Você está na página 1de 202

ACOBINO EGRO

Copyright C.L.R. James, 1938, 1963, 1980


Copyright & Allison & Busby, 1994
Copyright O da traducamo brasileira Boitempo Editorial, 2000, 2010

Indicago editorial
Flavio Aguiar
Traduca¬
Afonso Teixera Filho

Revisio de traduca¬
Rui Costa Pimenta

Assistente editorial
Ana Loufo
Indice remissivo, cronologia e bibliografia
Afonso Teixera Filho
Revisio
Aurca Kanashiro, Mauricio Balthazar Leale
Sandra Regina de Sou¬

Maringoni
(llustracio extraída de Nossa América ne 3, 1992, Memorial da América Latina)

Editoraço eletronicae tratamento de imagens

Set up time Artes Gráficas


Produçio gráfica
Livia Campos

CIP-BRASIL CATALOCACONFONTE

SINDICATONACIONAL DOSEDITORES DE LIVROS Para os meus bons amigos

James, CC. I. R. (Cyril Lionel Robert), 1901-1989 HARRY ELISABETH SPENCER


Os jacobinos negros: Toussaint L'Ouverture e a revolucio de Sao Domigos C. L. R.

James; traducio Afonso Teixera Filho, I.e. rev. So Paulo: Boitempo, 2010. de Nelson, Lancashire, Inglaterra

Traduco de: The black jacobins


Apendice
Inclui bibliografia e indice
ISEN 978-85-8593-448-4

1. Toussaint Louverture, 1743-1803. 2. Haiti Historia- Revolucio, 1791-1804. I. Titulo.

10-1348. CD. 972.94


CDU 947294

E vedada a reproduçio de qualquer parte deste


livro sem a expressa autorizado da editora.

le edicio: agosto de 2000; le reimpressio: março de 2007


edico revista: abril de 2010; 1° reimpresso: julho de 2015
22 reimpresso agosto de 2016

BOITEMPOEDITORIAL

Jinkings Editores Associados Ltda.


Rua Pereira Leite 3
05442-000 So Paulo S

Telefax. (11) 3875-7250 3872-6869


editor boitempoeditorial, combi www. boitempoeditorial, combr

www. blogdaboiempo.com.br. www. facebook, comboitempo


www.twitter, comeditoraboltempo wyoutube, com tuboitempo

-
SUMARIO

Preambulo

Prefacio à primeira ediço.

Prologo.
propiedad

proprietas.

III. Parlamento e propriedade.

As massas de Sao Domingos começam...........................

E as massas de Paris terminam..........................


VI. ascenso de loussaint.

VII. Os mulatos tentam e fracassam.

VIII. Os brancos escravizam novamente..................................

IX. A expulso dos britanicos.

X. Toussaint toma o poder.......... ..............................................

XI. cónsul de ban¬

XII. A burguesia se prepara

XIII. A guerra da independencia........................

Apendice: De Toussaint L'Ouverture a Fidel Castro...................

Bibliografia ................................. 373

log.

Indice onomástico e remissive.

Biografia do autor...............................................

-
PREAMBULO

Os jacobinos negros foram publicados pela primeira vez na Inglaterra em


1938, mas eu ja havia escrito sobre o mesmo assunto antes de deixar Trinidad
en 1932. A idea me acompanhava havia algum tempo. Estava cansado de ler e

de ouvir a respeito da perseguio e da opresso aos africanos na Africa, na Rota


do Meio, nos Estados Unidos e em todo o Caribe. Convenci-me da necessidade
de escrever um livro no qual assinalaria que os africanos ou os seus descenden
tes, en vez de serem constantemente o objeto da exploracio e da feridade de

outros povos, estariam eles mesmos agindo em larga escala e moldando otras

gentes de acordo com as suas proprias necessidades. Os livros sobre a revolucio


no Haiti que eu tinha lido até ento no possuíam um serio rigor histórico.

Em 1932, assim que cheguci à Inglaterra, comecei a procurar materiais sobre

o assunto, mas acabava encontrando sempre as mesmas trivialidades que tinha

lido antes no Caribe. Ento, passe a importar da França livros que tratavam
seriamente desses eventos to célebres na história daquel país.

Este livro é dedicado a Harry e Elizabeth Spencer. Harry tocava una casa
de chá e padaria e era un grande amigo. Era tambem um homem culto com

quem eu costumava falar a respeito dos meus planos de escrita. Sempre que um
livro chegava da França, e eu encontrava algo de interessante nele, informava¬
The con entusiasmo. Um dia, ele me disse:

— Por que voce fala sempre desse livro? Por que no o escreve de una vez

Respondi que teria de ir para a França procurar os arquivos e no tinha

ainda dinheiro para isso, mas estava juntando. Perguntoume de quanto di¬
neiro eu precisava e respondile que de cem libras, para começar. Ele no
levou a discussio adiante, mas alguns dias depois coloco me noventa libras
nas mos e disse:

Para a França, e diga se precisar de mais!

A rota dos escravos entre a Africa e as Antillas, ou Indias Ocidentais. (N. do T.)

-
Preambulo
Os jacobinos negros

Assim que terminou a temporada de vero (eu era um reporter de cri¬ ou nas florestas, aqueles que criaram os fundamentos da nacio do Haiti. Até

quette), parti e fiquei seis meses na França, progredindo no assunto com ento, eu e as pessos com as quais estive politicamente associado demos una
enfase muito grande ao fato de que os escravos, reunidos às centenas nas usinas
muita rapidez,
de acucar da Planicie do Norte, deviam muito do seu successo ao fato de terem
Em Paris, confeci o coronel Nemours, um haitiano que havia escrito uma
sido disciplinados, unidos e organizados pelo proprio mecanismo de produçio
história militar sobre a guerra de independencia em Sao Domingos. Ele ficou
fabril. Um estudante canadense que trabalhava em uma tese sobre as massas
muito feliz por encontrar algum, e alguém do Caribe, interessado na histo¬
negras na revolucio haitiana demonstrou que, na área predominantemente rural
ria do Haiti. Explicou tudo para mim, com muitos pormenores, colocando
do sul do Haiti, os escravos, apesar de nao estarem disciplinados pela produçio
livros e xicaras de café sobre una mesa grande para mostrar como haviam
capitalista, haviam se reunido em uma montanha à procura de independencia
sido travadas as diferentes campanas. Desde aquel dia, fiquei convencido de
e, persuadidos a voltarem para as plantages, argumentavam como qualquer
que nenhum comandante militar, ou estrategista, afora o proprio Napoleo,
outro trabalador dos países adiantados de hoje. Queriam tres, dois e mcio
entre os anos de 1793 e 1815, superou Toussaint LOuverture e Dessalines.
ou, pelo menos, dois dias de descanso. Agora percebemos que no Caribe os
Durante o período en que estive na Inglaterra, estudei o marxismo e escrevi escravos, tanto na revolucio rural como na urbana, agiram automaticamente,
uma história da Internacional Communista que comprendia um estudo razoavel¬
como se estivessem na segunda metade do século XX. Parece obvio hoje para
mente denso sobre a Revolucio Russa. Na França, li com entusiasmo e proveito mim, como o era en 1938, que os estudos subsequentes da revolucio na Sao
escritores como Jean Jaurès, Mathieue, sobretudo, Michelet. Encontrava me, Domingos francesa revelario mais e mais a sua afinidade com as revoluces
assim, especialmente preparado para escrever Os jacobinos negros, sendo que no
em comunidades mais desenvolvidas.
era a menos importante das minhas qualificaces o fato de ter passado a maior
Permitamme terminar este preambulo com uma das mais marcantes ex¬
parte da minha vida em uma illa das Indias Occidentais no muito diferente
do territorio do Haiti. periencias de Os jacobinos negros. Durante as comemoraçones da independencia
de Gana em 1957, encontrei alguns jovens pan-africanos, vindos da Africa do
Naquela época, eu trabalhava com George Padmore, cuja organizacao Sul, que me disseram que o meu livro havia les prestado um grande servico.
negra tinha a sua sede em Londres. Como será visto de mancira geral, e parti¬
Perguntei-les como e me explicaram: embora um exemplar se encontrasse na
cularmente nas suas très últimas páginas, o livro foi escrito tendo em mente a biblioteca da Universidade Negra, na Africa do Sul, eles no sabiam nada sobre
Africa c nao o Caribe.
ele, até que um professor branco les disse:
Uma das suas grandes virtudes é o fato de estar solidamente bascado nas — Eu sugiro que voces leiam Os jacobinos negros da biblioteca. Podero
grandes transformaces sociais que ocorreram no mundo entre 1789 e 1815.
achá-lo útill
Alem disso, a minha experiencia nas Indias Occidentais e os meus estudos sobre
Eles pegaram o livro avidamente, leram e o acharam uma revelacio, par¬
o marxismo me fizeram comprender o que havia escapado a varios escritores,
ticularmente naquilo que dizia respeito ao relacionamento entre os negros e os
ou seja: que foramos proprios escravos que fizeram a revolucio. Muitos dos seus
mulatos. Essa descoberta foi muito importante para que entendessem a relacio
lideres no sabiam ler nem escrever; e nos arquivos pode-se encontrar relatorios
entre o negro sul-africano eos coloureds, que so pessas de raça mista, negra e
(admiráveis, por sinal) nos quais o responsável decalcava seu nome em tinta
branca. Datilografaram copias, mimeografaramnase fizeram circular algumas
sobre um rascunho feito a lapis, preparado para ele.
passagens de Os jacobinos negros que tratavam da relacio entre os negros e os
O ano de 1938 já passou há muito tempo, e esperei muitos mais até que
mesticos no Haiti. Eu nano pude deixar de pensar que a revolucio movimenta se
outras pessos entrassem em campo, e fossem além de onde en estava capacitado por caminos misteriosos para realizar os seus milagres.
para ir. Mas nunca fiquei preocupado como que iriam encontrar, pois estava
C. L. R. James
convencido de que os alicerces das minhas ideas permaneceriam imperecíveis.
Janeiro de 1980
Fouchard, um historiador haitiano, publicou recentemente um traballo que
procurava provar que no foram tanto os escravos, mas os quilombolas, quer Citacio extraída do 35° dos Olney Hymne, de WILLIAM COUPER.
dizer, os que fugiram e passaram a viver por sua propria conta nas montanhas God moves in a mysterious way His wonders to performs. (N. do T.)
PREFACIO A PRIMERA EDICAO

Em 1789, a colonia francesa das Indias Ocidentais de Sao Domingos re¬

presentava dois terços do comercio exterior da França e era o maior mercado


individual para o tráfico negreiro europeu. Era parte integral da vida economica
da época, a maior colonia do mundo, o orgulho da França e a inveja de todas

as outras nações imperialistas. A sua estrutura era sustentada pelo traballo de

meio milho de escravos.

Em agosto de 1791, passados dois anos da Revolucio Francesa e dos

seus reflexos em Sao Domingos, os escravos se revoltaram. Em uma luta que

se estendeu por doze años, eles derrotaram, por sua vez, os brancos locis
e os soldados da monarquia francesa. Debelaram tambem uma invasio
espanhola, uma expedicio britanica com algo en torno de sessenta mil

homens e uma expedicio francesa de semelhantes dimenses comandada

pelo cunhado de Bonaparte. A derrota da expedicio de Bonaparte, em 1803,


resulto no establecimento do Estado negro do Haiti, que permanece até

os dias de hoje.
Essa foi a única revolta de escravos bem sucedida da Historia, e as dificul¬
dades que tiveram de superar colocam em evidencia a magnitude dos interesses

envolvidos. A transformacio dos escravos, que, mesmo às centenas, tremiam


diante de um unico homem branco, em um povo capaz de se organizar e der

rotar as mais poderosas naces europeias daqueles tempos é um dos grandes

épicos da luta revolucionária e uma verdadera façanha. Por que, e como, isso
aconteceu é o tema deste livro.

Devido a um fenómeno observado com frequencia, a liderança individual


responsável por essa proeza singular foi quase que totalmente trabalho de
um unico homem: Toussaint L'Ouverture. Beauchamp, na Biographie Uni¬
verselle, chama Toussaint L'Ouverture de um dos mais notáveis homens de

uma época repleta de homens notáveis. Ele dominou desde a sua entrada em
cena até as circunstancias retirarem-no dela. A história da revolucio de Sao

Domingos será, portanto, em grande medida, um registro das suas façanhas


Os jacobinos negros Prefacio à primeira edica¬

e da sua personalidade politica. O autor acredita, e está convicto de que a A serenidade hoje ou é inata (a filisteia) ou será adquirida apenas com a
narrativa comprovará, que, entre 1789 e 1815, com a única excego do proprio anestesia da personalidade. Foi na calma de um suburbio à beira mar que

Bonaparte, nenhuma outra figura isoladamente foi, no cenario da Historia, puderam ser ouvidos mais clara e insistentemente o estrondo da artilharia pe¬
to bem dotada quanto esse negro, que hauia sido escravo até os 45 anos de sada de Franco, a matraca do peloto de fuzilamento de Staline a impetuosa

idade. Contudo, no foi Toussaint que fez a revolucio, foi a revolucio que e estridente agitacio dos movimentos revolucionarios lutando por lucidcz e-

fez Toussaint, e mesmo isso no e toda a verdade. influencia. Essa é a nossa era e este livro é parte dela, com algo de fervor c de
inquietude. Tampouco o autor se lastima dela. Este livro é a história de uma
O registro da Historia tornase cada vez mais difícil. O poder de Deus
revolucio e, se escrito sob diferentes circunstancias, teria sido diferente, mas
ou a fragucza dos homens, a cristandade ou o direito divino dos reis para
no necessariamente melhor.
governar errado podem facilmente ser responsabilizados pela derrubada dos
Estados e pelo nascimento das novas sociedades. Tais conceitos elementa¬ C. L. R. James
res prestam se ao tratamento narrativo e, desde Tácito até Macaulay ou de
Tucidides ate Green, os historiadores tradicionalmente famosos foram mais

artistas que cientistas: eles escreviam to bem porque enxergavam to pouco.

Hoje, devido a uma reacio natural, tendemos a personificar as forças sociais,

com grandes homens sendo meramente, ou quase, instrumentos nas más

do fatalismo economico. Como acontece frequentemente, a verdade no está

nos extremos, mas no meio. Grandes homens fazem a Historia, mas apenas

aquela história que les é possivel fazer. A sua liberdade de aço está limitada
pelas necessidades do meio. O verdadero oficio do historiador consiste em

descrever os limites dessas necessidades e a realizacao, completa ou parcial,


de todas as possibilidades.

Em uma revolucio, quando a incessante e lenta acumulacio de séculos

explode em uma erupáo vulcánica, onde as torrentes de lava e os jorros

meteoricos formam um caos sem sentido e prestam se ao capricho sem fim

e ao romantismo, a menos que o observador os veja sempre como projeces

do subsolo, que é o lugar de onde vieram. O autor procurou nao apenas


analisar, mas demonstrar, em seu movimento, as forças economicas da época;
a forma como moldam, na sociedade, na politica e nos homens, tanto os

individuos como as massas; a mancira pela qual eles reagem ao meio, em


um daqueles raros momentos em que a sociedade está em ponto de ebulico

e, portanto, fluida.

Para a Historia, a análise é a ciencia, mas a demonstracio é uma arte. Os

violentos conflitos da nossa era permitem à nossa visio experiente enxergar a

propria estrutura ossea das revoluces anteriores mais facilmente do que antes.
Mas, por essa mesma razo, é impossivel reavivar emoçes históricas naquele

clima de serenidade que um grande escritor inglés, com excessiva estreiteza,


associou com a poesia apenas.
PROLOGO

Cristóváo Colombo pisou pela primeira vez em terras do Novo Mundo na

ilha de Sao Salvadore, após louvar a Deus, sain à procura de oro. Os nativos

indios de pele vermelha, eram pacíficos e amistosos e indicaram he o Haiti


uma grande ilha (aproximadamente do tamanho da Irlanda, rica, diziam, do

metal amarelo. Ele navegou para o Haiti. Quando um de seus navios naufragou,

os indios dali ajudaram-no de to boa vontade que muito pouco foi perdido e,
dos artigos que levaram até a praia, nenhum foi roubado.

Os espanhois, o povo mais adiantado da Europa daqueles dias, anexaram a

ilha, à qual chamaram de Hispaniola, e tomaramos seus primitivos habitantes

sob a sua protecio. Introduziram o cristianismo, o trabalho forçado nas minas,


o assassinato, o estupro, os ces de guarda, doenças desconhecidas e a fome

forjada (pela destruicio dos cultivos para matar os rebeldes de fome). Esses e
outros atributos das civilizaçones desenvolvidas reduziram a populacio nativa
de estimadamente meio milho, ou talvez um milho, para sessenta mil em

quinze ans.
Las Casas, um padre dominicano dotado de consciencia, viajou para a

Espanha para pleitear a abolico da escravatura de nativos. Mas, sem a coerco


desses indígenas, como poderia a colonia existir? Tudo o que os nativos rece¬

beriam a título de salario seria o cristianismo e poderiam ser bons cristos sem

trabalhar nas minas.

O Governo espanhol concordou. Aboliu os repartimientos, ou trabalho

forçado, por dircito, enquanto os seus agentes na colonia os mantinham de


fato. Las Casas, assombrado pela possibilidade de ver, diante de si, a total

destruido da populaça no período de tempo de una geracao, recorreu ao


expediente de importar os negros mais robustos da populosa Africa. Em

1517, Carlos Vautorizon a exportaço de quinze mil escravos para Sao Do¬

Vocabulo de origem caribe, Ahti, montana. (N. do T.)

WS»
Os jacobinos negros

mingos. Assim, o padre e o Rei iniciaram, no mundo, o comercio americano

de negros e a escravido.
APROPRIEDADE
O assentamento espanhol, fundado por Colombo, ocorreu no sudeste
da illa. Em 1629, alguns aventureiros franceses encontraram um lar na pequena
ilha de Tortuga, distante nove quilómetros da costa norte de Sao Domingos, e a

eles seguiram se os ingleses e os holandeses, vindos de Santa Cruz. Tortuga era


saudável e pela floresta da Sao Domingos ocidental pastavam milhoes de cabeças

de gado selvagem que poderiam ser caçadas para a alimentacio ou pelo couro.
Para Tortuga, vieram fugitivos da justiça, escravos que escapavam das galés,
Os escravagistas agiam predatoriamente nas costas da Guinée, assim que
devedores incapazes de saldar seus débitos, aventureiros à procura da sorte ou
devastavam uma área, dirigiam se para o oeste e ento para o sul, década apos
da fortuna rápida, criminosos de todas as especies e nacionalidades. Franceses,
década. Passaram pelo Niger, desceram a costa do Congo, atravesaram Longo
britanicos e espanhois trucidaram se por aproximadamente trinta anos. Os
e Angola e deram a volta no cabo da Boa Esperança, até chegarem, por volta
ingleses assumiram de fato a posse de Tortuga durante um certo tempo, mas
de 1789, ao distante Mozambique, no lado oriental da Africa. A Guiné era seu
em 1659 os bucaneiros franceses prevaleceram.
principal territorio de caça. A partir da costa, organizavam expedices que se
Eles buscavam a suserania da França e reclamaram um chefe c algumas
aprofundavam pelo interior, onde deixavam os inocentes indígenas lutando uns
mulheres. Partindo de Tortuga, formaram uma base firme em Sao Domingo contra os otros, com armas modernas, por milares de quilómetros quadrados
e se mudaram para lá. Para expulsar esses persistentes intrusos, os espanhois
de territorio.
organizaram uma grande caçada e mataram todos os bois que conseguiram
A propaganda da época alegava que, por mais cruel que fosse o tráfico, os
encontrar para poder arruinar o negocio de gado. Os franceses responderam:
escravos africanos eram mais felizes na América do que na sua propria civili¬
primeiro, como cultivo do cacau; depois, como do anil e do algodo. Já co¬
zacao africana. A nossa época tambem é uma época de propaganda. Nos nos
neciam a cana de açucar. Devido à falta de capital, invadiram a ilha inglesa da
sobressaimos aos nossos ancestrais apenas no sistema e na organizacio: mas eles
Jamaica e roubaram dinheiro e dois mil negros. Franceses, ingleses e espanhois
invadiam e tornavam a invadire queimavam tudo. Mas, em 1695, o Tratado de mentiam com a mesma habilidade e com o mesmo descaramento.

Ryswick entre França e Espanha deu aos franceses direito legal sobre a parte No século XVI, a Africa Central cra um territorio de paz e as suas civi¬
occidental da illa. Em 1734, os colonizadores começaram a cultivar o café. A lizaçones eram felizes. Os comerciantes viajavam milares de quilómetros de

terra era fertile a França oferecia um bom mercado. Mas eles tinham falta de um lado ao outro do continente sem serem molestados. As guerras tribais,
mo de obra. Alem de negros, trouxeram brancos, os engagés, que poderiam das quais os piratas europeus afirmavam libertar as pessos, eram meros

ser libertados depois de um período de alguns anos. Tao poucos negros foram simulacros; uma grande batalha significava meia duzia de homens mortos.

trazidos, com a justificativa de serem barbaros ou pretos, que as primeiras leis Foi sobre um campesinato, em muitos aspectos superior ao dos servos em

prescreviam regulamentos semelhantes tanto para escravos negros como para amplas áreas da Europa, que o comercio de escravos recain. A vida tribal
brancos engagés. Mas, sob o regime de trabalho daqueles dias, os brancos no foi destruida e milhoes de africanos sem tribos foram jogados uns contra

puderam suportar o clima. Assim, os escravagistas passaram a trazer mais e os otros. A interminável destruicio da colheita resultou no canibalismo;
mais negros, em uma quantidade que aumentava em milares a cada ano, a tal as mulieres cativas se tornavam concubinas e degradavam a condicio de

ponto que a Africa chegou a fornecer milhoes. esposa. As tribos tinham de suprir o comercio de escravos, ou ento elas

Veros traballos do prof. EMILTORDAY, um dos maiores eruditos africanos de sua época
Tratado assinado na cidade de Ryswick, na Holanda, de 20/9 a 30/10/1697, que pos fim à
particularmente uma conferencia realizada em Genebra, en 1931, para uma sociedade de
guerra de coalizo dos Habsburgos. (N. do T.) protecamo às crianças na Africa.
Os jacobinos negros A propriedade

mesmas seriam vendidas como escravas. A violencia e a ferocidade tornaram¬ a viagem, sendo levados a tombadilho uma vez por dia para se exercitare

se as necessidades para a sobrevivencia, e foram a violencia e a ferocidade para permitir que os marinheiros limpassem os baldes. Mas, quando a
que sobreviveram. Os cranios sorridentes na ponta de estacas, os sacrificios carga era rebelde ou o tempo estáva ruim, eles permaneciam no poro por

humanos, a venda dos proprios filos como escrayos: esses horrores foram o semanas. A proximidade de tantos corpos humanos nus com a pele machu

produto de una intoleravel presso sobre os povos africanos, que se tornavam cada e supurada, o ar fétido, a disenteria generalizada e a acumulacio de

mais ferozes, no decorrer dos séculos, à medida que a exigencia da industria imundicies tornavam esses buracos um verdadero inferno. Durante a¬

aumentava e os métodos de coerco eram aperfeitoados. tempestades, os alçapoes eram pregados com tábuas e naquela fechada

e repugnante escuridad eles eram arremessados de un lado a otro pelo


Os escravos eram collidos no interior, amarrados juntos uns dos otros
balanco do navio, mantidos na mesma posicio pelas correntes nas suas
em colunas, suportando pesadas pedras de 20 ou 25 quilos para evitar as
carnes sangrentas. Nenhum lugar na Terra, observou um escritor da época,
tentativas de fuga: ento, marchavam uma longa jornada ate o mar, que,
concentro tanta miséria quanto o poráo do navio negreiro. Duas vezes por
algumas vezes, ficava a centenas de quilómetros e, esgotados e doentes,
caíam para no mais se erguer na selva africana. Alguns eram levados até
dia, às nove e as quatro horas, eles recebiam a comida. Para os traficantes
de escravos, eram artigos de comercio e nada mais. Um capito, que havia
a costa em canoas, deitados no fundo dos barcos por dias sem fim, com
sido apanhado pela calmaria, ou por ventos adversos, ficou contecido por
as mos acorrentadas, as faces expostas ao sol e à chuva tropical e com as
ter envenenado a sua carga. Um outro matou uma parte de sus escravos
costas na agua que nunca era retirada do fundo dos botes. Nos portos de
escravos, eles permaneciam amontoados em um cercado para a inspeçio dos
para alimentar com a carne deles a otra parte. Morriam no apenas por
causa do tratamento, mas tambem de mágoa, de raiva e de desespero. Fa¬
compradores. Dia e noite, milares de seres humanos eram apinados em
ziam longas grèves de fome; desatavam as suas cadeas e se atravam sobre
minúsculas galerias nos depósitos de putrefaço, onde nenhum europeu
a tripulacio numa tentativa inútil de revolta. O que poderiam fazer esses
conseguiria permanecer por mais de quinze minutos sem desmaiar. Os

africanos desmaiavam e se recuperavam ou, ento, desmaiavam e morriam; homens de remotas tribos do interior, no mar aberto, dentro de um barco

a mortalidade naqueles depósitos era maior do que vinte por cento. Do


to complexo: Para avivar-les os animos, tornou se costume levá-los ao
tombadilho uma vez por dia e obriga los a dançar. Alguns aproveitavam a
lado de fora, no porto, esperando para esvaziar os depósitos assim que eles
oportunidade para pular ao mar gritando em triunfo enquanto se afastavam
enchiam, ficava o capitáo do navio negreiro, com a consciencia to limpa
do navio e desapareciam sob a superficie.
que um deles, enquanto enriquecia o capitalismo britanico com os lucros
de uma outra remessa, enriquecia tambem a religio britanica ao compor¬ Por medo da carga, uma crueldade selvagem se desenvolvia na tripulacio.
o hino “Como soa doce o nome de Jesus!" Um capito, para inspirar terror nos escravos, matou um deles e repartiu
seu coraço, seu figado e suas entranhas em trezentas partes, obrigando os
Nos navios, os escravos eram espremidos nos pores uns sobre os otros
dentro de galerias. A cada um deles era dado de un metro a um metro e outros escravos a come-las, ameaçando aqueles que no o fizessem com o

meio apenas de comprimento e de meio metro a um metro de altura, de tal mesmo suplico.

