcndum cll: illud cnim tc- mentos. Desse modo, o salto do pergaminho para o papel teve um impacto
mcl dolct; hoc fempcr. Chilon. muito importante sobre as atividades de comerciantes e literatos. Não obs-
• !lllitrtl Antiqua.
VrSpicz ,qu;r incliilata:ad tcrram tante, como assinalado acima, o papel em si mesmo nada podia fazer para ali-
1(ergunt' pl~n"' funt; & qu:r furfum at. viar as fadigas ou aumentar a produção do copista profissional. Enquanto os
toUuntur ' tnancs : Íta qui de feípflS textos só puderam ser duplicados à mão, a perpetuação da herança clássica
ll}odcfle fenri~nt & loquuntur,vcre fa-
.P•~ntcs & ~oru; qui magnificc rudC$ dependeu precariamente das exigências mutáveis das elites locais. Os textos
&1mprob1. ·' importados por uma região reduziam os estoques disponíveis noutras; o enri-
<ikltll Antiqua quecimento de certos campos de estudo pela infusão de conhecimentos da Anti-
O _quim comJ>OfitÚm reddit omnem
~rp.ons·~rum difciplina ! Ccivú:cni fub- guidade desviava a mão-de-obra dos escribas, provocando o empobrecimen-
;;u~t; pon1t ru~~cilia ~ componit'vutcum; ' to de outras áreas de estudo. Durante todo um século após a coroação de
dgat oco~os: CaC:hJonatiouescohibct; ma--
t'..'çratur;_li!lgvam; f.rcJ:!atguL1:m i fcditiram· ,. Petrarca, a revivescência do saber na Itália esteve sujeita às mesmas limita-
iurmat incdl'um. Bernh. '
ções conhecidas por revivescências anteriores. Se aceitarmos a distinção
Aq~qua~ulf l•·l<ffm.
cu!11mC:d~f1uonc cedcndum maj!Jri; m.inoff entre, de um lado, várias renascenças limitadas e transitórias e, de outro, uma
dum &: L~ui~r(vadendum;zqua.UaRênden. renascença permanente, com amplitude e alcance sem precedentes, então tere-
i 1qoc via nianau.m •d. rn.g •
Pf:rYcoietur. Epi&!t.r- ,.... u:ouonaa
mos de esperar por século e meio depois de Petrarca, para que possamos con-
E • ~otplld Antiqua.
•ti go~a(Olftpeti,cmni' rcgiu.civiute1 n&tiontÍ firmar o estabelecimento de um modelo autenticamente novo.
,.,;.::..tcr:f~rum imp~rium h2.buitlea-dum ~, 11 J.
1
qlÜ YI UC'IUUL ~uft.

"''" ,...,.,
iloltr..,.
~rb4n~ Antiqua.
~~'PS •ulnrr10uJ ..thikotin • tlll'I Í«CÚ
. Estes exemplos de tipos antiqua ou romanos (à esquerda) e de gótico oufraktur (à direita) são de
• !111 'Si'&"fuaa Wllitau1. Ciccru. ltl
uma edição fac~similada de Jerome Hornschuch, Orthotypograpbi.a (Leipzig, M. Lanzenberger, 1608).
Tleprodtizidos mediante gentil permissão da Biblioteca da Universidade de Cambridge.
112
143
ra veneziana, chefiada por Dailiel Bombcrg, que emigrara de Antuérpia,
O destino dos estudos gregos a 6 l d
ce um exemplo impressiona t d 'p s a ~uec a e Constantinopla nos ofere- estabeleceu novas bases para as pesquisas semíticas no Ocidente, incenti-
. · . n e e como a nnprens d'fi vando os estudos do hebraico e árabe, à semelhança do que fueraAldus Manu-
1c10na1s de mudança cultural. amo 11cou os padrões tra-
d t:ius com o grego. Pela primeira vez, tornaram-se acessíveis aos estudiosos
ocidentais algumas outras línguas, até então completamente estranhas para
Segundo um desses mitos da história .
humanístico da;; obras gregas teri , que p;rs1stem de maneira inexplicável, o estudo
os europeus. Firmas impressoras com sede em Alcalá, Antuérpia, Paris e Lon-
grupo de eruditos que, supostame:t:omt e~a ofuco~d a 'chegada à Itália, em I453, de um dres, produziram bíblias poliglotas entre os anos de 1517 e 1657. Cada uma
'enam g1 oaspr s d"- . dessas quatro edições sobrepujava as anteriores no número de línguas uti-
reg os de manuscritos raros ·D , d d i_ J e sas e uunstantinopia car-
. ad · eixan
tivessem feito tal coisa e o fat ai', b
° e IBUO a absol t · b bili'
b . u a1mpro a dade de que eles lizadas; para a edição de Londres, de 1657, nada menos de nove línguas (inclu-
, ui · 1 01 ias em esta elec1d d . . sive o persa e o etíope) tiveram de ser dominadas pelos compositores e re-
sec o XV já havia correspondido t' 'd d . o, e que aos pr1me1ros anos do
, .
proprros humanistas segu d
uma a 1v1 a e 1ntens [
.
J ·
a ... existe o testemunho dos visores de texto. Desse modo, criaram-se alicerces duradouros para o
l
ged1a.Ecaracterísticaalament ~ d
, , , ' n oosqua1saquedadeConst .
d ai h ;nh.noparepresentouumatra- desenvolvimento de novas disciplinas eruditas, depois que foram fundidos os
'[ J
n1 ... que escreveu em desespero
a~ao ocar e e uman1st A
N' .ola
S1·
. a eneas y vius Pi~çolomi- tipos e que foram lançados os dicionários multilíngües e as gramáticas dos
d d ao papa ic u, em 1ulho d 1455 "Q
egran
r
eshomensnãoperecerão'E~ · como uma segund
e : uantosnomes
H respectivos idiomas.
ronte das Musas está seca e " a morte para omero e Platão. A recuperação das línguas antigas seguiu o mesmo caminho que a recu-
A . 1 para sempre .
peração dos textos antigos. Um processo, que fora até então intennitente, pas-
sou a beneficiar-se de transformações contínuas e acumulativas. Depois que
Esse m't
tendências anteriores Por tud
. - d .
~ '?
1 o "estranh amente persiste t " . di
e
.
ca uma rnversão notável das
. o que sei, sena essa a pr' .
uma determinada descoberta pôde ser registrada de modo permanente pela
tnnçao e uma importante co nc.enraçao
t - d ema .1me1ra imprensa, abriu-se o caminho para uma série interminável de achados novos
. . 't r.vez que. ades-
reavivamento dos estudos d !' nuscn os ro1 associada ao e para o desenvolvimento sistemático das técnicas investigativas. O alcance
,emvez e ser 1gad ·, · d
vas. Nosso cardeal human1'st 1 . a ao m1c10 e uma era de tre- das sondagens sobre o passado foi progressivamente ampliado; textos e lín-
.
to as as lições da hist, ·
a reve ava expect t' b
a ivas que, aseando-se em guas perdidos ~ não somente para o Ocidente, mas para toda a humanida-
d, . ona, eram as correntes
ate que ponto o conhecimento d .
1 d'
naque es ias, e mostravam de, por milênios ~foram recuperados da morte, reconstruídos e decifrados.
des cidades. Hoj' e tendemos esap~decia, sempre que eram destruídas gran- Comparados com as técnicas refinadas de hoje, os métodos do século XVI
. , a cons1 erar norm 1 d parecem-nos rudimentares e canhestros. E, no entanto, por mais refinadas
contmnariam a florescer me d . d a que os estu os de grego
. , smo epo1s e os p . . .
cntos na referida língua have 'd - rmc1pa1s centros de manus- que se tenham tornado as descobertas hoje, ainda temos de recorrer a um inven-
. rem cai o em maos de tr h . to do século XV para preservá-las. Ainda nos dias de hoje, qualquer desco-
o, eIKamos de perceber quão t, 1r . r es an os; assim agin-
d- d h no ave co1 o rato d H berta acadêmica, seja qual for sua natureza (quer implique o uso de uma pá
nao ten am sido enterrado d · · e que omero e Platão
s e novo, mas em e d' h . ou guindaste, de um livro de código, uma pinça ou o carbono 14), terá de ser
ma os para sempre. , v z isso, ten am sido exu-
d registrada num veículo impresso, anunciada num periódico acadêmico espe-
- 0d florescimento dos estudos h eIAerucos · no Oc1deut . d · cializado e possivelmente anunciada em detalhes, antes de ser reconhecida
çao os contatos pacíficos com d . e, apesar a mterrup-
. . 0 mun o ·grego ilustrad · ·
mmtas mdicações de que a t' afi r
ipogr ia rnrnecera novos 0 d
o, conslitm uma das
' .
como uma contribuição, ou posta em uso.
o sa er. Graças a ela os estud d h b . , P eres a comumdade A arqueologia, escreve Roberto Weiss, "foi uma criação da Renascença.
d h ' os e e raicoearab t b' anh
a1ento: Os estudos bíblicos na Idade Média h . e am e~ g
O respeito pelos objetos antigos ... existiu quase que sempre. Mas buscaría-
aram novo
dos cnstãos tanto com J'udeus aviam dependido dos contatos mos em vão, no mundo clássico ou na Idade Média, um estudo sistemático
o mundo cristão ocidental ainda _ h .
como com gregos M
e~mo
·
d . d
epo1s o século XV, da Antiguidade". Sim, porque esse estudo sistemático ainda estava por vir um
dição contínua de comp t' . naolin.avia consegmdo estabelecer "uma tra- século depois de Petrarca. Como o próprio Weiss acentua, os estudos clássi-
e enc1a nas guas semíticas" · U ma fi rma impresso- .
145

/44
cos, durante a primeira met d d O
estágio assistemático A sist:U:t ~~1att'.'ocento, en?ontravam-se ainda num
.º Certos trechos da passagem citada parecem-me inválidos - especialmen-
so humanístico pôde ~e; comb' ldzaçao so se concretizou depois que o impul·
ma o com os novos tra · d te a afirmativa de que o homem medieval não tinha consciência de si mesmo.
cu1lura impressa Além di's ·d l . ~ ços proporciona os pela Jt provavelmente um equívoco atribuir a consciência de grupo a uma era, e
· so, o· esenvo vime t i t , · d .
sobre a Antiguidade teve ant d di n ~ s s emat1co e mvesti.'gações li consciência individual a uma outra. A sensação de pertencer a uma "cate-
. ece entes me eva1s al, d .
curiosidade sobre os ob'etos e I' . .em os renascentistas. A goria geral" etam6ém ser um "indivíduo espiritual" parece ter exist1do no mundo
!ada pela necessidade d J . as mguads antigas fo1 constantemente estirou.
e copiar e emen ar tanto 0 b d P , . ocidental cristão, tanto nos dias de Santo Agostinho como nos de São Ber~
as próprias Escrituras Sagr d as ras a atristica como nardo. Se houve realmente qualquer mudança na consciência humana duran-
a as.
Visto o assnnto sob esta luz ar . te o início da Idade Moderna, ela incluiu provavelmente o sentimento tanto
humanista.italiano ao tentar exp'IP ece eq~1vohcado fixar-nos n. o movimento
1car o assim c am d · d de identidade de grupo quanto de indivíduo. Há outras partes da mesma pas-
dos clássicos ou o desenvolviment d di . l' auxil~ '.ncremento os estu. sagem que também precisam ser reformuladas. Como aparecem no trecho cita-
. o e sc1pmasa iare OH .
pod e ter mcentivado 0 aprofu d d s. umamsmo do, elas se mostram tão ambíguas, que não se pode dizer com certeza o que
em si mesmo ode ter n amento os estudos clássicos como um fim
ceberem ana~~onismos~estmoro adguçad~ a ?apacidade dos estudiosos de per-
Burckhardt quer dizer com "esse resultado".
na o mais viva a cur' 'd d b d Apesar disso, eu não me incluiria entre os que objetam que essa passagem
aspectos da Antigu'd 1 a d e, mas nao• JOSJ a e so re to os os
não contém nenhuma questão substancial, ou que não houve transformação
pode t · · d0
continuidade que estáim ]' d d er pro~~pa o novo elemento de alguma na consciência humana que necessite explicação. Diferentemente de
. p ica o no uso o termo mcrement0 " As d b
tas relac10nadas com textos d'd , · esco er- outros críticos, aliás, não ponho em dúvida que as circunstâncias polít1cas então
per J os e 1mguas mortas com
1ar-se d e maneira nunca vista • eçaram a acumu- dominantes na Itália ajudaram a formação de um etboJ coletivo específico, que
Quattrocento um elhoJ es ecíÉ nao porque se tenha desenvolvido na Itália do
continha muita coisa nova, e que provou ser historicamente importante. Ao
posta ao alcance da com:nid i~o,dmas pordq~e uma nova tecnologia tinha sido
a e os estu 10sos em geral. mesmo tempo, acredito que se deve muito mais ao advento da imprensa, e
menos às circunstâncias locais da Itália, do que pretendem aquela passagem·
de Burckhardt e algumas de suas . interpretações posteriores. Dada a trans-
Pode-se aplicar interpretação semelhante formaçiío da consciência humana e a simultânea revolução nas comunicações,
dade de desenvolvimentos out. . .ao tratarmos de uma grande varie-
cultura da Renascença italia ros, que normalmente são relacionados com a parece-me forçado atribuir tal mudança às condições políticas da Itália.
Dos dois lados da consciência humana a que se refere Burckhardt, o
Poderíamos, por exemplo volnat e que parec.em apontar para a Era Moderna.
• ar-nos para a mtr d • · aspecto chamado objetivo não nos deve ocupar muito, uma vez que a mudan-
para sua seção sobre "o desen 1 . d . ºd.uçao escrita por Burckhardt
vo vunento o m ivíduo ": ça de opiniões sobre o "mundo e a história" já apareceram na discussão ante-
rior.Permitam-me observar, contudo, que o problema poderia ser tratado de
Na Idade Média, ambos os lados da ., . humana [ J · ·
despertos ou em sonho d b · d consc1enc1a
, ··· Jaziam como que semi- modo mais satisfatório, se ele fosse formulado de maneira um tanto diferen-
, e aixo e um veu comum Este , .
são e encantamento infantil :E . h' , . . veu, que era tecido de fé, ilu- te. Perguntar se a mentalidade medieval era especialmente infantil ou crédu·
, , azia com que a istona e o mund fi .
tidos de cores estranhas O h .h ." · d · o assem VIstos comoves- la não me parece uma indagação muito construtiva. Eu preferiria, em vez disso,
. ornem tm ac
membro de uma raça . onsc1enc1a e s1 mesmo exclusivamente como insistir no fato de ter sido geralmente aceito, por parte de adultos aliás sen-
, d ' um povo, um partido, uma família ou corpora ~
ves e alguma categoria geral F01. Itál" çao - somente atra- satos, inteligentes e cultos (pertencentes a grupos de elite antigos, medievais
. • na ia que este véu se des h ] .
merra vez; tornou-se possível um tr t b" . mane ou no arpe a pn- e/ou renascentistas), aquilo que alguém já descreveu em outros lugares como
a amento o ienvo do estado e d t das . d
mundo [ ...] ao mesmo tempo [ J h e o as coisas este uma "história fantástica e geografia imaginária". A incapacidade de distin·
,.. o ornem se tomou um indivíduo . . - i h
cendo-se a si mesmo como tal [ ] 11.J~ , d'r, . esp1r1tudl1 recon e- guir entre o Paraíso e a Atlântida, por um lado, e entre Cathay e Jerusalém,
. . ... 1 'ªº sera u1c1l demonstr l d .
devido principalmente às circunst" . i_, • - • ar que esse resu ta o fo1 por outro; - entre unicórnios e rinocerontes, entre o fabuloso e o real - pare-
anc1as pouticas entao_ 1mperantes na Itália. -
ce distinguir as mentalidades antigas da nossa própria, de um modo que sus-
146

147
· d · ai' 0 moderno Suas cartas
em certo sentido, pode ser conside1·l~do con10 o ptu o }~r~. ~~mde determi~ada, depois
cita curiosidade e requer explicação. Como poderemos justificar essa visão e artigos de temática variada eram nnpressos com peno ic1 a
estrauhamente colorida? Evidentemente, ela não foi explicada de modo ade- de haverem circulado enire um público moderadamente numeroso.
quado em Burckhardt, por suas vagas alusõ~,s poéticas a sonhos e véus medie-
vais, que se desfazem no ar sob o impacto de circunstâncias políticas da Itá- O título de "pai do jornalismo moderno" talvez s~ja p~ tmais_di~ni~­
lia. Como já sugeri em comentários anteriores, acho que poderemos encontrar d s fundadores da imprensa dita de sarJeta. m ora nao .en .ª
melhores e mais justas explicações, se considerarmos as condições de cultu- c'."'dte par.a u~ ~esbocado a tentar a carreira literária, Aretino foi o pnmedi-
ra da era dos escribas, e a maueira como elas se trausformaram após o adven- si o o primeiro . d .t de publicidade. Suas atividades, o
. eito 0 novo sis ema .d d
to da imprensa. Depois de passar em resenha a controvérsia sobre a locali- ro a tirar pdroovque as realizadas por seus sucessores em certas comum a es
zação do Paraíso - que seus contemporâneos situavam em lugares tão mesmo mo . h de letras passa-
de artistas malsucedidos, parecem sugerir que os d º'.'1ens
distintos como a Síria e o pólo Ártico - , o editor de mapas do século XVI, rama contar com novos poderes, após o advento a nnprensa.
Abraham Ortelius, decidiu riscá-lo da lista de problemas dos geógrafos:
"Tenho para mim que por Paraíso se deve entender a vida abençoada". Ao
meditarmos sobre como foram retirados os véus, não devemos ignorar os pro- Ao considerarmos o individualismo renascentista, convé~ t~r ebm mf:~te
gramas dos editores de mapas e constru.tores de globos. A ausência de mapas d' dos or literatos, em seu propno ene lClO.
uniformes delineaudo as fronteiras políticas me parece ter mais relevância para que esses poderes po iam ser usda RP 'b\'ca das Letras durante o século
· al p· rre Mesnar , a epu i '
a confusa consciência política das épocas auteriores do que se tem observa- Como assm ou ie . acl 'd dão sentia uma voca-
ia um estado recém-libertado, em que c a ci a . -
do na grande maioria dos estudos históricos. Para Ortelius, como para Heró- XVI, parec . . . . tro Muitos dos recursos que ainda sao
. · , \ ser pruneiro-mmis ·
doto, a geografia era o "olho da história". A imprensa alterou o que podia ser ção irres1stive para . . d 1 rimeira vez na época
visto por esse.olho metafórico. Um atlas como o Theatrum permitiu aos usados pelos agentes de imprensa floram testa ~st~.:::as de publicidade, dei-
de Erasmo. Poucos autores, ao exp orarem nova - A d !' . r da-
homens representar mais clarau1ente o mundo passado e o de hoje. E isso foi
possível porque se .haviam. alterado os métodos de coleta de dados, e não as :x:aram de dar alta priorida?e à sua própdria pliromoçalaoe,'m ;:~ár~o~s:::~: e:pe-
, . b . 1 t' os para ven er vros,
circunstâncias políticas da Itália. ção de auuncios. ªJ~ a onh .dos foram utilizados também pelos primeiros
Sem nos alongarmos mais sobre esse tópico, passemos agora ao tratamen- clientes prroesmoq:;~:~:l~a:.:iagr~ssivamente para alcauçar reconhecimento
to que Burckhardt dá ao lado "subjetivo" da consciência humana. Fica evi- impresso , b d · der
dente, mesmo à primeira vista, que o tema da autoconsciência é tratado de público para os autores e artistas cujas.º ras ese:::im~~: rel~vautes para
De modo geral os novos poderes da imprensa p 1· - . d' .
maneira desigual. O autor começa pisando em terreno instável e conclui seu . .d au de reconhecimento conferido às rea izaçoes m i;'1-
percurso em solo fume, quando passa da idade dos escribas para a dos impres- edxphcar: :~;;:aod~concertaute verificar que eles não são sequer men~10-
sores. Parecem suscetíveis de crítica, sob vários aspectos, suas passagens ini- uais, q e . d ássunfo Pode-se citar o testemu-
ciais, em que descreve como, ''.no final do século XIII, a Itália começou a fer- nados na maioria das obras que tratam .~ . · 'd ade pública sobre
enr que a cunosi
nho de.profetas e pregad ores para sug , . d· . tam-
vilhar de individualidade". A seção· se encerra, contudo, com uma avaliação . . . d tal como o desejo de fama e gloria mun anas - e assm~
muito mais direta de uma nova carreira, que apontava na direção do futuro vidas pnva as, 1 , . vaidade - teve antecedentes veneqíve1s: No
e se baseava na exploração dos novos poderes da imprensa. bém a avareza, a uxuna ou a ', . ' histórias de san-
, . . a tornou-sé passivei acrescentar, as
tanto graças a imprens , . .
en ' . . .rt ~. .
b'iogranas e aut ob'wg rafiias dép· essoas mais comuns,
. .
Aretino fornece-nos o primeiro grande exemplo de abuso de publicidade[ ... ] Os escrí- tos e reis lll uosos, . h ' AI, dlS'. so a imprensa mcenh-
'd . mais eterogeneas. em '
tos polêmic_os que Poggio havla trocado· com seus opositores cem anos· antes não eram. envol'; ~em carreiras o ão dos autores, bem como o.s autores a sé
menos abjetos em seu tom .e finalid~de, .mas não se de&tinavam· à i1nprensa. Já.J\retino vou os editores.ª faze~em promul ç 'b - havia condições para o paten-
tirou todas as vantagens d.e uma call).p.an11a de publicidade completa, motivo por que,
promoverem a st próprios. Na c tura escn a nao
149
148
teamento das invenções nem para o reconhecimento dos direitos de copirrai-
te dos trabalhos literários; na realidade, aquela cultura atuava em sentido con·
trário à concepção de direitos individuais de propriedade intelectual. Ela não
se prestava a preservar traços de idiossin~rasias pessoais, nem a ventilar
publicamente pensamentos particulares, ou qualquer das modalidades de
publicidade silenciosa que deram forma à consciência individual durante os
últimos cinco séculos.
O papel preservador da imprensa deveria receber mais atenção, quando
se trata do aparecimento de artistas célebres enquanto indivíduos, que se dis-
tinguiram em caráter único, saídos das fileiras dos artesãos anônimos. Com
isso, não queremos negar que, já muito antes do advento da imprensa, alguns
artistas tinham se tornado alvo de louvores, na qualidade de cidadãos emi-
nentes (em especial, na cidade de Florença). Nem devem ser descartados os lti licados tão freqüentemente que permanecem reconhe~
Os retratos de Erasmo e Lutero foram mu dp t. 'da da obra de Jean Jacques Boissard,
sinais de exacerbada auto-estima e autoconsciência que podem ser verifica- . . h . À rd uma gravura e Erasn10, ex tai ' . .
cíveis ainda OJC- esque a, B k 1597 ~ 99 v. 1 P· 220). A direita, um rctra-
dos em vários tratados que remontam à época dos escribas, redigidos por artis- . · 'li 1 •· (Frankfurt, M. ec er, ' ' 'd
JconeJ q11iJ1q11a.qwta YtFOrumt uJ iutm d G: Lucas Cranach, extrai o
. ·1 ído ora a Hans Bal ung- uen, ora a .
tas florentinos sobre eles próprios ou sobre seu ofício. Simplesmente, quere- to de f~utero em xilogravura, atr1 u. . lo . (B .·1-· Adam Petri, 1520, verso da página de
mos dizer que o culto da personalidade, que era solapado de modo contínuo da obra de l\tlartinho Lute~o, Decaptt;tfate b~hy_ n~a Fo~;:';hakespeare Library.
rosto), Reproduzidos n1ed1ante gent1 pcrm1ssao a
pelas condições da cultura associada à figura do escriba, passou a ser vigo-
rosamente reforçado, após o advento da imprensa. Nem mesmo as histórias .. f didade A investigação levada a efeito por Vasari foi a pri-
individuais dos mestres mais famosos poderiam ter sido registradas, enquan- qmsa em pro un · · tr d correspon-
. b d modo sistemático em entreVIstas, oca e .
to não houvesse abundante material de escrita. Por outro lado, enquanto os me1r~ a asear-se e ao tratar dos rocedimentos usados e dos obJe-
documentos não fossem duplicados, teriam poucas chances de se preserva- dência e trabalhos de campo, . . P A Vidlkl refletem ainda a
rem inalterados por mais tempo. Quando os manuscritos do século XV se con- tos produzidos por geraç~es de art1s:as e~r~pe:pli~ a abrangência de uma
.d d que a unprensa merecia, e ad
verteram em impressos, alguns materiais efêmeros tiveram sua preservação nova oportum a e, . _ outra A se nda edição, public a
assegurada, juntamente com as obras formais. Tratados, peças de oratória, determinada obra, de uma ediçao para a · l'adgu d · · a de 1550
_ ente amp 1 a a pnmeir , ·
correspondências íntimas, anedotas e desenhos, tudo isso foi levantado por
1568 constituía uma versao enormem d
em ' . d . , . co por Florença e apresentou na a
C( acima O entusiasmo C!Vl . .
Vasari, para suas famosas Vid/kl. o ocou-se b b' o áficos. Além de outras inovações notáveis,
O trabalho de Vasari é freqüentemente saudado como o primeiro livro menos q11e 75 novos es oços 1 gr . allbar cada um desses
dedicado especificamente à história da arte. Tem-se salientado muitas vezes trazia retratos em xilofgravura, destm~:~ac:~::~me com o rosto respec-
b s Apesar dos es orços para com i . .
também o caráter inovador de sua teoria dos ciclos culturais. Mas há outros es oço : ; . J_ 'd tr'buídos retratos apenas conJecturais
tivo é s1gmficativo que tennam si o a '
aspectos de seu empreendimento, talvez menos collbecidos, que merecem maior ' · d 'ulXV.·
atenção, pois revelàm como a arte da biografia se beneficiou com as mudan- a artistas que VIveram antes 0 sec 0 · · d individua-
A , , 1 XV. até os auto-retratos de artistas careciam e
ças provocadas pela imprensa. Já é digna de nota, em si mesma, a quanti- te o secu o '. 1 . d eríodo dos escribas refreavam as
dade de indivíduos engajados num cometim.et;to similar, de que trata a segun- lida~e, pai~ asd.cond1~õ~s cu ~:ai;ete~~inado artista-mestre poderia retra-
da edição de seu trabalho em vários volumes.· Cor;elacionar obras de arte e mamfestaçoes e narc!Slsmo. f ntalhe encimando um por-
d figuras de um a resco ou num e 'd
registros biográficos, para 250 casos separados, representava um feito sem :;::~~~:,::ausência de qualquer registro escrito, ele perderia sua 1 en-
precedentes. Além da expansão de escala, houve um esforço inédito de pes•
151

150
PICTORllS Ol'llRIS,
i;)ciiltiÇUI lfüilhll4U'«:' !lli6"tul ~Çflct.
L E O N H A R T V S F V C H S l V S.
AE TA T J S S V AE A NANO X LI,

SCVLPTOR
IDlt«I ilj;~olp\). Gpççfle.

Dos iluministas medievais só conhecemos a letra, ao passo que fOram preservados ós rostos de alguns
ilustradores do início da Idade l\iloderna. Além do retrato de Fuchs, autor do herbário, vemos aqui
os retratos de seus artistas-ilustradores e de seu gravador, tal como aparecen1-nesta edição dn obra de
Leonhart Fuchs, De hi.iforúr,itirpium (Basiléia, Isingrin, 1542). Reproduzidos mediante gentil permis-
são do Departamento de Coleções E.speciais das Bibliotecas da Universidade de Cambridge.

152
153
tidade aos olhos da posteridade e, no curso do tempo, se tornaria mais um zirarn) permanecem tão desconhecidas de nós como os marceneiros ou esmal-
artesão sem rosto, dentre os que levaram a termo uma tarefa coletiva. O mesmo tadores de então. Mesmo os mestres cujos nomes conhecemos - porque
pode aplicar-se a esses esporádicos retratos de autores que restaram da eles não tiveram a modéstia geralmente atribuída aos "humildes" artesãos
fuitiguidade. Como resultado de um contínu~ processo de cópias, a fisiono- medievais, e se deram ao trabalho de gravar seus nomes em materiais per-
mia de um autor era transferida para o texto de outro, e seus traços carac- manentes-, mesmo esses homens parecem carecer de individualidade, por-
terísticos eram desfigurados ou apagados pelo tempo. Com o correr dos sécu- que não há outros registros escritos acompanhando as orgulhosas inscri-
los, a figura à escrivaillnha, ou o estudioso de beca segurando um livro,
ções por eles deixadas. . " ,,
tor_nara-se m~ramente um símbolo impessoal do autor em geral. Como já foi Cada livro copiado à mão, diz-se por vezes, era uma façanh~ ~essoal .
salientado acima, essas imagens impessoais não desapareceram quando 0
Na realidade, muitíssimos dos livros produzidos à mão eram divididos por
manuscrito foi substituído pelo impresso. Ao contrário, passaram por uma tarefas, para serem copiados e trabalhados por várias pessoas. Contudo,
padronização maior e multiplicaram-se graças aos processos da xilogravu- mesmo nos casos em que uma só mão executa todo o trabalho, do mc1p1t ao
ra e da incisão. Assim como uma determinada vista de cidade poderia ser colofão e uma assinatura por extenso é deixada no final, quase não restam
rotulada com nomes de locais distintos, nas antigas crônicas impressas o mesmo '
traços personalísticos deixados pela presumível "façanha pessoal" : Parad o-
perfil humano poderia ilustrar indivíduos diversos que estivessem desem- xalrnente, temos de aguardar. a época em que os caracteres de imprensa
penhando papéis ocupacionais semelhantes. O manejo descuidado de blo-
impessoais substituem a caligrafia, e que º. col~fã~ p~droni:ado toma o lugar
cos xilográficos gastos levou também a comédias de erros e a confusões de da assinatura individual, para que as expenênc1as rndividuais possam ser pre-
identidade. Ao mesmo tempo, contudo, intensificou-se o desejo de fama; 0
servadas para a posteridade, e para que personalidades marcantes se sepa-
auto-retrato adquiriu um sentido novo de permanência; uma percepção cada
rem permanentemente do grupo ou do tipo coletivo ..
v~z mais aguda da individualidade seguiu-se à crescente padronização; e sur- O novo meio não foi utilizado somente para anunciar nomes e retratos de
gi~ u~a promoção deliberada, da parte dos editores e negociantes de mate- autores e artistas; foi explorado igualmente pelos desenhistas de comportas
nais unpressos, daqueles autores e artistas cujas obras eles esperavam ven- de canais, engenhos para sitiar cidades e outros trabalhos públicos de larga
der. Com os catálogos de livreiros e páginas de rosto, vieram também os retratos
escala. As novas matrizes de madeira, gravuras, cartazes e medalhões deram
de autores e artistas. Fisionomias distintas tornaram-se, cada vez mais, liga- mais visibilidade e encanto a urna variedade de recursos" engenhosos". Depois
das de modo permanente a nomes distintos. Os retratos seiscentistas de de se tornarem assunto dos livros impressos, as" obras públicas" de maior porte
autores como Erasmo, Lutero, Inácio de Loyola e muitos outros foram mul-
tornavam-se atrações turísticas, passando a competir com as ruínas roma~as
tiplicados com freqüência suficiente para serem copiados em incontáveis livros e os velhos locais de peregrinação. As prosaicas funções de alavancas, pohas,
de história e continuar reconhecíveis até hoje.
engrenagens e parafusos dramatizavam-se na pena de artistas tale~tosos;. os
As figuras históricas, quando podemos atribuir-lhes fisionomias distin- empreendimentos de engenharia eram mostrados sob a mesma veia herm~a
tas, adquirem personalidade mais diferenciada. A individualidade carac-
que os poemas épicos. Uma parte, pelo menos, dess~s ép~cos de engenha~1a
terística das obras-primas da Renascença, em comparação com as de épo-
do século XVI pode ser descrita como lances prornoc10nais tentados por tec-
cas antenores, se deve provavelmente à recém-conquistada possibilidade
nicos ambiciosos, em.busca de patrocínio e encomendas. Como vencedor de
de preservar, por meio da duplicação, os rostos, nomes, locais de nascimen- uma concorrência para transportar um obelisco para Sixto V, Fontana não
to e histórias pessoais dos criadores de obras de arte. As mãos dos mestres
ganhou uma coroa de louros, mas conseguiu dar publicid~de a seu exitos~
iluminadores ou gravadores de pedra medievais não eram menos originais
empreendimento, por meio de um cartaz exuberantemente ilust:ado, .que fm
- como comprovam as investigações de historiadores de arte. Mas as seguido de uma verdadeira chuva de folhetos. Mmtos outros livros ilustra-
personalidades dos mestres (que são conhecidas, de modo geral, somente
dos, destinados a apresentar "teatros de máquinas", também serviram de
por suas iniciais ou pelos livros, altares ou tímpanos de igreja que produ-
propaganda a sens autores.
154
155
"A Renascença preencheu o vácuo que havia separado o pensador e o estu-
dioso acadêmico do praticante." É claro que a "Renascença", por ser uma abs-
tração, não pode ter feito isso. Asemelhança de,outros que discutem o assun-
to, Panofsky realmente quer dizer que o vácuo foi preenchido durante a
Renascença; além disso, como outros autores, ele tem em mente certos fato-
res específicos. Enquanto outros chamam a atenção para certos fatores socioe-
conômicos, ele salienta a versatilidade demonstrada pelos artistas do Quattro-
cento: a "demolição de barreiras entre o trabalho manual e o intelectual foi
alcançada pelos artistas (que tendem a ser subestimados por Zilsel e Strong)".
Na realidade, muitos grupos diversos - de médicos, músicos e arquitetos. -
buscaram combinar, em diferentes momentos, o labor manual e o trabalho
mental. Na minha opinião, contudo, só foi possível atingir essa combinação,
de modo permanente, após o advento da imprensa. E esta, uma vez posta em
operação, provocou mutações ocupacionais que afetaram não só a arte como
também a anatomia.
Ao buscar explicar novas interações entre a teoria e a prática, entre o eru-
dito e o artesão, poucos são os autores que nem sequer mencionam o adven-
to da imprensa. E, no entanto, aí estava uma invenção que tornou os livros
mais acessíveis ao artesão, e os manuais práticos mais acessíveis aos. estudio-
sos, o que, por sua vez, incentivou artistas e engenheiros a publicar tratados
de cunho teórico, e recompensou os professores por .traduzirem textos téc-
nicos. Antes da Renascença, diz-nos Panofsky,

[...] a falta de interação entre os métodos manuais e intelectuais[... ] fizera com que as
admiráveis invenções de engenheiros e artífices medievais ficassem ignoradas dos que
eram então chamados filósofos naturais e [ ...J por outro lado, impediu que as igualmen-
te admiráveis deduções dos lógicos e matemá~icos fossem sequer testadas pela eÀ-peri-
mentação.

A prensa tipográfica foi uma invenção que não escapou da atenção dos
filósofos naturais. Embora ela tivesse se originado na oficina de Vulcano, e
fosse, portanto, suscetível de provocar um pretensioso desdém, o fato é que
0 vencedor de um concurso para transpurlar um o be1isco · para.º
- pap a Sixto
. ,\'anunciou
. .stJa, fà,ça-
'-
ela servia aos gramáticos e filósofos, não menos que aos artesãos e engenhei- nh com a tiraO'effi de uma cdiçãoinfofi.o cm que aparece seu próprio retrato na pagina de rosto. Ex]tra~
ros. Era relacionada também com Minerva, deusa da sabedoria, como demons- do ~e Domcn~co Pantana, Dd modo tenulo nel tra,1porlare l'ohcli:icv Vi1tic11no (Roma, 1589). Reproc uz1-
tra de modo gráfico o frontispício deste Üvro. Conforme se verifica pelos tri- do inediante gentil permissão da F olger Shakespeare Library.

butos prestados à primeira imprensa estabelecida em Paris, tanto os literatos


como os religiosos acolheram a nova tecnologia coino uma "arte divina".

151i
157
O novo modo de produzir livros não se limitou a chamar a atenção dos fil6.
sofo~ P:U-ª o trabalho dos artífices, e vice-versa. Também aproximou os ratos <lo separadas as diferentes formas de conhecimento, e ~s havi~ vei?~ado po;
de b1bhoteca e os mecânicos, fisicamente, como colaboradores na mesma fi. meio de "correias de transmissão" separadas. Ele consideraº. anse10 irre~1st1·
cin~· figura do me~tre-impressor, ele próduziu um "homem novo", que era
l'!ª vcl ele compartimentar" como nma "idiossincrasia da mentaliclacle próp~a d~
0

ultt\ Idade Média", enquanto eu tendo, em vez disso, a reconhecer.descon11nm·


pento igualmente em lidar com máquinas e comercializar produtos, ao mesmo
tempo que ~ditava texto~, fundava associações culturais, promovia artistas e cindes que eram inerentes às condições culturais da e:a dos ~sc:i~as. Manter
08 canais de transmissão separados provavelmente eVItou a dilmçao ou detur-
autores ou fazia progredir novas formas de coletar dados e diversos ramos de
disciplinas eruditas. A variedade dessas atividades, não só intelectuais como pação das informações, enquanto elas eram passadas de uma geração a o~tra.
práticas, de que se ocupavam as mais famosas finnas do século XVI é em si · Muitas fonnas de conhecimento tinham de apresentar-se como esoténcas,
mes~ª'. impressionante. Cl~ssi?os gregos e latinos, livros de direito, traduções no tempo dos escribas, para poder sob:eviver. In~ependentemente das q~~s­
da Biblia, obras de anatonua, hvros de aritmética, herbários, volumes de ver- tões relacionadas com a ortodoxia rehg10sa, os sistemas fechado~, ~ ~rat1ca
sos belamente ilustrados - tudo isso, saído da mesma oficina, só pode ter resul- do sigilo e até mesmo as barreiras mentais cump~i~ funções sociais .nupor·
tado de encontros férteis das mais diversas naturezas. Os encômios contem- tantes. Não obstante a fluidez dos textos, a mobilidade dos manuscntos e a
porâneos aos mestres-impressores e seus produtos devem ser vistos com dispersão ou destruição de coleções de documentos, muit~ p.ôde ser apren-
esprrito cético - exatamente como se recebem hoje as afirmações exageradas dido no decorrer dos tempos, por ensaio e erro. Mas as tecmcas avançadas
dos autor~s de orelhas de livros e dos publicitários . .Mas a hipérbole não pare- não ~adiam ser passadas adiante sem serem abrigadas da co~tamina~ão e pro·
c:,
de.scab1da, quando aplicada à quantidade e variedade das trocas de expe- tegidas pelo segredo. Para serem mantidas intactas, essas tecm~as tmh~rr_i de
nenc1as que f~ram fomentadas pelos mestres-impressores em Veneza, Paris, ser confiadas a um grupo de iniciados, que não somente aprendiam hab1bda-
Lyon, Antuérpia, Frankfurt e outros grandes centros comerciais do século XVI. cles especiais, como também eram instruídos nos "mistérios" a elas :~sacia·
Cau~a estranheza, de fato, ver que a figura do mestre-impressor aparece dos. Símbolos especiais, rituais e encantamentos cumpnam a necess"."a fun-
ção de organizar os dados, estabelecer cronogramas e preservar técmcas, em
sem ma10r destaque no tratamento dado por Panofsky aos "grupos e amiza-
des que levara~ à fertilização recíproca". Graças à atuação do impressor, os fonnatos ele fácil memorização.
trabalhos de edição, tradução e análise textual foram transferidos do recin- As dol,ltrinas cultivadas por monges enclausurados e por freira~ veladas
to dos daustros para ativas lojas comerciais, onde acadêmicos togados e eram, curiosamente, menos protegidas pelo sigilo do que alguns ofíc10s e mis-
comerciantes trabalhavam lado a lado com artífices e mecânicos. As ativida- térios conhecidos somente de funcionários e artífices. A Igreja - . com seus
des do mestre-impressor reuniam formas de trabalho que haviam estado exércitos de apóstolos e missionários, com sua propaganda oral e VJsua~, c~m
separadas antes, e que voltariam a separar-se mais tarde, em outras bases. seus símbolos e rituais esotéricos tão onipresentes - parece ter c~nstitmd.o
Seus produtos acarretaram o aparecimento de novas interações entre teoria uma exceção notável às regras normalmente impe:~tes. A ~espe1:0 ~e nb·
e prática, :~tre trabalho intelectual abstrato e experiência sensorial, entre lógi-
lizar 0 trabalho dos escribas, ela conseguiu transm1tlf a doutrm~ crista, ap~­
ca s1stemat1 ca e observação cuidadosa. sar ele proclamá-la abertamente e evitar o tipo de sigilo qu: haVIa caracten·
Sem a fixidez tipográfica, provavelmente não teriam sido tão frutíferas as zado os sacerdócios pagãos e o culto dos mistérios. l'vlas a Igreja, que controla~a
novas interações. assim.incentivadas, tanto no interior da oficina do impressor, a maioria cios centros produtores de livros, bem como o recrutament~ e tre~­
namento de copistas, era provavelmente a única instituição capaz de mst~mr
?amo pela ampliada circulação de seus produtos. O poder preservador da
nuprens:i permitiu dispensar as "barreiras" de que fala Panofsky. "A Renas- seus sacerdotes, ao mesmo tempo que proclamava a Verdade ao ~undo la1~0.
cença f~1 um períod.o de des~ompartimentação, isto é, um período que rompeu Foram necessários esforços heróicos para assegurar qne. o seni1do e~pec1al
normalmente associado aos símbolos, rituais e liturgia cnstãos não VIesse a
as barreiras que haVJam mant1do as coisas em ordem - mas separadas - duran-
te a Idade Média." Como observa ele, essas barreiras haviam até então manti. perder-se ou diluir-se, no correr cios sécnlos'. mas, ao c~n:rário, se tornasse
cada vez mais acessível a uma população parcialmente lahmzada, e largamen-
158
fj9
te bárbara. As energias mobilizadas para essa tarefa evangelizadora tendiam
milagre, autodidatas e autoproclamados, que muitas vezes se revelavam mais
a esgotar as capacidades da cultura da era dos escribas para transmitir outras
competentes como agentes de impre'.1sa do q~e.em qu~quer das artes.anti-
mensagens, ~em restringir o acesso a minorias selecionadas, qne perpetua-
gas. Ao mesmo tempo, a atitude medieval do s1g1lo contmuou a ser prattc~da
vam outros sistemas fechados de conhecinfento, mediante 0 uso de canais de
transmissão separados. entre muitos artesãos, mesmo depois do declínio das corporações de ofícios.
Mais de dois séculos depois de Gutenberg, JosephMoxon ainda, se l:istima-
va: "O entalhe de letras é um ofício manual tão bem guarda~o ate ho1e ent~~
O processo de fertilização cruzada que ocorreu quando esses sistemas com-
os artífices, que não consigo saber de alguém que o tenha ensmado a outrem .
partimentados se tornaram de domínio público não foi de modo algum claro
~u e~egante. A esse respeito, enganam os estudos retrospectivos sobre 0 O receio a novos censores, tanto quanto a ambivalência relativa à "º".ª
imbn~mento das ati~dades e disciplinas relativamente rigorosas praticadas publicidade, também deu origem a reações amplamente diver~as entre,"';, ~li­
tes profissionais e acadêmicas. De todo modo, o recu~so deliberado a lm-
por artistas, anatom1st~s, mecânicos, astrônomos e semelhantes. Segundo
Frances Yates, a mecâmca e as máquinas eram "consideradas como um ramo guagem de Esopo", a utilização de alusões e c~mentá',1os velados ~~ssaram
a ser mais comuns após a imprensa do que o tmhani sido antes. Imc1almen·
da magia, na tradição hermética". Durante .a era dos escribas, contudo, a ten-
te, foram ampliados e reforçados os velhos mand~entos esotéricos de oc~­
dência a associar artes mágicas com ofícios mecânicos não esteve restrita aos
tar as verdades mais elevadas ao conhecimento público. Enquanto alguns f~o­
s~guidores da doutrina de Hermes Trismegisto. Enquanto os saberes dos ofí-
sofos naturais seguiam Francis Bacon, que instava pela abertura das lo1as
cios foram transmitidos por círculos fechados de iniciados, receitas não escri-
fechadas bem como por um intercâmbio mais livre de idéi~s'. outros, como
tas de todos os tipos pareceram igualmente misteriosas aos não-iniciados.
Sir Walter Raleigh, reagiam contra os excessos da nova publicidade, louvan-
Mesmo quando foram escritas e conservadas em livros de assentamentos da
do os antigos sábios por preservarem ou dissimular~m certas ".erdades. Copér-
confraria, as instruções .ainda podiam parecer "misteriosas" às pessoas de fora
da~uele cír~uh O avental de pedreiro podia servir tanto. quanto 0 olho de nico e Newton foram tão relutantes, quanto Vesalius ou Galileu foram .dese-
josos de recorrer à imprensa. Não sofreu de modo algum, durante o~ dias de
Horus para indicar segredos guardados do público em geral. As fórmulas secre-
t".8 ~sadas ~elos alquimistas confundiam-se com as receitas utilizadas por boti-
Francis Bacon, uma derrota decisiva a "concepção de colaboração científica
como um encontro de iluminados que guardam com ciúmes suas descober-
car1os, ourives, esmaltadores ou fabricantes de alaúdes. Todos haviam per-
tas preciosas e misteriosas". Apesar de tudo, a base dessa concepção fora dras-
tencido ao mesmo "submundo do conhecimento", e agora ganhavam um
lugar ao sol mais o.u menos ao mesmo tempo. ticamente transformada, quase que a partir do momento em que apareceram
no mercado os primeiros catálogos de livreiros. . .
Assim, quando a "tecnologia teve acesso à imprensa", também teve aces-
Os pontos de vista que se formaram àtendendo à necessidade de evita'.' a
so à imprensa um vasto acervo de práticas e fórmulas ocultaS, e poucos leito-
corrupção dos dados eram incompatíveis com a produção em massa de obje-
res ~stavam em condições de distinguir entre os dois campos. Essa c011fusão
tos vendidos 110 mercado aberto. Essa insistência no disfarce, como obser-
pers1stm por um século e meio, pelo menos. As publicações que tratavam de
forças naturais invisíveis passaram a circular por toda parte, incluindo mesmo vou mais tarde o bispo Sprat, era estranhamente defendida p~r :~to~;~, q~e
o mundo do espírito. Com isso, enriqueceu-se muito o que mais tarde veio a produziam hut-JellerJ e "continuavam a impriniir seus ma10res m1~te~~s .. ~os
s~r ~escrito como a "história natural do disparate". O mesmo sistema publi- lhe pedimos", escreve Paracelso, "manusear e pri:servar e~te m1steno divino
com 0 mais absoluto segredo". Este pedido, gue sena apropriado, se fosse e~de­
c1tár10 que, por um lado, contribuiu para a disseminação dos conhecimentos
públicos e permitiu aos fabricantes de instrumentos anunciar suas mercado- reçado a um seleto grupo de iniciados, torna-se ab.su~do quando d1ssem_m~­
do aos quatro ventos, mediante promoção comercial JUnto ao grande ~ubli­
rias, incentivou, por outro, a difusão de anúncios mais sensacionalistas. Des·
cobertas de pedras f~osofai~, .chaves para todos os conhecimentos, curas para
co em geral. Do mesmo modo, ouvir uma pessoa '.~ar em proteger as perolas
dos porcos, quando ela está procurando vender 101as a quem quer que apa-
todos os males, tudo isso fm livremente prometido por certos profissionais do
reça, provocará desconfiança tanto sobre suas intenções como sobre o valor
160
161
real dos p~odutos por ela oferecidos. O feiticeiro que explorava 0 medo do e de que os erros surgiram à medida que ns eras se sucederam" era encarada
d;sc?nhec1do tornou-se com o tempo o charlatão que explorava a mera igno- como óbvia. A tese da superioridade dos antigos somente precisou ser defen-
r~nc1a - pelo menos aos olhos das "ilumina\!as" elites profissionais e acadê- dida depois que essa era chegou ao fim.
°'._1c~s. O est_udo da ."magia e cabala" foi aos poucos separado da pesquisa aca- Uma vez que a "mera restauração da sabedoria antiga" está hoje inteira-
~emi~a. HoJe em dia, a separação é tão completa, que temos dificuldade em mente esvaziada de seu conteúdo inspirativo, tendemos a subestimar suas
1m~mar ~e q~e modo o estudo de registros empoeirados e línguas mortas numerosas contribuições ao progresso cognitivo numa época anterior. Tam-
podia ter Jamais causado tanto tumulto.
bém tendemos a interpretar mal o efeito de atribuir aos antigos façanhas notá-
Os historiadores modernos que trabalham no campo de estudos sobre a veis em todos os campos. Longe de ser nm obstáculo para a inovação, a cren-
~enas:ença achain necessário lembrar a seus leitores que um "sentido de revi- ça num desempenho extraordinário localizado no passado incentivou os
VIficaça~ [ ...] acompanhou os esforços para interpretar as fontes originais". imitadores a tentar exceder sua atuação normal. A idéia de que o domínio
:e11!os d1fic~~ade,,em recapturar esse sentido, porque o significado da expres- insuperável de uma determinada arte tinha sido alcançado por graça divina
s~o fonte ongmal _(ou, neste caso, "fonte primária") há muito tempo' foi esva- numa idade do ouro passada definia um nexo entre imitação e inspiração.
:iad~ de su~ associações inspirativas. Quando decifra uma inscrição antiga, Do mesmo modo como um novo gênero de drama musical,, a ópera, foi cria-
e mais provavel que um filólogo moderno espere encontrar um conhecimen- do à guisa de ressurreição do antigo drama grego, assim também as novas
to de carga de um comerciante, ou mesmo uma lista de compras de secos e rotas oceânicas foram sendo riscadas, enquanto se buscavam fontes da juven-
mo~hados, do que ~m.a p_ista para chegar aos segredos que Deus confiou a tude e cidades de ouro. Até mesmo a "invenção" da perspectiva central pode
Adão. Poderes temve1s aindaJão associados à decodificação do Livro da Na- ter sido provocada pelos esforços no sentido de reconstituir as ilustrações
tureza, é certo, mas não se busca a chave estudando a Linear B p perdidas de algnm velho texto alexandrino. Somente depois que os velhos
· h os d o Mar Morto. 0 u os erga-
mm
textos passarain a ser fixados de modo mais permanente em páginas impres-
"Como [... ]pôde uma teoria problemática como a da imitação fiel conquis- sas é que o estudo de letras "mortas" ou a busca às fontes primárias foram
tar tão fortemente pessoas inteligentes, ou como pode ter havido tão extrava- tidos como incompatíveis com a liberação de energias criativas ou com apre-
gante e servil ador~ção de homens que haviam vivido muito tempo antes?", per- tensão d~ serem inspirados de modo especial.
gimta-se um estudioso que está tentando explicar a defesa dos "Antigos" d ·
b lhd l i . . ,epo1s
queª a:a . a qs" vros haVIa começado. Sua resposta, insatisfatória, é de que A idéia da rintUcita italiana está inseparavelmente associada à noção de que a era ante-
o.tema class~co da degenerescência da natureza" simplesmente se manteve. Acre- rior fora uma idade de trevas. Todos aqueles que viveram nessa "renascença" conside~
dito ser mais prov~vel que esse tema tenha se transformado depois de ter sido raram~na como um tempo de revolução. Eles queriam romper com o passado medieval
separado ~as condições da cultura dos escribas. Embora tenha sido impulsio- e suas tradições e estavam convencidos de que haviam concretizado tal rompimento.
~o pela .imp~ensa, o tema perdeu toda a sua relevância para a experiência
VIVa das elites literatas, tornando-se cada vez m•;s artific'1'al · al De modo muito significativo, quase todos os termos da citação acima, ou
• cu e convenc1on . --
Antes da imprensa~ não se esperava de um artífice que ele acreditasse que pelo menos os que eram de uso corrente durante o Quattrocento, mudarain
a perda e.ª degeneraçao e'.ain causadas pela passagem do tempo. Enquanto de sentido desde então. A vontade de "rompér com o passado medieval e todas
os c~nhe_cim:nto~ antigos !Jverain de ser transmitidos por meio de textos copia- as suas tradições" já não mais implica o desejo de dominar a grainática lati-
dos a mao, e mais provável que, no curso do tempo, eles se tornassem obs- na, ler os textos de patrística ou restaurar textos e imagens, devolvendo-os .a
curos e embaralhados, e não qne aumentassem e melhorassem com 0 ·correr seu estado original. Como observain muitos estudos, o próprio termo "revo-
dos séculos. Por harmonizar-se tão bem com a experiência dos homens de lução" significa par~ nós algo muito diferente do que significava para Maquia-
saber, ao longo da e'.a dos escribas, a presunção de que "o mais antigo tem velou Copérnico. A idéia de rinaJcita foi afetada de modo semelhante. Quan-
de ser o correto, assim como são mais puros os córregos próximos à Fonte, do Petrarca expressou o desejo de que seus descendentes pudessem caminhar
162
16J
para trás, em direção à "r d' , "d
;tª~ª .orientada nnma dir:ç~:::~:s~:~ d: g::~:~~e:a;am~:d1~: :ua visão contradição em termos. As coisas vivas são por definição perecíveis; somen-
um1mlsmo pode ser considerado como herdeiro da Re~ascença é líc: ~~e o te as coisas mortas podem ser embalsamadas e preservadas indefinidamen-
que ne e se preservou a noção de um .~ . ' o izer te. A idéia de um poJt-rrwrtem permanente, que talvez seja (ai de nós) compa-
luz Mas .. movunento que vai das trevas para a
. ' no momento em que a direção desse movimento se inve ( ' tível com a história acadêmica moderna, choca-se com o sentido de aceleração
quand~ passou a apontar para uma clara luz d - . rteu a saber, manifestado no movimento cultural chamado Renascença.
vez mais brilhante e a.E tad d . . . . . a razao, que se tornava cada Ao prolongar um processo de recuperação, ao mesmo tempo que retira-
' as a as prumtivas fontes da vetusta sabedona') tr
rormaram se t b, . r ans- ' va dele toda significação inspirativa, a capacidade de preservação da impren-
gui~o r:cup:~~çe:: ~~::~~~~;i~~~sA~:;~:~;0n;:i :~:~i~:~::3stin-
da sa parece ter tido um efeito negativo e, de modo geral, desagregador. Obser-
mo emas aos antigos; e os primeiros humanistas . . ªº: os vado do ponto de vista dos críticos românticos da cultura moderna, o historiador
serrepresentadosàmaneira·d d . J· passaram cada vez mais a acadêmico apareceu, de qualquer modo, como uma criatura exangue e res-
e um eus anus que p t Ih
tempo para duas d' - . ' or sor e, o aao mesmo sequida, quando comparado ao Homem da Renascença. Não obstante, deve-
. . . 1reçoes opostas.
Com isso, não desejo negar o fato de que às rimeir h . .. . .. . mos recordar que os primeiros humanistas, de Petrarca a Valia, devem sua
nos valorizaram ao extrem '"d'' d. p. os umamstas llal1a- fama ainda bem viva, como heróis da cultura, à prosaica indústria do conhe-
di o a I eia e pertencer a um tem " A.
to, porém, que essa noção sofreu mudanças fund . d po .novo ~ cr~- cimento criada pela imprensa. Eles não poderiam ser exaltados hoje como ini-
ter sido introduzida motivo . . amentais e onentaçaoapos ciadores dos estudos acadêmicos de história, não fossem as novas formas de
um salto im . . ' . por que os estudiosos modernos precisam dar
u ] d agmativo, se quiserem chegar ao cont.exto original. . continuidade e mudança cumulativa que surgiram depois de seus trabalhos
vo tan o a uma observ - · d · , · terem sido realizados. Os estudiosos anteriores tiveram menos sorte.
d e que "aconteceu . açao cita a no imc10 deste capítulo· aceito a 'd,.
algo de im rt .. . ] ·. . . " . I eia Convém observar igualmente que o pleno esplendor cultural da alta cul-
e XVI . d' d ·d po ante e revo uc10nár.10 entre os séculos XIV
, mas 1scor o a sugestão d . "b d tura renascentista, no Cinquecento italiano, deve muito aos primeiros impres-
do aquela coisa de Renasceu· " epque ehm po eríamos continuar chaman- sores - especialmente às oficinas de Veneza, nas quais vicejaram não somen-
. ça · ropon o em luga d' t
umda distbinção entre d.ois dos desenvolviment~s diferen:es Iqs:: si~~o~:ªa·mb ~s te as publicações em grego e hebraico, mas também as numerosas traduções
ga os so o mesmo e I ' d , 1 , ' n- em vernáculo, as novas composições em língua rolgare e as artes da xilogra-
" . . ncomo o rotu o. Faz sentido usar o termo "R
ç~ 'para nos referirmos a um movimento cultural de ena~c.e~­ vura e estampa, além da primeira subcultura dos artistas menores. Visto o
c1ado por literatos e artistas 'tal' . d . . duas fases, que fo11m- assunto sob essa luz, a ênfase dada aos efeitos debilitantes e negativos do novo
. · 1 1auos urante a era d 'b r .
postenormente ampliado de mod I b . os escn as, e roi meio precisa ser compensada atentando para o seu efeito estimulante que ela
do na era da , ' o a eng o ar mmtas regiões e campos de estu-
1' imprensa. Mas gera-se muita confusão desnecessária qua d teve sobre as faculdades inventivas e imaginativas, e para o modo como con-

:~:~::;ª~;:~º:~~:t~a~: :signar todo o conjunto de mudanç~ ~ue fo~


tribuiu para exaltar o sentimento de individualidade e personalidade - um
sentimento que, ainda nos dias atuais, continua a distinguir a civilização oci-
A d prensa. . .
a ação dessa prática obscureceu não somente ., dental de outras civilizações.
ção nas comunicações como ta b, . d , uma núportante revoln- Uma última observação, antes de passarmos ao próximo capítulo. Seria
tural. Torna-se dif' ÍJ . m emam aareonentaçãodomovimentocul-
um equívoco pressupor (como fazem às vezes alguns analistas dos meios de
revivescência petra;qJ:::::e:::~=r~s~~::r~aa ctendên:iade atribuir à comunicação) que o advento da imprensa afetou do mesmo modo todos os
visão moderna da Antiguid d .. .. !' ultura impressa, Nossa movimentos vitais. É importante considerar não só.a localização regional do
~:',:~::::-se confi:s~ent: c~m~::ç~:~:::~::::t:r::!: ::!;:~:~ movimento, como o conteúdo específico da tradição textual e, sobretudo, o
idéi~ de um " ser re;ivida. Constrói-se desse modo um híbrido paradoxal: a
"acidente" do fator tempo. Sob a égide dos prelos primitivos, uma revives-
renascimento perman t '' U . cência clássica foi reorientada na Itália. Sob os mesmos auspícios, nascia o
en e . m renascimento permanente é umà
protestantismo alemão.
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165
·········6

0 MUNDO CRISTÃO OCIDENTAL DILACERADO


REFORMULAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS DA REFORMA

Entre 1517 e 1520, as trinta publicações de Lutero venderam com toda a probabilidade
mffis de 300 mil exemplares[... ] No total, com respeito à disseminação das idéias religio-
sas, parece difícil exagerar a importância da imprensa, sem a qual uma revolução daquela
magnitude dificilmente poderia ter.-se.dado. Diferentemente do que ocorrera com as here-
sias de Wycliffe e Waldo, o luteranismo foi, desde o início, uma criação do livro impresso.
Por meio desse veículo, Lutero teve condições de causar na mente européia impressões
precisas, padronizadas e indeléveis. Pela primeira vez na história da humanidade;, um
grande público ledor julgava a validade de ·idéias revolucionárias por meio de um veículo
de massa que usava tanto a língua vernácula como as artes do jornalista e do cartunista.

