Motivos Da Reforma Luterana

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Memória e Ortodoxia Cristãs
D. Estêvão Tavares Bettencourt, osb (+2008)
Motivos da Reforma Luterana

3 anos atrás • por Católico Porque... • 0 comentários • 67 Visualizações
– “Quais os motivos que levaram Lutero a querer reformar a Igreja? Quais eram as
indulgências contra as quais reagiu?”.
Para entender o gesto de Lutero (1483-1546), torna-se imprescindível reconstituir

tanto o cenário histórico em que viveu, como o problema próprio que atormentou o
dito «Reformador».
1. O cenário histórico
Os séculos XIV e XV foram períodos de grandes provações, de transformações

sociais, assim como de declínio no setor da cultura em geral.
a) Em política, manifestavam-se tendências particularistas, nacionalistas (na França,

com Filipe IV o Belo; na Alemanha, com Luís IV da Baviera; na Espanha, na
Inglaterra, nas cidades da península itálica), que contradiziam à unidade do Sacro
Império e acarretavam detrimento para os interesses comuns dos povos.
b) Na vida social, os camponeses e os cavaleiros, que haviam sustentado os grandes

feitos da história medieval, eram ridicularizados por uma classe ascendente: a dos
habitantes das cidades, os burgueses. Propalavam-se novas teorias e reivindicações
sociais (por vezes, um certo socialismo ou comunismo) contrárias às instituições
vigentes.
c) A Filosofia e a mentalidade dos homens também passavam por crise. Parece que
os doutos se haviam cansado de fazer uso da razão e seguir as normas da lógica ou do
intelecto; davam primado cada vez mais acentuado à vontade (voluntarismo),
ensinando não haver verdade nem bem absolutos; se Deus o quisesse, os mais
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hediondos vícios, até mesmo o ódio ao Criador, poderiam ser atos meritórios. Esse
voluntarismo acarretava consequências funestas:
lativismo e indiferentismo frente à verdade;

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essiva estima das representações da fantasia, consequente ao descrédito em
– Cultivava-se a dialética vazia, a ginástica da mente para provar as teses que menos
veis parecessem (assim Guilherme de Occam, +1349, abusando dos termos e
Categorias
e zombando da lógica, queria demonstrar proposições como: «A cabeça de
«O olho de Cristo é a mão de Cristo»).
Selecionar categoria
esmo os que estudavam as ciências positivas, envolviam-nas em um sistema

pouco racional, de sabedoria oculta. Certo Agripa de Nettesheim (+1535), seguindo
ncias anteriores, fundou em Paris uma fraternidade secreta que, cultivando a
Tópicos recentes
mia, se propunha descobrir a pedra filosofal, a qual operaria a transmutação
etais em ouro; João Reuchlin (+1552), bom conhecedor do hebraico e do grego,
A Idade Média foi “noite escura”?
nuando a cabala, ensinava que cada letra do alfabeto hebraico encerra um
Origem do carnaval e Cristianismo
Educação religiosa é oportuna?

tal ambiente, o autêntico senso religioso dos cristãos não podia deixar de se
ntir: não há dúvida, existia fervor notável no séc. XV. Contudo, essa piedade era
18. A inocência original e o estado
o esclarecida, tendendo, por isto, a cair no sentimentalismo superficial, no
histórico do homem
tivismo. Eis, por exemplo, como pregava Geyler von Kayserberg, famoso orador
Existe liberdade de arbítrio?
isto é o nosso pão-de-ló, o qual consta da farinha de lentilhas da Divindade,