maneira que no podiam nem se deitar de comprido e nem se sentar com a

postura reta. Ao contrario das mentiras que foram espalhadas to insisten¬


temente sobre a docilidade do negro, as revoltas nos portos de embarcacao e Ver PIERRE DE VAISSIERE, Saint-Domingue (1629-1789), Paris, 1909. Este contem um

a bordo eram constantes. Por isso os escravos tinham de ser acorrentados: a resumo admirável.
Ver o poema navio negreiro, de CASTRO ALVES: “Era um sono dantesco... O tom¬
mo direita à perna direita, a máo esquerda à perna esquerda, e atrelados em
badilho. Que das luzernas avermelha o brilho, Em sangue a se banhar. Tinir de ferros...
colunas a longas barras de ferro. Nessa posicio cles permaneciam durante
estalar do açoite... Legiones de homens negros como a noite, Horrendos a dançar... (.) Presa
nos elos de uma só cadea, A multido faminta cambaleia, E chora e dança alil (2) No
Ver a conferencia do prof. TORDAY mencionada acima. entanto o capitano (...) Diz do fumo entre os densos nevociros: Vibrai rijo o chicote,
JOHNNETON (1725-1807), Oley Hymn 1779. How sweet the name of Jesus sounds. marinheitos! Fazei-os mais dançar.... (N. do T.)
(N. do T.) DE VAISSIERE, Saint-Domingue, p. 162.
Os jacobinos negros A propriedade

Esses sucessos no eram raros. Devido às circunstancias, tais aconteci¬ O olho sem piedade do encarregado de patrulhar o grupo de escravos e os

mentos eram, e so, inevitáveis. Tampouco o sistema poupava os traficantes capatazes armados de longos chicotes moviam se periodicamente entre eles

de escravos. Todos os anos, um quinto daqueles que tomavam parte no tráfico dando vergastadas cortantes naqueles que, esgotados pela fadiga, eram obri¬

africano moria. gados a descansar: homens ou mulieres, crianças ou velhos. Esse no era

um quadro isolado: as culturas de açucar demandavam um trabalho arduo


Toda a América e as Indias Occidentais compravam escravos. Quando o
e continuo. A terra tropical é cozida e endurecida pelo sol. Em volta de toda
navio alcançava o porto, a carga era levada para as docas para ser vendida.
a carrera de terra destinada para a cana era necessario cavar una larga vala
Os compradores examinavam na à procura de defeitos: olhavamos dentes,
para assegurar a circulacio de ar. Os brotos de cana exigiam cuidados nos
beliscavam a pele e, ocasionalmente, provavam o suor para ver se o sangue do
primeiros très ou quatro meses e atingiam a maturidade entre quatorze e
escravo era puro e se a sua saude era to boa quanto a sua aparencia. Algunas
dezoito meses. A cana podia ser plantada e crescia en qualquer época do
mulieres, fingindo curiosidade, examinavam os escravos de tal manera que,
se usassem da mesma liberdade com um cavalo, seriam escoiceadas por vinte ano, e a primeira colheita era o sinal para a imediata escavaço das valas e

metros a longo das docas. Mas os escravos tinham de suportar. Ento, para para um novo plantio. Una vez cortadas, eram levadas imediatamente para
o moinho para evitar que o seu suco se tornasse acido pela fermentacio. A
recuperar a dignidade que pudesse ter perdido apos realizar um exame to inti¬
mo, a compradora cuspia na face do escravo. Tendo se tornado propriedade de
extraço desse suco e a manufatura do acucar bruto continuavam durante
très semanas em um mes, de dezesseis a dezoito horas por dia, e eram rea¬
seu dono, ele era marcado em ambos os lados do peito com um ferro em brasa.
As suas tareas eram-The explicadas por um interprete e um padre o instruía lizadas durante sete ou oito meses por ano.
nos primeiros principios do cristianismo. Colocados para trabalhar como animais, os escravos eram alojados

tambem como animais en cabanas construídas ao redor de uma praça, com

provisées e frutas. O tamanho dessas cabanas variava de sete a oito metros,


O forasteiro em So Domingos era acordado pelo estalo do chicote, com aproximadamente quatro metros de largura por cinco de comprimento,

pelos gritos sufocados e gemidos profundos dos pretos que viam o sol surgir divididas em dois ou très cómodos, separados por precarias divisorias. No
apenas para amaldico-lo por mais um dia de trabalho e de sofrimento. As havia janelas e a luz entrava apenas pela porta. O cho era de terra batida; a
suas tareas começavam ao raiar do dia; às oito horas, eles paravam para cama, de palla, de peles ou apenas uma tosca rede estendida entre dois postes.
um rápido desjejum e trabalhavam de novo ate o mejo-dia. Retomavam
Nelas, dormiam indiscriminadamente a mae, o pai e as crianças. Indefesos
as duas horas e seguiam até tarde, algunas vezes até as dez ou onze horas contra os seus senhores, eles enfrentavam o trabalho excessivo, que tinha
da noite. Um viajante suico deixou nos uma famosa descrico das turmas como complemento habitual uma alimentacio fraca. O Codigo Negro, uma
de escravos no trabalho: “Eram aproximadamente cem homens e mulheres tentativa de Luis XIV para assegurar aos escravos um tratamento humano.

de diferentes idades, todos ocupados em escavar valas em uma plantaço de establecia que deveriam ser-lhes dados, todas as semanas, dois potes e meio
cana; a maioria deles estava nua ou coberta apenas por trapos. O sol brilhava
de mandioca, très de farinha, um quilo de carne salgada ouum quilo e meio
com toda a força sobre suas cabeças: o suor rolava de todas as partes dos de peixe conservado en sal, que era aproximadamente o que um homem
seus corpos; seus membros, dobrados pelo calor, fatigados pelo peso das saudável precisava para tres dias. En vez disso, os seus senhores les davam
picaretas e pela resistencia do solo argiloso cozido sob o sol tropical, duro très litros de uma farinha grossa, arroz, ou ervilhas e meia dzia de arenques.
o bastante para quebrar as ferramentas, faziam um esforço excessivo para Esgotados pelas suas tareas que duravam o dia todo e iam até altas horas da

vencer qualquer obstáculo. Um silencio lugubre reinava. A exausto estava noite, muitos no se animavam a cozinhar e acabavam por comer a comida
estampada em cada face, e a hora do descanso no havia chegado ainda.
crua. A raço era tan pequena e dada to irregularmente que, com frequencia,
na última metade da semana nao comiam nada.

Mesmo as duas horas que les eram dadas na metade do dia, os domingos
Esse era o começo e o fim de sua educaça.
GIROD CHANTRANS, Voyage d'un suisse en différentes colonies, 1785, p. 137. e os feriados no serviam para o descanso, mas para que cultivassem uma pe¬
Os jacobinos negros A propriedade

quena porcio de terra para complementar a sua raço incerta. Os escravos


carvio, alo e cinzas quentes eram deitadas nas feridas abertas. As mutila¬

que trabalhavam duro cultivavam vegetais e criavam galinhas para vender coes eram comuns: membros, orelhase, algumas vezes, as partes pudendas
nas cidades, conseguido algum dinheiro para comprar rum e tabaco; aqui para despoja-los dos prazeres aos quais eles poderiam se entregar sem custo.

e acolá, um Napoleo das finanças, fosse por sorte ou por talento, poderia Seus senhores derramavam cera quente em seus braços, más e ombros, des¬

levantar o bastante para comprar a propria liberdade. Seus senhores os enco- pejavam o caldo fervente da cana nas suas cabeças: queimavam nos vivos,
rajavam nessa prática de cultivo, pois nos años de escassez os negros morriam assavam nos em fogo brando; enchiam nos de polvora eos explodiam com
aos milhares, as epidemias estouravam, os escravos fugiam para a floresta e uma mecha; enterravam nos ate o pescoco e lambuzavam as suas cabeças
as plantages eram arruinadas. com acucar para que as moscas as devorassem; amarravam nos nas proxi¬

midades de ninhos de formigas ou de vespas; faziam nos comer os proprios

excrementos, beber a propria urina e lamber a saliva dos outros escravos.


A dificuldade consistia no fato de que, embora fossem apanhados como
Um senhor ficou contecido por, em momentos de raiva, lançarse sobre os
animais, transportados em cercados, atrelados para trabashar ao lado de um
seus escravos e cravar os dentes em suas carnes”.
cavalo ou de um burro sendo ambos feridos pelo mesmo chicote, colocados
Essas torturas, to bem comprovadas, eram habituais ou meros incidentes
em estábulos e deixados para morrer de fome, eles permaneciam, apesar de
isolados, extravagancias de uns poucos colonistas meio malucos? Embora seja
suas peles negras e dos sus cabelos encaracolados, quase irresignavelmente
impossivel verificar as centenas de casos, as evidencias mostram que essas prá-
seres humanos; com a inteligencia e os rancores dos seres humanos. Para
ticas bestiais eram características normais da vida do escravo. A tortura com
amedrontá los e torna los doceis era necessario um regime de calculada bru¬
o chicote, por exemplo, tinha “milhares de requintes, mas havia variedades
talidade e de terrorismo, cé isso o que explica o extraordinario espetáculo
de proprietarios despreocupados em preservar as suas propriedades: tinham to comuns que recebiam nomes especias. Quando as mos e os braços eram

antes de cuidar da propria segurança. amarrados a quatro postes fincados no cho, dizia se que o escravo estava

submetido aos quatro postes"; se o escravo ficava amarrado a una escada,


Pela menor falta, os escravos recebiam a mais dura punico. Em 1685, o
era a tortura da escada; se suspenso pelos quatro membros, era a rede de
Código Negro autorizara o chicote, e em 1702 um colonista, um marqués,
dormir, etc. A mulher gravida nao era tampoco popada aos quatro postes;
acreditava que qualquer punico que demandasse mais de cem chibatadas
um buraco era cavado na terra para acomodar a criança ainda no nascida. A
era o suficiente para ser levada às autoridades. Depois, o número foi fixado
tortura da argola estava especialmente reservada para as mulieres suspeitas
em 39, subindo mais tarde para cinquenta. Mas os senhores no prestavam
de aborto, e nunca era retirada de seus pescocos até que parissem a criança.
atenço a essas regras e os escravos eram, no muito raramente, açotados
Explodir um escravo tinha uma expressio: queimar um pouco de polvora
até a morte. O flagelo no era uma simples cana ou uma corda tecida,
como determinava o Codigo. Algunas vezes, era substituida pelo rigoise no rabo de un preto. Obviamente, no se tratava apenas de una perverso,
mas de una prática establecida.
ou correia grossa de couro de vaca, ou ento pelas lianes, que eram juncos
que cresciam no local, flexiveis e maleaveis como barbatanas de baleia. Os Após um exame exaustivo, o melhor que De Vaissière pode dizer foi que
escravos recebiam o chicote com mais regularidade e certeza do que rece¬ havia bons e maus senhores e a sua impressio, mas apenas uma impressio,
biam a comida. Era o incentivo para o trabalhoe o zelador da disciplina. era a de que aqueles eram mais numerosos do que estes.
Mas no havia engenho que o medo ou uma imaginacio depravada nao
Há, e sempre haverá, os que, envergonhados do comportamento de seus
pudesse conceber para romper o animo dos escravos e satisfazer a luxuria e
antepassados, tentam, e tentario, provar que a escravido no era assim to
o ressentimento de seus proprietarios e guardiács: ferros nas más e nos pés;
blocos de madeira, que os escravos tinham de arrastar por onde quer que
fossem; a máscara de folha de lata, projetada para evitar que eles comessem Saint-Domingue, p. 153-94. DE VAISSIERE utilizarse principalmente de relatos oficiais dos
a cana-de açucar, eo colar de ferro. O açoite era interrompido para esfregar arquivos da França Colonial, além de outros documentos do período, fornecendo a referencia

um pedaço de madeira em brasa no traseiro da vitima; sal, pimenta, cidra, especifica en cada caso.
Os jacobinos negros A propriedade

ruim, apesar de tudo: que seus males e suas crueldades residiam no exagero inteligente, confecido em sua época por ter compaixo dos negros, a tais
de propagandistas e no na sorte habitual dos escravos. Homens diro (e locuras atrevidas.
aceitarao) qualquer coisa para fomentar o orgulho nacional ou aliviar uma

consciencia pesada. Sem duvida, havia outros senhores que no praticavan


A maioria dos escravos se acostumava a essa incessante brutalidade devido
tais requintes de crueldade e cujos escravos sofriam apenas pelo excesso de
traballo, de desnutrico e por causa do chicote. Entretanto, os escravos em
a um profundo fatalismo e a uma estupidez brutal diante de seus senhores.
So Domingos no podiam repor o proprio número pela reproduço. Apos Por que tu maltratas tua mula desse jeito? perguntou um colonista a um

aquela terrivel viagem pelo oceano, era comum que as mulieres ficassem carretiro.
estéreis durante dois anos. A vida em Sao Domingos matava-as com rapidez, — Se eu no traballo, eu apanho; se ela nao trabalha, eu bato nela. Ela é
Os colonistas deliberadamente faziam nas trabalhar até a morte, sem esperar
men negro
as crianças crescerem. Mas os apologistas profissionais eram auxiliados pelos Um velho negro, que teve a orelha decepada e estava condenado a ter a
escritos de uns poucos observadores da época que descreviam cenas de beleza outra decepada tambem, implorou ao Governador para poupá-lo, pois se ela
idílica. Um deles foi Vaublanc, a quem deveremos encontrar de novo, e cujos fosse cortada ele nao teria onde colocar o seu toco de cigarro. Um escravo,
testemunhos entenderemos melior quando soubermos mais sobre ele. Em suas mandado por seu senhor ao jardim do vizinho para roubar, foi apanhado e
memorias ele nos mostra una plantagio na qual no existiam prises, nem levado de volta ao homem que apenas alguns minutos antes o enviara aquela
masmorras e tampoco punices a serem mencionadas. Se o escravo estava missio. O seu senhor ordenou que lhe fossem dadas cem chibatadas, as quais
nu, devido ao clima, isso no constituia um mal, e aqueles que se quexavam o escravo submeteuse sem sequer murmurar. Quando apanhados em delito,
eles persistiam em negar com a mesma estupidez fatalista. Um escravo foi
esqueciam se dos trapos bastante nojentos que eram vistos com tanta frequen¬
cia na França. Os escravos estavam livres dos trabalhos insalubres, fatigantes e acusado de roubar uma pomba. Negou. A pomba foi descoberta escondida
periculosos como aqueles realizados pelos trabaladores na Europa. Eles no soba sua camisa.

tinham de descer nas entranhas da terra, nem de cavar pocos profundos; no — Que pombinha espertal Pegou minha camisa para fazer um ninho!
construíam galerias subterraneas; no trabalhavam naquelas fabricas onde os
Apalpando a camisa de outro escravo, um senhor pode sentir as batatas que
trabaladores franceses respiravam um ar mortifero e infectado; no subiam
aquele negara ter roubado.
em telhados altos e nem carregavam fardos enormes. Os escravos, ele conclusa,
tinham um trabalho leve para fazer e estavam contentes em faze-lo. Vaublanc,
— No so batatas, dizia, so pedras

que em Sao Domingos mostrava se to compadecido dos sofrimentos dos Quando foi despido, as batatas caíram no chao.
trabaladores na França, teve de fugir às pressas de Paris, em agosto de 1792, Ei, amo, o diabo é malandro. Eu coloquei pedras e, olhe, o senhor en¬
para escapar à ira dos operarios franceses. controu batatas
Malouet, que era funcionario nas colonias e o colega reacionario de Durante os feriados, quando no estavam trabalando em suas hortas
Vaublanc, contrario a qualquer mudança nas colonias, tambem procurava particulares, ou dançando, sentavam se por horas a fio em frente às suas choças
dar uma idea dos privilegios da escravido. A primeira cosa que notou foi sem aparentar sinais de vida. Esposas e maridos, crianças e pais, eram separados
que o escravo, ao atingir a maioridade, começava a desfrutar dos prazeres de acordo com a vontade do senhor; e um pai e um filho, que se encontraram

do amor, e seu senhor no tinha interesse em evitar que ele se apegasse a depois de muitos anos, no se saudaram e nem sequer demonstraram algum
esses gostos. A defesa da propriedade pode levar até mesmo um homem sinal de emocio. Muitos escravos nem mesmo se mexiam, a nao ser que fossem
vergastados. O suicidio era um hábito comum, e era tal o desprezo que tinham

Citadas exaustivamente por DE VAISSIERE, p. 198-202. Embora possa parecer incrivel, o bario de Wimpffen dá esses fatos como testemunhados
DE VAISSIERE, p. 196. pelos seus proprios olhos. Seus registros da visita a Sao Domingos, em 1790, é un traballo
Os jacobinos negros A propriedade

pela existencia que, muitas vezes, os escravos tiravam a propria vida no por em consequencia disso acabavam morrendo de fome. No era uma doença
motivos pessais, mas apenas para irritar os seus donos. Viver era duro e a morte, natural e nunca atacava crianças de mulheres brancas. Apenas as parteiras
acreditavam, significava nao apenas a libertaço mas a volta à Africa. Aqueles negras poderiam causa-la, e acredita se que elas realizavam uma pequena
que queriam acreditare convencer o mundo de que os escravos eram brutos e operaçio nos recem nascidos que resultava na doença da mandibula. Qual¬
semi-humanos, condizentes apenas com a escravido, podiam encontrar amplas quer que fosse o método, essa doença causava a morte de aproximadamente
evidencias para essa crença, sobretudo nessa sua mania homicida. um terço das crianças nascidas nas fazendas.
Envenenamento era o seu método. Uma amante envenenaria a sua ri¬

val para conservar o valioso afeto de seu senhor inconstante. Una amante
Qual era o nivel intelectual desses escravos? Os colonistas, que os dia¬
rejetada poderia envenenar o seu senhor, bem como a esposa, os filos eos
vam, chamavam nos de todos os nomes infames que pudessem imaginar. Os
escravos dele. Um escravo, privado de su esposa por um de seus senhores,
negros”, diz um relato publicado em 1789, veram injustos, crueis, barbaros,
poderia envenená-lo, c esse era um dos motivos mais frequentes para o
semi-humanos, traicoeiros, perfidos, ladres, beberres, arrogantes, preguitosos,
envenenamento”. Se um colonista alimentasse uma paixo por uma jovem
sujos, sem-vergonas, furiosamente ciumentos e covardes. Era devido a sen¬
escrava, a me desta poderia envenenar a esposa dele, com a intenço de
timentos como esses que eles procuravam justificar as crueldades abominaveis
colocar sua filha no comando das tareas domésticas. Os escravos envene¬
que praticavam. E tomavam muito cuidado para que o negro permanecesse
nariam as crianças mais novas dos senhores para assegurar que a herança da
a fera bruta que eles queriam que fosse. A segurança dos brancos exigia que
propriedade recaisse em apenas um filho. Por esse meio, eles evittavam que
mantivéssemos os negros na mais profunda ignorancia. Cheguei ao ponto de
a plantagio fosse dividida em varias propriedades dispersando o seu grupo.
acreditar firmemente que os negros deveriam ser tratados como animais. Essa
Em certas fazendas, os escravos dizimavam a sua propria populaçio por
era a opinio do Governador de Martinica, expressa em uma carta ao ministro, e
envenenamento com a finalidade de mante la pequena e evitar que os seus
essa era tambem a opinio de todos os colonistas. Com exceçamo dos judens, que
senhores os colocassem em projetos mais amplos que podriam aumentar o
no poupavam energías para converter os seus escravos em israelitas, a maioria
trabalho. Por essa razo, um escravo envenenaria a propria esposa: outro, as
dos colonistas mantinha religiosamente qualquer instrucao, fosse ela religiosa
proprias crianças. Uma enfermeira negra declarou no tribunal que durante
ou nao, longe dos escravos.
anos vinha envenenando todas as crianças que ela ajudava a trazer ao mun¬
do. Enfermeiras empregadas em hospitais envenenavam soldados dentes
Naturalmente, havia todo tipo de homem entre eles, desde antigos chefes
tribais, como era o caso do pai de Toussaint L'Ouverture, até homens que
para se livrar da tarea desagradável de assisti-los. Os escravos poderiam
mesmo envenenar a propriedade de um senhor querido. Se ele estivesse indo
tinham sido escravos em seus proprios países. O crioulo era mais docil do

embora, envenenavam as vacas, os cavalos e as mulas, assim, as plantages que o escravo nascido na Africa. Alguns diziam que era mais inteligente.

eram deixadas em desordem eo senhor amado era obrigado a permanecer. O Outros duvidavam que houvesse muitas diferenças, ainda que o escravo
crioulo connecesse a lingua e estivesse mais familiarizado como ambiente
mais terrivel de todos esses assassinatos a sangue-frio era, porem, a doença
da mandibula, uma doença que atacava apenas as crianças nos primeiros e como trabalho. Contudo, aqueles que se deram ao traballo de observa-los

dias de suas vidas. As suas mandibulas ficavam de tal manera fechadas que longe de seus senhores e no convivio entre si no dexaram de ver a extraor¬
dinaria agilidade intelectual e a vivacidade espiritual que tanto distingue
era impossivel abri-las para que a criança pudesse ingerir alguna cosa, e
seus descendentes nas Indias Ocidentais de hoje. O padre Du Tertre, que os

confecia bem, observou o orgulho secreto e o sentimento de superioridade

que tinham en relacio aos seus senhores; a diferença entre o comportamento


clásico. Uma boa selecto, com varias notas completas, soi publicada como titulo Saint¬ que assumiam diante dos seus senhores e aquel que tinham longe deles. De
Domingue à la veille de la Révolution, por Albert Savine, Paris, 1911.
Wimpffen, observador excepcional e destro viajante, ficou tambem admirado
13 Ver Keny do dr. NORMAN LEYS, Londres, 1926, p. 184: Alguma rivalidade en relacio a
com essa dupla personalidade dos escrayos: “E preciso ouvir con que calor
uma mulher nativa seria a provável explicacao para muitos dos crimes de violencia cometidos
e con que verbosidade, combinados com uma grande preciso de ideas e
pelos africanos contra os europeus no Quenia.
Os jacobinos negros A propriedade

acuidad de julgamento, essa criatura, pesada e taciturna durante todo o criados, arrumadeiras, enfermeiras, companias femininas e outros criados
dia, agora agachada perto da fogueira, conta histórias, conversa, gesticula, domésticos. Esses retribuíam o tratamento gentil que recebiam e a vida com¬
argumenta, opina, aprova e condena tanto o seu senhor como qualquer parativamente fácil comum forte apego aos seus senhores, o que permitiu que
um à sua volta. Era essa inteligencia que se recusava a ser esmagada, essas historiadores tory), distintos professores e sentimentalistas representassem a
possibilidades latentes, que assustava os colonistas, como continua a assustar escravido nas fazendas como uma relacio patriarcal entre senhores e escra¬

os brancos na Africa de hoje. Nenhuma especie de homem possui mais vos. Impregnados dos vicios de seus senhores e senhoras, esses serventes de

inteligencia”, escreveu Hilliard d'Auberteuil, um colonista, em 1784, eo altos postos davam se ares de arrogancia e desprezavam os escravos do cito.
seu livro foi proibido. Vestidos com roupas de seda com bordados, enjeitadas pelos seus senhores,

Mas no é preciso nem educacao, nem coragem para nutrir um sono de davam bailes nos quais, como macacos amestrados, dancavam minutos e

quadrilhas e faziam mesuras e reverencias a modo de Versales. Mas um


liberdade. Nas suas cerimonias de vodu, seu culto africano, à meta-noite, eles
dancavam e cantavam geralmente esta canço predileta: pequeno número deles aproveitava essa posicio para se educar, adquirir um

El E. Bombal Heu! Heu! pouco de cultura e aprender tudo o que pudesse. Os líderes das revoluces
foram geralmente aqueles que tiveram a capacidade de lucrar como beneficio
Canga, bafio té!
da cultura do sistema que combatiam, e a revolucio de Sao Domingos no
Canga, moune de lé foi uma exceçio a essa regra.