C omo sugere esta citação de A. G. Dickens, o impacto da imprensa, que


é freqüentemente minimizado nas discussões sobre a Renascença, tem
menos chances de passar despercebido quando se estuda a Reforma. Neste
último campo, os historiadores têm diante de si um movimento que, desde o
início, foi moldado (e também, em grande parte, provocado) pelos novos pode-
res da imprensa. Tem-se dito que "a Reforma foi o primeiro movimento reli-
gioso que contou com a ajuda da imprensa''. Contudo, convém recordar que,
ainda antes de Lutero, o mundo cristão ocidental havia solicitado ajuda aos
impressores, em sua cruzada contra os turcos. As autoridades eclesiásticas já
tinham mesmo aclamado a nova tecnologia como uma dádiva de Deus - como
uma invenção providencial que provava a superioridade ocidental sobre as
forças ignorantes do infiel.
Embora a cruzada antiturca tenba sido, pois, o "primeiro movimento" a
valer-se·da imprensa, o protestantismo constituiu, sem dúvida alguma, o pri-
meiro a explorar cabalmente seu potencial como meio de massa. Ele foi tam-
bém o primeiro movimento de qualquer tipo, religioso ou secular, a utiliza~
os novos prelos como meio de propaganda e agitação abertas contra uma ins-
tituição estabelecida. Valendo-se da panfletagem para a obtenção de apoio

167
popular e dirigindo-se a um público leitor que conhecia mal o latim, os refor-
madores transformaram-se, sem saber, em pioneiros como revolucionários e
açuladores da ralé. Eles também deixaram "impressões indeléveis" nas carac-
terísticas formais dos cartazes e das caricaturas. Destinados à prender a aten-
ção e despertar paixões nos leitores do século XVI, seus desenhos antipapis-
tas ainda causam um forte impacto, quando encontrados hoje nos livros de
história. Por sua própria natureza, portanto, a exploração do novo meio pelos
protestantes é altamente visível aós estudiosos modernos.
Além disso, os reformadores estiveram sempre conscientes da utilidade
da imprensa para sua causa, razão por que reconheceram a importância dela
em seus escritos. O tema da imprensa como prova de superioridade espiri-
tual e cultural, lançado pela primeira vez por Roma, na cruzada contra os tur-
cos "analfabetos", foi retomado pelos humanistas alemães, quando tentavam
combater as posições italianas. Gutenberg já se tornara, como Armínio, um
herói da cultura popular, quando sua estatura ganhou uma dimensão maior
pelo fato de ele propiciar aos pregadores, príocipes e cavaleiros luteranos sua
arma mais efetiva, na valorosa luta. contra os papas. O próprio Lutero des-
creveu a imprensa como" o mais elevado e extremo ato da graça de Deus, por
meio do qual se leva à frente a obra do Evangelho". A partir de Lutero,. o sen-
timento de uma bênção especial, outorgada à nação alemã, esteve sempre asso-
ciado à invenção de Gutenberg, que emancipou os alemães da sujeição a Roma
e trouxe a luz da religião verdadeira a um povo temente a Deus. O historia-
dor alemão de meados do século, Johann Sleidan, desenvolveu esse tema em
AíldreJJ to the eJtateJ of the empire (Discurso aos estados do império), de 1542,
texto polêmico que foi republicado mais de uma vez.

Como que para comprovar que Deus nos selecionou para realizar uma missão especial,
surgiu em nossa pátria uma nova, maravilhosa e sutil arte, a arte da imprensa. Ela abriu
os olhos dos alemães 1 assim como agora está levando luzes a outros países. Cada homem
_se tornou ávido por conhecimento, não sem um sentimento de espanto pela sua ceguei-
ra anterior.

Na Inglaterra elisabetana esse tema recebeu muitas versões que ainda


hoje circulam. Ao associar a imprensa à missão providencial de um reino
próspero e em plena expansão, os protestantes ingleses já indicavam o
caminho dos tempos futuros - o messianismo revolucionário no Velho
Mundo e o "destino manifesto", no Novo. "A arte da Imprensa de tal modo

169
espalhará o conhecimento ue 0
direitos e liberdades na-o ' q. ~ovo comum, conhecendo seus próprios
' mais sera governad 1 _ d giam exclusivamente ao nosso círculo acadêmico local[ ... ] e foram escritas numa lin-
pouco a pouco todos os r . Ih o pe a opressao; esse modo, guagem taL que o povo comum mal poderia compreendê-las. Elas [... ] usam catego-
,
O s teologos ' emos se asseme arão a R . d F 1· . ,,
protestan.tes di . d
verg1am os po
'iiío ;, ·1 emos · . a e 1C1dade. rias acadêmicas.
tas questões, mas tanto uns c . dop ~d I mmmstas sobre mui-
. . orno outros VIam na im d. ..
proV1denc1al, que liquidou P · prensa um 1spos1tivo De acordo com um estudioso moderno, constitui ainda "um dos mistérios
. . ara sempre o monop 'li d .
g10sos, venceu a ignorância e a . - o o o ensmo pelos reli- da história da Reforma saber como esta proposta de um debate acadêmico,
comandadas pelos papas italiano::pers~çao, fez recuar as forças maléficas escrita em latim, poderia ter despertado um apoio tão entusiástico e, com isso,
dental da Idade das Tre" "O S ,hmrus geralmente, salvou a Europa Oci- ter tido um impacto tão amplo".
. ·'as. en or começ t b Ih
Jª não com a espada e com 0 b. ti' d d .ºu ª ra a ar por Sua Igre- Quando, precisrunente, foram as teses de Lutero impressas pela primeira
o Je vo e ommar S l d d
mas com a imprensa, a escrita e a l 't ti eu e eva o a versário, vez fora de Wittenberg? Quem, exatamente, foi responsável por terem elas
popularíssimo Boole o/ MartyrJ (Livro ~o~r~:~creve~ John Foxe, no seu sido traduzidas, primeiro para o alemão e depois para outras línguas verná-
ver no mundo, tantas serão as fortal tires). Quantos prelos hou- culas? Como pôde acontecer que, pouco depois de impressas num punhado
Sant'Angelo de modo . ezas e~gmdas contra o alto castelo de de cidades, tais como Nuremberg, Leipzig e Basiléia, cópias delas forrun mul-
' que, ou o papa pr , b j'
imprensa, ou a imprensa acabar, e?1sarz a o ir o conhecimento e a tiplicadas e distribuídas em tais quantidades, que as teses passarrun a ser o
A. . a necessariamente por extirp, -1 ,,
unprensa e o protestantismo parecem con . . d a o. artigo mais vendido em toda a Europa Central - competindo por espaço,
não se dá com a imprensa e R Viver e modo natural, o que com as notícias sobre a ameaça turca, nas oficinas de impressão, bancas de
a enascença, em part , .
veIhas esquematizações hi' t, . e porque os vestig10s de livros e feiras rurais? Não é possível responder aqui, com detalhes, a estas
s oricas passarrun
novos prelos só foram dese l 'd , para os tratrunentos atuais. Os perguntas. Apresentei-as simplesmente para chrunar a atenção para os impor-
nvo VI os apos a mo t d P
rrunportanto nenhum efeito sobr . ·. . r e e etrarca e não tive- tantes estágios intermediários que existem entre a proposta acadêmica e o cla-
se achavam em plena operação anetas pdrim1ti~as noções de rinaacita. Mas já mor popular. O mistério, em outras palavras, resulta essenciahnente de mini-
es o nascimento d L t
nos p1anos de reforma reJi,,;osa d t N , . e u era e entraram mizar o processo pelo qual uma mensagem, dirigida ostensivamente a uns
o· 1
ese. outimocasoal' d . l
taram não só os acontecimentos como trun , . :. em ornais, e esafe- poucos, se tornasse acessível a muitos. Se quisermos mesmo desfazer a dúvi-
inicial de revolta. . bem as ideias e orientarrun 0 ato da, será necessário, em vez de pular diretamente da porta da igreja para o
O ato de Lutero propondo lUil deb t b clrunor público, cruninhar mais cautelosamente passo a passo, acompanhan-
não era em si mesmo revolu . , . Era e so ,r~ suas ~oventa e Cinco Tese.s do as atividades dos impressores, tradutores e distribuidores, os quais atua-
c10nario. a pratica h b1t al
res d e teologia manterem deb t b a u para os professa- rrun como agentes da mudança. Provavelmente deveremos fazer uma pausa,
. . a es so re temas como as . dul " .
portas das 1gre1as errun o lo al tu . m genc1as, e as
"
c cos meiro para bl' ·d d . focalizando com especial cuidado o período do mês de dezembro de 1517, duran-
estas suas teses especific t - ,.. a pu 1c1 a e medieval". Mas te o qual foram tiradas três edições separadas, quase ao mesmo tempo, por
' amen e,, nao ricaram ·
portada igreja (se é que chegaram al por muito tempo pregadas à impressores localizados em três cidades distintas.
re menteasê·l0 ) p ·
rano do século XVI "r · . • ara lllil cromstalute- É possível que Lutero tenha ajudado seus amigos nessa ocasião. Sua sur-
' rm como se os próprios an. . .
tadores e as trouxessem d' t d Ih d ;os tivessem sido seus por- presa diante do interesse por ele despertado pode tê-lo levado a iludir-se. Uma
1an e aso os etodoo "O , .
ro mostrou perplexidade d' · . povo · proprio Lute- de suas cartas, escrita em março de 1518, revela uma runbivalência ansiosa
. ' ao mg1r-se ao papa Le- X, ·
episódio inicial: . · <\o seis meses depois do sobre a questão da publicidade. Embora ele "não tivesse desejo ou plano de
tornar públicas estas Teses", escreveu, aceitava que seus amigos o fizessem
É um mistério para mim como estas m~has teses mais . . por ele, tendo deixado a eles decidir se as Teses deverirun ser "suprimidas ou
meus e inclusive de outros professores fu a , difu ~d ainda do qu.e outros escritos difundidas mais amplrunente". Dada essa alternativa, poderia ele ter dúvidas
, r Jn n as em tantos lugares. Elas se diri-
sobre o que os amigos escolherirun? Segundo opina Heinricb Grimm, "está
170

171
bem observou Maurice Gra-
- \ ' tó · a do event o. Como - \' ·
fora de cogitação admitir que Lutero não tenha sido informado da publica- toda a significaçao us nc formas tradicionais de discussao teo og1·
vier, foi em grande parte poelrque as técnicas de publicidade que o gesto do
ção das Teses, ou que estas tenham sido publicadas contra a sua vontade". , h .d alteradas p as novas
Embora Wittenberg ainda não fosse um grande centro impressor, o irmão Mar- ca i111 aro si 0 . - l alcance.
• teve efeitos de tao ongo · · . .
tinho estava bem familiarizado com as noy;;s potencialidades da imprensa, monge al emao . .
h 'das ela Alemanha afora.em uma quinzena,
pois tinha adquirido experiência, quando preparava textos em latim e alemão
As Teses ... segundo dizem, fic':'."7 ;º~ ~:ren~ foi reconhecida como um no~o p7~r,
para impressores. Já havia mostrado a capacidade de adaptar-se a diversos
e por toda a Europa, em um mes .. . f r Lutero o que os copistas haVIam eito
mercados alemães de livros e tinha descoberto que as obras em vernáculo blicidade assumiu o seu papel. Ao azer po das comunicações, e gera-
e a pu . . . tr nsformaram o caropo . .
atraíam uma clientela diversificada. or Wycliffe, as máquinas nupress~r..as a l - O advento da. imprensa constituiu
Numa carta de 1519, dirigida a Zwingli, o Beato Renano sugere como as
P . al F uma revo uçao.
um~ revolta internac1on ·_ o1 um todo; sim, porque, sem
raro . . . ' . Reforma protestante, como " M
importante preC:ond1ça~ para a
N

táticas empregadas pelo reduzido público ledor de latim, a quem Lutero se h d " erd6cio de todos os crentes . as,
... l ntaroc ama o sac " d
dirigia, poderiam ter efeitos distantes num curto espaço de tempo. "Ele ven-. ela, ninguém poderia un~ _e~e .. u também como precipitante. Provocou o passe e
derá maior número de volantes de Lutero, se não tiver outros para oferecer", ao mesmo tempo, o novo roe1obagi . 'logo de Wittenberg conseguiu abalar o trono
diz o Beato a Zwingli, numa carta em que recomenda um vendedor ambu- , . ,, ediante o qual um o scoro teo
magica m
lante de livros. Este deveria fr de cidade em cidade, de aldeia em aldeia, de de São Pedro. · . , ·
casa em casa, oferecendo à venda exclusivamente os escritos de Lutero. "Isso . - o o contraste, estabelecido por vanos
Sob esse aspecto, merece cons1deraça . h novo meio ao seu dispor, e o
forçará virtualmente as pessoas a comprá-los, o que não seria o caso, se hou- . d L tera que tm a o
autores, entre o d estmo e. u , d 1 ão dispunham. Como exatamente
vesse uma larga escolha." A combinação de zelo pela salvação da alma do lei-
réticos que o precederam, que : en final ela Idade Média?
tor com táticas comerciais astutas e com métodos agressivos de vendas pare- dos h e f h sias correntes no ,
o advento da imprensa a etou as eredevemos ter em roente a fixidez tipogra·
ce não ter sido menos comum nos primórdios do século XVI do que entre os
Ao tentar responder a esta pergu~ta,. d distingnidas ela Revolta Pro-
atuais vendedores de bíblias. A exploração deliberada do novo meio muito
fi,ca. Desse modo, as heresias medievms po, e~ ser ed' evais da cultura clássica
pode ajudar a explicar este paradoxo, observado em muitos estudos sobre a reV1vescenc1as m 1 .
testante, mais ou menos como as. . Nos dois casos, alguns efeitos tr"."-
Reforma, de que o retorno às tradições primitivas da Igreja cristã tenha de
• distinguidas da Renascença italiana. ~anentes e de âmbito
algum modo servido de passagem para os tempos modernos. sao \ tados por outros, pe•u•
"Raramente uma invenção teve influência mais decisiva do que a da sitórios, localizados., foram ~up an r has que recuavam. e outras que avança-
roais geral. Nos d01s casos ouve ~eresiarcas e heróis da cultura ~anhassem
imprensa sobre a Reforma." Lutero convidara as pessoas a um debate públi-
varo no tempo, fazendo com que o~ to que se expandiram contmuamente
co, e ninguém apareceu para discutir. E então, "como que por um passe de
estatura coroo m1
. .ciad ores
de rooV1men s
f .. \ementado graças ,a1ropren· ·
mágica, ele se viu de repente falando com o mundo inteiro". Aqui temos um E rte porque oump , 1 d
no decorrer dos tempos. m Pª. . ão muito mais iodeleve ' e e
exemplo de causação revolucionária, em que é difícil manter as distinções, li . ôde deixar uma impress
normalmente úteis, que são em geral feitas entre uma precondição e um fator sa, o dissenso re g1oso P dis uta anterior. . .
roais longo alcance, do que qualquer p '1smas dentro da lgre)a oc1den-
precipitador. Parece com efeito haver consenso geral no sentido de que o ato . h 'd numerosos os.e '\'
Por exemplo: tJn aro s1 o . s e imperadores, com conc1 ios
de Lutero, em 1517, foi o fator que precipitou a Revolta Protestante. A data
Os papas tinham andado às turras com rei Mas nenhum episódio ocor-
de 31 de outubro "continua a ser comemorada em países luteranos como o tal . . . · avam ao trono. .
e até mesmo com nvais que aspir , . nem mesmo uma disputa entre
aniversário da Reforma, e com razão. A controvérsia sobre as indulgências
rido no período entre Canossa e Cons1:~ª Igreja de modo tão decisivo e
da
reuniu o homem e a ocasião: ela assinalou o fim da igreja medieval". Para com-
três papas rivais -' estreroec~u ,ª ~ml' . ~ de um rei ioglês do século XVI.
preender como as Teses de Lutero foram esse sinal, não podemos ficar para-
ermanente, como o caso d? d1v.orc10 itadti~ops:~ úm governo eni qualquer Esta-
dos na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, à procura de algo lá afixa- P . . l ...) cami'<""'~
-"-'h"·)ammsmon
"Apnmeira
do. Se ficarmos na igreja de Wittenberg, com Lutero, deixaremos de perceber 17]

172
do da Europa", no sentido de explorar plenamente o potencial propagandís-
. ·r Uma vez que' língua . rora
- • latina r conserv
. ada como
R veí-s
tico da imprensa, foi a conduzida por Thomas Cromwell, no intuito de apoiar textos e rubricas unuormes. , n'nham obedientes a orna, o
, 'dentais "que se man ,
as ações tomadas por Henrique VIII. Este ministro inglês revelou-se tão culo de culto em todos os paises oc1 ai' d as mesmas cerimônias1 de uma so
competente como os amigos alemães de Lutêro, quando mobilizaram propa- .
mesmos textos podiam ser rec1
'tados e re iza as
i 'l' A mesmo tempo, ficaram impe . d'I dos
d mundo cato ICO. O • C ,
gandistas para a causa e atraíram um grande público graças às traduções ver- maneira, em qualquer parte o ad - u mudanças· e o culto da IgreJa atoM
.
quaisque r acréscimos
. '
espontaneos, aptaçoes o ' - .
náculas. Antes do advento da imprensa, já haviam ocorrido tiragens de pan- lica Romana se fossilizou.
fletos polêmicos, com o objetivo de dirigir a opinião pública num sentido
favorável às ações dos reis antipapistas, como nos sugerem as campanhas mon- 'dad· e - não sena · preciso
· d'izer· -tinhsim-
ad d ·c
leta umrorrm
tadas pelos conselheiros de Felipe, o Belo. Mas as campanhas da era dos escri- Este qu ro e comp 11
ealidade
diversu1ca
.,,. d a", uma vez.que .
os reis am
Plifica demasiadamente a r

e .das pela imprensa e a usa-
bas tinham tido menor ressonância e haviam provocado efeitos mais transi-
nas vantagens 01erec1 . b
tórios. Quando, Il)ais tarde, passaram elas a ser implementadas pela imprensa, tanto interesse quanto os papas b ] AI s monarcas católicos esta e-
li · so contro e. gun
as divisões porventura já delineadas tornavam-se cada vez mais profundas, vam para manter os re giosos . hora recusando,se a concor-
. . mid d d tro de seus remos, em
~n
e dificilmente podiam ser apagadas. .
leceram a umfor a e d't das por Roma. Não obstante, em
A heresia e o cisma do século XVI abalaram de tal modo a cristandade dar sobre todos os pontos com as .formas d1 a-se dizer que a liturgia . cato'lica fiot·
, as antenores, po e
que, mesmo depois de terminadas as guerras de religião, os movimentos ecu- comparação com as epoc . . oldes mais ou menos permanen-
. ada 1 prunerra vez, em m
mênicos, chefiados por homens de boa vontade, não conseguiram juntar de fixada e padromz ' pe a . táveis por cerca de cem anos.
t !d ue se mantlveram es ..
novo os pedaços. Não só.eram demasiado numerosos os grupos dissidentes, es ' ou ao menos. em_mo es q mpoemquea nn'prensa perm1t111 aos . repre-
urn~o.ca
r · , ·
separatistas, e as seitas independentes, que consideravam incompatível com Mas a liturgia nao r01 o . 1 entar obJ'etivos de mais longo
d · ehg1osas 1mp em tad 1
a verdadeira fé um governo central da Igreja, mas as principais linhas divi- sentantes das orto OXJas r . - 1 . ,sticas já vinham sendo afe as pe o
sórias tinham-se prolongado pelos continentes afora e haviam sido transpor- alcance.Narealidade,astrad1çoeseces1a. t d Martinho Lutero. Uma
. b tes do aparec1men o e
tadas para o estrangeiro juntamente com bíblias e breviários. No decurso de advento da nnprensa em an d de maneira inovadora, os pon-
ve
algumas gerações, o abismo entre protestantes e católicos se havia ampliado z fixados num formato novo e apreslenta os r rmados As doutrinas de
· 'ta e mente transro ·
a ponto de gerar culturas literárias e modos de vida contrastantes. Muito depois tos de vista ortodoxos eram mevi d v . . d apavecerem sob forma impressa,
de haverem cessado as guerras provocadas pela teologia cristã, tanto os ame- Tomás de Aquino, por exemplo, _epmsE _° b' t de uma retomada delibera-
anharam um novo alento. O tom~smo,,. ~11o Je ~ncílio de Trento. A aceita-
g
ricanos como os europeus continuavam separados uns dos outros por barrei-
ras invisíveis, que ainda permanecem. da e depois conqmstou . a ap rovaçao onc1a , 1noXIII criara algumas wncu _,.,,. lda-
i · d Aristóteles, no secu 0 ' . · riad
O estabelecimento duradouro de igrejas antipapistas e a pregação contí- ção da cosmo og1a e . A . . • da mesma cosmologia tena c o
nua de credos heterodoxos tiveram conseqüências profundas sobre a civili- des entre as faculdades de teolo~a. reJ~içao lástica foi fixada num molde
oblemas ainda maiores, dep01s que a smtese esco
zação ocidental. Mas o impacto da imprensa sobre o mundo cristão ociden-
tal não se limitou à implementação do protesto ou à perpetuação da heterodoxia.
F
mais permanente. . . . também foi alterado. As formas me l-
~
i t. · 0 m1s!Jc1smo 1 ad
As próprias crenças e instituições ortodoxas foram também afetadas, e de manei- Como o esco as 1c1smo, d 1· de regras, anç os em
ras que devem ser levadas em consideração. ] m se tema e ivros . d
tativas de prece menta tom.ara d. . . r a devoção leiga, antes típicas e
. A ta!Jvas e mspira di
edições umformes. s teu o . orna do Norte, acabaram por s-
i aliz d mo a oevotw mooe ' -
A invenção da imprensa tornou possível, pela primeira vez na história cristã, insistir movimentos oc a os, co f d ai, m da pregação, passaram tam-
sobre a: uniformidade do culto. Até então, os text0s litúrgic s só podiam ser produzi- seminar-se. No sul da Europa, os ra e~, ese com o público; todas as obras
0 1 't para comurncar-
dos sob a forma de ma:nuscritos, motivo por que era inevitável admitir e tolerar as va:ria- bém a usar a. pa avra
devocionánas, ttr. adasescn a d di • eram dirigidas menos aos mon-
em grau es e çoes,
ções locais. Agora, contudo, todas as e,dições eram impressas, e vinham com todos os
ges que aos fiéis leigos.
174

175
-~------------
O papel do confessor e 0 r6 ·
mais problemáticos do que na pé pno sacranh1ent.o da confissão tornaram-se
d poca em que avi li pensava nele, ao falar da solitária [ ...] vida do claustro: "Ele não pode tomar o arado?
o entre o pecador e o sacerdote. A lar a r a_menos vro~ se interpon- Que tome então a pena[... ] Pregará sem abrir a bocai sem romper o silêncio, ele fará
aos sacerdotes, em que se cl ,,. g P,_oduçao de manuais destinados com que os ensinamentos do Senhor ressoem nos ouvidos das nações; e sem deixar seu
asswcavam as cat · d
navam penitências e perdões tor . , , egonas e pecados e se relacio- 1
claustro, ele viajará por terras e _mares
'.
- d d
çoes as outrinas ortodoxas ca
' nou vis1veis as
d
1 'd d
bl comp exi a es e contradi-
, j 1 ' usan o pro em . .
s~ve ~o ução sem um estudo avan do de , ~ que pareciam de impos- Desse modo, os Jcriptoria monásticos forneceram o topoJ que os publicis-
s1mplicidade dos ensinainentos do ça, , ~~swst1ca. Esse contraste entre a
tas leigos adaptariam para outros fins. Uma vez aplicado aos prelos, o "apos-
doutrinas aprovadas oficialmente r;{'opr10 ,nsto e o complexo palavrório das
tolado da pena" - como o próprio Erasmo - trocou o mosteiro pelo mundo.
lentador para os que sentiain uma codu md ~1s agudo para todos e mais desa-
, .
A oratona reJi,,;osa tamb, fver a eira , vocaçao - lig'
re iosa.
No século XIX, a "boa nova do Reino de Deus" seria quase submersa pela
o· em so reu modifi - · 'fi . maré de notícias de outros quadrantes. Mesmo assim os missionários cristãos
para pregadores estabeleceram d r , caçoes s1g111 cativas. Manuais
, 'd ' e rormamu1to d . continuarain a instalar máquinas impressoras nas mais remotl\S partes do
ng1 as para orientar a oratória do '! , pe ante, uma série de regras
. s pu pitos Já h mundo, para imprimir EvMgelhos e Livros de Salmos, como se fizer;i. em Mainz
os º?vos 1ivros de regras acabaram matand . fl o~ve quem sugerisse que quatro séculos antes.
medieval. Por outro lado os se • o o exivel modo de falar latim
d d ' rmoes veement d · d A idéia de um" apostolado da pena" revela o elevado valor atribmdo à pala-
a. as as congregações, mostrarain-se erfeita es, esnna ~s a manter acor- vra escrita, como meio de cumprir a missão da Igreja sobre a terra. A mesma
me10 de comunicação. Foi possível ai ~n ;ente ap~opnados para o novo
idéia ajuda a explicar o acolhimento entusiástico dado aos prelos pela Igreja
Savonarola ou Geiler von K bg s or ores mais bem dotados como
, 1 eysers erg mand ' romMa do século XV ÜuMdo exalta a imprensa como o mais elevado ato da
tumu o, na medida em que co n' ' ~r suas mensagens de além-
• n nuarain a ser publi d · d graça de Deus, Lutero está elaborando sobre um tema favorito não só de outros
as ediçoes completas de seus serm" ca asmmto epoisdamorte
Co oes. monges, como também de prelados e papllS. A própria expressão "arte divi-
. m o correr do tempo, algims moços bem d na" foi atribuída a um cardeal (Nicolau de Cusa) por um religioso que se tor-
norestalvezsetivessemtornad· d - atados, que em épocas Mte-
. "A o prega ores torn . nou mais tarde bispo (Gianandrea de' Bussi,·bispo de Aleria). Até mesmo os
CIStas. pregação de U1Íl • , ' aram-se Slillplesmente publi-
h sermao contem a pala d· · 'da editos de censura emanados pelos arcebispos e pap11S, desde a década de 1480
wnanos", escreveu Daniel D fi " . .vr~ mg1 a uns poucos seres
d " Co e oe, mas lillprlffilr ]' , r., . até 1515, saúdam a invenção como in~piração divina e tecem comentários sobre
mun o . mo jornalista ingle's nao" r . ivros e raiar para todo o
- D r · • -comornusta · · d suas vantagens, antes· de frisar a necessidade de corrigir seus abusos. A Igre-
çao, eroe apresenta muito. . e p1onerro a narrativa de fic-
d , ui s contrastes com 0 h · . ja não só legitimou a arte da imprensa, como também propiciou um importM-
o s:: o XVI. Contudo, o próprio Erasmo diss s um~tas cristãos do início tíssimo mercado para aquela indústria nascente. O padre pobre precisava de
ocasiao em que queria conquistar as b . e algo mmto semelhante. Numa
oas graças de · livros de maneira ainda mais premente que o leigo. Dmante os cinqüenta anos
?arouosquepregavainobscurosserm· d ~m patrocmador, ele com-
)as, com seus próprios livros que erainoes, sen o ouvid que arttecederain a Revolta Protestante, o clero, na maioria d11S regiões, aco-
'Td os em uma ou duas igre-
lheu de braços abertos uma invenção que servia tanto a uns como a outros.
Ao louvarem desse modo' 1 d 1 os em todos os países do mundo"
E oa cance e suas bl' - . Há um boa dose de ironia no entusiasmo com que a Igreja acolheu a
rasmo estavam na realidade r t d dpu !caçoes, tantci Defoe como
t d, eomanocaa ' . imprensa. Proclamada em todos os campos como uma "arte pacífica", o mais
ema a epoca dos escribas. . ' wn a sua maneu'a, um velho
provável é que essa invenção de Gutenberg tenha contribmdo rnàis do que qual-
quer outra das chainadas artes de guerra para destruir a concórdia cristã e incen-
O louvor ao apostolado da pena [ J d .. . . diar as guerras religiosas. Uma boa parte da turbulência religiosa que carac"
tal
vezte
nha sidotratadopelapri .
... po e ser enco tr d
. n a o.emqualquerperíodoe·[ J
f; . meua vez por Cassiodo AI , · - ··· terizou o início da Era Moderna pode ter tido origem no fato de que tanto os
que o1 esculpido sobre o portal d b. d .ro. cwno retornou~o num poema
o ga_ inete e escrita em Fulda P d " escritos dos SMtos Padres da Igreja como 118 próprias Escrituras já não podiain
· e ro, o venerável
176 ' mais continuar a ser transmitidos pelos meios tradicionais. EnquMto heran-

177
. . " ou de ue os abusos do clero fossem ou não cor-
ça sagrada, a cristandade pQdia pl'oteger-se contra quase todas as formas de rana se d1fund1sse ou nao, q d ad l imprensa _ que aponta-·
mudança. Contudo, enquanto herança que deveria ser transmitida por textos . . e , forças desenca e as pe a , d
rig1dos, o rato e que as - . d 'ricas e nacionais - teriam e ser
que envolviam a "propagação da boa nova", a cristandade tornava-se espe- vam para formas de adoraçao mais e'.'1ocra
. d r para segmr o seu curso. .
cialmente vulnerável às conseqüências revolucionárias da tipografia. contidas ou d eix.a as ivres l' . t 'li a tanto como a protestante, Já
O processamento de textos nas oficinas constituía, é claro, uma ativida- · ta ãopo1ticacao e,
A tese d e que a orien . ç - ' f "modernizadoras" deve ser
de pacífica, empreendida por pacíficos artesãos e comerciantes urbanos. . , ul XVI uma adaptaçao as . orças
refletia no sec o d d' , . que há quanto às forças asso-
. e as 1vergenc1as
Contudo, ela trouxe à baila muitas questões incômodas que haviam até então d
calibrada me 1ante o exam t que a invenção de Gutenberg
sido negligenciadas. O testemunho oral, por exemplo, distinguia-se agora com .ad , · Alguns autores apon aram ai,
c1 as a imprensa. " . . d tanto Loyola como Lutero, em
muito mais clareza do testemunho escrito, na medida em que os poetas já não "foi uma faca de dois gum~s ' pms aJU ~l~ mesmo tempo que espalha-
compunham suas obras, ao cantá-las e recitá-las, e na medida em que ditar . . d reavivamento cato ico, ao VI
de ter mcentiva o mn. . É d d R forma católica do século X
os veraequea e b
ou ler em voz alta um determinado trabalho se tornou algo distinto de publi- va os panfl etos lt u eran . . 'l't firmas católicas tiveram ons
. onqmstar prose 1 os e
cá-lo. Como decorrência, tornava-se maior a probabilidade de que surgissem valeu-seda1mprensap~rac p od . breviários e outros trabalhos
dúvidas sobre a transmissão do ensino que provinha dos lábios de Cristo ou . d , I romana r uzrram
lucros sel'Vln o a greia · · Ih d missões distantes, livros esco-
fora ditado pelo Espírito Santo aos Apóstolos. Estaria mesmo toda a heran- . , · acerdotes espa a os em . .
devoc1onar1os paras 'd l ordens literatura religiosa para
. , · d' · os pe as novas •
ça cristã encerrada na forma escrita e contida exclusivamente nas Escritu- lares .para semmarios mgi d ados pelo Ofício de Pro-
l' d f Ih tos que pu eram ser us
ras? Não estaria parte dela preservada também "nas tradições não escritas leigos devoto.s, a em e o , :io XVII. Além disso; na Inglaterra, depois que
recebidas pelos Apóstolos dos lábios de Cristo, ou que, sob a inspiração do paganda, m;us ta:de' no sec d . pressores católicos revelaram-se
Espírito Santo, eles tinham passado até nós como que de mão em mão"? Des- os anglicanos se mstalaram no po er, ~s im trato dos problemas decor-
.. alegas puntanos no ·
tinava-se essa herança a ser colocada diretamente ao alcance de todos os tão habilidosos como seus c 'ai' - clandestina dos livros.
. - dida e da comerei izaçao
homens, em obediência à ordem dé espalhar a boa nova? Ou ela devia, ao rentes da unpressao escon . ' difusão de livros e volantes,
. . . da pesqmsa a mera
contrário, ser exposta ao mundo leigo, somente depois de passar pela mão Se lunttarmos o escopo . ,. d eia foi explorado de um
dos padres, como tinha sido o costume ao longo dos séculos? Mas, então, como
, 1d f d r a ideia e que o novo m
será talvez possive e en e 1 t 'l' .como pelos protestantes. Con-
preservar sem disputas o papel tradicional de mediação do clero, a partir do modo muito semelhante tanto pelos ca do ictosl'vro as novas funções realiza-
momento em que os eruditos-impressores recorriam aos gramáticos e filólo- h · · t' do ao ongo ese i ' lí
tudo, como ven o msis in . lé d disseminação. As normas po -
. vançaram mmto a m a
gos leigos para auxiliar na tarefa de editar velhos textos? O sacerdote bem das pe1a imprensa a íl' d T to destinavam-se a refrear essas
que podia reivindicar o papel sagrado de intermediar entre Deus e o homem; , .
ticas cato1icas aprov
adas no Cone ia e ren
. _ <lições da Bíblia, me an-
di
t nzaçao para novas e .
mas quando se tratava de exegese da Escritura, muitos preparadores de novas funções. Ao n~gar a~ o. bediência lei a e a imposição de fortes restn-
texto e muitos editores perceberam que os especialistas em grego e hebrai- te a ênfase na necessidade e od 1 g s mecanismos, como o fnde.T
. d 1 . s· ao esenvo ver novo .
co estavam mais bem preparados para tal tarefa. ções às 1e1turas os eigo '. d . mra dentro de linhas prescn-
. t ara canalizar o fluxo a itera 1 ili'ad El
Foi, portanto, a imprensa, e não o protestantismo, que tornou obsoleta a e o Impruna ur, p 'd " t u-se nada cone or. e
. d ós-tn entmo mos ro .
Vulgata medieval e fez surgir um novo impulso no sentido de abastecer os tas estritamente - o papa ~ ~ . t nou cada vez mais rígida com o
mercados de massa. Independentemente do que aconteceu em Wittenberg ou assumiu mna postura au~o:itana, qadue se o~rento foram somente as primei-
Zurique, independentemente das outras disputas doutrinárias suscitadas por As dec1soes tom as em f
correr d o tempo. . d d t'nadas a conter as novas orças
, · d - es de retagiiar a es i
Lutero, Zwi11gli ou Calvino, o fato é que, mais cedo ou mais tarde, a Igreja ras de uma serie e .aço • d G b A rolongada guerra entre a lgre'
teria de defrontar-se com os múltiplos efeitos que tiveram sobre a Bíblia, de d dam ençao e uten erg. P .
d
desenca ea as P v . ui'u pelos quatro séculos segnm-
· impressora prosseg ad
um lado, a revisão editorial dos textos e a erudição trilíngüe e, de outro, a ja romana e a má qmna · d O Sílabo de errod, de me os
expansão dos mercados de livros3ndependentemente de que a heresia lute- . d - stá completamente encerra a.
tes, e a1n a nao e
179
178
do século XIX m t ,
. , os rou como se reduzira o es d
depms de quatrocentos.anos M d , d paço e manobra, mesmo Embora elas estivessem ligadas de vádas maneiras, há boas razões para
· esmo epo1s 0 Co '!' V: ·
pode ainda prever clarament - nc1 IO atJcano II, não se considerarmos separadamente as duas frentes de ataque. Não é necessário
e a cessaçao compl t d h il'd d
papas e os demônios dos . , . e a e ost I a es entre os elaborar sobre as distinções inerentes à minha referência a dois nireiJ - dis-
unpressores.
Dentre as decisões adotadas em 'I:rento tinções baseadas na estratificação social e na definição do mercado. Em
' ·
tencta , merece um reale ....; ul . .
em manter-se a versão latiu d' al d , , . e pawc ar amsIS• outras palavras, o fato de que as edições eruditas circulavam entre um círcu-
'Ji
ca cato ca procurava opor se d
ame 1ev aBiblia Ne
d . sse ponto, a po Íl1·
I ,
- a nas ameaças · tint lo reduzido e seleto de leitores, enquanto a tradução vernácula se destinava
estudos de grego e hebraico d Id d Is as, que emanavam dos a um público de massa, parece por demais óbvio para exigir uma discussão
. - ' eum a o,e astrad ...
outro. A Impressão de bíblia . 't r . uçoes para o vernáculo, de prolongada. Há, contudo, outras distinções que parecem menos óbvias e pre-
SSUJeiavacomere1t t 'd d d
vai a um ataque em duas fr t A o a au on a e o clero medie. cisam de mais atenção. O modo como os acadêmicos e os evangelistas viam
·
le1ga, por parte de uma elite acad' . en es. s ameaças eram d 1d
d '. e um a o, a erudição a palavra sagrada, por exemplo, nem sempre coincidia, e às vezes discorda-
'bl' . emtca,e eoutroaletu 1. d B'bl'
pu ico em geral No nível d l't al l . I . ra eiga a I Ia pelo va. Os próprios São Jerônimo e Santo Agostinho haviam discordado sobre
ditos que os clérigos· a grama'"' a e 1 e, guns e1gos se havi t ad . .
fi1 ] . am orn o mais eru- pontos da tradução da Bíblia, e no século XVI as velhas discussões voltaram
. ' ucaea oogiade fi . d
g1a; os estudos de grego eh b . r . sa lavam o rema .o da teolo- a pegar fogo. Lutero acusou Erasmo de ser mais gramático do que teólogo.
e raico rorçavam a entrada , ul
las. No nível popular homen . ulh nos curnc os das esco- Partindo de um ponto de vista diferente, Thomas More atacou os tradutores
Escntura. ' - 8 e m eres comuns
tão bem quanto a . . d d começavam a conhecer a luteranos, como Tyndale, e mostrou-se contrário a colocar, nas mãos dos alu-
maiona os pa res de sua , ·
o mercado em língua vernácul . . paroqma; expandiu-se nos primários, textos em vernáculo das Escrituras, em vez de gramáticas lati-
. , . . a para catecismos e livr d - .
ec1es1asnco ;á não era sufici t lin · os e oraçoes; o latim nas. More tomou o partido de Erasmo, e contra os obscurantistas, ao lutar
, . en e como guagem sagr da
tenos sagrados. Considerad . r . a para resguardar mis- para introduzir o estudo de grego nas universidades inglesas. Contudo, os dois
.
mstas, a versão de sa-0 Je , · . , _ Ih
a mrenor como tradu - 1 d.
çao pe os estu 1osos huma-
. rommo ;a nao e · · fi amigos divergiram sobre a questão do evangelismo leigo.
descartada pelos reformadores ']' s msp1rava con ança e foi também Os príncipes renascentistas, além disso, tendiam a ficar com Thomas
evange Icos como d d ·d
Esses dois níveis não eram . t . ' sen o emas1a o esotérica. More. Como protetores do ensino, eles patrocinavam apuradas edições aca-
. . m e1ramente estanqu , 1 U
consc1enc10so precisava ter acesso ' d' - d' es, e e aro. m tradutor dêmicas, mas se mostravam cautelosos no que diz respeito à tradução para o
as e 1çoes eru 1t d' d .
mentos das três línguas. Autore T d I as e 1spor e conheci- vernáculo. Este último tema era muito mais explosivo do ponto de vista polí-
. s como yn a e ou Lut b fi .
necessanamente dos produt d di . ero ene 1c1avam-se tico e complicava as delicadas negociações sobre assuntos de interesse da Igre-
os os eru tos-1mpre
d o acadêmico e do tradutor d' b' sso.res, enquanto as figuras ja. Os reis católicos podiam agir como Felipe II, patrocinando bíblias poli-
. po Iam com mar-se facilm t ,
- como f01 o caso de Lefevre d 'Et I AI , d . eu e numa so pessoa glotas e fornecendo missais e breviários especiais ao clero local. Mas não
tes partia de um só lugar isto e' dap es., ~m olma1s, o ataqueemduasfren- chegavam a ponto de substituir o latim eclesiástico pelas línguas locais, ou
'. ' . a recem-msta ad 0 fi . d .
novo únpeto dado aos estudos J· il d a Icma o impressor. O invalidar a Vulgata. A política tortuosa de Henrique VIII exemplifica clara-
r , . . peoscomp a ores d]'· d ·
rererenc1a fo1 acompanh d d . e . ex1cos e e gmas de mente a posição ora meio-católica, ora meio-protestante do cismático monar-
a o e um novo mteresse e t d
massa e promover a venda de 6 t ' !e R b m a en er mercados de ca Tudor. Ele começou perseguindo Tyndale e outros tradutores luteranos;
• • &J -dei, rJ. o ert Est' r ·
sor pans1ense, ao trabalhar em d' - ienne, o ramoso unpres- em seguida, passou a incentivar o ministro Cromwell a soltar seu círculo de
'I . suas e içoes snces . d
teo ogos da Sorbonne nos r s1vas, para esespero dos publicistas e impressores contra o papa; por fim. acusou seu ministro de
. ' rornece um exemplo d f. ·
unpressão da Bíblia no século XVI O os e e1tos perturbadores da mandar traduzir livros falsos para a língua materna. Em 1543, o governo pare-
Grafton, impressor londrino a . . utro eTxhemplo nos é d.ado por Richard cia dar com mna das mãos o que retirava com a outra:
' O Importunar om C jj
ord enasse a colocação de um exem 1 d B'bli d~s romwe para que este
igreja paroquial e abadia. p ar ª ~ ªe itada por Mathew em cada
Uma Lei de 1543 vetou o uso da Bíblia de Tyndale, ou de qualquer outra versão ano'
tada em inglês, e" proibiu a todas as pessoas não licenciadas ler ou expor a·Bíblía para
ISO

181
outras pessoas, em qualquer igreja ou assembléia pt1blica [... ] E no entanto, ainda em
1543, a Convocação ordenava que a Bíblia fosse lida de ponta a ponta, em inglês, capí- é necessário manter separadas as duas fren-
modo, Kohn mostra-nos por que t duções em vernáculo, ao refar-
tulo por capítulo, todos os domingos e dias santos, após o Te Deum e o ilfagnifi.cat.
,. tes do ataque sobre a Yulgata; porque as ra n'd contrário à comunhão cos-
. l' .. , tI as avançavam em sen o
çar as barreiras mgrns c ' f .d to do estudo bíblico.
Não havia contradição lógica, mas no final de contas os dois decretos aca- . . · da lo apro un amen d 1
bavam se contrapondo um ao outro. Ordenar o clero, na igreja, a fazer suas
mopohta mcentiva pe _ d
'd d da ersao e ao era i
s- J 'n'mo tenha sido abala a pe os
Embora a autor1 a e v . fj e entre os estudiosos cristãos
leituras numa Bíblia em inglês não era logicamente incompatível com proi- h b · permanecia irm
estudos de grego e e ra1co, . t d pertencerem todos à mesma
bir o emprego de bíblias inglesas anotadas, nem com impedir que pessoas não d t rra 0 sentimen o e d
em todos os cantos a e d d ondentes bem como as an an-.
licenciadas lessem ou expusessem as Escrituras, ou mesmo com interditar a 'd d d S b U are e ecorresp ' 'li
Comum a e o a er. m
di
la os entre a Louvain cató ca e
leitura da Bíblia a "mulheres, artesãos, aprendizes, empregados, operários, · dou a preservar os Ç • - d
ças dos estu osos, ªJU d l'gião A pubhcaçao as
fazendeiros e trabalhadores". Mas se a intenção era manter as bíblias ingle- . t d ante as guerras. e re J • • • d
a Le1den protestan e, . ur . li tas d diferentes credos, origmános e
sas afastadas dos leitores leigos, era provavelmente insensato atormentar as bíblias poliglotas reumu espe~:ia s el es heterodoxos de judeus e gre-
congregações, fazendo-as ouvir um capítulo por semana. Os apetites são A laboraçao com enc av .
diversos . lcampos. co · d
to eumespm , 'to ecumênico e tolerante, part1cu-
.
geralmente aguçados ao ouvirem falar sobre o fruto proibido. As ações toma- gos estimu ou o surg1men . muitas vezes, ofereciam
das no ano de 1545 provavelmente convergiram para o efeito de aumentar o d't -impressores, os quais,
larmente entre os e'.'11 I os d . d estrangeira, motivo por que eram
mercado das bíblias inglesas. Depois da morte de Henrique VIU, essàs proi- acomodações e comida em troca e,,aJU a " companhia de viajantes
bições foram abandonadas, é claro, e adotada uma política real menos ambi- . r 1 ente em casa ' na .
forçados a sentir-se itera: O trabalho de preparação dos léxicos Pº. !-
!'
valente. A despeito dé um retrocesso brusco, sob Maria Tudor, e de reações oriundos de terras estranh . di Ih r além dos horizontes da cns-
intermitentes contra carolas puritanos, o processo de anglicização da Bíblia b . ti uosesru ososao a' .
glotas tam ém mcen vo , . e1'nos distantes. A versão ver-
prosseguiu sob os auspícios reais, até chegar a uma conclusão triunfal, sob 'd 1 culturas exot1cas e r . f .
tandade oc1 enta • para . t d s trilíngües, tioha o e eito
Jaime I. Com a versão autorizada, os ingleses viram-se reunidos com outras
nações protestantes para formar um "povo do Livro".
B'bli
nácula da 1 a, em º:
b a devesse mmto aos es u o
exatamente oposto. F01 ela que evou.ao alm
l álgama protestante típico de un-
f

Desde o momento em que a versão vernácula era autorizada oficialmen- al . 1


b'bl' patriotismo msu ar. . d . l'
dament ismo ico e , ui d , 1 XVI tiveram am a rmp -
te, a Bíblia era "nacionalizada", por assim dizer, num modo tal que dividia as . d t d ça"overnac a osecuo . 1
Os movnnentos e ra u b. tivas dos estudiosos
Igrejas protestantes e reforçava as fronteiras lingüísticas existentes. "A tra- '· 1 . se chocavam com os o Je
cações antnnte ectuais, que. _ . rupo de eruditos que pro-
dução da Bíblia nas várias línguas vernáculas", escreveu Hans Kahn, "deu a . N · al t que isso naoseap11caaog . li
clássicos. atur meu e d, d d 0 nem à equipe de espec1a s-
estas uma nova dignidade, e se tornou muitas vezes o ponto de partida para . B'bli d G bra na eca a e 155 ' ·
duzm a 1 a e ene ' _ d . .J · Houve entretanto, mm-
o desenvolvimento de línguas e literaturas nacionais. A literatura tornou-se d t aduçao o rei a1me. '
tas que labutou no texto a r da li · .• da Bíblia, condenando
acessível ao povo, na mesma ocasião em que a invenção da imprensa possi- . . ad vam a causa ang c1zaça0
tos pubhc1stas que voga . d d' _ edantismo. As objeções pro-
bilitou uma produção de livros mais fácil e mais barata". Acredito, é óbvio, d 1 er smal e eru içao e p d ad
redon amente qua qu d d · d Evangelho foram a ot as
não ser mera coincidência o fato de esses desenvolvimentos terem ocorrido veladas as ver a es o El
testantes contra. tornar til' d ropósitos mais seculares. es
"na mesma ocasião" em que os custos caíam, como resultado do advento da Por esses popu1anza · d
ores
eu iza asparap · . d
. ' 'as liberais não mais eve-
imprensa. Contudo, a sugestão de Kahn de que as línguas vernáculas foram 1 ue as artes e as c1enc1 ,
sustentavam, por exemp º'. q !' u latina" mas, ao contra-
dignificadas pela sua associação com o livro sagrado contém uma observa- " dd na mguagregao ' . I
riam permanecer escon 1 ":8 d " 1 " U ando de uma "língua mg e-
ção válida. E o mesmo diga-se de seu outro comentário, de que o "latim foi
rio, se tomarem mais co
. nhec1das o vugo · s
r d " gradar a 1Omil pessoas eigas
1· "
destronado no momento preciso em que ... tinha começado a tornar-se a lin- d " 1 cetaram a tarera e a h
sa áspera e ru e ' e es en
"d h
1
de letras ta entosos ·
" Eles buscavam preenc er o
guagem universal pata um número crescente de pessoas educadas". Desse
em vez de a ez omens d t e os leigos, como entre, de um
vazío existente não tanto entre o sacer o e
182

/8J
----------
lado, as elites acadêmica e prol' . ai d
. nss1on e e outr
eram d escr1tos como "' ~b . ,, '''] , 11 o, os le1tores
. "
comuns'' qu• alcance de todos teve aspectos paradoxais, que ajudam a ilustrar os efeitos
· ma eis ' 1 etrados" f. ·1· · ' u
gua 1atma . Assim agindo 1 . la
11 "'

, e es vmcu vam , nao am1 ianzados com a lúi·


. contraditórios da revolução da imprensa como um todo. Os homens falavam
tantes .·à causa dos chamado 8 1 . d,p evange1ismo leigo dos protes. muitas línguas, e as Escrituras Cristãs dnham de ser nacionalizadas para serem
'I'
monopo !OS acadêmicos e as el't
popu anza ores
f" • • , que se
b ·
atJam contra os
e 1 es pronss10na1 O '] postas ao alcance deles. "Qual é o significado preciso da palavra 'universal',
os proressores aristotélicos e os 'd' ] . s. s teo ogos escolásticos quando se diz comumente que o livro PilgrirnJ progreJJ (O caminho do pere-
· il me ICos ga • '
sun ar pelos diversos oponenteº do . em.cos eram atacados de modo grino) é 'universalmente conhecido.e amado?"', pergunta um resenhista de
· ~ ensmo em 1 tim N' 1
s1vo e prolífico editor médico t d a .. ico au Culpeper agres· livros. A pergunta é pertinente, pois desloca a atenção para um processo que
1 . . . e ra utor na épo d Co '
receu pe a P.nmeU'a vez com.uma t d - ca o mmonwealth, apa- é freqüentemente deixado de lado. O desejo de espalhar a boa nova, quando
,· 1
canos. ondrinos -a P."·oarmacope1a . ra uçao n· · d •
ao autoriza a do guia dos bot'1-
Lon() · implementado pela imprensa, contribuiu para a fragmentação do mundo cris-
Colég10 dos Médicos de sere . . lnCMtM - e acusou os membros do tão .. Quer sob a forma de Bíblia luterana, quer na versão do rei Jaime, o livro
zar o vernáculo na medicina. m papistas, porque eles se recusavam a utili-
sagrado da civilização ocidental tornou-se cada vez mais insular, à medida
. . O ataque às velhas elites profissionais nem que se fez popular. Não foi por mera coincidência que se desenvolveram jun-
hcas. Com efeito, os dois motivos se b. sempre poupou as elites polf- tos o nacionalismo e a alfabedzação em massa. Os dois processos estiveram
sa. A anglicização dos livros de direi~om .m;i~am durante a revolução ingle- sempre unidos, desde que os europeus deixaram de falar a mesma língua, ao
defendida. por motivos patrióticos no m1~1~ da dinastia Tudor, havia sido
:1 citar.suas Escrituras ou rezar suas preces,
publicista dos Tudor, John Ra t ~ o versatil impressor de textos legais e
n' Ao quesdonar a conhecida equação de protestantismo com nacionalismo,
a classe .dos advogados como c::;a mesmo te'.°ª foi utilizado tanto contra o autor J. H. Hexter assinala que as pretensões dos calvinistas "não eram nacio-
des, co'.°o John Lilburne. Segundo es~ ~i°?ªrquia.Stuart, por súditos rebel- nais. [... ]eram tão universais, tão católicas e, nesse dúbio senddo, tão medie-
escond1da em latim ou franc • ~ ~o, a lei da terra não deveria ficar vais quanto as pretensões do papado". O caso do calvinismo é certamente algo
.
h ornem 1ivre es anugo, mas VIsív 1 , 1·
a possa ler tão b e ' em mg es, ªfunde que "toda excepcional, já que a língua falada pelos habitantes do pequeno cantão suíço
· · • . emquantoosadv d "A'
ms1stencia em transportar um conh . oga os . Julgar-se pela sua que serviu de Ronia protestante era, por coincidência, a mesma usada pelo
"
cil para uma fonna em qu
ecunento qu r
r
, ·
e wra esotenco, "raro e difí
. la e o mesmo ross " 1 ,. . - mais populoso e forte reino do século XVII. Enquanto o próprio Calvino não
pe sua confiança na inteligência do úbli e 1~ evante e util para todos", e sabia ler as obras alemãs de Lutero, os Hohenzollerns prussianos sabiam ler
tradutores parecem ter antecipado p b co e orem geral, os prefácios dos e liam Calvino em francês. Em parte, devido à longa influência que ele exer-
Luzes. No seu deseJ'o expresso de t uma oa parte da propaganda da Era das
- ] razer o conh · ai cera na qualidàde de língua franca medieval; em parte, devido à nova radia-
saos, e es refletiam um mo . d' . ec1m.ento ao cance dos arte-
VImento em ireçã ção da cultura genebrina na época de Calvino, mas sobretudo por causa dos
mentad o pelos novos prelos "O h . o a novos mercados, cjue foi ali- sucessos dos Bourbons na arte de governar, o fato é que o francês dubJtituiu
t · · con ec1mento ,d .
o mais comum, melhor Po nunca e emas1ado, e quan- o latim como língua internacional para a maioria dos fins. Apesar disso, a lín-
. r que somente d
pe~guntava-se Florio, cujas traduções e d' . ~ povo eve tudo ignerar?", gua nadva de Calvino jamais viria a alcançar a situação cosmopolita que o
pratica. O leitor comum cont d 6 d1c1~nanos punham essa máxima em
' u o, s po ena ai d latim medieval havia alcançado nos assuntos religiosos.
gua materna. Diversamente d fut. , . ser canç.a o pelo uso da lfn- Como língua sagrada comum, o latim medieval continuou a unir a Euro-
, os uros pm'foJo h il . .
res ~ep1savam, insistentemente, temas eh . . 'P 41 umm1stas, os traduto- pa católica e a América "Latina". As Igrejas protestantes ficaram divididas
crat1zando a defesa do vof- e auvm1stas - retrabalhando e demo-
d 'Yare, que rora pat · da para sempre pelas modernas fronteiras lingüísticas, e nesse contexto o pres-
urante a Renascença. roema por príncipes e déspotas,
bitério viu-se envolvido nas mesmas contradições, como todas as demais
A mesma combinação de temas democrát. . . . Igrejas protestantes. Suas propostas eram universais, como diz Hexter, mas
a tradução protestante da Brbl' Co fi . icos e patr16ticos acompanhou já não havia maneira de tornar a Bíblia mais "universalmente" acessível, sem
1 ia. m e eito, o desejo de levar a B'bl' .
~ IIaao enquadrar as Escrituras num molde mais nacional. Assim, a Bíblia de Gene-

185
bra, que circulou entre os puritanos ingleses e escoceses, estava escrita numa
língua estranha à chamada Roma protestante. Um grupo de americanos nos- . ,. de uc -odcrinn1 ser encontrados modelos em nu~~-
Por meio da prece e da med1taçao, q p ' [ Jem pouco tempo aprenderam a diri-
tálgicos muitas vezes caracteriza um fundo comum de tradições - baseadas rosos livros, o vendedor de~anosl º.:~ng~e1;00.~idadão londrino aprendeu a reahz~
em Shakespeare, Blackstone e a Versão dá' Bíblia Autorizada do rei Jaime .
g1r-se
. Deus sem assistência ec eSt tca ...
, . 1ar [...] o cidadão comum tornara-se
articulado na presença aa
o cultoaem seu propr10 -
- como constituindo "uma cultura comum" que o século XX perdeu. Este
Divindade.
modo de ver, é verdade, atravessou o oceano e uniu os advogados interiora-
nos do Novo Mundo com os construtores do império vitoriano no Velho. Ele
se deteve, contudo, na orla do mar. Do outro lado do canal da Mancha, entre hahVI~
Os comerciantes puritanos quefil
. rendido a falar com Deus na pre-
apt vam a caminho do futuro auto-
d.
os europeus cultos do contIDente, essa cultura não era absolutamente comum. sença de seus apren izes, espos ae os1aes
. • a dentre os paroqmanos
. da'igre-

Fora da Europa católica, portanto, uma fé escriturai penetrou profundamen- governo. Por mais baixa que fosse sua s1tuaçaoreconhecimento reconfortante
ja, eles sempre podiam encontr.ar em casa um
te em todos os estratos sociais e forneceu os fundamentos para uma espécie
de "cultura comum". Mas embora um cinturão bíblico tenha deixado marcas de sua própria dignidade e valida. , . s católicos foram privados da opor-
.
Os comerciantes e h omens .e .negoc10 Um cardeal cato'lico, d ura n -
indeléveis em muitos países, a "religião dos velhos tempos" foi contida abrup.
tamente em novas fronteiras lingüísticas. .. . . relig10sos em casa. . d
tunidade de dmgrr serVIços . fi ''s londrinos contra os perigos a
A mais fundamental das divergências entre,as culturas católica e protes- te o reinado de Mana u ~r,
. 'D d reven1u os e1
P "N. o deveis ser vossos próprios
.
mestre~
"
,
tante talvez possa ser encontrada o mais próximo possível do lar. A presen- leitura individual das Escrituras. • a os cidadãos de Londres. A Igreja a
di
ça ou ausência de orações em família ou da Bíblia famüiar constitui tema de sse Reginald Pole em sua alocuçao a . a de que a "religião do lar era
. erta a prem1ss . d , .
não pouca importância para todos os historiadores sociais. "Os chefes das casas Contra-Reforma tomou como c 1 d t' ulou a "leitura bíbhca omestl-
. b • " Ea eses 1m ,
devem ser como pregadores para as suas famílias, de modo que, desde o mais uma sementeira de su versao . 1 t' a eficaz no sentido de manter pra-
elevado até o mais inferior, todos possam obedecer à vontade Deus'', dizia d~ d . 1
ca" e se absteve e criar qua q uera terna iv
E il'
uma nota à margem de um exemplar da Bíblia de Genebra. Diferentemente ticas religiosas no interior do cídrculo ".111 ibaru.scar uma condição de nobreza
. f ' teu euma1sa d
dos nobres, que contavam com capelães para a família, os donos de casa comuns, Se o negociante rances . . d gócio mas compran o terra .e
di h . • emvestm o no ne , . .
de recursos moderados, contavam com a orientação espiritual da igreja paro- e a gastar seu n etro nao r o estigma de ser negociante 1ama1s
Carg
quial. Dizia-se a eles, agora, que era seu dever dirigir os serviços religiosos os talvezisso se deva, em partde, adque r o papel de rei e sacerdote em
, 'da e eexerce . 1
em família, bem como catequizar crianças e aprendizes. Com isso, eles ganha- fora compensado pela oportum .s ameaçadores da doutrina ca -
ram uma posição, nas casas de família protestantes, que os homens das famí-
lias católicas não tinham de modo algum.
seu próprio lar. Com ce~ez~, :º .
s aspectos ma1 d' .
na de ravação humana e sua teu enc1a a
. . t - tais como sua ms1stenc1a . P d 1 - deveriam ser con-
VIms a . d d entlmento e cu pa .
estimular repressão,. ;'~'e
trapostas as oportum a es q.
au: :1:
oferecia para a obtenção de um sentlmen-
O chefe da casa tinha como dever verificar se seus subordinados assistiam aos serviços
religiosos, e se as crianças e empregados estavam sendo mandados ao catecismo. Ele deve- to de autodomínio e auto-estnna. igre1'a e a do chefe de uma casa
• d la protestante numa t" de
ria dirigir o culto diário no lar [ ...J O chefe era rei e sacerdote para os seus familiares. A transformaçao o r do caso, comprovar a suges ao
protestante num sacerdote parece, em to .
Weber de que .
Nesse terreno, como em outros, o impressor não perdeu tempo em estimu-
lar o espírito de iniciativa: "Para guiá-lo, o pai podia confiar em numerosos . . r '
Reforma não s1gn1ficou a e im1naç
ão do contro1e da lgre)' a sobre a v1'd
l
. a d"
iana' ' mas
bstituição à antenor. Ela s1gn1
'fi
i~
manuais de bolso, que saíam dos prelos, tais como A wer/ce for bowe6olJerJ a E
or~a
de contro e, em su d d