Ao pé da letra ou não?
lha farinha de centeio do corpo e da farinha de trigo da alma. Acompanha-O
Como distinguir os Livros inspirados por
Deus?
Crenças mais ou menos supersticiosas se mesclavam a certas afirmações religiosas

vo; assim, se multiplicavam as histórias de bruxas, ou seja, de mulheres que
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m pacto ou comércio carnal com os demônios; dava-se voga à astrologia, como
urso da História dependesse dos anjos que dirigem os planetas no firmamento.
Selecionar o mês ou sem propósito, os homens falavam de monstros, cometas e outros sinais
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As obras proibidas no domingo
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arte dos homens da Igreja (alto e baixo clero), vários senões eram ocasião de
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exemplo e descontentamento público: o chamado «exílio dos Papas em
ão», de 1309 a 1376, e o grande cisma do Ocidente (1378-1417), durante o qual
RSS dos comentários
e até mesmo três cabeças visíveis (um Papa legitimo e dois antipapas) eram
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2 de 9 13/11/2016 00:33
propostos à Cristandade, acarretaram notável detrimento para a vida cristã.
f) As calamidades (peste e fome) decorrentes das guerras e das desordens sociais

ertavam nas massas um sentimento de medo; muitos julgavam que o Anticristo
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m do mundo estavam próximos. Queriam premunir-se contra os castigos,
iplicando as peregrinações, o culto das relíquias, as devoções aos santos, dos
esperavam milagres, aparições etc. Certos grupos de penitentes, chamados
elantes», percorriam a Europa, professando ideias religiosas fanáticas,
revolucionárias. A autoridade da Igreja não deixava de reprimir as aberrações, mas
com exíguo resultado (notável, por exemplo, é a bula de Inocêncio VIII «Summis
Categorias
erantes», de 5 de dezembro de 1484).
poucos traços já dão a ver que a mentalidade do séc. XV era assaz irrequieta;
va no ar a expectativa de uma novidade, a qual jorrava da consciência de que
era preciso reformar o estado de coisas vigente, reformar até mesmo certos costumes
da vida cristã. A insatisfação geral facilmente explodiria, bastando para isto uma
Tópicoslhazinha,
recentesum brado forte que soubesse interpretar e explorar o sentimento das
e poderia deixar de mencionar ainda o movimento renascentista ou humanista,

uito marcou a segunda metade do séc. XV e o inicio do séc. XVI. A Renascença
Educação religiosa é de certo modo uma resposta ao desejo comum de renovação, resposta, porém,
oportuna?
junto com grandes méritos, teve o demérito de muitas vezes acentuar o
idualismo
18. A inocência original e o relativismo já vigentes; vários humanistas queriam, até certo
e o estado
histórico do homem experimentar e viver a mentalidade dos antigos pagãos; tentavam combinar a
ogia cristã com os modos de falar e pensar dos clássicos greco-romanos. Tais
es (dos quais o principal foi Erasmo de Rotterdam, +1536) contribuíam para
elegante e sorrateiramente o vigor da fé cristã, assim como a integridade do

Deus? problema pessoal de Lutero
Foi dentro de tal quadro histórico que viveu Martinho Lutero (1483-1546).
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ado em ambiente de família assaz severo, Lutero, em 1505, resolveu entrar para
Selecionar o mês vento dos Agostinianos de Erfurt (Alemanha); dava este passo, movido não
riamente pelo amor de Deus (ele o tinha, não há dúvida) e o ideal da vida
claustral, mas principalmente pela impressão de temor que experimentara quinze
dias antes, ao ser colhido por uma tempestade em viagem; exclamara então:
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t’Ana, vinde em meu auxílio, e tornar-me-ei monge!».
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nvento, Lutero procurou ser fiel à sua Regra, mas ressentiu-se continuamente
gústia e tristeza; além de não ter genuína vocação, era, por seu temperamento
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ncólico, levado a pensar obsessivamente no juízo de Deus e na predestinação, o
he causava apreensões, não compensadas por filial abandono à Providência
«Estás louco, dizia-lhe o seu confessor, caracterizando o seu estado de
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3 de 9 13/11/2016 00:33
alma; não é Deus que está irado contra ti, mas és tu que te achas encolerizado
contra Ele» (Tischreden t. II n. 122).
oucos, Lutero foi concebendo a «solução» para o seu caso; julgando-se

