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UNIÃO DOS ESCRITORES ANGOLANOS

AN
NOTA HISTORICA
de Carlos Ervedosa

OUnião dos Escritores Angolanos


O Dr. Alfredo Trony, bacharel em Direito pela
Universidade de Coimbra, residiu em Luanda durante
muitos anos e aqui faleceu em 1904. Fundou e dirigiu
os periódicos Jornal de Loanda, em 1878, o Mukua-
rimi (zalavra quimbunda que em português significa
linguareiro, falador, maldizente), em 188(8)?, e Os
Concelhos de Leste, em 1891.
Data de 1882 a vublicação em folhetins, na im-
prensa de Lisboa, da sua novela Nga Muturi, desco-
berta e reunida em volume quase cem anos depois!.
Obra que assegura ao seu autor «um lugar de
primeiro plano entre os precursores oitocentisas e
dos começos deste século do moderno surto de ficção
africana de expressão portuguesa», constitui igual-
mente um importante documento histórico-socioló-
cico da vida de Lianda da sua época.
«Foi Secretário-Geral da Província de S. Tomé,
depois delegado do Ministério Público em Cabo Verde,

1 Nga Muturi, numa edição com prefácio e notas de Mário


António, foi publicado em 1973 na Colecção Textos Breves,
Edições 70, Lisboa.

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NOTA HISTÓRICA
NOTA HISTÓRICA
Era, porém, Aljredo Trony personagem política
juiz de Direito em Benguela e curador dos serviçais
de pouco agrado do governo, que resolve, por isso,
em Luanda. Tendo aqui adquirido larga notoriedade
anular a eleição e transferilo para Lourenço Marques.
pelo brilhantismo da sua inteligência e cultura, pelos
Alfredo Trony demite-se imediatamente das suas fun-
seus sentimentos humanitários combatendo a escra-
ções públicas e monta banca de advogado em Luanda.
vatura e defendendo os indígenas, autor do regula- Anuncia então que fixava indefinidamente a sua resi-
mento da lei que declarou definitivamente extinto o
dência em Luanda, declaração que torna pública no
estado de escravidão, foi, por estes títulos e pelos do
seu Jornal de Loanda. E assim sucedeu até ao dia
seu amor e interesse pelas coisas angolanas, eleito
em que a morte o surpreendeu às quatro horas da
deputado por Angola.» ?
tarde do dia 25 de Julho de 1904, em sua casa, à
Foi por uma extraordinária maioria dos votan-
Caiçada de Santo António, contando 59 anos de idade.
tes que, em 1878, o Dr. Alfredo Trony se viu eleito
«Se como advogado era distinto, profissional-
deputado às cortes por esta colónia. O Boletim Ofi- mente honrado e zeloso na defesa dos interesses dos
cial da época publicava na integra o ofício dirigido
seus constituintes, como político foi homem do seu
pelo presidente da assembleia do apuramento eleito-
tempo, que não evitava conflitos pessoais e políticos,
ral ao governador-geral e do qual transcrevemos as
nem campanhas jornalísticas, e conservou-se naque-
significativas passagens:
les e nestas com aprumo moral e intelectual.» *
«(...) Felicito a província pela escolha do seu
Presidente da Associação Comercial e da Câmara
advogado perante o parlamento e perante os poderes
Municipal por alguns anos, «suas faculdades. boas de
públicos (...) Creio firmemente que o seu proceder,
cidadão e de advogado se reafirmavam em extremos
como deputado, será tal que, nas futuras eleições,
de simpatia e generosidade, que fizeram dele habi-
será o escolhido, e reeleito, por então já se terem
tante muito popular de Luanda e geralmente querido
colhido os resultados da sua inteligência e sensata
de europeus e africanos em toda a província de An-
iniciativa, filha do perfeito conhecimento que tem
gola»s, concluíia o historiador do jornalismo angolano
das colónias, da sua robusta inteligência, da sua
Júlio de Castro Lopo.
actividade, da variadissima leitura que possui e atu-
rado estudo que faz.»*
CARLOS ERVEDOSA
(in Roteiro da Literatura Angolana)

2 LEMOS, Alberto de — Nótulas Históricas, ed. Fundo


de Turismo e Publicidade (CITA), Luanda, 1969.
4 Ibidem.
3 LOPO, Júlio de Castro— Um Doutor de Coimbra em
5 Ibidem.
Luanda, ed. Museu de Angola, Luanda, 1959.

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NINW VON
I

Nga Ndreza (nome que tem na sociedade


de Luanda, uma sociedade onde só avultam
os panos, sim, mas que guarda um certo
número de conveniências) afirma que é livre,
que foi criada em Novo Redondo, e perten-
ceu à família de F...; e quando muito, cala-se
quando lhe perguntam se é buxila.
Também ninguém faz questão disso já.
E que a fizesse! Ela, à força de afirmar que
não foi escrava, esqueceu-se de [não] ter sido
sempre livre. E contudo quando se senta à
porta da casa com a face fincada entre os
joelhos apertados pelos braços seguros pelas
mãos enclavinhadas, nas noites de luar quen-
tes e sossegadas, e cujo silêncio é só quebrado
a espaços pelo seco bater, na areia da rua, dos