(1530) (Obra para chefes de casa)" ou "Preces divinas particulares sobre as
quais os chefes de casa devem meditar e que devem fazér em família (1576)".
antes a entrada de uma nova
cou o repúdio de um controle mmto frouxo [..
conduta, o qual' entrando em todos
. os setores
l: .
m benefício de um controle e to a
d particular e pública, era infimta.-
VI a

186 . e ap l'tcado. senamente.


mente opressivo

187
--~~-
Pensando mais sobre leitura bíblica em .' 1 d
cm g·cral, poderíamos ser mais es ecífi particu ar. o ~u~ sobre Reforma de crítica e modernidade; na segunda, no sentido de um dogmatismo mais rígi-
novo e o velho controles Em ~ icos com respeito a diferença entre o do, cuhninando no fundamentalismo literal e nos "cinturões" bíblicos·.
n severidade, poderíamo~ comvez e mer"',°ellte contrastar a frouxidão com A tradução da Bíblia para línguas vernáculas valeu-se da erudição huma-
de um púlpito, de um trecho d p~r os ei~1tos de ouvirm~s a leitura, do alto nística, somente para miná-la, mediante o fomento de tendências patrióticas
l.llesma passag. em em casa N os . v~uge os comalos da leitura individual da e populistas. Devemos distingui-la dos ataques dos estudiosos à Vulgata,
. o pnmerro caso, a P avra vem d d
le que se coloca a certa distância e I . e um sacer q- porque ela se achava ligada a tantas tendências não-acadêmicas e antíinte-
ce vir de uma voz silenciosa q táem P ~no ~upenor; no segundo, ela pare- lectuais. Além do mais, coincidia com a tendência para buscar lucros dos pri-
ue es no mtenor.
Es sacam • , l d meiros impressores, algo ao contrário do que ocorrera com as edições erudi-
l da paraçao, e c aro, eve ser tratada com cuidado e não d
eva a extremos. Para o nascimento d . . . .po e ser tas e com as edições "poliglotas, não lucrativas". Nem todos os impressores
tantes, as reuniões infor , . as pnme!fas comumdades protes- eram eruditos, nem todos eram devotos, mas todos tinham de obter lucros,
tinham 1 m~s orgamzadas para a leitura dos. Evangelhos para poder continuar com o negócio.
provave mente mawr · ·51 . d . ,
Bíblia. Esta última, além disso f, sigm . ~açao ..º que a leitura solitária da Depois que os impressores tomaram a si a duplicação das indulgências e
vais. Além. disso o contras.te' otra pradtJ.cada antes p~r alguns monges medie- a promoção de relíquias, algumas das tradicionais práticas da Igreja ficaram
, ' enreo evotoquev • · · l' .
táno não deve ser utilizado c . d' d d r ª'a igreia e o eitor soh- mais obviamente maculadas pela pecha de serem necessárias. Mas o mesmo
, . . orno m ica or e rormas de com ort
mutuamente exclusivas. Durante o século xv·I . . d p amento espírito de "contabilidade de partidas dobradas", que parecia infectar os
nao• so, ouvia , seus pregadores . , . ' a ma1ona os protestan t es papas reriascentistas, contaminou também o movimento que encabeçou a causa
• na 1greJa como também lia os E Ih
casa. Nao obstante, penso que a " fu d - . vange os em antipapal. Com efeito, por muito que eles atacassem as "devoções mecânicas",
les" em todos os setores d ,' 'd pro n a ~enetr~çao dos novos contra- o fato é que os protestantes se basearain muito mais que os papistas nos ser-
ª vi a se torna mais explicável d· b
mos que os livros impressos são mais portáteis do que os púlpq~an o ~ se;va- viços de "impressores mecânicos". Na medida em que sua douuina enfatiza-
rosos do que os sacerdotes e t' 1 os, mais nume- va a necessidade do encontro com a Palavra e substituía a participação na
interiorizadas. con em mensagens que são mais facilmente missa pela leitura da EsÚitura, ela também punha de lado a mediação dos
As conseqüências · · · I' · sacerdotes e a autoridade dos papas, somente para toruar-se mais dependen-
a leitura bíbli l sociad1s e ps·ic·o og1cas da nova possibilidade de adotar te da eficiência dos impressores e vendedores de bíblias.
ca em ugar a parnc1pacão em cerimôni tra. di · · .
como a m1'ssa - rorame , ·
vanas H avi' , 1 as c10nais - tais Mesmo quando descrevia a arte de imprimir como o mais elevado ato
,, · a um c aro equívoco n J/o " la ·
fura ' como nos adverte Bernd M ll E! d,. . o yan do Jcrtp- da graça divina, Lutero não se esquecia de castigar os impressores que trun-
tido inclusivo para si<>nifi1car " • oe er. Ese p~ ena ser usado, com um sen- cavam passagens do Evangelho ou lançavam ao comércio reimpressões
. ' -o nao sem a 1 cr1tur ,, 0 d .
rnficado que lhe fora dado P r L t , " ª ' ~ correspon er ao sig- apressadas, para obter lucros imediatos. Num prefácio à sua Bíblia de 1541,
o u ero. com a Escntura a · "
tomemos neste último sentido a leitu b'bl' d .
e
penas . aso o ele assim se expressava com respeito a eles: "Eles só vêem sua ganância".
as dem";s ex . ' , ' ra I ica po ena estar acima de todàs Apesar de tudo, ao insistir na leitura da Bíblia como um caminho para
~ penencias num gra · .
épocas anteriores As ~ .' .u e co;n, uma mtens1dade desconhecidos em experimentar a Presença e alcançar a fé verdadeira, Lutero também rela-
C . . d . xpenenc1as relig10sas comunitárias da Idade Médi
ao ricas e varia as, fornecerain à "cultura comum'' d . . ·. a, cionou as aspirações espirituais com um empreendimento capitalista em
base diferente daquela oriunda da de d, . d 1º.homem ocidental uma expansão. Era necessário engajar impressores e vendedores de livros, para
abertos, em certos casos, levain a me!i:nf. enhaciada a eJtura da Bíblia. Livros poder dispensar os sacerdotes e colocar os Evangélhos diretamente nas mãos
N , b' d s ec s. dos leigos. As doutrinas protestantes acabaram por atrelar uma religião tra.
o am ito a Europa protestante , , .
ta em duas direções totalmente o ~portanto, o .un~acto da imprensa apon- dicional a uma nova tecnologia, com o resultado de que o mundo cristão
dências tolerantes "erasmian " p:s d as nafinpruneira, no sentido das ten- ocidental tomou uni. curso jamais experimentado antes por qualquer reli-
as ' e egan o ao al a um nível mais elevado gião mundial, e cedo desenvolveu características peculiares, que lhe deram
188
189
.. . . f ssem traçadas no século XVI, os homens
a aparência, em comparação com outros credos, de ter sofrido algum tipo Antes que as linhas divisónas o - d . de ler a Bíblia em sua pró-
.- 1· ciam estar tao esejosos .
de mutação histórica. das reg1oes cató icas pare .d á s que postenormente se tor-
res1 entes nas rea b"
pria língua quanto as pessoads Ih te os impressores católicos com ma-
Demo oseme an ' . E t"
naram protestant es. . _ )' iasa e desejo de lucro. 'ram ao
Dada a convergência de interesses entre impressores e protestantes, e conhe· vam erudição acadêmica com devoça~ re ig ores protestantes. Também ser-
s quanto os nnpress . "nfl
cido o modo como os novos prelos implementaram velhos objetivos religio- empreended ores e operoso . d ulturalmente mais 1 uen-
. ul s mais po erosos e c di
sos, parece fora de propósito discutir quais, dentre os "fatores" que contri· viram os reinos mais pop oso ' ai E ha (com seus extensos e s-
, 1 XVI· Portug e span Es ad0
buíram para a transformação do mundo cristão ocidental, foram os mais tes da Europa d 0 secu 0 · . • ad ai ma"es do sul e as cidades- t
. \ Á . F an"•.pnncrp os, · e
tantes impénos;, ustria, r ..,..,
ad
dir seus merc os e
importantes, se materiais ou espirituais, se socioeconômicos ou religiosos. Con-
1 . menos eXJto ao expan "
tudo, parece-me de todo pertinente insistir em que se atribua à imprensa uma italianas. Entretanto, e es tiveram - d rante os séculos XVI e XVII. A
posição proeminente, ao enumerar "fatores" ou analisar causas. Excluir do ao estender e diversificar suas operaço;s u . , eados do século XVII;
· tado seu 1mpeto Jª em m
amálgama os interesses e perspectiva dos impressores (como fazem muitos) Reforma luterana avia esgoh .. , . ércio de livros protestante, man-
. consequencia o com d ,
significa perder a oportunidade de explicar como as divisões entre protestan- mas o protes.tantismo, e em . . 1 al d Alemanha até começos o secu-
, · breavidamte ectu a rt
tes e católicos se relacionavam com desenvolvimentos concorrentes e simul- . teve sua ascend enc1a so . , d 1 t do sul para o centro e o no e
alias um es ocamen o h r.
tâneos que estavam transformando a sociedade européia. Nem todas as modi· lo passad o. I sso trouxe, . , d d IVllll'entos na Aleman a, re1ta por
ficações decorrentes do advento da imprensa eram compatíveis com a causa . da Alemanha"· Esta d escnção os esenvo toda a Europa apos
, 1517 A0
·
, I t a 0 que aconteceu em . •
da Reforma religiosa; muitas eram irrelevantes a ela; algumas lhe eram adver- Steinberg, e re evan e par . - d 'mpressores em direçao aos
. oVIIDentaçao os 1 .
sas. Os pastores e impressores viviam em freqüentes disputas nas regiões go- longo de tod.o o continente, ª, m. d dos de se expandirem e se diver-
t ndencia os merca b 6
vernadas por luteranos e calvinistas. Não obstante, protestantes e impresso- centros protestantes e a e atestantes do que so os cat -
. 'd t sob os governos pr · I .
res tinham mais em comum do que católicos e impressores. As divisões si.ficarem mais rap1 amen e .d aderem ser corre ac10na-
religiosas tiveram importância crítica no futuro desenvolvimento da socieda- licos parecem estar sufici"'.1temente marca as para p
de européia, em parte devido à maneira como elas interagiram com as novas das com ou.tros desenvolvimdent~s. d . du'strias impressoras assemelha-
. s estJnos as m
forças desencadeadas pela imprensa. Se os protestantes, mais do que os cató- Escusad o d izer que o . a l i•. •as pelo fato de que eram
·.:

sas capit stas pr1m1nv ' . A


licos, parecem estar ligados intimamente a certas tendências "modernizado- vam-se aos de outras empre danças concomitantes.
. . , .s diferentes e por mu .
ras", tal fato se deve, em larga escala, à circunstância de que os reformado- afetadas par muitas vanave1 . rt ntes centros impressores antigos,
res fizeram menos para controlar essas forças novas e mais para reforçá-las expansão de Veneza e Lyon, como. lffiPO a . . final da Idade Média, e
d tendências comerc1a1s no
desde o começo. explica-se pelo exame e l d '. · portante levar em conta a
\' . Por outro a o, e im b
Nas regiões protestantes, por exemplo, foram dissolvidas as ordens reli- não pelos aspectos re igwsos. fi de Wittenberg e Gene ra
. d or que as ll'mas
giosas regulares, e o impressor foi incentivado a desincumbir-se da função religião, se qmsermos enten ~r l'. . d, tr' de exportação a estabelecer-se
A pnmell'a m us ia . "O
apostólica de espalhar as boas novas em diferentes línguas. Já no âmbito das começaram a prosperar. fu .ad ligiosos originários dá França: s
fronteiras dominadas pela Igreja da Contra-Reforma, foram tomadas medi- em Genebra foi instalada ~or
. 1
:e .
gid, otrs,'eexportadora de Genebra, UIDa edi-
pr1mell'a m us ia , 1
das opostas. Foram criadas ordens novas, como a dos Jesuítas ou a Congre- franceses msta aran: a . 1564 o único produto exportave que su~
gação da Propaganda; as demais atividades de ensino e pregação foram con- tora... Quando Calvino falec~u, em ' empreendimento tanto reh-
troladas pelo InJex e pelo lmprimalur. Daí em diante, os destinos dos impressores
' r
Genebra pro duzia - o ivro 1
mpresso - era um
d f . d s religiosos para a Gene ra
b
. . " O afluxo e re ug1a o fj
definharam em regiões onde as perspectivas tinham antes parecido brilhan- gioso como econômico . 1550 mod'r: mcou
" d' almente" a estrutura pro is-
ra
tes e prosperaram em estados menores, menos populosos, nos quais a reli- de Calvino na décad a d e . . r . 'ros saltou de algo entre 3
ic
gião reformada assentou raízes.
. ai d 'd d O.. número de impressores e 1vre1
SIOll a Cl a e.
191
190
e 6 para .300 ou mais. Como já havia ocorrid .
as condenações ditadas pel S b do com a cidade da Basiléia, após os protestantes. Com isso, o incentivo à leitura foi eliminado entre os católi-
a or onne na écada d 1520 Ge b _.
gan har, trinta anos depois em detn' t d F ,,e . ' ne ra ve10 !L cos leigos e imposto oficialmente aos protestantes. Doravante, os mercados
. ' men o a rança. Exil d li . .
remaram secretamente seu capital da F r~ a " As . .a ?s re gio~os ricos de livros tenderiam a expandir-se em ritmos distintos. A impressão de bíblias,
soras se foram. O moviment0 d t . b Ih dç . princ1prus firmas nnpres. que era até então autorizada, converteu-se muitas vezes num privilégio espe-
, era a a oresentreL G b
ate então envolvera um tráf. d . . :}'on e ene ra, qu~ cial, de modo que seu declínio em centros católicos teve impacto direto sobre
. ego nos ois sentidos "d
movnnento de mão ú . ' . e repente tornou-se Um um ·grupo relativamente pequeno de impressores. A indústria em sua totali-
m~iores impress;~;f:a~c~::~o;~::::;~~t~: ~ ~~verteramd".
dos
d e Paris para Genebra emb
Alguns dade sofreu, contudo, um golpe indireto, como resultado da supressão do gran-
. r s ienne, mu aram-se de mercado potencial representado por um público católico leigo de leitores
' ora a ma10r ruga de tr balhad
tenha ocorrido em Lvon N ,
. " · a epoca em que Jean II d T
ª ores e de capital da Bíblia. Além disso, as bíblias em vernáculo estavam longe de ser os úni-
nu de l:i'on para Genebra fi e ournes se transfe- cos b&1t-JellerJ barrados aos leitores católicos depois do Concílio de Trento.
' em 1585' as rrmas que ficar ]
graud e centro impressor fran , am naque e outrora Erasmo tinha enriquecido seus impressores, antes de Lutero ultrapassá-lo.
ces se ocupavam na · d
reempacotar livros impressosem G . b 1 ma1pr parte o tempo em Ambos, junto com numerosos outros autores que gozavam de popularidade,
. ene ra co ocand e Ih d
para esconder sua origem cal " ta ' d ·º novas ro as e rosto foram colocados no f nde.-r:. Ser incluído em tal lista, na qualidade de autor proi-
'l'
I tá ia ou Espanha católicas F vims ' antes e embarcá] d
. - os e novo para a bido, serviu como forma de publicidade e pode ter aumentado as vendas. Lucrar
. · oram mmtas e comple - ]
os impressores de Lvon s h . d xas as razoes pe as quais com isso, contudo, era um negócio bem mais arriscado para os impressores
" e aviam torna 0 de d d Ge
final do século. Desem enharam ,. . pen entes e nebra, pelo · católicos do que para os protestantes.
culdades de supriment:d 1 papeis importantes nesse processo as difi- Uma vez que havia. muitos impressores interessados em lucro fora do
fatores; também ·pesaram · e pape' oscustoscommã d h
c t . .
·
o- e-o ra e mmtos outros alcance de Roma, a ação da censura católica acabou tendo resultado contrá-
venda de livros em língua veri:;c:,, (=ºº~1'.;,~~tos ;eligiosos e restrições à rio aos desejados, como um tiro que saísse pela culatra. O Iní!ex fornecia publi-
À semelhança do qne ocorrera com o~sin,1 ias e Mt-.;e!ferJ de vários ~po~). cidade gratuita para os livros nele arrolados. As listas com os trechos a serem
os de Veneza se viram envolvid pressores de l:i'on e Antuerpia, expurgados remetirun os leitores diretamente ao "livro, capítulo e linha" em
muitas causas diversas, inclusi~: :u;~r~ce~so.de dec.línio provocado por que podiam ser localizados os trechos anti-romanos, dispensando com isso os
Mediterrâneo para o oceano M t b, s erenc1a maciça do comércio do propagandistas protestantes da necessidade de fazer suas próprias pesquisas,
· · as am em nesse po to b
rações do início do século XVI e . 'd n as exu erantes ope- em busca de citações anticatólicas extraídas de autores eminentes e trabalhos
. roram restnng1 as pela Igr · da Co
ma. Ao considerarmos 0 r , eJa ntra-Refor- respeitados. "As primeiras cópias de todos os Ínoiced originais tomaram rapi-
. renomeno que preocupou Max w; b
mmância de protestantes entre os "em . e er - a predo- damente o caminho de Leiden, Amsterdam e Utrecht, onde foram prontamen-
e comercial" _ pregados de mais elevado nível técnico te utilizadas, como guias, pelas diligentes fumas impressoras holandesas." De
' merece ser repensado 0 fato d · .
dutores de papel "votaram co ' " e que mmtos Impressores e pro- fato, pouco havia a perder e muito a ganhar, para o impressor protestante que
m os pes aoset f.. .
predomínio protestante. ' rans erirem para regiões de preparava sua lista de novos lançamentos, com os olhos postos na mais recen-
O mesmo se aplica à que e d · . d . te edição do lndex. Desse modo, as decisões tomadas pelos censores católicos
alfabetização pelos diferentessc:d osMvana osdm~entivos que foram dados à acabavam, sem o querer, desviando as publicações protestantes em direção a
· os. erece elido exa .
trad o na ilustração da folh d t da b me o contraste regis- novas tendências estrangeiras heterodoxas, libertinas e inovadoras. Vale a
· a
(Atos e monumentos) - mostrand d e ros o 0 ra de F A 0
oxe, cteJ anu monament& pena determo-nos um pouco mais nesta ação de desencaminhamento. Ela nos
e católicos com rosári.. os n .. - Duoevotos protestantes com. livros no colo sugere o motivo pelo qual os impressores têm de ser tratados como agentes
as.maos. rante os, ]0 XVI b'b]'
náculo, que haviam sido. prod. 'd .d. d · ecu ' as . 1 ias em ver- independentes, quando se busca correlacionar as divisões entre católicos e pro-
uz1 as e mo o al lt'' .
passaram a ser proibidas para os c t T godaaea or~o em certas regiões, testantes com desenvolvimentos concorrentes. Não foi o clérigo protestante,
a o icos e torna s obngatórias para todos
mas sim o impressor em busca de lucro quem publicou as obras de Aretino,
192

193
ACTE.S
andMonumenrs

A folha de rosto integral do Lúwo Jw Jlfártii'f!,1, de John Foxe, mostra o contraste entre 0 destino dos Os dois painéis inferiores da folha de rosto aparecem ampliados ha chapa acima, a fim de mostrar os
protestantes (à esquerda) - que são queimad~s sobre a terra mas triunfam cternanierite 00 céu _ pr-0testantes, que seguram livros e se ajoelhan1 diante <k1 Palavra sagrada; e os católicos, que debulham
com o dos católicos (à direita) - que celebram o triunfá de seu sacran1ento da missa sob~e íl terra, rosários e seguem, como carneiros, urna procissão religiosa. Extraída da obra de Foxe, A:fo_1and11wnu-
mas sofrem depois tormentos ete;r-no,;; no inferno. Reproduzida mediante gentil per~issão da Folge1· me11t,1 ... touching....tJreat per._1ec11tWn.1... {Atos e monun1entos ... grandes perseguições ... tocantes) {Londres,
Shakespeare Library. John Day, 1563). Reproduzida mediante gentil permissão da Folger Shakespeare Library.

194 195
Bruno, Sarpi, Maquiavel, Rabelais e todos os demais autores que se achavam
nns listas católicas. Se o agente interveniente não for levado em conta, torna-
so difícil explicar por que uma cultura literária de cunho secular, livre-pensa-
dora e hedonista haveria de florescer em regiões que se encontravam sob o
controle de devotos protestantes.
Afinal de contas, os militantes calvinistas estavam tão dispostos quanto
os inquisidores dominicanos a recorrer à coerção e à fogueira. Quando a
causa da tolerância religiosa foi defendida pela primeira vez na Europa Oci-
dental seus defensores foram as lojas impressoras que ficavam fora do con-
trole dos calvinistas.
.," As autoridades de Basiléia apoiaram com lealdade a ação tomada contra Servetus em
l.:

::.F';.::,,i ·,_;.
'Ãf';[H:A,, 1r
Genebra; no entanto, ninguém deixou de observar que elas também ouviram com sim~
paria os apelos de Castellio em prol da tolerância[ ... ] Não fazia sentido juntar-se à ca-
Jr. e-:.. ";4- ... ,
. ... çada de bruxas dos genebrinos [ ...]A ambigüidade parecia menos perigosa que a con~
it
...:.
trovérsia. A indústria impressOra deve ter recebido muito bem esta indecisão deliberada
[ ...]Ela estava do lado de Castellio eda tolerância.

Desde Castellio até Voltaire, a indústria impressa foi a principal aliada natu-
ral de todos os filósofos libertários, heterodoxos e ecumênicos. Ávido por
expandir mercados e diversificar a produção, o editor de iniciativa era o inimi-
go natural das mentes estreitas. Se ele preferiu a Roma protestante à católica,
não se deve isso necessariamente ao fato de que ele estivesse comprometido com
o calvinismo. Genebra era preferida também por impressores não-alinhados,
que a podiam ignorar de um certo modo, uma vez que ela carecia de poderes
para controlar o comércio de livros além dos seus limites de pequena cidade.
Os impressores não-alinhados não estavam preparados somente para cor-
rer com as "lebres" protestantes e caçar com os "galgos" católicos, durante
as guerras religiosas. Seus interesses diferiam igualmente dos propósitos dos
estadistas construtores de nações, qúe levantavam exércitos e promoviam guer-
.. ~ ras dinásticas. Suas empresas floresciam melhor em reinos frouxamente fede-
rados do que em entidades fortemente consolidadas; em principados peque-
O inrJe..: fornecia publicidade gratuita para os títulos nele arrolados e guiava os impressores protes· nos, mais do que em outros em expansão. As políticas de censura fizeram deles
tantes para alg~ns ª~~ores, como Maquiavel, que podiam ser anunciados como fFuto proibido. O os opositores naturais não só das autoridades das igrejas, como dos burocra-
nome de I\'laquiavel fm acrescentado a esta cópia dolnde:r librorumprobibiforum (Roma ]5'9) R tas, dos regulamentos e do papelório do mundo leigo. Como agentes indepen-
d 'd d' . . , a . epro-
µz1 a me iante gentil pe-r-~1ssão da Divisão de Livros Raros e Coleções Especiais da Biblioteca do
dentes, eles atendiam os órgãos de publicidade e davam apoio dissimulado a
Congresso dos Estados Unidos.
uma "terceira força" que não se vinculava a qualquer Igreja ou Estado. Con·

IY6
tudo, esta terceira força era obviamente relacionada com os interesses dos pri-
meiros capitalistas da Era Moderna. Até mesmo os credos heterodoxos ado-
tados por alguns dos editores comerciais (de modo especial Christopher Plan-
tin) tinham sempre um caráter complementar às suas atividades de empresários
capitalistas.
A formação de corporações das qnais participavam homens de negócios
e impressores de diferentes credos ligados a extensas redes de distribuição
indica como a nova indústria ajndon a criar agrupamentos sociais informais
que transcendiam as fronteiras tradicionais e abarcavam várias religiões. Ela
incentivou também a adoção de um sentimento comum a esses grupos, um
ethod que se mostrava cosmopolitano, ecumênico e tolerante, sem ser secular,
descrente ou necessariamente protestante - enfim, um ethOd qne parece ante- CitRlSTOPHORVS i>J.ANTl!'l'VS,
'BENEifJ!CTVS .,/'RjAS uoNTANVS.
TVRONENSfS.
cipar o credo de algumas lojas maçônicas da Era das Luzes, inclnsive devi-
. d ·d , . loXVleraoestabelecin1en-
do ao sen caráter secreto e quase conspiratório. O .d tal na segunda meta e o se cu
A maior firm_a impressora da Europa c1 e~ . . PTavura de Philippe (ralle. Galle, que
Um dos principais centros de defensores do novo ethoJ no sécnlo XVI foi . d A , · retratado acima nu1na o· , E!
to de Christopher Planbn, e ntuerp1a: d't es era ligado ao circulo de Plantm. e retra-
a loja impressora de Christopher Plantin, na cidade de Antuérpia, que man- ad mpressores-e ' or , . !' II
ertencia a uma dinastia de g!'~~ ores e I . 1· d· rte que foi enviado a Plantin por Fe ipe '
P . li\ · erudito cape ao n co ~
teve seus víncnlos católicos e conquistou o apoio do rei Felipe II da Espa- tou também Benito Anas ' ontano, h d B'b\. Poliglota de Antuérpin. Os dois retratos proven1
· · trabal os a 1 'ª ,,. · (Ant 'r
nha, ao mesmo tempo que servia também os calvinistas. Alguns membros do da Espanha, para supel'Vls1onar .º.s all Viivr11m Joctorum Je ()i,Jciplini.1 bene merenti1111iejjtgted . ue -
ma coleção de a~itoria de Ph1hppe G e, , ·1 . :- da Folger Shakespeare L1brary.
círcnlo de Plantin eram também filiados à seita fronxamente organizada, d eu - <luzida mediante genü perm1ssao
·. 1572 ' B1rectoe&recto).Repro
pia, ,
secreta e heterodoxa, conferida como "Família (ou Casa) do Amor". Seus mem-
bros, também conhecidos como "familistas", eram incentivados a se ajusta- . nização de "cé1u1as "
da Contra-Reforma) estava de fato engajada com a orga
rem externamente à religião da localidade em que viviam, embora permane-
.
subversivas no mtenor
· · do próprio Escorial.
• or da Europa do sécu o
1 XVI '
cessem como crentes fiéis nas doutrinas místicas expostas nos panfletos . , . dit ·a1 de p antm, o ma1
1' •
,
"familistas". Mesmo na época em que trabalhos "familistas" saíam de seus pre- O vasto 1mpeno e on . , 'd d d seu chefe de manter um pe
. d . rtânc1a a capac1 a e e
los, Plantin conseguiu que Felipe II o designasse "prototipógrafo", fazendo- devia mmto e sua impo 'd t uaisquer eventualidades, graças a
e protegi o con ra q d d'
º responsável pela supervisão da indústria impressora no território dos Paí- em cada causa, sempr
. 1
. di
al' d s em versas regioe
.• se pertencentes acre os iver-
.
ses Baixos e pela verificação da competência e ortodoxia religiosa de todos oderosos amigos, oc tza o d . " . demitas" (entre as quais a
P . • d d bros e seitas mco .•
os impressores da região. Ele ganhou também a amizade de Benito Arias Mon- sos. A perm1ssao a a a mem 't' s religiosas das reg10es em
") 0 bservarem as pra ica ,, . .
tano, conselheiro de Felipe II e um dos mais notáveis eruditos daquela corte, "Família do Amor •para il' balh 0 dos agentes do empresar10 no
. t bém fac itou o tra 'd
que foi enviado da Espanha para supervisionar os trabalhos da Bíblia Poli- que eles vivessem,
.
am b
. . lhes manter so centro e os
l potenciais persegm ores.
. ..
glota de Antuérpia, e regressou à Espanha, onde ganhou novas honrarias do estrangeiro e permitm- . d f' t de Plantin pode assim se.r visto,
, . · de1D1ta a e secre a .
monarca enquanto mantinha uma correspondência secreta com seus amigos O caráter ecumemco e mco . lo dos modos pelos quais
d " orno mais um exemp . "
holandeses do recém-encontrado círculo e transformava, por certo período no dizer de Robert Ki ng on, c , . forçam mutuamente.. Os
. . . t e econom1co se re
de tempo, o padrão normal do comércio de livros na Espanha. Parte do fas- o credo rehg1oso e o m eres~ 1 . . res seres dotados de pontos
,, . articu ar os impresso , . ,,
cínio suscitado pela história do círcnlo de Plantin e pela "Família do Amor" homens de negocios, em P . 'tados para sobreviver, e ate
.d . . , t' eram os mais capac1 . l' .
reside em sua capacidade de excitar a imaginação paranóica, ao revelar que de vista anti ogma icos, l' · d beligerância re 1g10sa.
mesmo prosperar, _em meio aos sucessos vo uve1s a
uma eminente autoridade católica (e, ao mesmo tempo, renomado acadêmico
199

198
Se eles adotassem um credo tolerante, que pudesse ser mantido discretamen-
te, teriam condições de evitar as perseg·uições por carolas e até mesmo atrair da por conta do impressor local, sendo até m~s~10, por ve:;::~:!:s :~c~::
apoio financeiro do exterior. Este tópico parj)ce ter sido salientado o suficien- i . l famili'ar Os nomes dos que, em Bas1léia, eram a . d
crcuo · ·d · t've1s oqueo
te, mas permite ainda algumas considerações. de Oporinus, editor de Vesali~s, tadlvez fotssem atdanloªj.::i:1~~:t:n em Antuér-
1 · E d mais tar e, em orno
A perspectiva do editor-negociante estava ligada, não resta dúvida, à sua
cfrcu o que se~ orm; º'. t da "reforma radical" alojaram-se, em algum
posição como empresário capitalista, numa época em que ainda eram move-
diços os centros de poder e as fronteiras religiosas. Mas estava ligada igual-
pia. Muitas das uzes ~m~::~~ervetns, Lelio Sozzini, Ochino, Postei, Cas-
momento, em casa de po . . kr l a"o mencionar os exilados sob
mente à natureza peculiar dos produtos que ele manufaturava. A mercado- . l ad" Schwenc re t - para n
telho, Oeco amp ms, O . d Basiléia também manteve
ria de Plantin, que servia para apartá-lo dos outros comerciantes e homens Maria Tudor, como John Foxe. im~ressor efúuio para David Joris, um
de negócios, levava à sua loja homens de letras e de ciências. Ela o levava a l - p acelso e consegmu um re o-
boas re açoes com ar d "F , . do Amor" Mais tarde, entre os
sentir-se mais à vontade entre acadêmicos, bibliófilos e literatos estranhos do A h · efun arama am11a 1 · .
dos tres eres1arcas qu . . t de ainda entre os segmdores
que entre vizinhos e parentes em sua cidade natal. O próspero editor-comer- '· :L . /, da Er das Luzes e, mmto mais ar ' .
a "f íli " ara significar um engajamento mte-
de Saint-Simon, uso do termo. ~ b:li' P
pnllik!op cd 0
ciante tinha de conhecer tanto sobre livros e tendências intelectuais como um tafórico. Mas todos os tradu-
mercador de panos sobre aviamentos e modas de vestuário; ele precisava desen- 1 . t sema1ss1m o coeme
lectua con1unto, ornou- l ·avam com os impressores
volver uma competência de especialista a respeito de estilos de tipos, catálo- · s de provas que se a OJ
tores, corretores e reVISore , . d r____ ,,, __ a1· Nãoforampoucasascasas
gos de livros e vendas de bibliotecas. Freqüentemente, considerou útil domi- b te poranos e rarn.w.as re s.
tornavam-se mem ros m h d" mentas importantes ligados a
nar muitas línguas, manusear variantes de textos, investigar antiguidades ou poliglotas nos \~cais em que ouve empreen 1
velhas inscrições, ao mesmo tempo que novos mapas e calendários. Em suma, edições acadêmicas· - t - nas atividades ligadas à
Ma1~ v~z'. eve~culiar
a própria natureza de seu comércio dava ao editor-comerciante a oportuni- . d os centrar nossa a ençao
. uma caráter poliglota das Escrituras Cristãs con-
dade de construir uma educação liberal de largo alicerce, além de acarretar lffipressao da Biblia. O P ui · tre os impressores-aca-
. . . ' .d nsão de contatos c turrus en
um amplo círculo de relações, inclusive contatos estreitos com estrangeiros. tnbmu para a rapt a expa . d _ b'bli"cas Convém ter em mente
Se tanto emigrados como estrangeiros eram bem-vindos a sua loja, isso rara- . a edições e tra uçoes 1 . .
dêm1cos que manuseav m . d" _ liglota quando cons1dera-
mente se devia à existência de vínculos prévios de sangue ou amizade, e nem os planos de Aldus ManutmshparaUumade •;~:;:~s prog~amas de Plantin em
' ui acompan ava. m os u . .
mosº, c~c o q~e o d'
sempre porque buscasse fmanciamento externo, novas participações em mer-
de alto gabarito, que representavam diversos ;e1-
cados, clientes ou privilégios. Os especialistas estrangeiros também eram Antuerp1a reumu estu iosos d pletar ambicioso projeto
solicitados como revisores de texto, tradutores, corretores ou desenhistas de d li · p a que se pu esse com 0
nos e cre os re gi.osos. . ::X ar um bom relacionamento de trabalho
tipos. A demanda por Escrituras, Livros de Sahnos e livros para os serviços de oito volumes, era dese1avel assegur A d , t"ca também dependia
entre os heterogeneos e ito:e~ e . d.
religiosos em língua vernácula, entre membros de minorias protestantes em A d' d textos paz ornes 1
to de vista. Aplica-se o mesmo
território estrangeiro, estimulava o intercâmbio entre impressores e "comu- do incentivo dado à toler~c1a os van~ os pon n:avam-se à mesa com Robert
nidades de estrangeiros", baseado nas necessidades religiosas desses encla- às edições bíblicas produzidas por Estlenned.Sed d1"ferentes nacionalidades.
t~:les,
ves. O fornecimento de livros de serviços para uma.comunidade italiana de . p Bad· representantes e ez .
Estienne e e:;:::e filho Henri, até mesmo os serviçais dos Estlennes
Londres, para um grupo inglês de Genebra ou para uma igreja francesa da
Segundo nos - de latim único idioma que todos tinham
Holanda levava não somente a ligações com negociantes estrangeiros, como
acabaram pegando ~gu7ass~::i~santes, he;erodoxos e cosmopolitas, form';
também a uma percepção mais aguda das variedades de experiências religio- º.
em comum. utros circu os b h F ·b
d 0 fi . Amerac-roen,e
m Basiléia bem como de mm-
'
sas cristãs e dos diferentes matizes associados à liturgia em línguas distintas. ram-se em torno a tema.. das 'd des da Europa. A
Os estrangeiros ocupados em trabalhos de tradução eram bem-vindos tanto . alhadas por to .as c1 a
tas outras firmas impressoras espcélula subversiva rtas profundezas do som.
nos lares como nas lojas. Eles freqüentemente recebiam acomodação e comi- idéia de que pudess: ~aver uma . e t sias .de mistério e espionagem.
brio Escorial é o suficiente para excitar rau a
200

201
A idéia de muitas lojas impressoras localizadas em numerosas cidades, ser-
vindo cada uma como uma espécie de encruzilhada cultural, como uma" casa
internacional" em miniatura - como um local de reuniões, centro de mensa-
gens e santuário, tudo num só imóvel - , parece não menos estimulante à ima-
ginaÇão histórica. Pela primeira vez na história de qualquer civilização, come-
çava a desenvolver-se, no fim do século XVI e numa escala verdadeiramente
mundial, a noção de uma .Concori!ia Muni!i, e a "família do homem" estava sendo
ampliada de modo a abarcar todos os povos do mundo. Para compreender
como isso pôde acontecer, a melhor maneira de começar é acompanhar a hos-
pitalidade que era oferecida tanto por editores-comerciantes como por impres-
sores-acadêmicos que desenvolviam seus negócios durante as guerras de reli-
gião. A correspondência de Plantin mostra-o ora pedindo conselhos sobre tipos
para imprimir em siríaco, ora tentando conseguir um exemplar do Ta/mui! em
hebraico para Arias Montano, ora respondendo a um pedido de Mercator com
referência a um mapa da França, ora dando sugestões a um funcionário báva-
ro sobre qual nmelhor professor a nomear em Ingolstadt, ora fmalmente soli-
citando orientação teológica sobre como melhor ilustrar um livro religioso.
Contemplar a rede de conexões revelada nessa vasta correspondência significa
pôr a nu o sistema nervoso central ou a principal mesa telefônica da Repúbli-
ca das Letras, em sua fase de formação. Os livros de contabilidade de Plan-
tin proporcionam aos historiadores da economia uma excelente oportunida-
de para examinar as operações de um dos primeiros empresários dos tempos
modernos. Contudo, essa correspondência revela também o desenvolvimen-
to de algo mais que o incipiente capitalismo. Já se encontram nela todos os
elementos que produzirão mais tarde uma "crise da consciência européia".
E aqui, de novo, como alhures, acredito que a sugestiva discussão das ten-
dências "erasmianas" por Trevor-Roper seria muito enriquecida, se déssemos
mais atenção ao papel desempenhado por impressores e donos de editoras.
Para explicar o surgimento de atitudes favoráveis à reconciliação teológica,
julgo insuficiente apontar três períodos de tempo em que haviam baixado de
intensidade os confrontos das guerras de religião. Afinal, convém recordar , . , . , .
· d " · dapaz" refle-
, 1 . de Antuér ia, com suas fantdsiosas imagens o reino ' .
que um movimento internacional pela paz tomava corpo, na mesma época em O fronhsp1c10 da B1bha Pohg ota P . · , ram tanto de a.Juda
. - umênicas conciliatórias dos mcstres-1wprcssores, que precisa\ . ]
te as pos1çoes cc d d d aíses diversos e procuravain evttar envo -
que a fúria espanhola estava em seu apogeu. Não se pode resolver o probfo- ad ~ · d representantes e cre às e e P<
financeira como a.e em1ca os . . E 'd d bra Bib!ia Sacra1 Hebraice, Chaldaice, Grae-
ma de explicar as origens religiosas da Era das Luzes recortando uma "era d ' r . as e d1nást1cas. xtra1 o a o • •
vimento em conten ~s re ig~os h PI . 1571) Reproduzido mediante gentil permissão da D1v1·
de Erasmo" ou uma "eradf Bacon", em que se refugiariam os filósofos aman- 'Latine (Antuérpia, Chnstop er anhn, . U "d
ce o ~ .. d B'bl' t d Congresso dos Estados n1 os.
tes da paz. Ao considerarmos possível que a leitura bíblica pudesse intensi- são de Livros Raros e Coleções &pec1a1s a ' io eca o

ficar o dogmatismo, na mesma época em que a imprensa tendia incentivar a


20J
202
CHALDAtCAE PARAPHRASJS TllAN~LATJO,
C1o.•vT .,..,,,.vM.
º'"' c.dmn & T•n• outcm on! drf<r<• & y;cuo 1 & n:~<hr:r. Ú!f""' (oô<mah~ffi: & fi•irim< Od

I N frin<i'ri<> qc.'""
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n11nc,d1"íocundm. 'Et~NirDcu<, Co_n~«i:<""" oqu•qu"' fühc,,lo !Ío_nt, in l0<11mvnl!m: &orr•rc:ita<1da. Et foit i t i •· L1 '''""""
D;ui ,,;J,m tm•m : I'< lo cu':' cun~n·~·~'""''''l"·"""' Opj><l1'u11 muo•. E1 ""''' D<u• qllb.l oíl<r bonum, '' Er<\,.it Doll>, Gon1.1in11 "·rr.1 g<t.
!"'"'"º"<mhi:ibz, cu•usfihus Í<m•ntis!Óm1nmtr: orlxm•mijuo f<ué't\.(e"ml:..:oontr~ fmé'tusfocunclum !':'""'
foun>; tum• fü1us lém~•>1;, m
(.!ofüfuptrtttWll, E1fu~''.'>. "Et prodnm«:rrogmt1011borbr, tutu• filrnsfrmtnllol<n11n.unr Í<cunduoni:cnu•foum;& a.bo"'"/J...·,...,.,m
rué't""'"'º' liliLn fomonm io ipfo femndumi;onu• fii11m. f.,.1d1C Dous qu<>..\ 'ílôc bonun1. " f.t fui! V<Íj><•< & fuu 1none, d1cs "~ ,;,,,. " fü
d,mDou1, S1nt lumm>n> in ~rm;Unonm .;rli, •«ln11J;11< '"'"' diom & noé't<m : &fin1 in fign• & in t~mpt>rl : &'·"~"'"~''''""'F« ,.,
d101 &1nni. :'Etfmiin lumm:"iam fw~"""''º r.:r:h1cl 1l\nmin>11<\mnlup<<tm•m: &fuiriu. "Er .fem [j,.,, Jnolum<n>fo ,,,,,~•1.1: l<t-
"''""' ""1m,V1 dominomurin d1c:& !u":''"'"' mina•,., donllnorr<unn n~Q<:& !ldlu. " f.tpofii.i< ~>< Dous ln fo m.""°"'º ,.,1, ;.! 11!""'"'~"·
dmnfopn "'':'m: " favl Mm1~a:onturon ,\io & !n noll:o:&"' Jm;~o~nflnl<~ lu~ & 1tnob1e>"' & v1dlt l)rn• <juO..l ~lk~ b()nÍI. " ~' t'ul! ''dj>o«
&fou minc,di"qm.nu•, ':' EI <!"'" Deus, Strp>m"'i= replik aniino: viW!1U·.& a1Km qu:t vol.11 íupcr ""' forot/~r::: o:'n• lirma""'nU "·"lº' "'"
A '

Estas páginas, que mostram o começo do livro do Gênesis em hebraico, caldeu, grego e latim, pro-
vêm, como o frontispício, da Bíblia Poliglota de Antuérpia: Biblia Sacra, Hehraice, Cha!Jir.ice, Graece d
Latine (Antuérpia, Christopher Plantio, 1571). Reproduzidas mediante gentil permissão da Divisão
de Livros Raros e Coleções Especiais da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos.

204

205
tolerância, temos meio caminho andado para a solução do problema. O
mesmo enfoque pode revelar-se frutífero quando lidamos com outros proble-
mas similares, relativos a contracorrentes e,atitudes conflitantes manifesta-
das durante a Reforma.
Também parece válido refletir mais sobre· os efeitos da imprensa, quando
tratarmos dos problemas básicos das causas, que voltam continuamente à tona As TRANSFORMAÇÕES DO LIVRO DA NATUREZA
nos estudos sobre a Reforma: .
A IMPRENSA EOSURGIMENTO DA CIÊNCIA MODERNA .
A questão básica pode ser assim for1nulada: Estavam as condições eclesiásticas do
início do século XVI como que a indicar um equilíbrio precário, que necessitasse de algu-
ma convulsão revolucionária ou reformat6ria? Estaria a Europa no início do século XVI
lntroducão: "o grande Livro da Natureza" e os "livrinhos dos homens"
"pedindo pela Reforma"?
Sabemos 1nuito .pouco ... para oferecer algo mais do que declarações provisórias ... Ainda
assim, a conclusão geral, por ora, parece.ser que a sociedade européia estava muito mais
estável do que tradicionalmente se tem suposto. Em outras palavras, ,se Lutero e os outros
prato-reformadores tivessem morrido Ilo berço; a Igreja católica bem poderia ter sobre-
vivido o século XVI sem maiores convulsões.

Admitindo que toda a sociedade européia e as instituições eclesiásticas pare-


ciam relativamente estáveis em torno do ano de 1500, que dizer do estado em
que se encontrava a tradição bíblica cinqüenta anos após Gutenberg? Como
indica este capítulo, ela se mostrava altamente instável. Os conflitos sobre novas
o. .
.
advento da imprensa ev1~
.

d · merecer maior es
.

d 1 caractenzam o contexto em qu
.menta da ciência moderna pres-
s problemas relacmnados co~ s~!' outras palavras, acredito que o
0

tam-se à mesma argumentaçao. . d taque dos historiadores da


e ocorreu a queda da astro-
. l'
c1ênc1a quan o e es . al' . d física aristotélica. Isso lillp 1ca
. 1 . d natom1a g emcae a
contendas relativamente às prerrogativas clericais e aos estudos sagrados não nomia pto oma1ca, a ª . dr . das one· ntações do que parece neces-
poderiam ser postergados indefinidamente. Mesmo que Lutero, Zwingli e . - ouco mais ás1:Ica ,,
tentar uma reVIsao um P úl . o impacto da imprensa e as
outros tivessem morrido no berço, o mais provável é que outros reformado- . d R f: Neste tnno caso,
sário para estu ar a e arma. l tu a ser incluído entre os fato-
res teriam ainda assim recorrido aos prelos, para concretizar preocupações 'd d d' mas pe o menos cos m d
vezes cons1 era o !=af io, d L A. r ssão que restou da inundação e
e objetivos evangélicos há muito sentidos. A guerra civil no mundo cristão · d causa e utero. lillp e d
res que à)U aram a . d . f rte paraque se pudesse escartar
talvez não fosse inevitável, mas o advento da imprensa acabou por eliminar, volantes e cartuns 01
f · demasia o VIVa .
e o '
u' d a Revolta Protestante. p are-
pelo menos, a possibilidadede perpetuar o Jtattu quo. . , ulo ao ser mves ga a •
inteiramente o novo veic '
, .
h' ad
da c am a revo uça0
1 - científica. A exploraçao
No conjunto, pode-se concluir que todos os problemas ligados ao rompi- ce dar-se o contrano, no caso . . tre os pseudocientistas e char-
mento do mundo cristão ocidental se tornarão menos desconcertantes se, ao . d re f01 mais comum en
dos me10s e massa semp . ientistas rofissionais que se expressavam
enfocá-los, nós respeitarmos a ordem dos eventos e pusermos o advento da latães do que entre a ma1ona dos c . h P. trabalhos fora do alcance da
imprensa à frente da Revolta Protestante. . 't . es mantm am seus
em latnn, e que mm as. vez d apareéiam impressos, raramente
· O t tados lillportantes, quan ° . 'tad a
imprensa. s ra . _ lle D d ortanto, a circulação 11m1
· ndiçao de hut-Je r. ª a, P di -
conqmstavam a co . . d . d , erode leitores em con çoes
. iÍJIM e ore uz1 o num
l twn · el
de obras como De revo" ' ,· papel apenas r a-
de entendê-las, parece plausível reconhecer a imprensa um
207

206
tivo. Tendo em vista, por outro 1 d . .
culação ampla, muitas autoridada o, ~ue ~sdmater~ais antigos tiveram uma cir- de explicar é em parte porque imaginamos o astr<lnomo a perscrutar céus imu-
. · es vao am a mais lon t 'b · d
merros impressores um pap 1 . d ge, a n um o aos pri- táveis e o anatomista a tomar os corpos como seus únicos livros.
e negativo, e retrocesso ''N- h, · d' ·
sa1vo no campo da religião a · h , · ao a m 1c10s de que Nesse sentido, convém salientar que a velha imagem metafórica segundo
novas ... Na realidad . ' 11Il~rednsa ten a apressado a disseminação de idé~
e, a 11Ilpressao os textos científi di . a qual a humanidade teria abandonado os outros livros para ler no Livro da
ter atrasado a aceitação de [ ] Co , . ,, COs me evais pode mesmo Natureza - "este manuscrito universal e público que aí está, exposto aos Olhos
. .. ... permco.
·- Co~t~do, como deve ter sugerido' oca ítulo ant . . ' de todos" - é fonte de um equívoco que exige melhor análise. Os tratamen-
g1ao a disseminação de nova 'd,. "' . p enor, ate mesmo na reli- tos convencionais desta metáfora, por parte dos autores de história intelec-
., s I e1as rm somente um t , . fu
novas que merecem ser consideradàs A t t a en re varias nções tual e cultural, nos proporcionam incursões fascinantes na história das idéias,
fica, teremos de associar os i'mp . o enbar entender a mudança cientí- mas raramente se detêm sobre o problema de tornar acessíveis "aos Olhos de
ressores tam é tr f _
d e popularização e propagand Co ai dm a ou as unçoes, além das todos" as observações registradas em primeira mão.
. a. mos to omanus 't .
so, as tradições textuais herdad d l d .· cn o para o unpres-
' d as os a exan nnos se tor - . .
a mu ança quanto as tradiçõ b "-li D . . naram tao sujeitas Há dois Livros em que eu encontro a Divindade; além daquele escrito p.or Deus, há o
, . es lU cas. epms que o . .
tmram os escnbas era d . s unpressores subst1- outro de Sua serva, a Natureza, aquele l.Vlanuscrito universal e público1 que aí está1 expos.,..
' e esperar que as tent tI d
objetivos de há muito persegm'd h' aulvas e correção e a busca de to aos Olhos de todos: aqueles q~e nunca O viram no primeiro O descobriram no
, os vessem res tado dit
os fi1 osofos naturais como par t '! s erentes, tanto para segundo[... ] Os ateus com certeza sabem ~eunir e ler estas Cartas místicas melhor que
N a os eo ogos.
, . o momento, contudo, não estamos somente . li d nós Cristãos, que lançamos olhares mais descuidados sobre esses hieróglifos comuns e
cimo que os volantes de Lut . b me na os a contrapor 0 fas- desdenhamos sbrver a Divindade das flores da Natureia.
ero exerciam so re as .
se d espertado .pelos tratado . massas ao pouco mteres-
s copermcanos· est di
totalmente as tradições textu· . !'d ' amos spostos a pôr de lado Quando Sir Thomas Browne comparon a Bíblia com o Livro da Nature-
fi1ca. A iconografia convencion ais, ao 1 ar com probl d d
lI . . emas e mu ança cientí- za, ele.não estava somente retrabalhando nm tema caro a Francis Bacon,
. a eva-nos a imagmar o
com 1ivros na mão (espec' 1 d s protestantes sempre como ainda recorrendo a fontes anteriores. No dizer de Ernst Curtius, os mes-
ia mente quan 0 0 t
seus rosários).· Os primeiros c1'e t' ta d s con rastamos com católicos e mos dois livros eram mencionados nos sermões medievais, e têm sua fonte mais
n Is s mo ernos co t d - h 'b'
te retratados segurando pia t láb' ' n u o, sao a 1tualmen- distante em textos mnito antigos do Oriente Próximo. Esta linhagem é consi-
fil ósofos naturais na med'd n as ou astro ias ' e nao - d d
estu an o textos. Os derada por Curtius ~orno evidência de continuidade cultural, e ele a usa para
- . ' I a em que possam ter estudad . .
çoes impressas de Ptolomeu Plín' Gal . O· as pnmerras edi- combater a tese de Burckhardt (ou, pelo menos, suas versões vulgarizadas).
' !O, ena ouAri t't I - h b'
te acusados de ter olhado na dir - da " s o e es, sao a itualmen- "Constitui lugar comnm ... dizer qne a Renascença sacudiu o pó de velhos pef'
eçao erra Pod ·
surpreendentes descobertas d . . er-se-1a pensar que comas gaminhos amarelecidos e passon a ler no Livro da Natureza, isto é, no mundo.
nhos de homens paraº grandosL~avegdan. tNes as atenções se desviaram dos livri- Mas essa metáfora tem origem na Idade Média latina." O mero fato de que
e ivro a atureza ·
menos vezes do que se pod . ,; ' mas Isso aconteceu muito textos latinos medievais contenham referências a um "livro da natureza" não
ena esperar. Entretant d
guntar, como poderia o gr d L' d o, somos tenta os a per- constitui, entretanto, nma objeção válida àquele chavão, qne é criticável por
an e Ivro a Nat , .
mediante a troca de informaç.o"es . d d un:za. ser mvestigado, senão outras razões. A persistência de velhas metáforas encobre freqüentemente trans-
• comaa;u a oshvr h d h
questão merece ser tematizada el .m os . os omens? Esta formações muito importantes. Neste caso, perde-se a possibilidade de obser-
olhar na direção errada, qu d 'p º.dmenos para assmalar nossa t.endência a var todas as modificações provocadas pelo salto do manuscrito para o impres-
an o cons1 eramos o surin t d .' .
na e as tendências a ela relac' ·das S o-men o a c1enc1a moder- so. Um autor do século XVII que relacionasse as Escrituras com a natureza
XVI. - que apareceram anteswna de t
· e as revoluçõ
'd
· · d .
d es. conceituais o século poderia estar repetindo textos mais antigos. Mas os dois "livros" qne ele tinha
erem SI o mu ado · , d d ,
nar estrelas ou dissecar cadá . s os meto os e exami- em mente, tanto o real como o metafórico, eram necessariamente diferentes
veres - nos parecem particularmente difíceis
de quaisquer livros conhecidos dos clérigos do sécnlo XII.
208

209
Assim, sempre que São Bernardo se referia a um "livro da natureza", ele No século XVII, as circunst&ncias que haviam dado origem a tais conven-
não estava pensando em plantas ou planetas, como era o caso com Sir Tho- ções já se haviam modificado. Na Inglaterra dos Thdors as pessoas já não tinham
mas Browne. Em vez disso, ele tinha em mente a disciplina monástica e as necessidade das formas das plantas para memorizarem lições morais. Quan-
vantagens ascéticas do trabalho penoso nos campos. Ao celebrarem a fecun- do associavam flores às virtudes ou aos vícios, o faziam mais para efeito poé-
didade natural, os seus companheiros monges também visavam objetivos tico do que pedagógico. O conteúdo da própria Bíblia já não era transmiti-
devotos. Muitas imagens vívidas eram necessárias como mecanismos de auxí- do por uma variedade de "meios de comunicação mistos", tais ~om~ os vitra'.s,
lio à memória, quando as pessoas aprendiam lições morais. "A humanidade retábulos, portais de pedra, música coral ou a encen~ção de mJSténos. As h1~­
é cega", já dizia um conhecido manual para pregadores do século XIV que tórias sagradas podiam ser mais claramente distinguidas das profanas, depms
continha vários trechos extraídos de obras sobre história natural. que uma cópia da mesma versão autorizada foi colocada em cada igreja paro-
quial. Já não era espontâneo associar a leitura da Bíblia ao estudo da natu-
A alma humana tem fraca memória no que diz respeito a matérias divlnas; mas os exem~ reza e vincular antologias religiosas com textos de botânica: essa ligação
pios colhidos na nature.za constituem um excelente meio para prender a memória de modo obrigava a lançar ínão de um artifício literário, como bem demonstra a prosa
que não possa fugir[ ... ] para fixar os pensamentos do homem no Criador[... ] os exem~ barroca de Browne. . ·
pia naturais são indispensáveis aos pregadores. Além de servir para prender a atenção, Quando Browne retrabalhou o velho tema, teria ele em mente um con-
esses exemplos são mais significativos que a exortação. tras~ entre jardins de versos e verdadeiros jardins de flores.? Estaria ele su-
blinhando a difei:ença entre .os florilégios" cristãos" e à estudo "ateu" da natu-
O pregador em busca de exempla significativos era muito bem servido pela reza? Quando escreveu sobre reunir e ler carta.s "místicas" ou "hieróglifos
abundância de formas variadas. Nos sermões medievais, onde os obfetivos comuns", estaria ele referindo-se à hipótese heliocêntrica, lançada num trata-
didáticos vinham em primeiro lugar, as Escrituras e a natureza não se apre- do como o de Thomas Digges, anunciado na ocasião como a "mais antiga dou-
sentavam separadas, mas entrelaçadas. A esta última, envolvida em alegorias, trina dos Pitagóricos revista ultimamente por Copérnic~ e comprovada por
cabia representar um papel subserviente. Demonstrações Geométricas"? Desejava ele, com sua imagem paradoxal de
um "Manuscrito universal e público", indicar que cc;mhecia a referência feita
As observações que podemos encontrar com referência ao comp'ortamento dos animais
por Galileu ao "grande livro do universo que permanece sempre aberto ao nosso
[ ... ]denotam por vezes u.in certo senso de observação. No entanto, as alegorias extraí- olhar... escrito na linguagem das matemáticas ... sendo seus caracteres forma-
das do Butiário são muitas vezes aplicadas à força às coisas efetivamente vistas. Na natu- dos por triângulos, círculos e outras figuras geométricas"?
reza, tudo é simbólico. Os símbolos são retirados da tradição [...] bíblica[ ... ] ou [ ...] Dados os muitos níveis de significação que se superpõem em suas obras,
clássica, mas comporta sempre· colorações morais [... ] livros como o Hor/w deliciaram não existe um modo fácil de responder a tais perguntas, e teríamos de recor-
[...] são usados para ensinar todas as virtudes por meio de imagens de flores que; enfei- rer a várias digressões para tentar responder a elas. Para meus objetivos, bas-
tam um jardim totalmente espiritual. O significado das flores e dos frutos assenta[ ... ] tará observar que, independentemente de qualquer outra coisa que estivesse
em suas propriedades. na sua mente, Brownetinha alguma experiência com o meio impresso e com
os materiais visuais impressos. Sob esta ótica, suas metáforas livrescas eram
Confrontada .com prefácios de florilégios medievais, a referência de baseadas em objetos que São Bernardo jamais vira. ·
Browne aos "ateus" que não "desdenham sorver a Divindade" das "flores da Browne mantinha-se em dia com as publicações da Royal Society e com
Natureza" mais parece indicar algum desencanto em relação a um hábito men- 0 trabalho dos estudiosos da Bíblia. A leitura da Bíblia e o estudo da nature-
tal mais antigo. O autor do século XVII mais parece estar rejeitando do que za eram atividades tão distintas em sua mente qué ele conseguia atribuir fun-
ecoando as convenções alegóricas literárias que tinham ,sido cultivadas por ções diferentes e línguas separadas a cada uma delas. Como seus colegas vir-
gerações de monges. tWJJi, ele conhecia bem os problemas espinhosos a serem enfrentados por quem