Canga, do ki la
Christophe, mais tarde Imperador do Haiti, era um escravo que tra¬
Canga, li! balhava como servente em um hotel público em Cabo Françoise, nessa

Juramos destruir os brancos e tudo o que possum; que morramos se funcio, aproveitou para adquirir confecimentos sobre as pessos e sobre o
falharmoos nesta promessa mundo. Toussaint LOuverture tambem pertenceu a essa pequena casta

privilegiada. Seu pai, filho de un pequeno chefe na Africa, depois de appri¬


Os colonistas confeciam essa canço e tentaram eliminala, bem como o
sionado na guerra, foi vendido como escravo e fez a viagem em um navio
culto do vodu como qual ela estava associada. Foi inútil. Por mais de duzen¬
negreiro. Foi comprado por um colonista com uma certa sensibilidade que,
tos anos, os escravos cantaram-na em suas reunies, da mesma mancira que
reconnecendo que esse negro era una pessoa fora do comum, permitiu-he
os judeus cantavam na Babilonia as saudades de Sio”, e como hoje os bantos
gozar de um pouco de liberdade na fazenda e deu-The cinco escravos para
cantam em segredo o hino nacional da Africa.
cultivar uma horta. Tornou se católico, casandose com uma muler que,
além de bonita, tambem cra uma boa pessoa, e Toussaint seria o mais velho

Nem todos os escravos, entretanto, submetiam se a esse regime. Havia entre os oito filhos do casal. Perto da casa grande, vivia um velho negro

chamado Pierre Baptiste, notável pela sua integridade de caráter e dotado de


uma pequena casta privilegiada: capatazes das turmas, cocheiros, cozinheiros,
algum confecimento. Os negros falavam um baixo francés contecido por

créole. Mas Pierre sabia frances, um pouco de latim e tambem um pouco de


geometria, que tinha aprendido comum missionario. Pierre Baptiste tornou-
14 Salmo 136 (137) da Biblia: dunto dos rios de Babilonia, ali nos assentamos e pusemos a
se padrinho de Toussainte ensinou ao afilado os rudimentos do francés.
chorat, lembrandonos de Sio». (Traducao do pe. FIGUEIREDO.) Um dos temas mais
recorrentes da literatura, vemo lo no poema "Super Flumina Babylonis, do inglés A. C. Utilizando se dos servicos da Igreja catolica, instruiuo nos rudimentos do
SWINBURNE. By the waters of Babylon we sat down and went, Remembering thee, That latim. Toussaint aprenden tambem a desenhar. O jovem escravo cuidava
for ages of agony hast endured, and slept, And would not see; e no fabuloso Babel e Si¬
de CAMOES: Sobolos rios que vio / Por Babilonia, me achei, / Onde sentado chorei as

lembranças de Sio». Aparece tambem na opera Nabuco, de G. VERDI, no coro a pensiero


e tambem em um poema de BYRON. (N. do T.)
fais observacies, escritas en 1938, pretendiam usar a revolucio de Sao Domingos como um 16 Os conservadores, que se sentavam à direita no Parlamento inglés. (N. do T.)
prenuncio para o futuro colonial da Africa. Quando escravo, era chamado de Toussaint Bréda.
Os jacobinos negros A propriedade

dos rebanhos e das manadas, e essa foi a sua primeira ocupacio. Seu pai, diferente apenas na força e no vigor, em que les era superior. Destemido,
porem, como muitos outros africanos, tinha um certo confecimento sobre embora maneta devido a um acidente, tinha uma fortaleza de espírito que

plantas medicinais e ensinou a Toussaint o que sabia. Os elementos de una sabia preservar mesmo em meio à mais cruel das torturas. Ele dizia poder
educacao, seu confecimento sobre ervas e sua inteligencia fora do comum
prever o futuro; como Maomé, teve revelaces; convenceu seus seguidores de
fizeram com que ele se destacasse e se tornasse cocheiro de seu senhor. Isso que era imortal e exercia sobre eles um tal dominio que consideravam uma

proporcionou-he meios adicionais de conforto e para poder educarse a honra servi-lo de joelhos. As mulheres mais formosas brigavam pelo privilegio
si mesmo. Por fim, foi designado administrador de todos os bens vivos da¬ de serem admitidas em seu leito. O seu bando no saa apenas para pilhar

fazenda, o que era um cargo de responsabilidade, normalmente ocupado fazendas por toda a parte, mas o proprio chese percorria essas fazendas para

por um branco. Se a genialidade de Toussaint vcio de onde vemos génios, converter escravos para o seu bando, estimular seus seguidores e aperfeitoar
por otro lado varias circunstancias contribuiram para que ele tivesse pais o seu grande plano de destruicio da civilizatio branca de Sao Domingos.

excepcionais, amigos e um senhor gentil. Uma massa sem instrucao, percebendo a possibilidade da revolucao, começa

normalmente pelo terrorismo, e Mackandal visava libertar seu povo por meio
do envenenamento. Durante seis anos, construiu sua organizacao, e ele e seus
Mas o número de escravos que ocupavam posites com tais oportunidades
seguidores envenenavam nao apenas brancos mas membros desobedientes do
era infinitamente pequeno em comparacio às centenas de milares que supor-
proprio bando. Ento, planejou que em determinado dia a agua de todas as
tavam nas suas costas arqueadas toda a estrutura social de Sao Domingos. Nem
casas na capital da provincia seria envenenada, e os brancos seriam atacados
todos submetiam se a isso. Aqueles cuja audacia de espírito via a escravido
durante as suas convulses e angustias de morte. Possuía listas com todos os
como una cosa intoleravel e se recusavam a deixa-la pelo camino do suicidio
membros de seu partido en cada um dos bandos de escravos, designon capi¬
acabavam fugindo para as montanhas e florestas, onde formavam bandos de
taes, tenentes coutros oficiais; dispos que os bandos de negros deveriam deixar
homens livres, os quilombolas. Fortificavam seus refugios com palicadas e va¬
a vila e se espalhar pela planicie para massacrar os brancos. A sua temeridade
las. As mulheres os seguiam. Eles se reproduziam. E durante os cem anos que
foi a causa da sua queda. Um día, ele foi até uma fazenda, embebedousee
antecederam 1789 os quilombolas representaram uma fonte de perigos para a
foi traído. Capturado, foi quemado vivo.
colonia. Em 1720, mil escravos fugiram para as montanhas; em 1751, havia
A revolta de Mackandal no se realizou e foi o único indicio de una
pelo menos très mil deles. Normalmente formavam bandos separados, mas
tentativa de revolta organizada durante os cem anos que precederam a Re¬
periodicamente encontravam um chese que era forte o suficiente para unir os
volucio Francesa. Os escravos parecia eternamente resignados, embora de
diferentes agrupamentos. Muitos desses lideres rebeldes inspiravam terror no
vez em quando um escravo fosse afforrado ou comprasse a propria liberdade
coraço dos colonistas devido às suas incurses nas fazendas e à força e deter¬
de seu dono. Dos seus senhores no partia nenhuma conversa sobre una
minacao da resistencia organizada por eles contra as tentativas de extermina-los.
O maior desses chefes foi Mackandalle. futura emancipacao. Os colonistas de Sao Domingos diziam que a escra¬

vido era necessaria, e para eles o assunto estava encerrado. A legislaçio


Mackandal concebeu o audacioso plano de unir os negros e expulsar os
sobre a protego dos escravos existía apenas no papel, devido à regra que
brancos da colonia. Era um negro vindo da Guiné, que tinha sido escravo
reza que um homem pode fazer o que quiser com a sua propriedade. Todas
no distrito de Limbé, o qual mais tarde se tornaria um dos grandes centros
as leis a favor dos negros, por mais humanas e justas que possam parecer,
da revolucio. Mackandal era um orador, na opinio de um branco contem¬
significario sempre uma violacio dos direitos de propriedade se nao forem
poraneo, e com a mesma eloquencia dos oradores europeus daqueles dias,
patrocinadas pelos colonistas (...). Todas as leis sobre propriedade so justas
apenas se apoiadas pela opinio daqueles que esto interessados nelas como

proprietarios. Essa era ainda a opinio dos brancos no começo da Revolu¬


çio Francesa. Náo apenas os fazendeiros mas as autoridades dexaram bem
18 Mackandal faz parte do romance do cubano ALEJO CARPENTIER El reino de este mundo,
cujo cenario é, principalmente, o Haiti da época da revolucio. (N. do T.) claro que, quasquer que fossem as penas para os maus-tratos aos escravos,
Os jacobinos negros A propriedade

elas nunca seriam aplicadas. Os escravos poderiam entender que tinham dois de seus ajudantes absolveram no de todas as acusaçes. Os colonistas
direitos, o que seria fatal para a paz e para o bem da colonia. Eis por que de Plaisance encaminharam uma peticio ao Governador e a intendente em
um colonista nunca hesitava em mutilar ou em matar um escravo que le proveito de Le Jeune e exigiram que a cada um dos escravos fossem dadas
tinha custado milares de francos. A Costa do Marfim é uma boa mae.
cinquenta chibatadas por te-lo denunciado. A Camara Agricola de Le Cap
dizia um proverbio colonial. Os escravos poderiam ser sempre comprados
pediu que Le Jeune fosse simplemente banido da colonia. Setenta colonis¬
eos lucros seriam sempre altos. tas do Norte impetraram uma peticio parecida e o Circulo de Filadelfia,
um centro cultural de Sao Domingos, recebeu uma solicitacio para que

fosse feita uma representacio em proveito de Le Jeune. O pai de Le Jeune


O Código Negro foi promulgado em 1685. Um século depois, em 1788,
encaminhou um mandado de intervenço contra um dos investigadores
caso Le Jeune expos as verdades da lei do escravo e da justiça do escravo em
oficiais cujas provas ele impugnou. Resumindo”, escreveram o Governador
So Domingos.
eo intendente ao ministro, parece que a segurança da colonia depende da
Le Jeune era um plantador de café de Plaisance. Suspeitando que a mor¬
absolvicio de Le Jeune. Dependia, se os escravos fossem mantidos no seu
talidade entre os seus negros era devida ao envenenamento, matou quatro
proprio lugar. Os juizes, após inúmeros adiamentos, deram um veredicto
deles e tentou extrair confisses de duas mulieres sob tortura. Queimou contrario; as acusaçes foram declaradas nulas e sem effeito e o caso foi en¬
seus pés, pernas e cotovelos, enquanto as mantinha bem amordaçadas, e
cerrado. O promotor público teve de requerer um apelo perante o Conselho
ento retirava, nos intervalos da tortura, a mordaça na expectativa de que
Supremo de Porto Principe, a capital oficial da illa. Todos os brancos de Sao
confessassem. Ele nao obteve nada e ameaçon todos aqueles escravos que
Domingos ergueram se em armas. O intendente nomeou o membro mais
entendiam o francés de que iria mata-los sem piedade se eles se atrevessem
velho do Conselho como relator, imaginando que ele pudesse assegurar que
a denuncia-lo. Mas Plaisance, na densamente povoada Provincia do Norte,
a justiça fosse feita. Mas no dia do julgamento, temendo una condenacao,
sempre foi o centro dos escravos mais avançados, e quatorze deles foram
até Le Cape denunciaram Le Jeune à Justica. Os juizes no puderam fazer
ele proprio se ausentou, e o Conselho mais uma vez absolven Le Jeune. O
Governo local podía aprovar as leis que bem entendesse. A Sao Domingos
nada alem de accitar as acusaçes. Nomearam una comisso que investigou
branca nao toleraria nenhuma interferencia nos seus métodos de manter os
a fazenda de Le Jeune e confirmou o testemunho dos escravos. A comissio
escravos em ordem.
encontrou de fato as duas mulheres trancafiadas e acorrentadas, ainda vivas,

mas com as pernas e cotovelos em decomposicio; uma delas tinha o pescoco


to dilacerado por una argola de ferro que no conseguia sequer engolir.
Era esse o problema a ser resolvido.
Le Jeune insistia que eram culpadas pelos envenenamentos que havia tanto
tempo vinham devastando a sua fazenda, e como prova forneceu uma ca¬ Esperanças vindas dos colonistas nao havia. Na França, o liberalismo

xa apanhada em posse das mulheres. Isto, ele disse, contem veneno. Mas, continuava sendo uma aspiraço e a curadoria, sua folha de parreira, era

quando a caixa foi aberta, descobriram que no continha nada alem de ainda desconhecida. Mas na maré do humanitarismo que subia na revolta

tabaco comum e fezes de rato. A defesa tornou se impossivel e, quando as da burguesia contra o feudalismo, Diderot e os enciclopedistas atacavam a
duas mulieres morreram, Le Jeune desaparecen bem a tempo, antes de ser escravido. Deixemos as colonias serem destruidas antes que nos tornemos
levado para a prisio. O caso estava esclarecido. Na audiencia preliminar, os a causa de tantos males, dizia a Enciclopédiatem seu artigo sobre o comér¬
quatorze negros repetiram as acusages que fizeram anteriormente, palavra cio de escravos. Mas tais impetos nem antes e nem ento produziram muito

por palavra. Contudo, sete brancos testemunharam a favor de Le Jeune e effeito. Qualquer ataque verbal contra a escravido provocava a mosa dos

DE VAISSIERE, p. 1868. Enciclopédia: publicaçamo francesa da era do lluminismo, e sua obra principal, dirigida por D'Alembert
e Diderot, contou com a colaboracio de varios pensadores de século XVIII. (N. do T.)
Os jacobinos negros A propriedade

observadores, que nem sempre era injusta. Os seus autores eram comparados raramente conseguem encontrar a liderança adequada. Contudo, era preciso
a médicos que, en vez de receitar um remédio a um paciente, maldiziam a muito mais do que isso.
doença que o consumia. Os homens fazem a sua propria história. E os jacobinos negros de Sao

Domingos fariam a história que mudaria o destino de milhoes de homens e


o curso economico de très continentes. Todavía, se é possivel aproveitar uma
Mas entre esses oponentes literarios à escravido havia um que, nove anos
oportunidade, no é possivel cria-la. O comercio de escravos e a escravido
antes da queda da Bastilla, clamava por una revolucio de escravos com a
estavam firmemente entrelaçados à économia do século XVIII. Tres forças:
apaixonada convicto de que era certo que ela viria para libertar a Africae
os proprietarios de Sao Domingos, a burguesia francesa e a burguesia inglesa
os africanos um dia. Era um religioso, o padre Raynal, e ele pregou a sua
prosperaram sobre a devastaço de um continente e a brutal exploraço de mi¬
doutrina revolucionária na Historia filosofica e politica dos establecimentos
hones de seus habitantes. Enquanto essas forças se mantivessem em equilibrio, o
e do comercio dos europeus nas duas Indias. Era um livro famoso em sua
tráfico demoníaco prosseguiria; e assim teria continuado até os dias de hoje. Mas
época e foi parar nas mos do escravo mais apto a fazer uso dele: Toussaint
nada, por mais lucrativo que seja, dura para sempre. Desde que o seu proprio
Ouverture.
desenvolvimento ganhou impeto, os fazendeiros das colonias e as burguesias
A liberdade natural é o direito que a natureza proporcionou para todos
francesa e britanica passaram a gerar presses internas e a intensificar as riva¬
disporem de si mesmos de acordo com a sua propria vontade. lidades externas, dirigindose cegamente para conflitos e exploses que despe¬

O escravo, um instrumento nas más da perversidade, está abaixo do dacariam as bases do seu dominio e criariam a possibilidade da emancipacao.
cachorro que os espanhois soltaram contra os povos americanos.

Essas verdades so eternas e memoráveis: os fundamentos de toda a moral,


a base de todos os governos; poderio ser contestadas? Sim!

E a passagem mais confecida:

Se apenas o interesse possoal predomina entre as nações e os seus


senhores, é porque um outro poder existe. A natureza fala em sons mais
fortes do que a filosofia ou do que o interesse pessoal. Já existem duas

colonias establecidas de negros fugitivos onde a força e os tratados pro¬

tegen-nas de serem tomadas. Esses relámpagos anunciam o trovo. Um


comandante corajoso e tudo de que precisam. Onde está esse grande homem
que a Natureza deve aos seus molestados, oprimidos e atormentados filos?
Onde está? Ele aparecerá, no duvidem Ele apresentarse á erguendo o

estandarte da liberdade. Esse vencrável sinal reunirá em torno dele os com¬

panheiros dos seus infortunios. Mais impetuosos do que as torrentes, eles


deixaro en todas as partes a marca indelével do seu justo ressentimento.
Em todas as partes, as pessos abençoaráo o nome do heroi que terá resta¬

belecido os direitos da raça humana; en todas as partes, erguero troféus


em sua homenagem.
Toussaint leu a passagen inúmeras vezes: Um comandante corajoso é
tudo de que precisam. Onde está?”. Um comandante corajoso era preciso.

E da tragédia dos movimentos de massa que eles necessitam, mas apenas


Os proprietarios

Todavía, esse lugar era monótono. Saía ano, entrava ano, dia apos dia,
era sempre o mesmo: um pouco mais verde na estacio das chuvas, um pouco
OS PROPRIETARIOS
mais pardo na estacio da seca. O cenario mais agreste era constantemente
magnífico, mas para o colono que via essa mesma paisagem doméstica, des¬

S
de as primeiras horas do dia, ela causava pouca reacio. Para o emigrante,
antes encantado e satisfeito, a monotonia produzia a indiferença, que podia
transformarse em uma crescente aversio e num anscio pela mudança das

estaces no decorrer do año.


Entre os très, os latifundiarios de Sao Domingos, os burgueses britanicos O clima era duro e, para o europeu do seculo XVIII, sem os confecimen¬
e os burgueses franceses, os primeiros eram mais importantes. tos dos días de hoje a respeito de higiene tropical, quase insuportável. O sol
escaldante e a atmosfera úmida maltratavam todos os recem-chegados, fossem
Em um terreno como o da escravido em Sao Domingos, apenas uma
eles europeus ou africanos. Os africanos morriam, mas as doenças europeias
sociedade depravada poderia florescer. Tampouco as circunstancias inci¬
eram temidas pelos habitantes da colonia, cuja ciencia e cujos habitos eram
dentais poderiam contribuir para mitigar a desmoralizacio inerente a tal
sistema de produço. impotentes para combat-las. A febre e a disenteria na estacao quente; escorri¬
mentos nasais e diarreia na estacio chuvosa; o tempo todo, una aversio pelo
So Domingos é uma illa montanhosa com picos que se elevam a até
traballo continuo, favorecida pela comilança e pela lascivia criada pela fartura
dois mil metros acima do nivel do mar. Dessas montanhas, brotam inúmeros
e por um contingente de escravos à espera de alguma tarea, desde tirar os
riachos que se acrescentam em rios cujas aguas irrigam os vales e as no poucas
sapatos até passar a noite.
planicies que repousam entre as colinas. A proximidade do equador da uma
A falta de força de vontade dominava os latifundiarios brancos desde
opulencia fora do comum e diversidade à exuberancia natural dos tropicos,
onde a vegetacio artificial no era inferior à natural. Campo apos campo, o berço.

overdeclaro do canavial ondulava baixa e continuamente à brisa marina, - Eu quero um ovol dizia uma criança da colonia.
encerrando o engenho e as habitaçes como se fosse um mar. Poucos metros
— No há nenhum!
acima dos pés de cana, balancavam as largas folhas das bananeiras; perto

das moradas, os ramos da palmeira, coroando una coluna perfeitamente


Ento, eu quero dois!
redonda e sem folhas de vinte ou trinta metros, semelhantes a enorme penas Essa anedota era característica. A insalubridade do clima e à compla¬
cencia a cada desejo eram acrescentadas a licenciosidade aberta e a habitual
que produziam um suave murmurio; enquanto grupos delas, à distancia,
sempre visiveis no ceu límpido dos tropicos, pareciam grupos de guarda-sois ferocidade dos seus pais. A degradaço da vida humana cercava a criança por

gigantes esperando pelo viajante ressequido e quemado pelo sol. Na estacao, todos os lados.

a mangucira e as laranjeiras, solitarias ou entre as arvores, formavam uma A ignorancia inerente à vida rural anterior à Revolucio Industrial era re¬

massa de folhas verdes e de frutos dorados e vermelhos. Milhares de peque¬ forçada pela irritatio e pela jactancia do isolamento aliadas ao incontestado
nos e cuidadosamente ajeitados pés de café levantavam se sobre o declive das dominio sobre centenas de vidas humanas. As fazendas ficavam, frequente¬
colinas, e as encostas abruptas e ingremes da montanha estavam cobertas
mente, a quilómetros de distancia umas das outras e, naquela época en que se
ate o cume pela luxuriante vegetacio arbustiva dos tropicos e pelas florestas andava a cavalo e as estradas eram poucas ou ruins em um país montanoso,
de madeira de lei de Sao Domingos. O viajante que vinha da Europa ficava a comunicacio com os vizinhos era rara e difícil. Os latifundiarios odiavam
encantado ao, pela primeira vez, vislumbrar esse paraíso, onde a beleza correta aquela vida e procuravam ganhar dinheiro o bastante para aposentarse na
da agricultura c a prodigalidade da natureza contribuíam igualmente para a França ou, pelo menos, para passar alguns meses em Paris, extasiandose nas
sua surpresa e admiracio. amenidades da civilizatio. Com tanto para beber e comer, havia uma prodiga
Os jacobinos negros Os proprietarios

hospitalidade que virou tradicio, mas as casas-grandes, ao contrario do que diz jovens de nobres franceses encontraram em Sao Domingos uma oportunidade
a lenda, eram, na sua maioria, modestamente mobiliadas, e os seus donos as de reconstruir as suas fortunas despedaçadas e de viver a vida de magnata do

viam como casas de descanso nos intervalos de suas viagens à Paris. Procuran¬ campo que ora les era negada na França. Vinham como oficiais do Exercito e

do vencer o ocio abundante e o aborrecimento com comida, bebida, jogos de funcionarios e ficavam para encontrar fortuna e formar familias. Comandavam a

dados e mulheres negras, haviam perdido, muito antes de 1789, a simplicidade milicia e administravam uma justiça rude. Apesar de arrogantes e esbaniadores,

da vida e a rude energía daqueles homens anonimos que haviam fundado a representavam uma seco de valor da sociedade dos brancos de Sao Domingos

e uniam mais firmemente uma sociedade composta de elementos to diversos


colonia. Um administrador, um capataze o mais inteligente dos sus escravos
e desintegrados. Mas mesmo a sua educacao, as suas tradices e o seu orgullo
eram mais do que o necessario para se tocar as fazendas. Assim que podiam,
no eram impermeaveis à corrupto predominante e poder-seia encontrar um
deixavam a ilha, se possivel para nunca mais voltar. Contudo, jamais chegaram
a formar na França uma força politica e social to rica e poderosa quanto aquela parente dos De Vaudreils, um Châteauneuf, ou Boucicaut, o último descen¬
das Indias Occidentais na Inglaterra. dente do famoso marechal da França, passando sua vida entre um copo de rum

e uma concubina negra.