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pés dos gingamba que carregam uma machila, ao irmão e a ela. Que todos comeram, mas
ou pelos gritos estridentes das molecas da a mama soluçava tristemente queixas senti-
vizinhança que apregoam ruidosas bonzo das, iguais às que ouvira quando aconteceu
— ni
massa — ia temá, temá, temá; então a morte do soba. Parecia um tambi.
— ao ver
na casa fronteira o vulto da pequena vende- Que depois disto o irmão da mama a
deira, destacando na sombra do corredor pela puxara pela mão, arrastando-a para fora do
luz avermelhada da candeia de azeite cercado da cubata. E ela seguiu-o muda e
de
palma —, tem uma vaga recordação de outros inconsciente, mas voltando-se, viu a mama
tempos passados numas terras muito longe, com as mãos na cabeça chorando bem triste.
de onde a trouxeram quando era pequena. Andara dois dias, ao fim dos quais chegou
Lembra-se de uma mulher a quem cha- a uma libata onde morava o tio que a levava.
mava mama, enfezada e triste, mas resignada, Pelas conversas que ouviu no caminho, soube
que a levava pela mão para as sementeiras, e que o tio tinha sido condenado no juramento,
que à noite cantava na cubata, amamentando e para pagar o crime a fora buscar à mama,
outro filho mais pequeno, enquanto ela comia pela lei da terra que obriga os sobrinhos a
massa e fijá cozido. pagar os quituxi dos tios.
Lembra-se mais, que um dia se abeirou Depois entregaram-na a um preto grande,
da mãe um preto que era seu irmão, e, depois falando muito, isto diante do soba, que estava
de muito falarem, ele foi deitar-se e adorme- rodeado de homens velhos, debaixo de uma
ceu; € a mama tomou-a então nos braços silen- grande árvore no meio do largo da libata.
ciosa, deixando cair uma lágrima bem quente Recordou-se que lhe tinham amarrado a
sobre o seu rosto. Que ela olhava espantada
cinta com uma corda feita de casca de um
tudo aquilo, mas que por fim adormecera. pau, que sobe pelas árvores grandes e as
Quando saiu o Sol, abanaram-na docemente, cobre, como as cordas que viu no navio em
e ela deparou com a mama, que tinha uma que a levaram mais tarde para Luanda.
galinha na mão que acabara de matar. Cozi- Ainda tem presentes os brutais sofrimen-
nhou-a no fogo, e com o nfungi apresentou-a
tos todas as noites durante a jornada, e os
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Que o muari inquirindo disto, mandara
grandes dentes brancos que lhe mostrava o castigar a preta, e logo que chegou pelo mar
seu dono quando ela chorava e gemia. uma canoa muito grande com umas coisas
Passados muitos dias chegara a uma libata muito brancas estendidas nuns paus lembran-
estranha, onde as casas, todas brancas, eram do as asas de uns pássaros enormes que
muito diferentes das que havia na sua terra, vinham ao rio da sua terra quando começa-
e estavam à borda do mar. vam as chuvas, metera a preta na tal canoa,
Que entrara numa delas onde havia muita e ela ficara sendo a mucama do senhor.
peça de fazenda, e missangas penduradas, e
fora mostrada a um homem em mangas de
camisa, e que a esteve a apalpar e tinha o
ventre muito inchado e um olhar igual ao
reflexo metálico das chapas de cobre que tra-
ziam os pretos de Lunda, que passavam na
sua terra,
Que este homem falou muito com o tio,
e lhe deu muitos panos e um espelho: e que
o tio a deixara ali, e voltara para a terra.
Que a mandaram lavar, e desmanchar-lhe
o lindo penteado seguro pelo ngunde e tacula
que lhe fizera a mama, tirando-lhe as missan-
gas e os búzios e todos os enfeites. Que lhe
vestiram uns panos bonitos, e que.uma preta
que estava em casa e servia ao senhor à mesa,
olhava para ela, iracunda, e a ameaçava com
o olhar, confirmado pelo que lhe dizia às
escondidas, de lhe fazer feitiço.

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II

Passou alguns anos naquela vida. Tinha


aprendido um pouco a língua dos brancos, e
já não era desajeitada no vestir dos panos
como quando viera.
Um dia o muari esteve doente e meteu-se
com ela e dois moleques num navio, que os
levou a Luanda.
O senhor foi tirado para o escaler e levado
do cais numa machila, muito doente, para
uma casa grande de sobrado. — Que ela seguia
atrás da machila a correr, com trabalho, por
causa da muita areia. — Depois melhorou,
passou para outra casa, onde abriu loja. Tinha
muitas chitas, lenços e riscados, que vendia
às pretas da quitando, e a outra gente.

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esteira; e ele muito grosso, como diziam os


Nga Ndreza conheceu então o que era,
caixeiros quando o viam assim, acordava-a
e o que devia parecer. Esqueceu-se da pri-
com umas falas arrastadas para o ajudar a
meira época da sua vida, e respondia com
deitar-se, conchegando-lhe o inchado fígado
umas reticências duvidosas às perguntas que
lhe faziam sobre a sua origem. com uma travesseira, e dando-lhe uma fomen-
— Que não sabia bem —isto com ares tação no baço mais inchado ainda, rogando
maliciosos — quem era o pai, mas que se lem- ele muitas pragas com as dores.
brava de um branco quando era pequenita, %*
que a tomava nos braços e a sentava no colo x *
à mesa. — Exactamente o que vira fazer à
filha da mucama de um amigo do muari. A cena de que ela se não quer lembrar,
E como era fula, todas as comadres que a mas, por mais que faça naquelas horas de
iam visitar coma ideia de lhe beber o vinho recolhimento, apresenta-se nítida à sua me-
e comer o presunto que o patrão comprava, mória, foi a da surra que o patrão lhe man-
diziam que sim, que ela tinha Sáiigue branco. dou dar.
E ela gostava muito, e nessas ocasiões Como não pode repelir a lembrança, come-
levantava importante e cautelosa a tampa ça no seu pensamento a atenuar o crime—
cheia de pregos da caixa de vinho do Porto; que ela não tivera culpa, porque enfim era
é, enquanto o patrão estava na jogatina, gas- menina nova, e o patrão não se importava
tava muito, fazia ceias e bebia de mais. com ela senão de meses a meses.
Quando o patrão vinha de madrugada, e Cada vez que se lembrava, sentia os mes-
mimoseava o moleque que ficara deitado à mos arrepios que a repassaram quando o
porta para lha abrir, com uma antiga moeda patrão deu com ela e o preto da machila, o
de prata de seis macutas (ainda então havia Ebo, um bonito moço da Ginga, forte e esbelto,
deste dinheiro, hoje está todo no Banco) se com uns olhos que eram os seus pecadós, na
ganhava, ou com uma saraivada de pontapés casa por trás da loja onde arrecadavam cascos
se perdia, encontrava-a a dormir na sua vazios e outras coisas, ambos encostados a
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Quando a desamarraram, caiu com Oo
uma pipa. Ainda lhe tilintam aos ouvidos, rosto para o chão e fingiu-se morta. Foi um
como os mazuela dos carregadores, as pala- feliz expediente. O patrão disse: — Oh! diabo!
vras que disse o patrão: Matei o raio da preta.
— Ah, grande... eu já andava descon- Disse que a levassem para o quarto, e man-
fiado. Deixa estar. dou à moleca que lhe tinha dado a ela, a
Ela pôde fugir pela porta do pátio, e subir Bebeca, que fosse para lá deitar-lhe água na
pela escada que ia dar à casa de mesa. cabeça. Nga Ndreza não saiu do quarto por
Daí a pouco apareceu o patrão seguido muito tempo, e a todo o momento esperava
de dois pretos do Bengo que tinham vindo que o patrão a vendesse.
com as cargas; e mandando-a amarrar no
pátio ao mastro que segurava a caixa do ma-
caco, levantaram-lhe os panos e levou cin-
quenta chicotadas. Ainda se lhe apertam os
músculos da parte açoitada com esta lem-
brança, mas custa-lhe mais a vergonha que
sentiu. Se o patrão lhe desse um tiro ou uma
facada, como fez um rapaz das cubatas (ainda
então não estavam na Ngombota) a quem
acontecera o mesmo com a barregã, e então
feia como o manipanso de um cabinda que
ela era, vá; mas açoitada como os negros,
ela a mucama, Nga Muhatu como diziam, era
de mais.
Enquanto o chicote zunia e o macaco dava
saltos na caixa abanando o mastro que a segu-
rava, ela pensava em se matar. E é que tam-
bém lhe doía muito.
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HI

O quarto dela ficava ao pé da casa de


mesa, a varanda, e sempre que o patrão ia
jantar, punha-se a olhar e escutar ao buraco
da fechadura para ver se falava nela. Tinha
também dito à Bebeca para lhe contar se o
patrão dizia alguma coisa.
Não buliu no comer que lhe ia da mesa,
mas tasquinhava umas postas de peixe com-
pradas na taberna de um degredado, e qui-
cuanga, mas tudo às escondidas.
Um dia o patrão ao jantar, depois de os
caixeiros descerem para a loja, disse para um
vizinho muito amigo que jantava com ele:
-—— Assim como assim, fica como dantes.
Estou doente, ela já sabe os meus usos. Se
há-de vir outra que faça o mesmo e não me
sirva...