210 211
se aventurava a decifrar as palavras de Dous em velhos textos hebraicos. Aos
trechos de sentidos incertos e alegorias ambíguas, ele contrapunha os círcu-
• E VCI.ID. J!'r.l'.Ml'.NT. los, triângulos e outros "hieróglifos comuns" que os filósofos "ateus" - tais
!PfiBC:rqnahs. &quoniamcfi: vt/.CaJCD
1
~·~ IJC .:t<l ..:n i. z~u·alís<J.urnn AC qLi'idcm irtÍ como Euclides ou Arquimedes - sabiam juntar e ler. Quando "assertivas da
1'11' CJ_> ~cro ipfi l1E .; & <.B ipfi KL: critvL· K Escritura entram em conflito com verdades científicas", observa Basil Wil-
l J ad 1-Jf.:., Jtal!.H :id HL. rc\.9:angulum iginir K
1-JL <'íl. çqu:1l.t: qu.idraro e~ EH. atquc- c:!t rc~'tus ley, "Browne fica do lado de Arquimedes, que se exprime em termos exatos,
YLc'~quc ª!1g1~1~run 1 K Hll E.1-IL.crgoinKl.de...
f~np 1u,,. fc1nr~rrcu.lus s: per punél:ucn E tranli... e não como o Texto Sagrado, que fala em sentido lato".
b1r,nan1 fr co111!-'n~.1111u ... EL ,angulus LEK tiet
rc~u.~ • cn1_n rnanp;ulum El"K piniangulnni fit Sir Thomas Browne, ao contrapor a fórmula de Arquimedes à fornecida
~n,cur~; tr1.tnf:'.1.1loru1n 1:1.1 f. EKH.fi 1:~itur ni;i
.tente KL fc111~c1rcul.m,: ,.-0111.."rfüs in etnid.cin rur
por Salomão, no livro de Crônicas, não estava sacudindo "o pó de pergami-
f11l>lour111 rdluu:uur, ;\ quo cit·pit Rloucri cd.i nhos amarelecidos" e contemplando em primeira mão as grandes paisagens
r~r 1~un.ltaFC tr:tufrbir J.1n11él·i~ l;L. .LG; &_ rc...
él~~ l1nuh1cr fatlis aJ JiunélaliG ;1ngul1s:a1. uc com novos olhos. Ao contrário, continuou na biblioteca, com os olhos postos
c.nt ryramis _co111prt·hcnfadataJ}lh~ra; Ctel~Uh
KI. fj1J1.trx d1anu:rcr cfl fqualis dian1ctro dar.e em velhos textos. Mas ele utava olhando textos que tinham permitido a Eucli-
{pha·rr A_I:, ~11?nia1n ipfi <JUidcrn AC oDit~r
' ôl'tJll:lh~.Kl·l;1pf1
u11· j" h d VCToCBa·quali·liL .s i:l · ·
•. co1g1~
des e Arquimedes falar mais "claramente" (em numerais indo-arábicos e por
·. I' ~ ~~: 1an1c1~um ror~-1~t1a fclquiahcroun meio de diagramas uniformes) do que se havia feito antes. É possível aplicar
cfk l.tt:ns pyranudrs. ~on1an1 cniin ACdu
P ª. dl •pfiul' CH •. cdl A U 1p1ius l1c tripla.erg~
1 análises semelhantes às várias atividades dos virtLWJi que viveram na época
pc:. .co1111crftonl't11 ratiolll;<; DA fck111ialtcr.a cll
. Jp.1u~ AC..\'t ,,utcn1 !IA ad t..C, itacfi quadra de Browne. Segundo Robert Westman, por exemplo:
_11111~ ex llA ad <J11.1dr.:uun1 ex AI> i quoniam
• 1~111~laHl>,cHvtHA<tdAJ) iu.DAad "C b
<'.'1"1r.18«U- fmu/" ..s; ·. _ ' . n o
t; ' u11u.nr111 tnanr,ulonun DAR DAC •· Há uma peculiaridade muito importante no modo de agir de Kepler que acredito não
<ll: • .1.o.1o1z-nuodvtpi
ti. -,
I'
r iua. .1.< tcniam. •ir.a quadr:atum'~ C'lC
J1 r.ma :id qu.it~t.:uurn ex fCcund.t.crgo qu.ulra tenha jamais vindo a lume: trata-sei em poucas palavras, do fato de que as hipóteses por
111111 ex HA klq11faitcru111 cfi c111ad1.\ticx AD
a1,1uc cO. UA q11i1lo11 datx lpho1.·1"a: dia1nctcr •
ele lançadas não fOram desenvolvidas indutivamente, a partir de um exame da nature-
AJ) ~~ro :rq u.1_1 r~ la~cri py1·.1111idis. fph~ra: igi! za. Kepler não estava lendo nem o Livro da Nature~a nem o Livro da Escritura, mas os
tur_ d1.mH·t1::r fdq111altcra cíl- l:acrh; pyra.ini.
dl!»quod dcm,111flrarc oponcbat. livros de escritores antigos e contemporâneos.
lta<Jllc dc1nonllrandum "dl: vt A
Rad BC ,itacffcquadcatum ex AO
ad <]tmfrmun ex DC. A idéia de que os homens da Renascença puseram de lado os "pergami-
E,xponatur cniu1 fcf!licirculi fignra.; iunga.. nhos empoeirados" em favor do Livro da Natureza é inaceitável não somen-
t,ur~1; Dl!:& ex AC ddcrrb.ttur qnadran1n1EC,
~;. para1Jdogra1umu1n f ll cotnpkatur. ~Ollli te porque as metáforas anteriores que apelavam para a idéia de livro têm sido
Cnr.S.Kctd.· 1g1turcrl vt.HA.ad AJ> it.tDA .1.d AC· "
''""xri .:.;
,,;a.ti,. r . :aquo'd L~1.1gulu111
-- • .ptoptc.
l>AU :i:quia.ngulun1 dl: trii
desconsideradas, mas principalmente porque a atividade de investigação dos
f;lllo J)AC; crit rcêl:angtthun co11tcnc111n llAC fenômenos naturais tem sido mal compreendida e reconstituída de maneira
<1u:id~a.to c:x AD tqu.tlc. &tJlioni:un cít. vt AB
a.<l llC,tta par.~lklogra1n1nun 1 Ell ad p~rallel°" equivocada. Esse lugar-comum baseia-se numa concepção ingênua da ativi-
~ram~11un1 llf;atquc cfl: parallclogr.i.mmú qui...
dcrn ~B,quod conc:m:tur BA AC,:cll: cnim.EA
<i::qual1_s AC.;parallc~o.gr.lm~nunt ucro HF a:qua-
le el~ c1,qund AC Ch co11unetur: critut A8 .ld Na época de Sir Thomas Browne, os textos multiformes apresentados pelas bíblias poliglOtas con-
UC,1tarcél:a11.~ul11111 coRtcntum llA ACadcó
tcntum AC CU.cllautc1ncontcncu1n·BA AC trastavam com os diagramas uniformes, iSto é, os "hieróglifos coinuns" contidos nas obras de filó-
17.~r:ui. zquafc quadrato ex AD: eot. co111cruurn AC <.:8 sofos "ateus", como Arquimedes_ e Euclides. Ao lado, página de uma tradução latina do século XVl
Co.i..1.tati <Jl1~drat~ ex l>C.fqualc; pcrpcnd1cularis cnin · t
JJç n1cdracllproporcioi1alistnccr bafts potúo-
,
1
.
..
G
dos Ele1nento,1, de Euclides, feita pelo erudito e matemático italiano Frederico Commandino, que man-
dou instalar um prelo em sua casa em Úrbino, pouco depois de ter sido esta obra impressa em Pesa-
ro. Euclides, Élementoruhi, libri XV[ ...] A F~ederlco Commandino [... ]'imper1.'n.Lat1'nwn conrer.:ii (Pesa-
ra, C. Francischinum, 1572, f6lio 237, verso) ..Reproduzida. n1ediante gentil permissão da Folg·er
Shakespeare Library.
212
2IJ
dade científica que consiste em pôr de lado velhos livros, ou rejeitar opiniões No meu entender, o movimento que Whitchead descreveu como uma
herd_adas, e fazer por si mesmo observações em primeira mão. "Aquele que "resistência" e que Haydn chama de "Contra-Renascença" era um sintoma
deseja explorar a natureza precisa palmilhar-os livros da natureza com os pró- ele desencanto para com as formas de ensino e aprendizado livresco herda-
prios pés", segundo nos diz Paracelso. "Aprende-se a escrever com as letras. das da era dos escribas. Na medida em que a "cópia servil" e o treinamento
A natureza, porém, só pode ser conquistada viajando-se de terra em terra: da memória se tornaram menos necessários, ao mesmo tempo que as incoe-
para cada terra, uma página. Este é o Codex Naturae, e é assim que deve- rências e anomalias se tornavam mais aparentes depois que começou a pro-
mos virar as snas págÍnas." Esta visão simplória da ciência toma em sentido dução de materiais impressos, todos os homens dotados de curiosidade foram
literal a sofisticada imagem de Browue, de um "manuscrito universal e públi- tomados de desconfiança em relação às opiniões herdadas e passaram a ver
co" - como se qualquer observador pudesse realmente calçar as "botas de com novos olhos as evidências científicas. Em 1607, o frade italiano Campa-
sete léguas" e examinar o mundo inteiro, exposto diante de' seus olhos, sem nella escrevia que "A diferença entre minha man~ira de filosofar e a de Pico
ter de recorrer a cartas geográficas e catálogos de estrelas, mapas-múndi e está em que":
guias de viagens; ou como se as observações, feitas em várias regiões e em
épocas distintas, não tivessem de ser reunidas, preservadas e correlaciona- Eu aprendo mais com a anatomia de uma formiga ou com uma folha de grama[...] que
das umas com as outras, antes de se poder classificar e comparar plantas, ani- com todos os livros que já foram escritos desde o começo dos tempos. E isso se dá, desde
mais ou minerais; ou, finalmente, como se as experiências não tivessem de o
que comecei [,,.] a ler o livro de Deus [...J modelo baseado no quítl corrijo os livros
ser registradas em mais de um livro de notas, para serem conferidas e ter um humanos que for,.:µn mal e arbitrariamente copiadosi e sem atenção às coisas que estão
mínimo de valor científico. escritas no livro original do Universo.

Venda suas terras [... ] queime seus livros [... ] compre sapatos resistente's, viaje até as É clar-0 que a idéia de observar os fenômenos naturais direta e cuidado-
montanhas, pesquise os vales, desertos, os litorais dos mares, as mais fundas depressões samente era tão velha quanto Aristóteles. O mesmo se pode dizer da descon·
da terra; anote cuidadosamente as diferenças entre os animais, entre as plantas, as fiança pelo aprendizado nos livros. Por ironia, o lema dos empiristas - ~e
várias espécies de minerais[... ] Não se envergonhe de estudar a astronomia e a filoso- que as pessoas deveriam usar seus próprios olhos e confiar na n~tureza, e nao
fia terrestre dos camponeses. Por fim, compre carvão, construa fornalhas, observe e opere
nos livros - derivava de uma experiência que o advento da imprensa tor-
com o fogo [... ]Desse modo1 e de nenhum outro; você alcançará um conhecimento das
nou obsoleta. Os autores clássicos haviam recomendado não confiar em livros
coisas e de suas propriedades.
copiados à mão, especialmente figuras copiadas à mão, pela ~oa raz~? de que
elas se alteravam com o correr do tempo. Quando Galena disse que o enfer-
Na medida em que ela implica a rejeição de relatos de segunda mão e insis- mo deveria ser os livros do doutor", estava plenamente justificado pelas cir-
te no emprego dos próprios olhos, essa visão algo ingênua deve muito à argu· cunstâncias da cultura dos escrib,as. Os empiristas do século XVI que repe-
mentação dos empiristas do século XVI, que opuseram a observação de pri- tiam essa frase estavam, na realidade, respondendo às novas circunstâncias,
meira mão e a sabedoria popular à forma de aprendizagem adotada nas de modo menos vivo do que os professores que escreviam em latim, como Vesa·
escolas, baseada nos livros em latim. O movimento de que foram porta-vozes lius e Agrícola, os quais acabavam de transferir desenhos feitos ao vivo para
esses empiristas tem sido descrito de vários modos. Por um lado, A. N. Whi- blocos de madeira, duráveis, com vistas à: multiplicação em xilogravuras.
tehead o considera como uma "resistência contra a racionalidade inflexível Coni efeito, a reprodução pormenorizada de fenômenos naturais para os lei-
do pensamento medieval[... ] O mundo precisava de séculos de contempla- tores antes do advento da imprensa, tinha sido uma" atividade marginal", no
ção de fatos irredutíveis e téimosos [ ... ] após a orgia racionalista' da Idade sentido mais literal da palavra. Dada nossa atual capacidade de localizar
Média". Por outro, Hiram Haydn,vê nele,uma reação ao humanismo livres- alguns pássaros ou plantas "reais", nas margens de c~rtos manuscrito~ ou de~­
co da Renascença italiana. ·
tro da paisagem de certas pinturas, temos tendência a esquecer que os pn-
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meiros leitores não dispunham de · d ]
vadores de pássaros r - la guias _ e P antas ou manuais para obser- madeira desgastados ou quebrados, mas u falha pdndpal, o hiato entre o dese-
representação imag~ár:::~: re~~~ 11~? po.deria~ distinguir entre uma nho original e a imagem defo11nada, c1·a uma herança da era dos escribas. O

~~:P~::::t:~::~~:~r:drafielment~ in:et~~r;~:~:ª:u~::;::,]', ~~:t~~:


por certos mestres em al D .
que explica a "revolução do século XVI" não é tanto uma tomada de cons-
ciência das "imperfeições de descrições puramente verbais", mas sim o novo
mos somente observar que essa capacidade era 'usada ~~:t:~:s. t ese1a- modo de pôr em prática essa consciência. Pela primeira vez, podia-se preser-
d ecorar as margens dos· livros d al . eu e para var intacto o trabalho de desenhistas talentosos em centenas de cópias de um
siásticos ou os livros. Era usadae s mos, os bordados dos paramentos ecle- determinado livro.
visualmente algum P to . ' sodmente em casos. raros, para demonstrar Em vista de terem circulado dados adulterados ("livros humanos mal
, ~n menciona o em textos técnicos.
Na epoca dos escribas, podia-se encomendar il . copiados") durante o primeiro século da imprensa, e em vista da possibilida-
minado ilustrador para d . ,~ª ummura a um deter- de nova de duplicar registros recentes, tornava-se praticamente inevitável algmn
te . ular ecorar ~ manuscrito umco destinado a um clien- tipo de reação contra quaisquer textos aceitos sem discussão, contra inter-
parhc ' mas pouco se ganharia empregando ilustradores
cola, para fazer desenhos muito detalhad d " . E ' como o fez Agrí- pretações prefixadas, contra opiniões herdadas do passado. Seria uni equí-
comportas, máquinas e fornalh " . bo~ .e veias, erramentas, navios, voco, contudo, imaginar que foi uma rejeição da literatura técnica que abriu
te , . , as ' com o o Jehvo exclusivo de embelezar um o caminho para a ciência moderna. Não foi a queima de livros, mas a impres-
_xto tecmco. Agncola forneceu as ilustrações "sob d .
çoes transmitidas por pala d . d ' pena e que.as descn- são deles que permitiu fosse dado o passo indispensável.
nossos dias, ou causassem ;~ul::::~o:t::~~~e,?~as pelos homens de Torna-se explicável a reação empirista, à vista dos erros herdados dos regis-
parebc; andtecipar o espírito de Diderot e dos encicl:p.edis::ssEelenfoq~e, ele tros de escribas e da maneira como persistiram os hábitos de "copiar servil-
tam em os d d · e se arastou mente", numa época em que esses hábitos já não eram necessários. É fácil sim-
prece entes a era dos escribas ao art' d .. , . .
as palavras e imagens não se adulterariam ' PI .1~ o prm?1p10 de que patizar com aqueles que punham mais confiança nas observações feitas em
rentes com o passar do tempo. . nem evo umam em direções dife- primeira mão do qne num aprendizado de pura memória. Apesar de tudo, a
insistência em ir diretamente ao Livro da Natureza revestiu-se muito cedo
Os historiadores fi caram muitas
· vezes 1ntr1
. . acl
das características que ela pretendia repelir. Tornou-se uma fórmula literá-
.
tantes que há entre as t . .g .os, ao tentar explicar as diferenças gri- ria ritualística, destituída de qualquer sentido real. "Como diz Olschki ares-
oscas e convenc1ona1s xilogravu d .
herbários do séCulo XV 'd~ .; . ras emprega as para ilustrar os peito dos filósofos naturais: Todos esses pensadores que começam com o lema:
. . ' e a exati ao e menta artístico do t balh d .
mm1aturistas do mesmo período É ra , ] s ra os e pintores e 'Fora com os livros!' [.. :]só conhecem os fenômenos naturais por meio dos
· zoave supor que aquel , l ~ b. .
qualquer conflito: as xilogravuras eram co iadas d 'l e s~cu o naoperce. 1an1s~o livros! O que eles propõem como material de observação não passa de ane-
texto era também fielmente :_ J • '] p ~ .as I ustraçoes do manuscnto, CUJO dotas baseadas em sua própria experiência ou em algo que souberam por ouvir
copia.ao, as I ustraçoes ilustrava t
Trata~sed~pontodevistapeculiar n~ hád' 'da
N .

mo exto1naoanatureza. dizer." A torrente contínua de livros publicados pelos expoentes da "nova filo-
' ao uv1 , mas acontece que · da - · ·
um estudo botânico (ou zoológic ) lm .d . a1n nap existia sofia" está a indicar-nos que os virtwJJi não se mostravam inteiramente coe-
. . . o rea ente 1n ependente.
Esta sena a contnbmção do século XVI [... Juma revo 1uçao
- . se de . rentes quando atacavam a palavra escrita.
desesperados com as imperfei ões das d . N u ~ss1m que os autores, Quando a Royal Society publicou um volume de DirectwnJ foNeamen, bound
de desenh' t . . ç escnçoes puramente verbais, buscaram a a1'uda
Is as e artistas competentes1 tre'mados para observar b for far Vll!fª/Je4 (Normas para os navegantes de viagens de longo curso), em
em e cu1'dad osamente.
1665, ela definiu.como seu objetivo "estudar mais a Natureza que os Livros",
. Ao reproduzir xilogravurastoscas, os editores n da . . . embora tenha mencionado também sua intenção de "com base nas Observa-
tmuar a prática dos copistas do século XV. A f ª. m~s faziam que con- ções [... ]compor uma História Dela (isto é, da natureza) que possa doravan-
várias causas, como inversões, colocação .err::: ~:ª:~~a~;:r s:sw~~ ~: te servir como base para uma sólida e útil Filosofia". Presume-se que as obras
daquela sociedade se destinavam a ser lidas. Não seria de fato o objetivo da
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217
Mais de seiscentos mapas e esboços feitos QJltt•o os anos 500 e 1300 sobreviver~.:à
sociedade fazer com que entrasse mais natureza noJ livros? Por mais que valo- devastação do tempo [ ... ] mcs1no ntto tendo en1 conta seus taman~os e sua qua 1 -
rizassem o conhecimento adquirido por experiência direta, os membros das de técnica, é impossível rastreai' neles um processo em desenvolv1mentod, num~ ~ro-
novas academias científicas ainda se empeq,havam em processar dados edis- - d t É igualmente impossível avaliá-los em termos e prec1sao e
gressao e pensamen o.
tribuí-los em segunda mão. A noção de um "manuscrito universal e público" utilidade.
pode parecer à nossa imaginação um conceito barroco. Mas é importante recor-
dar que não há como tornar as novas observações "universais" e "públicas" A "transcrição dissociada", de que fala Boulding, só pôde surgir ~pós o
enquanto elas só podem ser registradas sob a forma manuscrita. salto do manuscrito para o impresso. Con'.,u~dir nosso moder~,º e. um~or~e
É surpreendentemente fácil não dar a devida atenção a esse aspecto. uadro de referência com as multiformes pmturas do mundo fe'.tas a ~ao
Quase todos os autores parecem ou esquecer que todos os registros tiveram q d. d d . ta os obstáculos interpostos à coleta s1stemat1ca
correspon e a per er e vis 1 b
de permanecer sob forma manuscrita até o século XV, ou minimizar a impor- de dados no passado, e interpretar mal o que aconteceu quando aque es o s-
tância desse fato. Na maioria dos casos, contentam-se em assinalar que uma
táculos foram afastados.
"memória coletiva" foi transmitida, de início, por via oral e, em seguida, por
escrito, sem prestarem muita atenção à circunstância de que a cultura da era .d e em grande parte na escola, e não mediante nossa própria
dos escribas não podia proceder a detalhados registros "públicos" e preser- Nós apren emos geograna . h . [ ]
"' ia pessoal. Jamais estive na Austrália, por exemplo. Na rmn a unagem ...
vá-los intactos ao mesmo tempo. Quando, por exemplo, descreve o surgimen- exper1enc l · d é l~ ~ ntras
1
contudoeaexis
.t
e com
100º/o de certeza. Se eu, tendo ve eJa o at a, nao a enco
. h .~
to de unia "imagem pública", o autor Kennetb Boulding equivocadamente atri- se no local' que lh~ é reservado pelos fazedores de mapa, certamente sena o b ornem mais
bui aos mapas manuscritos a capacidade de transmitir um quadro de referência reso do mundo. Eu me apego a esta parte de minha imagem [...] em .ºra só con·
espacial uniforme. Embora, antes da imprensa, os mapas do mundo se apre- ~urpd t' 'dade [ ] o que confere ao mapa estâ extraordinária autoridade, auto~
nan onaauon .... . 1• ._ [ ] '
sentassem efetivamente sob formas e tamanhos estranhamente variados, 'dad . ue a que tinham os livros sagrados de todas as reugioes ... e um pro-
n ema1orq U
Boulding parece imaginá-los como se fossem apenas versões um pouco des- , . d para o autor dos mapas. m autor que
cesso retroalimentadori dos usuanos os tnapw:i 'd
focadas de nossos modernos mapas de contornos uniformes. Segundo ele,. os oblique um mapa incorreto será em breve alertado por pessoas [...] que cons1 eram
p ,, . ai
mapas de então se mostravam algo imprecisos nas extremidades, até que as que tal falha viola a[... ] sua expenenc1a pesso .
viagens de descobrimentos levavam a um "fechamento do espaço geográfico
[... ]. Acompanhando-se o longo percurso da história até agora registrada, veri- O "processo de retroalimentação" a que se r~fere esta passagem foi uma
fica-se a existência de um desenvolvimento ordenado na [... ] imagem espa- . . rtantes conseqüências das edições impressas. Este processo, na
das mais 1mpo . · d
cial [...] as imagens primitivas sempre podem ser vistas como expressões par- ealidade J. amais terminou; informações adicionais contmuam sben o aBcres -
r ' d i moo serva ou- 1
ciais, pouco claras, de imagens posteriores mais exatas". cidas aos levantamentos geodésicos, e os autores e mapas \ c? . "
Se colocarmos a reconstrução de um mapa ptolemaico do mundo, deri- din ) ainda são "controlados pelo fato de que é possível VIaJar ~elo espaç~ .
vado do século II d.C.,lado a lado com um mappamlllldi desenhado mais tarde, Est: espécie de controle, contudo, só pôde concretizar-se del'.01s qu.e o~via-
torna-se claro que aquela afirmação precisa ser modificada. Em vez de jantes além de serem providos de mapas uniformes, foram mcenttv~ os.ª
demonstrar um "desenvolvimento ordenado", qualquer seqüência de mapas troca: informações com as empresas publicadoras de mapas. Me~m~ epms
copiados à mão revelará em geral somente degradação e decadência. Um exame disso custou muitos séculos e muitas vidas alcançar a confiança a so uta que
dos mapas produzidos ao longo de mais de mil anos nos mostra como o "curso inspi~a hoje um atlas moderno. A história. da. prolongat~ ~;c~ ~~t:~:
da história registrada" gerou imagens espaciais que não podem ser postas . , el passagem pelo noroeste md1ca como m ic
quase 1mposs1v .. . a el desempe-
numa ordem mesmo que contemos com as vantagens retrospectivas de nos- fechamento do espaço geográfico, e como f01 importante o p p
sos atuais conhecimentos históricos e técnicas de localizar e datar documen- nhado pelas comunicações nesse processo.
tos passados.
219
218
A reconstrução de um mapa do mundo ptolomaico, do século XVI, que ap~ece na página ao lado,
consta de uma versão.v:eneziana da Geographia, de Ptolomeu (Veneza, V. ·valgrisius, 1562). O picto-
gramamedieval, mostrado acima, constitui o primeiro "mapa mundial'; impresso. Foi extraído de uma
edição antiga da obra de Isidoro de Sevilha, Et}1nwlogia (Veneza, Peter Lõselein, 1483). Ambas as
chapas são reproduzidas nlediante gentil permissão da Folger Shakespeare Library.

Apesar do fato de que as viagens in&utíferas ou fatais se sucediam umas às outras, novas
expedições continuavam partindo em sua missão impossível AB dificuldades não eram
somente físicas [...]mas também decorriam da incapacidade, em que se encontrava cada
exf>lorador, de transmitir seus conhecimentos a outro [ ... ]. Podiam ser bem claros os
contornos traç.ados numa carta, mas quando essa informação era incorporada a um mapa
que·cobrisse uma área maior, podia ocorrer que·a colocassem no lugar errado, no que-
bra-cabeça de estreitos, fiordes e ilhas. E os mesmos erros se repetiam,. de uma ocasião
para outra; e as mesmas oportunidades eram desperdiçadas.

A reincidência de erros e o desperdício de oportunidades foram muito


mais freqüentes antes do advento da imprensa. Até mesmo os estudantes
norte-americanos aprendem na escola que os marinheiros dos séculos XV
e XVI encontraram muitas surpresas. Os mapas consultados na "idade das
descobertas" careciam absolutamente da" extraordinária autoridade, maior
que a dos livros sagrados de todas as religiões", que o autor Boulding atri-
bui agora aos seus mapas modernos. Convém ter em mente este fato, ao con-
siderarmos como foram alteradas as atitudes em relação à revelação divi-
220
221
na. A confiança na palavra sagrad f'
dade atribuída à literatura d a ic~va agora afetada pela nova autori- rase as etiquetas se destacavam dns cois(ls, Os investigadores eram contiuua-
que escrevia o mundano.
mente atrapalhados pela incerteza l]Uiltllo il saber precisamente que estrela,
Alguns dos maiores óbices à exploracão do 1 {)'' [ ~ planta ou órgão do corpo humano se desejava designar por um dado diagra-
técnica. Não foi tanto a incapac'd d, d hg º_ o d... ] sao de natureza psicológi.ca, não ma ou tratado - como a questão de saber que litoral estava sendo avistado
iae-osomens-ev b ·
impediu de ampliar o alcance d nh . encer arre1ras naturais que os de um barco no mar. Não é de estranhar, portanto, que as pessoa8 vissem a
e seus co eclillcntos m di t d
sobretudo as noções que .ele~ t.10h d d e an e novas escobertas, mas capacidade de dar nomes às coisas como um dos maiores segredos que Deus
' am 0 mu~ o que os cercava.
confiara a Adão!
O texto de onde foi retirada essa cita - No que diz respeito a "veias, ferramentas, navios, comportas, máquinas e
nícios e os vikings não foram cont1'd çlaof.~;osdsegue ~bservando que os fe- fornalhas", escreve Agrícola, "eu não somente os descrevi, como também con-
. os pe a i!.lta o eqwpam t , .
se tornou acessível mais tard . h . en o tecmco que tratei ilustradores para traçar as suas formas, sob pena de que as descrições
e aos marrn eiros p ·
tenham sido os descobriment d . . . o~ mais numerosos que transmitidas pelas palavras deixem de ser entendidas pelos homens de nos-
os e novas terras 0 ob t' d ai
d e conbecimentos como frutod d b' Je ivo e argar a área sos dias, ou causem dificuldades à posteridade''. As descrições feitas pelos ale-
, . as novas esco ertas e t bl ad
tecmca como psicologicamente d t d s eve. oque o tanto xandrinos haviam muitas vezes causado problemas aos estudiosos ocidentais,
De 300 1300 h . , uran e to ~a era dos escribas.
a ouve rnumeros aventure1ros d . em parte porque os textos de Ptolomeu, Vitrúvio, Plínio e outros haviam sido
dosos e escandinavos bravi'os 1 -m.erca ores, peregrinos pie- transmitidos sem figuras que completassem as palavras, tantas vezes copia-
por terr d p 1 que se ancaram, a0 mar ou se em brenharam
, ~s a en;ro. e o material recolhido depois do século XIII b das e traduzidas. Vitrúvio refere-se a diagramas e desenhos, mas estes, após
que vanos cartografos experientes fizeram b d 1 ' sa emos o século X, se viram separados dos respectivos textos. A obra geográfica de
vam às casas de ma as e .. om uso os re atos que chega- Ptolomeu foi temperada, mas os mapas que a acompanhavam originalmente
M, d' V 1 p. companhias mercantes, na parte final da Id d
e ia. m at as especial, mesmo ue ud a e se haviam perdido irreparavelmente. Já os pictogramas simples tiveram mais
tudo, como ser "publ' d " V q P . esse ser completado, não teria, con- chances de sobrevida. No século XVI, quando as pessoas ainda não se haviam
ica 0 • m mosteiro do século XV: d V . .
dade de Viena constitu1"u u . ' perto a mvers1- dado conta das dificuldades criadas pela transmissão via escribas, era muito
' m unportante centro 1 d ·
geográfica e cartografia avançad O d pahra a co eta e informação freqüente imaginar-se que as autoridades das eras antigas tiuham sido obs-
. a. s mapas esen ad Kl b
po d enam ser examinados por a d" . " os em osterneu erg curas de modo deliberado e arbitrário Ao preparar seu trabalho sobre meta-
. d ca em1cos e astronom d M
m ependentemente da maneira como e os e passagem. as, lurgia, Agrícola lastima que "outros livros sobre esta matéria [... ] são difíceis
. . roram manuseados e .
excepc10na1s o fato e' que ele - . sses manuscritos de seguir, porque os escritores sobre essas coisas usam nomes estranhos que
' · s nao estavam d • · 1·
em diferentes lugares · . ispomveis ª e1tores localizados não pertencem realmente aos metais, e porque alguns dentre eles empregam
ção. Na verd d '~~Jª para orientação, para controle ou retroalimenta-
- como o m: :'P
f:~t:e ores mapas f~ram freqüentemente retirados da vista
para um comerciante florentino do século XIV: e •
ora um nome, ora uni outro1 mesmo quando a própria coisa ·não-se altera".
As figuras de "animais,, plantas, metais e pedras" que vinham sendo trans-
conservad o num armazém u secretam t . b , que ro1 mitidas ao longo dos séculos tornaram-se insatisfatórias para Agrícola e seus
- . en e e mwto em embrulh d d od
a nao ser visto por ninguém" A alt . d r .
ria a uma melhora de qualid d
· ernahva e razer '
, d I
•J ·a1o, e m o
c~pias mu t.1p as não leva-
contemporâneos. Eles atribuíam as deficiências e incoerências encontradas
ao "barbarismo da língua" da Era Gótica das Trevas e a uma prolongada "falta
ganhos de informação resultante d d
ª e, mas a a u teraçao d d d
b . os a os; to os os
d
de interesse" em fenômenos naturais. Os indícios de que dispomos sugerem,
. . s e esco nmentos q d · d fi
vam SUJeitos a distorço"es e d d" . ' uan o copia os, ca- ao contrário do que eles pensavam, que não faltou curiosidade aos filósofos
eca enc1a.
Este mesmo ponto se aplica também a nu' ·r . naturais medievais. Faltaram-lhes, isso sim, algumas ferramentas investiga-
·, .
As c1enc1as .. meros e curas palavr
que dependem da b _ ' as e nomes. tivas essenciais. A preocupação de Agrícola com as "técnicas descritivas
na era dos escribas, pelo modo : :::ça~ sempre rde~ultaram enfraquecidas,
0 pa avras per iam contato com as figu-
comunicáveis" merece realce aqui. Mas também deve ser relacionada com o
novo sistema de comunicações de sua época. Também deve ser relacionada
222
223
ao novo modo de relatar fatos, que se tornou possível somente após o salto
do manuscrito para o impresso, a "insistência em que todos os experimentos
e observações sejam referidos com todos os detalhes naturalísticos, de prefe. A DESCRIPTION O F THE
rência acompanhados de nomes e credencÍais das testemunhas". WHOLE vVORLD.
Hts ~fapl1cxcenfomgcol1tamec
· (, teth .tbeporti:aitun•:ofthcwholeeanh,
• h an d rcprecn fa ll h" l hl. GI bc
ou1d of che niaiuc Occ~u dut enuirom & <01npa1Tc~1 d1ç ame : a w te l can y o

Escrevendo sobre HiJtory o/ antina!J (História dos animais) 1 de Conrad Gesner, o pro- tbc Anci~n~~ ( ,~ho werc notas thcnacqua~t~ with thc ~~ui~~:~fi:;: ~~~glf~:~
(cricd) d1u1dcdmcotl1rceparts; namcly, v~nca,&ropc,an '1" • •

fessor Thorndike faz uma observação simples, mas fundamental: até mesmo aquela obra of Ameriar, chc lcamcd ofour age hauc made chata (?urthpart,dand tlG1'c hugc Chon~aj:·
h olc afifth. GrrardiuMc«itlw'thcPnnccotmo Cf'!lC cograp. ~rs1n _
: ~::;_t:i,~~::tl p-cot~imcuded
1
volta-se primariamente para nomes e palavras1 para informações e alusões destinadas vniucrfall Tal:ilc or Ma~
of thc wholc worlâ,, â1u1dcs ~s
ao uso e prazer do estudioso e leitor hterário, em vez de voltar-se para a coleta e apre·
Ji:
Circumfereiicc thc carth into thrce ~obnriucnts : chd, filrft he 'ªk~lcdsch~~:i,\~;i~ ~~~~~,g~~
sentação dos fatos para fins científicos.
ents diuidedinto threc p:uts,an dr?m W lthle~ e
df, 1
nall,& lirll was (eatcd: the fecon _,is t 1Ut w '- att;is.pre
t.
h !oi Wnt e:ircsrccor ,t1atmau m c1w
Y (ent is namedAmuicà: orthc V/"eff Imlies: for thc chird,
!Cw coafls thorowly difooucrcd. That.
. cl S -L • lu·hfomeca11 Míi"'1tlll1U:it,~yctoavcry
heappomts ic ouu•numc,w ~ ~- . . h · ';brgell ~ Gcnnanor :i.1600 Itaian
400
.
th~s orbe ~r n.ulfc of tl1c carthly G\obe ~mit~nes }~(~~~~J ~h~:;~piniori.' Ánd tT!Cft mimifa!Jpartiwu11ft1Utl1
':o fa 1
nu!cs, Jua,quicy hathtaug;ht,& ih:C: Wnt~ru w~ .) r tbcr '"f(J111J{/kW tcrmtÁ tkm, tlicprid,ror ro1.ta'oftlicJJorfJ.
1 ne~earit [·. fll atter,t}JffUthcfaittoffJflTglori-:.lfrrc't>et11i4.1
Em minha opinião, esta observação é simples demaú. Como seus contem- (faychP/1111eiat.bc11.bookeof is Natura
(for {o fi11,Jl Is t/.-.e eitJ''.'' in com~a~ifrm tlll TPlio~f·~,oft~it. Tl>orld) t ~titJJrire rlmefdues, bert'lk mom: lfli<l mitintainfriuill
f
porâneos, Gesner viveu numa época em que a ciência e a formação escolar /,on~un Jxre ~ r:urciftm1rTHJT1t11:,l11.n:TPe l1unt "J ti:r rsc/.u 't1:'Jefe 11~11 ~mi t ltt pajfo tbt publiAe twmdts eftl>e Tl>or!J,r/M ín 'lbhicb
dijfi_1ifirnu, a11d bynl1llNill~foilitcniMk.tmor::.r7; T~;;;!~tÍJruudif,y jleltlivpon 01'l' nei'g/"1ors"la111ú: '"lie r/141 r:xttiult
eram necessariamente interdependentes. Reunir e apresentar "fatos" reque- ll>rfõrcr t/;oe lmrJn:rs togiuef cr 1111d mMutr '»'
0
'fut tbmifiúits too nem 1.-.i~ naft ,HolP~lll,ar r4tlier ht!IP fmJJ il f<';-
li_U la11J~ & trmlt:1ps art~ji ,411d citnn~t 7iJ!:tt~ !:/:to tbt foU,Hiiw littk fh..dl /,is Jud c4YCafa r!ft!fi ! 11ms far Pfinit..
f 'fZ
ria bom domínio dos registros feitos pelos observadores no passado. Os pes- l/Qll ofl'utb df!l i l1r ouoy . Or Jtbm bc. lll '.g. . with chcidnletund gulfs,chcmancrs arnl inclinuions ofthe
Tbc fitu 1tion ofthiscmh 1nd fca, che difPofü!~~ofthe fcuaaUd~il:f by menof:mdcnccrrimes, liicb :u fo!low:
wdochcrrncmor~blc:mdnocc·Wu.rwynutterurc ~
quisadores do século XVI tinham de estar preocupados com línguas e inscri- k
pcop' , GvALTur.viLvooV1cV• inhisMUrourmLooli:1.11g-gl:úfC
PToLuH Y of Anx~NOILU. fh' N ;alh.!Wry ofthcWorld
ções antigas, com "nomes e palavras", independentemente do fato de que seus CAIVS PtrNIVS l.,J,4,5,and 6.booho ~ªll.ld ~U:· s h10011i of. S1v1tt ms,.n.r.
Al\i • r <>T• t • '. 01 MYt11>0 wnttcn :md a«: tO . Micuui. ofV 1 LLA)'!OV A,in hisColllltl(n~ryvpo.nl'l'"""'7·
interesses fossem "literários" ou não. Classificar a flora e a fauna ou colocá- x.md<'rt~cGrc:i.r. 'i"i.cnuiAS L1t1•1 V1c::anr. .
STJ.A•<>" m 17.books. Hi~s.DNYMV• G1u.vi. mtheSp_arufhronçuc. ·
las em mapas significava classificar os registros deixados reios observadores Sot1,.-v s Po L y NllT o a. e IYO LI NY ~. inhi-11'JfPrif-01P.atcmoftlx:
At Jlt.l.1101 X
Po1o1roNtV• M.u. ~. ,. WoddwtincninthclaJ.ianmnsuc. . ..
anteriores, bem como fazer novas observações pessoalmente e em primeira
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Ev1u.r111v1.
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Ar11e11 and!:u.sExpçúior. V u•c 1 tir• vs Buv;.euu is ;,,, che MirrDuroITli!lorieuhe
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mão. Desse modo, a pesquisa "histórica" e a coleta de dados "científicos" vinham D
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MAllTlANYS ~U~T.LA. . . Ih' Hifto o·o~UCY• ofF1r.1vL1".
in1hebcgmnmto ~So~~lnA lloi MicNAIL NuNon:of~1r~.
1
a ser empreendimentos quase idênticos. Por isso, os geógrafos, entre os quais p .. ·ivs O>.ouvo ,
Aõ.nuc1·• 1ndanotherof1b~nn<1m<: m • Gn1>univs Me11,yu mhis5.bookcofmcn10rahl~thmgf.
Ortelius, tinham de envolver-se na pesquisa de antigos nomes de lugares, haven- I vYctprinted. ll-'b .m,J, p 1 B
1 1 'v, dtc Oraronrc1 w .YC.'-!-~ PU, " r~ •
FlANcucv 1 Mo1<;.cw1,inbisEpi!UemthcAn:;hb1fhopof
p~"""'·
n~"º sn1 dcÍcribed1hcanu911mcoftftcWo d.fc d th A Tw~V•rv• F1r.Al<CIHVS Bu.LH01'HYIV•,
do muitas vezes inspirado importantes estudos não só de topografia, como A>1ro,. v. Avcv.yv1 (1f.thctitlebcuuc) ct owne e ::i\~:~1\vsHnN~lVl,ÍnFcench:butcW.b.ucr;illõin
também de filologia. Iourn~l.ofthcRornarn:empire. Ducch thmcsot1'Crfe. .
S• ~ rv• A Vl~N "'.•.thc t<:~·coa!ls. _ L .. v ll!N 'fiv• AN AN nNs 1s, inthe I~i:tn tonguc. .
ST1r11~NY<,1hec1Ues. rd h R' A N v P1'HT\'S inFtench ~ andhclmhwuhallfct
Além do mais, os principais êxitos da "idade de ouro" da publicação de mapas Vniv< 5,q_y,srn,inanAlp!1ahccicJ.llo_ ct~LICf'S, f~ 1 'Tablesaiidhhppc!i(.tsthcticlelhc:wcrh)ofCoun-
fouru:ai11ei;,Lal<c1, \'l/ood-1, Hílks,:mdNauom ·• tties,~~sand'fowncs,:ifwcll ofE11ropt, a<;ofJ.frik:,,tfu
dependiam do perfeito domínio da heranç~ deixada pelos alexandrinos, a qual By llCW W rucrs,
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~ vuvi BA Lt inv•, hath put forththc Pl~tHnd.dra i~ o ~ e
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tinha de ser assimilada antes de ser ultrapassada. "Na história do conhecimen- RAP ""1; Vo LA r "•A ;<v•. .
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to humano são poucos os capítulos mais estranhos do que aquele que registra
bochin vcríc. . Bu-: "º' c rvs Bo1r. n 0 NI vs, haih dcfcnhcd alt thc lla:ids of
BAR r "º t1M v' inthecighth boo'k'cof A~l'.n.f, . . . . thcWot\d. Soalfuha1h
como o reavivamento ptolomaico contribuiu para retardar a formação de um 5 ••A, r lAN M Y " ' n ~, th1tlea~dD1uu:c,d;!:f~"t~Llt:on-l 'f"oMAs p 0 ~c AC e 1 vs: bath ind1c Italfan tongue.
an painfullHcbriciana11dLm mfr,wcl!!ludi ~ª mallCf
1
mapa mundial preciso, nos séculos XV, XVI e XVII." Esse capítulo parece estra- 0 fle;1r~i11g,
c;c.1.Ncvs LAsivo,a11d
andvnto whorn 1ficl=ncd Scudcnt is íomu'h ;:':,." •, Go1r. 0 Pi H n~e
AHV,, the original! and 111ifcing
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cheliril Tidc. thcandent In-


D o., 1 N tcv • N10.••._ . fcriptionÍ:andfoliath ..
louN Avui:TIN• 1nhisÍccondb~cofh1sAnna!s. M s 5>1"TlY• butwithi;rnterdil1ge1iccandc1~di2n.
Ao lado, bibliografia de um editor de atlas. No seu atlas pioneiro, publicado pela primeira vez em l ôHN C A" 0 R, inhi~Co111mcntar1csvpon So/111r11. ~~dTi~;~. ' •
1570, Abrahan1 Ortelius arrolou suas fontes de uni n1odo que separava os ant1gos dos modernos. Esta G E o RG • R THA! ME R. ~ lo AI< N•, Bo un "V•, ~nd
A'• x A.N 1n R SAK • hauewÍ- ~v
1o"en1" V" o t AN,
P~.Tan loA"~H Ü11YAttvs vpon.l;~ ·
,h 1 ccnofthemamrs, riti:sand cufiomcsofall mr.uonsa~d~op ~
ofit. lhellmch:u:h .
página foi extraída de uma tradução iÍtglesa-do Thea.trum orbi.J terrarunt (O teatro de todo o' inundo)
AV R .• N"rl y' e Ok y' N Y< Novo'·
LA~nlJ<I\'< VERONENll<.
f&A" e IS CVS Jh L L. FO u s.TJU doncinchc rrcnch 1onw1~.
(LOndres, John Norton, 1606, fólio 7). Reproduzida mediante gentil permissão· da Folger Shakes-
peare Library.

224
225
nh~, porque as expectativas formadas por uma cultura da imprensa têm sido luxo de fazer cálculos com facilidudc e ele cmzar referências, duas possibili-
projetadas, retrospectivatnente, sobre o período inicial da Era Moderna. Aseme- dades até então impensáveis."
lhança de Copérnico, que começou onde oAlmageJto terminara, Ortelius e Mer- Os limites alcançados pelas maiores bibliotecas de manuscritos também
cator encontraram na antiga Geographia um ,ponto de partida para seu traba- foram quebrados. Mesmo os recursos excepcionais de que dispuseram os anti-
lho'. de meados do século XVI. Antes que um "mapa mundial preciso" pudesse gos alexandrinos ficam aquém dos que foram abertos depois do salto do
registrar as conqmstas feitas com as novas viagens, era necessário estudar e manuscrito para o impresso. Erasmo sublinhou especificamente esse ponto,
absorver as velhas regras que governavam a construção dos. mapas do mundo. num elogio feito ao impressor veneziano Aldus Manutius: enquanto a Biblio-
teca de Alexandria se continha dentro das paredes de uma só estrutura, escre-
A Geographia é um manual completo do cartógrafo, Ela preceitua claramente a distin- veu ele, a biblioteca construída por Aldus não tinha outros limites senão o
ção fundamental-que existe entre corografiae geografia; especifica a necessidade da medi- próprio mundo. A grande biblioteca, como observou George Sarton, é um
ção astronômica precisa e da correta contração matemática; descreve o método de fazer instrumento científico tanto quanto o telescópio ou o ciclotron. Os observa-
globos terrestres e de projetar mapas sobre uma superfície plana.
dores do século XVI não podiam contar com as instalações de um laborató-
rio, e os observadores das estrelas só podiam contar com seus próprios olhos
A duplicação, sob forma impressa, dos mapas de escribas e velhos trata- "nus". De qualquer modo, o fluxo das informações tinha sido reorientado, e
dos geográficos, então existentes, embora parecendo dar provas de um "retro- isso teve sobre a filosofia natural um efeito que não deveria ser ignorado.
cesw", também serviu de base para um avanço sem precedentes. Fundar um
conhecimento completo do mundo, exclusivamente com base em "informações
de primeira mão", constitui, literalmente, uma tarefa impossível. Há necessi-
dade ~e inteirar-se de uma ampla variedade de informações de segunda mão,
. do contexto da revolucão.
Uma reconstituicão '
copernicana
conslituída por relatórios, diários de bordo e cartas geográficas, por um perío- Se fosse dada mais atenção à import&ncia que a pesquisa de arquivos teve
do correspondente a várias gerações. Acima de tudo, é preciso dispor de uma para os astrônomos, seria bem mais fácil entender as fases inici~s da re~ol~­
grade para assimilar e localizar todas as informações que tiver sido possível ção copernicana. Por ter sido contemporâneo de Aldus Manunus, Coperm-
coletar. Antes que se delineassem os contornos de um mapa mundial abran- co teve a oportunidade de pesquisar registros e usar guias de referência numa
gente e uniforme, inúmeras cópias de velhas imagens incongruentes precisa- escala· bem mais ampla do que fora possível a qualquer outro astrônomo
ram ser duplicadas, postas lado a lado, comparadas e contrastadas. antes dele. Este fato óbvio é muitas vezes obscurecido por debates acalora-
A produção de um atlas como o Theatrum, de Ortelius - com seu índice dos sobre a maior importância de uma tradição textual em confronto com outra
alfabético, sua lista de autores consultados e sua seqüência sistemática de mapas, ~ a saber, sobre o peso que se deveria atribuir à crítica aristotélica, que não
que foram crescendo em número no correr do tempo - , pressupunha a exis- sofrera interrupções, em confronto com o novo reavivamento de Platão, ou
tência de um vasto empreendimento cuja novidade precisa ser aqui realça- a moda dos textos herméticos. Uma vez admitido que tais influências podem
da. As iniciativas comerciais conjuntas voltadas para a coleta de dados em ter sido importantes para a obra de Copérnico e merecem ser investigadas,
farg~ escala, até então ~sporádicas e limitadas aos recursos fornecidos por uma convém que nos detenhamos um pouco também sobre a interação de muitos
b1bhoteca de manuscntos ou por uma casa de mapas, ganharam continuida- textos diferentes sobre sua mente. Liberado das muitas horas de trabalho que
de e entraram em franca expansão. Neste ponto em particular, seria útil refle- antes seriam g·astas em copiar "servilmente"; contando com um maior núme~
tir um pouco mais a respeito de alguns comentários, que foram feitos de pas- ro de dicionários e outros guias de referência; podendo manusear páginas de
sagem, sobre a maneira como os prelos recém-criados ampliaram o acesso dos rosto, listas de livros e outros recursos bibliográficos, ainda que rudimenta-
eruditos aos textos. "Estava quebrada a tirania das grandes autoridades, até res, Copérnico teve condições de fazer a pesquisa bibliográfica numa escala
então própria das pequenas bibliotecas. O estudioso podia agora dar-se ao muito mais vasta do que tinha sido possível até então.

226
227
Embora seu nome tenha.ficado 1nais f:unoso 1 Copérnico era1 sob vários aspectos, 1nenos fixas, ele selecionou a que ele foz[.,.] cm 1526 [,..] DepoiJ, eo111pom11()0 lodoJ oJ obmMçõu
moderno que Vesaliusi em pârticulari ele tinha um sentido muito menos agudo da rea~ doJ eJcritoreo a11teriorcd co11i aJ dllfld próp1•lnJ, elo chegou à. conclusrto de que uma revolução
lidade da naturezai à semelhança de muitos homens medievais, ele se preocupava mais do[...] ciclo de desigualdade se havia completado[ ... ]
em conceber uma teoria que combinasse um conjunto"'de observações coletadas sem rigor Para reduzir esses cálculos a um sistema definido, em que eles se harmonizariam com
crítico, do que em rever a qualidade do material coligido pela observação. Meio século todas as observações, meu professor computou que o movimento desigual se comple~
mais tarde, Tycho Brahe seria o Vesalius da astronomia.
ta a cada 1717 anos egípcios [... ] e a revolução completa do movimento médio tomará
25816 anos egípcios.
Na verdade, Copérnico não estava disposto a aceitar qualquer "conjunto
de observações, coletadas sem rigor crítico". Em sua Carta contra Werner, por Para investigadores preocupados com ciclos celestes que poderiam esten-
exemplo, ele criticou com agudeza os procedimentos adotados por um cole- der-se por mais de 25 mil anos, deve ter sido muito útil ter acesso a mais regis-
ga, para datar e situar uma certa observação feita no passado; em outros docu- tros escritos e receber orientações bibliográficas.
mentos, revelou-se um observador perspicaz de incoerências encontradas em Não resta dúvida de que Copérnico aprendeu muito com um professor
relatos anteriores. neoplatônico em Bolonha e também com os debates conduzidos pelos aris-
Como em outros assuntos, temos de admitir que existem disparidades entre totélicos em Pádua. Contudo, ele acabou por trocar o papel de acadêmico iti-
as disciplinas científicas. Adiferença do que acontece com os anatomistas e os nerante por um longo período de estudos em Frombork. Sua obra demonstra
físicos, os astrônomos têm que estudar observações feitas em diferentes inter- que ele tinha conhecimento de uma grande variedade de textos - desde os
valos, distribuídos por longos períodos de tempo. Por exemplo: para alguém inte- Evangelhos Sinópticos até as tabelas de senos. Ele era um investigador cons-
ressado na precessão dos. equinócios, eram indispensáveis os dados fornecidos tante de nomes de lugares e calendários, de cronologias e moedas antigas -
pelos alexandrinos e árabes. Para que se pudesse dominar o ciclo de longo qualidade sem a qual não teria podido desmanchar algumas confusões feitas
termo, sem cujo conhecimento não teria sido possível delinear com êxito uma pelos escribas (como, por exemplo, entre "Nabucodonozor" e "Nabonas-
reforma do calendário, foi necessário reunir e organizar uma série de observa- sar'), ou identificar no cosmo os pontos diversos tomados por observadores
ções, feitas no decorrer de centenas de anos. Esta tarefa, por sua vez, requeria anteriores para o início de um novo ano. Nem o reavivamento das idéias de
o domíoio de várias líoguas e sistemas usados para descrever localizações no tempo Platão nem a crítica persistente de Aristóteles o tornaram capaz de cumprir
e no espaço. A esse respeito, o fracasso de Copérnico em apresentar o tipo de qualquer das tarefas seguintes: alinhar organizadamente as observações que
descobertas novas que seriam mais tarde fornecidas por Tycho Brahe deve ser já vinham sendo feitas desde a era pré-cristã; comparar as observações fei-
compensado pelos seus esforços, prolongados e fervorosos, no sentido de pôr tas pelos alexandrinos e árabes com as suas próprias; estabelecer os "nomes
alguma ordem nos empoeirados registros feitos pelos observadores no passado. dos meses dos egípcios" e a duração dos "ciclos calípicos"; ou mostrar que
Seu acesso mais amplo a uma variedade de registros antigos não foi útil estava errada em pelo menos dez anos uma datação do equinócio outonal obser-
somente quando ele se decidiu a "ler de novo as obras de todos os filósofos vado por Ptolomeu, feita por algum colega.
em quem pude pôr as mãos", com o funde alinhavar possíveis alternativas a
uma "tradição matemática incerta". O acesso a mais dados capacitou-o para Nenhuma descoberta, astronômica fundamental, nenhum tipo novo de observação
tratar d~ certos problemas técnicos relacionados aos ciclos de longo termo, astronômica jamais persuadiu Copérnico das impropriedades da antiga astronomia ou
da necessidade de mudanças. Até meio século após a morte de Copérnico, não haviam
que haVIam ficado fora do alcance dos astrônomos atendidos pelos escribas.
ocorrido quaisquer alterações potencialmente revolucic?nárias nos dados à disposição
Meu professor, escreve em 1540, Rheticus, discípulo de Copérnico,
dos astrônomos.

fez observações [... ] em Bolonha[... ] em Roma [...] e depois aqui em Frauenberg, Entretanto, pouco antes do nascimento de Copérnico, uma verdadeira revo-
quando teve condições de seguir cpm seus estudos. Das suas observações das estrelas
lução nos processos de produção de livros começara a afetar a literatura téc-

228
229
nica e as ferramentas matemáticas postas à disposição dos astrônomos. Como
estudante em Cracóvia, nos idos de 1480, o jovem Copérnico provavelmen-
te teve dificuldade de pousar os olhos num só eJfemplar do AlmageJto, de Pto-
lomeu - mesmo que fosse numa versão adulterada em latim medieval. Antes
de morrer, já tinha à mão três edições diferentes. Menino de catorze anos, na
Copenhague dos anos 1560, }'jovem Tycho Brahe podia comprar toda a obra
de Ptolomeu, inclusive uma tradução completa e melhorada doAlmaguto, feita
com base uo texto grego. Pouco depois, ainda adolescente, em Leipzig, ele
conseguiria facilmente um exemplar das TáhuM prul:tniau, que acabavam de
ser computadas com base na principal obra de Copérnico. Nenhum "tipo novo
de observação" havia afetado a astronomia nesse ínterim. Contudo, o proces-
so de transmissão das observações antjgas tinha passado por uma mudança
importante. Não foi preciso esperar "meio século após a morte de Copérni-
co" para observar o efeito dessa mudança, uma vez que ela tinha começado
a afetar o estudo da àstronomia pouco antes do seu nascimento. A Copérni-
co não fora possível ainda, como seria aos sucessores de Tycho Brabe, con-
tar com dados recentes, registrados de modo preciso. Mas, como sucessor de
Regiomontanus e contemporâneo de Aldus Manutius, ele pôde receber orien-
tações sobre a bibliografia técnica, já cuidadosamente selecionada a partir das
melhores coleções renascentistas de manuscritos gregos, e agora disponível,
pela primeira vez, fora do recinto das bibliotecas.
Aos olhos experimentados do estudioso moderno, que encara retrospec-
tivamente os últimos quinhentos anos, as primeiras edições impressas do
Afmaguto são decepcionantes - talvez mesmo retrógradas. Mas elas abriram
novas e excitantes perspectivas para os astrônomos da época de Copérnico.

Copérnico realmente estudou o AÍtnageJfo com o máximo de atenção. Sim, porque o lJe
revolutionihuJ é, livro por livro, seção por seção, o próprio Almage.Jto, reescrito de modo
Sein 0 haver solicitado, Copérnico recebeu um guia do leitor à literatura técnica, encam~had~ pel~
a incorporar a nova teoria de Copérnico, é nã~ foi praticamente nl.odificado nos demais prinleiro impressor-astrônomo, Regiomontanus (Johann Müller de I\.õnig.sberg). Este úln.mo impri-
pontos. Kepler iria observar mais tarde que Copérnico nada mais fez que interpretar miu cm Nuremberg, em 1474, esta list.1. antecipada de livros, na qual relacionava tts obras importan-
Ptolomeu, e não a natureza, uma observação que contém boa dose de verdade. tes que deveriam ser tiradas em seus prelos. Embora ele te~ha morrido pre,maturamente no ~e.~1no
ano, sua lista orientou programas de publicaç.ões de. outros unpressores, alem de t~r prop~rc1onado
um importante instrumento bibliográfico aos astrônomos do século 1.'\lJ. Rcproduzrdo mediante p;en-
Na realidade, a outra alternativa que Kepler tinha em mente além da po~­
til permissão de .John Ehrman, e1n nome do Roxburghe Clu~, d~ o~ra de G.raham Pollar,d e Albe~
sibilidade de interpretar Ptolom~u não era de fato a" natureza", mas, em vez Ehrman, The OUtrihuti.on of bookJ 6y catalogue to a.D. 1800 (I\ d1stnbu1ção de livros por catálogos, ate
disso, os dados de Tycho Brabe. Ao elaborar um texto paralelo, totalmente 1800 d.C.) (Camb,;dge, The Roxbmghe Club, 1965, fig.12).
desenvolvido e contendo uma teoria alternativa, Copérnico proporcionou a
Tycho Brahe um motivo para reunir os dados usados por Kepler.