As mulieres estavam sujeitas às mesmas influencias perniciosas. Nos
primeiros anos da colonizatio elas eram importadas, assim como o eram
os escravos e as maquinarias. Muitas das que chegavam tinham sido varri¬ A vida na cidade é a ama de leite da civilizacio. Mas, excetuando se Porto
das das sarjetas de Paris, trazendo para a colonia corpos to corrompidos Principe, a capital, e Cabo François, as cidades de Sao Domingos no auge de
quanto as suas maneiras, e servindo apenas para infectar a colonia. Um sua prosperidade eram pouco mais que aldeas. Em 1789, So Marcos tinha

funcionario, pedindo mulheres, implorou às autoridades que no enviassem apenas 150 casas; Môle Sao Nicolau, a Gibraltar do mar do Caribe, apenas
as mais feias que pudessem encontrar nos hospitais. Ainda em 1743, a 250; Léogane, um das mais importantes cidades da Provincia Ocidental,
So Domingos oficial reclamava que a França continuava a enviar moças estava constituida por algo entre trezentas e quatrocentas casas distribuídas

cujas aptides para a reproduçio estavam, na maioria delas, destruidas por por quinze ruas; Jacmel, um das cidades-chave no Sul, tinha apenas quarenta.

excesso de uso”. Projetos para um sistema educacional nunca produziram Mesmo Cabo François, a Paris das Antilhas e entreposto do comercio europeu,

frutos. Como aumento da riqueza, as filas dos latifundiarios mais ricos tinha uma populacio de apenas vinte mil, cuja metade era de escravos. Mas

eram mandadas a Paris, onde, após um ou dois anos em escolas de educa¬ Le Cap, como é familiarmente chamada, era uma cidade famosa e única no

co para moças, casavam se bem com a decadente nobreza da França. Mas gênero em sua época. Uma atividade incessante reinava ali, com seus portos
na colonia elas passavam o tempo todo se arrumando, cantando estúpidas sempre cheios de navios e suas ruas repletas de mercadorias. Mas era tambem

incómoda a marca de selvageria que parecia inseparável de tudo que estava


cances couvindo o mexerico e as adulaces dos seus servicais escravos. A
ligado a Sao Domingos. Um dos mais ilustres historiadores coloniais, Moreau
paixo era a sua ocupacio principal, estimulada pela alimentacio exagera¬
de Saint-Méry, admite que as ruas eram esgotos e que o povo despejava nela
da, pela preguiça e pelo imorredouro ciume das mulieres negras e mulatas
todo o seu lixo. O Governo pedia em vo para que o povo nao atentasse contra
que competiam, com tanto sucesso, pelos favores dos maridos e amantes
daquelas mulieres a ordem pública, que tivessem cuidado com a deposito da substancia fecal,

que no dexassem os carneiros, porcos e bodes à solta. Mas ninguém prestava


Aos homens de diversas raças, classes e tipos que formavam a primeira
atenço a tais ordens.
populacio de Sao Domingos foi acrescentado, como passar dos anos, um
clemento mais unificado e coeso: os rebentos da aristocracia francesa. Desti¬ Em Porto Principe, capital oficial da colonia, a populacao lavava a roupa
de cama ou de mesa, fabricava o anil e deixava a mandioca de mosho na agua
tuidos do poder politico por Richelieue convertidos por Luis XIV em mero
da única fonte que alimentava a cidade. Apesar de repetidas proibices, con¬
acessorio decorativo e administrativo da monarquia absolutista, os filos mais
tinuavam a bater nos escravos nas vias públicas. As proprias autoridades no

DEVAISSIERE, p. 77-9. DE VAISSIERE, p. 217.


Os jacobinos negros Os proprietarios

eram mais cuidadosas. Se chovesse à noite, ninguém poderia andar na rua no os administradores e capatazes eram os representantes do proprietario na sua

dia seguinte, e as correntes de agua enchiam as valas laterais das ruas nas quais ausencia; caso contrario, trabalhavam sob os seus olhares, estando sempre

se podia ouvir o coaxar dos sapos. De Wimpffen chamava Porto Principe de subordinados a ele. Esses no campo e os pequenos advogados, notarios, escritu¬
campo tártaro, e Moreau de Saint-Méry, ele proprio da colonia, censurou a rarios, artifices e merceeiros nacidade eram confecidos como brancos pobres

agudeza da expressio, mas admitia que no era completamente inaplicavel. Entre os brancos pobres havia uma turba de vagabundos, fugitivos da lei e das
O pouco de cultura que havia estava concentrado nessas cidades. Em Le
galés de escravos, devedores incapazes de pagar as suas contas, aventureiros à
Cap havia sociedades maçónicas e sociedades de outro tipo, sendo a mais fa¬ procura da sorte ou de fortuna fácil, criminosos de toda a especie e homens de
mosa delas o Circulo de Filadelfia, um corpo devotado à politica, à filosofia e
todas as nacionalidades. Do submundo de dois continentes eles vinham: eram
franceses, espanhois, malteses, italianos, portugueses e americanos. Qualquer
à literatura. A leitura principal da populacao, contudo, consistia em romances
que fosse a origem desses homens, qualquer que fosse o seu passado ou o seu
picantes. Para a diverso, havia teatros, no apenas em Le Cap e Porto Principe,
caráter, a pele branca fazia deles pessos de qualidade e, embora arruinados
mas en pequenas cidades como Léogane e Sao Marcos, onde os melodramas e
em seus proprios países de origem ou de la expulsos, eram acollidos em Sao
as peças de suspense da época eram encenados em casas cheias. Em 1787, havia
Domingos, onde o respeito era obtido a um preço muito barato, o dinheiro
très companias so em Porto Principe.
jorrava e as oportunidades de depravacao abundavam.
Se, por um lado, faltava às cidades attividade intelectual, por outro, sobra¬
Nenhum branco pobre era servical; nenhum branco faria nenhum
vam ocasióes para as pessos se reunirem em devassido: antros de jogos (pois
todos em Sao Domingos jogavam e grandes fortunas eram ganhas e perdidas
servico que um negro pudesse fazer por ele. Um barbeiro convocado para
atender a un cliente aparecen em trajes de seda, chapeu sob o braço, espa¬
em poucos dias), casas de dança e bordés privativos onde a mulata vivia com
da do lado, bengala sob o cotovelo, seguido por quatro negros. Um deles
tanto conforto e em tamanha luxuria que, em 1789, das sete mil mulatas exis¬

tentes na ilha, cinco mil eram ou prostitutas ou sustentadas como amantes de


penteava o cabelo, outro o enfeitava, um tercero o enrolava e o quarto
homens brancos. terminava o servico. Enquanto eles trabalhavam, o empregador supervi¬
sionava as diferentes operaces. Ao menor descuido, ao menor engano, ele
O clero regular de Sao Domingos, apesar de exercer uma força moderadora,
esbofetava a bochecha do infeliz escravo com tamanha força que frequen¬
era notório pela sua irreverencia e degeneraçio. No começo, era constituido
temente o derrubava no chao. O escravo no demonstrava nenhum tipo de
principalmente por monges destituidos das suas ordens. Mais tarde, veio uma-
ressentimento e recomeçava o servico. A mesma mo que tinha derribado o
classe melhor de padres, mas naquela sociedade inchada e excessivamente quente
escravo fechava se sobre uma soma enorme, e o barbeiro saia com a mesma
poucos conseguiam resistir às tentages do dinheiro fácil, da vida fácil e da
insolencia e elegancia con que havia entrado.
muller fácil, muitos deles viviam abertamente com as suas concubinas. A avidez
que tinham pelo dinheiro os fazia explorar os negros com a mesma crueldade Esse era o tipo para quem o preconceito racial era mais importante

dos outros brancos de Sao Domingos. Um deles, por volta da metade do século até mesmo do que a propriedade de escravos, que pouco possuiam. A
XVIII, costumava batizar o mesmo negro sete ou oito vezes, pois a crimonia diferenciacio entre um homem branco e um homem de cor era para eles
divertia os escravos e eles pagavam uma pequena soma pelos batizados. Ainda fundamental. Era tudo para eles. Para defende-la, derrubariam seu proprio
em 1790, um outro padre competia com os curandeiros negros que praticavam mundo por intero.
o obed pelos cobres dos escravos, vendendo encantos contra doenças e talismás

para assegurar o sucesso de pequenas empresas.


Brancos ricos e brancos pobres no representavam toda a populacio
branca de Sao Domingos. Acima deles havia a burocracia, composta quase
Nas cidades, os grandes mercadores e os ricos agentes da burguesia mari¬
tima eram considerados, como os latifundiarios, brancos ricos. Nas fazendas,
No confundir com os brancos pobres modernos dos Estados Unidos ou da Africa do
Sul. Alguns, especialmente nos Estados Unidos, levam um padro de vida to degradado
Sistema de crenças de origem ashanti que faz uso da feitigaria e de rituais de magia. (N. do T.) quanto aquele dos negros em suas comunidades.

45
Os jacobinos negros Os proprietarios

que totalmente de franceses vindos da França, que governava a illa. Os ca¬ forma que o Governador dos conselhos legislativos britanicos dos dias de hoje,
becas da burocracia eram o Governador eo intendente. O Governador era o poderia acatar ou rejetar os seus pareceres como bem quisesse.
funcionario representante do Rei, com tudo aquilo que esse cargo implica, A burocracia, com a fonte do seu poder a milares de quilómetros de dis¬

mesmo até hoje, no que diz respeito à administraço de colonias distantes. tancia, no podia depender de apenas dois regimentos na colonia. Em 1789, os
Seu salario oficialmente poderia chegar a cem mil libras por ano, além dos funcionarios de Estado em Sao Domingos, onde a populacao branca estava em
lucros comuns a tais postos, tanto no século XX como no XVIII: a autoriza¬ torno de trinta mil habitantes, somavam apenas 513. Sem o apoio das massas,
ço de concesses, o desempenho, na surdina, como agente de mercadorias
governar seria impossivel. Trazendo consigo da França a tradicional hostilida¬
curopeias nas colonias e das mercadorias coloniais na Europa. Um nobre de da monarquia absolutista para como poder politico da nobreza feudal, os
francés era to ávido do cargo de Governador em Sao Domingos quanto o
burocratas procuravam um contrapeso para o poder dos latifundiarios locis
era o seu equivalente britanico para o Vice-Reinado da India. Em 1787, o
entre os brancos pobres da cidade e do campo.
Governador era irmo do embaixador frances em Londres e deixou o posto
A principal queixa dos brancos pobres era contra a milicia, que policiava
de Governador para tornarse ministro da Marinha.
os distritos e frequentemente transgredia a administraço da justiça e das
Logo abaixo do Governador estava o intendente, que era responsável pela finanças do intendente. A essas quexas, o intendente era simpático. Em
justiça, pelas finanças e pela administraço geral, e algumas vezes recebia um 1760, um intendente chegou ao ponto de dissolver toda a milicia e indicar
salario de oitenta mil libras por ano. O Governador era militar e aristocrata; o sindicos para conduzir o governo local. A colonia foi lançada na desordem,
intendente, um burocrata. O militar eo civil se desentendiam continuamente. o Governo teve de restablecer a milicia e restaurar seu antigo poder para os
Mas, contra os brancos do lugar, eles e os seus funcionarios, os comandantes
militares. Imediatamente, uma ressurreico explodiu na illa, conduzida pelos
distritais eos oficiais graduados representavam a autoridade do Rei e os privi¬
juizes de paz do lugar, pelos advogados, pelos notarios e pelos promotores.
légios comerciais da burguesía francesa. Eles podiam prender sem mandado, Os latifundiarios denunciaram que os patrocinadores dessa rebelio eram
recusarse a cumprir as instructes do ministro, forçar os membros dos conselhos
as camadas mais baixas da populacao; em um distrito, très judeus portu¬
consultivos locis a renunciar, conceder favores, confiscar, aumentar impostos; gueses, um notario, um capataz, um alfaite, um sapateiro, um ajudante de
de fato, a sua arbitrariedade no tinha limites legais. Deus estava muito alto açougueiro e um antigo soldado raso. O desprezo dos fazenderos por esses
eo Rei, muito longe.
patites que causaram esses problemas e de quem nos podemos dizer com
Os latifundiarios os odiavam. Alem de exercer un poder absoluto, eram justiça que so a canalha mais vil, cujos pais e maes foram lacios ou servi¬
esbanjadores e extravagantes; a sua malversacio era constante e vultosa, e tra¬ çais domésticos, ou mesmo de una origem ainda mais baixa cra opressivo

tavam os brancos locis com tamanha arrogancia e eram to sobranceiros que No era a origem baixa que justificava o ataque dos fazendeiros aos brancos
despertavam o rancor daqueles pequenos potentados com os seus duzentos ou pobres. Os alfaites, os acougueiros e os soldados rasos representariam os
trezentos escravos. Havia bons e maus Governadores, bons e maus intendentes, papis decisivos na Revolucio Francesa e pelos seus esforços espontaneos
assim como havia bons e maus proprietarios de escravos. Mas era tudo uma salvariam Paris da contrarrevolucio tanto interna como externamente. Mas
simples questo de oportunidade. Era o sistema que era ruim. muitos desses brancos pobres eram o populacho e no cumpriam nenhuma
funcio importante na economia da colonia. Se ate o último deles tivesse sido
Ostentava se uma certa aparencia de autodeterminacao local. Tanto em
deportado do país, o trabalho que fazia passaria a ser feito por um mulato
Le Cap como em Porto Principe existiam conselhos locis que registravamos
livre, por um negro livre, ou mesmo por um escravo. Eles no eram uma parte
editos reais eas decisoes do governo local. Pouco antes da Revolucio, foi no¬
essencial da sociedade de Sao Domingos, fosse pela funcio, pelo nascimento
meado tambem um conselho constituido pelos brancos mais ricos e poderosos,
ou pela tradico: mas eram brancos e, como tais, úteis para a burocracia.
que supostamente representavam a opinio local. Mas o intendente, da mesma
Em 1771, encontramos o intendente mais uma vez se queixando da tirania

Aproximadamente dois terços de um franco. DE VAISSIERE, p. 1457.


Os jacobinos negros Os proprietarios

militar. Desde que a milicia foi establecida, ele reclama, os oficiais, todos De acordo com a sua maioridade eles eram obrigados a se juntar à

os dias, privam os juizes de todas as suas prerrogativas. maréchaussée, uma organizacio politica cujos fins eram: capturar negros
fugitivos, proteger os viajantes nas grandes estradas capturando os negros
Esta, portanto, foi a primeira grande diviso: aquela entre os brancos
ricos e os brancos pobres, com a burocracia pendendo de un lado a otro e perigosos, lutar contra os quilombolas e, enfim, qualquer tarea difícil e pe¬
instigando os brancos pobres. Nada poderia aliviar ou resolver o conflito. No rigosa que os brancos locis pudessem ordenar. Apos très anos de servico na
maréchaussée, eles tinham que se juntar à milicia local, prover as suas proprias
momento en que a Revolucio começar na França, esses dois se lançaro um
sobre o outro e lutaro at a morte. armas, municies e equipamentos e, sem nenhum pagamento ou penso de

nenhuma especie, servir sob as ordens dos oficiais brancos em comando.


-
Tareas tais como a manutençio obrigatoria das estradas eram organizadas
Havia uma outra classe de homens livres em Sao Domingos, a dos para recair sobre eles com mais severidade ainda. Eles eram excludos dos
mulatos livres e negros livres. Nem a legislaçio nem o crescimento do departamentos navale militar, da prática da lei, da medicina e da religio e
preconceito de raça podiam destruir a atraço que as mulieres brancas de todos os oficios públicos e cargos de confiança. Um branco poderia invadir

de Sao Domingos sentiam pelos homens negros. Isso era característico a propriedade de um mulato, seduzir sua mulher ou sua filha, insulta lo da

de todas as classes: desde a escoria do cais, passando pelo fazendeiro ou manera que quisesse, certo de que a qualquer insinuaço de ressentimento ou
capataz que escolhia uma escrava para passar a noite consigo e a levava de vingança todos os brancos e o Governo se apressariam logo em linchá-lo.
da cama para o chicote do condutor de escravos na manha seguinte, até Nas açes legais, a deciso quase sempre era contraria aos mulatos e, para
um Governador da colonia que, recem-chegado da França, se perturbava aterroriza los a ponto de torná-los submissos, um homem livre de cor que
por encontrarse tomado de paixo pela mais bela das suas quatro criadas batesse em um homem branco, fosse qual fosse a sua posicio na vida, teria o
negras. seu braço direito amputado.

Nos primeiros tempos da colonizacao, todo mulato era libertado Mas, por uma felicidade do destino, o acumulo de propriedade que eles
na idade de 24 anos, no pela lei, mas porque o número de brancos era pudessem obter no era, como nas illas inglesas, limitado. Com disposicio
to pequeño em comparacio com o número de escravos que os senho¬ física e inteligencia, administravam elles mesmos os seus negocios sem esbanjar
res preferiam ter esses intermediarios como aliados antes que os dexar as suas fortunas em viagens extravagantes à Paris; começavam a adquirir ri¬
engrossar as fileiras dos seus inimigos. Naqueles tempos primordiais, o queza primeiro como mestres artesos e depois como proprietarios. Conforme
preconceito de raça no era forte. O Código Negro em 1685 autorizava começavam a se establecer, o ciume e a inveja dos latifundiarios brancos iam
o casamento entre o branco e a escraya que tinha filhos dele a cerimonia se transformando em odio feroz e medo.
libertava a escrava e as crianças. O Código dava ao mulato livre e ao negro
A descendencia de brancos, pretos e mesticos tinha 128 divisées. O
livre direitos iguais aos dos brancos. Mas, conforme a populaçio branca
verdadero mulato era a criança de una negra pura com um branco puro.
aumentava, os brancos de Sao Domingos passavam a descartar aquelle
A criança de um branco com uma mulata era um quadrario, com 96 partes
costume e tornavam a escravizar ou vendiam as suas numerosas crianças
de branco e 32 partes de preto. Mas o quadraráo poderia ser produzido pelo
como qualquer rei da selva africana o faria. Todos os esforços para evitar
branco e pela marabu na proporcio de 88 por 40, ou pelo branco e pela
o concubinato falhavam, e as crianças mulatas se multiplicavam, para
sacatra, na proporcio de 72 para 56 e assim por diante até 128 variedades.
serem livres ou permanecerem escravas ao mero capricho de seus pais.
Mas o sang-melé, com 127 partes brancas e uma parte negra, continuava
Muitas eram libertadas, tornandose artifices ou serventes domésticas.
sendo um homem de cor.
Começaram a acumular propriedade, e os brancos, enquanto aumentava
incessantemente o número de mulatos, começavam a restringi-los e a
hostilizá-los com uma legislaço maliciosa. Os brancos lançavam todos Cavalaria da policia. (N. do T.)
os fardos possiveis do país sobre eles. Em francés, no original. Sangue misturado. (N. do T.)
Os jacobinos negros Os proprietarios

Em uma sociedade escrava, a simples posse da liberdade pessoal é um ao trabalho legal regular e aos deveres públicos. As suas fazendas eram o
privilegio valioso, e as leis da Grecia e de Roma testemunham que uma le¬ santuario eo asilo dos libertos que no tinham nem trabalho nem profissao
gislaçio rigorosa contra escravos e homens livres nao tinha nada a ver com e de numerosos escravos fugitivos. Sendo to ricos, imitavam o estilo dos
questes racias. Por trás dessa engenhosa estupidez de quadrario, sacatra brancos e buscavam encobrir todos os traços da sua origem. Tentavam os
e marabu, estava o fato predominante na sociedade de Sao Domingos: o altos comandos da milicia e aqueles que eram capazes de ocultar o vicio
temor aos escravos. As maes de mulatos ficavam com os escravos, entre os
da sua origem pretendiam até os postos do Judiciario. Se esse tipo de coisa
quais os mulatos tinham meio-irmaos. Apesar de muitos mulatos despreza¬ desse resultado, eles cedo acabariam se casando com mulieres de familias
rem a metade negra da sua origem, eles, en casa, estavam entre escravos e, distintas, o que colocaria essas familias em aliança com os trabaladores
levando se em conta a sua educacao e a sua riqueza, poderiam exercer uma
escravos, de onde as más desses arrivistas vinham.
influencia entre os escravos que um homem branco jamais poderia. Ademais,
No era uma queixa perversa de um latifundiario invejoso. Era um
além do terror físico, os escravos deveriam ser mantidos em submissio por
memorando oficial da burocracia para o ministro. O aumento numérico
meio da associacio entre a inferioridade e a degradaço e a mais distinta
eo aumento da riqueza estavam dando aos mulatos mais orgullo e agra¬
marca do escravo: a cor negra da sua pelc. Como poucos escravos eram
capazes de ler, os colonizadores nao hesitavam em dizer abertamente: vando o ressentimento que sentiam com relacio às humilhaces. Alguns
deles enviavam seus filhos para a França para serem educados e lá, mesmo
essencial manter uma grande distancia entre aqueles que obedecem e aqueles
cem anos antes da Revolucio, havia pouco preconceito de cor. Até 1716,
que comandam. Uma das formas mais seguras de faze-lo é a perpetuaço
todo escravo negro que tocava o solo frances era considerado livre, e apos
da marca que a escravido deixo. A nenhum mulato, portanto, qualquer
um intervalo de cinquenta anos outro decreto, de 1762, reafirmouisso. Em
que fosse a proporcio de sangue branco que tivesse, era permitido tomar o
nome de seu pai branco. 1739, um escravo servia como corneteiro no regimento real de carabineros;
jovens mulatos eran recebidos nos corpos militares reservados à jovem
Mas, a despeito dessas restriges, os mulatos continuavam a progredir.
nobreza e nos cargos da magistratura; eles serviam como pajens na cortes.
Por volta de 1755, pouco mais de très geraçes depois do Codigo Negro, eles
Contudo, esses homens tinham de voltar para Sao Domingos e submeterse
estavam começando a encher a colonia, e o seu crescimento numérico e o da
às discriminações e à brutalidade dos brancos de la. E, como os mulatos
sua riqueza alarmavam os brancos.
começassem a exercer presso contra as barreiras, a Sao Domingos branca

Eles viviam (dizia um relato, como os seus antepassados, dos vegetais tratou de aprovar uma série de leis que por sua selvageria maniaca seriam
locis, no bebiam vinho e limitavam se ao consumo de bebidas da regio, únicas no mundo moderno e (nos diríamos antes de 1933) nao teriam

fermentadas a partir da cana-de-accar. Dessa forma, o consumo pessoal paralelo nenhum na Historia. O Conselho de Porto Principe, encobrindo
no contribuía em nada para a manutenço daquele importante comercio a questo racial com uma cortina, gostaria de extermina-los. Assim, os
com a França. A sua manera sobria de vivere as pequenas despesas que brancos poderiam depurar seu sistema de una ameaça crescente, livrandose

tinham possibilitavam nos economizar uma boa parte das suas receitas a de homens dos quais eles haviam tomado dinheiro emprestado, e confiscar

cada ano. Dessa forma, acumulavam imenso capital e se tornavam tanto uma quantidade de timas propriedades. O Conselho propos: banir todos
mais arrogantes quanto maior se tornava a sua riqueza. Faziam ofertas para os mesticos ate o grau de quadrario para as montanhas (as quais eles

quasquer propriedades à venda em varios distritos e elevavam os preços poderiam introduzir no cultivo); probir a venda de qualquer propriedade
a alturas to fantásticas que os brancos que no fossem ricos no pode¬ na planicie para os mesticos: negar-les o direito de adquirir à propriedade

riam comprar, ou se arruinavam na tentativa de acompanha-los. Assim. imobiliaria; obrigar todos aqueles ate o grau de quadraro e todos os bran¬

em alguns distritos, as melhores propriedades pertenciam aos mesticos, e cos que tinham se casado com pessoas de cor daquele grau a vender todos
mesmo estando en todos os lugares eramos menos dispostos a submeterse os seus escravos dentro de um ano. Pois, dizia o Conselho, so pessas.