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— É melhor, é — disse o vizinho com com- não lhe estivera a fazer cócegas, e a Chica
padecimentos hipócritas. — Tu és doente, e em corridinhas, com o pano seguro só num
aquilo não valeu nada. Talvez até nem che- ombro, a fingir-se zangada, batendo-lhe com
gassem a fazer mal. a mão e dizendo catu — ambul
cahomesi —
-— Isso não, que eu vi muito bem... ngamburiami — cambo sonhi —, mas em gran-
— Pois sim, mas no fim de contas nós des gargalhadas? Oh! se tinha visto.
estamos velhos. E depois — fez com uma fin- E depois a Chica não fugiu para a cama-
gida resignação canalha — tudo é o mesmo. rinha e o Serra não foi atrás dela, e fechou-se
Olha, a que eu lá tenho, que tem fama de ter a porta, e lá estiveram um bom bocado, saindo
muito juízo, e sabes que esteve em casa da o Serra primeiro, muito comprometido, e mui-
D. Luísa a aprender, quem sabe o que fará? to corado, olhando desconfiado em volta, e
— Não — disse o patrão com mágoa —, a depois ela, como se não tivesse havido nada,
tua Chica é boa rapariga, todos o dizem. não veio ralhar com uma severidade digna
— Pois sim, eu também disse aquilo só por com a moleca que estava no pátio a brincar
falar. Que, deixa-me dizer-te, coitadinha dela com o preto da loja?! Tal e qual.
se mo fizesse! Mas, meu amigo, eu não como E nessa rápida lembrança que acompa-
miolo de enxergão, não tenho a tua boa fé, nhou o tal olhar, murmurou:
a mim niguém me faz o ninho atrás da orelha. — Que burro!
E Nga Ndreza ao ouvir isto dardejou-lhe Dois dias depois Nga Ndreza já corria
um olhar pelo buraco da fechadura que, se 0 pela varanda e à noite o patrão dormiu muito
vizinho o visse, não falaria tanto. melhor com a fomentação no baço e o con-
Porque ela mais que uma vez pela janela chego da travesseira debaixo do fígado.
do beco tinha surpreendido a Chica na varan- *
da, em brincadeiras com o caixeiro, o Serra, x %
que o vizinho queria fazer sócio —e quando
foi ao Bengo dar balanço à loja que lá tinha, Mas Nga Ndreza andava triste, não tinha
entregue a um degredado, uma vez o Serra filh—o.
As amigas, muito invejosas, diga-se

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a verdade, diziam que talvez fosse dela, mas um canto, tirou um junco e, zás, zás, zás, nas
que era mau —que os brancos não se pren- suas costas roliças e luzidias. — Caíram-lhe os
diam bem, senão quando tinham filhos, que panos de cima, e mesmo assim, com as mãos
precisava ter um. Lembraram-lhe promessas cruzadas no seio, fugiu para a varanda.
a Nossa Senhora de Muxima, ou que fizesse O patrão deixou-a, e nessa noite dormiu numa
feitiços, e fê-los. cama de campanha que estava ao pé da sala
Havia uns dias que o muari, quando en- onde jogavam às vezes.
trava na camarinha, começava a cheirar, a Era a cama onde costumava dormir o juiz
cheirar, fazendo desagradáveis trejeitos — um grande sono, até vir a canja, quando ia
cheirava-lhe mal. Que seria o gato, ou o cão, lá à-batota, e o limpavam logo ao princípio.
e corria os cantos da casa, mas nada. Nga No dia seguinte veio o mestre Pedro, col-
Ndreza estendia a sua esteira ao pé da cama, choeiro, e fez novo colchão. Nga Ndreza esteve
e ficava muito quieta fingindo dormir. muito séria; não comeu, nesse dia nem no
Uma noite o muari disse que havia de outro.
saber a causa do mau cheiro. Chamou 8 Enfim as coisas compuseram-se.. Tinha
moleques, o da mesa que era o Muhongo, e o chegado novo sortimento ao patrão, e ele
da loja, e fê-los revistar tudo. Estava deses- mandou-a chamar uma noite à loja depois de
perado, eis que o Muhongó começou a desfazer fechadas as portas da rua e ali lhe fez esco-
a cama e a mexer no colchão. lher um pano da costa, umas peças de chita
Nga Ndreza entrou a resmonear, mas O e um fio de corais, daqueles grandes que
moleque continuava procurando, até que, custam a macunha tato ni tato ni kipaca—
achando um buraco no colchão pela parte de cada bago, bagos muito grandes. Então ela
baixo, e metendo a mão, tirou uns pés, uns contou-lhe tudo, com certas reservas todavia.
ossos e uma cabeça de galo com a sua crista — Disse-lhe ele que se não importasse, que
e penas. se morresse não havia de ficar sem nada.
Nga Ndreza ficou atrapalhada; o patrão
olhou para ela, não disse mais nada: foi a

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NGA MUTURI
+

* * com os seus panos negros a cheirar muito,


Pouco tempo depois o patrão entrou numa à tinta, e que faziam companhia à Nga M uturi.
O escriturário ao sair a porta cruzou com
noite para casa a queixar-se de uma pontada
uma sua conhecida que entrava rebolando
no lado esquerdo, e pontada foi que no outro
dia estava morto. muito presumida as cadeiras monstruosas,
Nga Ndreza portou-se dignamente, mas com o parecer consternadissimo, e ao
Quando vieram os galfarros da Junta, cruzar deu-lhe ali um belo apertão, mas con-
como dizia o vizinho, que ficara testamenteiro, servando sempre a gravidade da ocasião.
o escrivão deputado (ainda não havia secre-
tário como hoje) viu-a sobre a cama ao lado
do cadáver do patrão, que estava coberto com
um lençol.
O escrivão-deputado chegara do Reino
havia pouco tempo e estranhou o caso; mas
o escriturário, filho do país, muito asseado
e com o peitilho da camisa muito lustroso,
fez uma cortesia digna e disse: — São os usos
da terra, é óbito.
E como o defunto encarregara o testamen-
teiro de liquidar a herança e entregá-la aos
herdeiros directamente, pouco tiveram a fazer,
saindo logo o escrivão-deputado na frente,
em seguida o vizinho com muitas cortesias e
dizendo a tudo: — «Sim senhor, sim» —, e
mais atrás o escriturário que perdeu uns mi-
nutos a cumprimentar muitas raparigas, todas

34 o:
IV

O enterro foi pomposo. Levou música a


pedido de Nga Muturi, animada pelas amigas:
— Que não, que não podia deixar de levar
— que diriam depois de Nga Muturi?
música
Quando a Muximinha, a do Soares da Qui-
tanda, que tinha morrido o ano passado — e
demais era um taberneiro—, não consentiu
que o homem fosse sem música, então ela,
Nga Muturi, havia de querer tal? Não podia
ser; se fossem elas — acrescentavam — ainda
que empenhassem os últimos panos e todas
as voltas de contas, não consentiam que O
enterro fosse sem música.
As cartas de convite indicavam as cinco
horas da tarde. A essa hora já muitos con-