230
211
Quando Tycho Brahe era ain~la lU11 jovc1n de dezesseis anos, seus alhos se abriram para
É legítimo questionar como o" caráter superlunnr das novas e dos cometas"
o importante fato ....- para nós tão fácil de compreender, mas que escapou à atenção de pôde realmente ser estabelecido antes que observações e~parsas de eventos este-
todos os astrônomos europeus que o precederam . . . . d~ que só seria possível obter uma lares traositórios pudessem, ao mesmo tempo, ser feitas, coordenadas com
visão melhor dos movimentos dos planetas realizando uma seqüência de observações outros achados, verificadas e confirmadas. Enquanto os relatos de estrelas e
de maneira persistente e continuada. cometas separados foram transmitidos por escribas; en~uanto obser~adores espar-
sos careciam de métodos uniformes para situar e registrar o que VIam; enquan-
Os olhos de Tycho Brahe "abriram-se" à necessidade de dados novos, em to os mais cuidadosos observadores não dominavam a ciência da trigonome-
parte porque ele tinha em mãos mais dados antigos do que qualquer jovem tria pergunta-se: como poderiam as estrelas cadentes ser localizadas de modo
estudante de astronomia jamais tivera. Ainda adolescente sem qualquer edu- '
permanente numa zona situada além da esfera dª. ~~ª·? "Od , eseJ~ . d e encon-
cação formal, ele podia não só comparar Copérnico com Ptolomeu, como ainda trar uma órbita para um fenômeno paramente tranJtlorw eefemero assmalou uma
estudar as tabelas derivadas dos dois. Algumas predições contraditórias sobre mudança muito importante na interpretação teónca . dos cometas.' "Os "bo~s
conjunções de planetas encorajaram-no a reexaminar "o que estava escrito instrumentos" de Tycho Brahe talvez não fossem mesm_o. necessán?s, ma~ nao
nos céus". Diante da tarefa de coletar dados novos, dispunha de utensílios há dúvida de que o pedaço de linha de Maestlin era mudamente msnficiente
matemáticos recém-fabricados que aumentavam sua velocidade e precisão, para fixar eventos estelares, traositórios e efêmeros, de un:' mod~ ~ão firme que
ao determinar a posição de uma certa estrela. Tanto nesses como noutros aspec- eles pudessem ser vistos como conflitantes com a cosmologia tradic10nal. A nova
tos, Tycho Brahe não se enquadra inteiramente no caso "astrônomo que via de 1572 atraiu mais observadores de todas as partes da Europa que qualquer
coisas novas, enquanto olhava velhos objetos com velhos instrumentos". Tex- outra estrela j~mais observada até então. Quando Tycho Brahe anunciou o resul-
tos de trigonometria, tabelas de senos impressas e catálogos de estrelas cons- tado de seus estudos, ele teve de esforçar-se para" fazer-se ouvir, apesar de todo
tittúam objetos e instrumentos novos nos dias de Tycho Brahe. Na qualidade 0
barulho". Ele teve tanto êxito nessa situação inédita qne, muito depois qne a
de matemático autodidata que passara a dominar a astronomia pelos livros, nova desapareceu no céu, a "estrela de Tycho" ainda continuava. com um bri-
Tycho Brahe personificava o novo tipo de observador. lho tão intenso, além da esfera da Lua, que Os cosmólogos não tiveram como
Uma vez que ele não dispunha do telescópio, mas mesmo assim viu nos ignorácla, ou os cronistas como mudá-la de lugar. "Quase todos os mapas este-
céus uma escrita diferente da que fora vista antes pelos observadores de lares e os globos celestes que foram produzidos entr~ 1572 e o fmal d? século
estrelas, as descobertas deste astrônomo dinamarquês levaotam um proble- xvn mostravam o lugar onde (ela) [...] tinha aparecido, o que mcenhvava os
ma especial para os historiadores da ciência. astrônomos a ficar atentos para o seu retorno." ·
Os eventos estelares testemunhados aotes do advento da imprensa não
Os instrumentos exatos de Brahe não foram necessários para descobrir o caráter podiam ser localizados de modo tão preciso e durável, ?e modo que nenhum
superlunar das novas e cometas [... ] Para l\llaestlin bastou um pedaço de linha para deles teve associado a si o nome de uma pessoa em particular. Por outro lado,
decidir que a nova de 1572 se encontrava além da lua[ .. ,] As observações [... ]que apres- nenhum relato detalhado escapava de tornar-se obscuro, no processo pelo qual
saram o declínio da cosmologia tradicional[... ] poderiam ter sido realizadas em qual- se tornava de domínio público. À semelhança do que ocorria com os event~s
quer momento desde a remota Antiguidade. Tanto os fenômenos como os instrumen- mundanos, quando se viam tecidos em tapeçarias ou registrados nas ctôn.1-
tos necessários já eram disponíveis mais de 2 mil anos antes do nascimento de Tycho cas dos monges, diversos eventos separados fundiam-se numa só categoria
Brahe, mas as observações não foram feitas ....- e, se o foram, não tiveram interpreta- nútica; imagens convencionais e fórmulas padronizadas faziam esmaecer os
ção ampla. Durante a segunda metade do século XVI, alguns fenômenos centenares detalhes cuidadosamente observados. Jerusalém ficava sempre no centro do
mudaram rapidamente de sentido e tiveram modificado seu gtau de importância. Tais
mundo, os cometas ficavam abaixo da esfera lunar; nenhum deles pôde ser
mudanças podem parecer incomp~eensíveis, se desacompanhadas de uma referência
desalojado de maneira definitiva da localização que lhe havia sido atribtúda,
ao novo clima da opinião científica, que tem Copérnico como um dos primeiros e proe-
minentes representantes. antes do fim da era dos escribas.