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tente para vencer a natureza desregrada, resolveu desistir do combate
stioso; a fim de se emancipar da inquietude que o atormentava, propôs-se a
ão: quem sabe se a fé em Cristo por si só não basta para a salvação eterna,
endentemente de quaisquer boas obras? Para afirmar isto, Lutero teria que
reformar toda a Teologia cristã; várias proposições dogmáticas seriam entendidas de
novo modo ou simplesmente rejeitadas. Não hesitou, porém. Veio a ensinar que,
Categorias
e que alguém tenha confiança nos méritos do Salvador, estes lhe são imputados,
ue a concupiscência e o pecado sejam extirpados; a justificação ou santificação
ramente jurídica, ela não reforma o íntimo do cristão. Por conseguinte, embora
ado permaneça no indivíduo, este não se deve perturbar, pois a natureza
humana foi irremediavelmente viciada pela culpa de Adão; que o crente confie ainda
mais fortemente em Jesus, e Este o recobrirá, dando-lhe uma filiação divina
Tópicosnal, não real nem ontológica (a graça a mero título). Impulsivo como era,
recentes
o julgava que nenhum homem possui liberdade de arbítrio para resistir às
A Idade Média foi “noite escura”? o bem. Estas são as proposições centrais do Luteranismo, das
es e praticar
outras decorrem logicamente (a rejeição do santo Sacrifício da Missa, do
dócio hierárquico, do purgatório, das indulgências, das obras de penitência,

histórico do homem Doenças e maravilhosas curas

losão do drama íntimo de Lutero se deu em 1517. Naquela época, pregadores
rriam a Alemanha incitando os fiéis a contribuir com esmolas indulgenciadas
a reconstrução da basílica de São Pedro em Roma; o modo exagerado como o
m (tornou-se famoso neste particular João Tetzel) deu ocasião a que o frade
Deus?
iniano lançasse o seu brado de protesto; segundo ele, a vida cristã devia ser
reformada, e ele a reformaria de acordo com a sua compreensão pessoal,
cipado de qualquer escola ou Tradição. A “solução luminosa” que ele concebera
Arquivos
o seu problema pessoal, ele a formulou nos termos teológicos acima enunciados
opôs ao mundo como novo modo de entender o Cristianismo; Lutero assim
Selecionar o mês tou a sua individualidade, fazendo do seu «caso» pessoal um «caso» comum, ao
«em nome de Deus» ele quis dar a sua solução subjetiva.
Não é necessário descrever o andamento da revolução luterana. O fato é que ela

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ntrou o terreno preparado, dado o descontentamento religioso e social vigente
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Posts RSS gora, em síntese, os fatores que explicam o surto e o progresso do Luteranismo:
RSS dos comentáriosubjetivismo, o individualismo, que se alastravam nos diversos setores do
amento e da atividade dos homens desde o séc. XIV. «Eu e a minha Bíblia, que
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4 de 9 13/11/2016 00:33
julgo ser a Palavra de Deus», eis a posição que Lutero toma para reformar a
Religião. E qual o critério para interpretar essa Palavra de Deus? Não é um
Magistério extrínseco ao indivíduo, mas a experiência subjetiva, o sentimento (ou o
mentalismo) do crente.
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o se atribuía (com que direito objetivo?) uma missão recebida de Deus para
«Deus me revelou esta doutrina», eis uma afirmação frequente
us escritos). Ora, bem poderia dizer qualquer discípulo do Reformador: se
admito como válida a posição de Lutero, não vejo porque não possa também eu ser
um Iluminado, que Deus [me] chama a «redescobrir» o Evangelho. Foi isto o que de
Categorias
ensaram centenas de «reformadores» subsequentes a Lutero, os quais,
ndo a Bíblia em mãos, passaram a interpretá-la do seu [respectivo] modo,
ando novas e novas seitas protestantes, fazendo as reformas da reforma…
ue acreditariam mais em Lutero do que no seu próprio sentimento de piedade?
De onde se vê o dilema: ou aceitar os ensinamentos da Tradição que sempre
iluminaram a Bíblia no decorrer dos séculos, ou simplesmente abrir mão de toda
Tópicosarecentes
de fé, renunciar à própria Bíblia.
A alta igreja e o luteranismo