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ALFREDO TRONI NGA MUTURI
vidados estavam à espera, uns
passeando na O cumprimento, feito em voz baixa e como-
varanda, por ser mais arejada
e não se poder vida, foi interrompido nas frases mais com-
parar lá dentro com o cheiro
dos panos pretos, passivas pelo Mendonça, que disse brusca-
outros à porta da rua. Falavam sobre várias mente que o negócio se demorava, e ele ainda
coisas.
não tinha jantado.
Perguntavam uns, quanto seria
a fortuna — Nem eu — ajuntou o Guimarães tirando
do falecido, outros contavam
de que ano ele o relógio —, e são cinco horas e meia, se sou-
era, e diziam que ELA, a mor
te, lhes estava besse tinha jantado primeiro. Para que horas
rastejando a eles pela porta.
isto deita.. — .?
fez, com umas demoras na
Depois falavam na preta, na N ga
Muturi; fala, indicativas do muito que pensava ter de
e diziam que o legado que o velhot
e lhe dei- esperar.
Xara valia os seus dois contos
de réis fortes — Porque se espe
— perguntou
ra? o juiz.
fora a casa.
— Ora, porque há-de ser? Pelo padre —
— É uma desgra — acu
ça diu um bastante disse outro. — Não cantam senão quando têm
económico —, algum desses
filhos da terra cheia a barriga. :
amiga-se com ela e dá-lhe cab
o de tudo. Nisto sentiu-se a bulha de passos apres-
= Ela não é má — disse o juiz
ao delegado, sados pela escada, mas miúdos pelo constran-
que tinham chegado e estava
m todos sérios gimento das batinas, e entrava o pároco com
dentro das suas casacas pret
as. a face congestionada pela caminhada sobre
—'Ora adeus— acudiu o delegado —, é o jantar comido à pressa e mal mastigado.
um diabo gordo e mais nada. Vinham dois sacristas, um com o hissope e
— Não é tanto assi — fez
m o juiz. outro com a cruz.
O testamenteiro, que andava a
labutar lá Entraram na sala guarnecida de negro
por dentro com as coisas do ent
erro, mal soube nos alizares das portas, e o padre começou
(trazia uma demanda) que est
avam o juiz e a rezar os responsos. Um rapaz mulato com
o delegado, foi logo, apressado
, cumprimentá- um paletó muito ruço e com a gola levantada
-los com muita afabilidade e
subserviência. e presa por um alfinete, querendo encobrir a

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falta de camisa, começou a distribuir velas Entretanto o caixão saía, agitado pelos
de um tabuleiro aos convidados. passos desencontrados a princípio dos que o
O sacrista, com a batina esfiampada na levavam. À volta do corredor para a escada
barra e uma bota toda torta e muito ruça, ia havendo catástrofe. O escriturário da Junta
onde sobressaía a calça toda roída atrás, ofe- instintivamente segurou com as duas mãos a
receu o hissope ao pároco, que depois das argola, e o parceiro tirou apressado o lenço
rezas aspergiu beatificamente o caixão com para estofar a sua argola, que era de corda
uns sacudimentos graves do braço direito. muito fina e magoava-lhe os dedos.
A um lado da casa ouviam-se as respirações Quando saiu a porta da rua sentiu-se o
tristes das amigas de Nga Muturi, prontas a pumpum do bombo da música, que começou
desencadear o choro do costume. uma marcha muito sentida e seguiu o sai-
Quando o padre com um gesto beato, e mento. Um dos que levavam o caixão da
os olhos meio cerrados, mostrou ter concluído, parte da cabeça disse para o companheiro a
o testamenteiro convidou três negociantes e meia voz:
o escriturário da Junta (que — Não há trancas.
se pelava por
consideração, e sempre era bom estar com E logo o director do enterro começou a
eles, pensava o testamenteiro) para as argolas chamar o Cassabalo e o Burica que levavam
do caixão. O juiz levou a chave. O delegado, as trancas, e eles, do grande mar de machilas
que não estava para maçadas, tinha ficado que afogava o enterro, surdiram segurando
umas tungas forradas de negro com espirais
de propósito escondido atrás de um grupo,
para de galão amarelo, que passaram por baixo do
não ser visto.
caixão, e com o Feliciano e o Baxi carrega-
Quando se deu o primeiro impulso ao cai-
ram-no até à igreja do Carmo.
xão e prorrompeu o choro das mulheres, viu-se
No adro estavam outros convidados, mas
Nga Muturi assomar a uma porta em grandes
já jantados, de palito na boca e fumando.
berros e exclamações, mas duas amigas segu-
Houve as encomendações costumadas e
raram-na logo e levaram-na para dentro. saiu o cadáver acompanhado pelos irmãos da
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ALFREDO TRONI
NGA MUTURI
Ordem. Terceira, a que o finado pertenci
a, até da Junta, que tratava com a tal rapariga dos
ao limite sabido. Alguns dos convidados
safa- apalpões do escriturário.
ram-se logo pela calçada. do Carmo,
outros O vizinho, o testamenteiro, disse que sim,
foram ficando atrás com as machilas
de olho, que se fizesse a esteira, mas que não fizessem
e quando não lhes pareceu muito escândalo,
meteram-se muita bulha, e sobretudo que não deixassem
nelas. As mulheres gritando e entrar toda a gente— e sublinhava com a vôz
chorando lágrimas que não as estorvavam de
retribuir as olhadelas dos que passavam a palavra.
, fo- A Chica veio também, mas demorou-se
ram até ao cemitério, ali foi o caixão desc
ido pouco.
a uma cova bem funda, com o raque-ra
que Aos oito dias houve a missa mandada dizer
das cordas de mateba, por onde escorreg
ava. pelo testamenteiro, que convidou todas as
Houve trabalho para tirar o chapéu do que
tratou pessoas das relações de seu falecido e chorado
do enterro, que caiu na cova quando
teve que acudir a um dos pretos, que não amigo, dizia o anúncio. Foi publicado no Bo-
podia segurar a corda. Enfim o homem lá letim Oficial, com uma grande tarja preta
ficou, e as mulheres voltaram para ao pé da e um anjo a chorar abraçado a uma cruz.
Nga Tudo muito bonito—contou um rapaz que
Muturi, para o óbito.
tinha suas vistas na Nga Muturi, e encarecia
%* as pompas do óbito.
* * Nga Muturi estava na missa, muito grave,
com os competentes panos de zuarte azul-
O choro foi grande, mas interrompeu-se
algumas vezes para comerem. Entretanto, “escuro, O seu pano preto e um gorro, segundo
às o costume; estavam todas as amigas e muita
seis da tarde, ao cantar do galo e às seis
da mais gente. Estavam também muitos brancos,
manhã redobrava. Havia uma velha que avi-
sava as outras para chorarem. Havia agua amigos do testamenteiro, e alguns emprega-
r- dos. Não faltou o juiz. Tinha-lhe custado
dente e uma botija de genebra Focking, marc
a muito a levantar-se, mas era da terra do
escolhida por conselho de um rapaz amanuens
e falecido, e parecia mal se não fosse.
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43
V