2JJ
232
O que Blaeu omitiu por cautela nos finais da década de 1590 foi ofere-
the~~i~~fn~~~~ P~~ts 1,1c~e is an op~nion,that they had rather ufc:
Cardes ro b . f, :t en uc tas are prmtcd, eflccmmo the printcd cido por um concorrente, em 1600, fato que nos indica como a competição
t d ~c~mpa e~ ,and foy that rhewrirtenCardcs .;;.e much bet
\~~th~hpcr e er, they n_iean~thewrittcn Carsesrhatare daicly mad~
entre impressores com fins lucrativos - não menos que a colaboração entre
e penne,are evrnc da1e correéted and thc ri d observadores esparsos - serviu para acelerar a coleta de dados e dar-lhe
;heprime~ C~~de~~~~~hbr~t
J
hcrein tbey are nota lirle deceived, for novos rumos. Na hora em que Blaeu terminava a supervisão de suas cha-
~e~areas good,,y-ea an_d bet.ter then thewrirren, for rhat the prinred pas, regressava uma expedição da qual resultou "a primeira tentativa siste-
re% ~s are on~e rhn cvehne point with ali care and diligencc made per-
for that bein once 1 mática de organizar e catalogar as estrelas do sul". Dois holandeses, que haviam
~J, ~l th~ r~ft
, ID regar et att ey fc:rue for maoy
may with as litlclabour'be m,ade gool as weu:! embarcado na viagem de 1595-1597 do Ho/lanÍJia, registraram de modo regu-
o~rv~Íth '[,'uct h peceda~des
fi that are vvritten cannotbe mad~ fo found
, ecauíe [o much coftfor oncepeece a]one we~~
lar as observações por eles feitas dos céus meridionais, enquanto viajavam
nas Índias Orientais. Um deles, o piloto-chefe, morreu no mar, mas seus
to much, but.areall one afterthc other 'with theleall labour co ied
~hut'.~mWanyh trfcmes 'by fuch perfons thathauc litrle orno know l~dgc: dados, levados de volta a Amsterdam, foram utilizados pelo principal con-
corrente de Blaeu, Jocondus Hondius, no seu globo celeste de 1600. Nada
~~~~s =~ee~lr~~:e:~;rhé!cd i ~hc Card~ thca~~~~eprfm~~.~~ ~~et~~~
rc wc a1 are readie to doe at our charº<." ifan
ctcm. at oevcrthcre is yet rclling to b ét d
menos que catorze constelações novas constavam do globo de Hondius.
,
!h~º~=~d~ rh'a~!e'pº~~~ íhdebwe us any thing, that is to be 'º'~e~'4 ~
iv

. ç yus. Desse modo, Blaeu, que esperava sem dúvida ver largamente aclamado e distribuído o
seu primeir? globo celeste, viu sua obra tornar-se obsoleta pouco depois da publicação.
,O desafio de V/ J. Illaeu aos piloto s, para que encontrem erros ein suas "cartas mari h " ( ) Só podia portanto retirá-la do mercado e começar de novo.
impressas.ExtraídodaobraTh,/' e 19 ht C'1·nai1tgafw11
. . (A luz da navegação) (Amsterda ur1i·
n.as mapas
J h
son 1622 38) R d 'd . m, vvl iam o n-
' , P· , epro uz1 o mediante gentil permissão da Polgec Shakespeare L'b
1 rary.
Só que começar tudo de novo, na era da imprensa, tinha um sentido dis-
tinto do que tivera na era dos escribas. No ano de 1602, Blaeu produziu
d "Estas' bestrelas douradas são as do senhor
· ªº
Tycho·• ' outras correspon- um globo menor, atualizado, que continha todos os dados novos trazidos pela
e'.'1 as o servadas pelos Antigos", diz uma tradução em inglês do texto expedição holandesa e registrava, além deles, uma observação totalmente iné-
~;mo ?alocado sobre um globo celeste feito pelo editor de mapas holan- dita, exclusivamente sua. Em agosto de 1600, ele havia observado uma nova
estrela de terceira magnitude na constelação do Cisne, que ele também colo-
d es W1llemT hJanszoon Blaeu, · entre 1596 e 1599 · Blaeu
. J.,a h avia
. t rab aIha-
o para yc o, antes de fundar em Amsterdam uma ce'l b f' cou em seu globo - onde ela permaneceu para ser duplicada repetidamen-
d · d' · e re irma, que pro-
uz1~ e ven ia mstrumentos astronômicos, globos, livros e cartas marítimas te, mesmo depois que a estrela desapareceu da vista de todos. Além disso, ele
~eu gl~bo extremamente preciso" não se limitou a mostrar o que o gran: não começou realmente tudo de novo. Em 1603, as grandes chapas feitas para
e ~stronomo moderno havia acrescentado aos céus já tão estudados pelos seu primeiro globo, e que eram demasiado valiosas para serem jogadas fora,
ma10res observadores de estrelas da Antiguidade·• t amb,em prometeu para foram reutilizadas depois de sofrerem correções, e resultaram no "agora jus-
b , · .
dreve not1c1as mais palpitant~s a serem recebidas de intrépidos explora- tamente famoso globo de 34 centímetros, de 1603", com seu nome exibido
oreds, que naq~ele momento Já se haviam aventurado além dos confins do conspicuamente ao lado de seu antigo mestre, "senhor Tycho", sobre o texto
mun o conheé1do. do título revisado.
Segundo Wightman, Tycho Brahe foi o primeiro astrônomo ocidental a
aplicar o tipo de programa que foi mais tarde articulado pela Royal Society.
Certas
, .estrelas_mais próximas
. . , fiora de nossas vistas,
ao pólo Antárt'ico, Jª . não são menos
Ele foi o precursor de uma nova estirpe de astrônomos, que "estudaram para
notave1s por
sidad d b illsua magnitude
. qu~·as ..oc iza asnareg1ãonorte,sejapelorelatodainten~
l ar d . .
fazer disso não exclusivamente uma tarefa para uma temporada ou oportu-
e o r 1~, se~a:pelos anais dos autores; contudo, 'Uma vez que é incerto o seu deli-
neamento, aqui omitimos as suas medidas.
nidade favorável, mas uma missão de largo prazo; um labor constante e firme,

235
2J.I
duradouro e popular, ininterrupl:o", Não constitui deslustre para a posição vam livres de copiar e memorizar, além do fato de que podiam agora fazer
de destaque de que desfruta Tycho Brahe na história da astronomia sugerir uso de novas ferramentas de papel e de textos impressos.
que ele foi beneficiado por uma "oportunidade favorável", por ter nascido no Não é por passar a noite contemplando os céus, em vez de ficar reviran-
momento apropriado. Nenhum homem, por mais dotado que fosse, poderia do velhos livros, que Tycho Brahe se distinguia dos observadores de estrelas
ter dado, sozinho, nova direção a um empreendimento colaborativo tão vasto do passado. Nem acredito que tenha sido porque ele dav~ mais atenção. aos
como a astronomia ou viver o suficiente para ter certeza de que essa ciência "fatos teimosos" ou às medições precisas do que os estud10sos alexandrmos
passaria a ser um labor constante e firme, duradouro e popular, ininterrup- ou árabes. É porque ele tinha à sua disposição, como pouquíssimos tiveram
to. A "missão de largo prazo" foge ao controle de qualquer geração, e muito antes dele, dois conjuntos distintos de tábuas de computação, baseadas em
mais ainda ao de uma só criatura mortal. As observações noturnas do come- duas teorias diferentes, compiladas a séculos de distância uma da outra e que
ta de 1315, por Geoffrey de Meaux, sugerem que o programa proposto por ele podia comparar entre si. O estudo das informações registradas não foi menos
Tycho Brahe, de observação constante e firme, para obtenção de dados recen- vital para Tycho Brahe do que fora para os astrôno~~s no passado. Como
tes em primeira mão, teve precedentes. Do mesmo modo como os desembar- seus antecessores, ele não podia contar com o telescop10. Mas seu observa-
ques dos vikings precederam Colombo, já havia cuidadosos observadores de tório, ao contrário dos deles, incluía uma biblioteca bem fornida de materiais
. estrelas em atividade muito antes de Tycho Brahe. O que era novo, sempre- impressos, além de assistentes treinados nas novas artes d~ impre~sa e da gra-
cedentes (com novas estrelas e novos mundos), era a maneira como os fenô- vura. Sim, porque ele (com muito trabalho e despesas) cmdou de instalar pre-
menos observados podiam agora ser registrados e confirmados. los e uma fábrica de papel na ilha de Hveen. . .
Como se verifica pelo que vai dito acima, é necessário ter em conta as modi- Pela grande quantidade de assistentes que aí. trabal~~vam (mais. ~e cm-
fi_cações acarretadas pela imprensa, ao tentarmos explicar o novo ponto de qüenta) e pela torrente de publicações lá pr~du~1das, var10s' autores~ª. suge-
V!Sta do século XVI sobre os "fenômenos antiqüíssimos", tais como as novas riram que a Uraniborg, de Tycho Brahe, lena sido um poss1vel pr~tot1po ~a
e os cometas. Referências genéricas a uma era turbulenta ou até mesmo uma Casa de Salomão, de Bacon, e da futura Sociedade Real. Uran1borg VIU
evocação mais específica do "novo clima do pensamento científico" represen- numerosas atividades de colaboração e publicação aplicadas à observação astro-
tado por Copérnico não ajudam muito a explicar fenômenos como a estrela nômica, numa escala que o mundo ocidental jamais vira antes. Na medida em
de Tycho Brahe. No caso do jovem nobre dinamarquês, não há nada que cor- que as observações de Tycho Brahe eram feitas com auxílio de ,'.nsn:ument?s,
responda às correntes neoplatônicas ou aristotélicas que fizeram parte dos ele pôde valer-se do talento e experiência ~'~ gravadores que sa~1am o sig-
estudos de Copérnico com seus mestres italianos. Na verdade, Tycho Brahe nificado da expressão 'por um fio de cabelo . Ele explorava t~hem as art~s
resolveu tornar-se astrônomo, desafiando seu então mestre e estudando sozi- da gravura, com o propósito de exibir instrumentos astronômicos para os lei-
nho. Ele conseguiu contornara relação tradicional entre mestre e pupilo, recor- tores de seus livros. Seu prelo consta de seu mais célebre auto-retrato. Desde
rendo aos materiais impressos. Tudo indica que sua liberdade relativamente os tempos em que começou a xeretar livros às escondidas de seu mestr~, e~e
às idéias preconcebidas então dominantes em matéria de cosmologia devem se utilizou muito do produto de outros prelos. Sob esse aspecto, ele diferia
algo à sua insólita condição de astrônomo em grande parte autodidata. A sime- de seus predecessores de um modo que precisa ser realçado aqui. O astrô-
tria e a adoração ao Sol parecem ter sido subordinadas a outras indagações nomo dinamarquês não foi somente o último da série de grandes observado-
em sua astronomia, que ele arquitetou sem compartilhar as preocupações esté- res a olho nu; foi também o primeiro observador meticuloso, que se valeu de
ticas ou metafísicas de Copérnico. Os dois astrônomos não eram ligados por todos os recursos da imprensa - recursos esses que permitiram aos astrô-
uma admiração comum para com qualquer tradição particular, clássica ou cris- nomos descobrir anomalias nos velhos registros, apontar com mais precisão
tã. Na condição de astrônomos do século XVI, os dois podem ser distingui- e registrar nos catálogos a posição de cada estrela, arregimentar colabora~o­
dos de seus predecessores não fanto porque fossem influenciados por uma res em muitas regiões, fixar de modo permanente o resultado de observaçoes
ou outra corrente renascentista de pensamento, mas sobretudo porque esta- diretas e proceder às necessárias correções em edições posteriores.

236 2J7
J' '
a seEm~nc1onou o destino estranho da estrela de Tycho Ta b, Parece significativo que o romilntico retrato de Kepler feito por Koestler,
ce ser re enda a expansão de seu catálog·o de estrelas por Keple: em mere-
em que se mostra um astrônomo sonhador e místico, contenha uma descri-
ção desse mesmo frontispício, na qual são omitidos o prelo e os demais ins-
~ .Tabulo.e rudolphinae iriam permanecer por m~~ de um século como um trumentos. Apesar de seus elogios às Tabulae ru2olphinae, tidas como "ferra-
mdispensável para o estudo d , .[ ] O a ferramenta
. . os ceus ... grosso do trabalho consi t ( ] menta indispensável", e à obra de Kepler, tida como" coroamento na astronomia
para predizer as posições dos planetru; e do catálo o de T h d s ~-em ... regras
aumentado por Kepler para l 005 E . b ,g yc .o, e 777 s1t10s de estrelas, prática", Koestler parece quase desdenhar o tedioso "esforço asinino hercú-
pela primeira vez a serviço da astr~n::~:: ::d:: º~~o~a~t~os e ta.belas de refração,
suas longitudes referidas à Greenwi h d, T h
1 ~ ic1,.onano d~ ;idades do mundo,
leo" exigido pela elaboração daquelas tabelas. Podemos entender os motivos
pelos quais ele talvez simpatizasse com a exasperada reação de Kepler dian-
em Hveen. , e e yc o _, isto e, ao mendiano de Uraniborg te da "mesmice da computação matemática", mas não parece justo negar sim-
patia aos predecessores de Kepler, que provavelmente a merecem ainda mais.
A tarefa de compilar tabelas copiadas à mão implicava uma "mesmice" bem
Kepler lutou heroicamente de 1623 a 1627 . . . .
mas tabelas durante a b lb, d'. d G d 'par.a imprumr essas utilíssi- maior do que passou a ser o caso, após o advento da imprensa. Do mesmo
d . ' a ur ia a uerra os Tnnta Anos Na ualidad modo, a analogia do "hercúleo" também parece muito mais apropriada às labu-
a :~upperv:sodr de um prograi:ia de publicações técnicas, ele ac~mpalou tod: tas realizadas na era dos escribas, quando os astrônomos sabiam de antemão
ressao e um manuscnto de 568 , .
. pagmas · superou ' fi ·, · que suas tabelas voltariam a encher-se de erros, tão logo fossem expurgadas.
gênc1as políticas e dificuldades de pessoal· ' . . bcom e c1enc1a emer-
.d d ' consegum a astecer-se d j Ao usar as tábuas de logaritmos de Napier, para as Tábwu ruJofjintM,
;:0q~::p:s~ ;~cestária~ supervisionou a prensão dos símbolos, a c:!;~:;'. Kepler estáva fazendo algo que seu mestre jamais poderia ter feito. Embora
. ' m~ men e -agora, na pele de um'vendedor ambulante - Tycho Brahe tivesse desejado pô-las em uso, elas s6 foram publicadas após
segum com comerciantes para oferecer se d
livros de Frankfurt d 1627 Du us pro utos acabados na feira de . a morte do astrônomo dinamarquês. Contudo, Tycbo Brahe tinha tido a pos-
!e su lício de ' e . rante uma estada em Ulm, já no final daque- sibilidade de comparar as Tábwu prutênicaJ com as TábUIM afjoruiruu, coisa que
. d P. quatro anos, Kepler conseguiu arranjar tempo para d Copérnico não alcançou fazer, uma vez que estas últimas foram compiladas
ªJU a as aut?ndades locais, que precisavam resolver problemas rela~~v:'ª com base na sua obra póstuma. Ao retrabalhar todos os cálculos de Ptolo-
~:~~e med;as. c:imo talentoso inventor, acabou fornecendo àquela cida~ meu, ao determinar o curso de todos os planetas, tendo como referência uma
das _novo spdos1nvo para a padronização das medidas. Ele se valia tão b Terra em movimento, terá Copérnico alcançado algo que não poderia ter sido
maos como a cabeça - como fica demonstrad 1t em
ter projetado o frontispício de sua obra monument~.pe o ato de ele próprio
atingido na era dos escribas? A resposta é necessariamente especulativa,
embora pareça provável que uma refundição completa do AlmageAo - como
A Casa da Astronomia, tal como im · ada K I ,
barrocas que aparentam ter um quê d::::íric:: ta~~e~; mode~~a em linhas
a reforma integral de um calendário - exigiria um autor livre de horas de
os olhos modernos Co d . e sune 1sta - para cópia e o acesso a obras de referência que raramente haviam estado disponí-
ela a resenta. . mo os teatros a memória descritos por Frances Yates veis aos astrônomos, depois da dispersão dos recursos que haviam estado con-
Sábi~s da An~~st~Jo~tos uns aos outros motivos estranhamente disparatados'. centrados em Alexandria.
ce - , . igm a e e mestres modernos são exibidos num tem lo de con A contribuição mais significativa de Copérnico talvez não tenha consisti-
pçao eclenca. As musas que representam as . ' . , . p -
, . d c1enc1as matematicas aparece do tanto em desenvolver a teoria "certa" quanto em produzir uma teoria alter-
em pe, em torno a abóbada, enquan·to • · ·
.
'ai
' a agma llllpen germ' · la d m
nativa plenamente trabalhada, o que colocou a geração seguinte diante de um
;~~::: cpo:::a:~~i~ofinncaendce 1
\espera-se) padtrocal'nio e ouro. Não:'~:'~!e ::fe~ problema a ser resolvido, e não de uma solução a ser aprendida. No frontis-
e1ro, que vem as tur ·
que estão pendentes dos pilares, e o relo rava as, como os Instrumentos, pício do AlmagNtum nov1mz, de 1651, de autoria de Riccioli, os esquemas de
sugerem que o "sonâmbulo" t b, P . hg d!o sobr: ~ma parede, na base, Copérnico e Tycho Brahe aparecem diagramados em cada um dos lados de
am em l!n a seu ado pratico. uma balança erguida por uma musa, enquanto o esquema de Ptolomeu é mos-
2J8
2J9
1

rrcHONIS BRAHE' 1r
ASTRüNOMliE 1
JNSTAURATiE
1
ME C H A,N l C_A.

l
'
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úlf. D C / !.

Jm í'::.C.r1',s f:f 'P cuurn quvrunJ.;1.m ·prirvifrgii1.

dO mais ~ de 1'\,cho
d famoso dos auto-retratos iJ' Br~he mo·s·tra-o dand.o .instruçoes
"'.ª o por seu grande quadrnntc mucaL A seção central contém JÍ
- em U

'b
ram org'. emo -
l º l'_, '...:ó

o· livro tttmbém conÍém na página ·de rosto o retrato acima do autor-astrônomo, que acentua sua ori-
assistentes aparecem ocupados e . . · _ _ _ versos comodos nos quais seus gem nobre e exe1nplifica a tendência de autopropaganda que a iinprensa incentivou. Ambas as cha-
om a tmpressao e correçao de obra :lJ - .·
mechani.ca (Hamburgo 1598) P al; : s como 1. tronomwe tn.Jltu11utae pas são reproduzidas mediante gentil permissão do Departamento de Coleções Especiais das Biblio-
' ' ara a qu esta gravura fo 1 planejada. ·, .
tecas da Universidade de Stanford.
241

240
l

Porménor das operações de impressão, tal como nparcce na base do frontispício de l{epler. Ambas
as chapas são reprodu~idas mediante gentil permissão da Divisão de Livros Raros e Coleções EspeN
ciais da Biblioleca do Congresso dos Estados Unidos.

trado sobre o chão, coin uma legenda: "Só me levantarei se for corrigido". O
fato de que a balança aparece inclinada em favor de Tycho, ou de que ainda
se mantém a idéia de "restaurar" Ptolomeu, não nos deve distrair a atenção da
grande novidade, que consiste em apresentar três modelos planetários alter-
nativos, claramente diagramados, num só quadro. Do mesmo modo como comen-
tários bíblicos contraditórios incentivavam o retorno ao texto do próprio Livro
Bom, os vereditos conflitantes pronunciados pelos livrinhos dos homens esti-
A Casa da.Astrononúa, tal como imaginada por Kepler. Extraída da obra de Johannes ICepler, Ta6uN
fac rudo/pbUUle, .. (Ulm, 1627, frontispícjo). mulavam um confronto permanente com o grande Livro da Natureza.
Na época em que Kepler era estudante em Tübingen, os astrônomos
tinham que escolher entre três teorias distintas. Um século antes, quando Copér-

242 24J
nico vivia em Cracóvia, os estudantes davam-se por satisfeitos em ter acesso
a uma. O fato de que o professor de Kepler, Maestlin, dava aulas sobre todos
os três esquemas já foi referido para mostrar que a instrução universitária era
STELL..f!
retrógrada e resistia às correntes inovadores de fora. Para mim, constitui sinal 1

MARTIS de notável mudança o fato de que um determinado aluno numa universida-


de aprendia três modos diferentes de posicionar o Sol e a Terra, ao compu-
SVPJ;:RIORVM INFIMI
tar as órbitas planetárias. Nenhuma das três autoridades dava conta de des-
crever corretamente essas órbitas. Tanto o novíssimo esquema de Tycho
EPOCHAl SEV RADICES, MOTVS MEDI!. como o velhíssimo de Ptolomeu estavam destinados a cair em descrédito pos-
AfLi có- Motus Mcdü. Aphclii. 1 No.li Akcnd. MAR TIS ;ob A:qui!IOCtio.
l~ Sig.Gr. ' '.' Sig.Gr. ' " ln Dicbll$ • la. hor. teriormente. Mas, depois de 1543 (ano em que o De rerolutt'oniÍJw, de Copér-
Sig.(if. r ,.
--- ~ -;-;;-
+ººº l· 1+r-1s 14.p:tt1?l 14.55-:-õ'"°'i
3000 11:7õ.i'7.í6 J.17.illlj~57.:1.5 X ---• - - - --
-- o.Jt.17 1.1_9
nico, foi publicado em Nuremberg por Johannes Petreius), os comentários,
10001 8- J. 8·5-4 zl. 3. 7 II 6.59.50 'V'
' 1.l·J+.2.o
l.fJ l-37 epítomes e adendos dedicados ao trabalho de um único mestre haviam sido
4.13.10.11
10001
900\ ó.i5.30+1
.gooi s.17.to.51
10. 3
11.30.18
14-11- ;
s.,- 3 <$> is. 2.1f
19. 1.19
J.o.1+-4+
. 1 3.56
z. '1.+6 5.15
1 S.J7.16 6.33 .
substituídos pelo confronto entre várias alternativas, o que obrigava a algu-
5100: ~8.:_!~~
1
16.q.;7 J.1.10.58 ~- 8·+º 7.52 ma forma de escolha. Dadas as centenas de anos gastos na compilação, recu-
~600

õ'ºº'1 1. o.Jt.11
,.5· """' .,., •..,
18. 5.1:1.
l 11.17.11
'1·11"7
7 3.40. 6
! ++3·
4.11.13
9.10
10.19
peração e preservação do Almaguto, o aparecimento de duas teorias planetá-
~ ~.51.31 11·4-B·:U
~3ºº') 7. 5.31.41 13.~9.56
<lDOi 9· 7,11,50 2.f.~1.Jl@ 26.51,II
~ t r. 9.51. o :0.13. 5 !? 1i·58-:t5 V
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5.14.17

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6.17.:1.0
o 11.48
6
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1 ~-
rias completas e propostas como alternativas, no curso de um mesmo século,
não parece denunciar um vazio cultural ou a existência de uma força iner-
,~1Q:11.10
,.",,.,,,
Çhrifti.1 19.14.40 $' 19. 4·+º 'V' 17. 2
7.10.11 19.21
IOOj 3.11,11.10 1, 6.t ... bl_ 0.10.54 'b' 1·S'l.40 IS'·H' cial. Ao contrário, indica um tipo de ruptura cognitiva sem ·precedentes.
;.?100, ~.1~.')1.30 l.f7·49 1.17. 9 8.13. 6 lO.'i8
;;.JOO, 7.15.32,40 4.49.z4 2.:z.3.13 8·54·33 2:.16 Além disso, convém notar que as teorias alternativas foram acompanha-
li ·9.16. o iJ.;5
n4ººli~17.1z49
i=::"ºº, 11.18.52.) 9 4~·58
s. 31. 33 4·35·)1
~.19.38
9·S'7-21 24.,. ... das de conjuntos alternativos de tabelas que também forçaram os astrôno-
§1··'1 ""-;:., .. ,! .,. ,.•.
s;6oo, 1.20.33. 9 10.14. 8 541. 7
6.48.11
"" 10,18.53
'º 16.1:z.
11. 0.10 27.31 mos a fazer escolhas e chamavam as atenções para os principais eventos
. ªºº' 5.1J.53.19 14- 7.17
si 00i_I:1~U.:l2 15.5s.51
7.5+36
9• O.')O ,,,,
" l!.Jt.46 28·4-.9
11. 3.13 30. 8 astronômicos. É possível opor a dependência exclusiva em relação às TálJtlil.J
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'ººº1 9.27.q .... s 11. 50.26 lO. 7. 5 12.. 34.40 3 1.i7

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111.13.19
11.19.34
1~- 6. 6 ~ :1,,45
•• a/fo1L1ina.J, até a década de 1540, e a disponibilidade .de seis diferentes con-
"°º "·4'· • 13.15.48 ___ __<! 13.37.33 ~4· ...
1300: 4· :t.14.18 Zl,25.IO
14ººi 6. 3.')4.28 15.16 .... 5
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15.1i.5J 18· o
juntos de tabelas, com que se deparavam os astrônomos cem anos depois. Infor-
t6oo 10. 7.14.47 18.S"9·H·Q. 16#.Jl 'b' '
l 1'5'·-4.3·10 ~.9.18 mações detalhadas sobre o emprego dos seis conjuntos foram efetivamente
1700 o. 8-'i4·'ii' 0.51.18 ap 17.50.+6 J. 16.14.+6 40·37
180:0 1.10.3 5. 7 __!:_+J.:_L_ 18··57· _1 dadas por Rienieri, amigo de Galileu, num só trabalho: as Tabuw medica.e, de
4.12.1).17 .... 14·38 ». 3·1S' ""'
himtl!Utb
19oojo 6.1 ~.')5.17 6.i6.11 :U. )•JO .
o s.15.;f.~6 ,.17 ....6 '9' 22.15.4; '!
1639. Por essa época, a experiência peculiar do jovem Tycho Brahe, que con-
lnMc.níibus anni 6mplicis. feria o conteúdo de duas tabelas conflitantes e o contrastava com o que esta-
A~ Mç.rid.icm a:quabilcm dici priiniia-

.... ,,,.
Complcti r;f ab.JE'l.uia.. Aph. Nodi
nua~1: Iulia.n1, qui annum in marginc~antc Sig.Gr. 1
" " va escrito nos céus, estava se tornando um lugar comum. A correção das tábuas
Chr1lnn.n, 1nchoat~ poft Chriftum. proxi-
1nc fcqunur. ,an1 finitum..
~ubMc~i~ia~o~ qui tranfit pcrfrctum
......
ún11:1rius
Fc:brmti11S

A....
0.16.14.+d
1. 0.55.q
.1.17. 9·59
2. 2.f,.18
0.10
0.16
0.11
•. 1
o. •
0.10
O.IJ
concorrentes era verificada por observações simultâneas, realizadas em mui-
tos lugares e por muitos olhos. Lançavam-se desafios, sob a forma de cartas
Martsnattluc1, c1ufqucinfub.m HVEN- .,,;~ i.1si. • 5 0.27 f!-17
NAM, ct ateem VRANIBVRGVM.
i..;,. 3· .... Ç1.t4 o.33 o.:o
Iulius 3.i1. d.11 0.31 o.JJ
Ante Chrifrum fmna d' .. ·. Augurem 4· 7.1ó.57 043 0.17
H.o. ~tte2.~"· 399J· IC 14.lulii, Vraruburgi Septembn of.•.ZJ. +.t6 O..f.9 O.l0 Ao lado, uma página das Tábu.M ruôo~fin&i, de Kepler (Ulm, 1627, p. 60). Estas tábuas, baseadas nos
a;
d,11'' d'í Aphdinro e/
1 0 ·+3;52.~ i,.-.o•.o'l.$
Q_uidli
Nodus ~G:. ~
1ç.o".o'
Octobt:r
Novembcr
f· 9.1si. 3
i'·'-f· l.2J
o.f'f Õ.Ü
1. 1 0.37 dados de 'l)'cho Brahe e co1npiladas com a ajuda dos logaritmos de Napier, mostraram-se de tal modo
e. o. 0 9 o.o.o'V'm.,P o.o.oV · Dccc:mbcr d.!J,17, 8 1. 7 0-4-D
corretas em suas previsões, que incentivaram a acolhida fB.vorável das leis do autor sobre os movi-

1 MOTVS 1nentos planetários. Reproduzida mediante gentil permissão do Departamento de Coleções Espe~
ciais das Bibliotecas da Universidade de Stanford.

245
244
"
i
I
P A R S T E R T t A •. r 11
Jal\1 poíl:quan1 fc111cl hujus rei pcricuhun fccianus,audacia fu bvcél:i
abertas, que alertavam todos os astrônomos europeus para observarem um
CAP.
porro libcriorcs cJfc in hoc c::unpo i11cipic1n11s. Na1n conquiratu cria vel xx1v. determinado evento e em seguida contraprovar o resultado de suas observa-
quotcunque loca vilã. MAR. TI s, Planeta !Cm per codcm cccencrici loco
vcrfanre: & ex iis lcgc trianguloru1n inquiran1 roridcm punc.1orumepi-
ções com as várias predições antecipadas.
cycli vel orbis annu1 diíl:antias a punél:o a:qu::tlitat:i~ moeus. Ac cum ex Em 1631, Gassendi, acatando urna sugestão de Kepler, fez publicar urna carta
tribus punél:is circulus defcribatur, ex tnnis igirur hujus111odi obferva- aberta aos astrônomos da Europa, conclamando-os a observar a passagem de
tionibus íicu111circuli ,ej~squc augiu1ú, qU.vd prius ex pra:fupp·ofiro u-
furpaveram, & cccentnc-ttatem a punlto a::qualita'tis inquiram. Q!!od Mercúrio em frente do Sol e informando que isso estava previsto para ocorrer
fi quarraobfervacio accedet ~ ea erit loco pro.bationis. no dia 7 de novembro de 1631. Um observador alemão que aceitou o desafio
PRIMVM ten1pus cll:o anno M D xcx D. v Marrii vefperi H. vil
M. x eo quod runc ri' latiturline pene carui_t,nequis impcrtinenti fulj.ii· considerou que as TábUM rudo/fina,J faziam a predição mais exata. Ele também
cioneob hujuç i1nplicaüone1nin pCrcipiendadcn1011tlratione in1pedia- publicou um panfleto em 1632, em que informava o público do resultado de suas
tur. Refpondent mo1nelita ha:c ,quibu~ ri" ad ide1n fixaru1n p'Unél:um..
redit: A. M nxc11 D. xx1Jan·, H. vt M.xL1: A.M D xctnD. v1n Dcc. próprias observações, fazia um resumo da teoria de Kepler e remetia às publi-
I-1.vt. M. xn: A. MDXCV D. XXVI oaob. H.v MxLtV. Eílq; longitude cações desse astrônomo os leitores interessados em maiores informações. Este
Marcis primo te1nporceX
TYcHONIS reflicutioni;:.. panfleto, por sua vez, chamou a atenção de alguns editores e organizadores
l. 4. ~8. 5Õ: fcquentibuç de almanaques e efemérides, os quais eram estimulados pelo ambiente com-
ce1nporib. tocies per Í. ;6
auCt-ior. HiceL1i111 cft1no- petitivo a investigar as hipóteses rivais de diferentes astrônomos e estavam
tu~ pr<eceffionis congru~ ansiosos por achar os esquemas mais à prova de erro. A resistência aos estra-
l':ns tempori pcriodico u-
11i1u reíl:itucionisMAR TIS nhos logaritmos e aos procedimentos de aparência complicada, bem como a relu-
Curnqi TYCHO apog~- tância em.arrostar a difícil prosa de Kepler, foi vencida finalmente, quando um
111n ponatin:i..j7st,a:qua.:..
tio ejuserit 1i.14.5f:pro- determinado editor se convenceu de que só seria possível imprimir tábuas de
pcerca lógitud~ c?a:,qu~- melhor qualidade se as técnicas de Kepler fossem bem assimiladas. Um produ-
· ta anno MDXC 1.15.53.45 •
Eode1n vero tempore... tor inglês de almanaques, que entrara nos prósperos mercados populares duran-
& cotnn1utatio feu diffe~ te a guerra civil naquele país, concluiu que Kepler era o "mais sutil matemáti-
rcntia1nedii1norus So LIS
a medio Martiscolligitur co que jamais existiu", e descreveu sua obra como "a mais admirável e melhor
1~. t8.1J.56:coç:quatafcu restauração da astronomia dentre todas as que a precederam". Este editor era
diffcrcnria inter 1nediurri
S0Lts&MA~T1s co~qt~~;
Vincent Wing, autor daAJtronomLÍz britannica, que viria mais tarde a ser lida e
cu1necccntncum 10.7.5.r. anotada por Newton. No período em que este se tornou adulto, as TábUM ruíJol-
PRtMVM ha:cinfonna finM e a Epitome a,Jfronomúu coperniau tinham começado a expulsar do mercado
CoPERN 1CA NA urfi.1npli- as obras rivais - pelo menos nas regiões onde existia um livre comércio de idéias.
ciori adfcnfrun propone-
1nus.
Sit . a punBum .r,qua-
hfatu c1rcuitw terr:1,, qui Uma outra visão do iulgamento de Galileu
putetur cje árctthu !'1 ex
ct de(criptU!: f5 (it Sol irt
parte:! 1'li 1 ut ctI6 IÍ!!c.,, .1po:;.:i Enquanto Kepler andava ocupado com a publicação de sua apresentação da estrutura
da teoria de Copérnico [... ] a obra de Copérnico foi proibida. No verão de 1619 foi-lhe
comunicado que a primeira parte de suaFpítome, que aparecera em] 617 fora também
1
Na época em que Kepler era estudante em Tübingen, os astrônomos tinham de escolher entre três
incluída no índex dos livros proibidos. A notícia alarmou Kepler... Ele começou a recear
teorias diferentes dos movin1entos planetários. Todas as três são apresentadas por Kepler, em seu
que, se a censUra fosse confirmada também na Áustria, ele não poderia mais conseguir
estudo sobre .l\larte,A.1tronomia nova... conunentariiJ Je moti/;11.1.1teUae marti.1 (Praga, 1609, p. 131). Repro-
duzido 1nediante gentil permissão do Departmnento de Coleções Especiais das Bibliotecas da Uni-
um impressor naquele país[ ...] Ele imaginou a situação tão ruim, que chegou a supor
versidade de Stanford. que lhe diriam para renunciar à vocação de astrônomo.

246 247
11
Kepler foi tranqüilizado por seus amigos, que lhe fizeram ver o exagero mesmo ser um equívoco empregar essa etiqueta, com referência ao período
de seus receios. Eles lhe escreveram para contar que seu livro podia ser lido, inicial da Era Moderna. A distribuição dos talentos que contribuíram para
1

até mesmo na Itália, por homens de ciência que'2onseguissem uma permis- os avanços" científicos" nos albores da Idade Moderna está ligada a uma ampla
são especial. Um correspondente veneziano chegou a sugerir, astutamente, gama de atividades. Pode-se mesmo q~estionar a validade de ~plicar o t.ermo
que os autores se beneficiavam freqüentemente pelo fato de seus livros serem "cientista" a homens que não se consideravam como tal. Alem do mais, no
proibidos. Na Itália, escreveu ele, "os livros de conhecidos eruditos alemães, período que vai dos anos 1500 até a década de 1640, as investigações agora
mesmo qne proibidos, seriam secretamente comprados e lidos com mais aten- tidas por "científicas" ainda se caracterizavam por uma larga falta de coor-
denação. Regiões esparsas, que abrigavam vários agrupamentos de talentos
ção ainda''.
Há historiadores que ainda hoje fazem declarações tranqüilizadoras desse - como um observatório numa ilha dinamarquesa, grupos de construtores 1
gênero, minimizando a importância da condenação pela Igreja católica dos de instrumentos em Nuremberg, polidores de lentes em Amsterdam ou astrô-
livros pró-Copérnico. Uma vez assegurada a publicação, talvez fosse mesmo nomos jesuítas em Roma -, pontilham o mapa de modo algo aleatório. 1
vantajoso para um autor ter os livros proibidos em certas regiões. Ouando, Alguns dos "centros" mais ativos - como o de Uraniborg, de Tycho Brahe,
contudo, alguém já está tendo dificuldades para completar uma impressão téc- a Caixa Postal, de Mersenne, ou a corte de Rodolfo II, em Praga - tiveram
nica, as proclamações oficiais destinadas a amedrontar os impressores não tra-
zem vantagem alguma. Como se pode ver por estas observações, para enten-
uma vida tão curta, e dependiam tanto de uma determinada pessoa, que a sua
localização não pode ser tomada como prova de qualquer regra. 1
der as circunstâncias com que se defrontavam os cientistas do século XVII, Tendo em vista a inevitável incerteza que paira sobre a localização dos "prin-
será necessário atribuir maior importância ao ato de publicação, bem como cipais ce~tros" de atividade científica, só pode haver discordância quanto aos
ao papel dos intermediários que conseguiam que a impressão fosse levada a fatores que incentivaram sua formação e crescimento iniciais. Segundo alguns,
cabo. Se assim fosse feito, poder-se-ia, além do mais, estabelecer conexões 0 papel inicial durante a fase de decolagem est~atégica teria sido dese.m~e­
muito significativas entre o surgimento da ciência moderna e alguns fatos polí- nhado nas regiões católicas, especialmente na Itáha, onde a retomada das idéias
ticos aparentemente estranhos. Sim, uma vez que o desfecho das guerras dinás- platônicas floresceu, o estudo da filosofia natural foi impulsionado por uni-
ticas e religiosas tinha de afetar obviamente o tipo de programas de publica- versidades laicas e apareceram as primeiras sociedades científicas. Outros,
ções que poderiam ou não ser realizados num dado reino. Ele determinou o contudo, voltam a vista para regiões que romperam com Roma. Acreditam
grau de risco que a publicação de uma dada obra poderia acarretar. De acor- eles que os ensinamentos protestantes fizeram surgir uma nova investigação
do com aquele desfecho, as formas de religiosidade e patrocínio, autorização sistemática do livro aberto de Deus. Alguns apontam Wittenberg, em vez de
e censura, o grau de alfabetização e os hábitos de leitura de livros variaram Pádua, como a universidade que serviu de sementeira para a ciência moder-
de região para região. Uma 'vez que temos condições de saber, com um bom na; outros fazem variações em torno do tema de Max Weber, enfatizando cen-
grau de precisão, de que modo se distribuíam então as indústrias impresso- tros calvinistas, como Leiden, ou academias puritanas estabelecidas em outras
ras, podemos levantar o mapa da "geografia do livro", permitindo assim que localidades. Uma outra escola de pensamento considera todas as universida-
a movimentação dos centros impressores seja relacionada com a fixação de des e confissões religiosas demasiado conservadoras e presas à tradição, razão
fronteiras dinásticas e religiosas. por que prefere voltar-se para círculos heterodoxos e grupos não-acadêmi-
11
11
E o que dizer da movimentação dos centros científicos? Obviamente, será cos, representados por colégios invisíveis" e "escolas da noite". Assim, a preN
muito mais difícil de precisar. Na realidade, é discutível se já havia mesmo sença ou ausência do protestantismo" é considerada por Frances Yates como
reais centros de atividade científica na época em que as lojas impressoras come- tendo menos importância do que a tradição "hermético-cabalística". Virtuo-
çaram a agrupar-se nas cidades. Pode-se com facilidade identificar o impres- sos como Newton deviam menos aos bispos anglicanos ou aos teólogos puri-
sor, antes que surja claramente o papel do cientista. Este último ainda é uma tanos do que ao mago renascentista que tentou tocar a "flauta de Pan". Já
criatura problemática, como nos sugerem algumas definições correntes. Pode outros argumentam que a física-matemática de Newton não deve ser confun-

249
248
dida com sua alquimia ou teologia, e por isso concordam com Edward Rosen,
no sentido de que "da magia renascentista [ ... ] surgiu não a ciência, mas a
magia moderna". Eles acentuam os aspectos desmistificadores da nova filo-
sofia, seu caráter aberto e público, bem como seus poderes proféticos, que a
tornaram útil para os homens práticos. Em sua grande maioria, eles identifi-
cam a ciência com o materialismo e a consideram incompatível com a cren-
ça num mundo espiritual. Desse modo, são particularizados os círculos anti-
clericais e os grupos libertinos, juntamente com a retomada de po1;1tos de vista
pagãos pré-cristãos associados ao atomismo e hedonismo.
Finalme11!e, existem os ecléticos, que reconhecem alguma dose de ver-
dade em todos esses pontos de vista, embora se mantenham apegados a um
enfoque que la1:iça mão de variáveis múltiplas. Nenhuma região ou institui-
ção, tradição, doutrina religiosa ou classe desempenhou individualmente um
papel estratégico no grande cometimento coletivo, que se formou da fusão
de diversos métodos e buscas. As pretensões rivais pela primazia de distin-
tas forças "externas", quando tomadas em conjunto, tendem a cancelar-se
mutuamente. Abre-se desse modo o caminho para separar a vida "inter-
1;1a" da ciência dos. eventos sociais "externos", mediante a enfatização da
autonomia das atividades que deveram algo a todos os grupos, embora sem
dever nada de especial a qualquer deles . A "sublime busca da verdade" é
imaginada como uma atividade cerebral neutra e não-partidária, imune ao
choque de credos que se guerreiam, e conduzida au-dNdlM de la mêlée.
Embora todos esses argumentos tenham algum mérito, nenhum deles, em
minha opinião, avança o suficiente. Sempre acreditei que a discussão das ati-
vidades de pesquisa deve ser acompanhada pelo exame da publicação dos resul-
tados. Na busca de sementeiras ou de berçários, além do mais, açho que mere-
cem um exame mais detido as oficinas dos primeiros impressores. E isso se
11plica igualmente ao problema de determinar como se vinculavam entre si
aqueles círculos espalhados, e como começaram a cooperar em muitas fren-
tes diversas. Por mais que divirjam entre si, as várias interpretações até agora
apresentadas compartilham a tendência a pressupor que a coordenação era
Este frontispício d· 0 b d .
, · ª ra e um astrôno1no Jesuíta que de' d . . h B h inevitável e que o fluxo de informação não seria interrompido ou estancado.
de Co pern1co mostra a balanca pende d E d renA euos1stemadeT
. yc o ra e contra 0
,
ta os observadores para a necessid d- d
°
n em avor o astronon1 o dinama
Ih d .
" 11K. b,
rques. J.nas tam em aler- Como já vimos, as autoridades modernas tendem a tomar como assentadas
a e e esco a e uma teona ao ~
tantes numa só figura. Extraído da obra de R' . i· ' apresentar tres esquemas confli- muito mais coisas que jamais poderia um impressor ou virtuoso do século XVII.
. - do
'-'[
te gcnu penntSsao De art . d Col _1cc10, 1,illmage.1fwn1101•1ini
.. (1651) · Rep,odu ZI.do me d"1an-
Se deixarmos de lado os novos prelos, pode parecer plausível argumentar:
p , amento e eçocs Especiais das Bibliotecas da Universidade de Sianford.
"Somente se ignorarmos a enorme atividade científica católica", entre as déca-
das de 1540 e 1640, será possível "defender uma importância maior do pro-
250
251
. "D
testanllsmo . esde o mome1)to em que as publicações técnicas sejam trazi- que uma ficção útil), os astrônomos e editores protestantes não se sentiram
da~ ao debate, será possível tomar conhecimento pleno da atividade católica, impedidos de rejeitar aquela posição, o que constitui um nítido contraste com
e ai?da m~nter a defesa da "importância maior" d-0 modo como os protestan- a atitude católica, depois que o papa condenou a teoria de Copérnico, em 1616.
c:s mcenllvaram, ~ os cató~cos desestimularam, o desenvolvimento e expan- Já antes mesmo da condenação de 1616, e mesmo após os vários pronun-
s~o daquelas p~bl~c~ões. Deve-se mostrar que a falta de diferença percep- ciamentos de Lutero e Melanchton, os editores católicos faziam menos que
tivel entre a res1St;~c1a a mudanças, t~I como praticada respectivamente por os protestantes para promover a causa copernicana. A esse propósito, con-
protestante:.e catohcos [... ] nada explica se nós considerarmos que a religião vém esclarecer que pode ser enganador dar demasiada importância à condi-
r:formada e m~rentemente mais propícia à ciência, ou de algum modo respon- ção de Copérnico, que, como clérigo católico, teria confiado quase toda a sua
savel pelo surgimento daquela nova modalidade de investigação." Se trouxer- vida na proteção da Igreja: "Embora fosse ajudado por um matemático pro-
mo~ à baila a resistência às mudanças acarretadas pelo advento da imprensa, testante", diz Sarton, "ele recebeu os maiores incentivos dos prelados[... ] Seu
a diferença entre os dois credos deixa de ser meramente perceptível: passa a livro foi publicado sob os mais elevados auspícios católicos". É verdade que
ser notável. Convém frisar que é equivocada a prática, tão comum, de tratar Copérnico, como homem da< Igreja, era apoiado por diversos prelados cató-
as OeclaraçõeJ anti-Copérnico, feitas por protestantes do século XVI como se licos, e já havia dedicado seu mais importante trabalho a um papa católico.
fossem equivalentes às medWM anti-Copérnico tomadas pelos cat~licos do Não obstante, o trabalho efetivo de publicação do De revolutionibuJ foi realizado
sé~ulo ~I. Um texto de grande circulação, escrito para uso de estudantes sob auspícios protestantes. Começando com o livro FirJt narration de Rheticus,
umvers1tanos, por exemplo, dá a seus leitores a impressão errônea de que 0 os prelos protestantes jamais deixaram de publicar obras que descreviam ou
desprezo de Lutero por Copérnico acabou "sufocando" a revolução científica promoV:iam as teorias de Copérnico, quer sob a roupagem de uma nova astro-
na Aleman1:' (apes:r .dos êxitos de Rheticus, Reinhold, Maestlin e Kepler J). nomia, quer como "a antiga doutrina dos pitagóricos, agora revivida''. Con-
As declaraçoes teolog1cas não representam a mesma modalidade de resistên- vém notar que esse ponto se aplica igualmente tanto ao copernicanismo mís-
cia às mudanças, que é tipificada nas medidas tomadas para impedir uma publi- tico dos frades católicos (como Giordano Bruno e Tommaso Campanella),
cação. Estas ameaçavam a vida da ciência, ao contrário das primeiras. como a alguns virtwMi ingleses (como Thomas Digges e William Gilbert). Eram
Os impressores protestantes muitas vezes entravam em conflito com as falsas as referências que constavam dos livros e indicavam como sendo de Vene-
autorid~es, por pro~~zirem panfletos políticos ou teológicos; quando, porém, za e Paris as primeiras edições das obras de Bruno. Foi durante uma estada
eles serviam matematJcos. e astrônomos, eram geralmente deixados em rela- de Bruno em LOndres, entre 1583 e 1585, que o impressor inglês Jolm Char-
tiva paz. Isso '.oi ve~dade não só na Inglaterra do final do século XVII, quan- lewood imprimiu os seis principais trabalhos daquele autor. Charlewood per-
do (como se diz mm tas vezes) o zelo religioso começava a perder força; acon- tencia a um grupo de editores londrinos que conseguiam lucros e apoio finan-
te~eu também na era de Lutero e Melanchton, quando tal zelo estava no auge. ceiro explorando a publicidade gratuita propiciada pelo Inoexc Ele se envolvia
O unpulso evangélico que incrementou os prelos de Wittenberg e outros cen- em operàções "sub-reptícias", editando obras em idiomas vernáculos estran-
tros reformados incentivou a expansão dos mercados de livro desde 0 come- geiros, que exibiam marcas de firmas impressoras estrangeiras e se destina-
ço. Ao mesmo tempo, a teologia dos reformadores, fundamentada em velhas vam aos mercados continentais.
tra~i7ões cristã~, também incrementou a pesquisa científica. E esse impulso Em contraste com o papel ativo desempenhado pelas firmas protestantes
p~s~tivo, estendido tanto ao estabelecimento de oficinas impressoras como aos na promoção do copernicanismo incipiente, os prelos católicos parecem ter
vanos programas de publicações científicas, jamais foi, pelo que estou infor- estado relativamente inativos - até ser publicado o Sií!ereU<J nuncúu (O men-
mada, nem bl~ueado nem revertido. Embora os teólogos, tanto protestan- sageiro das estrelas), de Galileu, na primavera de 1610. Sensação da noite
tes como católicos, tenham adotado uma posição muito próxima (tanto uns para o dia, esse livro não somente projetou seu autor para a condição de cele-
c?~~ outros atribuíam uma condição hipotética e provisória às teorias geo- bridade internacional, como também representou para a astronomia o que
cmeticas e negaram que o movimento da Terra pudesse constituir algo mais tinham sido para a teologia os primeiros panfletos de Lutero - estimulando

252 25J
grande sensação literária e gerando tuna nova espécie de publicidade. "Seria o fato de que as autoridades protestantes levantaram poucos obstáculos à publi-
difícil exagerar a extensão e a· rapidez com que se disseminaram as descober- cação de obras científicas e até mesmo encorajaram (embora sem o percebe-
tas telescópicas de Galileu. Apenas cinco anos depois da aparição de Omen- rem) os mercados de livros leigos em expansão, que atraíam os impressores
óapeiro OM eJtrelM, os principais fatos anunciados por Galileu já estavam sendo para os reinos protestantes. Já a Igreja da Contra-Reforma seguiu caminh?
publicados por um missionário jesuíta em Pequim." Não somente foram oposto. A começar pelo banimento das ~íblias em língua vernácula e pela pr01-
mobilizados os prelos jesuítas na China, mas também os impressores italia- bição de outros livros seculares de grande saída, todos os impressores cató·
nos em Veneza e Roma. A República das Letras, que até então se voltava para licos se viram submetidos a fortes pressões, que dificultavam a diversifica-
Wittenberg e outros centros no norte, em busca de histórias de grande impac- ção editorial e os levavam cada vez mais a buscar garantir-se por meio ~e ~dições
to e rápida divulgação, começou a voltar-se mais uma vez para a Itália. Até "seguras" de literatura de cunho devocional, para uma clientela rehg1?sa.
mesmo na Inglaterra, os feitos de sábios ingleses de outras eras foram eclip- Talvez devamos acrescentar aqui uma advertência. Atender uma clientela
sados pela excitação literária gerada por relatos em torno do que poderia ser clerical não significou invariavelmente desservir a ciência. Os jesuítas do sécu-
visto através do "tubo de Galileu". Agora é "a lua italiana" e o "novo mundo lo XVII forneceram muitos dados úteis para os astrônomos sérios. Por outro
florent1no" que se vêem na poesia inglesa, não mais a lua que aparecera a Hariot, lado, nem sempre estiveram a serviço do progresso científico os impressores
em Londres, ou a Lower, no País de Gales. Pela primeira vez no curso de mui- leigos, ávidos de lucro, que atendiam os grandes mercados com enxurradas de
tas décadas, podiam agora os editores italianos beneficiaNe da excitação gera- fúteis prognósticos. É importante agir com cautela quando lidamos c~m para-
da por um novo autor de sucesso, capaz de atrair um público que lia em ver- lelos entre "o protestante que interpretava a palavra de Deus para s1 mesmo
náculo. Uma enxurrada de panfletos deu lucros às fumas locais e provavelmente e 0 cientista que interpretava a natureza para si mesmo". "Cada um é o seu
ajudou a estimular novas observações diretas do céu, juntamente com a venda próprio cientista" é' um lema que os panlletários puritanos parecem muitas
de instrumentos e livros. Mas esta bonança para os editores italianos durou vezes ter levado a extremos descabidos. "Culpeper traduziu para o inglês o
somente cinco ou seis anos, e o estímulo criado por Galileu acabou ricoche- texto sagrado do Colégio [ ... ] Ele esperava que isso faria de cada um o s~u
teando em benefício de estrangeiros. Por um decreto de 1616, a Congrega- próprio médico, do mesmo modo como a Bíblia fez de cada um o ~eu própn?
ção do !noex deteve as "conseqüências perigosas" de "disseminar" os pontos teólogo." Culpeper não foi o primeiro nem o úlnmo autor a quest10nar a uti-
de vista de Copérnico "entre o povo, escrevendo em língua vernácula". A pro- lidade de que as receitas e a formação acadêmica dos médicos utilizassem o
moção aberta de teorias copernicanas e, na verdade, a publicação de qual- latim, ou a promover a auto-ajuda entre pacientes de enfermidades longas.
quer trabalho em vernáculo que versasse sobre astronomia ou física tornou- No início da Era Moderna, os médicos, em geral, faziam mais mal do que bem,
se uma operação arriscada para os impressores católicos e, portanto, mais e havia todo tipo de razões para criticar o modo como eles eram formados.
lucrativa ainda para os protestantes. Contudo, mesmo naqueles tempos tenebrosos, o progresso da ciência médi-
Podemos concordar que a Carta àprã-d111J1ieJa Cru tina, de Galileu, refletia ca ficou devendo muito aos trabalhos em latim, nas áreas de anatomia, fisio-
uma "tradição continental de longa duração" e exprimia pontos de vista que logia e embriologia.
não eram de modo algum peculiares aos protestantes como Francis Bacon, Incentivando uma instrução escrita de nível mais elevado para cirurgiões
mas eram compartilhados também por muitos eirluoói católicos. Mas é impor- e boticários, e pressionando para que houvesse nas escolas mais matemática
tante observar também que, se Galileu não fosse ajudado por intermediários que grego e latim, essas campanhas conduzidas pelos pan~etários protestan-
protestantes, como o diplomata suíço Elias Diodati e o impressor holandês tes mais radicais não foram prejudiciais à ciência. Mas podiam por vezes assu-
Louis Elsevier, não há dúvida de que essa mesma Carta jamais teria visto a mir também uma forma demasiadamente antiintelectual. Como nos indica a
luz do dia. discussão sobre o empirismo ingênuo, há uma diferença entre ultrapassar os
Muitos professores e clérigos protestantes se opuseram à nova astrono- antigos (depois de ter dominado seus escritos técnicos) e simplesmente ata-
mia, enquanto vários.sábios católicos prestigiaram seu nascimento. Resta porém car os antigos (enquanto se imita Paracelso e se queimam os livros velhos).

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Index Lt'bror. Prohib. 27 S
dentin:e inter Ponrificem, c:i:cerofq; Ptincipes •
& Status Pontificios Clilntra veros,& !iberos Or-
s+ 1ndex Libror. Jfrobiú. bis Chrifüani Reges, Príncipe~, & ordi11es fimt
inira......
cuius Generalis permitttmtur; Ea verÕ,'lU::t ftmt ln Reuelationem Iefo Chrifti Appararus, Yide, .A/-
ex editione Pauli Manurij pcrmittuntur. P" r.itus in Reuelation'm .
Dethmanuns à Bolman, uide, Symholu>n Militarc. ])I Rendationibns, ac varijs pra:ftigijs ,&e. Yidl!.J,
Denota admonino. uide, .A"'i<4 • Ma1.ica, feH. Mir•biliHm.
Denotillima: preces ad Beari!limam Virginem. -uid• Reuell • Vide, Triflramus ,
pr1ce.r de1totifaim1. .•
Deus, & Rexjic infcribitu• quid1.m liber. Rcnercntia Ecclcfia: Romana: erga SS.PP.Veterec
fübdola, &e. cui accedit traéhtus de vera, ac le-
Diaboli Bnl!a. gitima , qux Sacra: Scri ptnrz:, & quz SS.3 PP.
[le Diabolicisi11ca11tatio11ibus. vii<, Mat,ic1.. feu Mi. arque illorum fcriptis deberur auétoritate ho·
rahilium • nore, reLJere11tia, opera & ftudio Jacobi Lau-
DialeB:ica lega!is . .,;.,,,. '""' oomine .A.11lfois • renti j •
Dialell:ica Refolutio. vide .AMlyfis refolusio • Reuition du Conci!e di Treme contcnant les nu!:.
Dia!eél:icarum partitiomun , uida, Rodulphi Godeni;. !ires, &e.
Dialall:ica: Exercitationes . vide, lMn•is SchoUj. · Reunion de J'Ordre de S.Iean de Ierufalem • Yid<o
Dialexeon Academiarum • vide , .A.d1.mi Thtotl•- ..Abregl de& m'emairts •
ri. Sibl!Jri, De Reuohirione rernm mu11danarum. viil• , l•4aní1
Dialogi aduerfüs Ioa1111em Eckium . Frttnci[ci Spin-4.
Dialogi Ilh>rici onero Compendio hiítoríco dell.' Da Re.uolntionibns Orbium. Yíil1, Nico/••• Cop1t~
ltalia, e dello ftato prefeme de'Prencipi, e Rc· ni€US •
pnhliche Italiane dell'Accademico l!lcog11ito, Reufnerus. Yide, Nírol•i R1ufaeri, Heli• R••{••ri.
Parte prima, feconda, e terza , Regius Vrbanus.
Dialogi Luciani •'fJit!e, V.ci&•i Samof.itmfis , Rhciter • Vide, Chriftophoras.
Dialogi di Mercurio, e Caronte • Rhellicam1s Tigurinus .
Dialogi Olympia1 Fnluia! Morara: • • Rhena11us . Vide,Beati Rh.,,ani.
Dialogi Politici. 0~1ero la Política, che vfa110 1rw RheticaPal!as. Vide, Palias /MieticA,
qnefü tcmpi i Frenei pi, e !e Republiche Itaha- Rhericns. Vide, Georgius loachimus.
ne, per confernare i !oro ftati • Rhctorica Gnntheri Viil1, l'etri Gunthtri,
Diaiogi Sacri fine nom1ne .Aufforís, 9ui tamim funt Rhethorica: tropologiz: pra:cepta • Vid•, Otbon1i
Sebafti•ni Caflalionis H"rttici. Cafmannis.
Dialogi, & fcripta contra Ioanncm XXII. vit!LJ, Rhà Mediolanenfis • Vide, Joanois Rho •
Gulielmi Ochami •. Rhodius •Vide loannes ,
Dialogo di Chriftofaro Bronzini della dignítà, u Rhodomannus • Vid•,L•urentí•s •
nobilrà delle dmme, donec corri_gatur · Rhodophanta • vide, Ioannt•,
Dialogo di Giacopo Riccamati Of!ànenfe, Inter- Rhodus Vid1, H•nri<us Rhodus,
locutori il Riccamati, .e'! Mutio. RhofclhJS •..ide, Lutij Pauli • .Ant••if de J!hoftllis •
Dialogo di Galileo Galilei , doúe ne i co11greffi di Ribittl\S • vjd1, l•"""" •
quattro giornate fi difcorre Copra i dum ~alfi. S i. Ricar-
m1 Siftermi del mõdoTolemaico,c Copermcano.
D.:.alogo per iníl:ru1re i fanciulli • Vide, etttecliifmo ' Na página ao lado: DW.logo, de Galileu (Dialogo di Galifeo Galilet); acima: De revo!utW111l1u,1, de Copér~
fi~f ForMulttri;..
nico (De re 11o/utúmil11t,_1 orbittm), inscritos nolndex li'liroruniprohibitorwn (Roma, 1670, p. 84 e 275). Repro-
Dia·
duzidos mediante gentil permissão da Divisão de Livros Raros e Coleções Especiais da Biblioteca
do Congresso dos F-stados Unidos.

256 257
A doutrina protestante[,,,] proclamava ser devei• de cada um ler por si mesmo o livro A linguagem da matemática era certamente diferente do latim ou do grego,
das Escrituras. Como conseqüência[... ] foi estabelecido o dever de ler o Livro da Natu- mas não porque ela fosse tão fácil de ser aprendida como a língua materna.
reza, sem levar em conta a autoridade de Aristóteles, Plínio, Ptolomeu e Galeno [... ] qual- Ao contrário, ela se tornou cada vez mais complexa no curso do século XVII,
quer um[... ] poderia ser um sacerdote do livro da criaÇão desafiando[... ] as autorida- além de ter acumulado mudanças em sua evolução.
des antigas. Quando zombaram de Palissy por causa de sua ignorância das línguas clássicas
[ ...]ele respondeu .orgulhosamente[...] não tenho livro algum senão os céus e a terra,
Para as pessoas do povo, Nemon era tão incompreensível quanto Tomás de Aquino. O
e a todos e a cada um é dado conhecer e ler este belo livro.
saber agora não mais estava guardado nas bíblias em latim, que tinham que ser inter-
pretadas pelos estudiosos da Igreja; ele se encerrava cada vez mais no vocabulário téc-
Na qualidade de autor-artesão, o oleiro francês Bernard Palissy não só nico das ciências, que teria que ser interpretado pelos novos especialistas.
contribuiu para o conhecimento público, como produziu um novo esmalte ce-
rilmico. Em suas palestras públicas, ele expôs um programa que veio a ser Se desejarmos aplicar ao estudo da natureza a doutrina do "sacerdócio de
adotado por Francis Bacon e que, mais tarde, provou ser altamente signifi- todos os crentes", devemos considerar não somente as afinidades, como tam-
cativo. Nem sempre, contudo, foram úteis ao progresso da ciência os ataques bém as contradições. Os paralelos e analogias que se costuma estabelecer entre
às autoridades acadêmicas, ou a defesa do direito de cada um de ler por.si o mais antigo pensamento protestante e o pensamento científico "não provam'',
mesmo o Livro da Natureza. Não estariam os fundamentalistas, mais tarde, no dizer de Rabb, "a existência de qualquer conexão significativa entre os dois
baseados na mesma premissa, quando reivindicavam o direito de julgar por .
moVlmentos ".
si mesmos os ensinamentos de Darwin? Até mesmo Galileu - que por vezes Concordo com a tese de que nada se prova com meras analogias, e acre-
passando por cima dos professores versados em latim, dirigindo-se direta- dito que seu uso é por vezes descabido. Contudo, mais uma vez, atribuindo-
mente ao "instinto cavalar" de seus compatriotas inteligentes - assinalou que, se mais importilncia aos programas de publicação, será possível encontrar algu-
para compreender os órgãos do corpo humano ou o movimento das estrelas, mas conexões válidas que ainda não foram estabelecidas. Por exemplo: quanto
havia necessidade de treinamento especial, exigindo-se mais do que olhar com maior for o público leitor em língua vernácula, mais ampla será a soma de
olhos despreparados. talento científico potencial a ser explorada, e maior o estímulo dos artífices
para revelarem os segredos de seu ofício, pela impressão de tratados que atrai·
Os olhos de um idiota percebem muito pouco, ao olharem a aparência externa de mn riam compradores às suas lojas. A penetração social da alfabetização, por seu
corpo humano, em contraste com os maravilhosos dispositj_vos que nele descobrem os lado, também incentivou novos e úteis intercâmbios entre editores e leitores.
olhos de um cuidadoso e experimentado anatomista ou filósofo[ ... ] Do mesmo modo, o Quando os autores de atlas e herbários pediam a seus clientes que lhes pas-
que se apresenta à mera vista nada é em comparação ·com as [... ] maravilhas que a cnge- sassem notícias sobre litorais ou plantas e sementes dessecadas, estabelecia·
nhosidade dos homens de ciência descobre nos céus1 após longa e precisa observação. se uma espécie de coleta de dados, na qual" qualquer pesso;i." podia desempe·
nbar um papel de apoio. Até mesmo a produção de prognósticos pode ter
Numa outra passagem, igualmente célebre, Galileu frisou novamente sua estimulado as vendas de ahnanaques e efemérides e pode ter incentivado alguns
convicção de que embora o Livro da Natureza estivesse sempre aberto à ins- leitores a comprar telescópios, com o que se terá aliciado os fabricantes de
peção pública, não era realmente "dado a qualquer um conhecê-lo e lê-lo". instrumentos a produzirem mais panfletos, destinados a trazerem mais com-
pradores às suas lojas.
A filosofia está escrita neste grande livro, o universo, que Se mantém sempre aberto, para A expansão de um público numeroso e heterogêneo interessado em seus
nossa contemplação. Mas este livro não pode ser compreendido, a menos que a pessoa produtos foi especialmente importante para os livreiros, editores de mapas,
aprenda antes a entender a linguagem e a ler as letras de que ele se compõe. Ele está fabricantes de instrumentos, praticantes de matemáticas e outros profissio-
todo escrito na linguagem da matemática. nais que contribuíam para as ciências aplicadas, cujos prefácios são muitas

258 259
vezes citados, quando se busca descrever o novo elllOd científico. O autor Rei- vos altruísticos e egoístas que haviam impulsionado a impressão da Bíblia junto
jer Hooykaas descreveu co1no com a publicação de mapas e fabricação de instrumentos.
Eu imaginaria que a oportunidade de servir a Deus e ajudar a humanida-
os defensores da "nova" ciência visitavam os iletrados com o objetivo de contribuir para de, enquanto se ganha dinheiro e se fortalece o próprio nome, era tão atrati-
o conhecimento da história naturali geografia e física 1 pela transmissão de observações va nas regiões católicas quanto nas protestantes, quer para construtores de
sobre pássaros e flores, fluxos das marés, fenômenos celestiais e a[ ... ] agulha magnéti- instrumentos, mestres de cálculos ou editores de mapas. As políticas oficiais
ca. Viajantes e marinheiros eram particularmente requisitados para esse fim. da Igreja, contudo, diferiam de modo significativo. Os empreendimentos
católicos eram contidos, de um modo que incentivava os protestantes a agi-
De modo muito plausível, Hooykaas vincula esses convites às idéias pro- rem a todo vapor. Assim, as mesmas políticas de censura que desestimula-
testantes relativas a um sacerdócio do crente e à crença de que "cada um devia vam os impressores católicos de bíblias e reduziam seus mercados mais tarde
ler o Livro da Natureza de acordo com as suas capacidades". Contudo, nem bloquearam as saídas para publicações científicas nas terras católicas. As mes-
todos os homens que solicitavam respostas a seus leitores eram devotos pro- mas forças que tanto incentivaram a expansão de mercados para bíblias em
testantes ou defensores conscientes de uma" ciência nova". Em muitos casosi vernáculo facilitaram também o intercâmbio entre os leitores e editores das
eles agiam antes como escrupulosos produtores de globos, mapas, almana- obras de caráter prático em língua vernácula.
ques e outros livros-guias ou instrumentos, e, assim agindo, esperavam atrair É claro que alguns autores influentes questionam se os trabalhos em ver-
compradores, vencer concorrentes e assegurar vendas constantes, consolidan- náculo, elaborados pelos artesãos, deveriam ser vinculados a um real avan-
do sua reputação como produtores de artefatos úteis e confiáveis. çd científico. Eles desqualificam os argumentos "baconianos", observando que
Repudiando um marxismo primário, Hooykaas escreve, não sem alguma Francis Bacon não contribuiu em nada para a ciência do século XVII; apon-
indignação, que a insistência protestante "no benefício que as invenções úteis tam, ao contrário, uma série de atos criativos, realizados por um grupo de ~ir­
podem trazer para a huma~idade [... ]não constitui manifestação da menta- tÜoJi que fizeram com que o século XVII ficasse conhecido como o século do
lidade capitalista de uma classe mercantil emergente, que esconde suas inten- gênio. Segundo essa escola, coletar fatos ou promover" conhecimentos úteis"
sões gananciosas sob o manto de unia falsa religiosidade. A principal força teria sido irrelevante nas investigações de Pascal, Harvey, Kepler, Galileu,
motivadora é o autêntico amor a Deus e aos demais seres humanos". .Malpighi e outros grandes homens.
Contudo, parece-me errado opor um motivo ao outro, quando na verda-
de o que a maioria dos seres humanos quer é "ganhar de ambos os lados". Com toda a certeza, a Revolução Científica foi pouco utilitarista. A única coisa que não
Seja o que for que os autores-artesãos escreveram sobre a glória de Deus e se pode dizer dos experimentos clássicos é que fossem úteis em sua aplicação [... ].A
o bem da humanidade em seus prefácios aos tratados que descreviam algum melhoria da situação do homem sobre a terra era uma consideração irrelevante.

instrumento novo ou algum dispositivo novo para calcular, o fato é que eles O que se disse a propósito de Pascal aplica~se às investigações planetárias de Kepler; à
mecânica de Galileu; aos estu.dos de música de Mersennei à teoria cartesiana do uni~
não só podiam servir melhor os outros, com suas contribuições à nova cor-
versoi ao descobrimento da circulação do sangue, por Harvey; e aos Principia, de Ne\v~
rente de publicações técnicas, mas também podiam servir melhor a si mes-
ton. O que é' relevante nesses casos. é a curiosidade intelectual, não o utilitarismo gros-
mos. Como já foi mencionado no capítulo 4, muitos prefácios entusiasmados
seiro [ ... ] A investigação [ ... ] deve centrar sua atenção não na tecnologia ou na
apareciam por vezes acompanhados de apelos para que o leitor visitasse aloja necessidade econômica, mas nas condições sociais e intelectu;us que favoreceram o desen-
do autor, e dos endereços onde os novos globos e instrumentos se achavam volvimento da originalidade.
à venda. Na medida em que se incentivava a publicação de obras técnicas,
esse movimento era alimentado não pelo amor a Deus ou ao dinheiro, mas .Mais uma vez, parece possível evitar o enfoque "ou-ou". Nas "investiga-
pelo amor a Deus e ao dinheiro - bem como aos seus compatriotas e a si mesmo ções planetárias de Kepler" entraram curiosidade intelectual e textos utilitá-
-; em poucas palavras, era nutrido pela mesma poderosa mistura de moti- rios de trigonometria. Ao dar duro sobre as TábuaJ ruoo/jinM, durànte a Guer-

260 261
ra dos Trinta Anos, o próprio Kepler produziu uma obra que pretendia mais
do que satisfazer a "curiosidade intelectual", um trabalho que se tornasse útil
--e---~~T ~ T. O R to . . 1

a elaboradores de efemérides e editores de mapa§, celestes. Atividades como


a compilação de tabelas de funções ou o desenvolvimento dos logaritmos e
AS1'R'O NO<M:Y''
. ..LN"'> ..
G Eo d'k'ft.1>,IiY·~\
réguas de cálculos também envolviam a produção de ferramentas úteis, ao
mesmo tempo que estimulavam novos atos criativos. . ' . ~ "

A esse respeito, convém lembrar o dito de Laplace, de que as tábuas de ~ , ô RJ.: .·\ > ,)--~'· ':.. ,
logaritmos duplicaram a vida do astrônomo. Levando em conta o trabalho
científico poupado pela disponibilidade de materiais impressos, poderemos
An Eafieand Speedy way_ to,
focalizar alguns aspectos das atividades científicas modernas que são subes-
Undediaqd the Uíe ofboth'the'
timados pelos sociólogos da ciência que dão realce à ética puritana do traba-
lho. As orientações modernas, derivadas de Max Weber, chamam a atenção
para o aparecimento de um conjunto de valores que desestimulava a ociosi-
GLOBE'.S; 1

dade descompromissada por parte de uma classe social dada ao lazer. Algo Celejlfal:aii.d <Ferreflrial..
mais deve ser dito a propósito do novo lazer que a imprensa proporcionou a
uma classe inJtrufJa. Na Comunidade do Saber, os hábitos sistemáticos de tra- . Laid down in fo pl~in a mú1qet ih:ll' ,a
balho dependiam de poupar tempo em trabalhos esfalfantes, tais como com- ,, me\rn Capaclty may M .•he firH Readipg ·
und.<rft~nd i1. ·~d w!tlia Jnrlc !'ratl1fe, grow ;
pilar à mão extensas tabelas de números. O recurso agora menos freqüente .cxl'ert in tht?f~_,,:pi.v~ne S'1.Íélltç$, ~ ,
ao trabalho de memória e às tarefas repetitivas nas salas de aula também per- T""•~ra-l)h~a-.iç-,r frSãi:~h" fllff J.Íatt<>f .c111ri;i.1111.1$,
mitiram que aparecessem novas capacidades mentais. A imprensa permitia --_J!.a. .~,;~ µ~ l~/f.itt!f/o.; Aftro-llv~1#r"e:1t.
agora aos filósofos naturais gastar mais tempo na resolução de problemas men- W,!':1{~
tais difíceis, na criação de experimentos engenhosos e novos instrumentos, Wnorcur.i
ou até mesmo na perseguição de borboletas e coleta de besouros, caso o pre-
ferissem. Não devemos excluir o princípio do prazer, ao considerarmos o rápi-
do desenvolvimento de novas técnicas para resolver charadas, por homens
que eram apropriadamente descritos como 'Jilettanti e amateurd. Após o
advento da imprensa, tanto o Homo ludend como o Homo fder foram incen-
tivados a utilizar suas energias mentais de novos modos - como nos suge-
rem o moderno jogador de xadrez ou o moderno observador de pássaros. A Nesta página de rosto, Joseph l\'1oxon (cuja obra RõCercício.1 mecânicoJ é citada em outra parte deste
ciência moderna, em sua fase inicial, deveu algo tanto ao espírito lúdico e à livro) promove a tradução inglesa da pri.nieira parte do trabalho em latim, de V./. J. Blaeu, ln.ititutio
curiosidade ociosa quanto aos impulsos de devoção religiosa e busca do lucro. A,itronomica, como uma maneira fácil e rápida de donúnar as "ciências divinas". Ele també1n-anuncia
que te1n globos à venda, em sua loja com o emblema do Atlas em Cornhill, assin1 combinando, de
Até mesmo gente que usava toga preta e usava normalmente o latim,
modo característico, motivos pedagógicos e pecuniários. Esta página de rostO da primeira publica-
como advogados, físicos e astrônomos profissionais, passaram a aproveitar ção de l\:loxon é reproduzida mediante gentil permissão da Biblioteca Huntiogton, de San Mari-
melhor as novas possibilidades de lazer, visitando feiras de livros e distrain- no, Califórnia.
do-se com diversões e jogos màtemáticos. A utilização da imprensa para a rápi-
da mobilização dos talentos europeus mediante a expedição de cartas aber-
tas e desafios não ficou restrita ao patrocínio de invenções consideradas úteis

262 263
pelos burocratas e capitalistas, como por exemplo a busca de métodos para forma póstuma. Além disso, em 1640 as leis de Kepler ainda não tinham sido
encontrar a longitude de um ponto no mar. A própria imagem que Newton aceitas; havia em circulação três modelos planetários alternativos e seis con-
deixou de si mesmo - uma criança brincando jllilto ao mar e divertindo-se juntos de tábuas conflitantes entre si. Nesse mesmo período, ainda se encon-
"em encontrar seixos mais lisos ou conchas mais bonitas que o comum" - travam em suspenso, dependendo dos caprichosos sucessos da guerra, .os
dificilmente combina com uma ética de trabalho e até nos dá a impressão de destinos das firmas publicadoras instaladas no continente europeu que eram
algo pagão em suas implicações. Asatisfação da curiosidade intelectual pura, utilizadas por Kepler, Galileu e Harvey. Talvez seja inexato dizer que a ciên-
como aconselha Hugh Kearney, deve-se atribuir o devido peso. cia moderna havia surgido -particularmente naquelas regiões onde os impres-
No entanto, até mesmo as façanhas cerebrais aparentemente menos prá- sores estavam sendo submetidos a novos controles. Por exemplo, na Itália se
ticas necessitavam do uso repetido de materiais impressos. As tábuas e mapas havia firmado Um comércio clandestino de livros, e os prog-ramas de publica-
não eram produzidos em horas de folga pelos membros de uma classe deso- ções científicas se estavam reduzindo. Seria talvez mais correto, em vez de
cupada. A tiragem de mapas e globos melhores, os novos empreendimentos falar numa ciência que" surge" entre os compatriotas de Galileu, imaginar que
da área de coleta de dados, que levaram a estimativas mais exatas das dimen- ela se refngia nos porões. Ela conseguiu, pelo menos, espraiar-se em dire-
sões da Terra, tudo isso era útil tanto à ciência pura como à ciência aplicada. ção ao exterior, graças à ajuda dada pela Royal Society, cujos esforços no
Quando os editores competiam entre si para conseguir notícias de uma expe- sentido de endossar trabalhos estrangeiros merecem ser mais conhecidos.
dição tão logo atracava, ou quando os construtores de instrumentos se davam Aguisa de exemplo, deve-se mencionar que todos os principais tratados
ao trabalho de anunciar os seus produtos, é inegável que tais ações contri- de Marcello Malpighi, aliás todos os trabalhos por ele publicados após 1669,
buíam para todM as formas de experimentos científicos - quer fossem eles f6ram editados por aquela instituição. Assim como Copérnico foi apoiado por
destinados a produzir frutos, quer tivessem apenas o intuito de trazer luzes. Rheticus; Galileu, por Diodati; ou Newton, por Halley; algo semelhante
Mesmo quando se consideraram somente os experimentos que resultaram ocorreu com Malpighi, que foi apoiado não por colegas italianos, mas por Henry
em novas luzes, feitos por um pequeno grupo de indivíduos altamente dota- Oldenburg e Robert Hooke. Estes secretários da Royal Society forneceram
dos, ainda assim têm de ser levados em consideração os numerosos proble- ao grande embriologista o acesso à mais recente bibliografia técnica até então
mas de ordem prática suscitados pela publicação. Sempre que os canais de publicada, uma vez que, naquela época, era mais prático para ele esperar pela
publicação eram postos em perigo, a liberdade de especulação se via também chegada dos livros que vinham da Inglaterra do que tentar obtê-los junto aos
ameaçada. A censura oficial podia afetar até mesmo a vida escondida da livreiros locais. Eles angariavam contribuições e lhe asseguravam em cada