DE VAISSIERE, p. 222.
10 LEBEAU, De la condition des gens de couleur libres sous l'Ancien Regime, Poitiers, 1903.
Os jacobinos negros Os proprietarios

perigosas, mais amigaveis aos escravos, a quem continuam ligados; mais do Chapuzet, provando que um ancestral materno, 150 anos antes, era um
que a nos que os oprimimos pela subordinaçio que exigimos e pelo desprezo negro de Saint Kitts. De Chapuzet defendeuse, de fato e de direito” de

como qual os tratamos. Em uma revolucio, em um momento de tenso, direito, pois o poder de deciso sobre o status de um cidado era prerrogativa
seráo os primeiros a quebrar o jugo que pesa sobre eles, ainda mais pelo do Governo e no de cidados comuns; de fato, porque em 1624 nao havia

fato de serem mais ricos e estarem acostumados a ter devedores brancos, negros em Saint Kitts. A história colonial tornouse ento o terreno onde a
desde quando no tem respeito suficiente por nos. Mas os latifundiarios luta sería travada. Graças a extratos de historiadores, os brancos provaram

no puderam realizar esses planos arrojados. Os mulatos, ao contrario dos que havia escravos em Saint Kitts em 1624. Chapuzet aceitou a derrota e
judeus alemás, eram naquele momento bastante numerosos, e a revolucio foi embora para a França.
começaria naquele mesmo momento.
Très anos mais tarde, ele voltou, chamandose a si mesmo de monsieur
Os latifundiarios tiveram de se contentar em lançar a esses rivais toda a Chapuzet de Guérin, ou familiarmente M. le Guérin. Aristocrata, pelo
humilhacao que o engenho e a malicia pudessem arquitetar. Entre 1758 e a menos no nome, por intermédio de um patrocinador ele levou novamente
Revolucio, as perseguiçones aumentaram". Os mulatos estavam proibidos de usar o seu caso ao tribunal para ser considerado branco. Mais uma vez, foi
espadas, sabres e trajes europeus. Eram proibidos de comprar municies, a me¬ derrotado. Mas Chapuzet era um homem de recursos. Afirmava que o seu
nos que tivessem uma permissio especial com a quantidade exata establecida. ancestral, o negro de Saint Kitts, no era negro, mas um caribe, nascido
Eram proibidos de se reunir como pretexto de casamentos, festas ou bailes, livre, um membro de una raça nobre sobre a qual os franceses e espanhois
sob pena de multa no primeiro delito; priso, no seguinte, e ficava pior das em impuseram a lei da conquista. Chapuzet triunfou. Em 1779, dois decretos
diante. Eram proibidos de permanecer na França. Eram proibidos de praticar do Conselho declararam que as suas petices eram justas. Mas ele nao

jogos europeus. Os padres eram proibidos de redigir quasquer documentos conseguiu o posto. Os funcionarios locis no se atreveram a indicálo.
para eles. Em 1781, oito anos antes da Revolucio, eram proibidos de tomar o Após a publicacao dos decretos, as pessoas de cor entregaram se a tantas
titulo de Senhor e Senhora. Até 1791, se um homem branco comesse na casa demonstraçones de alegria e tolas esperanças que as consequencias da deciso
de um mulato, este no poderia sentarse à mesa com ele. O único privilégi¬
en favor de Chapuset poderiam ter se tornado muito perigosas. As portas
que os brancos les consentiam era o privilegio de emprestar dinheiro a um do advogado de Chapuset foram cercadas por quadrarios e outros mulatos
homem branco.
de pele clara procurando transformar os seus ancestrais remotos em livres

No havia meios de escapar a esse estado de cosas a nao ser pela in¬ e nobres caribes.

surreico. E, até que a Bastilha caísse, os esforços dos mulatos para a sua

emancipaço assumiria formas estranhas. De Vaissière desenterrou uma


história, que podemos entender melhor agora, depois do hitlérismo, do que As vantagens de ser branco eram to evidentes que o preconceito de raça

o podíamos fazer antes. contra os negros impregnou a mente dos mulatos, que to amargamente se

sentiam ressentidos pelo tratamento preconceituoso que recebiam dos bran¬


Em 1771, o sieur Chapuzet obteve do Conselho de Le Cap um decreto
cos. Os escravos negros e os mulatos se odiavam. Fosse em palavras, fosse
que le dava os privilegios de um homem branco. Sua obscura carrera
devido ao seu sucesso na vida, fosse pelos seus variados procedimentos, os
impedia que quasquer questes fossem levantadas sobre a sua origen. Um
mulatos demonstravam a mesma perfidia que os brancos ao reivindicar una
pouco depois, no entanto, ele tento tornarse oficial da milicia. Quatro
superioridade inerente. Assim, o homem de cor que era quase branco despre¬
tenentes da milicia da Planicie do Norte fizeram uma minuciosa pesquisa
zava o homem de cor que era apenas meio branco, que por sua vez desprezava

nos registros e apresentaram uma genealogia bastante precisa da familia o homem de cor que era um quarto branco e assim por diante, percorrendo

todos os matizes.

LEBEAU, De la condition.... DE VAISSIERE, cap. III; Saint-Domingue à la vielle de la Os negros livres, falando comparativamente, no eram muitos, e to

Révolution. Souvenirs du Baron de Wimpffen, publicado por Savine, p. 36-8 etc. desprezada era a pele negra que mesmo um mulato escravo sentia se superior
Os jacobinos negros Os proprietarios

ao negro livre. O mulato preferia tirar a propria vida do que ser escravo de essa superestrutura fora dos fundamentos materiais dela mesma e a partir

um negro. das correspondentes relaces sociais. O individuo, no qual ela aparece

através da tradicáo e da educacao, pode presumi-los como os verdaderos


Isso tudo soa como uma mistura de pesadelo e piada de mau gosto.
determinantes, a origem real das suas atividades." Nessa origem vulgar
Mas essas distinces continuam a exercer influencia nas Indias Occidentais
do preconceito, os brancos pobres, os brancos ricos e a burocracia estavam
de agora. Enquanto os brancos na Gra-Bretanha gostavam menos dos
mesticos do que dos negros de sangue puro, os brancos nas Indias Oci¬ unidos contra os mulatos. Tinha sido dessa forma por 150 anos e, portanto,

sempre seria assim. Mas seria mesmo? Os mais altos burocratas, franceses
dentais favoreciam os mesticos em detrimento dos negros. Esses, todavia,
eram problemas de prestigio social. Mas a discriminacao racial na Africa cultos, chegavam à ilha sem preconceitos e, buscando o apoio das massas,
costumavam ajudar um pouco aos mulatos. E os mulatos e os brancos ricos
de hoje é, assim como o era em Sao Domingos, um problema de politica
tinham um vinculo comum: a propriedade. Quando a Revolucio estivesse
governamental, imposta por balas e baionetas. Mas nos viveríamos para
bastante adiantada, os brancos ricos teriam de escolher entre os seus aliados
presenciar os governantes das nações europeias tornarem a avó ariana to
de raça e os seus aliados de propriedade. Eles nao hesitaram muito.
preciosa para os seus camaradas conterraneos quanto o ancestral caribe

para o mulato. O fundamento, em cada caso, e sempre o mesmo: justificar


a pilhagem por qualquer diferença obvia entre os destituidos e aqueles que
Tal era a sociedade dessa famosa colonia. Essas eram as pessos, e essa a
detem o poder. E bom lembrar o leitor do que um observador experiente,
vida, pelas quais em parte muito sangue foi derramado e muito sofrimento
que viajava pelas Indias Occidentais en 1935, disse a respeito dos homens
suportado. As melhores mentes da época nao alimentavam iluses quanto a
de cor que encontrou por la: "Havia poucos no topo: juizes, advogados,
isso. O bario de Wimpffen, que viu a colonia em 1790 no proprio auge de
médicos, qualquer que fosse o seu matiz, poderiam manter se em qualquer
sua prosperidade, um dia viu um escravo apoiando se no cabo de sua enxada,
circulo. Muitos otros so intelectualmente iguais ou superiores aos seus
olhando tristemente para o por do sol.
contemporaneos brancos
O que estás olhando, Nazimbo? perguntou. O que tu estás olhando?
Muitos mulatos e negros livres erram atrasados em comparacio aos brancos,
mas a sua capacidade era perfeitamente obvia em Sao Domingos nos anos Nazimbo ergueu sua mo para o sol que se punha:

que antecederam a 1789. Foram necessarios polvora e aço frio para convencer — Eu vejo minha terral respondeu, e as lagrimas rolaram le dos olhos.

os brancos de Sao Domingos. E se, como vimos, os mais inteligentes no se


Eu tambem vejo a minha terra acola, disse De Wimpffen para si proprio,
iludissem sobre as origens materialistas do seu preconceito contra os mula¬
ce tenho a esperança de algum dia voltar a ve-la, mas tu, pobre negro, jamais
tos, cometeríamos ento um grande engano se pensassemos que cles eram
veras a tua otra vez
hipocritas quando pretendiam que uma pele branca garantiria ao seu dono
capacidades superiores e le daria direito a um monopolio daquilo de melhor Os liberais instruidos eo escravo comum detestavam o lugar da mes¬

que a colonia oferecia. ma manera. Poucos meses depois, De Wimpffen partiu e registrou as suas
opiniones. Era um epitáfio adequado aquela sociedade que em très anos seria
Sobre as diversas formas de propriedade, sobre as condices sociais
de existencia como fundamento existe uma superestrutura edificada de
sentimentos variados e característicos, iluses, habitos de pensamento e
15 KARL MARK, 18 de Brumario de Luis Bonaparte. (N. do E.).
perspectivas sobre a vida em geral. A classe, como um todo, cria e molda
A traducamo da mesma passagem, feita do original alemano, ficou assi: Sobre as diversas formas
de propriedade e sobre as condices sociais de existencia ergue se toda uma superestrutura
de sensacies, iluses, modos de pensar e visées da vida diversos e formados de um modo
Essa arrogancia do mulato é o motivo do odio contra eles demonstrado na poesia satirica de peculiar. A classe inteira cria os e forma-os a partir das suas bases materiais e das relacées
Gregorio de Matos. (N. do T.) sociais correspondentes. O individuo isolado, a quem afluem por tradicio e educacao, pod-
Isso continua sendo verdadero en 1961. imaginar que constituem os verdaderos principios determinantes e o ponto de partida do
MACMILLAN, Warning from the West Indies, Londres, 1936, p. 49. seu agir. Na metado do § 9 do Capitulo III. (N. do T.)
Os jacobinos negros Os proprietarios

destruida: Quer saber a minha opinio definitiva sobre esta terra. E que No começo os latifundiarios estavam em desacordo como Governo frances
eos interesses que ele representava. O frances, como qualquer outro governo
quanto mais conego o homem que a habita, mais me felicito por deixa-la.
(.) Quando alguém é aquilo que a maior parte dos latifundiarios é, é porque naqueles días, via os latifundiarios como existindo exclusivamente para o

nasceu para possuir escravos. Quando alguém é aquilo que a maior parte dos progresso da metropole. Conhecido como sistema mercantil na Inglaterra, o
escravos é, é porque nasceu para ser escravo. Nesta terra, todos esto nos seus francés chamava a sua tirania economica por um nome mais honesto: Exclusivo.
devidos lugares”. Quisquer que fossem os bens manufaturados que os latifundiarios necessi¬

tassem, eram obrigados a comprá-los da França. Podiam vender sua produçio


apenas para a França e os bens deveriam ser transportados em navios franceses
Prosperidade nao é um problema morale a razo de Sao Domingos era somente. Mesmo o acucar bruto produzido nas colonias deveria ser refinado
a sua prosperidade. O mundo ocidental, durante séculos, nunca conheceu na patria-mae, e a França impunha pesadas tarifas sobre o accar refinado de
tal progresso economico. Por volta de 1754, dois anos antes do começo da origem colonial. As colonias, dizia Colbert, foram fundadas pela e para
guerra dos Sete Anos, havia na ilha 599 fazendas de açucar e 3379 de anil.
a Metropole. Isso no era verdade. So Domingos foi criada pelos proprios
Durante a guerra dos Sete Anos (1756-1763), a Marinha francesa, varrida
latifundiarios, e a falsidade daquela afirmaço tornou a exploraço mais difícil
dos mares pela Forca Naval Britanica, no podia trazer os suprimentos dos
de ser suportada.
quais a colonia dependia; o extenso contrabando de mercadorias no podia
suprir a deficiencia e milares de escravos morriam de fome eo vertiginoso Em 1664, o Governo francés, de acordo como costume da época, entre¬

aumento de producao, embora continuo, diminuiu. Mas apos o Tratado de gou os direitos de comercio com Sao Domingos a una compania privada.
Paris de 1763 a colonia deu um grande passo à frente. Em 1767 exportou Mas os monopolistas no podiam, ou nao queriam, enviar todos os bens que

35 mil toneladas de açucar bruto e 25 mil toneladas de açucar branco, os latifundiarios precisavam e cobravam deles aproximadamente o dobro

quinhentas toneladas de anil e mil toneladas de algodo, uma certa quan¬ daquilo que estavam acostumados a pagar. Os latifundiarios se revoltaram

tidade de couro, de melado, de cacau e de rum. O contrabando, ao qual as eo Governo foi obrigado a relaxar as restrices. Em 1722, a mesma coisa

autoridades faziam vista grossa, elevava os números oficiais em pelo menos aconteccu. Agentes receberam da compania a concesso exclusiva do co¬
vinte e cinco por cento. No era apenas em quantidade que Sao Domingos
mercio africano como recompensa pelo abastecimento de Sao Domingos
se sobressaia, mas en qualidade. Cada pé de café produzia uma média de com dois mil negros todo o ano. Mas, por volta de 1720, os latifundiarios
cio quilo, igualando algumas vezes o de Mocha. O algodo crescia natu¬ precisavam de oito mil escravos por ano, e sabiam que, além de abastece¬
ralmente, mesmo sem cuidados, em terreno pedregoso e até nas fendas das
los com apenas um quarto das suas necessidades, a compania ainda au¬
rocas. O anil tambem crescia espontaneamente. O tabaco tinha uma folha
mentaria os preços. Houve outra insurreico. Os latifundiarios detiveram
maior do que o de qualquer outra parte das Américas e algumas vezes era
o Governador eo puseram na priso, e o Governador teve de modificar os
comparável em qualidade a produzido em Havana. A pospa do cacau de
So Domingos era mais acida do que a da Venezuela e no le era inferior privilegios da compania. Os latifundiarios viram se colocados em xeque
em outros aspectos: a experiencia comprova que o chocolate feito de una pelo Exclusivo para beneficio da Metropole, e à medida que a sua prospe-
ridade aumentava as restrices tornavam se cada vez mais intoleraves. A
combinacio dos dois cacaus tem um sabor mais delicado do que aquele feito
apenas do cacau da Venezuela. dependencia política da patria me estava ento retardando o crescimento
economico de Sao Domingos. Os latifundiarios queriam livrarse dos seu¬
Se em nenhum canto do mundo havia tamanha miséria concentrada como
em um navio negreiro, da mesma maneira, nenhuma parte da superficie do
grilles da mesma mancira que as colonias americanas se livraram das
algemas britanicas. Dessa forma, se os brancos ricos e os brancos pobres
globo produziu, em proporcio com as suas dimenses, tanta riqueza quanto a
colonia de Sao Domingos. estavam em continuo conflito entre si, eles estavam unidos contra os mulatos

por um lado e contra a burguesia francesa por outro. Podiam perseguir os


mulatos, mas contra a burguesia francesa eles no podian fazer outra cosa
E seria a sua propria prosperidade o que a levaria à revolucio. que ficar furiosos. Pouco antes de 1789, a burguesia francesa era a força
Os jacobinos negros Os proprietarios

economica mais poderosa da França, eo comercio de escravos e as colonias Bordéus tinha começado com a industria de vino, que dava aos cons¬

eram a base da sua riqueza e do seu poder. trutores de navios e aos navegantes uma oportunidade de comerciar por
todo o mundo: ento veio a industria de conhaque, que tambem abastecia
os portos, mas que ia, sobretudo, para as colonias. Por volta da metade do
O comercio de escravos e a escravido foram a base economica da Re¬ século XVIII, dezesseis fabricas refinavam, todos os anos, dez mil toneladas

volucio Francesa. Triste ironia da história humana, comenta Jaurès. As de açucar bruto originario de Sao Domingos, utilizando aproximadamente

fortunas criadas em Bordus, em Nantes, pelo comercio de escravos, deram quatro mil toneladas de carvo de lenha. As fabricas locis supriam a cidade
à burguesia aquele orgulho que necessitava de liberdade e contribuiu para a com potes, pratos e garrasas. O comercio era cosmopolita: flamengos, alemás,
emancipato humana." Nantes era o centro do comercio de escravos, á em holandeses, irlandeses e ingleses iam viver em Bordus, contribuindo para a
1666, 108 navios foram para a costa da Guiné e embarcaram 37430 escravos expanso geral e acumulando fortunas para si proprios. Bordéus negociava
com um valor total de mais de 37 milhoes, dando à burguesia de Nantes de com Holanda, Alemanha, Portugal, Veneza e Irlanda, mas a escravido eo

quinze a vinte por cento sobre o seu investimento. Em 1700, Nantes enviava comercio colonial eram a fonte, a origem e o sustento da sua próspera industria
cinquenta navios por ano para as Indias Occidentais com carne bovina irlandesa e do seu dilatado comercio.
salgada, linho para uso doméstico e vestimentas para os escravos e maquinaria Marselha era o grande centro do comercio mediterraneo e do comercio orien¬
para os engenhos de açucar. Aproximadamente todas as industrias que se tal, e um decreto real no começo do seculo tento exclui-la do comercio com as
desenvolveram na França durante o século XVIII tiveram a sua origem em colonias. A tentativa fracassou. So Domingos era o centro especial do comercio
bens e mercadorias destinados ou à costa da Guine ou à América. O capital
de Marselha. Marselha enviava para la nao apenas os vinhos da Provença: em
do comercio de escravos as fertilizava; embora a burguesia comercializasse 1789 havia em Marselha doze refinarias de acucar, aproximadamente o mesmo
outros produtos além de escravos, tudo o mais dependia do sucesso ou da
falencia do tráfico. que em Bordus.
Nos primeiros anos, muito do seu comercio era sustentado por navios
Alguns navios levavam, de passagem, vinho Madeira para os latifundiarios
fabricados no exterior e de propriedade de estrangeros. Mas em 1730 a
e tartarugas secas de Cabo Verde para os escravos. Em troca, eles levavam burguesia maritima começou a construir la mesma. Em 1778, os donos
de volta produtos coloniais para Nantes, de onde os navios holandeses os
de navios de Bordéus construiram sete navios; em 1784, construiram
levavam para o norte da Europa. Alguns faziam a viager de volta passando 32, completando um total de 115 em seis anos. Um dono de navio de Mar¬
pela Espanha e por Portugal, trocando a sua carga colonial por produtos
selha, George Roux, poderia armar uma frota às suas proprias expensas
daqueles países. Sessenta navios de Rochelle e Oberon levavam o bacalhau
com o objetivo de retaliar a frota inglesa devido às conquistas que esta
salgado de lá para Nantes, donde seguía para o mercado do interior ou para
havia conseguido.
as colonias para alimentar os escravos. O ano de 1758 viu a primeira industria
Nantes, Bordéus e Marselha eram os principais centros da burguesia
manufatureira de fazenda da India tecer o algodo bruto da India e das ilhas
das Indias Occidentais. maritima, mas Orléans, Dieppe, Bercy-Paris e uma duzia de outras cida¬
des grandes refinavam acucar bruto e tinham participacio em industrias
Os fazendeiros e os pequenos manufatureiros de Sao Domingos só pode¬ derivadas. Uma grande parte do couro trabalhado na França vinha de
riam se establecer por meio de capital adiantado pela burguesia maritima. Por So Domingos. A florescente industria de tecelagem de algodo da
volta de 1789, os comerciantes de Nantes sozinhos tinham cinquenta milhoes Normandia recebia o algodo bruto, em parte, das Indias Occidentais, e
investidos nas Indias Occidentais.
en todas as suas ramificaces o negocio do algodo ocupava uma popu¬
lacio maior do que a de uma centena de cidades francesas. Em 1789, as

Esta seco é baseada na obra de JAURES, Histoire socialiste de la Révolution Française, Paris,
1922, p. 6284.
GASTON MARTIN, L'ère des négriers (1714-1774), Paris, 1913, p. 424. S DESCHAMPS, Les Colonies pendant la Révolution, Paris, 1898, p. 3-8.

A
Os jacobinos negros Os proprietarios

trocas com as colonias norteamericanas representavam 296 miles. A britanica assistia ao progresso dessa colonia com preocupacio e inveja. De¬
França exportou para as illas 78 milhoes em farinha, carne salgada, vi¬ pois da independencia dos Estados Unidos em 1783, essa espetacular colonia
no e tecidos. As colonias enviaram para a França 218 milhoes em acu¬ francesa repentinamente deu um salto que quase duplicou a sua produçio
entre 1783 e 1789. Naqueles anos, Bordéus sozinha investiu 100 milhoes em
car, café, cacau, madeira, anil e couro. Dos 218 milhoes importados,
apenas 71 miles eram consumidos na França. O resto era exportado
So Domingos. A burguesia britanica era a grande rival da francesa. Durante
todo o século XVIII elas lutaram en todas as partes do mundo. A francesa
apos processamento. O valor total das colonias representava très billoes,
e dela dependia a subsistencia de un número de franceses que variava pulou de alegria en ajudar a expulsá-los dos Estados Unidos. So Domingos
entre dois e seis miles. Por volta de 1789, So Domingos era o merca¬ tornouse, ento, incomparavelmente a melhor colonia do mundo e as suas

do do Novo Mundo. Recebia em seus portos 1587 navios, um número possibilidades pareciam ilimitadas. A burguesia britanica investigou a nova
maior que o de Marselha, e a França usava apenas para o comercio de Sao situacio nas Indias Occidentaise, com base no que viu, preparou uma bomba
Domingos 750 grandes navios que empregavam 24 mil marinheiros. Em para os seus rivais.
1789, as exportaçes da Gra-Bretanha foram de 27 milhoes de libras, e Sem escravos, So Domingos estaria perdida. As colonias britanicas ti¬
as da França, de 17 milhoes de libras, das quais o comercio de Sao Do¬ nham escravos suficientes para todo o comercio que elas pudessem fazer. Com
mingos foi responsável por aproximadamente 11 miles. O comercio as lagrimas rolando em suas faces pelos negros sofredores, aqueles burgueses
colonial britanico em sua totalidade, naquele ano, somos apenas cinco britanicos que no tinham interesse nas Indias Ocidentais prepararam um
milles de libras.
grande alvoroço para a abolico do comercio de escravos.
A burguesia maritima nao queria ouvir falar de nenhuma mudança

no Exclusivo. Tinha a atencio do ministro e do Governo, e os latifundia¬


Uma raça venal de eruditos, exploradores da vaidade nacional, conspirou
rios no foram apenas proibidos de negociar com países estrangeros, mas
a circulacio da moeda francesa, com exceco da de menor valor, tambem
para obscurecer a verdade sobre a abolico. Até 1783, a burguesia britanica
tinha como certo o comercio de escravos. Em 1773, e novamente em 1774, a
estava proibida nas illas, para que no fosse usada para comprar mercado¬
Assembleia da Jamaica, temendo a insurreico e buscando aumentar a receita,
rias estrangeiras. Em tal sistema de comercio, os latifundiarios estavam à
taxou a importaço de escravos. Com grande ira, a Junta Britanica de Comercio
merce da burguesia. Em 1774, a sua divida era de 200 milhoes, e por volta
reprovou as medidas e disse ao Governador que ele seria exonerado se sancionasse
de 1789 ela estava estimada entre 300 e 500 miles. Se os latifundiarios
uma proposta de lei como aquela. Pessoas bem intencionadas conversavam
queixavam se do Exclusivo, a burguesia se quexava de que os latifun¬
sobre a iniquidade da escravido e do comercio de escravos, assim como pes¬
diarios no queriam pagar os seus débitos, e exigia medidas de restrico
soas bem intencionadas, en 1938, conversavam sobre os problemas dos nativos
ao contrabando.
na Africa ou sobre a miséria do campones na India. O dr. Johnson brindou a
imminente insurreico de escravos nas Indias Occidentais. Membros desgarrados

O comercio colonial era muito grande para a burguesia francesa, apesar do Parlamento apresentaram projetos de leis para a abolico do comercio de
escravos, os quais a Camara rejeitou sem dar muita importancia a eles. Em
da sua riqueza. A burguesia britanica, a mais bem sucedida de todas no
1783, o lorde North rejeitou uma peticio contra o comercio: a peticio foi
comercio negreiro, vendia milares de escravos contrabandeados todos os
uma demonstraço de sentimentos cristos e de compaixo humana etc. etc.,
anos para os latifundiarios franceses e particularmente para Sao Domingos.
mas o comercio era necessario. Entretanto, com a perda da colonia americana
Mas, mesmo enquanto vendia os escravos para Sao Domingos, a burguesia
um nova situacio surgía.