Nga Muturi, passado o nojo, foi para a


sua casa e tratou de vender a roupa do fale-
cido, que ele lhe tinha deixado e mais a
mobília.
Houve uns zunzuns por ocasião da entrega
da roupa a Nga Muturi feita pelo testamen-
teiro, que tinha levado muito tempo, diziam,
mas foi peta. — As malditas línguas de Luan-
da, que tudo envene—nam dizia o testamen-
teiro ao Lopes, guarda-livros do Sobral, e
muito gabado em escrituração, uma vez que
ele lhe contou o que se rosnava. — Que era
impossível praticar ele uma tal acção, estando
ainda quentes as cinzas do seu amigo. — E di-
zia isto indignado, furioso, passeando rápido
na loja fora do balcão.

45
"NGA MUTURI
ALFREDO TRONI
reira e dele tirara o nome estropiado. A ri-
Nga Muturi afligiu-se muito quando uma canza de bordão, novinha em folha, era esfre-
amiga, com assomos de indignação hipócrita, gada com toda a arte por uma velha já sem
lho referiu, valha a verdade muito acrescen- dentes, mas ainda muito amiga de brinca-
tando. Esteve muito tempo a falar, dizendo deira. Fora das melhores para a brinca-
que ela não era negra, nem tinha os costumes deira, nos seus tempos.
das que diziam isto, e repetia isto muitas — Se a vissem —dizia o velho Torres,
vezes, fitando a amiga. Esta, que não podia com umas saudades lúbricas de outrora.
perder as relações de Nga Muturi, atalhou Dançaram toda a tarde e toda a noite.
logo— que aquilo tudo era inveja por ela Houve muita concorrência. O vizinho deu um
estar rica. bezerro, e um garrafão de vinho. Nga Muturi
Via-se embaraçada para vender a roupa, teve mais outros presentes. Ainda gastou
mas por conselho do testamenteiro entregou-a muito dinheiro.
ao Serra que ia para Casengo à colheita, e Muito nfungi e carne guisada. Houve qui-
lhe dizia que ali se trocava tudo a café muito toto, aguardente e genebra. Como sabia que
bem, que era um negócio da China. iam brancos, tinha duas garrafas de vinho
Quem não ficou contente com a incum- do Porto marca Triumpho de Bacho. O San-
bência quando a soube foi a Chica. tanáã, guarda da alfândega, que era quem lhe
&
escrevia as cartás para Casengo, para o Serra,
* x
por causa da roupa, foi de opinião que com-
prasse do Maria Olaudina, isso é que era vinho,
Aproximava-se o aniversário do óbito. Já que era a melhor marca. Qué o Triumpho de
se falava nas missas, e todos diziam que se- Bacho vinha todo falsificado. O primeiro que
riam de estrondo. E foram faladas com efeito. veio, esse sim. Mas Nga Muturi, como o vizi-
A gaêta era das melhores, e o batuque nho do defunto falecido só tinha desta marca,
tinha vindo do Bengo. Havia dois tocadores não o quis escandalizar, comprando em outra
que se revezavam. Quem tocava o batuque parte.
era o Felela, que tinha sido moleque do Fer-
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46
ALFREDO TRONI

Foi um batuque falado. Dançavam no NGA MUTURI


pátio. O João das Lanchas emprestou uma
vela que servia de toldo. parecia bem, que tinha de fazer as honras
da casa.
Estavam duas velas nos seus castiçais de
À meia-noite bateram à porta, e entrou
louça branca com florões dourados dentro das
o Serra, tinha chegado naquele momento de
mangas de vidro no meio do quintal a alumiar.
Casengo, no Cunga. Nga Muturi ficou muito
Dançavam em roda.
contente e correspondeu-lhe a duas sembas
Apareceu tudo quanto havia de bom em
que ele lhe deu. Tinha bebido dois copos de
raparigas. — As filhas naturais do tenente-
vinho ao jantar, e, a pretexto de incomodada
-coronel Fontoura, que tinha morrido no Go- do estômago, tomou um cálice de genebra.
lungo Alto, com as suas exageradas quindum- Tinha o olho brilhante, e falava com ver-
bas, eram as que dançavam melhor, com mais bosidade para todos, e especialmente para o
garbo. Todos o diziam. A porta do corredor Serra a quem perguntava muita coisa. O Serra
estava fechada para não deixar entrar todo vinha pálido, mas não descansava no batuque.
O fiel patife. O Santana era quem tinha a Apesar de um amigo, que tinha vindo com ele, .
chave. lhe dizer que não bebesse genebra, não fazia
O Lobato, claviculário do Cofre dos Órfãos, caso e entornava copinho sobre copinho.
também lá foi com o delegado novo que tinha — Que estava muito suado, que não queria
chegado no último paquete, e estava morto que lhe fizesse mal.
por ver um batuque. Quem pediu ao Lobato Às três horas acabou-se a festa, para con-
para o apresentar foi o ajudante da conser- tinuar no outro dia.
vatória. O Serra foi o último a sair. Nga Muturi
Na varanda estavam as sobrinhas do Mon- tinha muito que lhe falar por causa da roupa.
teval, que não dançavam porque eram de ves- Tocava já a alvorada.
tidos. Nga Muturi não queria dançar tam-
bém, por mais que a desafiassem. — Que não

48
VI

As missas continuaram.
Haviam de durar oito dias, nada menos,
dizia Nga Muturi, e muito melhor que as dos
Mártires, pelo irmão que tinha sido capelão
cantor, porque as dele, cuja memória inda
estava fresca, se haviam durado oito dias, fora
à custa dos convidados, que todas as noites
tinham de concorrer com a gua espórtula. As
de. Nga. Muturi — essas não, seriam à sua
custa unicamente, que não precisava de subs-
crições.
Ao quarto dia, porém, sentiu-se incomo-
dada, um mal-estar esquisito, estranho. — As
amigas notaram-lhe a face demudada. Ela
dizia que era cansaço, mas os oito dias seriam
cheios.