mente. É lícito perguntar se a Teoria Cartesiana do Universo foi algnma vez ocasião que seus trabalhos contariam com uma ótima recepção entre os mem-
plenamente franqueada, até mesmo ao próprio Descartes, pois ele, ao saber bros da" companhia dos filósofos no estrangeiro". De modo geral, eles davam
do destino de Galileu, em 1663, não só interrompen os trabalhos em seu monu- ao mestre italiano o tipo de incentivo e apoio grupal de que ele mais carecia
mental tratado cosmológico, como cortou talvez com esse gesto negativo as ,em seu país. As numerosas cartas de Malpighi mostram que a atmosfera na
asas de sua própria imaginação. As energias criativas de Newton puderam ope- Itália era bem menos receptiva. Embora expressando alguma preocupação
rar com rédeas mais frouxas. As condições que garantem a liberdade de espe- com a possibilidade de sofrer represálias, pelo fato de manter "comércio com
culação estão provavelmente relacionadas com o "desenvolvimento da origi- os protestantes", Malpighi também comentou que um amigo lhe havia men-
nalidade", como também se acham associadas a assuntos mundanos referentes cionado existirem vantagens para um autor em ter seus trabalhos "condena-
às áreas de economia e tecnologia, além dos negócios da Igreja e do Estado. dos pelos censores italianos e embarcados para a Inglaterra, a fun de serem
Diz-se que por volta de 1640 "pode-se afrmar com segurança que a ciên'. impressos".
eia moderna havia surgido". Nessa época, "já estava virtualmente completo Tal oportunidade era vantajosa não só para Malpighi, mas para a Comu- .
o trabalho de Descartes, Galileu e Harvey". Mas a obra de Descartes estava nidade do Saber em geral, como foi reconhecido na época por Oldenbnrg.
certamente inconclusa. O Monde jamais foi publicado completo, mesmo sob Sua correspondência com o embriologista italiano bem mostra como o secre-

264 265
tário da Royal Society tinha plena consciGncia do serviço especial que a dez anos depois de formado. Dois de seus membros foram aprisionados pela
imprensa estava prestando ao avanço da ciência. Após ter assegnrado ao ansio- Inquisição. Os textos produzidos coletivamente por seus membros sob o títu-
so autor que sua história natural sohre o bicho-da-seda seria publicada "num lo de Saggi (R-.:emp/.o.J ouAmo.1/ra.1) foram publicados em 1667, mas.não ~odiam
estilo esplêndido", Oldenburg ohservou que a puhlicação haveria de "tornar ser adquiridos nas livrarias italianas. Na realidade, foi necessána mais um_a
conhecida a opinião de todos os entendidos, e talvez onde você não viu cla- vez a intervenção da Royal Society para que os Saggi se tornassem conheci-
ramente, eles lançarão mais luz". Com essas palavras, Oldenhurg sublinhou dos no estrangeiro. · .
a importância de um tema que perpassa todo este livro; a saber, que a impren- Parece conveniente fazer aqui uma breve comparação da política da
sa prestou umserviço especial à comunidade esclarecida que podia e){primir- Royal Society com a de sua congênere italiana, o Cimento, na altura de 1~60,
se em latim. A publicação não serviria para permitir que "qualquer um" se para pelo menos demonstrar até que ponto políticas dife~entes de pubhc~­
familiarizasse com o trabalho altamente técnico de Malpighi, sobre o bicha- ção poderiam servir para estimular ou abafar o progresso científico. Por me10
da-seda. Mas ela iria "tornar conhecida a opinião de todos os entendidos", das Tran.Jaction.J (Transações), a Royal Society lançou uma série contínua de
isto é, poderia fazer com que viesse à baila a opinião de outros investigado- publicações que atraíram um número crescente de assinant~s e l~ito~es p~r
res qualificados, que poderiam não só verificar ohservações e repetir expe- todo 0 mundo. Já o Cimento lançou uma única coletânea, cuia primeJra edi-
riências, como também imaginar outros testes, apresentar dados novos, colhi- ção não podia ser comprada ou vendida localmente. As TranJaçõeJ incentiva-
dos por observação direta. Dada a clara percepção revelada por Oldenburg ram o envio de contribuições assinadas e atraíram autores do estrangeiro, usan-
do valor da publicação científica, e os vigorosos esforços por ele feitos em defe- do.a fama como chamariz. Os seus editores tomaram medidas para assegurar
sa dela, parece estranho que este aspecto de suas atividades não seja reco- sempre a proteção dos direitos de propriedade intelectual, mediante a data-
nhecido com maior freqüência. ção das contribuições e a decisão sobre disputas por prioridade. Os Saggt ten-
A semelhança dos serviços especiais dispensados às publicações pela taram proteger os seus colaboradores das perseguições, deixando-os anô~i­
Royal Society, as ameaças especiais representadas pela censura à imprensa mos. Com isso, era-lhes retirado o incentivo de contribuir para o bem público
tendem também a ser minimizadas. Tornou-se moda silenciar sobre as reper- alcançando simultaneamente a fama pessoal.
cussões do julgamento de Galileu, e ver na convulsão criada por esse julga-
mento uma conseqüência da hábil propaganda protestante. Como instituição que não conseguiu sobreviver, [... ] o Cimento nos revela algo interes-
sante sobre [ ... ] a" estrutura de recompensa" da ciência. Dentro do sistema social da ciên-
É duvidoso que os acontecimentos dramáticos da condenação de Galileu tivessem em cia moderna, um dos incentivos primários para[... ] a pesquisa original é o desejo de reco-
si mesmos qualquer signifiçação mais ampla. A indignação causada [...) ralvez tenha amnen- nhecimento e prestígio[...] A Academia falhou[ ...] porque o entusiasmo revelado por seus
tado a populatidade da ciência. Não há sinal algum de marasmo na atividade científica pesquisadores mais talentosos se viu afogado no anonimato de sua única publicação.
que se seguiu à condenação [... ] É fato que 'as atividades dos Linceis foram reduzidas
[... ]mas alguns de seus membros[ ... ] continuaram em atividade[... ] e participaram da Políticas adversas em matéria de publicação também serviram para pre-
fundação [... ] do Cimento. judicar a principal sociedade científica de Nápoles, como nos indica o ª':igo
de Max Fisch sobre a Academia dos Investigadores. Seus membros estive-
Embora a atividade científica não tenha cessado na Itália, após 1632, os ram muitas vezes a ponto de promover publicações, mas raras vezes se aven-
estudos feitos a respeito dos Linceis, do Cimento, dos lnvestigantis e de mem- turaram a saltar sobre o precipício. Um deles, de nome Tommaso Cornelio,
bros individuais dessas antigas sociedades científicas mostram até que ponto adiou tanto a publicação prometida, que chegou a "perder a credibilidade"
ela estava sendo prejudicada. Os Linceis tiveram que interromper os estu- relativamente a seu trabalho significativo em anatomia e fisiologia. Já os virtuo-
dos de física e astronomia; seu efêmero sucessor, o Cimento, que se escuda- Ji ingleses, embora mais lentos em suas pesquisas, foram mais rápidos em alcan-
va inteiramente no patrocínio pessoal de um duque de Mediei, foi dissolvido çar a fama de heróis fundadores. Já houve quem sugerisse que Nápoles

266 267
T a Council of the Royal Society for lm-
A proving Natural Knowledge, 27°· No-
vemhris 1683. Orderecl, Tbat a Bool{En-
titnled, Eífays of Natural Experiments, made
in the Academie del Cimento, t/s'c; Tranflated'
hy Mr. Richard W aller, Fellow of this Society,
be Printed.
John Hoskyns f; R. S.
Os Saggi., isto é, artig;os reunidos da Accaden1ia dcl Cimento, de Florença, foram traduzidos e publi-
cat:los na Inglaterra antes de saírem na Itália, -graças à Royal Sociezy. Na página ao lado, gravura de
um frontispício mostrando a figura da Royal Society sentada à direita e receberido os Saggi; acima,
a ordem para que o livro seja impresso. Reproduzidos mediante gentil permissão da Folger Shakes-
peare Library.

deveria ser incluída entre os centros de atividade científica do século XVII,


ao lado de Pádua, Florença, Copenhague, Paris ou Londres, uma vez que naque-
la cidade havia então muitos virtuoJi célebres. Mas o lugar não era propício
para qualquer cientista que desejasse imprimir suas obras principais, antes
que ele próprio viesse a expirar.
Para os l'irtuo~i italianos, o Livro da Natureza não se encontrava aberto .à
inspeção pública, mas sujeito a expurgos, e várias partes dele haviam sido decla-
radas zona proibida. Bibliotecas eram pilhadas e impressores eram manda-
dos para a prisão. O receio de perseguições levou-os a um tipo de autocen-
sura diferente daquele a que eram submetidos os membros da Royal Society,
os quais tinham de manter-se fora da política e da teologia, embora pudes-
sem explorar livremente o campo da natureza. .
É fato que muitos italianos se mantiveram informados sobre a bibliogra-
fia inovadora vinda do exterior. Em Veneza, especialmente, os literatos muito
contribuíram para a propaganda republicana e antipapista, bem como para
uma prolongada luta pela imprensa livre. Mas o que se poderá dizer do aces-
so dos cientistas e literatos aos recursos disponíveis para programas de publi-
cação e do acesso a impressores e clientes eventualmente dispostos ao risco
de pôr em execução esses programas? Uma vez que raramente se faz esta per-
gunta, há a tendência de minimizar os golpes mais flagrantes infligidos pela
censura clerical contra a incipiente ciência moderna. Em vez de apontar as

268 269
claras e reais a.meaças contidas no decreto de 1616 e no julgamento de 1633, bém o peso real das forças. "externas" irregularmente distribuídas, sem o que
traçam-se meticulosas distinções entre as distintas posições teológicas ado- a comparação deixará de ser justa. Borelli pode ou não ter sido menos cora-
tad~s. pelos homens da Igreja nas duas ocasiões. Tais sutilezas teológjcas, por joso e menos audacioso que Newton. Não há dúvida de que ele dispunha de
mais mteressantes que sejam intrinsecamente, parecem-me irrelevantes para menos incentivos para instigá-lo e se defrontava com obstáculos muito mais
o ponto em discussão. terríveis. É difícil imaginar um membro de uma sociedade científica italiana
O decreto de 1616 caracterizou a doutrina de Copérnico como contrária agindo como Halley, que não só instou Newton a vencer suas hesitações e a
às Escrituras e, portanto, não suscetível de ser defendida ou mantida. No entan- completar seu grandioso projeto, como depois supervisionou sua publicação
to, dizem-nos, a teoria copemicana ainda poderia ser apresentada como uma e garantiu a ela uma publicidade favorável. Já os amigos dos virtuoJi católi-
hipótese (embora indefensável e absurda). Além do mais, "se havia astrôno- cos italianos, em vez disso, tenderiam a dissuadi-lo de levar demasiado a sério
mos católicos que não tivessem dúvida de que o sistema copemicano era cor- aquela teoria condenada. Mesmo sem ter amigos para dissuadi-los, os devo-
reto", eles não tinham de violar sua íntima convicção de certeza. O decreto tos católicos teriam por si próprios receio de avançar.
que prescrevia o "assentimento interior" emanava de uma autoridade falível Sob esse aspecto, vê-se que o contexto do julgainento de Galileu tem sido
motivo pelo qual todos aqueles que tinham dúvidas "forain desculpados". O reconstituído de modo tão impróprio quanto o de outros eventos históricos
assentimento interior podia ser conservado. Mas o que dizer da dissensão aber- importantes. A inclusão do De revolutioniblM no lndex, pelo decreto de 1616, e
ta? No que se refere ao tema crucial da publicação, os defensores recentes a proibição da Lettera, de Paolo Antonio Foscarini (um tratado de 64 págj-
da Igreja católica de então têm muitíssimo pouco a dizer. nas publicado eni 1615, no qual o frade carmelita argumentava que a teoria
Seja qualfor a interpretação que se dê aos editos de 1616 e 1633 não se de Copérnico era não só fisicainente plausível como correta, sob o ponto de
pode. du~da'. qu~ tais atos tiveram~~ efeito inibido~ sobre os progr~mas de vista teológico), já forain objeto de muitos estudos. Raramente, contudo, se
publicaçao científica nas terras catolicas. Ao determinar que o velho sistema leva em conta a dura lição aprendida por Lázaro Scoriggio, impressor de Fos-
mundial teria de ser mantido, enquanto o novo não fosse provado adequada- carini. "No início de fevereiro de 1616, Galileu [...] sentiu que [... ] a vitória
mente, e ao proibir ulteriores "tentativas de demonstrar" que o novo sistema estava à vista. Ele escreveu pedindo permissão [ ... ] para uma visita a Nápo-
era "verdadeiro de fato", a Igreja não estava incentivando a suspensão do juízo les, provavehnente para visitar Foscarioi e, se possível, Campanella, e para
ou ~o~rando investi~ações mais detidas sobre a matéria. As condenações não organizar a campanha em favor de Copérnico."
se hml!arain a reduzrr programas de publicação científica, elas também con- No dia 5 de março, foi oficialmente publicado o decreto relativo às dou-
~ribuírain muito para impedir os "experimentos mentais", que dependiain de trinas de Copérnico. ALettera de Foscarini, que procurava conciliar os pon-
imagmar o esquema copernicano como sendo fisicamente real. tos de vista de Copérnico com as Escrituras, foi "proibida e condenada com-
pletamente". Contudo, o De revoluiioni.b1M foi simplesmente "suspenso até que
Pobre Borellil Ele estava realmente no caminho da grande descoberta [... ] Renunciou fosse corrigido". A distinção entre a proibição da discussão teológica e a sus-
a qualquer teoria, além do fato bruto, experimental, e desse modo impediu o caminho pensão do trabalho astronômico é freqüentemente salientada pelos defenso-
para o progresso. Hooke. e Ne\Vton foraITI mais corajosos. Aparte a genialidade de Ne\v- res do catolicismo e por outros autores que tentam suavizar o efeito do golpe.
ton1 o que lhe permitiu triunfar dos obstáculos que detiveram·Borelli foi sua ousadia Desse modo, Langford sugere que ele não foi "um revés realmente sério para
intelectual.
o progresso da astronomia", e Koestler argumenta que, não obstante a impres-
são equivocada do "homem da rua", o "efeito do decreto sobre a discussão e
Ao comparar Hooke e Newton com Borelli, não temos como limitar os pesquisa científica foi deixar as coisas quase exatamente no mesmo ponto em
termos da discussão exch1sivamente aos fatores "internos". Há que conside- que estavam". Nenhum dos dois, entretanto, observa que em 1617, um ano
rar, é claro, o conhecimento então disponível e os dotes intelectuais especiais após a publicação do decreto, o construtor de globos e editor de mapas de
daqueles talentosos decifradores de enigmas. Mas é necessário reconhecer tam- Amsterdam Willem Janszoon Blaeu lançou uma terceira edição de De revo-

270 271
lutümibuJ. Talvez, como muitos outros concorrentes, Blaeu desejasse benefi- MATHEMATICAL
ciar-se comercialmente das vantagens de ter um livro arrolado no lnJex; tal-
vez já tivesse muito antes planejado editar o livro em 1617. Seja como for, a COLLECTIONS
edição de Blaeu apareceu numa ocasião em que os programas de publicações A N D
cic11tíficas relacionados com física e astronomia estavam sendo enquadrados
num procedimento já conhecido - um procedimento que já havia atingido TRA N SLA TIONS:
Erasmo, Boccaccio, Rabelais, Lutero e Maquiavel. Novas oportunidades de THE FIRST
ganho com os títulos banidos foram abertas às firmas protestantes. Ao mesmo
tempo, criaram-se novos riscos e novas incertezas para os editores de obras
científicas em terras católicas. Os virtlllJJt ocupados em pesquisa científica não
TOM E· IN TTFO PAR'lS.
ficaram imunes a este desenrolar de eventos. Um dos membros da Academia
dos Linceis demitiu-se, após acusar Galileu de manter pontos de vista proi-
bidos. Galileu desistiu de seu plano de visitar Nápoles, dando como pretex- THE FIRST PAR T;
t·o o problema das "más estradas". Realmente, como sugere Drake, depois do Ci;>ntaining,
dia 5 de março de 1616, a "estrada para Nápoles era[ ... ] ruim[ ... ] em mais L GALILIUS ÜALILEUS His srs'lEJ.1. ofthe
de um sentido [.. .]. O impressor que lá havia publicado o livro de Foscarini 1V O CJ{_L V. .
acabou sendo preso logo em seguida, e o autor morreu naquele mesmo ano, II. ÜALIL•us Ht. EPIS'íLE to tbe (j'l{_AN'D
'D U '1 CH E S s E M O'í H E '1?... com:erning the Au-
cm circunstâncias obscuras". No qne diz respeito aos programas de publica- tbority of Ijoly SC'l{JP 'ílL'l{f' in Pbilofophical
ções científicas, a estrada para Nápoles jamais melhorou. Contrerverftes.
Como acontecera com Lutero durante a década seguirtte ao ano de 1517, J II. Jo H u N 18 K • • u: " u s H18 'l{econcilings of S C'l{)-
Galileu pôde contar, entre 1633 e 1643, com o apoio de numerosos editores, PT U 'RJ!- <Texts, &e.
impressores e vendedores de livros, no sentido de tornar inócuas as ações do IV. DioAcus à STuNICA Ht. 't{~com:ilings of SC7t.I-
papa, ao mesmo tempo que, adicionalmente, eles obtinham bons lucros. O
P'TU'I(E 'Texts, &e, . . . . -·
destino do banido Diálogo demonstrou mais uma vez as vantagens suplemen-
v. P. A. F 0 seAR1 Nus H1; Epijlle to Fa;f7,er RFAENVdONUS,
reconcilingthe A1<tborityof S CRIP_, U ,an !ftdg-
tares auferidas pelos editores protestantes, com o fato de suprirem obras arro- mentsof 'J)i-vines alledged agamft tlm S'l' S 'TE 1'1..
ladas no lnd&-r;, bem como a atração exercida até mesmo por trabalhos de natu·
reza remotamente científica, desde que caracterizados como um fruto proibido. By 'TH01v!AS SALUS'BU'J\"f', Efq.
De acordo com o colorido relato deixado por Santillana, eram elevados os
lucros obtidos no mercado negro pelo Diálogo: LONDON,
Printed by WitLlAM L•vBOU•~, mocp<I.
Sacerdotes, monges, até mesmo prelados, disputam entre si para comprar exemplares
Úma fi~ra-chave, no processo de exploração inglesa do efeito publicitário das ações da. Igreja c~n~
do Diálogo no mercado negro [...] o preço do livro no mercado negro .sobe do original
tra Galileu foi Thomas Salusbury, que traduziu todos os trabalhos censurados e os pubhcou;apos a
meio escudo até 4 ou 6 escudos (cerca de 100 dólares americanos) por toda a Itália.
Restauracão inediante subscrição popular. Esta página de rosto 1nostra de que n1odo os livros de
Kepler e Fos~arini, como também os de Galileu, eran1 anunciados para os I.ei:ores pr~te.sfantes. Repr~­
O livro Diálogo dobre doú JÚtemaJ do mundo, de Galileu, era, contudo, um duzida mediante gentil permissão do J)epartamento de Coleções Espec1a1s das ~1bhotecas da Uni-
trabalho tão provocativo e polêmico, que parecia querer atrair sobre si a cen- versidade de Stanford.
sura, de um modo que é bastante característico dos trabalhos científicos mais
273
272
sérios. Não se pode dizer o me.smo de seu trabalho posterior, que ajudou a DISCORSI
fundar a física clássica: os DiJcu1'doJ Jobre (l,J da(l,J nor(l,J ciênctiu. E
Nenhuma grande questão cósmica ou filosófica interfere neste tratado isento de paixões
[...] ele causa tanta controvérsia e tumulto quanto uma aula de mecânica para calouros,
DIMOSTRAZIONI
da qual é, na verdade, a fonte primeira. M A T E .~1 A T I C H E,
A ironia que coroa a carreira de Galileu é que o fracasso dos grandes DiálogN seja tão
mais interessante do que o sucesso dos inimp~táveis DiJcurJO.J. íntorno à duc nuotte fcienz:,,c
Attenenri alia
É difícil imaginar um exemplo melhor do tipo de "ciência pura", que se
coloca naturalmente au-ONJtM Oe la mêlée, do que esta "fonte primeira" de uma MEcANICA & i MovrMENTI LocALI,
"aula de mecânica para calouros". E, no entanto, os enfadonhos e "inimpu-
ác/Sígnor
táveis" DiJcurJoJ também foram envolvidos na refrega. Eles não foram tidos
como inimputáveis pelos que mantiveram Galileu em prisão domiciliar; e seu
G A L I L E O G A L 1 L E 1 L 1 N C E O,
sucesso não deixa de ter algum interesse, sobretudo se considerarmos os F ilofofo e Matematico primario del Sereniffimo
meios mediante os quais o livro acabou aparecendo. Tendo-se em vista, em Grand Duca di Tofcana.
primeiro lugar, que estava em jogo um prisioneiro político idoso, mas reso- can vna Appenáfre ád centroáigrauità tf.úcuni SPlidi.
luto, que havia sido proibido por seus captores de escrever qualquer coisa
que fosse; e, em segundo, a visita de um impressor holandês à Itália, logo se-
guida do contrabando de um manuscrito numa valise diplomática ~ não há
dúvida de que a esses ingredientes não falta interesse. Eles poderiam mesmo
ser incluídos numa narrativa de considerável suspense. "O livro foi comple-
tado em 1636, quando Galileu tinha 72 anos", escreve Arthur Koestler. "Como
ele não tinha nenhuma esperança de conseguir um imprimatw na Itália, o seu
manuscrito foi contrabandeado para Leiden e publicado pelos Elseviers. Mas
poderia igualmente ter sido impresso em Viena, onde foi autorizado, prova-
velmente com o assentimento imperial, pelo jesuíta padre Paulus."
Podemos especular sobre as razões do otimismo de Koestler, relativa- IN LEIDA,
mente à possível publicação em Viena, em vista do risco de represálias que
os impressores vienenses teriam de correr. Havia, afinal de contas, podero-
Apprcífo gli Elfevirii. M. D. e. xxxv111.
sas autoridades naquela cidade que haviam desaprovado a concessão da
Embora 0 trabalho final de Galileu não ~ontivesse nenhuma polêmica e consistisse numa árida expo-
licença e considerariam qualquer apoio dado a Galileu como um ato subver-
sição sobre mecânica, a obra precisou ser retirada clandestinamente de sua casa. Um membro da dinas-
sivo. A versão de Koestler, aqui como em outros pontos, parece subestimar . tia de impressores holandeses, Louis Elsevicr, fez un1a ...,;agem à Itália para conseguir o manuscrito,
o poder das forças da reação e deve ser contraposta aos indícios fornecidos 0qual, como nos mostra esta folha de rosto, foi impresso pela fuma Elsevier, em lei~~n, no a~o .de
por outros relatos. 1638. Reproduzido mediante gentil permissão elo Departamento de Coleções Espec1a1s das B1bho-
tecas da Universidade de Stanford.
Logo que os DUcurJoJ Jobre JuaJ novaJ ciênciaJ obtêm a licença em Olmutz, pelo bispo, e
depois cm Viena, pelo jesuíta padre Paulusi obviamente seguindo instruções imperiais

274 275
diretas, os outros jesuítas se põem em busca do livro. Em 1639, Galileu escreve: j{Não
consegui obter um só exemplar de meu novo diálogo [... ] Contudo, sei que eles circu-
laram pelos países do norte. Os exemplares perdidos têm de ser aqueles que, logo depois
da chega~a a Praga, foram imediatamente adquiridos pelos padres jesuítas, de modo ····8
que nem mesmo o imperador conseguiu um". A explicação caridosa seria a de que eles
sabiam o que estavam fazendo. Alguém pelo menos deve ter-se dado conta de que o tra-
balho de Galileu sobre dinâmica prosseguiu silenciosamente na tarefa de estabelecer os
CONCLUSÃO
fundamentos do sistema que ele fora proibido de defender. l\!las nisso eles se parecem
com a esplêndida figura de que fala .Milton, que pretendia prender as vacas fechando o TRANSFORMAÇÃO DAS fSCRITURAS EDA NATUREZA
portão do parque.

Os elementos que entram na formação da" modernidade" podem ser ...~stos [... ] pela pri·
Quando se consideram todos os fatores que afetaram o lançamento dos ali- meira vez [... ] nos séculos XVI e XVII. Alguns historiadores atribuíram a modificação
cerces da ciência moderna, é importante ter em conta a diferença entre ser publi- à liberação da mente dos homens durante a Renascença, e a Reforma.. I-Ioje muitos his·
cado pelos Elseviers na Holanda e obter a licença do padre Paulus em Viena. toriadores tenderiam mais provavelmente a salientar o conservadorismo desses dois movi-
Sobre este tema, a "interpretação wbig progressista da história", embora mentos [ ...] Sua ênfase tendei ao contrário 1 a recair sobre [...] "a Revolução Científica".
fora de moda e inegavelmente antiquada, talvez possa nos trazer uma men- Por essa expressão se entendem, acima de tudo, todas as realizações imaginaii.vas asso-
s~gem ainda útil. Não devem ser minimizados como mera propagan'Ja antipa- ciadas aos nomes de Copérnico, Galüeu e Newton[...] Ao cabo de um século e meio 1
pista - embora certamente o fossem - nem a defesa feita por Milton, em havia acontecido uma revolução no modo como os homens encaravam o universo. A
favor da "liberdade de Impressão sem Licença", nem seus comentários na maior parte disso tinha sido possível pela aplic~ção da matemática aos problemas elo
Areop~gitica, a propósito de sua visita a Galileu, que "envelheceu como pri- mundo natural [ ...]
s10nerro da Inquisição, porque não seguia, em seus estudos de astrono,;,ia, o Tudo isso agora é bem conhecido [... ] embora muitos dos detalhes ainda tenham de ser
modo de pensar de seus censores dominicanos". Mesmo admitindo-se que 0 esclarecidos [... ] O que não está claro é o modo como tudo aconteceu.

caso de Galileu foi explorado até o limite pelos publicistas e panfletários pro-
testantes - como o próprio Milton - , força é reconhecer que ele não foi usado
. .
simplesmente para vincular a ciência ao protestantismo. Graças a ele foi
p:te~teado um elo que havia começado a forjar-se desde quando as indús-
E ste livro visou a desenvolver uma nova estratégia para lidar com as ques-
tões suscitadas pela citação acima. Parece-me fútil discutir sobre "os
elementos que entraram na formação da modernidade", uma vez que a pró-
trias impressoras começaram a eclodir em Wittenberg e Genebra, enquanto
pria "modernidade" está em fluxo, sempre sujeita a definições que têm de
suas congêneres em Veneza e Lyon começavam a declinar. A manutenção das
ser mudadas de modo a acompanharmos os tempos cambiantes. Amedida
firmas impressoras em contínua operação, mas fora do alcance de Roma, era
que a época de Planck e Einstein passa a fazer parte do passado, todas as
uma questão vital para os cientistas da Europa Ocidental. O caso de Galileu
realizações associadas a Copérnico, Galileu e Newton irão com toda a pro-
tornou ainda mais clara essa lição, .
babilidade compartilhar o destino das realizações dos primeiros humanistas
da Renascença e dos reformadores protestantes. Com efeito, algumas das inter-
pretações recentes de Copérnico revelam que sua obra é cada vez mais con-
siderada como conservadora e cada vez menos associada à emancipação em
relação aos antigos modos de pensamento. Encarar a incipiente ciência
moderna como se estivesse voltada para uma modernidade fugidia leva-nos
a comparações desagradáveis entre movimentos posteriores "liberadores" e

276 277
outros, mais antigos, "conservadores", além de não facilitar o entendimen- Constitui um dos paradoxos desta hist6ria maior co1n que temos que lidali que o passo
to de "como tudo aconteceu)'.
~ais sensacional rumo à revolução científica na astronomia foi dado muito antes da desH
Parece um tanto ocioso solicitar aos histotiadores que busquem os elemen- coberta do telescópio - antes mesmo [... ]da melhoria[ ...] nas observações feitas a olho
tos que entraram no processo de formação de uma "modernidade" indefini- nu [ ...] William Harvey [ ...] levou avante seu trabalho revolucionário antes que qual-
da. Afigura-se mais promissor considerar os efeitos de uma mudança bem defi- quer tipo útil de microscópio se tornasse disponível [...]até mesmo Galileu discute fenô~
nida que ocorreu no sistema de comunicações, e que entrou em cada um dos ·menos comuns da vida cotidiana e brinca de soltar bolinhas sobre planos inclinados, de
moviment~s ora sob discussão. Entre outras vantagens, este enfoque permi- um modo que se tornara usual havia muito tempo.
te descobnr relações que os debates sobre modernidade costumam encobrir.
Desse modo, será possível não se envolver em discussões sobre se os filhos Os esforços envidados no momento para justificar este aparente parado-
primogênitos da Europa Moderna devem ser identificados com os humanis- xo não nos levam muito longe. Somos solicitados a fazer conjecturas sobre
tas da Renascença itafuna, ou se devemos esperar que o papa seja desafiado uma transformação que aconteceu "dentro da própria mente dos cientistas",
por Lutero, ou que os calvinistas transformem Genebra na Roma protestan- quando eles se dispuseram a elaborar novos pontos de vista ao contemplar
te; ou se a verdadeira modernidade veio com a revolução científica ou deve os céus imutáveis. E contudo a própria bibliografia técnica em que se basea-
ser adiada até o momento da industrialização. Seria melhor canalizar as ener- vam os astrônomos havia sofrido mudanças, antes mesmo que os novos pon-
gias para a tarefa mais construtiva de identificar, em cada um dos movimen- tos de vista fossem elaborados. Se fosse dada uma atenção maior ao desloca-
tos contestados, traços que não estavam presentes nas épocas anteriores, e mento que ocorreu na produção e recepção dessa bibliografia, teríamos menos
que alteraram tradições textuais nas quais cada movimento se baseou. dificuldade em explicar o momento em que ocorreu o "passo sensacional" e
Ao deixarmos de lado a busca de processos teoricamente "modernizado- em analisar suas relações com outras tendências "modernizadoras".
res" e ao focalizarmos a atenção sobre as conseqüências paradoxais de um pro- Ao considerarmos o ambiente intelectual em que viveu Copérnico, as
cesso realmente duplicador, deveria ser possível lidar mais agilmente com os mudanças acarretadas pelo advento da imprensa merecem uma posição de maior
problemas de periodização. Poderemos ver, por um lado, como os movimen- destaque. As táticas atuais ou nos incentivam a divagar difusamente sobre o
tos que preconizavam o retorno a um passado de ouro (clássico ou protocris- que precedeu, compilando listas de tudo o que aconteceu e maravilhando-nos
tão) foram reorientados de modo a desviar-se de seu objetivo inicial; e, por com a turbulência geral daqueles tempos, ou nos forçam a prolongar velhos
outro, que o próprio processo de recuperar textos há muito perdidos afastou debates -"' entre platônicos e aristotélicos; entre escolásticos e humanistas; entre
~nda mais sucessivas gerações da experiência dos primeiros doutores da Igre- católicos e protestantes; entre anglicanos e puritanos; ou até mesmo, em cer-
J~ é dos poetas e oradores da Antiguidade. Poderemos ver também que os huma- tas ocasiões, entre italianos, alemães, poloneses e dinamarqueses. Ao dar maior
mstas leigos, os sacerdotes e os filósofos naturais passavam pela experiência realce ao salto do manuscrito para o impresso, será mais fácil acomodar mui-
comum de adquirir meios novos para alcançar fins antigos e ver ainda que essa tas tendências diversas, sem a necessidade de cair numa mistura indiscrimi-
experiência provocou, por sua vez, uma divisão de opiniões e levou finalmen- nada, e de um modo que se oponha à persistência de feudos intelectuais. Pode-
te a uma reavaliação dos pontos de vista herdados das gerações anteriores. se ver que o grande astrônomo do século XVI deve algo tanto aos neoplatônicos
A adoção desta estratégia não torna possível garantir que se dê uma res- como aos aristotélicos renascentistas; aos seus mestres na Polônia e na Itália
posta completa à pergunta sohre "como tudo aconteceu", mas abre o cami- católicas e, mais tarde, a um discípulo natural da protestante Wittenberg; aos
nho para que se ohtenham respostas mais adequadas do que as que foram cálculos feitos pelos antigos alexandrinos, bem.como às observações feitas pelos
dadas até agora. Desse modo, estaríamos em melhor situação para explicar árahes na Idade Média, e a um texto de trigonometria compilado em Nurem-
por qúe motivo várias teorias 'científicas de longa memória pareceram menos berg, por volta da época em que ele nasceu.
aceitáveis, antes mesmo que novas observações, novos experimentos ou novos Seremos menos tentados a colocar Platão contra Aristóteles, ou qualquer
instrumentos aparecessem.
tradição textual contra qualquer outra, se compreendermos a importância de
278
279
colocar muitos textos díspares lado a lado. Há certamente um grande inte- d esenh ar "
veias
' "ou"vasos anatom1cos
· · " para seus textos, tant·oA · gr ícola como
resse em estudar o caráter das pesquisas de Copérnico, bem como das cor- Vesalius estavam lançando um empreendimento sem precedentes, e não sim-
:entes .de pensamento que as influenciaram: Mas essa investigação não deve plesmente seguindo as pegadas deixadas pelos iluminadores de manuscritos,
!~pedir-nos. de reconhecer a novidade que consiste em ser capaz de reunir As vantagens de produzir imagens idênticas, sob rótulos idênticos, para obser-
diversos registros e fontes de referência, e de ser capaz de estudá-los sem ter vadores espalhados em pontos geograficamente remotos, que podiam, por
de transcrevê-los ao mesmo tempo. Se quisermos explicar o advento de uma sua vez, enviar informações de volta aos editores, tudo isso capacitou os astrô-
consciência mais aguda das anomalias e o desencanto que se estabeleceu em nomos, geógrafos, botânicos e zoólogos a expandir seu acervo comum ele
relação aos esquemas herdados, então parece muito importante salientar que dados muito além de quaisquer limites anteriores - inclusive dos estabeleci-
um material de leitura de espectro mais amplo estava sendo examinado num dos pelos recursos excepcionais do longevo Museu de Alexandria. As velhas
determinado momento por um só par de olhos. . barreiras das colunas de Hércules ou da mais externa esfera dos céus helêni-
Do mesmo modo, ao buscar explicar por que a observação a olho nu pro- cos mostraram-se incapazes de conter as descobertas registradas em edições
d~~1~ resultad~s ~em precedentes, convém dar mais atenção à maior dispo- progressivamente ampliadas de atlas e mapas celestes. Fora escancarado o
mbihdade de bibliografia sobre cometas e conjimções, e ao maior número de mimdo fechado dos antigos; vastas expansões de espaço (e, mais tarde, de tem-
observações simultâneas de um determinado evento celeste. Por outro lado, po), até então associadas a mistérios divinos, tornaram-se sujeitas à computa-
não devemos deixar de observar o modo como as estrelas que desaparece- ção e à exploração humanas. O mesmo avanço cognitivo, que excitava a espe-
ram dos céus (e os breves desembarques em costas distantes) puderam ser culação cosmológica, também engendrou novas concepções do conhecimento.
~xadas de modo permanente, em localizações precisas, depois que os mapas A noção de uma esfera fechada ou de um corpo uno, que se transmitira de gera-
rmpressos começaram a substituir os copiados à mão. Embora continuasse a ção em geração, foi substituída pela nova concepção de um processo investi-
duplicação de mapas de má qualidade, e embora muitos editores de mapas gatório sem limites, que se exercia contra fronteiras em contínua expansão.
perpetuassem erros por mais de uma centena de anos, o fato é que um pro- Finalmente, ao tentarmos explicar "como tudo aconteceu", os novos ele-
cesso de transmissão tinha sido fundamentalmente reorientado, quando aque- mentos que envolvem coordenação e cooperação merecem não só mais aten-
la substituição teve lugar. As analogias com o movimento inercial não se apli- ção, como também um maior destaque. Ao buscar localizar os viveiros de uma
cam a este tipo de reversão. Ao considerarmos uma mudança de direção, é nova filosofia, parece-me inútil que nos detenhamos demasiadamente em uma
um equívoco estabelecer analogias com o movimento uniforme em linha reta. região, universidade, corte ou cidade - ou que dediquemos demasiada aten-
?ma vez que dados adulterados foram duplicados e, assim, perpetuados pela ção a um talento específico ou a uma determinada área científica. Podemos
rmprensa, é possível dizer que a adulteração de textos que ocorria no tempo destacar certas Imiversidades, ateliês ou academias laicas por contribuições
dos escribas se prolongou por algum tempo. Mas é preciso ter também em especiais. Mas a nova característica mais importante, a que requer nossa maior
consideração que um processo imemorial de adulteração foi detido de modo atenção, é o fato de terem surgido muitos e variados talentos ao mesmo tempo.
decisivo e finahnente revertido.· Na qualidade de principais patrocinadores das viagens de pesquisa, cartas aber-
Mesmo reconhecendo a atração exercida pelo JlÓgan "dos livros para a natu- tas, anúncios de instrumentos e de manuais técnicos de todo tipo, os primei-
reza", temos de reconhecer a importância que teve o fato de colocar mais natu- ros impressores deveriam ser objeto, pelo menos, de tanta atenção quanto a
reza nos livros. Neste ponto, como em outros, aliás, quaisquer afirmações que que é hoje dada a certos grupos ocupacionais específicos como os professores
dêem uma importância maior a desenvolvimentos particulares em áreas espe- de Pádua, os botânicos de Wittenberg ou os engenheiros-artistas do Quattro-
cíficas, como a arte da Renascença ou o aristotelismo renascentista têm de cento. Os programas de publicações, lançados por oficinas urbanas em mui-
ser acompanhadas de um exame mais detido sobre como poderiam ser coor- tas regiões, tornaram possível coordenar os. esforços esparsos e alargar o
denados e combinados alguns desenvolvimentos distintos (os talentos éspe- alcance das investigações, até que (como no caso do Grande atlad produzido
cíficos de pintores eBsicos, por exemplo), Ao contratarem ilustradores para pelo filho de W. J. Blaeu) adquiriram um âmbito realmente mimdial.

280 28!
Quaisquer tentativas de justificar o rápido crescimento e expansão dos
empreendimentos científicos, durante o século dos gênios, podem ser condu-
zidas de modo muito semelhante ao aplicado a viveiros, sementeiras e nasci-
mentos. Quando se tenta explicar a "aceleração do progresso científico", há
muita controvérsia quanto a priorizar o papel desempenhado pelo gênio indi-
vidual, ou a evolução interna de uma tradição especulativa, uma nova alian-
ça entre intelectuais e artesãos, ou um conjunto de mudanças convergentes,
de natureza socioeconômica ou religiosa, que foram afetando "o meio ambien-
te no qual essas descobertas tiveram lugar". Não é suficiente dizer que adis-
cussão sobre esses aspectos é improdutiva (visto que todoJ esses "fatores" se
fizeram sentir), porque, agindo desse modo, ainda deixamos sem resposta as
perguntas sobre como, por que e quando tais fatores se fizeram sentir. Se uma
nova estratégia não for imaginada para lidar com esta questão, a velha dis-
cussão emergirá outra vez. E, uma vez que ela gira sempre sobre as mesmas
questões, os retornos tendem a ser empobrecedores. Por isso, incluir a impren-
sa na discussão tem, entre outras, a vantagem de permitir-nos tratar direta-
mente dessa questão ainda aberta, sem ter de prolongar a mesma controvér-
sia indefinidamente.
Como já foi sugerido em observações anteriores, os efeitos produzidos pela
imprensa podem ser justificadamente relacionados com uma incidência acres-
cida de atos criativos, com as transformações ocorridas no interior de algu-
mas tradições especulativas, com intercâmbios entre intelectuais e artesãos
e, na verdade, com todos os fatores que são objeto de controvérsia nas con-
tendas atuais. Assim, não precisamos invocar algum tipo de" mutação no inven-
tário dos genes humanos" para poder explicar um inteiro "século de gênios";
nem temos que negar que motivos aleatórios (às vezes·pessoais ou de gosto)
possam ter sido parte do exitoso processo de resolução dos enigmas daque-
la era. Sem prejuízo do forte caráter pessoal de cada ato criativo, podemos
levar em conta também a nova tecnologia da imprensa, que proporcionou mais
abundante alento para o espírito e permitiu que as energias mentais fossem
usadas de modo muito mais eficiente.
. d , . de rosto da obra de Francis Bacon, /n,1ta11ratio magna (Londres, 1620) mos-,
Um enfoque semelhante levar-nos-ia também a superar a falsa dicotomia E sta gravura e pagina · d
- fi d " ele)· ar além das colunas de Ilérculcs" estava associa a ao progres·
entre a vida da ciência e a da sociedade em geral. As modificações engendra- tra como a expressao gura a v . 1d '
· , d' d • ] X\TII As viag·ens marítin1as se achavam v1ncu a as a expan-
so do saber, nos primor ios o secu o · . . .
das pela imprensa tiveram sobre as atividades cerebrais e profissões liberais são dos acervos comuns d e dad os, q
ue permitiram aos 1nvestJ.gadores modernos ultrapassar 0s
_.
um efeito muito mais imediato do que o produzido por muitas outras espé- antigos. Reproduzida mediante genlil permissão da Folger Shakespeare L1brary.
cies dl' eventos "externos''. Foram alteradas as antigas relações entre mestres
e discípulos. Os estudantes que usavam os textos técnicos como professores
28]
282
silenciosos ficavam menos propensos a se submeterem à autoridade tradicio- primeiros impressores foram convidados a instalar prelos cm mosteiros c
nal, e mais receptivos às tendências inovadoras. As mentes jovens que pas- colégios, enquanto que tutores e professores primários eram muito procura-
saram a ter acesso a edições atualizadas,,sobretudo no caso de textos de dos como editores de texto e tradutores. Tiveram grande importância não s6
matemática, começaram a suplantar não somente os mais velhos, como tam- a formação de centros culturais laicos fora elas universidades, como o movi-
bém a sabedoria dos antigos. Também foram muito afetados pela imprensa mento da tradução para a língua vernácula. Mas não menos significativas fo-
os métodos de medição, os modos de registro das observações e todas as for- ram as mudanças que afetaram as faculdades universitárias e os estudantes
mas de levantamento de dados. O mesmo se pode dizer das carreiras segui- que procuravam habilidades profissionais. Quando as elites profissionais que
das por professores e pregadores, médicos e cirurgiões, mestres de cálculo e escreviam em latim são isoladas dos efeitos da nova tecnologia, as divisões
engen~eir~s-artistas. "É fácil concordar com [ ... ] a afirmação de que está fora internas no seio da comunidade universitária se tornam mais enigmáticas do
de cog1taçao qualquer tentativa de separar mais nitidamente os fatores inter- que necessário, e perde-se uma oportunidade rara de observar como ns l'or·
nos e externos [... ] mas, como escreveu G. R. Elton há vários anos, há nisso ças "externas" entram no âmago da vida da ciência.
um trabalho a ser feito, e não um trabalho pronto." Estas considerações nos transportam para além do campo especial da his-
. Antes que ~e.possa iniciar o trabalho, contudo, é preciso abrir algumas pro- tória da ciência, isto é, para o problema mais geral de relacionar os desenvol-
missoras poss1bihd~des de pesquisa e uma atenção maior deve ser dada à pre- vimentos socioeconômicos e políticos aos de ordem intelectual e cultural. Aten-
sença .d~ ~ovas oficmas JUnto às velhas salas de aula. Deve-se admitir que os tar para as mudanças ocorridas nas comunicações incentiva-nos a relacionar
matenais unpressos afetam os padrões de pensamento, facilitam a solução dos a mente com a sociedade, e ao mesmo tempo a não estabelecer conexões for-
pr?bl~mas. e, em geral, penetram a "vida da mente". Deve-se pensar que os çadas entre classe econômica e superestrutura intelectual, apenas para enqua·
pr'.me1ros impressores trabalharam quer com os professores que utilizavam o drar-se num esquema pré-fabricado. É sempre possível identificar relações
l~t1m, quer com os publicistas e panfletários que se exprimiam em vernáculo. plausíveis, tendo-se em conta os vínculos proporcionados por uma nova rede
Em outras palavras, é necessário reavaliar as divisões que muitas vezes se supõe de comunicações que coordenava as diversas atividades intelectuais, ao
tenham separado acadêmicos e artífices, universidades e oficinas urbanas. mesmo tempo que produzia bens palpáveis a serem comercializados com
Isto se aplica a teorias que interiorizam a solução dos problemas científi- lucro. Uma vez que esses bens eram patrocinados e censurados pelas auto-
cos, a ponto de desconhecer a revolução nas comunicações e negligenciar sua ridades, além de consumidos por grupos letrados, as atividades dos primei-
po~sível r_elevância às aulas e estuclos dos homens cultos. Aplica-se igualmen- ros impressores facultam Ullla conexão natural entre o movimento de idéins,
te as teorias que recusam aos homens da Igreja e aos professores universitá- os desenvolvimentos econômicos e os negócios da Igreja e do Estado.
riosª. capacidade de lançar tendências inovadoras. A esse respeito, as teorias As políticas perseguidas por alguns dos mais bem-sucedidos editores-
marx1~tas sobre luta de classes parecem constituir mais um estorvo do que comerciantes do século XVI permitem corrigir de maneira oportuna a idéia
uma ªJuda. Colocar uma vanguarda de pioneiros capitalistas das origens con- generalizada que opõe, de um lado, monarcas centralizadores "voltados para
tra uma retaguarda de clérigos ledores de latim pouco ajuda a esclarecer os 0
futuro" ou estadistas construtores de nações e, de outro lado, pequenos
de~envolvime~tos havidos na Idade Média, mas contribui muito para enco- principados "retrógrados" e cidades-estados fechadas do final da Idade Média.
bnr os novos mtercãmbios que surgiram após a disseminação das lojas de As indústrias impressoras representavam um empreendimento "progressista",
impressão. Há ótimas razões para relacionar impressores com os comercian- de larga escala, que floresceu melhor em pequenos reinos frouxamente fede-
tes e capitalistas, e nenhuma para dissociá-los dos professores e dos frades rados do que em outros, maiores e mais bem consolidados. Os impressores tam-
- especialmente na época dos impressores-acadêmicos, quando sabemos bém injetaram, em diversas culturas literárias protestantes, ingredientes secu-
que foi íntima~ ligaç~o entre os dois ofícios. De fato, os pregadores e pro- lares estrangeiros que parecerão anômalos, a menos que se tenham em conta
fesso;es recornam mmtas vezes às novas formas de publicidade, com menos os mecanismos peculiares do comércio de livros censurados. Ao rastrear a difu-
conflitos que os artesãos, habituados a preservar segredos profissionais. Os são de idéias do sul católico para o norte protestante, deve-se atribuir o devi-

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do peso a uma série de fatores que levaram a uma difusão prévia das indús- tantes. Além disso, ao delinear o cenário em que ocorreu a Reforma, será neces-
trias impressoras. Em qualquer história social das idéias, merece especial con- sário dar alguma atenção àquelas numerosas controvérsias pré-reformistas, que
sideração saber como o centro de gravidade da República das Letras se des- tinham menos a ver com a tradução para o vernáculo do que com estudos tri·
locou da Veneza do século XVI para a Am;terdam do final do século XVII. língües e a exegese erudita de textos em latim. Os editores dos textos patrís-
Ao procurar identific;ir os" espaços onde germinaram as sementes do Ilu- ticos e alexandrinos tinham um ponto de encontro nas oficinas dos mestres-
minismo, convém observar com atenção o modtld operaníJi dos mais famosos impressores. Se for dada também mais atenção às mudanças que afetaram a
mestres-impressores (como Aldus ·Manutius, Robert Estienne, Oporinus, transmissão textual entre as elites eruditas, chegaremos mais perto de enten·
Plantin), bem como a natureza relativamente aristocrática de sua clientela. der como diferentes tendências da primeira fase da história intelectual moder-
Como· está assinalado na biografia de Aldus, escrita por Martin Low:iy, quan- na podem ser relacionadas entre si. Em particular, isso pode ajudar a esclare-
do o impressor veneziano pôs de lado o formato grande do fólio, em favor do cer a relação entre as mudanças religiosas e científicas.
reduzido octavo, ele se mostrava disposto a servir a conveniência de acadêmi- Desse modo, podemos observar que os textos herdados de Aristóteles, Gale-
cos diplomatas e conselheiros de estado de estirpe patrícia. Ele não estava no e Ptolomeu tiveram um destino muito semelhante ao reservado aos tex-
pensando, o que seria algo absurdo, em explorar os mercados populares com tos recebidos dos pais da Igreja, entre os quais São Jerônimo. Os estudiosos
textos dedicados às obras clássicas gregas. Do octavo aldino, de 1500, ao íJuo- da época dos escribas tudo fizeram para expurgar a tradução da Bíblia feita
í:!ecimo Elsevier, da década de 1630, a circulação das cômodas edições de por São Jerônimo, e protegendo-a de adulterações posteriores, do ~~smo modo
bolso alterou, antes de qualquer outra coisa, as circunstâncias da própria Comu- como os astrônomos medievais labutaram para preservar e corngir a Grande
nidade do Saber. Antes, contudo, de admitir que uma visão alterada do compOJú;ão, de Ptolomeu. Asemelhança do que ocorreu com os estudos trilín-
mundo implica o surgimento de uma nova classe, parece útil dedicar \Uu pouco gües, que haviam sido reivindicados, mas somente foram ~e.ali~a~os após.º
mais de atenção ao reagrupamento intelectual entre as elites ledoras de latim. advento da imprensa, assim também a reforma do calendáno 1uhano havia
Por esse meio, poderemos também retificar um desequilíbrio criado pelo sido freqüentemente pedida, mas jamais conseguida. Após o advento ela
realce que se dá atualmente às tendências popularizantes e aos movimentos imprensa, a versão feita por São Jerônimo ficou protegida de adulterações
de massa. posteriores, para ser depois ameaçada somente pelas anotações dos eruditos
O ímpeto evangélico que alimentou os primeiros prelos teve conseqüên- que haviam adquirido o domínio do hebraico e do grego. De modo parecido,
cias muito rápidas e espetaculares, além de provocar novas formas de parti- o trabalho de Ptolomeu não foi emendado e expurgado antes de tornar-se o
cipação de massa. Contudo, tal fato não deveria desviar nossa atenção de outras alvo de ataque. A Copérnico, qualificado como o "segundo Ptolomeu",
transformações, mais sutis, embora também irreversíveis, que alteraram a atribuiu-se, apesar de sua distância pessoal em relação às lojas impressoras,
visão do mundo alimentada pelas elites latinizantes. Sem mencionar a disse- um papel semelhante ao desempenhado por Erasmo, que decidira refazer o
minação, muitas outras características novas, introduzidas pela imprensa, trabalho de São Jerônimo. Os dois homens decidiram levar a cabo dois pro-
entraram na revolução científica e desempenharam papel essencial na refor- gramas tradicionais: respectivamente, expurgar o texto da Bíblia e reformar
ma religiosa. Ao relacionar esses dois movimentos, precisamos considerar a a Igreja; emendar oAlmageJto e ajudar a reformar o calendário. Ambos, con-
maneira como as velhas atitudes estavam sendo implementadas no seio das comu- tudo, usaram de meios não tradicionais e encaminharam seu trabalho numa
nidades do saber, antes de esperar que novas atitudes fossem criadas, e muito direção não convencional e o próprio ato de tentar alcançar velhos objetivos
menos que a disseminação do conhecimento alcançasse por inteiro as novas resultou na abertura de novos caminhos.
classes. Este enfoque vale mesmo quando se lida com tendências evangélicas. As novas questões suscitadas por obras que desvendavam novos caminhos,
As atitudes anteriores, exibidas pelos Lollards, Waldenses, Hussitas e Irmãos no século XVI, levaram, por sua vez, os filósofos naturais e teólogos a se divi-
da Vida em Comum, já estavam séndo há algum tempo implementadas pela direm ao longo de linhas similares. Os conservadores, de ambos os grupos,
imprensa, antes que surgissem em sua plenitude as diversas doutrinas protes- viram-se colocados na incômoda posição de se afastarem dos precedentes, embo-

286 287
ra defende~do o dtaftM quo. Os defensores de Aristóteles e Galeno, que ten-
t~vam purnr os professores por se afas~~em dos textos já estabelecidos, pare-
ciam-se. com os defensores da tradução de São Jerônimo, que censuravam
~ lico" pela mesma causa. E o mesmo fez Rheticus em nome de seu mestre. Não
obstante, a queda de Ptolomeu, Galena e Aristóteles não resultou dos car-
tuns e da panfletagem. A mudança científica não segue o mesmo modelo que
os eruditos que anotassem as edições das Escrituras. Na mesma ocasião,
~ os reavivamentos religiosos. Qualquer pessoa desejosa de apresentar uma con-
1

mu'.tos eclesiásti~os e professores leigos sentiam-se atraídos pelas novas opor-


tumdades, oferecidas pelos impressores, de atingir um grande público, ganhar
.'
• '
tribuição científica precisava absolutamente recorrer à publicação, mas era
muitas vezes iodesejável o tipo de publicidade que produzia os beJt-JellerJ. Ainda
novos patrocioadores e conseguir fama. Por isso, membros desses dois gru- hoje, muitos cientistas de renome vêem com muita apreensão a cobertura sen-
pos empregaram seus serviços, como editores de textos, tradutores e auto- sacionalista que costuma acompanhar a exposição prematura de suas idéias.
res, tanto em áreas populares como acadêmicas. Os teólogos que defendiam E os virtuoJi do início da Era Moderna tinham ainda melhores razões para
o sacerdócio de todos os crentes e traduziam bíblias encontravam-se na tais receios. Muitos copernicanos (inclusive o próprio Copérnico) beneficia-
mesm~ si1:'1a?ão que os fr~des, físicos e mestres-escola, que compilavam ram-se do uso de materiais impressos, embora subtraindo-se à publicidade.
manuais tecrncos ou traduziam textos médicos ou matemáticos. O movimen- Muitos editores puritanos e discípulos de Francis Bacon fizeram proselitis-
to em favor da tradução para o vernáculo não só permitiu que os evangelis- mo de uma "nova ciência",· sem endossar ou mesmo compreender os traba..
tas levassem o Evangelho ao homem comum, como também explorou um vasto lhos técnicos em latim que representaram marcos de significativo avanço.
reservatório de talento científico ainda latente, ao solicitar novas contribui- Houve, é verdade, alguns projetos visionários, em favor do conhecimen-
ções d~ const:utores de instrumentos, mestres de cálculo e engenheiros-artis- to útil - da crença na ciência para todo cidadão e da matemática para os
tas. O mcent1vo que os protestantes sempre deram às atividades de leitura e milhões - , que entraram nos planos do grupo responsável pelas TranJaC·
auto-ajuda, pelos leigos, foi particularmente favorável ao intercâmbio entre · tionJ, da Royal Society. Contudo, as contribuições para essa revista cieiüí·
leitores e editores ~ o que levou ao silencioso afastamento de autoridades fica pioneira só tiveram importância na medida em que cumpriram o pro-
antigas, como Plínio, bem como à expansão de uma nova modalidade de pósito mencionado numa carta de Oldenburg a Malpighi: "dar a conhecer
coleta de dàdos. Por fnn, as mesmas políticas de censura e tendências elitis- ti a opinião de todos os entendidos''. Para tornar possível a aprovação consen-
tas, que tanto desestimulavam os impressores católicos de bíblias,. acabaram
por bloquear a saída das publicações científicas em terras católicas.
Embora a exploração protestante da imprensa ligasse, de várias manei-
ras, a Reforma à ciência moderna, e embora as atividades de publicação cien-
tífica foss~m cada v:z mais. assumidas por firmas protestantes,.o fato é que
! sual de muitos .observadores, experimentadores e matemáticos, impunha-se
uma utilização da imprensa diferente da requerida para simplesmente dis-
seminar boas novas a todos os homens. Com o tempo, o acesso às revistas e
sociedades científicas ficou restrito a uma pequena elite de profissionais, todos
altamente capacitados. O nascimento da ciência moderna acarretou o des·
os evangelistas e os l'trfw1J1 amda estavam usando os novos poderes da impren- 11 crédito não somente dos aristotélicos, galenistas e ptolomaicos, como tam-
sa para fins fundamentalmente diferentes. Estes últimos visavam não adis- ,1 bém dos" empíricos", dos milagreiros, dos que se autoproclamavam curado-
·1
seminar a palavra de Deus, mas a decifrar o resultado de seu trabalho. O único res, todos até então empenhados no ataque ao aprendizado pelos livros, ao
meio de" abrir" o Livro da Natureza à inspeção pública pressupunha.(de modo mesmo tempo que faziam sua autopromoção. Desde Paracelso até hoje, pas·
paradoxal) a codificação preliminar dos dados em equações, diagramas, sando por Mesmer, a imprensa tem-se prestado tanto aos propósitos dos pseu-
n:odelos e mapas cada vez mais sofisticados. Para os l';rfUJJdi, os usos da publi- docientistas como aos propósitos dos autênticos cientistas, e nem é sempre
cidade eram bem mais problemáticos que para os evangelistas. O caso de Gali- fácil separar um grupo do outro. Hoje é tarefa relativamente simples distin-
leu; sob esse aspecto, pode levar-nos a equívocos. Explorando sua sensibili- guir entre revistas científicas e jornalismo sensacionalista. Mas, nos primei-
dade em matéria de publicidade e seus dons de polemista, ele atuou de fato ros anos da Royal Society, quando ainda se aceitavam e registravam visões
como um proselitista da causa copernicana. Alguns frades católicos, como de monstros e outras maravilhas, os dois gêneros eram muitas vezes confun-
Bruno, Campanella e Foscarini, exibiram também um tipo de zelo "evangé- 1
1
didos. E essa confusão combinava-se por sua vez com os efeitos do ln'iJex,

288
289
8. CONOJ.ll9

~
que amontoava enfadonhos trabalhos de física, de volantes sensacionalistas As tradições religiosas e científicas haviam seguido um "caminho similm
1
à margem da lei, e transformava a defesa das idéias de Copérnico numa causa na era dos escribas. Mas, no tempo da Reforma, elas já tinham tomado cam
1: patriótica protestante. nhos próprios. Embora tenha proporcionado novos meios de atingir objeti
Por isso, um escritor inglês do século XVI não achou estranho colocar o vos longamente acalentados, tanto a estudiosos da Bíblia como a filósofos natu
reservado Copérnico, católico, que como autor se exprimia em latim, na com· rais, a nova tecnologia havia separado os dois grnpos e os impelia em direçõe
panhia de vários reformadores luteranos, pelo grave delito de ter "trazido as diferentes.
Regras Astronômicas e Tábuas de Movimentos de Ptolomeu"à "sua primi- Até o advento da imprensa, as indagações científicas sobre "como vai <
tiva pureza". Sua tese sugere que os protestantes ligavam o destino da Vul- céu" se achavam ligadas a preocupações religiosas sobre" como ir para o céu"
gata ao do A!mageJto - uma linha de pensamento com a qual já estarão fami- Erasmo e Copérnico tinham compartilhado um interesse comum, ao decifra·
liarizados os leitores deste livro. Do mesmo modo como os protestantes rem antigos nomes de lugares e ao datarem antigos registros. Uma vez qu~
tinham purificado as Escrituras, dizia ele, "expulsando as nuvens da religião a festividade religiosa da Páscoa, sendo móvel, criava problemas de datas, havfo
romana que haviam escurecido a verdade da palavra de Deus", assim tam· necessidade de astrônomos para ajudar a Igreja na comemoração das verda.
bém Copérnico havia purificado as tábuas que se haviam adulterado "por um des do Evangelho. Após o advento da imprensa, entretanto, o estudo da
longo excesso de tempo". Desse modo, enquadrava-se Copérnico no mesmo mecânica celeste foi encaminhado para ontras direções, e atingiu em breve
papel do diretor do "Poliglota", de Londres, que pretendia, em seu prospec- tais níveis de complexidade que ficaram para trás os problemas de calendá-
to, haver libertado as Escrituras "do erro, da negligência dos escribas, dos rio e as antigas formas de calcular.
desgastes do tempo, além da adulteração consciente de sectários e hereges". A necessidade de dominar a filologia ou aprender grego tornou-se cad11
Este tema, que se mostra relativamente conservador em sua ênfase sobre cor- vez mais importante para o estudo da Bíblia, e cada vez menos importante
reção e purificação, também se prestou aos objetivos daqueles que desejavam para o estudo da natureza. De fato, os problemas criados por diversas expres·
legitimar a Royal Sociely, como se pode deduzir deste comentário repetid11- sões gregas ou arábicas, pelas abreviações latinas medievais, pela confusão
mente citado de Hutory of the Royal Soàety, do bispo Sprat. Segundo o referi" entre as letras e os números romanos, pelos neologismos, pelos erros dos copis-
do bispo, a Royal Sociely e a Igreja anglicana" têm motivos semelhantes para tas etc. foram então vencidos de maneira tão completa que os estudiosos moder-
reivindicar a palavra Reforma", nos tendem muitas vezes a esquecer-se das limitações que os procedimentos
dos escribas haviam imposto ao progresso nas ciências matemáticas. Durnn·
a primeira! incluindo-a na Religião, a outra, propondo-a como objeto da Filosofia[ ...] te o período que vai de Roger Bacon a Francis Bacon, o domínio da geomc·
As duas seguiram caminho similar para chegar a tal fim, Cada uma delas passando pelas tria, da astronomia ou da óptica tinha sido acompanhado pela recuperação
cópias adulteradas e voltando-se para os originais perfeitos, para sua in_struçãoi a pri-
de velhos textos e pela intensificação nos estudos de grego. Já no século XVII,
meira, de olhos postos só nas Escrituras e a segunda, no imenso Volume das Criaturas.
a linguagem da natureza estava se emancipando da vetusta confusão de ]fo.
guas. Vários nomes relativos à flora ou fauna tornaram-se menos confusos,
Parece significativo que os historiadores, ao citarem essas observações, quando colocados abaixo de figuras idênticas. Constelações e massas de ter·
não as relacionem com a passagem dos manuscritos ao impresso (apesar da ras, uma vez incluídas sobre mapas e globos uniformes, passarmn a ser loca-
rápida referência às" cópias adulteradas"), usando-as em vez disso para rei· lizadas de modo mais preciso, e sem que fosse preciso recorrer a etimologias
terar a tese do bispo, exposta há trezentos anos, de que a Reforma e a revo· incertas. Tábuas de logaritmos e réguas de cálculo passaram a garantir medi-
lução científica se relacionam de algum modo. Enquanto a imprensa não for das comuns para os agrimensores nas diversas regiões. Enquanto a Vulgata
levada em consideração, esta tese parece destinada a provocar nada mais que foi seguida de uma sucessão de edições poliglotas da Bíblia e de uma quan·
um debate inconclusivo. Desconsiderar a imprensa significa ocultar iinpor· tidade de variantes, a queda do A!magedto abriu o caminho para que Newton
tantes vínculos e minimizar disjunções ainda mais importantes. formulasse pancas leis elegantes, simples e universais. O desenvolvimento de

290
vocabulários neutros pictóricos e matemáticos tornou possível uma reunião etn sua obrai não se baseia no testemunho das Escrit1U'ílS ou na ti·adição1 n1as é visível
de talentos em larga escala para analisar dados e levou à consecução final de para nós a todo momento. Mas ela só é compreendida por aqueles que conhece1n v. c.:ili·
um consenso que transpôs as velhas fronteiras. grafia da natureza e podem decifrar o seu texto. A verdade da natureza não pode SCl'
expressa em meras palavras [... ] mas tem de sêNlo em construçõesi figuras e números
A utilização de meios de expressão pictóricos por Vesalius, assim como a
matemáticos. E é com estes símbolos que a natureza se apresenta em perfeita fol'Jllfi e
preferência de Galileu por círculos e triângulos, mostram-nos por que não é
clareza. A revelação por meio da palavra sagrada jamais pode alcançar [... ] tal prcci·
sensato especular muito se os trabalhos eram escritos em língua vernácula ou são, pois as palavras são sempre [...] ambíguas [ ...] Seu sentido tem de ser dado sem•
em latim, e por que não devem ser levados a extremos quaisquer eventuais pre pelo homem[ ... ] Na natureza[... ] jaz diante de nós o plano completo do universo.
paralelos entre reformadores evangélicos e os primeiros cientistas modernos.
Muitos proponentes da nova filosofia eram favoráveis à utilização de uma lin- Esta famosa passagem da FÜi!Jojia oo Iluminifimo, de Erust Cassircr, des-
guagem simples, e, tal como os reformadores evangélicos, se opunham à mis- creve de modo brilhante uma importante transformação intelectual, mas
tificação. Apesar disso, a linguagem usada pelos novos astrônomos e anato- deixa de explicar por que ela aconteceu precisamente quando aconteceu, A
mistas, ainda incompreensível ao leigo sem estudo, não se parecia em nada com descrição de Cassirer deve ser suplementada pela observação de que as "cons·
o modo de expressar-se do homem da rua. Na maior parte das vezes, foi uma truções, figuras e números matemáticos" nem sempre se haviam apresenta-
linguagem não falada, em tudo diferente da que era proposta pelos protestan- do "em perfeita forma e clareza". "Para descobrir a verdade das proposições
tes, que no final das contas preservou os vínculos entre o púlpito e a impren- de Euclides", escreveu John Locke, "há pouca necessidade ou uso da reve·
sa, dando execução à tarefa de disseminar a Palavra. Foi o uso de "professo- lação, visto que Deus nos proporcionou um modo natural e mais seguro de
res silenciosos", transmissores de mensagens não fonéticas e detalhadas com chegar ao conhecimento delas". No século XI, contudo, Deus não havia dado
precisão, que permitiu à bibliografia técnica libertar-se das ciladas semânti- aos estudiosos ocidentais um modo natural ou seguro de compreender o teo-
cas. Como observou Fontenelle em 1733: "O reino das palavras" havia termi- rema euclidiano. Em vez disso, os homens mais cultos do mundo cristão se
nado; precisava-se agora de "co~sas". Duzentos anos antes, a disputa verbal empenharam numa busca infrutífera para descobrir o que Euclides queria dize!'
já estava sendo abandonada, em favor da demonstração visual. "Ouso afirmar ao falar de ângulos internos.
que um homem tirará mais proveito em uma semana, valendo-se de figuras e Uma nova confiança na precisão das construções, figuras e números mate-
mapas bem feitos, do que tiraria apenas lendo ou ouvindo as regras daquela máticos afirmou-se com base num método de duplicar materiais que não só
ciência, ainda que fosse por meio ano ou mais." Isso foi escrito por Thomas ultrapassava os velhos limites impostos pelo tempo e pelo espaço, como apre·
Elyot, em 1531, ao recomendar cursos de desenho para educadores. sentava dados idênticos, nwna forma idêntica, a homens que, por outro lado,
Antes do advento da imprensa, publicar significou muitas vezes um ditar se encontravam divididos por fronteiras culturais e geográficas. A mesma
ou ler em voz alta. Ao contrário da cultura dos escribas, que dera espaço para confiança era criada pelas representações pictóricas, as quais, como assinalou
"ouvir as regras de uma determinada ciência", a cultura impressa tornou pos- Sir Joseph Banks (com referência a gravuras de plantas e rochas observadas
sível a distribuição simultânea de "figuras e mapas bem feitos". Desse·modo, na expedição do Capitão Cook), proporcionaram uma medida comum, que
ela não só transformou as comunicações no seio da Comunidade do Saber, falava "de um modo universal para toda a humanidade". Essa linguagem
como também estabeleceu as bases para que se pudesse confiar, de maneira comum era transmitida pelos mapas, aos quais Kenneth Boulding atribui uma
nova, na capacidade humana de chegar a um certo conhecimento das "Leis "autoridade extraordinária, maior do que a de todos os livros sagrados". Mas
da Natureza e do Deus da Natureza". não provinha das controvérsias acadêmicas que acompanhavam as edições cada
vez mais numerosas do livro sagrado do mundo cristão ocidental.
O que ameaçava os próprios fundamentos da Igreja era o novo collceito de verdade proR Enquanto o estudo da natureza ia sendo progressivamente libertado dos
clamado por Galileu. Ao lado da verdade da revelação, surge agora uma verdade origi- problemas de tradução, o estudo das Escrituras se tornava mais embaraça·
nal e independente da natureza. Esta verdade é revelada não nas palavras de Deus mas
1 do. Por um lado, as traduções vernáculas fragmentaram a experiência reli·

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giosa dos memb'.o~ da cristandade latina e com isso ajudaram a precipitar as tradas na B1'bl'ia", e sal'1entava o contrnste entre o proveitoso
. "estudo das c01- '
longas g~erras civis e, por outro, as diversas edições poliglotas da Bíblia não sas e o de Algaravia de Palavras". Já tivemos ciência, num trecho anterior deste
conseguiam fazer com que os estudiosos emditos da Comunidade do Saber livro, da preferência declarada de Sir Thomas Browne por" Arquimedes, que
se aproximassem das puras e originais palavras de Deus. Tycho Brahe, ao a a com exati'd""
f:l - 1 em termos gerais' ",
ao , em contraste com "o texto sagrado que f:'aia
deparar-se com duas tábuas astronômicas conflitantes baseadas em dados adul- Robert Boyle bem podia criar uma datação para uma série de palestras des·
terados, pôde realizar seu propósito de confrontar ambas as versões com um tinadas a conciliar a revelação das Escrituras com os princípios matem{~ticos
"original puro" - isto é, com observações diretas da nunca adulterada "escri- da filosofia natural; em vão Newton podia batalhar para provar que os rela-
ta nos céus". Já a insatisfação com as cópias adulteradas da tradução latina tos do Velho Testamento se harmonizavam com uma cronologia que coinci·
de São Jerônimo não poderia ser superada do mesmo modo. Ao contrário, dia com o mecanismo celeste. Apesar de tudo, os "dois livros" de Deus tinham
ela levou a uma enorme confusão em várias línguas e ao adensamento da lite- chegado a um ponto em que teriam que seguir caminhos diferentes.
ratura especializada que tratava das variantes textuais e de teorias alternati-
vas de composição. A ilusão mística, que havia pairado sobre 0 ato da cria- Num dado dia, no século XVIII, alguns cientistas suecos descobriram uma certa alte·
ç~o, a~ora bruxuleava cada vez mais timidamente, à medida que os pedantes ração nas costas do mar Báltico [... ] os teólogos de Estocolmo fizeram uma representn·
discutiam sobre como datar o acontecimento e como autenticar as versões do ção ao governo, no sentido de que "esta observação dos [...] cientistas, por não ser coe~
Gê~esis. Aqueles monumentos barrocos de erudição, que haviam sido con- rente com o Livro do Génesis, tem de ser condenada". Aos quais se respondeu que Deus
ce~1dos para alcançar uma visão mais clara da vontade divina, não somente fizera tanto o Báltico como o Génesis [...] caso houvesse alguma contradição entre as
