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Coordenação
Eliana de Freitas Dutra
François Hartog
Crer em história
TRADUÇÃO
Camila Dias
autêntica
Copyright O 2013 Flammarion, Paris
Copyright O 2017 Autêntica Editora
Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora. Nenhuma parte desta publicação
poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia
xerográfica, sem a autorização prévia da Editora.
Hartog, François
Crer em história / François Hartog ; tradução Camila Dias. - 1. ed. -- Belo
Horizonte : Autêntica Editora, 2017. -- (Coleção História & Historiografia)
ISBN 978-85-513-0026-8
17-02878 CDD-901
Minha proposição não é de modo algum percorrer a via aberta por Karl Lówith
tab
em seu livro, publicado em 1949, Histoire et Salut [História e Salvação], com seu
subtítulo perfeitamente explícito, Les Présupposés théologiques de la philosophie de
Phistoire [Os pressupostos teológicos da filosofia da história] (2002). Tampouco
seguir o debate que ele suscitou sobre a “secularização” (cf MONOD, 2002).
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Crer e fazer
Quem faz a história? A questão não é anódina, pois, da res-
posta que se lhe dá, decorrem, como veremos, maneiras diferentes
de crer em história.
Desde a Bíblia, o deus de Israel é o único mestre da história.
Crer em história é reconhecer que ela é feita das intervenções dele,
diretas ou indiretas, uma vez que se reconhece que ele faz com que
* Péguy voltou, em vários textos, ao que ele chama “a situação posta à história nos
tempos modernos”. Entre eles, De la situation faite à Phistoire et à la sociologie dans
les temps modemes (1906), também Zangiwill (1904), Clio, Dialogue de Phistoire et de
V"âme paienne (1913).
º PÉGUY, 1992, I; 1987; 1904, p. 1416.
10 PÉGUY, 1904, p. 1401.
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" Isaías, 45, I. Ver também 44, 28: assim disse Javé: “Eu, que digo a Ciro: meu pastor
que cumprirá minha vontade / e dizendo de Jerusalém: será edificada / e do templo:
será fundado”.
2 BOSSUET, 1966, p. 427-428.
à HEGEL, 1963, p. 37.
“ Em vários de seus livros, Marcel Gauchet reconheceu e analisou a “condição his-
tórica” do homem moderno, mais recentemente nos três volumes de L'Avênement
de la démocratie (2007-2010).
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* DE CERTEAU, 1975. Note-se que ele, contudo, nunca sustentou, nem mesmo
deu a entender que a história não era mais do que um jogo de escrita.
* Ver infra, Capítulo 2, p. 110-111.
º WHITE, 1973.
* WHITE, 1978, p. 23.
* BARTHES, [1967] 1984, p. 20.
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meios sempre maiores, sem que nos seja solicitado refletir sobre isso.
Pois não é simplesmente que ele não tenha mais feição identificável,
é que ele não representa mais um polo de identificação coletiva re-
metendo a uma responsabilidade assumida em comum”.*
Ora, a história, aquela do conceito moderno de história, era
estruturalmente futurista. Pois ela era uma maneira de designar a
articulação de duas categorias do passado e do futuro, o nome mo-
derno da sua sempre enigmática relação. Ela era conceito de ação e
implicava a previsão. Em nossas sociedades, a ascensão da memória,
ao longo dos anos 1980, foi um forte indício desses deslocamentos.
À Clio sucedeu sua mãe, Mnemosine: Memória, a mãe das musas. A
“vaga memornialista” pouco a pouco invadiu, recobriu o terreno da
história. Ao menos foi assim que se buscou dar conta do que estava
acontecendo: passa-se da história à memória, pois a memória trans-
forma a história, antes que a história busque recuperar o controle,
apresentando-se como história da memória. Ao longo desses anos,
a memória tornou-se a noção cardinal de nossos discursos públicos
e privados, como também o termo mais abrangente. A literatura
apropriou-se dela de maneira cada vez mais insistente. Para não citar
mais do que um exemplo, a obra inteira de Jorge Semprun, falecido
em 2011, situa-se sob o signo da memória, “o ferro em brasa da me-
mória”.* Fala-se, doravante, mais voluntária ou espontaneamente de
memória do que de história; as mídias e os políticos pôem-se a fazer
grande uso dela; empreendem-se políticas memoriais, votam-se as
leis ditas memoriais; reivindica-se o direito à memória e se faz valer
esse direito, nos magistrados e parlamentos, o dever de memória.
Notemos, desde já, que o avanço da judicialização de nossas
sociedades e a ascensão da memória andam de par. Assim como o
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Este livro, como todos os meus livros, não surgiu do nada. Ele
prolonga um trabalho precedente, Evidência da história: o que os histo-
riadores veem,* que, partindo da Antiguidade, terminava justamente
no recente questionamento dessa “evidência” que havia, com o ple-
no desdobramento do conceito moderno de História, conquistado a
disciplina. Ele se apoia também sobre vários de meus textos recentes,
que buscaram melhor apreender, por diferentes meios, nossa con-
juntura e as interrogações que ela suscita. Retomado, transformado,
aumentado, esse primeiro estado do questionário desempenha seu
papel no livro tal como ele pouco a pouco se organizou. Mas logo
percebi que havia um ganho cognitivo em associar a problemática
da evidência aquela, de outra forma ainda mais ampla, da crença.
Pois a História, com um H maiúsculo precisamente, foi um grande,
senão o grande objeto de crença da época moderna. Ela teve seus
crentes, seus devotos e seus mártires, seus heréticos e seus traidores.
Quatro capítulos, separados por um intermédio, interrogam,
portanto, o conceito moderno de história. Sob o título “A ascensão
das dúvidas”, o primeiro capítulo analisa a conjuntura contempo-
ranea: ascensão do presente, avanço da memória, guinada de uma
História que julga a uma história julgada. Retomando de Ricceur a
expressão “inquietante estranheza da história”, o segundo capítulo,
um pouco mais técnico talvez, reabre o debate, ainda próximo,
sobre história, retórica e poética. Ou ainda, em torno do linguistic
turn, sobre as fronteiras entre história e ficção. Ele coloca os desafios
“em dia” por meio das intervenções de dois protagonistas impor-
tantes, Paul Ricoeur e Carlo Ginzburg, concentrando-se sobre seus
usos respectivos de Aristóteles: a Poética para o primeiro, a Retórica
para o segundo. Essa passagem por Aristóteles, frequentemente
retomada ao longo do tempo, coloca, no fundo, a questão muito
* HAR TOS, 2011. Título original: Evidence de Phistoire: ce que voient les historiens (2005).
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