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NGA MUTURI
ALFREDO TRONI
briga, porque sentia isto e aquilo, com umas
Não foram, porque a tristeza da dona da
reticências duvidosas, a ponto de Ngana Teve
casa dava um tom sombrio à festa,
olhar muito fito para ela e dizer:
Enfim passaram os oito dias e as rapa-
— Já sei, já sei. — E levou-a para um canto
rigas começaram a pensar e lembrar-se de que
da farmácia ao pé da porta que deita para a
missas estavam à bica. Falava-se nas de escada, e ali fez perguntas em voz baixa a
D. Luísa pelo marido; nas do José Bento pela
Nga Muturi, às quais ela respondia com os
mãe, e não faltavam as raparigas com den-
guices aos homens com quem tratavam para
olhos no chão, por monossílabos, espálmando
a mão sobre os panos, como querendo acer-
alcançar dinheiro para novos panos. tá-los.
Ngúna Teve concluiú em voz alta:
— Está bom, está bom. Vai-te embora,
rapariga, é manda cá úmá garrafa para tê
arranjar o gomoso.
Ao nono dia depois das missas, N ga Mu- E quando ela se retirava, envergonhada,
turi, que não se sentia melhor, arranjou-se
ele da porta, com a sua bengalã de gâncho
conforme pôde, e foi à botica do Teves. Era
a bater pancadinhas na soleira, disse-lhe de
de manhã. Chegou mesmo quando ele saía da
longe:
machila; que ó-trouxera das caieiras, que tinha
— Olha os banhos, hem, com malvas.
ido ver cedo, 'como costume.
Ngana Teve; como ela o cumprimentou,
começou logo “com o seu palavriado do costu-
me, perguntando-lhe o que tinha, quando As
casava, dando-lhe muitos conselhos, que ti- Je Ver
vesse juízo, que se não deixasse comer.
Nga Muturi nunca mais pôde ver o Serra.
Nga Muturi, coberta com o seu pano preto,
Lembrou-se até de lhe fazer feitiço, mas aban-
eos olhos baixos, começou com meias palavras
donou o projecto com um longo suspiro.
a queixar-se de um mal, que lhe parecia lom-
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NGA MUTURI

* %

% *
Daí em diante, Nga Muturi nunca mais
tornou a dançar nos batuques. É um riso ouvir ainda o Sola ourives con-
Hoje está uma mulher dos seus trinta e tar a história do grilhão. Quando está, na loja
seis anos pouco mais ou menos (nunca pôde com amigos e que passa Nga Muturi é certo
tirar certidão de idade) muito séria é por- que a conta: que não é possível imaginar-se
tando-se bem. Goza de uma certa considera- uma cara mais pândega que a de Nga Muturi
ção nas famílias da terra e quando vai visitá- quando ele lhe deu o temível desengano.
-las fazem-lhe sempre o prato à mesa, a man- — Olhem, rapazes, o caso foi assim. Eu
dam-lho logo. Ela também é sempre pronta estava aqui onde estou, Nga Muturi ali onde
em acudir a todos os casos tristes ou alegres. está o Silva, e o Taveira pouco mais ou menos
Está muito bem, desconta às vezes os reci- onde está o Torres. Ela deu-me o grilhão para
bos aos amanuenses com um juro que brada dizer quanto valia. Eu olhei, pesei-o, mas
aos céus, empresta sobre penhores, não só às parecia-me história aquela bisarma de ouro.
amigas, mas até a pessoas graúdas. — Que o «Nada, vamos a experimentá-lo». Nem foi
diga o escrivão Teixeira, que lhe empenhou preciso tocá-lo. Com a lima, ze 2e ze, 26 2€ 2e,
lá o relógio e a corrente, uma peça famosa, ora, apareceu logo o latão. Dobrei-o em par-
presente do tutor Brandão, por ter feito uma tes de palmo e meio cada uma, e voltando-me
mangonha no inventário do casal, cujos meno- muito sério para o Taveira:
res ficaram a pedir. «— O Taveira, por quanto vendes tu uma
Contudo não gostava de emprestar a bran- corrente de papagaio?»
cos desde que o Juda Abimelech lhe empe- « Cinco — disse
macutas» ele. — «Por-
nhara sete varas de grilhão de ouro, que afi- queres?»
é?
nal era latão galvanizado. Que o que lhe valeu E «— Não» — E pus-me a contar as dobras,
a ele foi morrer, senão ia parar à cadeia. eram nove. Depois levantei a cabeça e disse-
-Jhe: «— Vale nove correntes de papagaio.»
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«— Macunha cana ni joana.» A mulher


atentou em mim uns olhos, que olhos, rapazes!
«—E latão, mulherzinha» — disse eu—
«enganaram-na.»
«— Eh! Eh!» — fez ela com o som gutural
peculiar daquela exclamação usual nas filhas
da terra.
E vagarosamente embrulhou o cordão que
eu lhe entreguei num bocado de papel, e guar- VII
dou-o no seio. E saiu sem dizer nada, mas ia
mais assanhada que uma víbora. — E daí o Com esta e mais lições — principalmente
« Sola, começava a rir-se, à rir-se, à rir-se. a que levou de um amanuense, que, tendo-lhe
— Porque, então, que querem descontado um recibo de vinte mil réis, por
— dizia
? ele
— quando me lembro não posso ter-me doze, é verdade, lho foi pedir na véspera do
que
me não ria. pagamento para o ir cobrar, porque, dizia ele,
Nga Muturi não sabia, não podia ir à Junta,
que o Chagas, que era quem lhe tratava dos
negócios, estava doente, não podia também,
por isso que lho confiasse que ele recebia o
dinheiro e logo lho trazia e... afinal se abotoou
com ele —, Nga Mwtwri ficou mais cautelosa.
Empresta sobre penhores, principalmente de
ouro, como velta de conta, brincos, cordões,
mas tem o ettidado de saber se é bom ouro,
e usa-os coiiforme o costume da terra. Tem
a sua quitanda; a Bebeca é muito jeitosa; uma
goma que lhe veio do Dande, depois de distri-

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buída desculpa-se que está velha. Diz que vai às


em cartuchos, rendeu-lhe seis vezes
o
capral empregado; pudera! Tinha missas pela muita amizade; ajuda a pôr a
custado
mite samanu, fizera setenta e dois cart mesa, mas tem sempre artes de prestar os seus
uchos
e vendGia cada um a nbende. k O azei serviços depois de estendida a toalha, porque
eite de
também lhe dá bons lucros. nunca foi capaz de pôr a toalha direita; ela
ane
lembra-se muito bem dos sopapos que levava
* quando o patrão vinha para a mesa e encon-
* + trava a toalha ponta abaixo, ponta acima,
Nga Muturi é invejada. Não quer homem como ele dizia —e até quando lá foi jantar
Surra e Serra são dois fantasmas que o juiz, o patrício, que por sinal se abriram
se levân-
tam diante da sua imaginação, tantas latas, e o patrão quando veio pergun-
quando tem
alguma veleidade amorosa. tar se o jantar já estava pronto e viu a toalha
Nada, não cai
E assim, como serenamente torta, foi-se a ela, agarrou-a pelo pescoço, €
desfia as suas
rezas em mbundu, vão-lhe correndo bumba, bumba, umas poucas de vezes com à
os dias toda a força, por sinal
da, vida sossegados e bons. Está muit cara na mesa e com
o gorda
E muito considerada pelas boas famílias, que ao outro dia lhe doía tanto o nariz — lem-
Faz
os seus presentes. Quando vai ao
bra-se muito bem. Do mais sabe, não põe
musseque
do Spínola leva. sempre um presente à filha garfo à direita e a faca à esquerda, como faz
a Fefa, apesar das suas presunções, nem se
Mariquinha — ora é um bocadinho de cola e
gengibre dentro de um lenço dobrado engana com os copos.
em cora-
ção, ora umas laranjas muito boas
do arimo
do Dande, cana doce, ovos, enfim
coisas que
ela oferece com muita gravidade,
tirando-as
da quinda em que a Bebeca as trouxe, e lhe
sao aceites com agradecimento. É uma boa cidadã, paga bem os impostos,
Quando há boda ou missas, lá está e está agora tratando de amigar à Bebeca,
caída
mas não dança, não diz a verdadei que trata como filha, e já tem muitos preten-
ra resta,
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ALFREDO TRONI