deixaram de atingir seu objetivo. Afinal de contas, fizeram com que ele setor- duas obras, o erro só podia estar nas cópias que possuímos do livro, e não no Báltico,
nasse mais fugidio do que nunca. de que temos o original.
Constitui certamente uma das maiores ironias da história da civilização oci-
dental o fato de que os estudos da Bíblia - que visavam a penetrar na escu- Assim, o efeito da imprensa sobre o estudo da Bíblia estava em forte con-
ridão gótica, com o objetivo de recuperar a autêntica verdade cristã, isto é a traste com seu efeito sobre o estudo da natureza. Esse contraste fica menos
eliminar todas as glosas e comentários, de modo a revelar simplesmente o te::io visível quando se insiste exclusivamente nos temas ligados à popularização
puro, "natural" - tenham terminado por erigir entre o leitor da Bíblia e 0 Livro e quando se trata da distribuição de bíblias em vernáculo junto com a disse·
Sa~rado um emar~nhado impenetrável de anotações abstrusas. Em sua pales- minação dos livros técnicos. Ele é obscurecido também pela propaganda
tra maugural na cidade de Wittenberg, o jovem Philip Melanchton referiu-se antipapista, que ligou a correção do AlmageJto com a da Vulgata. A adultera-
~om desdém ao desconhecimento dos estudos de grego pelos doutores angé- ção de textos pelos copistas criara um inimigo comum para os homens da lgre·
licos, às glosas superficiais dos escribas ignorantes, ao enxovalhamento das ja e os astrônomos; contudo, uma vez vencido esse inimigo, os antigos alia-
Sagradas Escrituras com matérias estranhas a seu conteúdo. Ele reclamava 0 dos seguiram caminhos divergentes. Para podermos observar essa divergência,
retorno ~s "puras" fonte~ gregas e hebraicas. Mas o fato é que, quanto mais torna-se necessário estudar as transformações internas ocorridas no seio da
progrediam os estudos trilíngües, mais os estudiosos brigavam pelo significa- Comunidade do Saber, onde as bíblias em latim já vinham sendo há muito
do das palavras e frases, e até mesmo pela colocação dos diacríticos, que indi- estudadas, embora ainda não tivessem aparecido as edições poliglotas inte-
cam os sops vocálicos. A própria água de que bebiam os latinistas se tornou grais. Além dos problemas novos trazidos para essa comunidade pelas ver·
turva e barrenta, à medida que prosseguiam os debates entre os estudiosos. sões poliglotas da palavra sagrada, é preciso também levar em conta os velhos
Hobbes e Spinoza mergulbaram ambos no estudo da Bíblia, e acabaram limites que haviam pesado sobre o processo de coleta de dados, e novas van·
encontrando na nítida clareza das provas euclidianas um refrescante contras- tagens trazidas pelas tábuas, gráficos e mapas impressos. Desse modo, poder•
te com as sombrias obscuridades dos textos da Escritura. Sir William Petty se-á constituir o cenário para o pensamento iluminista sem recorrer a con-
protestava contra o ensino aos meninos de" ásperas palavras hebraicas encon- ceitos vagos, como o de "modernidade", e sem enredar-se em debates sobre

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ideologia burguesa. Pelo menos, na minha opinião, as mudanças trazidas prometida por impulsos comerciais. Nos lugares onde forai~ desacreditac~os
pela imprensa proporcionam o ponto de partida mais plausível para explicar- os vendedores de indulgências, multiplicaram-se os comerciantes da Bíblia.
mos como a confiança até então depositada;pa revelação divina se deslocou Nas lojas impressoras, em particular, os velhos impulsos ~is.sionários com-
para o raciocínio matemático e para os mapas feitos pelo homem. binavam-se com as pressões ditadas por uma empresa capitalista em expan·
O fato de que as tradições religiosas e científicas foram afetadas pela são. Mas, aqui também, vários outros impulsos convergiram. Seria o pode!'
imprensa de maneiras tão marcadamente diversas mostra a natureza comple- propulsor do capitalismo mais forte que o antigo desejo de fama? Juntos, eles
xa e contraditória da mudança das comunicações e sugere que é fútil tentar eram sem dúvida mais fortes que qualquer um deles separadamente. E o caso
encapsular todas as suas conseqüências numa só fórmula. Ao considerarmos de que os prelos não proporcionaram aos go;ernantes ~m n~vo meio.de esten·
a tendência protestante para a iconoclastia ou o aumento da leitura da Bíblia, der seu prestígio ao mesmo tempo que ofereciam umaaJuda vital ammtos buro-
pode parecer útil pensar em um movimento que jria "da imagem para a pala- cratas anônimos? Entre os impressores de mapas, os mestres de cálculo e os
vra"; mas também devemos estar preparados para aplicar a fórmula inversa, artesãos, como já vimos, a imprensa ª?iu, por uma e~pécie de alquimia ,m<~ra·
"da palavra para a imagem", ao reconstituir o cenário. em que surgiu a ciên- vilhosa, no sentido de transmudar os mteresses particulares no bem publico,
cia moderna. Neste último caso, a imprensa reduziu os problemas de tradu- além de ter satisfeito a vaidade de pedantes, artistas e literatos. Ao tratar dos
ção, transcendeu as divisões lingüísticas, ajudou a superar as antigas divisões novos poderes da imprensa, pode-se defender ~oro toda.a juste:a ~ma expli·
entre aulas universitárias e ofícios artesanais. No que diz respeito, contudo, cação que invoca muitos fatores, embora enfatizando a unpo~tancia daquela
às matérias religiosas, a mudança nas comunicações resultou numa divisão e inovação específica. A combinação de muitas motivações. pro~o~CJo~~u um fmpe·
fragmentou para sempre o mundo cristão ocidental, segundo linhas demarca- to mais poderoso do que teria alcançado qualquer mot'.vaça~ m_dividual (fosse
tórias geográficas e sociológicas. Não só as regiões católicas forani separadas ela a do capitalista em busca de lucro, ou a do evangel'.sta cr'.sta~),; Nesse sen·
das protestantes, mas também a experiência religiosa foi dividida internamen- tido, 0 emprego dos primeiros prelos pelos europeus ocidentais f01 ~obr~cleter·
te no seio das diferentes regiões. A perda de confiança nas palavras de Deus, minado". A convergência dos diferentes impulsos mostrou ser irresistível,
entre as elites cosmopolitas, foi acompanhada de· maiores oportunidades para produzindo uma "mudança de fase" cultural irre~ersível imensa.
que os evangelistas e padres difundissem as boas novas e reacendessem a fé. As primeiras impressoras que começaram a se,r mstaladas e.ntre 1460 e 1480
Desse modo, os deístas, ilnministas qne aderiam às "Leis da Natureza e ao Deus eram movidas por muitas forças diferentes que vinham sendo mc~badas 11:1 era
da Natureza" distanciavam-se dos entusiastas que iam sendo pegos em suces- dos escribas. Num contexto cultural diferente, a mesma tecnologia podel'!a ter
sivas ondas de reavivamentos religiosos .. sido empregada para fins diferentes (como aconteceu na China e na Coréia) ?u
Em cada região, o fluxo e refluxo da devoção religiosa afetou os diversos poderia ter sido mal recebida, e não ser utilizada de mo~o ~~n:1 (o q~e f01,o
estratos sociais em épocas distintas. Mas a Bíblia se tornou "o tesouro do humil- caso em muitas regiões fora da Europa, onde os prelos nnss1onanos oc1dentais
de", com conseqüências imprevisíveis somente nos reinos protestantes. Entre foram os primeiros a ser instalados). Nessa perspectiva, pode-se c~ncordar c?m
os protestantes, o impulso universalista de espalhar o Evangelho pelo mundo os autores que afirmam que o processo de duplicação desenvolvido na Mamz
afora apresentou resultados paradoxais. As versões vernáculas da Bíblia do século XV não foi, em Ji 11W1tn0, mais importante do que qualquer outra fer-
autorizadas pelos monarcas protestantes ajudaram não só a balcanizar o ramenta inanimada. A menos que tivesse sido considerado útil para agentes hm11a·
mundo cristão, como também a nacionalizar o que tinha sido até eritão um nos, jamais teria sido posto em operação nas cidades. européi"". do séct~~ XV:
livro sagrado mais cosmopolita. Os chefes de família em cujas casas se lia a Além do mais, em outras circunstâncias, poderia ter sido bem-vmdo e utilizado
Bíblia ganbaram um sentimento maior de dignidade espiritual e de mérito pes- para fins distintos - monopolizado por sa.cerdotes e g_overnantes, por exem·
soal. Uma "luz interior", inflamada pela palavra escrita, passou a constituir plo, e mantido fora do alcance de empresál'lOS urbanos mdepende?tes. .
a base de experiêriêias místicas compartilhadas, de seitas separadas; Entre- Esta especulação hipotética tem sua utilidade, pois sugere a importância
tanto, a vida espiritual, no mesmo momento em que se enriquecia, via-se com- do contexto institucional, quando se considera uma inovação tecnológica. De

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qualquer modo, resta o fato de que, uma vez instalados os prelos em nume- da alfabetização e do jornalismo de tablóide. A máquina de escrever, o tele-
rosas cidades européias, começaram a ter efeito os poderes transformadores fone e uma imensa variedade de outros meios de comunicação mais recen-
da imprensa. Por mais que se queira acentu'°àr a interação recíproca e evitar tes foram totalmente ignorados. Percorreu-se, desse modo, território demais,
um modelo simplista de "impacto", será necessário admitir a existência de pecu- e rápido demais. Cmtudo, uma vez que aqui foram expressos pontos de vista
liaridades especiais que distingam o advento da imprensa de outras inovações. contrários, parece-me necessário destacar que existem aspectos irreversíveis
Não se pode tratar a imprensa como um mero elemento dentre muitos outros relacionados à revolução da imprensa no início da Era Moderna. Certos pro-
de uma complexa conexão causal, visto que a mudança nas comunicações trans- cessos acumulativos foram acionados em meados do século XV, e desde
formou a própria natureza desse nexo causal. E isso tem uma significação hís- então não deixaram de ganhar força na era da impressão computadorizada
tórica especial, uma vez que gerou alterações fundamentais nos padrões e do guia de televisão.
usuais de continuidade e mudança. A este propósito, é indispensável discor- Seria uma tolice, é claro, desconhecer que as tecnologias das comunica-
dar, de modo inequívoco, dos pontos de vista expressos pelos humanistas que ções continuam ainda hoje a transformar-se. Os tipos móveis podem ter em
le~am sua hostilidade à tecnologia a ponto de recriminar aquela que consti- breve o mesmo fim que as prensas manuais; certas instituições do século XIX,
tm a ferramenta mais indispensável para a prática de seus ofícios. ligadas às atividades editoriais, também estão sendo solapadas rapidamente.
Alguns centros copiadores comerciais, por exemplo, começaram a surgir nas
Os poderes que dão forma à vida dos homens podem estar expressos em livros e tipos, proximidades das universidades modernas, de modo muito semelhante às pape-
mas a imprensai por si e de si mesma[ ... ] não é nada mais que uma ferramenta, um ins- larias que apareceram próximas às universidades medievais. Ao preparar tare-
trumento apenas1 e a multiplicação de ferramentas e instrumentos não afeta por si só a fas para alunos, os professores de hoje precisam pesar, de um lado, as vanta-
vida intelectual e espiritual.
gens de preparar pacotes de apostilas xerografadas destinadas a um curso
específico e, de outro !<\do, as desvantagens de infringir a legislação de direi-
A vida intelectual e espiritual, muito longe de permanecer inalterada,. foi tos autorais. Enquanto as bibliotecas universitárias vão assumindo a função
profundamente modificada pela multiplicação de novas ferramentas usadas de centros copiadores, os professores começam a adquirir seus próprios pro-
para a multiplicação de livros na Europa do século XV O deslocamento nas cessadores de texto, que os habilitam a dispensar as editoras universitárias e
comunicações alterou o modo como os cristãos ocidentais viam o seu livro a produzir cópias padronizadas em suas próprias residências.
sagrado e o mundo natural. Fez com que as palavras de Deus aparecessem Embora os atuais prelos e firmas editoras possam tornar-se um dia obso-
ma'.s multiformes, enquant~ sua obra se apresentava mais uniforme. A máqui- letos, tudo indica que a moderna indústria do conhecimento continuará a expan-
na impressora formou o alicerce tánto para o fundamentalismo literal como dir-se. Seguramente, não há nenhum sinal, no momento, de que esteja em clecJ(.
para a ciência moderna; permanece indispensável para a erudição humanís- nio a demanda de mais instalações físicas para as bibliotecas, ou mesmo de
tica, além de continuar respondendo por nosso museu sem paredes. que esteja havendo um alívio dos problemas causados pela sua sobrecarg11,
Desde o advento do tipo móvel, uma capacidade crescente tanto de armaze-
nar e recuperar como de preservar e transmitir tem acompanhado e satisfei-
Algumas observações finais to uma capacidade crescente de criar e destruir, de inovar e tornar antiqua-
do. A aparência um tanto caótica ela cultura ocidental moderna se deve aos
Este livro se deteve na época das prensas manuais de madeira. Apenas poderes duplicadores da imprensa, tanto quanto ou mais que à implementa-
tocou na industrialização do processo de fabricação do papel e na adapta- ção de novas capacidades na era presente. Talvez ainda seja possível perce-
ção das prensas metálicas a vapor. Nada foi dito sobre os trilhos ferroviá- ber alguns desenvolvimentos recentes em perspectiva histórica, desde que se
rios e fios de telégrafo, que ligaram as capitais européias em meados do sécu- levem em consideração alguns dos aspectos esquecidos de "uma mudança ele
lo XIX, nem sobre as máquinas de linotipo ou monotipo, contemporâneas fase" cnltural, decisiva e maciça, que ocorreu há cinco séculos.

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Hoje já se pode lançar mão, numa análise retrospectiva, de algumas das
conseqüências não previstas que surgiram na esteira da invenção de Guten- LEITURAS SELECIONADAS
berg - certamente mais do que se podia ver,nos dias de Bacon. Outras, con-
tudo, ainda estão se desdobrando; e uhM conseqüências não antecipadas são, No primeiro capítulo da edição integral de meu livro, ofereço um~ discus-
por definição, impossíveis de medir no momento. Poucas, talvez nenhuma, são crítica dos tratamentos que o advento da imprensa recebeu na htera~ura
dessas mudanças por nós aqui esboçadas poderiam ter sido preditas. Mesmo atual. Lá existe também um índice bibliográfico completo, no qual são hsta·
dispondo de uma visão retrospectiva, elas continuam difíceis de descrever. dos todos os trabalhos consultados. As breves listas de leituras que se seguem
Não há dúvida de que se exige mais estudo, pelo menos para contrabalançar foram preparadas para esta versão abreviada, a fim de permitir aos lcitm•es
alguns saltos no escuro que foram dados prematuramente. Uma acumulação que não tenham proficiência em outros idiomas que não o in~lês, nem conhe-
incessante de materiais impressos apresenta certas desvantagens. (No pas- cimento mais aprofundado da matéria, que tomem conh~c1mento de .amos·
sado, as pessoas temiam o apetite voraz de Cronos; hoje, uma capacidade mons- tras dos diversos tratamentos e comecem a explorar os diferentes tópicos.
truosa de vomitar coisas constitui uma ameaça maior.) Por outro lado, a
capacidade de fazer a varredura rápida de registros acumulados também
confere certas vantagens modestas. Podemos examinar como os nossos pre- GERAL E PRELIMINAR
decessores interpretavam certos prodígios e augúrios, e comparar suas pro-
BERRY, W T. & POOLEi H. W. Anna/J of printing. A chronologU:al encyclnpaeília fro1n earlieJt tbncJ lo
fecias com o que realmente aconteceu. Por exemplo, poder perceber, num perío-
]J50. Londres, 1966. Obra de referência útil.
do correspondente aos últimos cento e poucos anos, uma tendência a apagar,
declarando-os prematuramente mortos, os problemas que as gerações seguin- BINNS, Norman E. An inlrolJuction to hidtorical bibliography. Londres, 1962. Contém infonnuçõcs
tes tiveram de enfrentar. úteis sobre a·imprensa primitiva, que não são duplicadas por Gaskell.
Esse impulso de encerrar histórias que ainda estão se desenrolando deve-
BüHLER, Curt. The fifteenth centwy book, thucrÜJed, the prinlerJ, the ÔecoralorJ. Filadélfia, 1960. Boa
se, em grande parte, à continuação de esquemas históricos do século XIX, cobertura de aspectos essenciais. Escrito por um conhecido curador de livros raros.
especialmente os de Hegel e Marx, que direcionam certos conflitos lógico-
dialéticos para um fim lógico-dialético. Não se prevê, nesses grandes esque- BUTLER, Pierce. Tbe origin ojprinfing úz Europe. Chicago, 1940. Nível elementar. Escrito para. alu~
nos de graduação por um professor de biblioteconomia. Contém uma seleção úta de doeu~
mas, nenhuma possibilidade de prolongamento indefinido de tendências que
mentas, em tradução, relativos à invenção da imprensa.
são fundamentalmente contraditórias. E .no entanto ainda parecemos estar
vivendo os efeitos contraditórios de um processo que acendeu as chamas do CARTER, Hany. A view ef early typography up to aboul 1600. Oxford, 1969. Mais atualiz~do e maio
ardor e fanatismo religioso, ao mesmo tempo qne estimulava uma preocupa- sucinto que 0 trabalho, em dois volumes, de Updike, sobre tipos utÜizados pela impl'ensu..
ção nova com a concórdia e o espírito de tolerância ecumênicos, que fixou as
CLAPHAM, Michael. Printing. ln: A hiitory oJ technology. v. 2. SINGER, Charles, org., et ai. From
divisões lingüísticas e nacionais de um modo mais permanente, enquanto cria- . RumiiJaace to the fnJuArialR.erolulion. Oxford, 1957, p. 377-411. Estudo competente e b1•cvo
va uma Comunidade do Saber cosmopolita e ampliava redes de comunica- das inovações associadas com a "in~enção" de Gutenberg.
ções que abarcaram o mundo inteiro. Espero que este livro tenha mostrado,
pefo menos, o caráter prematuro de muitas sínteses grandiosas hoje em voga; DARNT01', Robert. What is the history ofbooks? Daeôa!w. Verão de 1982, P· 65-85. l:ecoi~te
artigo que faz mna resenha de trabalhos europeus e americanos. Por um influente lustortC\.~
e da modernosa identificação de tendências, que decorre delas. Porque ainda
dor americano do comércio de livros Jrances do século XVIII.
estão para ser .completamente sondadas as dimensões completas do abismo
que separa a era dos escribas da dos impressores. Ainda· está por ser descri, FEBVRE, Lucien & .MARTIN, If.-J. Tbe co1n.in.~ oj tbe book. Trad. inglesa David Gerard. Lon<kes1
to o processo de recuperação e inovação - contínuo mas feito de fases desi- 1976. Os leitores que dominam a língua francesa devem ·dar preferência à versão ori~'ina.l
guais - que comeÇou na segunda metade do século XV: em. francês, LapparitWll du lirre, de 1958, que é superior sob todos os ã.spectos (inclusive t~
1

JOI
JOO
bibliografia e o índice) a ~sta recente tradução para o inglês. O livro (que foi escrito quase ção. Outros capítulos contêm ex:celentes ilustrações de ferramentas e técnicas relaciona..
que totalmente por Martin) constitui um tratamento de conjunto magistral, e apresenta uma das com a matéria.
cobertura mais abrangente do que.qualquer outro.Jítulo desta lista.

GASKELL, Philip. A new introiJuctwn to hiblwgraphy. Oxford, 1972. O melhor guia introdut6rio sobre ORALIDADE, USO DA ESCRITA ECULTURA DA ERA DOS
todos os aspectos do livro enquanto objeto físico. ESCRIBAS: PÚBLICOS OUVINTE ELEDOR
GOLDSCHMIDT, E. P. Medieval textJ anJ their jirJt appearance in pruzt. Londres, 1943. Revela dife-
ALTICK, R. Tbe Engli1h comnwn render: aJocial bi1tory o/ the maJJ reaJin,q puhlú 1800-1900. Chicago,
renças entre livros manuscritos e livros impressos. Da autoria de um bem informado comer-
1963. O primeiro capítulo cobre matérias anteriores a 1800 e trata de muitas questões ele
ciante de Üvros raros.
interesse.
HAY, Denys. Literature: The printed book. ln: Tbe new Ca1nbriJge nwdern bMtory. v. 2. EuroN, G.
R., org. The &formatwn 1520-1599. Cambridge, 1958, p. 356-86. Introdução breve, mas cor- AsTON, Margaret. Lollardy aod literacy. Hi1tory 62. 1967, p. 347-71. Discute o domínio da escri-
reta, de uma conhecida autoridade britânica. em história da Renascença. ta pelos leitores britânicos da Bíblia antes do advento da imprensa.

HIRSCH, Rudolf. Printing,.Jellin,q and reaJing 1450-1550. Wiesbaden, 1967. ed. rev. 1974. Rechea- AUERBACH, Erich. Litera1y language and it; public in late Latin Antiquity anJ in the MiJiJle AgeJ ·
Trad. R. Manheím. Nova York, 1965. Interessantes especulações de um renomado cr(·
do de fatos; a ênfà.se recai em desenvolvimentos na Alemanha. Por um bibliotecário em livros
raros, que é especialmente bem informado sobre as atividades de impressão e vendas de livros tico literário. Trabalho pioneiro, mas que se tornou algo obsoleto em virtude de pesqui·
na Europa. sas mais recentes.

IVINS Jr., William lVL PrintJ a11J 11iJual cOJnmunication. Cambridge, Mass., 1953. Obra idiossin- CHAYTOR, H. J. Froni Jcript to print: an introduction to medUval vernacufar literature. Cambridge,

crática, por um ex-curador de estampas que superestima a sua especialidade, mas também 1955. Trata da diferença entre os públicos ouvinte e ledor, a que se dirigiam os literatos
que se expressavam no vernáculo, antes e após o advento da imprensa. Foi objeto de ata•
revela, melhor que os outros, a importância dos materiais de ensino visual impressos.
ques recentes, por superestimar .as mudanças acarretadas pela imprensa. Ver Saenger,
McLUHAN, Marshall. The Guienberg gakcy: the making of typographU:alman. Toronto, 1962. Afas- adiante.
ta-se deliberadamente do formato convencional de livro. Estranhos "mosaicos" de citações
extraídas de textos diversos, visam a estimular o pensamento sobre os efeitos da imprensa. CIPOLLA, Carla M. Literary and 'Jevelopment in the iveJt. Londres, 1969. Breve panorama intra•
Por um recém-falecido professor de literatura canadense que se tornou analista dos meios dutório.
de comunicação. O manuseio pouco cuidadoso de dados históricos pode levar a equívocos
CLANCHY, Michael. From merrw1y to wriften recoriJ: EnglanJ 1066-1307. Cambridge, Mass., 1979. A
o leitor não informado. Bibliografia surpreendentemente útil.
ênfase recai sobre os documentos legais, mas o livro também trata de questões relacionadas
MCMURTRIE, Douglas. The book. Oxford, 1943. Após cinqüenta anos, ainda se mantém muito ao domínio da escrita antes do advento da imprensa.
bem, como livro de referência útil.
DAVIS, Natalie Z. Printing aod the people. ln: SocU!tyanJcultwe in eaJ·ly rrwJernFrance: eightMJayJ,
STEINBERG, S. H. Five hundredyearJ o/printing. Bristol, 1961. ed. rev. Panorama extraordinaria- Palo Alto, 1975. Explora alguns dos efeitos da imprensa sobre a cultura popular na Fran-
mente sucinto. A cobertura do primeiro século de imprensa é melhor do que a dos séculos ça do século XVI. De um estudioso na matéria, que conhece como ninguém os arquivos da
1
posteriores. 1
cidade de Lyon.

STILLWliLL, Margaret Bingham. The beginning of tbe wor!J of book.J1450to1470: a cbronologúal Jur- FoLEY, John Miles. Oral literature: premises aod problems. Choiee 18. Dezembro 1980, p. 187-96,
vey of the textJ cboJenfor printing... with a JytwpJÍJ o/ f:he Gutenberg docwnentJ. Nova York, 1972. Artigo de resenha útil que cobre trabalhos que tratam.da composição de epopéias, sagas e obras
Apesar do título enganador (o "mundo dos livros" começou muito antes da imprensa), trata- 11 semelhantes.
se de um levantamento útil para fins introdutórios.
GERHARDSSON, Birger. Menwry and manUJcript: oral tra'Jition anJ wrilten trMJntiJJÚJn in rabbinicJuda1;J1Jl
1 anÍ) earlychri;tinnity. Uppsala, 1961. Exame fascinante e detalhado dos regulamentos que dis·
WüOD\VARD, David, ,org. Five centurieJ o/ 1nap printing. Chicago, 1975. O capítulo I, escrito
por Arthur RobitÍson, sobre a feitura e impressão de mapas, constitui uma boa introdu- ciplinavam a atividade de escriba entre os rabinos e cristãos primitivos.
1

jOJ
GoüDYi J. & WATT, 1. The c9nsequences of literacy. C01nparatil1e StuíJieJ in Society atld Hiftory 5. RooT, Robert K. Publicntion before pl'inting. P11blicatio11J of tbe Mo'iJem La11g11age J!JJociatio11
1963, p. 304R4 5. Trata-se de artigo fecundo, escrito por um antropólogo e por um professor 28. 1913, p. 417-31. Embora tenha sido publicado há mais de oitenta anos, ainda é um
de inglêsi provocou um debate prolongado. Outros.Jivros mais recentes de Goody, em espe- artigo útil.
cial Tbe do1neJtication oJ the Java.ge 1ninJ, Cambridge1 1977, também são pertinentes.
SAENGER, Paul. Silent reading: its impact on late medieval script and socie'tJ'. VUztor 13. 1982, p.
GRAFF, Harvey J. Literary and Jocúil development in the we.ít: a reader. Cambridge1 1982. Inclui 367-414. Apresenta provas de que a leitura silenciosa já ocorria antes do advento da in1pren•
vários artigos relevantes de M. Clanchy, N. Z. D~vis, Margaret Spufford e outros. sa. Superestima a novidade dessa prática na fase final da Idade Médiai e não considera até
que ponto a leitura silenciosa fOi reforçada e institucionalizada após o advento da in1prcnsn,
HAVELOCK, Eric. Tbe literate revolution in Greeceand itJculturalco1uequenceJ. Princeton, 1982. Nesta
coleção de ensaios! coino também em seu Preface to Plato; 1961, o autor explora o efeito da SuLEilVIAN, Susan R. & CROSTu1AN1Inge, orgs. l'he reaJer in the text: eJJayJ on audie11ce and l11te1y1re~
passagem da oralidade para a escrita, no pensamento grego, de um modo polêmico, idios- tation. Princeton, 1980. Coleção de ensaios, essencialmente de críticos literáriosi sobre n fis·u..
sincrático e estimulante. ra problemática do leitor.

HUMPHREYS, K. W. The book prov&w1u oj lhe medwvalfriar; 1215-1400. Amsterdam, 1964. Mono- VANSINA, Jan. Oraltradttw11:aJtudyinh&torU:nlmethodowgy. Trad. H. H. Wright. Londres, 1973,
grafia acadêmica que descreve os novos entendimentos havidos com os copistas laicos des- Primeira edição em &ancês, 1961. Por um africanista que teve um papel pioneiro no desen"
tinados a suprir de livros os dominicanos, &anciscanos e outras ordens religiosas. volvimento do estudo da história oral.

KNox, Bernard M. W. Silent reading in Antiqui1y. Greek, Roman and Byzantine Stul!iu 9. 1968, WILLifuY1S 1Raymond. The long rerolution. Nova York, 1966. Panorama da disseminação gradual
p. 421R35. Importante análise que questiona a tese de que a leitura silenciosa era rima prá- do conhecimento da escrita. Por um crítico literário inglês que desposa a visão marxista de
tica excepcional na Antiguidade. Não recebeu a atenção que mereceria de Saenger, no arti- cultura.
go citado abaixo.
YATES, Frances. The art of memory. Londres1 1966. Reconstrução notável das artes perdidtts cln
LORD, Albert B. Tbe ,1iizgeroftaÍeJ. Cambridge, Mass., 1962. Discute os problemas relacionados memória, tal como estabelecidas em trabalhos antigos! usados pelos pregadores i11edievniB1
.com a· composiÇão oral e com a transcrição das epopéias homéricas, seguindo as linhas do e que foram objeto de elaboração nos primórdios da Era Moderna.
trabalho pioneiro do falecido Milman Pan:y.

ONG, Walter J. lntafaceJ oj the word. ltha<a, 1977. OADVENTO DA IMPRENSA: ALGUNS IMPRESSORES
- - - . Orality and literacy. Londres1_1982. Coleções de ensaios de um erudito jesuíta, interessa- PRIMITIVOS ESUA PRODUÇÃO
do na história literária e intelectual, que 'há muito tempo vem investigando os efeitos da impren-
sa sobre a mente ocidental. AR11lSTRONG1Elizabeth. Rnhert 'E.Jtünne1royal printer: an hiftori.ctlÍJtudy of the E/der StepbanuJ, Ca1n~
bridge, 1954. Retrato1de primeira classe, de um famoso membro da grande dinastia de impres~
PARKES1 Malcolm B. The influence of the con_cepts of ordinatio and compilatio on the develop- sores. A perseguição pelos censores da Sorbonne, que levou o impressor a deixar Paris p1.1rv.
ment of the book. ln: Medüral learning and /iterature: e.uayJ preJented tu R. W. Hunt. GIBSON, fixar-se em Genebra1provoca a indignação da autora.
M. Y. & ALEXANDER, J. J. G., orgs. Oxford, 1976, p. 115-45.
CL-AIR, Colin. Cbri.Jtopber Plantin. Londres, 1960. Concebido para apresentar a estudantes SClll
- - - . The literacy of the laity. In:Literature and wutern cirilization. v. 2. The 1nedieral wor/'J. DAI- infonnações prévias as atividades do mais importante impressor da segunda metade do
CHES, D. & THORLBY, A., orgs. Londres, 1972-1976, p. 555-76. século XVI.

Dois ensaios por um medievalista bem informado sobre códices e paleografia, e que minimiza DA\OES, David W. The wor&ojtbe E/Jerim, 1580-1712. Haia, 1954. O título se explica por si mesmo.
as diferenças entre o manuscrito e o impresso. -Visão de uma importante dinastia de impressores durante a "idade de ouro" holandesa.

REYNOLDS, L. D. & W11:,SON, N. G., orgs. Scribu andJCholam. Oxford, 1968. De longe, a melhor EHRMANi Albert & POLLARD1 Graham, orgs. Tbe di.Jtribution oj hoo!& by catai.ague /r01n the Üwe11-
introdução a questões relacionadas com a transmissão de textos copiados à mão na Euro- tw11 o/ prinlin,q to A.D. 1800. Cambridge, Rosburghe Club, 1965. Inclui importante lcvnntn-
pa Ocidental. mento sobre os primeiros catálogos de livreiros e feiras de livros.

504 JOJ
EVANS, Robert. The Wechel presses: Humanism & calvinism in Central Europe 1572-1627. PaA THOMPSON, James Westfall, org. TheFmncoforí!ie11Jeempori11111 ofllenri E.it1ewie. Chicago, 1911,
and Predent. Supplement 2, 1975. Monografia detalhada sobre a produção da firma de Frank- Versão revisada do relato feito sobre a feira de livros de Frankfurt, por 1-Ienri II F...sticnnc 1
furt, que publicou obras heterodoxas durante as guerras de religião. Pressupõe que os leito- naturahnente interessado em promover aquele evento.
res têm familiaridade com as tendências culturais e intelectuais predominantes.
UHLEKDORF, B. A. The invention and spread of printing till 1470 ;vith special reference to sociul
KrNGDON, RobertM. The business activities of printers Henri and François Estienne. ln:Aipectd and economicfactors. TheLibrary í);wrterly 2. 1932, p. 179-231. Embora se trate de peça publi-
de la propagar/Je re/igielú!e. H. Meylan, org. Genebra, 1957, p. 258-75. cada há mais de meio século, e faça um tratamento antiquado e pesado do te1na, es~e Ul'ligo
ainda é um dos poucos que não considera banal que tenha havido uma rápida disse111intlçllo
- - . Christofer Plantin and his backers 1575-1590: a studyin the problems of financing busi- da imprensa na Europa Ocidental, e procura explicar o fato.
ness during war. ln: MélangeJ 'J'bútoire économique et JocÍíll en hmnmage auprofweur Antony Babel
Genebra, 1963, p. 303-16. UPDIKE, D. B. Printingtypu, theirhiJtory,fornu, anduJe:aJtu'Jyi.JzJurrfraU. 2 v. Cambridge, MaRs. 1
1937. Uma exposição profusamente ilustrada e rica em detalhes, de autoria de impressor e
- - . Patro.nage, pieiy and printing in sixteenth-eentury Europe. ln: A FutJChriftfor Frei!erick editor americano que morreu em 1941. Tratamento antiquadoi anedótico.
Artz. PINKNEY, D. & ROPP, T., orgs. Durham, N.C., 1964, p. 19-36.
VüitT, Leon. The go[Jen cotnp&JeJ: a bi.Jtory and eraluation o/ the printing aníJ publiJhing activitied oJth1!
Os três artigos de Kingdon ajudam a revelar a maneira como os impressores interagiam com os Ofj'icina Planiini.n.na at Antwerp. 2 v. Amsterdam, 1969. O curador do Museu Plantin-Morc·
desenvolvimentos religiosos e políticos. O terceiro dos ensaios listados acima é particular~ tus1 em.Antuérpia, apresenta uma profusão de dados ,_...dados demais para o leitor médio.
mente útil. Contudo1 merece ser consultado o capítulo que mostra a oficina gráfica "como um ccnéro
humanista".
LEHMANN-HAUPT, Hellmut. Peter Schoe/fer of Gemeheun anJ Mainz. Rochester, N.Y., 1950. Exce-
lente introdução à vida e obra do genro do financista que patrocinou Gutenberg. WILSON, Adrian. The making 4 the Nuremberg chronu:le. Introdução de Peter Zahn. Amsterdmn,
1976. Uma reconstrução maravilhosa baseada em pesquisa cuidadosa. Descreve como foi pro·
UfiVRY, Martin. The ivor!J o/ A[dl.M Manutiud: b1.MitzeJJ and JchoíarJhip in RenaiJJance Venice. lthaca,
<luzido esse monmnental trabalho coletivo. Oferece interesse especial o Capítulo 6, sobre Anton
1979. Primeiro estudo de grande porte sobre Aldo e a Imprensa Aldina a aparecer em inglês.
Koberger e sua casa impressora. O autor é um dos principais impressores americanos.
Baseado em sólida pesquisa; bem escrito.

M'.RDERSTEIG, Giovanni. The remarkoNeJto1y ofabook maí!e inPaí!ua u11477. Trad. inglesa H. Schmol-
ler. Londres, 1967. Uma reconstrução das operações de um dos primeiros impressores, que
AIMPRENSA EOS DESENVOLVIMENTOS AELA RELACIONADOS:
num só ano editou Avicena em grande formato fóho, a despeito de greves e problemas finan- IMPRESSORES ERUDITOS EHUMANISTAS RENASCENTISTAS
ceiros. O autor, já falecido, foi proprietário e operador da famosa firma impressora Bodoni.
ALLEN, P. S. TheageofErrwnUJ. Oxford, 1914.
McKENZIE, P. F. Printer of the mind: some notes on bibliographical theories and printing house
activities. Str.iJiu on Bibliography 22. 1969, p. l-75. Mostra que as práticas reais (e muitas vezes - - - . Era.J1n1M: l.ectureJ and wayfarUig Jketchu. Londres, 1934. Estes velhos estudos revelam, 1nnis
desleixadas) de tipógrafos e compositores de carne e osso são completamente distintas das claramente do que muitos outros modernos, a importância da imprensa na formação do cnrá--
imaginadas por bibhógrafos analíticos. Pesquisa exaustiva, crítica influente. ter de Erasmo.

0ASTLER, e. L. JohnDay, tbeeli::abethanprinter. Oxford Bibliographic Society Occasional Publi- BIETENHOLZ, P. G. Ba.Jle and France in the Jt'xteenth century: the BaJÍe hwnanÍJtJ and printerJ in theli•
cation 10. Oxford, 1975. Monografia densamente detalhada sobre um impressor inglês, pie- contactJ with francnphone culture. Toronto, 1971. Estudo denso e detalhado sobre os escritores
doso, próspero e privilegiado. de língua francesa e impressores em Basiléia.

PAINTER, George D. Wi/Liam Caxtvn: a quincenlenary bW,9raphy. Londres, 1976. A melhor das bio- BLOCH, Eileen. Erasmus and the Froben press: the making of an editor. Library QuarterLy 41.
grafias recentes. 1965, p. 109-20. Título auto-explicativo.

SCHOECK, Richard J:., org. EJiting Ji'rteentb century textJ. Toronto, 1966. Coleção de ensaios rele- BoLGAR, R R TheciM;ical herilage anJ tU beneficiariN: fmm the Carolingian ~qe to theenJ ofthe Renm:1-
vantes. Ver, em ~special 1 o que· N. Z. Davis escreve sobre Gilbert Rouillé. Jance. Nova York, 1964. Útil estudo de caráter panorâmico.

}(}7
J06
J_,l\ITlJl\/\a l:il.ll,llQIUNi\!lllti

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Holanda e a Inglaterra elisabetana, em que avultam os impressores e livreiros. do século XVI.
.•
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of[(}ea.J 30. 1969, p. 593R602. Mostra a_ importância do movimento de tradução. peito da influência exercida sobre os estudiosos renascentistas pelos escritos atribtúdos llO
deus egípcio dos escribas, Hermes Trismegisto - escritos que foram traduzidos para o lnti111
GEANOKOPLOS, De no J. Greelc JcholarJ in VenU:e: ,1tuOieJ in the dt#eminatio11 oj Greek learning /rom por Marsilio Ficino e impressos no final do século XV.
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Humanifm !470-16W GUNDESHEIMER, W:, org. Nova York, 1969, p. 146-63. AIMPRESSÃO DA BÍBLIA, OPROTESTANTISMO EAPROPAGANDA RELIGIOSA
ÜlLiVlORE, Myron P. Huniani.JtJ aniJ;itrÚtJ. Cambridge, Mass., 1963. Ver especialmente o capÍR
tulo sobre Boniface Amerbach. BLACK, Michael H. The printed Bible. ln: Cambr1~9e biftory ef the Bihle. The Wuifivm lhe Refor·
mationtothepreJeniday. GREENSLADE, S. L., org. Cambridge, 1963, v. 3, p. 408-75, Uma mina
ÜOLDSCfüllIDT, E. P. The printiJ boolc o/ the Renai.Mance: three !ectur&I on type, df1Mtration, ornament. de informações sobre os primórdios da impressão da Bíblia, por um eminente editor da Ca1n~
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Ensaios sobre Lutero, Calvino e outros, vistos mais como eruditos do que como líderes
1\ilaio 1970, p. 51-70. Acentua as perspectivas comparativas e trata de questões ligadas Uurdi..
carismáticos.
gião do lar".
IlliLLER, A. A Renaissance humanist looks at "New" inventions: the article "Horlogium" in Gio-
Box, G. H. Hebrew studies in the Reformation period and after. ln: The legacy of!Jrad, Br,vAN,
vanni Tortelli's De orlhographia. Technology Md Culiure 2. 1970, p. 345-65. Oferece um qua-
E. R. & S!NGER, C., orgs. Oxford, 1927, p. 315-75. Título auto-explicativo.
dto de referência para explicar os esquemas renascentistas que vinculavam a imprensa com
a pólvora e a bússola. CHRISMA...~, Miriam Usher. Lay cufture, fearned cuflure, bookJ and Jocial change in StraJbOlll'/)1 1480.
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DAVIS, Natalie Z. The protestant printing workers of Lyons in 1551. ln: i!JpectJ de la p1vp~qa11Jc
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troversies. Siltteenlh Century Journal 4. Abril 1973, p. 1Rl8. Ensaio sugestivo. Mostra a impor-
Dois artigos de uma importante autoridade sobre a cidade de Lyon no século XVI, que ofcre·
tância da imprensa na ampliação dos debates para além dos círculos acadêmicos.
cem uma visão muito próxima das atividades dos artífices tipógrafos durante a era elas gucr~
ÜNG, Walter J. RamtM: metboJ a11J tbe Jeeay of Jialogu,. From the arl of JifcourJe to tbe art uf reMon. ras de religião.
Cambridge, 1\tlass., 1958. Um estudo influente, sobre o método de Ramus. Salienta a impor-
ELTON, Geoffrey R. Policy anJ polia: tbe enforcerru:nt ojthe &formation in the age of ThomaJ Cl'O/llll'cl/,
tância da imp~ensa.
Cambridge, 1972. Ver em especial o Capítulo 4. Revela as medidas tomadas por Thomas
PANOFSKY, Envin. RenaMJance and re11ai&a11c&1 in we_Jlern art. Uppsala, 1960. Cromwell para controlar a opinião pública, mediante a exploração da imprensa.

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its editions. ln: From tbe RenaUJance lo lhe CounterRReformation. CARTER, e. H, org. Nova lo auto~expliunt:ivo. Eel11clo cuidadoso baseado em pesquisa de arquivo.

J08 itJO
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SludieJ l. 1970, p. 53M74. Ajuda a con1por o cenário em que atuou a imprensa luterana. exerceu grande influência. Contém informações sobre como os acadêmicos escribas do pcl'Ío"
do tentaram repetidamente corrigir a versão de São Jerônimo e protegê-la de adulterações.
HALL, Basil. Biblical scholarship: editions and colillIÍentaries. ln: CambnJge hul01y o/ lhe Bible.
The weJI /rom lhe &formalion ü1 lhe pruenl i!ay. GREENSLADE, S. L., org. Cambridge, 1963, SPITZ, Lewis. Tbe religiow Renai!Jance o/ lhe German bumnnu/J. Cambridge, Mass., 1963. Esbo-
v. 3, p. ,38M93. Contém informações úteis sobre os estudos trilíngües. ços biográficos de humanistas da Europa setentrional que se valeram da imprensa.

HALLER, William. Tbe el.ect nation: the meaning an'J relerance of Foxed Book oj MarlyrJ. Nova York, TREVOR-ROPER, Hugh R. The crÍ,JÍ,J oftbe Jeventeentb century: religion1 tbe &formation, and Joclal cha11-
1963. Dá mais ênfase à importância da imprensa do que a maioria dos estudos sobre a obra ge. Nova York, 1968. Ensaios estimulantes por um conhecido professor de Oxbridgc. O cnp(..
de Foxe. tulo sobre as origens religiosas do Iluminismo é especialmente relevante para explicar o descn~
volvimento de uma "terceira força", ligada aos círculos de impressores e gravndo1•cs
HILLERBRAND, Hans. The spread of the protestant Reformation of the sixteenth century. The South heterodoxos.
Atlantic Quarlerly 67. Primavera 19681 p. 265M86. Nível elementar. Panorama su1nário.
VERWEY, H. de laFontaine. The family oflove. Qwurenilo 6. 1976, p. 219-71. Introdução ao estudo
HOLBORN, Louise. Printing and the growth of a protestant movement in Germany from 1517M da seita heterodoxa que atraiu círculos de impressores e gravadores nos Países Baixos.
1524. ChurchHulory II. June 1942, p. 1-15. Estudo breve, mas útil.
WILLIAMS, George H. The m'Jical &/ormalion. Filadélfia, 1962. Quadro úta das seitas heterodo·
LOADES, D. M. The theory and practice of censorship in sixteenth century England. TranJacM xas que atraíram muitos impressores, livreiros e gravadores continentaisi durante as g·ucr-
tionJ of the Royal Hi.Jtori.cal Socie0µ ser. 5. 1974, p. l 41MQ7. Estudo breve, mas excelente. ras de religião.

MONTER, E. William. Calvin d Geneva. Nova York, 1967. Contém muitas informações úteis sobre WOODFIELD, Dennis. SurreplilioJM prÚzlingilzEnglanil l550-1690. Nova York, 1973. Oferece u1na
o crescimento da indústria da impressão, após a chegada de Calvino. visão detalhada das operações clandestinas de impressão na Inglaterra dos Tudor e Stuart.

YATES, Frances. Paolo Sarpi's histoiy of the Council of Trent. Journal of lhe Warbu1y anU Co11r·
ÜNG1 Walter J. The pruence ofthe word. N e\V" Haven, 1967. Ensaios instigantes que associam oraM
lidade quirografia e tipografia à experiência religiosa no mundo ocidental cristão. O autor
tau!(! fnJlillllu 7. 1944, P· 123-44. Estudo sobre um influente tratado antipapista escrito por
1

é um professor de humanidades jesuíta, que há muito estuda os efeitos da imprensa sobre o um clérigo veneziano e popularizado na Inglaterra.
pensamento ocidental.
AIMPRENSA EAPRIMITIVA CIÊNCIA MODERNA: AREVOLUÇÃO COPERNICANA
REKERS, B. Benito Arias Montano, 1527-1598. Sludil:J o/ lhe Warhurg !ndtitule 3. Londres, 1972.
Estudo minucioso sobre o capelão de Felipe II da Espanha, que foi enviado a Antuérpia para BEN-DAVID, Joseph. The scientific role: the conditions of its establishment in Europe. MU1c1'f!a
supervisionar a impressão, a ser executada por Christopher Plantin, de uma bíbli~ poliglo- 4. 1965, p. 15-20. Típico tratamento sociológico do problema.
ta, e que se converteu ao credo "familista" heterodoxo de Plantin.
BOAS,. Marie. The Jci.e.ntific &naiuance. Nova York, 1962. Panorama convencional. Minimiza o
SCH\VARTZ, W. PrincipleJ an2 problenu oj biblical tranJlationJ: Jome &Jormalion controverJieJ anJ their papel da imprensa.
backgrounJ. Cambridge, 1955. Guia proveitoso para quem deseja conhecer as diversas escoM
BUTTERFIELD, Herbert. The origw of mo'Jern JeiLncelJ00-1800. Ed. rev. Nova York, 1951. Ótimo
las de tradução da Bíblia.
estudo introdutório.
SCH\VEIBERT, Ernest e. New groups and ideas at the University of\Vittenberg. Archiv für Refor-
DRAKE, Stillman, org., trad. Duco"rieJ anJ opinion4 o/ Gnlileo. Nova York, 1957. As seleções do
1nationJgeJchichte 49. 1958, p. 60-78, Revela conexões entre o bi?liotecário de Wittenberg e
escritos de Galileu, junto com os comentários históricos do editor, fazem desta obra uma lei-
a Imprensa Aldina em Veneza.
tura de grande utilidade para estudantes de graduação.
SCRIBNER, R. W. For lhe Jake o/JUnple/o/k: popular propagaaí!a for lhe German Re/ormalion. Cambrid- -·--. Early science and the printed book: the spread of science beyond the university. R1.maW-
ge, 1981. Realça a importância que as imagens não-verbais, caricaturas, cartuns e similares Jance ariJ R.ejormation 6. 1970, p. 38-52. Trata-se d.e uma das poucas discussões da relação
tiveram na transmissão da mensagem luterana às massas. entre a imprensa e a ciência do século XVli de autoria de um especialista em Galileu. Con10

310 Jll
sugerido no subtítulo, .dá ênfase à popularização e à tradução para o vernáculo. Minimiza McGUil\ll, J. E. & Ril'l'TANSI, P. M., orgs. Newton and thc "pipes of Pan". NottJ aaiJ Recorí!J o/
os efeitos da imprensa sobre os professores que se expressavam em latim. Ignora a informa- the Royal Society 21. Dezembro 1966, p. 108-43. Documenra o interesse de Newton pela
ção_impressa de tipo não-verbal (pictórica e ma,,remática). tradição "hermética".

GILLISPIE, e. e., org. Dictionary of dcientf'fic bio..qraphy. Nova York, 1970, 14 v. Deve ser consul- l\tlERTON, Robert K. Science, technology, aM dociety in Jeventeenth cenlwy Englan3. Ed. rev. Nova York1

tado sobre biografias de pessoas relacionadas com o surgimento da ciência moderna. Ensaios 1970. Trata-se de uma importante tentativa, feita por um conhecido soci6logo a1ncricano1
breves e excelentes por autoridades reconhecidas. de aplicar a "tese de Weber" à ciência inglesa do século XVII. O trabalho se enconl:ra hoje
ultrapassado, mas a bibliografia, que foi atualizada, é bem útil.
GINGERJCH, Owen. Copernicus and the impact of printing. Vidta.J iruirlrotWmy 17. 1975, p. 201-9.
Por um professor de astronomia da Universidade de Harvard, atualmente empenhado em levan- MmDLETON, W. E. K The e.<perimenterJ: aJ/tÚ!y oftheAccademia {)el Cimento. Baltimore, 1971. Mono•
tar um inventário dos exemplares existentes do lJe revofutionihUJ, grafia sobre aquela importante sociedade científica italiana.

HAL~, A. R~pert. Th~ scholar and the craftsman in the scientific revolution. ln: Critica! problenu ROSEN, Edward. Renaissance science as seen by Burckhardt and his successors. ln: The Re11aü-
l-11 the h&lory of dctence. CLAGETT,· M., org. _ Madison, 'Wis., 1969, p. 3-24. Ensaio importante Ja11Ce: a reconJú!erat<im. HELTON, T., org. Madison, Wis., 1964, p. 77-103. Trata-se da defesa
(numa coleção importante) sobre o papel do ·ensino em latim e a experiência artesanal nos da tese de Burckhardt contra os ataques de alguns medievalistas.
desenvolvimentos científicos.
- - - , org., :trad. Tbree copernictzn lrealÚeJ. 3. ed. Nova York, 1971. Utilíssima coleção de escri·
HAY~N, Hiram. Tbe Counter-Renai;Jdan.ce. Nova York, 1950. Documenta e discute a reação empí- tos de Copérnico, traduzidos e editados por uma reconhecida autoridade. Inclui uma breve
rica a tendências 'livrescas" classicizantes, ocorridas no século XVI. biografia de Copérnico.

HELLMANN, e. Doris. The comei o/1577.· iú place in the hidtory o/aJ/rotwmy. Nova York, .1944. Mono- Ross1, Paolo. Phi!oJophy, lechnology,,and tbe artJ in lbe early MoJern Era. Trad. americana de S.
grafia detalhada e seca, mas útil, pois oferece µm contexto apropriado para as "descober- Attansio. NELSON, B., org. Nova York, 1970. Primeira ed. italiana, 1962. Ensaios bl'eves e
tas" de Tycho-Brahe. proveitosos pelo biógrafo italiano de Francis Bacon. Ocupa-se de muitas das questões S\19•
citadas no presente livro.
Hoo~AS, Reijer. Re!igion and the ri.Je,ofnwdern Jcience. Edimburgo, 1972. Lança a tese de que ateo-
logia protestante era um pré-requisito- necessário para o surgimento da ciência moderna. SARTON, George. Six wingJ. Bloomington, lnd., 1957.
IV1NS, William. Three Vualian&Jdayd. Nova.York, 1952. Revela a importância das estampas e gra- ---.Appreciation ofancient anJ tniJievalJcience during lhe RenaÜJan.ce 1450-1600. 2. ed. Nova Yodt,
vuras para o estudo anatômico. ' '
1958.
KELLER, Alex, org. A lheatre ofmachineJ. Nova York,
1965. Uma versão traduzida e adaptada do - - - . The quest for truth: scientific progress during the Renaissance. ln: The Rena1~1Jance: rlt~~
trabalho de Jacques Besson, de 1579, com uma boa introdução e notas, e.JJayJ. Metropolitan Museum Symposium, Nova York, 1962, cap. 3.
KOESTLER, Arthur. TheJleepwq/}m. Londres, 1959.
Obras fundan1entais de um falecldo professor da Univer~idade de Harvard, que contribuiu pn.rn.
Kü~RÉ, "Alexandre. Frotn lhe cÍOJid worfiJ to lhe i.nfi.nite univerJe, Baltimore, 1957. Tfadução para 0 introduzir o estudo da história da ciência como disciplina acadêmica nos Estados Unidos,
1ng~es d~ um~ obra francesa escrita por um importante historiador da astronomia que dis- Diferenciando-se de outros estudiosos posteriores, Sarton enfatizaaimportancia da uduplu
cutiu as unplicações cosmológicas das idéias de Copérnico. invenção da imprensa e da gravura".

Kumi, Th~mas S. Tbe copernican rev.olution: planetary iUlronomy in the develop11unt of weJtern tbought. SHIPMAN, Joseph. Johannes Petreius. Nuremberg publisher of scientific works, 1524-1550.
· Cambndge, .Mass., 1957. Estudo bem recebido, e tido hoje como obra de referência. Não ln: Hotnage lo a bookman, eJJayJ... jor Halld E KraUJ. LEfuVlANN-HAUPT, H., org. Berlim, 1967,
assinala o papel da imprensa. p. 154-62. Trata-se de breve ensaio sobre o editor de Copérnico, Cardano, e outros fil6so-
fos naturais do século XVI.
- - - . The Jtructure uf JcÚnlific rewlutionJ. Ed. rev. Chicago, 1970. Trata-se de uma influentíssi-
ma reinterpretação das ino~ações científicas, relevante para compreender a queda de Pto- STILLW'E-LL, Margaret Bingham. The awaktning interedl in dcience during the firdl century o/prit1lÜ1,1;,
lomeu, Aristótel~s,
,. Galeno e outros. Não toma conhecimento da "revolução" da _ prensa. llll.
1450-1550' aa annolate'J checklidt offirJI editwnJ. Nova York, 1970. Guia de referência útil.

312 JIJ
THORNDIKE Jr. 1 Lynn. A bUtory o/magic and experànental Jcience: the Jixteenth century. Nova Yorki
l 941i v. 5 e 6 em um único volume. Parte de um imponente trabalho, que chama a atenção
para a quantidade de rebota.lho pseudocientlfico impresso no século XVI. Thornd.ike com-
bate a tese de Burckhardt, minimizando a imporilncia da Renascença e enfatizando os pro-
gressos medievais. Ele sustenta também que a imprensa serviu para disseminar materiais ÍNDICE
Ínúteis em maior quantidade do ·que os úteis.

WARNER, Deborah H. The first celestialglobe ofWillem Janszoon Blaeu. lmagoAfundi 25. 1971,
p. 29-38. Cont~m muitas informações pertinentes.

WEBSTER, Charlesi org. The intellectu.al revofutWn ojthe Jeventeenth l'tnlury. Pastand Present Series.
Londres, 1975. Coleção de ensaios da autoria de Christopher Hill, Hugh Kearney, Theodo- Academia dos lnvestiga<lores, 267 Bacon, Francis, 27, 161, 209, 258, 283, 289, 291
re Rabh e outros que apareceu pela primeira vez na publicação Past and Present, debaten- Actu a11J 11wn11111e11tJ... to11cbi11g.•• great pe1vec11tW11J, 192-5 Bacon, Roger, 291
ilddreJ,i /o the eJtate.J of tfx empire, 169 Badius, Perrette, 201
do questões ligadas à religião e ao surgimentó da ciência moderna na Inglaterra. Baldung-Gricn, Hans, 151
Areopagilica, 276
Agostinho, 181 Baldus de Genoa, frei Johannes, 78
WESTl\!AJ>f, Robert. The Melanchthon cirde, Rheticus, and the Wittenberg interpretation of the Agrícola, Georg Bauer, 215, 223, 281 Bank~. Sir Joseph, 293

copernican theory. /J& 66. Junho 1975, p. 285-345. Uma respeitada autoridade fala sobre Alciato, Andrea, 87 Barker, R., 67
Alcuíno, 67, 80 Barônio, cardeal, 64
a maneira como foi recebida a teoria de COpérnico. Aldus1lanutius, 41, 118, 145, 201, 227, 286 Bauer, Gcorg... ver Agrícola
Alexandria, BibliotecaelVluscu de, 21, 80, 92, 227, 281 Bayle, Pierre, 117
- - - , org. Tbe copernican achicvement. L-Os Angeles, 1975. Contém artigos de Gingerich, Swer- alfabético, sistema, 80-2 Beato Renano, 172
alfabetização, 46, 192 Bellarmino, cardeal Roberto, 67
dlow e outros historiadores de astronomia, inclusive o editor.
Almi1fJeJtCJ, 226, 230, 245, 287, 290-1, 295 Beroardo, São, 210-1
Alm«.fJMfwn 1wv1m1, 239, 250 Berthelet, Thomas, 88
WHITESIDE, D. T. Newton's marvellous year: 1666 and all that. No tu aníJ RecoríJJ o/the Royal Society illma11aq1u:J Ôo pa.ítor, 49 BíbJi,, 82, 89-90, 179-80, 293-6
o/ÚJndon 21. Junho 1966, p. 32-42. Altick, R., 50 Bíblia de Genebra, 183, 185-6
Amerbach, família, 87, 118 Bíblia de Gutenberg, 36-7
.Amerbach-Froben, oficina, 201 Bíblia de Mathew, 180
- - . Before the Principia: the maturing of Newton's thought... 1664-1684. Journalfor lhe H&- Bíblia do pobre, 48
antiqua, caracteres, 141-3
tory oj ÂJtron01ny l. 1970, p. 5-20. De uma respeitada autoridade nos escritos matemáticos antologias literárias, 124 Bíblia do rei Jaime, 182-3
de Newton. Info~ações úteis sobre os materiais de leitura do jovem Newton. Antuérpia, Bíblia Poliglota de, 198, 203-5 Bíblia Gigante de IVlainz, 37
apostolado da pena, 176-7 Bíblia iníqua, 67
Aquino, Tomás de, 175, 259 Bíblia luterana, 143, 183
WIGHT.l\llAJ~, W P. D. Scicnce anJ the &naiJJance. Edimburgo, 1962, 2 v. Dedica bastante espaço arábicos, algarismos para a paginação; 89 Bíf,/W pauperum pracôicat11rw11i 48
ao papel da imprensa. arábicos, estudos, 144-5 Bil1Lia Sacra, Hebraia, ChaúJai~ Graca d Lo.t1iU'... VCI'
Aretino, Pietro, 148, 193 também bíblias poliglotas, 203, 205
Aria:; I>.'lontano, Denito, 198-9 Bíblias latin;;ts, 89
Aristóteles, 83, 208, 229, 258, 279, 287-9 Bíblia, versão autorizada, 182, 186
arqueologia, 145 bíblias em inglês, 181-3
Arquimedes, 212-3 bíblias poliglotas, 84, 213
arquitetura, 53, 68-9 Bíblia Poliglota de Antuérpia, 198-9, 203-6
astronomia, 64, 134, 159-60, 280-l, 295 Bíblia Poliglota Complutense, 85
A~trurwmia Bri.ta1111ica, 247 Bíblia Poliglota de Londres, 85-6, 294
AJtronomia nol'll... comme11tarÜJ Je nwtilm..J Jteffae llUll'tÚ, 246 Bíblia Poliglota de Paris, 82
astronomia... ver também revolução copcrnicana bíblicos, cinturões, 186, 188
ÀJ/nmomiae inJfauratae mecha11ica, 240 bibliografia, 92-3
astronômicas, tábuas, 64 Biblioteca Badia, 29
atlas e mapas, 20-1, 38, 59, 90-1, 94, 147-8, 217-27, 280 bibliotecas, 59, 62
autoconsciência, 148 biblioteconomia, 92
autobiografia, 149 Bibliothem Uni11er,1ali.11 92
autores, 93, 117-9 biografia, 149-50
autoria, 101-2 Blaeu, Willem Janszoon, 234, 263, 271
A wffkefor hou.JefulJt!'J,, 186 Boaventura, São, 101

514
Boccaccio, 272 Compostela, 78 domínio ptí~llco, 99 Galileu, 64, 161, 247, 253-4, 267-8, 264-6, 272-7, 27~, m
Boissard, Jean Jacques, 151 Comunidade do Saber, 41, 53, 61, 94, 117-8, 183, 262, Drt1ke, Stillman, 272 GaHc1 Philippe, 199
Bomberg, Daniel, 118 265, 286, 292, 294-5, 300 Diket; Albrecht, 52 Gart dei• GeJ1111dhcit, 75
Book ~/'MartyrJ, 170, 194 Concílio de Trento, 175, 179 editores-comerciantes, 199-200, 284 Gaskell, Philip, 44
Borelli, Giovanni Alfunso, 270 Co";CiiioVaticano II, 180 Ehrman, Albert, 22, 231 Gassendi, Pierre, 247
botânica, 90-2 concordâncias, 82 Ehrrnan, John, 22, 231 Geoffrcy de lvleaux, 236
Bonlding, Kenneth, 218-9, 221 Concordia M1m'J1; 202 Eieme11/or11m, 212-3 geografia, 53, 59, 147, 2-48
Boyd, Julian, 97 Condorcet, 1\1arie, 164 Elsevier, firma, 274 Gr.ogmphia, 220~ l, 226
Brahe ... ver Tycho Brahc confissão, sacramento da, 175 Elsevier, Louis, 254, 274 geometria, 53
Breydenbach, Bernhard von, 75, 79 Confrérie des Libraires, Relieurs, Enlumineurs Elton, G. R., 284 Geomctl'ia y fraca para e! oficie Je ÍOJ JaJl!'&f, 72
1
Brief narration, 104 &.riva:ins ct Parcheminiers, 35 Elyot, Thomas, 53, 292 Gennania, 106, 140
Browne, Sir Thomas, 209-13 Cmgregação da Propaganda, 190 embriologia, 265 Gerson, Jean, 78
Bruno, Giordano, 193, 197, 253, 288 Ú:mgregação do Índex, 254 emendas, 87 Gesner, Conrad, 92, 224
Budé, GuillallIT!e, 87 Cook, Capitão James, 293 empiristas, 214 Gilbert, Neal, 86
Bühler, Curt, 36 copcrnicana, revolução, 227-47 encadernadores, 36 Gilbert, \Villiam, 253
Burckhardt, Jakob, 34, 130, 136, 146-8, 209 Copérnico, Nicolau, 94, 161, 164, 226, 229, 252-4, Rpitmne A.Jtronomiae Copel'nicllf., 247 globos, 233-5
Bussi, Gianandrea de' (bispo de Aleria), 177 256-7, 279-80, 287-9 Erasmo, 67, 116, 137, 15!, 175, 181, 227, 272, 287, 291 (':roldschmidt, E. P., 35
Butler, Pierce, 129-30, 134 coplrraite, 101 erratas, 67 gótica, escrita, 140-1
calendários, 46 copistas ... ver escribas e copistas e1uditos-:impressores 178, 180, 183, 188, 284
1
góticos, caracteres, 69, 140-3
caligrafia, 36, 68 Corndio, Tommaso, 267 escribas e copistas, 19-24, 28-9, 34, 36-7, 41~2, 45, 54, Grafton, Richard, 180
Calvino, João, 51, 178, 185 Corp1u JuriJ, 87-8 89, 139, 143, 183, 297 Grafia, César, 122
Campanella, Tommaso, 215, 253, 271, 288 Corvinus, .!Vlatthias, 92 escrita manual (sistemas medlevais), 138 GranôeatÍlM, 281
caricaturas, 169-71 Cranach, Lucas, 52, 151 E.•Jai.J, 72 Gravie1; l'vlaurice, 173
carolíngia, minúscula, 139, 141 Cromwell, Thomas, 114, 174, 180-1 estampas, 38-40 Great6oke oj'Jtatutu 15J0-15JJ, 88
Carolíngia, Renascença, 135 Crônica de Nurcmberg, 75-9 estereótipos, 105-7 Great ComfHMition. •. ver A/maguto
Carta àgrã"'Ju;;ueJa Cr/Jtina, 254 Culpeper, Nicolau, 184, 255 Esticnne, firma, 60 Gregório 1 (o Grande), papa, 51
Carta contra W{>mtt; 228 cultura popular, 111 Estienne, Henri (filho de Robert), 201 gregos, caracteres, 97
cartazes, 169 Cunningham, \Vi!liam, 65 Estienne, Robert, 82, 85, 89, 180, 286 gregos, estudos, 144-5
Cartier, Jacques, 104 Curtius, Ernst, 209 Elynwl.ogia, 221 Gr:imm, Heinrich, 171
cartolai, 24, 34 Darnton, Robert, 116 Euclides, 138, 213 Grosseteste, Roberr, 82
Carluxa de Santa Bárbara, 25 Darwin, Charles, 258 excomunhão, 100 Guerra dos Trinta Anos, 238, 261-2
Casa da Astronomia, na visão de Kepler, 238, 242 DM ff70/ffge.m11g, 168 Família do Amo1:. 198-9, 201 Guidobaldo da Montefeltro, 35
Casa do Amor... ver Família do Amor De capliPitate 6aúy"1nica, 151 Família do Homem, 201 Gutenberg, Johann, 35-7, 169
Casaubon, Isaac, 61 De hidtoria Jtirpium, 152-3 farmacopéias, 49 Habsburgo, reis da dinaslia, 99
Cassirer, Ernst, 293 De humanicorpo1ú faÓJ'Ú:a (iJ,,./ Jepkm, 42-3 Febvre, Lucien, 18, 119 Halley, Edmund, 265, 271
Castellio, Sebastiano, 200 De fau.Je Jaiplc!rum, 25 j'ee{)Í;ack (retroal:imentaçiío), 92,_ l 06, 219, 222 Hariot, Thomas, 254
catalogação de dados, 80-9 De remlutW1iib1M, 245, 253, 257, 271 feiras de \iwos, 133 Harvey, \\filliam, 261, 264, 279
catálogos, 80-2, l.34, 161 Defoe, Daniel, 176 Felipe II (o Belo), rei da França, 174 Haydn, Hiram, 214
catálogos de biblioteca... ver catálogos DegLi ha6iti antichi d moder11iJi 'Ji>'l!l'Je padi dei mon'Jo, 73 Felipe 11, rei da Espanha, 99, 181, 198 hebraicos, estudos, 145
censura, 193, 247, 266-76, 285 Dcl modo tc1111to neL tm.Jpol'fare L'obt/.iJco Valica11Q, 157 Ferguson, \.Vallace K, 131 Hegel, Georg \Vilhclm Friedrich, 300
censura... ver também índex Librorwn Pl'{lhiNtol'u.m DelineatW pompae triumphaliJ qua &bertllJ DudfaüM eomcd Ficino, ~V1arsi!io, 29, 61 Henrique VIII, rei da Inglaterra, 114, 174, 181
cenbus copiadores, nas universidades, 299 úictJlrendÜ Hagae ComitiJ fuit e.mpllM, 115 filologia, 136, 138 herbários, 75, 90
centros de pesquisa científica, 248-9 Descartes, René, l 05, 264 Filwo/ia Jo J&anini.Jnw, 293 heresia, 100, 173, 178 201
1

Charlm.vood, John, 253 desenhos, 169 Fir.Jl narraticn, 253 Hermes Trismegisto, 61, 160
ciências da vida, 53 devocionárias, obras, 175 Fisch, lvlax, 267 Heródoto, 106
ciências naturais, 92 DUífogo, 256-7 Florentino, Códice, 87 Hexter, J, H., 185
Cimento, Accademia dei, 266-9 Dió."1goJ, 29 Floria, John, 184 hieróglifos, 62-3
Cipolla, Carlo, 46 Dia!ogUJ, 22 Fludd, Robert, 52 Hirsch, Rudolph, 18
cismas, 98, 173-4 dicionários, 64, 80, 84 Fontana, Domenico, 157 históriadaarte, 69, 133, 149-50
clássica, revivescência, 129-65 Dickens, A. G., 167 Fonteoclle, Bernard, 292 lli.Jto!'ica{ Co!lectionJ, 97
codificação de dados, 80-9 D~'qe.Jto, 87 Foscar:ini, Paulo Antonio, 271, 273 11/Jtory ofanima/J, 224
coleta de dados, 89-94 Digges, Thomas, 211, 253 Foxe, John, 170, 192, 194-5, 201 Hi.Jtory ef the &yal Sócicty, 290
Colégio dos l\ilédicos, 184 Diodati, Elias, 254, 265 Franklin, Benjamin, 119"20 Hobbes, Thomas, 294
Comenius, Johann Amos, 53-4 D:ioscôrides, 91 Freyle, Diego de, 72 Holbcin, Hans, 52
Commandino, Fr~der:ico, 213 ' Dirutio114 for Seamen, 601md fcr /ar poya,qu, 217 Fuchs, Leonhart, 152-3 Hollan'Jia, 235
Comrnonwealth, 184 direito de reprodução, 101 fundição de tipos, 131 homens de letras, 116-25
Complutense, Bíblia Poliglota, 85 Didc111wu JoÓre 1u 01/ilJ nm•aJ eiàzciaJ, 274 Fust, Johann, 35-6 Homero, 144
compositores, 3·6, 132 Doctrinaf du fiífe.J, 49 Galena, 53, 208, 215, 258, 286-7 Ilondius, Jocondus, 235

516
Hooke, Robert, 265, 270 Klaits, Joseph, 113 mnpns cd<!!l!trn, 233·4 m·nt6rln religloau, 176-7
Hooykaas, Reijer, 260 Koestler, Arthur, 60, 239, 271, 274 mapns cst-cl11rcs12.~3 Orbl,1J~11,111111i11111pkl11J,154
Hornschuch, Jerome, 44, 143 Kahn, Hans, 183 mnpns ... ver ntlna o mnpna Ortclius, Abr11l1mn, 78, 80, 89-91, 148, 224-6
Hi1rliM defiáarum, 21 O Kuhn, Thomas, 94 Maquiavel, Nicolm1, 164, 197, 272 Orth11lypo,rp'llphiii, 44, 142-3
Hugo, Vtctor, 51 Lajoye11Je d magnifique enfPée de í'11onJeignr,ur Fra11coyJ, JiLi Maria Tudor, rainha da Inglaterra, 182, 187 padronização (como efeilo da imprensa), 66-79
Huizing·a, Johan, 131 J.:. Fra11ce... m ,ia ll'M renoméc pifl! Jítm•erJ, 114 1\.1arlowe, Christopher, 59 paginação, 89
humanistas, $9, 59, 86, 136, 143-4, 163-4, 180, 187 Langford, Jerome, 271 Martin, H.-J., 18, 30, 119 páginas de rosto, 38, 89, 134
Hume, David, 93-4 Laplace, Pierre-Simon, marquês de, 262 Mru-x, Kad, 300 Palissy, Bernard, 258
Iw11e.1 qai11quaginta ~irorum 11fwtrUm1, 151 Leão X, papa, 170 matemática, 39, 55, 258, 291-2 Panofsky, Envin, 135, 137, 141, 156, 158
Idade da Razão, 62 Lecrs, Reiner, J.17 1Jfathematic11L Cof!ectionJ anO 1i·anAatiolM, 273 papel, 34, 81, 95-6, 140, 143
Iluminismo, 162, 198, 202, 285-6, 295 Lefcvrc d'Etaples, Jacques, 180 .LY1attioli, Pierre, 91 papelarias, 24, 45
iluminuras, desenhistas de, 36, 38-9 Lehmann-Haupt, Hellmut, 41 McLuhan, 1''larshall, 80, 109-10 papeleiras, 34
ilustrações, 38, 41-2, 90, 216 úttera, 271 mecenato, 118 Paracelso, 161, 201, 214, 255, 289
imagens, 51-5, 68, 209-10, 218-9 Leupold, Jacob, 55, 84 111echanick e.'l:trciceJ... appíicJ lo IÍJe art ofprii1ting, 120-1 Pascal, Blaise, 261
imprensa como arte divina, 177 Lewis, C. S., 84 !1-~~~lici, Cosirno de, 29, 61 patenteamento, 100
imprensa e cultura dos escribas, 19-24 lexicografia, 82, 85 medicina, 184 Panlus, Padre, 274, 276
imprensa e línguas literárias vernáculas, 98 Liber chronicorw11 ... ver Cr&nica de Nuremberg 1''lelanchton, Philip, 253, 294 pedra lilosofal, 160
imprensa: advento da, 25-6 Lilburne, John, 184 memória, artes da, 50-2, 53-5, 90, 140 Pedro, o Venerável, 176
imprensa: disseminação, 58-66 Lincei, 272 Mercator Gerardus, 202, 225 Peregrinatio in liJrram Sanctam, 75, 79
imprensa: efeilos da padronização, 66-80 linotipo, máquina, 298 11ersenne, Frei lVIBrin, 261 Petrarca, 137, 163, 165
imprensa: inovações, 28 fitteratt~ 116-25 1\.\erton, Robert K., 105 Petreius, Johannes, 245
imprensa: mapas da disseminação, 30-3 Lívio, 139 Mesmer, Franz, 289 Pharnw.wpeiaLonOinenJuJ, 184
imprensa: persistência dos estereótipos e divisões livreiros, 24, 34-6, 45, 134, 160, 191 Nlesnard, Pierre, 149 pbiln.1ophu, 170, 184, 201
sociolingüísticas, 106-8 Livro da Natureza, 207-27, 243, 258, 269 lVWton, Joho, 276 Phy.iica, 83
imprensa: poder de preservação, 94 livros de contabilidade, 49 misticismo, 175 Piccolomini, Aeneas Sylvius, 144
imprensa: processos de coleta de dados, 89-94 livros de culinária, 49 mnemônica... ver memória Pico della .Mirandola, 215
imprensa: racionalização, codificação e catalogação livros de emblemas, 53 moças, livros sobre a conduta das, 49 Pi{qrimJ p1"0gre.1J, 185
de dados, 80-9 · livros de etiqueta, 49 Moeller, Bemd, 188 plágio, 101
imprensa: reunião de talentos rradicionais, 40 livros de moda, 69 /1.fonik, 264 Plmtin, Chn•topbec, 60,85, 118, 198-9, 201, 203, 229, 286
impressão das leis e eslUdos jurídicos, 87-8 livl'os de moldes, 72 Nlonotipo, máquina, 298 Platão, 144, 279
impressores, 40-l, 44-6 livros de molde~ para costureiras e alfaiates, 69, 72 1''1ontaigne, 1\.~ichel de, 59, 72, 74 Plí'.nio, o Velho, 208, 223, 258
lmpriiwitur, 179, 190 livros de padrões de callgrafia, 68 Mo.ntano... ver Arias 1\'lontano, Benito poder de preservação da imprensa, 94-105
inconsciente coletivo, 53 livros de padrões de tipografia, 68 .Nlore, Thomas, 88, 181 Pole, Regioa\d, 187
incunábulos, 23·, 28 livros de texto, 87 . 1\.ioxon, Joseph, 120-1, 161. 263 poliglotas, bíblias, 145, 180-2, 295
lnde.ic filirorum prohihitill'llln, 179, 190, 193, l 96, 247, 257 livros de vestuário, 73 Muller, J ohann ... ver Regiomontanus poliglotas, Bíblias ... ver também Bíblias
indexação, 81-3 livros manuscritos, 20, 23, 28, 34-5 Nlurner, Thomas, 168 Pollard, Graham, 22, 231
índices, 85-8 Locke, John, 293 museu, cultura de, 123 pornografia, 111
indulgências, 44, 172, 189 lojas dos impressores, 117 naturalistas, 91-2 Postei. Guillaume, 201
Inquisição, 266 Lo1wor Jw e.JcrihaJ, 25 Ne""'1:on, Sir Isaac, 64, 105, 161, 247, 261, 264, 270-1, Praz, Marie, 123
!11Jta11rati11111ag11a, 283 Lower, Sir \\TJliam, 254 291, 295 prazer, princípio do, 262
!nJtitmÇõeJ, 5 l Lowry, Martin, 41, 286 nicodemitas, seitas, 198 Principia, 64, 261
l11Jtitutio ÀJtro1wnul-a 263
1 Loyola, Inácio de, 154, 179 Nicolau de Cusa, cardeal, 177 proclamações reais, 88
invenções, 100 Luís XIII, rei da França, 114 Nicolau V~ papa, 144 produção, 23-4
lnvestiganti, 266 Lu(s XIV, rei da França, 113 1Votre Danu de PariJ, 51 propaganda, 51, 167-9, 173
Irmãos da Vida em Comum, 45, 286 Luís XVI, reida França, 74 NoM eJ4·M Cam6r1~qe J.:. HMMri.a hfodema, 18 propriedade literária, '102
Isidoro de Sevilha, 221 Lutero, 1Vlartinho, 52, 151, 170-1, 177-8, 188, 190, 193, Noventa e cinco teses, 170-2 Ptolomeu, 53, 208, 220-1, 223, 229, 245, 268, 287, 289
!vins, WJliam, 38 231, 253, 272 OmwJageiro da.i eJtre!llJ, 254 pnblicidade,45, 110, 148, 170, 175
.Jaime I, rei da Inglaterra, 182 Machlinia, William de, 88 ObeliJciilegyptiari, 62 Pynson, Richard, 88
Jefferson, Thomas, 96 Nlaçonaria, 105, 198 Ochino, Bernardino, 201 Rabb, T. K., 259
Jerônimo, São, 67, 180, 182, 287 Maestlin, .Michael, 232-3, 245, 252 ocultas (práticas e fórmulas), 159-60 Rabelais, Françols, 59, 197, 272
jesuítas, 190, 254-5 mag·ia, 160 oculto (conhecimento), 61 racionalização de dados, 80-9
jornais, 111-2, 118 M'll~ Carta, 100 Oecolampadius, 201 Raleigh, Sir Walter, 161
Journa! o/ilfodern Hi.Jtory, 130 Afilg111un Ah6reriamentwn, 88 oficinas impressoras, 24, 27-8, 34, 60, 132, 158-9, ramista, doutrina, 86
Kearney, Hugh, 264 l\-laitland, Frederic William, 140 177-8, 252 Rarnus, Petcr, 86
Kepler, Johann, 213, 230, 238, 242-8, 252, 261, 265, 273 lVlalcsherbes, Chr~tien, 112 Oldenburgh, 1-Ienry, 265-6, 289 Rasteli, John, 88-9, 184
Keysersberg, Geiler von, 176 Nlalpighi, ltlarcello, 261, 265-6 Olschki, Leonardo, 217 Rcdman, John, 88
Kingdon, Robert, 199 Mannheim, Karl, 119-20 Ong, Walter, 112 referências, 80-94
Kircher, Athanasius, 62-3 manuais, 76-8 Oporinus, Johannes, l18, 201, 286 Regiomontanus, 135, 231

}18 JJ9
---i&~liilillií~s' llHillJJ,naWm.riés; ijll®i .,
Rego Li de cinque ordbzi d'a!'ch1~dtura 1 71 The fight of 11a11ig11tio11, 234 moslra que a imprensa produziu
Reinhold, Erasmus, 252 The Royal Society, 85, 211, 217, 235, 265-6, 289
religiosidade e imprensa das origens, .64, 66-7 Theatram arith11utica-geometric11111 551
vários tipos humanos antes
Renascença, 59, 129-66 Thwtrumorbi.J terrarum, 80, 91, 148, 224-5 inexistentes, e criou novos hábitos,
RepreJmtação de uma oficina IÍnpreMora, 44 T!xJtU!J,'UJ theufm1in1t lU1g111u, 85
República das Letras, 117-8, 202, 254, 286. tipofi'rafia, 39, 68, 98-9, 178 de leiturq e estodp tonto no. níve:I
Reuwich, Erhard, 79 Tomás de Aquino,,. ver Aquino, Tomás de
do Povo qqe se exprimia.em
revisão de textos, 41, 86, 88
Reynolds, L. D.. 80.
Rheticus, 228, 252-3, 265, 289
Richelieu, cardeal, 115
tomismo, 175
Toth (Hermes Trismegisto), 61
Tournes, Jean II de, l 92
traclução... ver vernáculo, movimento de tradução para
• língwo \lernáoula;·.como . noªps
elites letradas· que se exprimidim
Ricnicri, \Tmcento, 245
rina.Jci!a, 130, 163
traduções vernáculas da Bíblia, 180
TmnJaclÚm.J, 267, 289
em latim,
Ripoli, 29 Trevor-Roper, I-Iugh, 202 Con10 apoio.em dados(;l!dl®s'
Rodolfo II, impet•aclor, 249 Trithemius, Johannes, 25
romanos, caracteres, 69, 142-3 Tudor, reis da dinastia, 99
· que enriquecem de rnonêit9. '
Rosa-Cruz, 53, 62, 105 Twain, Mark, 120 natural suâ expo$íÇão, el!!l mós1lli•:
Roscn, &lward, 251 1:rcho Brahe, 50, 228, 230, 232--3, 235-7, 239-40, 245,
Saggi, 267-9 249-50, 294 como essesriovoshábitqs. . . · '
SainL-Simon, Henri, 201 Tyndale,William, 180-1
Salusbmy, Thomas, 273 Urbino, Biblioteca ducal de, 35
preci?qm ser Jevados errrc9n1a
Samillana, Giorgio de, 272 Urbino, Duque de, 34 quqndó se tenta explicar.
Sarpi, Paolo, 197 UtriuJque cOJm.i maioriJ, 52
Sarton, George, 39, 53, 67, 227, 253 Valia, Lorenzo, 78, 140 a importãncia alcançada por ·
Savonarola, Girolamo, 176
Schedel, Hartmann) 76-8
Valais, reis da dinastia, 99
Vasa.ri, Giorgio, 150
três movimentos culturais que
Schoeffer, Peier, 35-6, 41, 44-5, 75, 82 Vecellio, Cesare, 73 morcom o início d11lddde · ·
Scbwenckfelt, Kaspar, 201
Scoriggio, Lázaro, 271
vernáculo, movimento de tradução para, 48, 97-8, 140,
178-81, 192, 253 Mocje.rha, e de cujas ,..
Scott, Sir \Valter, 120 Vesalius, Andrea.<i, 42, 161, 201, 215, 228, 28L 292 .conseqüências oincl9 Hds
.icriptoria, 24-6, 40, 177 Vespasi=o da Bisticci, 34-5, 41
secularização, 1l l VWM a~ homcru i111A1·u, 34 ressentinios:.•a·.·R!;lHoscéhça,
segTedo, 159 ViJ11.1 doJ arti.JtaJ,. 150
Servetus, 11ichael, 201 Vtgnola, Giacomo Barozzio, 71 enquantoJecuperaçõo da.· .. 1

Siderc1.1J mmcúw... ver OmenJa,qeiro Ja.1 cJtl'eÍaJ Virorum d1JCtorwn de di.Jciplini.J heiie merentii1m. effigicJ, 199 Antiguidade Clássica, a. Refonm:(!Jl •'
Sila6o Je crrOJ, 179 VitrúVio, 53, 69, 71, 223
slríacos, caracteres, 202 Voltaire, 116 Pr()t{;lstarite e o surgimento ifo
sistema de peças, 24
Sixto V, papa, l 57
Vulgata, 178-80
\Valler, Richard, 270
filosofia científica baseacja na
Sleidan, .Jobann, 169 \Vatt, Joachim von, 168 'leíturacto liVro domundb",
Sozzini, Lelio, 201
Spcc11!111n, 130
Webec, Max, 120, 187, 191, 262
Wechel, família e firma, 118 isto éihd.opservação q~~··~eQH
Spinoza, Benedito de, 294 Weiss, Roberto, 145 início à. Qiência rmixterrta. ·
Sprat, Thomas, 85, 161, 290 Westman, Robert, 213
StaluüJo/VirginU.1, 97 \Vhitehead, Al&ed North, 214 Asiinples,!Tjêf!Çâp desses ternm ·
Steinberg, S. H., 18, 98, 191
Strong, E. \V., 156
\Vightman, W. P. D., 235
\Villey, Basa, 213
deveria dqr IJrnq i~éío darlquez©I ,
Stud1N in the &naÚJance, 130 \Villiam de Ockham, 22 dos.irtere~ses que este livro
~u;:c(J J'e.11U1u, 12.3 V'lilson, N. G., 80
J1tcei!J de Jcandalc, 122 \.Ving, Vincent, 247 reoobree de quanto.sua leitura
Tá61iaJaij'orui11ru, 239, 245 \Vittenberg, Igreja do Castelo, 172 pode ampliar nossa cornpreensât:l
TábaaJ prutêmi:11.1, 230, 239 \Vythe, George, 96
TábaaJ raJo!/inaJ, 238-45, 247, 261 xilogravuras, 38-40, 78 do papel culturarque a palavra ·
Ta.611/ae med1~·ae, 245 Yates, Frances, 51-3, 160, 238, 249
Talmlae nri!olphinae... ver Tábua..1 mJo((inaJ York, biblioteca de, 80-1 impressa já teve e aindo
Tácito, 106, 140 Zanobi di l\.\ariano, 35 está fendq,
Talmud, 202 Zilsel, Edga1; 156
The coJ11wgmphica! gÍMJe, 65 Z'Ningli, Ulrich, 172, 178

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