BROUGHAM, The Colonial Policy of the European Powers, Edimburgo, 1803, v. II, p.
538-40. House of Commons. Accounts and Papers, 1795-1796, v. 100.
DESCHAMPS, Les Colonies pendant.... p. 25. 22 Parlamentary History, XXIII, p. 1026.
Os jacobinos negros Os proprietarios

Os britanicos deram se conta de que pela abolicano do sistema mercantil com Mas os interesses establecidos das Indias Ocidentais eram fortes. Os

a colonia americana eles ganhavam ao invés de perder. Era a primeira grande homens de Estado no agem tendo como base apenas a especulatio; e essas
licio sobre as vantagens do livre comércio. Mas, se a Gra-Bretanha ganhava,
possibilidades, por si só, no poderiam explicar nenhuma súbita mudança na
as Indias Ocidentais sofriam. A ascendente burguesia industrial, tateando o
política britanica. O milagroso crescimento de Sao Domingos é que foi deci¬
camino para o livre comercio e uma maior exploraço da India, começou a sivo. Pitt constato que aproximadamente metade dos escravos importados
insultar as Indias Occidentais, chamando as de rochas estéreis, e perguntou pelas ilhas britanicas eram vendidos nas colonias francesas”. Era o comercio
se o interesse e a independencia da nacio deveriam ser sacrificados por causa britanico de escravos, portanto, que estava fazendo crescer a produço colonial
de 72 mil mestres e 400 mil escravos
francesa e colocando o mercado europeu nas más da França. A Gra-Bretanha

Aburguesia industrial começava, assim, o seu ataque, o qual seria vitorioso,


estava cortando a sua propria garganta. E mesmo os lucros dessa exportaço

sobre o monopolio agricola que culminaria na revogacio das Leis do Milho no deveriam durar.
em 1846. Os produtores de açucar das Indias Occidentais eram monopolistas
á poucos años antes, os comerciantes de escravos tiveram um prejuizo de
cujos métodos de produçio proporcionavam um alvo fácil, e Adam Smith,
700 mil libras em um so anos. Os franceses, procurando prover a si proprios
e Arthur Young, os precursores da nova era, condenavam o principio total de escravos, estavam invadindo a Africa e aumentando a sua parte no comercio
do traballo escravo como sendo o mais caro do mundo. Alem disso, por que de escravos a cada ano. Por que continuariam a comprar da Gra-Bretanha?
nao obter acucar da India? A India, depois da perda da colonia americana,
A Holanda e a Espanha estavam fazendo o mesmo. Por volta de 1786, Pitt,
assumiu uma nova importancia. A experiencia britanica com acucar em um discipulo de Adam Smith, viu claramente a luz. Pediu a Wilberforce para
Bengala receben relatorios brillantes e, em 1791, o primeiro carregamento
encarregarse da campana,
de navios chegou. Em 1793, o sr. Randle Jackson pregaria aos acionistas
Wilberforce representava a importante diviso de Yorkshire; tinha uma
da compania um pequeno sermo sobre a nova orientacio. Parecia que a
grande reputacio, e tudo aquilo sobre humanidade, justiça, a mancha no
Providencia, quando nos tomaram a colonia americana, nao deixaria o seu
caráter nacional etc. etc., soaria bem, vindo dele. Pitt tinha pressa. Era
povo favorito sem um amplo substituto. Quem podera dizer que a Providencia
importante levar o comercio a uma completa parada, rápida e repen¬
no nos tirou um membro para demonstrarmos mais seriamente o valor de
tinamente. Os franceses no tinham nem o capital nem a organizacio
um outro. Certamente no era uma boa teologia, mas era una excelente
política economica. Pitt e Dundas viram uma oportunidad de tomar o mer¬ para compensar a deficiencia de uma vez, e Sao Domingos seria arruinada de
um golpe só. Em 1787, ele adverti Wilberforce de que, se este no apresen¬
cado continental da França no acucar da India. Havia o algodo eo anil. A
tasse a moço, alguém mais o faria, e em 1788 informou o Gabinete que
produço de algodo da India dobrou em poucos anos. O trabalho livre na
India custava um vintém por dia. no permaneceria mais nele com aqueles aos quais se opunha. Pitt estava
bem certo de ter sucesso na Inglaterra. Com uma audacia verdaderamente
britanica, tento persuadir os governos europeus a abolirem o comercio
The Right in the West Indian Merchants to a Double Monopoly of the Sugar Market of Great por causa da sua desumanidade. O Governo frances discutiu a proposta
Britain, and the expedience of all monopolies examined. (s. d.)
CHALMERS, Opinions on Interesting Subjects of Law and Comercial Policy arising from
American Independence, Londres, 1784, p. 60.

SMITH, A riqueza das nações, v. I. p. 23. Concluimos da experiencia de todas as erase


naçones... que o trabalho feito por homens livres tornase mais barato no final do que aquele Report of the Comitee of Privy Council for Trade and Plantations, 1789, parte IV, Tables for
realizado por escravos. Dominica and Jamaica. Ver tambem as estatísticas de Dundas de 18 de abril de 1792.
YOUNG, Annals of Agriculture, 1788, v. IX, p. 88-96. A cultura do aqucar realizada por 3° CLARKSON, Essay on the Impolicy of the African Slave Trade, Londres, 1784, p. 29.

escravos é a especie mais cara de traballo do mundo. COUPLAND, The British Anti-Slavery Movement, Londres, 1933, p. 74.
East India Sugar, 1822, apendice l, p. 3. COUPLAND, Wilberforce, Oxford, 1923, p. 93.
Debate on the Expediency of cultivaling sugar in the territories of the East India Company, East 3 Fortescue MSS. (Comisso para Manuscritos Históricos, Museu Britanico.) De Pitt a Gren¬
India House, 1793. ville, 29 de junio de 1788. v. I, p. 342.
Os jacobinos negros Os proprietarios

amigavelmente, mas, por volta de maio de 1789, o embaixador britanico go invés de se aproximarem. Nao um lider corajoso, muitos líderes corajosos
escreven com tristeza que foi como se toda a negociacio com o Governo eram necessarios, mas a ciencia da Historia no era o que é hoje em dia e
frances tivesse sido apenas para fazer nos una cortesia e manter nos cala¬ nenhum homem naquela época poderia prever, como podemos faze-lo hoje, a
dose de bom humor. Os holandeses, menos polidos, deram uma nega¬ sublevacio que estava por ocorrer. Mirabeau, de fato, disse que os habitantes
tiva mais abrupta. Porém, Pitt receben um grande golpe de sorte. A França da colonia dormiam à beira do Vesuvio, mas durante séculos a mesma coisa
estava ento agitada pelos ataques pré-revolucionarios a todos os abusos vinha sendo dita e os escravos nunca haviam feito nada.
evidentes; e, um ano apos ter sido formada na Gra-Bretanha a Sociedade Como poderia algum seriamente temer uma colonia to maravillosa?

Abolicionista, um grupo de liberais na França, Brissot, Mirabeau, Pétion, A escravido parecia eterna e os lucros aumentavam. Nunca antes, e talvez
Condorcet, o padre Gregorio e todos os grandes nomes dos primeiros anos
nunca depois, o mundo veria algo proporcionalmente to deslumbrante
da Revolucio seguiram o exemplo britanico e formaram uma sociedade:
como os últimos días da Sao Domingos pré-revolucionária. Entre 1783
os Amigos dos Negros. O espírito condutor era Brissot, um jornalista que e 1789, a produçio praticamente dobrou. Entre 1764 e 1771, a média de
tinha visto a escravido nos Estados Unidos. A sociedade visava à abolico importaço de escravos variava entre deze quinze mil. Em 1786, era de 27
da escravido, publicava um jornal e agitava. Isso servia aos britanicos como
mile, de 1787 em diante, a colonia passaria a adquirir mais de quarenta
uma luva. Clarkson foi à Paris para estimular as energías adormecidas
mil escravos por ano.
deu-les dinheiro e supriu a França com propaganda antiescravagista,
Mas a prosperidade economica nao é garantia de estabilidade social. Esta
Apesar dos nomes que viriam a se tornar to famosos e de una ampla
reside no equilibrio entre as classes, que muda constantemente. Foi a prosperi¬
filiacao, devemos tomar cuidado em pensar que os Amigos dos Negros
dade da burguesia que iniciou a Revolucio Inglesa do seculo XVII. Com cada
representavam uma força. Os habitantes da colonia levavam nos a sério; a
burguesia maritima, nao. Foi a Revolucio Francesa que, com uma rapidez salto na produço, a colonia marchava para a sua ruina.
inesperada, arrastou esses franceses eloquentes para fora da sua estimulan¬ O enorme aumento no número de escravos estava enchendo a colonia de
te empolgaço de propaganda filantropica e os colocou face a face com a nativos africanos, mais ressentidos, mais obstinados, mais prontos para una
realidade economica. rebelio do que o crioulo. Do meio milho de escravos na colonia em 1789.
mais de dois terços haviam nascido na Africa.

Esses escravos estavam sendo usados para a abertura de novas terras. Nach
Essas eram ento as forças que, na década precedente à Revolucio Fran-
havia tempo para permitir o período de aclimatacao, confecido como sazona¬
cesa, ligavam Sao Domingos ao destino economico de très continentes e mento, e eles morriam como moscas. Dos primeiros días da colonia até a metade
aos conflitos sociais e políticos daquela era em gestacao. Um comercio e um
do seculo XVIII, foi ocorrendo alguma melhora no tratamento dos escravos,
método de produçio to crucis e to imorais definhariam diante daquela
mas esse enorme número de recem-chegados, que tinham de ser quebrantados
publicidade que uma grande revolucio atira sobre as fontes da riqueza. O
e aterrorizados para trabalhare submeter se, causava um medo cada vez maior
poderoso Governo britanico determinou a ruina do comercio nas Antillas, eum aumento do rigor. Em 1784, os administradores, que visitavam um das
agitando em casa e conspirando na França entre homens que, sem o saber, vendas de escravos, que algumas vezes serviam como mercado no lugar do
cedo teriam poderes em suas más. O mundo colonial (ele proprio dividido) tombadisho do navio negreiro onde os escravos eram normalmente negociados,
e a burguesia francesa, cada um agindo de acordo com os seus proprios pro¬
pintaram um quadro revoltante de mortes e moribundos misturados à sujeira. O
pósitos e inadvertidos do perigo que se aproximaya, afastavam se um do outro caso Le Jeune ocorreu em 1788. Em 1790, De Wimpffen relatou que nenhum

artigo do Código Negro era de fato obedecido. Ele mesmo uma vez sentourse a

Liverpool Papers. (Manuscritos adicionais, Museu Britanico.) De lorde Dorset a lorde


Hawkesbury, v. 38224, p. 118.
3 R. I. S. WILBERFORCE, Life of Wilberforce, Londres, 1838, v. I. p. 228.
3° Cahiers de la Révolution Française, Paris, 1935, III, p. 25. 3 Escrito en 1938.
Os jacobinos negros Os proprietarios

uma mesa com uma muller, bela, rica e muito admirada, que havia mandado do ancien régime da França. A burocracia realista, incompetente e esbanjadora

atirar um cozinheiro descuidado ao forno. no poderia administrar as finanças da França: a aristocracia e o clero chuparam
o sangue do campesinato até a última gota; impediram o desenvolvimento do
O problema de alimentar esse enorme crescimento na populacio escrava

tornava a luta entre os latifundiarios e a burguesia maritima, em torno do Ex¬ país, apossaram se vorazmente dos melhores lugares e consideravam a si proprios
clusivo, mais amarga do que nunca. Os latifundiarios, depois de 1783, rasgaram quase to superiores à capaz e vigorosa burguesia quanto os fazendeiros brancos
uma pequena brecha na camisa de força que os prendia. Uma vez sentido o em relacio aos mulatos.
cheiro de sangue, queriam a carne. Mas a burguesía francesa tambem era orgullosa, e nenhum de scus mem¬

Os mulatos educados em Paris durante a guerra dos Sete Anos tinham bros era mais orgulloso do que a burguesia maritima. Vimos a sua riqueza.

voltado para casa, e sua educacao e suas realizacies encheram os latifundiarios Eles sabiam que eramos fundamentos da prosperidade do país. E estavam¬

de odio, inveja e medo. Foram esses últimos anos que viram a mais violenta no comprando da aristocracia. Construíam grandes escolas e universidades,
legislaça ser lançada contra eles. Proibidos de ir para a França, onde aprendiam liam Voltaire e Rousseau, enviavam seu linho para as colonias para ser lavado

cosas que no eram boas para eles, permaneciam em casa para aumentar a e obter a coloraço certa e o perfume c mandavam seu vinho para duas ou
força da insatisfaçao. très viagens de ida e volta às colonias para darle o verdadero sabor. Eles,
Com o crescimento do comercio e dos lucros, o número de latifundiarios assim como os otros burgueses, irritavam se por causa das suas desvantagens

que podiam se dar ao luxo de deixar as suas propriedades a cargo de adminis¬ sociais; o estado castico da administraço francesa e das finanças francesas

os obstruiram e aos seus negocios. Um duro inverno, em 1788, entornou


tradores aumento. Por volta de 1789, somandose à burguesia maritima, havia
um grande grupo de proprietarios absentistas na França, ligados a aristocracia o caldo. A monarquia já estava falida e a aristocracia fez uma oferta para

pelo matrimonio, para quem Sao Domingos no era mais que uma fonte de recuperar o seu antigo poder: os camponeses começaram a se revoltar e a
receitas para ser gasta em Paris, na vida luxuriosa da Paris aristocratica. Tao burguesia viu que havia chegado a hora para el governar o país, de acordo

longe penetraram esses parasitas na aristocracia francesa que um memorando como modelo britanico, em colaboracio com os seus aliados, a aristocracia
de Sao Domingos para o Rei diria: “Senhor, sua corte é criola,” sem distorcer radical. Na agitacao, na qual a Revolucio Francesa começou, a burguesia

muito a verdade. maritima tomo a frente. A burguesia de Dauphine e da Bretanha, com seus

A prosperidade afetou até mesmo os escravos. Um número cada vez portos em Marselha e Nantes, atacou a monarquia mesmo antes da abertura
maior deles podia poupar dinheiro, comprar a liberdade e entrar para a oficial dos Estados gerais; e Mirabeau, o primeiro lider da Revolucio, cra o

terra prometida. deputado por Marselha.

Essa era a Sao Domingos de 1789, a mais lucrativa colonia que o mundo Por todo o país, os cahiers, ou listas de queixas, rebentavam. Mas o

jamais confecera; para o olhar casual, a mais próspera e florescente possessio povo frances, como a vasta maioria dos europeus atuais, tinha muitas das
na face da terra: para o analista, uma sociedade dilacerrada pelas contradices suas proprias quixas para se preocupar como sofrimento dos africanos, e

internas e externas que en quatro anos poderia ter a sua estrutura fendida em apenas poucos cahiers, principalmente de clerigos, exigiam a abolico da

tantos pedaços que no poderiam nunca ser reunidos novamente. escravatura. Os Estados gerais reuniram se. Mirabeau, Pétion, o prefeito
de Paris, o padre Gregorio, Condorcet e todos os membros da Amigos dos
Negros eram deputados. Todos prometiam a abolico. Mas abolico para a
Foi a burguesia francesa que acenden o pavio. Essa estranha sociedade de

So Domingos no passava de um exagero berrante, uma grotesca caricatura

Em francés, no original. Antigo Regime, ou seja, a monarquia. (N. do T.)


3 Parodia dos versos da canço de ninar de Humpty Dumpty o homem-ovo, que, ao cair do Em frances, no original. Cadernos onde eram anotadas as reivindicaçones da populaça para
muro, quebro a cabeça en tantos pedaços que no poderiam nunca ser colocados no lugar serem levadas aos Estados gerais. (N. do T.)
novamente. (N. do T.)
Os jacobinos negros
Os proprietarios

burguesia maritima significava ruina. No momento, entretanto, os Estados¬ aprovacao do Rei e de um Comité Colonial reunido em Paris, mas eleito
gerais atracavam se como Rei.
por eles. Ao restringir os direitos politicos dos proprietarios de terra, os
fazendeiros efetivamente excluiram os brancos pobres, que tinham pouco

interesse em toda essa agitacio. Dos escravos e mulatos, nem sequer fizeram
Enquanto a burguesia francesa liderava o ataque contra a monarquia
menço. Os escravos no contavam, eos mulatos conseguiram permisso da
absolutista em casa, os fazendeiros seguiam o exemplo nas colonias. E como amedrontada burocracia para enviar uma delegacio a Paris às suas proprias
na França, as divises geográficas de Sao Domingos e seu desenvolvimento
custas. Mas um número de fazendeiros na colonia e uma boa quantidade
histórico moldavam o movimento revolucionario e a iminente insurreico
em Paris, o Clube Massiac, encaravam esse desejo de ser representado nos
dos escravos.
Estados-gerais com desconfiança. A agitacio pela abolico do comercio de

O orgulho da colonia era a grande Planicie do Norte, da qual Le Cap escravos na Inglaterra, a propaganda dos Amigos dos Negros, a disposicio
era o porto principal. Ao norte fazia frontera com o oceano e ao sul com
revolucionária da França encheram nos de pressentimentos. A representa¬
uma cadena de montanas que corria quase todo o comprimento da ilha co nos Estados gerais por un pequeno número de deputados no surtiria
e tinha por volta de 35 quilómetros de comprimento e entre seis e doze nenhum effeito, mas poderia atrair o brilho da publicidade e despertar o

quilómetros de largura. Cultivada desde 1670, era coberta de fazendas interesse politico sobre o estado da sociedade em Sao Domingos: exatamente

que facilmente davam uma para a otra. Le Cap era o centro economico, o que eles nao queriam. Mas, se o grupo de pro-representacio era minoria,
com uma meta positiva eles passariam a ser intrépidos e confiantes. Os seus
sociale político da illa. E qualquer levante revolucionario, os fazendeiros

da Planicie do Norte e os mercadores e advogados de Le Cap tomariam a oponentes, com a consciencia pesada e procurando apenas evitar problemas,

frente. (Mas os contingentes de escravos da Planicie do Norte, en estreita no poderiam opor a eles uma resistencia efetiva. A representacio colonial

proximidade uns com os otros, rapidamente tomavam consciencia das na Assembleia da metropole era una inovacío nunca vista naquela época,
mas os representantes de Sao Domingos, aproveitando se do fermento re¬
varias mudanças na situacio política e estariam, correspondentemente,
prontos para una acao politica.) volucionario de Paris, contornavam as objeces do Rei e do ministro. Eles
peticionaram à nobreza, que os ignoro. Mas, quando Luis tentou intimidar
Muito diferente era a Provincia Ocidental, com as suas fazendas isola¬
o Tercero Estado eos deputados foram para a sala do jogo da pela" jurar
das espaldadas por amplas áreas. Em distritos como Artibonite, Verretes,
que como representantes do povo eles nunca se separariam, Gouy d'Arsy,
Mirabelais e Sao Marcos, havia muitos proprietarios mulatos, alguns com
lider da faccio colonial, com arrojo liderou os seus nobres coloniais até essa
grandes fortunas.
reunio histórica. Por gratido a esse apoio inesperado, a burguesia deu-hes
A Provincia do Sul era una especie de paria, algo escassamente povoa¬ as boas-vindas e, ento, a França admitiu o principio da representacio co¬
do, tendo o mulato como maioria. O lado oriental, Cabo Tiburón, ficava lonial. Cheios de confiança, esses donos de escravos reivindicavam dezoito
a apenas uns 35 quilómetros da Jamaica e lá o contrabando era particular¬ cadeiras, mas Mirabeau voltou-se ferozmente para eles: “Vos reivindicais
mente forte
representacio proporcional ao número de habitantes. Os negros livres so

Já em 1788, a Provincia do Norte tomo a liderança. Formou um comité proprietarios e pagam impostos, mas ainda nao tiveram permissio de votar.
secreto para assegurar a representacio nos Estados-gerais. Em Paris, o grupo E, quanto aos escravos, ou eles so homens, ou nao o so; se os latifundiarios

dos nobres ricos absentistas formava um comité com o mesmo propósito.


Os dos grupos colaboraram eos nobres de Paris se recusaram a aceitar o 41 Clube organizado en torno do bario de Massiac, da regio da Provença de mesmo nome.

veto do Rei. No final de 1788, os latifundiarios convocaram assembleias (N. do T.)

eleitorais e elegeram uma delegacio, algumas das quais consistiam de alia¬ Tennis court, no original, ou quadra de tênis, devido ao fato de o jogo da pela ser semelhante

dos seus em Paris. Em seu cahier exigiam a abolico da justiça militare ao tenis. No día 20 de junio de 1789, os deputados do Terceiro Estado reuniram se na sala

do seu de Paume (jogo da pela), onde prestaram o juramento confecido como Serment du
a instituiçio de um poder judiciario civil, que toda a legislaçio e as taxas
seu de Paume, no qual seus membros se comprometiam a jamais se separarem (.) até que
a serem votadas pelas assembleias provinciais estivessem sujeitas apenas à
seja establecida a Constituicio..." (N. do T.)
Os jacobinos negros

os considerarem homens, libertá-los-o e faráo deles eleitores e elegiveis; se

acaso nao o considerarmos como tal, teremos nos, ao distribuir os deputados


PARLAMENTO E PROPRIEDADE
de acordo com a populacio da França, que considerar o número dos nossos
cavalos e das nossas mulas?"

So Domingos tinha direito a apenas seis deputados. Em menos de cinco

minutos, o grande orador liberal colocou o caso dos Amigos dos Negros clara¬

mente, diante de toda a França, em palavras inesqueciveis. Os representantes


de Sao Domingos perceberam por fim o que eles haviam feito: tinham atrelado

as fortunas de Sao Domingos à assembleia de um povo em revolucio e dali em


Aproximadamente todos os crioulos em Sao Domingos ostentavam uma
diante a história da liberdade na França e da emancipacio em Sao Domingos
cocarda vermelha, sendo os principais agitadores aqueles fazendeiros mais
seria una e indivisivel.
pesadamente endividados com a burguesia maritima. A milicia transformouse
Inadvertidos desses desenvolvimentos de vulto, os latifundiarios de Sao Do¬ em uma Guarda Nacional, imitando a Guarda Nacional da França revolucio¬
mingos caminavam de vitoria em vitoria. Como na França, os últimos meses de naria. Os latifundiarios dotaram-se de uniformes chamativos e condecoraçones
1788 em Sao Domingos haviam sido difíceis. A França fora obrigada a probir militares; denominavam se capites, brigadeiros e generais. Linchavam os
a exportaço de gros e, sob tais circunstancias, o Exclusivo era una imposicio poucos que se les opunham abertamente c, nao tendo inimigos contra quem
despotica que ameaçava a illa com a fome. O Governador abriu alguns portos lutar, acabavam por inventar algum. Um destacamento da Guarda Nacional

para navios estrangeros; o intendente Barbé de Marbois concordou com umas marchava de Le Cap em campanha contra alguns pretos rebeldes e, apos ter

pequenas aberturas para começar, mas recusou sancionar a sua ampliacio. O errado por varias horas, retornou à cidade com um dos seus mortalmente

problema chegou ao conselho do Rei, que repudiou o Governador, exonerou- ferido, no pelos pretos rebeldes, pois no havia nenhum, mas pelas balas
e indicou outro para o seu lugar, enquanto os latifundiarios pediam a cabeça de seus proprios companhciros. Quando, dois anos mais tarde, estourou a

do intendente. Essa era a situacio quando, em um dia de setembro, um barco insurreicao, os primeiros chefes foram aqueles negros que haviam servido de
adentrou o porto eo capito, desembarcando apressadamente, correu pelas ruas guias nessa estúpida expedicio.
de Le Cap, gritando as novas do 14 de julio. O Rei estivera preparando a dis¬
Para escapar de serem linchados, Barbé de Marbois e alguns dos mais
perso da Assembleia Constituinte pela força, e as massas de Paris, armandose,
impopulares burocratas fugiram para a França e, desafiando o Governa¬
tomaram a Bastilla, que era um simbolo da reacao feudal. A grande Revolucio
dor, o Comité Provincial revindicou a direcio dos asuntos e começou a
Francesa havia começado.
fazer preparativos para una eleico na Provincia do Norte. Em janeiro de
1790, chegou uma permissio do ministro para formar uma Assembleia
Colonial, e très corpos provinciais convocaram essa Assembleia para a

cidade de Sao Marcos.

O Governador de Peynier era velho e fraco, mas mesmo um homem forte

teria ficado en dificultades. Porque a monarquia absoluta, paralisada pela

Revolucio em Paris, no poderia mais dar apoio aos seus representantes nas
colonias. Os brancos pobres, assim que ouviram falar da queda da Bastilha,
desertaram seus amigos burocratas e se juntaram à Revolucio. Havia apenas

Insignia redonda usada no chapeu. A vermelha era simbolo da Revolucio. (N. do T.)
4. Queda da Bastila: inicio da revolucio popular. (N. do T.) Exercito de cidados que substituiu o Exercito do Rei, depois da Revolucio. (N. do T.)

-
Os jacobinos negros Parlamento e propriedade

uma esperança para os burocratas: os mulatos, co Governador instruira os co¬


pela admissio dos mesticos nas assembleias administrativas como pela
mandantes dos distritos a adotar uma nova atitude para com eles. Tornouse libertaço dos negros!".
mais necessario do que nunca no les dar motivos para se sentirem ofendidos; Nao apenas direitos politicos para os mulatos, mas abolico da escravatura.
devemos encorajá-los e tratá los como amigos e como brancos. Começava a
Essas noticias levaram Sao Domingos à furia. Como poderiam eles saber que
retroceder o preconceito racial. Embora possa ser triste, esse é o camino por
tais palavras foram proferidas em um sentido pickwickiano; que Lameth, um
onde a humanidade progride. Os oradores de festas e os historiadores fornecem
liberal da ala direita, sería um dos mais tenazes inimigos tanto dos direitos
a prosa poética e as flores.
politicos dos mulatos como da abolicano da escravatura? Os mulatos começaram
a ser aterrorizados.