Filosofia decadente do séc. XV. O Nominalismo tendia a negar conteúdo
ógico aos nomes; os títulos (justificação, graça) seriam meras fórmulas, que
histórico do homem
supõem no sujeito. A demasiada estima atribuída à vontade (o voluntarismo),
etrimento da lógica, dava a Lutero a impressão de estar diante de um Deus
Existe liberdade de choso,
arbítrio?«voluntarista», que ele, apesar de todo o seu esforço ascético, jamais
ter certeza de haver contentado.
mentalidade humanista, que, em alguns de seus expoentes, era paganizante;

o significado de certas verdades cristãs.
Deus?
4) Os costumes abusivos vigentes na sociedade, sem exceção do clero. Luxo,

ncias mundanas haviam penetrado no espírito dos mais altos dignitários da
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a. A piedade do povo, em consequência, era superficial, necessitando de ser
ruturada no dogma e na Sagrada Escritura. Entre outros males, deve-se
Selecionar o mês hecer a leviandade com que se tratavam as indulgências, dando a impressão de
isso tudo sobreveio a personalidade de Lutero, tribuno, escritor popular, que se

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ra levar pela paixão mais do que pelo raciocínio objetivo e sóbrio (gostava do
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vinho e da boa mesa), Lutero apresentou-se ao povo alemão como «o homem
omento»; soube explorar não somente os queixumes religiosos contra a
Posts RSS ma autoridade da Igreja, mas também uma inveterada animosidade política
istanciava de Roma e da Itália a população da Alemanha; fazia questão de se
RSS dos comentários“o Enviado de Deus à nação” (haja vista o seu livrinho intitulado «À Nobreza
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5 de 9 13/11/2016 00:33
Em conclusão, dever-se-á reconhecer que Lutero tinha uma alma profundamente

religiosa, capaz de intuições e gestos notáveis. Foi, porém, vitima da mentalidade de
seu tempo, à qual deu expressão muito concreta no seu cisma religioso. Lutero quis
mar a Igreja e a Tradição, arvorando o próprio Eu como árbitro posto acima de
Pesquisar
uer outro critério. Isto equivalia a negar o caráter transcendente da Religião e
o antropocentrismo ou no egocentrismo. Na verdade, não era a Igreja – em seu
a e em sua estrutura essencial – que necessitava de reforma, mas eram os
ns – clérigos e leigos – que faziam parte da Igreja; esta não se identifica
plenamente com nenhum de seus membros, mas transcende a todos, porque, na
qualidade de Esposa de Cristo, é indefectível: mesmo quando os cristãos pecam, a
Categorias
a não peca, mas é a primeira a denunciar as falhas e também a lhes propor o
dio salutar. Por isto, nunca se poderá falar de necessidade de reforma da Igreja,
sim, de necessidade de reforma na Igreja. Oxalá o Reformador tivesse
Sendo assim, o prestígio que Lutero obteve no setor religioso foi decaindo; no
decorrer
Tópicos dos tempos apareceram «reformadores da reforma luterana».
recentes
A Idade MédiaAfoi “noite

outro escura”?
título, porém, Lutero é profundamente estimado pelos nossos
contemporâneos: quando nos anos de 1917/1919 se celebrou em Worms o quarto
centenário da Reforma, o que se exaltou não foi tanto o seu papel de mestre
religioso, mas o de herói nacional, benemérito pela sua monumental tradução alemã
da Bíblia e principalmente pelo seu ardoroso patriotismo. Como religião, o
Luteranismo
18. A inocência é a expressão de uma época e de sua mentalidade depauperada.
original e o estado
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Fonte: Revista Pergunte e Responderemos nº 2 – fev/1958

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Para entender o gesto de Lutero (1483-1546), torna-se imprescindível reconstituir

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a) Em política, manifestavam-se tendências particularistas, nacionalistas (na França,

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