dentes, mas só quer branco NGA MUFURF


do putu para
arranjar uma bugila.
Uma vez ficou muito surpreendida conheceu o logro. Perguntou-lhe se fora ela
quando própria que tinha vindo pagar a décima.
lá foi o Pontes, escrivão das déc
imas, citá-la
para pagar. Ela riu-se e disse Que não, que ela era mulher pobre, que
que no dia se-
guinte falaria, alegou que já tin não sabia dessas coisas; que o Pinto, filho da
ha pago.
comadre dela, Ngana Manda, na véspera de
o) ir para o Zaire para a casa holandesa, se
x * encarregara de lhe pagar a décima, e que,
No dia seguinte logo de manhã, recebendo o dinheiro, lhe trouxera a mucanda
Nga Mu-
turi foi à sua cómoda e tirou uma que ali estava, e que ela ficara muito des-
rinaua toda
bordada, depois uma ritoaia e os
panos, todos.
Tirou também as giponda, vest rr o Pinto enganou-a; este conheci-
iu-se e apre-
sentou-se na tesouraria da Jun mento é velho e é de outra décima. Ele comeu
ta ao empre-
gado que ali estava da Fazenda, o dinheiro a Nga Muturi. are
era o Domin-
gos Vampa, filho de um dos Nga Muturi é calada, mas não pôde deixar.
italianos que tão
vieram em 1828 para a provín de murmurar um «...ia muienda», não
cia. Entrou lá
vagarosamente, e com o tradic sumido que o Vampa, e o Alvesitos que
ional N bêça
ngana cumprimentou o Vampa, estava a escrever, não percebessem muito bem.
que acudiu
todo apressado, com muito boas Falou, falou, falou, desabafou enfim — que
palavras, a
falar-lhe. Ela do seio sacou um era uma pobre mulher, que todos a engana-
lenço branco a do
bordado a linha de marca com vam, lembrou a história do cordão,
uns galos do
tamanho de recibo, e agora aquela. EA
umas árvores e umas silvas e
8regas, desembrulhou-o, e tirou — Então tenho de trazer outro mais di-
de dentro um samanu ny
papel que deu ao empregado da nheiro? Hama giari, ni macunha
Fazenda, ale-
gando que tinha já pago samanu ni vinté.
a décima que lhe
tinham ido pedir. O Vampa leu o papel e logo — E mais— disse o Vampa com palavras
— tem
doces de pagar as custas e os três por
60 cento.

61
MA
ALFREDO TRONI

— Sim senhor; ainda mais. GLOSSÁRIO
Saiu. No outro dia voltou, e pagou reli-
giosamente tudo.
Nunca mais tornou a encarregar ninguém
de lhe pagar a décima.

+ *

E como a experiência da vida vai bem, e


compara a sua existência na libata com a que
leva agora, diz de si para si que a terra do
Muene Putu é muito melhor que o mato.
Para concluir, manda a verdade que se
diga que às vezes, quando come cola e gen-
gibre, entra muito pela genebra.
Fica animada, com os olhos brilhantes,
fala muito, e tem frequentes arrotos ruidosos.
Então volta-se para a gente e diz:
— Isto são falatos.

62
Ambul'home. Não bula, homem.

Baxi. Nome próprio: Sebastião.


Bonzo. Batata doce, que está cozida, às portas
das casas, e se oferece à venda, com azeite de palma,
bananas, milho, etc.
Buxila. Filha de escrava ou de mulher livre mas
nascida na casa em que serve. A filha de buxila é
bulaxi.
Cambo sonhi. Falto de vergonha, seim vergonha.
«Canoa muito grande com umas cóisas muito
brancas estendidas, etc.» [pág. 21]. À denominação
de mundele dada ao branco é originada da seme-
lhança que acharam os indígenas entre os navios
que primeiro aportaram, e uns pássaros aquáticos
brancos e de grandes asas—o pássaro ndele.
Cassabalo. Nome próprio de homem, quer dizer
sabadinh — o.
Têm as pretas por costume pôr aos
filhos muitas vezes o nome do dia em que nasceu.
Sábado é sabalo, e com o prefixo ca, diminutivo, fica
sabadinho.