O plano teve um sucesso formidável eos mulatos, apenas por causa do Lacombe, um mulato, reivindicou direitos políticos e sociais para o seu

medo que tinham da violencia assassina dos brancos pobres e dos revolu¬ povo. Os brancos de Le Cap enforcaram no imediatamente, justificando
cionarios, en toda a parte sustentavam a burocracia real e militar. A cobica que, ao encabeçar a peticio com Em nome do Pai, do Filho e do Espírito

fortalecia o preconceito. No começo da agitacio, os brancos, que naquele Santo, ele fugira da formula establecida. M. de Baudière, um senescal de
cabelos brancos, esboçou uma peticio moderada para alguns dos mulatos
ensejo controllavam o movimento, fizeram concesses aos mulatos ricos.
tentando melhorar o status destes. Os brancos do distrito vizinho lincha¬
Mas o ingresso dos brancos pobres mudou completamente a situacio. Os
inflamados, e altamente endividados, políticos que estavam, a partir de en¬ ramno, desfilando com a sua cabeça em um chuco, e desrespeitosamente
mutilaram o seu cadáver. Os líderes desse terror eram os brancos pobres:
to, liderando a revolta em Sao Domingos e os brancos pobres, destituidos
de posses, queriam exterminar os mulatos e confiscar-hes as propriedades. os administradores e capatazes das fazendas e as massas da cidade. Em

algumas freguesias do Norte, os latifundiarios brancos haviam convocado


Os brancos eram apenas trinta mil. Os mulatos e os negros livres contavam
os mulatos para as assembleias primarias. Os brancos pobres rejeitaram a
com o mesmo número, mas que aumentava muito mais rapidamente do que
o de brancos. Amargurados pela perseguio, eles chamavam os brancos de participacio deles eo seu exemplo gradualmente se difundiu pelo país onde
intrusos e a si mesmos de nacionais. Os revolucionarios espalhavam que, a esses brancos pobres gozavam de assentos em assembleias das quais os ricos

menos que os mulatos fossem controlados, logo seriam mais numerosos do proprietarios de cor eram excluidos. Uma assemblea primaria da Provincia
Occidental chegou a declarar que os homens de cor no teriam permisso
que os brancos e os expulsariam das colonias. Naquela ocasio, os mulatos
de prestar juramento civil sem adicionar à formulacro geral a promessa de
estavam se unindo à contrarrevolucio.
respeito para com os brancos.
Próximo do final do ano, chegaram as noticias do sucesso dos mulatos em
Os mulatos do Artibonite e Verrettes, ricos e numerosos, recusaram se a
Paris. No día 22 de outubro, a Assembleia Nacional os recebera e o presidente.
em resposta à peticio deles, dissera que nenhuma parte da nacio apelaria pelos prestar todo e qualquer juramento e espalharam o chamado pela insurreico
aos seus irmos pela illa. Os brancos apelaram para todas as suas forças eo
seus direitos em vo para os representantes reunidos na Assembleia do povo
levante fracassou. Mas os colonos mais ricos ficaram completamente assusta¬
francés. No día 4 de dezembro, o conde Charles de Lameth, um dos farois da
dos. Os líderes dos mulatos fugiram e houve apenas poucas prises. Apesar
Revolucio naqueles dias, com um entusiasmo revolucionario proferiu estas
palavras famosas: do estridente clamor dos brancos pobres, os ricos latifundiarios no tentaram
nenhuma represália. Contudo, por todo o país e especialmente na Provincia
Sou um dos maiores proprietarios de terras em Sao Domingos,
Occidental, eles estavam ficando nervosos como comportamento dos brancos
mas declaro vos que prefiro perder tudo que possuo lá do que violar os
pobres. Estes, antes respeitosos, por um momento sentiam se lisonjeados pelo
principios que a justica e a humanidade consagraram. Declaro me tanto
fato de serem tratados como iguais. Mas eles estavam avançando, ávidos de

MICHEL, La Mission du Général Hedouville à Saint-Domingue, Porto Principe, Haiti, 1929, Referente a romance de CHARLES DICKENS, As aventuras dos. Pickwick. Frase cujo
v. I. p. 11-2. sentido e diferente daquelle que parece. (N. do T.)


Os jacobinos negros Parlamento e propriedade

usar a revolucio para o propósito de se tornarem mestres e funcionarios gradua¬ colonos se retiravam da Assembleia de Sao Marcos, a propria Assembleia de
dos. Nas eleices para a nova assembleia, usaram de intimidato e violencia Sao Marcos, os patriotas, como eles chamavam a si proprios; e a Assembleia

contra os brancos mais ricos na tentativa de obter maioria. Os latifundiarios Provincial, que assistia a ambos os lados, mas ora apoiando o Governo como

ricos começaram a olhar mais para a até ento odiada autoridade real e cm um elo com a França. Todos os très desprezavamos mulatos bastardos, mas

direço a um compromisso com a otra casta de proprietarios de escravos, os precisavam deles. A Assembleia Provincial do Norte começara fazendoles
mulatos ricos. So Domingos tinha recebido as noticias da queda da Bastilha propostas. A burocracia monarquista estava claramente cultivando boas
em setembro. Ento, quase seis meses depois, na presença dos brancos pobres relacées. A Assembleia de Sao Marcos fazia ento investidas em troca do
revolucionarios e dos revolucionarios extremistas na Assembleia Colonial, a apoio na luta pela independencia.
rica So Domingos estava segundo os burocratas e se aproximando cada vez
Os mulatos no les dariam ouvidos e, como consequencia, os patriotas
mais dos mulatos ricos. Deus havia feito, indubitavelmente, o sangue negro
voltaram a acreditar que homens livres de cor eram contrarios às leis de
inferior a branco, o Exclusivo era una monstruosa imposicio; a burocracia, Deus e do homem e deveriam ser exterminados. Para eles, nesse humor
um fardo. Mas esses proprietarios de centenas de escravos estavam já preparados
feroz, chegou um decreto do dia & de março, emitido pela Assemblcia
para fechar os olhos para o velho dogma centenario da sua casta, em face dos
Constituinte na França.
perigos que viam pela frente.

A burguesía francesa tinha de encarar a questo colonial em algum mo¬


A Assembleia Colonial, diz Deschamps, acreditava sinceramente ser uma
mento, mas evittava o problema tanto quanto podia.
assemblea constituinte em miniatura. Mas os grosseiros brancos de Sao Do¬
Em setembro de 1789, a delegacio dos mulatos dirigiu-se ao Clube Mas¬
mingos no tinham sequer uma centelha daquele sentimento exaltado que
siac e pediu o apoio dos brancos para os direitos que ela estava por exigir da
levou a burguesia revolucionária além para dignificar a tomada do poder com
Assembleia Nacional. O Clube Massiac rejeitou a peticio. Mas aqueles habi¬
a Declaraço de Independencia ou dos Direitos do Homem. Eles no desperdi¬
tantes da colonia tambem queriam independencia e secretamente tentaram
caram tempo, mas deram seguidos golpes no Exclusivo, repudiando o controle
barganhar com Raimond, o lider dos mulatos: os direitos dos mulatos em
da Assembleia Nacional. E deviam obediencia apenas ao Rei. Mas, aqui, seus
troca do apoio à independencia”. Raimond recusou. Tudo ento dependia da
problemas começaram.
Assembleia Nacional. Mas os brancos da colonia juravam que a concesso de

A Assembleia da Provincia do Norte era composta principalmente de direitos aos mulatos significaria a ruina das colonias, e a burguesia nao queria
advogados e comerciantes de Le Cap que representavam os grandes interesses que isso acontecesse. De repente, as massas parisienses entraram novamente na

comerciais e financeiros da burguesia maritima. Para eles, qualquer ruptura política, deram aos mulatos uma base inabalável para as suas reivindicaces e
com a França significava a ruina. Sob essa nova constituiço, os homens de completaram a confuso colonial da burgusia.
Sao Marcos dariam a última palavra a respeito dos milhoes de francos que
A tomada da Bastilha no 14 de julho fez mais do que intimidar o Rei
deviam à França. E quando a Assembleia de Sao Marcos passou um decreto e a Corte. Assustou a burguesia, que se apressou em formar a Guarda Na¬
condenando a usura dos comerciantes e advogados de Le Cap, a Assembleia cional, excluindo dela estritamente os pobres. Mas a burguesia apressouse
Provincial do Norte (claro que como mais elevado patriotismo) rompeu com
So Marcos imediatamente, retirandose com scus membros. Mas, ainda
que eles se opusessem à Assembleia de Sao Marcos, os homens da Planicie Delegado Roume au Comité de Segurança Pública, Les Archives du Ministère des Affaires
Etrangères. Fonds divers, section Amérique, n° 14, folio 258. Ver tambem en relacio a isso
do Norte cram, eles mesmos, burgueses ligados à burgucsia maritima da
Garran-Coulon, Rapport sur les troubles de Saint-Domingue, fait au nom de la Comission des
França e, portanto, defensores da Revolucio c inimigos da burocracia real.
colonies, des Comités de Salut Publique, de Législation, et de la Marine, réunies, 4 volumes,
So Domingos, ento, tinha très partidos brancos: a burocracia real, ou seja, Paris, 1798, v. II, p. 78
a contrarrevolucio, que se tornada cada vez mais forte à medida que os ricos GARRAN-COULON, Rapport sur les troubles de Saint-Domingue.... v. II, p. 6.
Os jacobinos negros Parlamento e propriedade

tambem para lucrar como golpe dado contra a monarquia. Redigiu a De¬ estava determinada a manter do Exclusivo tanto quanto pudesse. Ambos os
claraço dos Direitos do Homem e do Cidado, afirmando que todos os partidos concordavam sobre a necessidade daquilo que eles chamavam de
homens nasciam livres e iguais e abolindo a distinco de castas do feudalismo cordem nas colonias, e os colonos, como homens conscientes, diziam que

para sempre. A Constituinte votou a verso final quase por unanimidade, a ordem so poderia ser mantida se os mulatos fossem colocados nos seus

devidos lugares. Na Assembleia, os deputados coloniais disseram o mínimo


mas o Rei no a assinaria e secretamente preparava a contrarrevolucio.
Essas noticias chegaram a Paris e as massas, principalmente as mulieres, possivel, abstendose en todas as resoluces, atrasando todas as discusses
marcharam em directo a Versales. Ainda confiando no Rei, levaram no que tratassem das colonias; acusavam os Amigos dos Negros de servirem
a Paris (longe, como pensavam, dos seus mal-intencionados conselheiros) a interesses estrangeros, negando que mulatos e negros livres sofressem

e a Assembleia acompanhou-o. Novamente derrotado e mais uma vez nao injusticas e jurando que todas as injustiças aos mulatos e aos negros livres
pela burguesia esim pelo povo, o Rei assinou. Era o começo de outubro, e seriam reparadas nas assembleias coloniais. Conspiravam junto à burguesia

quinze dias depois, no dia 22 de outubro, os mulatos apareciam às portas maritima para impedir que mulatos e negros voltassem a Sao Domingos, e
de una Camara ainda ecoando a famosa declaracio e reivindicavam os tambem ampliaram essa proibico aos brancos que eram simpáticos à causa
Dircitos do Homem. dos mulatos. Quando se quexavam ao ministro, este replicava que no havia
dado ordens para evitar o livre acesso, mas que no tinha autoridade para
A burguesia no sabia o que fazer nem o que dizer. Raimond, o lider,
interromper esse constrangimento. No era a última vez na Historia que
era um distinto advogado parisiense; Ogé era membro da Amigos dos
a contrarrevolucio e o interesse dos ricos na revolucio encontrariam um
Negros e amigo do padre Gregorio, de Brissot, do marques de Condorcet
e de todo aquel grupo brillante. Tal era o seu talento, que se dizia sobre terreno comum no problema colonial.
ele que no havia posicio à qual ele no pudesse aspirar. Como poderia Do outro lado, estavam os radicis, os humanitarios e os filosofos, os

uma Assemblea que mal havia aprovado os Direitos do Homem recusar¬ intelectuais do momento, liderados pelos Amigos dos Negros. Considerados
se a aliviar essas pessoas das injustiças que estavam sofrendo? Baseavam sonhadores e homens pouco práticos, a solucio que propunham, ou seja, direitos
suas reivindicaces no apenas en questes abstratas, mas na riqueza, e aos mulatos e gradual abolico da escravatura, serviria melhor aos interesses da
ofreceram seis milhoes como caucio para a divida nacional. Era uma pro¬ França e, o tempo prová-lo-ia, aos interesses dos proprios homens da colonia.
posta irrefutavel, e o presidente deu-les cordiais, se bem que cautelosas, Mas quando foi que a propriedade deu ouvidos à razo, senao quando intimi¬
boas-vindas. Mas os homens da colonia, em Paris, no aceitavam nada dada pela violencia? Contra a riqueza, as ligaçones e as intrigas sem escrupulos

disso. Ameacavam a burguesia com o espectro de una revolta de escravos, dos interesses establecidos, mesmo os propagandistas mais radicais estavam
por um lado, e com a sua propria independencia, por outro; e a burguesia indefesos. A sua força residia nas massas, e as massas de Paris ainda no esta¬
maritima, temerosa pelos seus milles em investimentos e pelo seu co¬ vam interessadas na questo colonial, mesmo que dessem um apoio geral às
mercio, corava, mas colocava os Direitos do Homem no bolso sempre que reivindicaçones dos mulatos.
a questo colonial vinha à baila. Desgraçadamente para si mesma, a bur¬
Mas, com excecio das tibias tentativas dos Amigos dos Negros, todos
guesia nao era homogeneae a ala radical na Camara patrocinou a causa dos
conspiravam no sentido de se esquecer dos escravos.
mulatos. A Assembleia, até ento unanime sobre os Direitos do Homem,
dividiuse em duas: a extrema direita e a extrema esquerda, com os vaci¬
lantes no centro. No começo, a direita tinha o controle da situacio, mas a questo colonial

A direita estavamos deputados da colonia, os proprietarios absentistas e frequentemente dividia a burguesia, embraçavaa, aniquilava sua morale
os representantes da burguesia maritima, com todas as suas ramificaces. Os enfraquecia sua capacidade de lidar com os grandes problemas domésticos
colonos estavam buscando a independencia, ou pelo menos uma boa medida que enfrentava. Com as palavras de Mirabeau soando em seus ouvidos, os
de autonomia, para quebraro Exclusivo e livrarse da burocracia monar¬ colonistas queriam que as questes coloniais fossem removidas da discus¬

quica. A burguesia maritima, en harmonia com eles no ataque à burocracia, so geral e propuseram que deveriam ser transferidas para una comissio
WS»

Os jacobinos negros Parlamento e propriedade

colonial, que consistiría de dez mercadores e dez habitantes. A assembleia suportaria escuta-las. Mas Barnave colocou os colonistas e as suas proprie-
terminou em desorden. No día 3 de dezembro, iniciouse um grande de¬ dades sob a guarda especial da nacio, e os escravos eram propriedades. O

bate e o movimento pela comissao foi derrotado. No dia seguinte, Charles decreto tambem declarava culpado de crime contra a nacio qualquer um

de Lameth fez o seu grandiloquente discurso, e doravante a concesso de que tentasse se opor a qualquer ramo do comercio com as colonias, direta

direitos aos mulatos seria encarada como o primeiro passo rumo à abolico ou indiretamente. Isso era un aviso aos Amigos dos Negros e deuo quietus
da escravatura. oficial para todas as conversas a respeito da abolico do tráfico. Entusiasmada

No dia 30 de janeiro de 1790, os mulatos, patrocinados pelos Amigos por tal sabedoria e sensibilidade, a burguesia interrompeu a leitura do decreto
com aplausos, e Mirabeau, Pétion e os outros deputados da esquerda que
dos Negros, fizeram uma nova peticio. Protestantes, comediantes, judeus,
tentaram invocar os Direitos do Homem foram silenciados com gritos. Os
parentes de criminosos, todos receberam os seus direitos políticos da As¬
conservadores radicais de Sao Domingos se opuseram ao decreto pois este
sembleia. Os mulatos, porem, continuavam excluidos. A Assembleia fez
no les garantia o bastante, mas a Assembleia rejeitou-o com arrogancia.
ouvidos moucos, mas por volta de fevereiro as noticias de Sao Domingos,
Martinica e Guadalupe eram to sinistras que no día 2 de março a Assem¬ Os Amigos dos Negros haviam sido derrotados, mas eles aprontavam¬

bleia nomeou uma comisso para ir até os documentos c emitir um parecer se para o debate a respeito das instructes que acompanhariam o decreto.

em cinco días. Era exatamente nisso que o Clube Massiac, os deputados da Barnave, na sua fala inicial e nas proprias instruges, no fez nenhuma

referencia à candente questo dos direitos dos mulatos e dos negros liber¬
colonia e a burguesia maritima estavam apostando e tinham tudo preparado.
A comisso, desinteressada em aparecer, consistia de doze membros, dez dos tos. A Assembleia lutava duramente para passar por cima desse problema

quais representavam alguns ramos do comercio colonial. E, para completar, embaraçoso, mas o padre Gregorio quebrou a conspiraço do silencio. O
os intrigantes apontaram Barnave para presidente. artigo 4 das instrucocs dava o voto a todas as pessoas” de 25 anos que

preenchessem certas qualificaçones como proprietarios e residentes. Gregorio


dizia entender que isso inclusa os mulatos. Um deputado por Sao Domingos
Barnave é uma das grandes figuras da Revolucio Francesa. Era burgués
protestou. Um outro deputado propos que a discussio fosse encerrada. De
até a medula, um advogado com uma inteligencia clara e fria. Para ele, uma Lameth, o mesmo que havia goricado to alto tres meses antes, concordou

vez que a burguesia obtivesse a Constituiçio e tivesse limitado os privilegios, que a proposta indiscreta de Gregorio no deveria ser discutida, e a Ca¬
a Revolucio estaria terminada. Como todo verdadero burgues, tinha um
mara decidiu mesmo no a discutir. A burguesia, nao querendo enfrentaro
imenso respeito pelo sangue azul e real. Era intimo dos Lameths e vivia na problema, enviou esse decreto ambiguo a Sao Domingos e ficou esperando
casa deles, e por meio deles mantinha uma relacio bem próxima com os
pelo melhor.
absentistas e como Clube Massia. O Clube Massiac nao poderia encontrar
melhor advogado. Barnave era hábil debatedor e popular. Ainda o cercava a
publicidade revolucionária de umas poucas palavras apaixonadas sobre os que O decreto de 8 de março provocou gritos de raiva nos revolucionarios

haviam morrido nos dias de julio. O Clube Massiac mantinha seus olhares de Sao Marcos. O artigo 4 dizia pessos e eles provaram que os mulatos

sobre ele há muito tempo. Em fevereiro, o presidente do Clube enviou a no eram pessos: se pessos significam homens, ento o decreto inclusa

Barnave um memorando sobre a questo colonial, que este havia pedido, e escravos. Dar dircitos a esses mulatos era o mesmo que assinar sua propria

assim ocorreu que, nomeado em 2 de março, ele tinha o seu relatorio pronto sentença de morte, pois esses amigos da burocracia contrarrevolucionária

em 8 de março. Naquele día, falando para a Comisso, propos tudo o que inundariam uma nova assembleia. Juraram que nunca dariam direitos

qualquer habitante da colonia sensato poderia esperar. Estes deveriam ter políticos a una raça bastarda e degenerada e lançaram um novo terror
permissio de elaborar a sua propria Constituiçio e modificaro Exclusivo, contra os mulatos. Mas os burocratas estavam ganhando coragem. Muitos

sujetando ambos à aprovacao da Assembleia Nacional. Ao esbocar o decreto, dos deputados de Sao Marcos estavam eles proprios se afastando, indignados

as palavras escravo emulato no foram utilizadas, pois a Assembleia nao com as pretenses de seus companheiros e com medo das consequencias.
Os jacobinos negros
Parlamento e propriedade

Dos 212 membros originais, menos da metade permanecen. Percebendo haviam lutado na guerra de independencia norteamericana, ele ergueuo
que aumentava o número daqueles que os apoiavam, os realistas decidiram estandarte da revolta.

acabar com a revolucio em Sao Domingos, e De Mauduit, o comandante


Mas Ogé era um politico cujos talentos eram inadequados para a tarea
das tropas, marchou contra os Patriotas.
que tinha pela frente. Milhares de mulatos estavam esperando pelo sinal do
A Assemblcia de Sao Marcos no tinha forças com as quais pudesse lider. En vez disso, ele proferin duas proclamaçones grandiloquentes, no para
contar. No ancoradouro de Porto Principe havia um navio, o Léopard, cuja os que o apoiavam, mas para as autoridades em Le Cap, perguntando sobre a

tripulacao tinha sido convertida para o Partido Patriota pela Municipalidade. promulgaço do decreto de 8 de março. Em vez de ameaça los como levante

Indefesos diante das tropas de De Mauduit e encarando a aniquilacao, 85 dos escravos, pois era um bom liberal, assegurou-hes de antemo que no tinha

patriotas, dos quais 64 eram pais de familia, decidiram embarcar no Léopard nenhuma intenço de faze-lo e apelou para os interesses comuns de brancos

e ir para a França para defender sua causa pessoalmente. A burocracia, usando e mulatos, já que ambos eram proprietarios de escravos. Ogé no cometen

as cocardas brancas dos realistas, permanecen como senhora da situacio, e nenhum crime, mas Chavannes massacrou un pequeno número de brancos.

todos os partidos decidiram esperar para ouviro que a França tinha a dizer. Os cocardas vermelhas e brancas juntaram se. Os mulatos, por todo o país,

Enquanto isso, todos afiavam as suas facas. Era evidente que a justiça política foram impedidos de se agrupar devido às fortes chuvas e inundaces. Mas o
impetuoso Ogé lançouse com algumas centenas de homens sobre Le Cap. Foi
estava do lado dos batalhoes mais fortes. Os mulatos, que gostariam de usar as
derrotado e com alguns companheiros fugiu para territorio espanhol, de onde
cocardas brancas dos realistas, foram proibidos pelos burocratas triunfantes.
Rejeitados na França, humilhados em casa, os mulatos organizaram uma foi extraditado.

revolta. Foi o conflito entre a burguesia e a monarquia que levou as massas Os brancos torturaram Ogé e seus companheiros em um julgamento que
de Paris para o cenario politico. Foi o conflito entre brancos e mulatos que durou dois meses. Condenaram nos a ser conduzidos pelo carrasco até a porta
despertou os escravos adormecidos. principal da igreja com a cabeça descoberta, amarrados por una corda em
volta do pescoco e dos joelhos, com velas de cera nas más, a confessar seus

crimes e implorar perdio; em seguida, seriam levados à praça de armas, onde


Se no foi instigado pelos Amigos dos Negros, pelo menos foi como teriam seus braços, pernas e cotovelos quebrados em um patibulo, depois do

acordo deles que Ogé deixou Paris para liderar a revolucio em Sao Do¬ que seriam amarrados em rodas, com seus rostos voltados para o cu, perma¬

mingos. E para isso ese foi ajudado e instigado por ninguém menos do que necendo assim por tanto tempo quanto Deus quisesse mante los vivos. Seriam
Clarkson. ento decapitados e os seus bens e propriedades confiscados. A segregaço

racial seria mantida, até mesmo na morte. A sentença determinava que seriam
Ogé entrou secretamente em Londres, onde encontrou-se com Clarkson.
executados no lado oposto da praça quele onde eram supliciados os brancos.
Lá, obteve dinheiro e crédito para comprar armas e municies nos Estados
Chavannes, o soldado, suportou sem nenhum murmurio, mas Ogé cedeue
Unidos. Desembarcou em Sao Domingos no día 21 de outubro de 1790, e
implorou clemencia. Dois dias depois, o irmo de Ogé sofreu o mesmo destino
acompanado de seu irmo e de Chavannes, um dos muitos mulatos que
e outros 21 foram enforcados. Treze deles foram enviados às galés para o resto

da vida. Toda a Assembleia Provincial assistin à execucio cerimoniosamente. O


brillante Ogé e seu éxito em Paris tinham sido o orgulho de todos os mulatos

LACROIX, Mémoires pour servir à l'histoire de la Révolution de Saint-Domingue, Paris, de Sao Domingos, e a maldade do seu julgamento e da sua execucio foi uma
1819, V. 1, p. 545. lembrança marcada a ferro e fogo na memoria dos mulatos.
Clarkson no ajudaria a organizar una revolta de mulatos em uma colonia britanica. Ainda
assim, era um homem muito sincero, mas a sinceridade de muitos abolicionistas no está
sendo questionada aqui. Os missionarios no conformistas e as suas congregaçes foram, Foi a noticia da tortura e morte de Ogé que deu a toda a França a cons¬
sem duvida nenhuma, motivados por interesses humanitarios, aguçados pela sua propria
ciencia plena da questo colonial. Até ento, a burguesia francesa nao havia
hostilidade em relacio a escravido fabril e às leis de caça. Mas sem Pitt, e os interesses que
ele representava, que sucesso eles teriam? se perturbado por nenhuma presso das massas. A Constituinte recusouse
-