3 65
ALFREDO TRONI
NGA MUTURI

Catucasi. Largue já. O batuque é um tambor de madeira coberto de


Cola e gengibre [pág. 58]. É uma grande prova pele numa das extremidades. É cilíndrico e lembra
de amizade mandar pela manhã a alguém que se no feitio uma abóbora comprida (calondro). Coloca-
estime um bocado de cola e gengibre. É a primeira -se no chão e o tocador põe-se a cavalo nele e com
coisa que comem depois que fazem a ablução matinal, as mãos vai batendo cadenciado.
em que limpam cuidadosamente a boca e sem o que A ricanza é feita de uma parte de bordão do com-
não tomam alimento algum. primento de um metro pouco mais ou menos e do
Cunga. Vapor da Companhia do Cuanza, tirado diâmetro de seis centímetros. É todo cavado e por
do nome do ponto das margens do Cuanza onde a fora golpeado uniformemente formando como que
companhia tem uma feitoria. ranhuras. Toca-se esfregando uma varinha sobre as
ranhuras, que faz um som bastante desagradável.
Esteira. Quando morre alguém é costume fazer Gingamba. Carregadores, plural de mona ngamba,
a esteira. Vêm as amigas do falecido ou falecida e rapaz de carga, carregador. Plural grantático não
junto com os parentes, sentados em esteiras, passam usado: ana ngamba.
o nojo, que dura oito dias. Giponda. Cintas. São duas, e a primeira serve
«Estender a toalha» [pág. 59]. É raríssimo o para atar o primeiro pano, que veste sobre à ritoaia.
preto ou preta que seja capaz de pôr a toalha direita A outra é para o segundo pano. O maior luxo é a -
na: mesa. ponda (singular) ser uma banida de militar.
Fefa. Josefa. Hama giari, ni macunha samanu ni samanu, ni
Fijá. Feijão, do português. Parece que o feijão vinté. 8000 réis. Hama, cem; giari, dois; ni, e; ma-
foi introduzido em Angola pelos portugueses; não cunha samanu, sessenta; samanu, seis; vinté, 20 réis
têm esta palavra. No Muataianvo também o feijão — isto é, 266 macutas e um vintém.
se conhece pela mesma denominação, fijá. «ia maiena. A frase mais obscena e de descom-
Fula. Preta fula: preta clara. Quando é retinta postura que se pode atirar a alguém. A palavra supri-
diz-se ordinariamente macala, carvão.
mida é sundu, vagina; ia maiena, de sua mãe.
la tema. Está quente. Com o pregão tornam
aguda a segunda sílaba.
Gaêta. Corrupção de gaita. É como na língua
da terra é designado o harmónio, instrumento indis- Libata. Casal.
pensável num batuque na cidade. A orquestra com- Lombriga. Todas as doenças são caracterizadas
põe-se de gaêta, batuque e ricanza. como lombriga. Uma dor de estômago, uma cólica,
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nevralgias hepáticas, muito frequentes nestes climas,
tudo é lombriga, Pouco antes de chegar preparou-se com a conve-
Machila. Meio de condução usado em Angola. niente roupa preta e fez a sua entrada com a atitude
Macunha circunspecta própria do aniversário duma morte, Qual
oana ni joana. 1350. Assim como nós
só contamos réis, assim tudo se conta por macutas.
não é a surpresa aq ver imensa gente dançando na
A macuta vale 30 réis. Aquelas palavras querem dizer sala, os pretos no terreiro em desenfreado batu-
44, subentendendo-se macutas. que, etc., etc. O homem conformou-se e conheceu
Macunha tato ni tato ni kipaca. 1000, a tradução: depois o que as missas eram, e que aquelas eram
33 macutas e 10 réis. . esplêndidas, excepto que missa não houve.
Mama. Mãe (tata e papa, pad): Mite samanu. Mite, abreviatura de macçuta; sa:
|
Mangonha. Maroteiras, falcatruas. manu, seis — seis macutas ou 180 réis,
Massa. Milho. -Muari. Senhor da casa, o chefe. = Muari á quime,
Mateba. Palmeira de cujas folhas se fazem cordas. senhor primeiro, o principal senhor de entre muitos.
Mazuela. Plural de rizuela, guizo, mazuela signi- - Mucama. Preta criada de quarto e também con-
fica falar. O preto chamou ao guizo, substantivando cubina.
o verbo zuela, rizuela. — Os carregadores quando vão Mucanda, Carta, papel,
para o mato levam à cinta uma correia cheia de gui- Mucuia. Diz-se geralmente macuta, moeda da
zos e campainhas para afastar as feras. Fazem uma província. Vale 30 réis fortes e 50 réis fracas.
bulha infernal. Muene Putu. Rei de Portugal.
Missas de óbito [pág. 46]. Quanto é solene é Nbende. Moeda de valor de 15 réis,
triste o óbito, é alegre a missa no aniversário do fale- Nfungi. Papas de milho, mas a farinha é extraída
cimento. Duram três dias no mínimo. As vezes duram pela imersão prévia do milho em água, que depois
mais, porque os convidados se quotizam à noite para é pisado e separado do farelo. A esta farinha chama-se
as despesas do dia seguinte. Há grandes batuques. fuba e aparece a vender em fardos que chamam salada.
A propósito convém contar a seguinte anedota: É o pão do preto. O nfungi também se faz de man-
Há cerca de dois anos um cavalheiro recém-che- dioca, de milho miúdo, de arroz, etc.
gado ao Dombe Grande de Benguela foi convidado Ngamburiami. Deixa-me.
para umas missas. Surpreendeu-o o plural e sobre- Nga Muhatu. Senhora, mulher, senhora casada
tudo porque no lugar para onde era convidado não (à moda da terra). Nga é abreviatura de ngana —
havia igreja. Supôs que tivessem mandado vir um senhor ou senhora.
padre de Benguela, a 12 horas de caminho, e foi. Nga Muturi. Senhora viúva,
Ngana Manda. Senhora Madalena.
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Ritoaia. Corrupção de toalha. É um pano branco,
Senhora Andreza. cheio de bordados, que se veste sobre a rinaua.
Nga Ndreza.
«Roupa a café» [pág. 46]. É um dos melhores
Ngombota. Bairro em Luanda onde estão as cuba-
negócios que se faz no interior. É porém limitado.
tas. Antigamente as cubatas estendiam-se no espaço
compreendido entre a Calçada Nova e barrocas se- Os cafuzes (pretos civilizados do interior) compram
toda a roupa que lhes aparece para vestirem e apre-
guindo desta até à Calçada de S. Miguel.
sentarem nas festas, missas, etc.

Quicuanga. Bolo feito de mandioca fermentada. Tambi. Óbito. Há sempre a imolação de um ani-
Quinda. Cesto ide palha. mal, que é comido no meio do choro continuado:
Quindumba. O cabelo muito levantado adiante um boi, um carneiro ou cabra; os pobres fazem o
e cortado de forma que figura um diadema. seu tambi matando uma galinha.
Quitanda. Lugar onde, largo ou rua, as mulheres
pretas vendem algodões, chitas, pratos, etc. «Volta de conta» [pág. 57]. São assim chamadas
Quitoto. Uma espécie de cerveja feita de milho. pulseiras ide contas de ouro, coralihã; córais, etc.
Quituxi. Crime, crimes. Quando qualquer é levado
diante do soba e se sujeita à prova do juramento, A pessoa que empresta dinheiro sobre penhores tem
se é infeliz ou se o ganga (sacerdote) está comprado o direito de as usar, fora o juro que recebe, uns
pela parte contrária, é condenado em tantas peças 300 por cento.
de fazenda ou cabeças de gado. Se não tem com que
pagar é escravizado, mas tem direito a dar um sobri-
nho ou sobrinha, filho de irmã, a qual se sujeita ao
pagamento. Quando lhe tiram a criança, e às vezes
já mulher, consideraa a mãe como morta e faz o
seu tambi (óbito).
É depois apresentada a escrava ao soba, que
- julga se vale a condenação; se não, vai buscar outra
sobrinha. As vezes é uma família escravizada por
esta forma, e vem logo ser oferecida a resgate ao
litoral ou ao primeiro concelho.

Rinaua. Corrupção de anágoa. É uma fralda


atada por cima dos seios. É o primeiro pano.
71
70
“+ * ompssols
“+ Emmy e8N
* vOLIOISI JON
td

Esta edição de NGA MUTURI de 15 000 exemplares s


foi realizada por Ediciones Cubanas para
a União dos Escritores Angolanos e imprensa
" na República de Cuba en junho de 1985.
Nascido em Coimbra (Portugal) a 4 de Fevereiro de
1845, Alfredo Troni era filho do lente catedrático José
Adolfo Troni. Frequentou a Universidade daquela cida-
de, onde completou o bacharelato em Direito no ano
escolar de 1866-67 e viveu depois em Luanda durante
cerca de trinta anos, aqui falecendo em 25 de Julho de
1904. « :
Alfredo Troni fundou e dirigiu os periódicos Jornal de
Loanda (em 1878), Mukuarimi (em 1888?) e Os Con-
celhos de Leste (em 1891). Juiz de Direito em Benguela
e curador dos serviçais em Luanda, foi eleito por larga
maioria de votos deputado de Angola às Cortes portu-
guesas em 1878. Não obstante, o Governo decidiu
anular as eleições e transferi-lo para Moçambique, o
que Alfredo Troni recusou, dedicando-se até ao fim da
vida à advocacia em Angola.

OK UNIÃO DOS ESCRITORES ANGOLANOS

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