Os jacobinos negros Parlamento e propriedade

a aceitar o protesto dos homens do Léopard e dissolveu a Assembleia de Sao


O debate foi um dos maiores que a Constituinte ja vira. Robespierre
Marcos, ordenou a eleico de una nova Assembleia e expediu dois regimen¬ despertou os deputados para o fato de que estavam participando de um jogo
tos para ajudar o Governador. Mas, nas instruges, ainda era dexado para
perigoso em to flagrante violaçamo dos principios sobre os quais as suas proprias
os habitantes da colonia o destino dos mulatos. Todos os brancos de Sao posices se assentavam:
Domingos, fossem contrarios ou a favor da independencia, estavam unidos Se en suspeitasse que entre aqueles que se opuscram aos direitos
em um ponto: a manutenço da escravido. Direitos para mulatos, hoje?
dos homens de cor houvesse algum que odiasse a liberdade e a Consti¬
Significava direitos para os escravos amanha. Eles combateram a questo do
tuiço, eu acreditaria que eles estariam simplemente buscando caminos
mulato como se fosse o posto avançado do seu precioso grupo de escravos. e meios para atacar com sucesso os vossos decretos e os vossos principios.
A burguesia francesa entendu o ponto de vista deles e, calando os Amigos
Sempre que é levantada uma questo en que os interesses da metropole
dos Negros na Camara, intimidou o centro e manteve o status quo colonial. so de imediato concernentes, eles nos dizen: vos defendeis sem cessar
Mais uma vez, as massas parisienses romperam a frente de reacio e levaram os Direitos do Homer, mas acreditais neles to pouco que santificastes
a Revolucio adiante. a escravido constitucionalmente (houve murmurios na Assembleia. O
A grande burguesia havia quase acabado com a Revolucio. A Constituiçio supremo interesse da nacio e das colonias é em que continueis livres e em

que eles elaboraram dividia as massas em: ativa, aqueles que tinham uma quali¬ que no derrubeis com as proprias mos os fundamentos da liberdade.

ficaçamo de propriedade; e passiva, o pobre que havia lutado nas ruas. Os distritos, Pereçam as colonias interrupçones violentas se o preço for a vossa felici¬

associaces das massas, foram abolidos, e a Guarda Nacional burgucsa impôs dade, a vossa gloria e a vossa liberdade. Repito: que pereçam as colonias

um rigoroso policiamento a Paris. As massas foram acorrentadas e amordaçadas; se os seus habitantes desejarem, com ameaças, forçar nos a decretar o que

e sem as massas os democratas radicais eram meras vozes. é mais conveniente aos seus interesses. Declaro, em nome da Assembleia,
em nome daqueles membros desta Assembleia que no desejam derrubar a
Se o Rei e a Rainha fossem simples abstracées políticas e no seres
Constituiço, em nome de toda a nacao, a qual deseja a liberdade, que nos
de carne e osso, teriam vivido e morrido como monarcas constitucionais
nao sacrificaremos aos deputados coloniais a nacio, nem as colonias, nem
com um poder imenso. Mas eles consideravam todas as concesses mera¬
a humanidade inteita.
mente temporarias e planejaram sem cessar com as potencias estrangeiras
Foi magnifico, mas no era a abolicano. Era apenas a palavra escravido que
uma intervenço armada. O povo o sabia, como o povo sempre sabe
Robespierre objetava, nao a coisa em si. Todos concordaram em deixar aquilo
durante uma revolucio, e por volta do mes de abril de 1791 as massas
de lado, ainda que estivesse nas mentes de todos.
de Paris estavam mais uma vez na ofensiva. No dia 18 de abril, Luise
sua familia quiseram deixar Paris em direço a Saint-Cloud. Por duas Raimond, admitido na tribuna do Parlamento para falar por seu povo,
horas, uma grande multido recusou-se a deixar a carruagem passar, e a declarou cruamente que aos mulatos deveriam ser dados direitos para que se

familia real teve de retornar. Nesses dias turbulentos, chegaram as noticias unissem aos brancos com a finalidade de manter os escravos submissos.
do martirio de Ogé. Paris, fermentando, recebia essas noticias em furia
Hora apos hora, discurso e discusso, insulto e aplauso comprovaram
revolucionária. Logo, uma tragédia onde Ogé era representado como he¬ a magnitude de interesses que se presumia estarem em jogo e a profundi¬
roi seria encenada para casas cheias. Quando, no día 7 de abril, a questo dade das paixes desencadeadas. O debate durou quatro dias, com toda a
colonial chegou de novo ante a Camara, o padre Gregorio tomo a palavra Paris política tomando partido. Entre os espectadores, os representantes
e exigiu um adiamento de quatro días para preparar um debate. Moreau comerciais da burguesia maritima ocupavam um lugar especial. Escreviam
de Saint-Méry logo se opos, exigindo uma votaçao imediata à moda antiga.

Mas aquilo nao iria funcionar por muito tempo. A proposta pelo adiamento

foi aceita e uma data fixada. Por fim, a burguesia estava cara a cara com a
Robespierre nunca disse: “Pereçam as colonias antes que os nossos principios”. Era uma
questo colonial.
mentira típica da reacio, e durou até os nossos dias.

-
Os jacobinos negros Parlamento e propriedade

notas para os oradores, faziam gestos de discordancia ou de aprovacío e, trás um documento no qual repudiava a Constituiçio à qual ele havia jurado

por conta do seu prestigio e da experiencia que tinham nos negocios, exer¬ obedecer. O perjúrio da familia real ficava entano patente para todas as criaturas
ciam uma enorme influencia sobre os deputados desinformados e indecisos. na França, incluindo as massas que, advertidas por Marat, ficaram sabendo que

Mas todos os corpos populares, os jacobinos, os Amigos da Constituiço, isso estava para acontecer e fizeram o possivel para evitálo. A burguesia estava

etc., detestavam o Clube Massiac e sua vergonhosa propaganda a favor farta das massas se intrometendo na política è, quando o Rei fugiu, ela estava

da escravido; as bases políticas estavam entusiasticamente a favor dos muito mais preocupada com Paris do que como traicoeiro monarca. Nessa
mulatos: a defesa dos Direitos do Homem no exterior significava a defesa grande crise, Barnave surgiu como seu lider e como o seu representante mais

deles em casa. A força dos partidos estava bem equilibrada e a votaço das verdadero. Ele lembrou à Assembleia do que havia acontecido no 14 de julho (o
resoluces e emendas favorecia ora um lado, ora outro. Por fim, na manha dia em que a Revolucio rebentara e colocara esses senhores onde eles estavam).
do quarto dia, com os deputados esgotados e incapazes de chegar a uma A burguesia deve armarse, no contra o Rei, mas para colocar as massas no

decisio, Rebell levantou-se e propos um acordo. Todo mulato cujos pais seu devido lugar. Ele chamou os cidados às armas, ou seja, a Guarda Nacional

fossem ambos livres teria direito a voto. Havia apenas quatrocentos deles, burguesa. Sob a firme orientacio de Barnave, a Constituinte transferiu o poder
mas isso parecia ser uma saida. O acordo proposto foi levado adiante por executivo para si propria.

uma maioria esmagadora eos espectadores aplaudiram uma dura vitoria, Se o povo estivesse vigiando Luis, ele nunca teria escapado, e assim foi o
pequena em si, mas com implicaçes de longo alcance. Una vez que um povo que o pegou antes que cle pudesse fazer contato com os inimigos de seu
homem de cor obtivesse os seus direitos, a vitoria do resto seria apenas uma
país. Barnave foi mandado como um dos membros da Comissao que deveria
questo de trabalho e de tempo. levaro Rei de volta a Paris, e esse típico burgus ofereceu seus servicos à Rainha
na carruagem: a Paris revolucionária era o inimigo comum. No dia 22 de junho,
um deputado proferin a frase: «O Rei e a Familia Real foram sequestrados. A
O rico só está derrotado quando foge para salvar a pele. Sem experiencia em Constituinte preferia que o povo acreditasse que o Rei agira contra a sua propria
revoluces, a burguesia nao expurgara os escritorios ministeriais, onde os buro¬
vontade. Os radicais tentaram protestar. A Constituinte nao queria escutá los
cratas realistas ainda tinham assento e tramavam pela restauraco do poder real.
e acompanhou Barnave.
Os deputados coloniais escreveram para a Constituinte declarando a intençio
Mas existem épocas nas quais no se pode enganar o povo, e ele invadiu
de no assistir a quisquer outras sesses e conspiraram com os burocratas para
as ruas, día apos dia, exigindo que o Rei perjuro deveria sair. No 14 de ju¬
sabotar o decreto. Após muitas semanas, a Constituinte descobriu que, desde
ho, segundo aniversario da tomada da Bastilha, as massas se juntaram no
o dia em que o decreto fora promulgado, a maior parte da Comissao Colonial
Campo de Marte para apresentar uma peticio para a deposicio do Rei, e a
vinha se recusando a continuar com os traballos. Novos deputados, nomeados
Guarda Nacional burguesa, sob o comando de Lafayette, disparou contra elas.
para executar a deciso da Camara, relataram que eles no participariam de
uma Comisso cujo objetivo principal era o de se opor à deciso que eles es¬ Na presença do povo revolucionario, a reacio cerrou fileiras. Marat teve

que se refugiar. Danton fugiu para Londres. Barnave, os irmaos Lameths,


tavam encarregados de cumprir. O decreto mofou nos escritorios do ministro
Malouet e Vaublanc (estes dos últimos tentaram provar que os escravos
e na noite de 20 de junio a Revolucio teve um refluxo, o que proporcionou a
eram felizes) juntaram se aos Feuillants ou partido do Rei e dominaram a
oportunidade para Barnave e seus amigos.
Assembleia. Em agosto, chegaram cartas do Governador Blanchelande rela¬
Luis, depois de haver completado seus planos de invasio da França no tando em pormenores a violenta recepto do decreto de maio pelos habitantes
comando da contrarrevolucio europea, fugiu para Varennes, deixando para
da colonia. Blanchelande, que recebia instruges do Clube Massiac, ficou

Clube que se reunia no Convento dos Jacobinos, formado por revolucionarios que sustentaran
a Junta de Salvacao Pública e Robespierre. Foi dissolvido definitivamente em 1799. O termo Sociedade politica de constitucionais que se reunia em um convento da Ordem de Cister cujos
jacobinismo se refere a uma opinio democratica avançada, por oposicio ao liberalismo, mais religiosos eram confecidos como Feuillants. Entre seus membros, encontravam se Lafayette,
moderado. (N. do T.) André Chénier e Mirabeau. (N. do T.)
Os jacobinos negros Parlamento e propriedade

do lado deles e predisse as calamidades que deveriam se seguir se o pagaram caro, no país e no exterior. Era a questo colonial que desmorali¬
decreto fosse cumprido quando comunicado oficialmente: Barnave e seus zava a Constituinte. Jaurès, que era to fraco quanto aos eventos coloniais,
amigos estavam ainda tentando impedir o despacho. Um novo ministro mas to forte nas assembleias parlamentares, esboçou essa desmoralizaço
deu ordens estritas para que ele fosse enviado de una vez. Os funcionarios com a profunda percepcio de um grande parlamentar. Até ento, diz Jaurès,
da Camara Municipal foram persuadidos a desobedecer: por causa disso, a burguesia revolucionária tinha sido razoavelmente honesta. Se eles los

o decreto nunca chegou oficialmente a Sao Domingos; os comissarios que burgueses tivessem limitado os privilegios, ao menos teriam agido com
deveriam fazer com ele fosse cumprido nunca chegaram. Petites e protestos clareza. Mas, para evitar conceder aos mulatos os Direitos do Homem,
foram enviados de Sao Domingos. Petices (muitas delas, ficticias) chegaram tiveram de apelar a um recurso to baixo e a negociaçoes to escusas que

tambem das cidades maritimas. Com a Paris revolucionária intimidada e destruiriam a sua integridade revolucionária. Foi a consciencia pesada da

submetida do lado de fora, os democratas na Camara perderam a influencia. Constituinte sobre a questo colonial que a colocou à merce dos reacionarios

O centro estava sob a influencia dos Feuillants, e na última semana de exis¬ quando Luis fugiu. Sem dúvida nenhuma, se nao fosse pelos compromis¬
tencia da Constituinte, Barnave, que no frequentava a Comissio Colonial sos de Barnave e do seu partido sobre a questo colonial, a atitude geral da

desde a derrota do día 15 de maio, apareceu na tribuna e propos a revogaço Assembleia após a fuga para Varennes teria sido diferente. Mas no eram

do decreto de maio. os mulatos quem eles temiam, eram os escravos. A escravido corrompera a
sociedade de Sao Domingos e tinha entro corrompido a burguesia francesa
Esse regime, disse Barnave,"é absurdo, mas está establecido e uma pessoa
no primeiro entusiasmo e orgullo da sua herança politica.
no pode manipula-lo grossciramente sem desatar a maior das desordens. Esse
regime é opressivo, mas dá sustento a varios milhoes de franceses. Esse regime

é barbaro, mas um barbarismo ainda maior resultará se interferirmos nele sem


A reacio triunfou. Mas as etapas de uma revolucio no so decididas
o necessario confecimento.
nos parlamentos, so apenas ali registradas. Os radicais concentravam as

A hipocrisia burguesa é, nao raro, a mais verdadera das sabedorias, cum suas forças no Clube Jacobino, que conduziria a Revolucio à conclusio.
grande império e mentes honestas adecem juntos. Barnave era honesto, mas Barnave eos Lameths foram, durante muito tempo, oraculos do clube, mas
tolo. En vez de seguir o exemplo de seus amigos do outro lado do canal e de um dia depois do encerramento da Constituinte o clube os expulsou pelo
se atrever a dizer que a Constituinte estava retendo os direitos no interesse fato de terem tomado partido a favor de se privar os mulatos dos Direitos
dos proprios mulatos, ele, com cada palavra, exasperava a Constituinte e dava
do Homem. A ruptura, iminente desde o massacre no Campo de Marte,
munico aos inimigos em Paris e em Sao Domingos. Mas a Assembleia, na estava aberta.
defensiva contra a revolucio, rendeuse e em 24 de setembro revogou o de¬
creto de 15 de maio. Em 28 de setembro, outro decreto ordenou a partida de
novos comissarios para Sao Domingos, e no dia 29 a Constituinte deixaria Mas, enquanto isso, e os escravos? Eles ouviam falar da Revolucio e
de se reunir. conceberam na à sua propria imagem: os escravos brancos da França se
levantaram e mataram os seus senhores e, assim, passaram a gozar os fru¬

tos da terra. Isso era grossciramente impreciso, de fato, mas eles haviam
A questo colonial no era um dos interesses de menor importancia
apanhado o espírito da cosa. Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Antes
da Assembleia Constituinte. Longe de ser uma assembleia de teoricos e do final do ano de 1789, houve levantes em Guadalupe e na Martinica. Já
visionarios como os conservadores gostam de retratá los, os representantes em outubro, em Forte Dauphin, um dos futuros centros da insurreico de
politicos da burguesia eram sensatos homens de negocio; sensatos demais, So Domingos, os escravos estavam se agitando e realizando reunies de
pois no tinham preconceitos de cor. Tinham uma profunda vergonha das
injustiças que estavam perpetuando, mas, estando a ponto de perder tanto,
deixaram se apavorar pelos deputados coloniais. Devido a essa covardia,
JAURES, Histoire socialiste. II. p. 256.

A
Os jacobinos negros Parlamento e propriedade

massas nas florestas durante a noite. Na Provincia do Sul, observando a luta obedecer aos seus comandantes e ao Governador, e uniram se ao Partido

entre os seus senhores a favor e contra a Revolucio, eles mostraram sinais Patriota. Os soldados de De Mauduit, ainda leais, sob o fogo cruzado da

de inquietacio. Em algumas fazendas isoladas houve movimentos. Todos populacio e dos recem-chegados da França, foram apanhados no ardor
sangrentamente reprimidos. Literatura revolucionária circulava entre eles. revolucionario. Voltandose contra De Mauduit, cles o assassinaram e

Mas os habitantes da colonia estavam, eles proprios, dando um exemplo mutilaram seu corpo, sem Ihe poupar nenhuma indignidade. Hostis como
melhor do que o de todos os panfletos revolucionarios que chegavam à os brancos pobres e os patriotas eram en relacio aos mulatos ricos, no

colonia. De Wimpffen perguntouches se no tinham medo de travar per¬ desprezavam a aliança com os mulatos patriotas. Uma mulata que segurou

pétuas discusses sobre liberdade e igualdade diante dos escravos. Mas a os pés de De Mauduit para que a cabeça dele pudesse ser mais facilmente

sua propria disposicio era violenta demais para ser contida. A facilidade cortada foi recompensada com a direco do hospital. Rigaud, um lider

que tinham en recorrer às armas, linchar, assassinar e mutilar os mulatos dos mulatos que fora feito prisioneiro por De Mauduit, foi libertado pela
eos inimigos politicos estava mostrando aos escravos como se adquiria e se populatio. Uma nova municipalidade assumiu as fungoes do Governo, e
perdia a liberdade e a igualdade. um desertor maltés, cujo nome era Pralotto, assumiu o comando da arti¬

haria. As freguesias da Provincia Ocidental aceitaram o novo Governo e


Nenhum dos homens que deveriam liderar seus irmos para a liberdade
De Blanchelande, o Governador, fugiu para Le Cap, onde os comerciantes
estava em atividade nesse momento, até onde sabemos. Dessalines, já com
e advogados o tomaram como um potencial prisionero.
quarenta anos, servia como escravo para o seu senhor negro. Christophe ou¬

via as conversas no hotel onde trabalhava mas no tinha ideas construtivas.


Tudo isso ocorreu em março de 1791, porem algo mais havia acontecido.

Toussaint lia sozinho seu Raynal: Um chefe corajoso e tudo o que é preciso”. Os soldados franceses, a desembarcar em Porto Principe, deram o abraço

Ele diria mais tarde que, desde a época en que os problemas surgiram, sentiase fraternal a todos os mulatos c negros, dizendoles que a Assembleia na

destinado às grandes cosas. Exatamente o que, todavia, ele no sabia: ese e seus França declarara que todos os homens eram livres e iguais. Em varias partes

irmos escravos apenas assistiam aos seus senhores destruido se a si proprios, perto de Porto Principe os negros estavam se armando e rebelandose. De um
da mesma forma que os africanos assistiram, de 1914 a 1918, e assistirá nova¬ golpe, apareceram com tamanha força e determinacao que foram necessarios
mente, sem ter de esperar muito. o maréchaussée e todos os proprietarios nas vizinhanças para suprimi-los. Os

proprietarios coloniais tinham de atirar e de ir à carga, e os escravos no se


renderiam até que os seus líderes estivessem caídos. Uma dúzia foi enforca¬
Mas a Sao Domingos branca nao estava pensando nos escravos em 1791, da. O enforcamento teria resolvido tudo, eo marqués de Caradeu, um rico
nem sequer pensava muito nos mulatos, exceto quando era para linchar fazendeiro, comandante da Guarda Nacional de Porto Principe, conquistou
e para roubar. A fraqueza do Governo desencadeou a rivalidade entre os
a admiracio dos seus companheiros, proprietarios de escravos, devido ao seu
brancos ricos e pobres e, em torno das palavras de ordem de liberdade e vigore à engenhosidade como propagandista do enforcamento: “Se houver
igualdade, cocardas brancas e vermelhas lutavam pela supremacia com a
algum problema em matalos, tudo o que temos a fazer é chamar Caradeu,
violencia peculiar dos proprietarios de escravos eo temperamento inflamado
que já fez cinquenta cabeças rolarem na Fazenda Aubry () e para que todos
dos tropicos. Em março, dois regimentos de soldados eram aguardados em
soubessem disso espetou-as em chuços a longo das cercas da sua fazenda,
So Domingos para ajudar o Governador a manter os patriotas em ordem.
ao modo das palmeiras. Para homens como aqueles, as noticias do Decreto
Os habitantes de Porto Principe preparavam se meticulosamente para
de Maio dando direitos a quatrocentos mulatos era um perigoso sintoma e
conquista los do Governo realista. Abriram os cafés para eles, saudaram nos
uma afronta inenarrável. Linchavamos mulatos, pisotavam a bandera fran¬
com musica e danças e farta comida e bebida, dizendoles que o Governo
cesa, abjuravam a França e no podiam sequer mencionar a palavra França
era a contrarrevolucao, como de fato o era. Os soldados se recusaram a
ou franceses sem praguejar e amaldiçoar. A nova Assemblera, que deveria

substituir a dissolvida Assembleia de Sao Marcos, reuniuse em Léogane


13 Escrito, lembremos, en 1938. (N. da E.)
no começo de agosto e passou uma série de resoluces designadas para
A Segunda Grande Guerra começou em 1939. (N. do T.)
Os jacobinos negros

assegurar a independencia. Para ficar mais perto do centro dos acontecimentos,


os membros decidiram transferirse para Le Cap, onde estava o Governador.
AS MASSAS DE SAO DOMINGOS COMECAM
Mas alguns dos deputados nunca chegariam lá, sendo assassinados no camino

por negros rebelados do Norte. Esses, por sorte sua, nao tinham deputados em
Paris escutando promessas de parlamentares e enfraquecendo a sua vontade.
Negligenciados e ignorados pelos políticos de todas as marcas e generos, eles

se organizaram à sua propria manera e lutaram pela liberdade, finalmente.

El E. Bombal Heu! Heu!

Canga, bafio té!


Canga, moune de lé!
Canga, do ki la
Canga, do ki la!
Canga, li!

Os escravos trabalhavam na terrae, como os camponeses revolucioná¬


rios de qualquer lugar, desejavam o exterminio de seus opressores. Mas

trabalando e vivendo juntos em grupos de centenas nos enormes engenhos

de açucar que cobriam a Planicie do Norte, eles estavam mais próximos de

um proletariado moderno do que qualquer outro grupo de trabaladores

daquella época, e o levante foi, por essa razo, um movimento de massas

interamente preparado e organizado. Pela dura experiencia, aprenderam


que esforços isolados estavam condenados a fracasso, e nos primeiros meses

de 1791, dentro e nos arredores de Le Cap, eles estavam se organizando


para a revolucio. O vodu era o meio da conspiracio. Apesar de todas as
proibices, os escravos viajavam quilómetros para cantar, dançar, praticar
os seus ritos e conversar; e ento, desde a Revolucio, escutar as novidades

politicas e traçar os seus planos

Boukman, um papaloi ou alto sacerdote, um negro gigantesco, era

o lider. Como capataz de uma fazenda, acompanhava a situacio politica

tanto entre os brancos como entre os mulatos. Por volta do final de julho
de 1791, os negros de Le Cap e arredores estavam prontos e aguardando.

Palavra de origem duvidosa, provavelmente daomeana, que designaria as boas cas maleficas
dividades. O vodu é um sincretismo religioso similar ao candomblé no Brasil. (N. do T.)
Alto-sacerdote: cargo equivalente ao de bispo na greja catolica. A grande sacerdotisa é
denominada mamaloi. O sacerdote que conduz o culto é o bougan enquanto a sacerdotisa

é confecida por mambo. (N. do T.)


Os jacobinos negros
As massas de Sao Domingos começam

O plano foi concebido en escala massiva e eles visavam ao exterminio dos oraço proferida em créole, que, como tantas cosas faladas en tais ocasiones,
brancos e à tomada da colonia para si. Havia talvez doze mil escravos em permanecen: “O deus que criou o sol que nos dá a luz, que levanta as ondas
Le Cap, seis mil dos quais eram homens. Uma noite, nos suburbios e nos e governa as tempestades, embora escondido nas nuvens, observa-nos. Ele vé
arrabaldes de Le Cap, os escravos estavam prontos para atear fogo às plan¬
tudo o que o branco ve. O deus do branco o inspira a crime, mas o nosso
taçones. Ao avistarem o logo, os escravos da cidade massacrariam os brancos, deus nos pede para realizamos boas obras. O nosso deus, que é bom para
eos escravos da Planicie do Norte completariam a destruicio. Eles haviam conosco, ordena-nos que nos vinguemos das afrontas sofridas por nos. Ele
percorrido um longo camino desde o esquema dos envenenamentos em dirigirá nossos braços e nos ajudará. Deitai fora o simbolo do deus dos brancos
massa de Mackandal. que tantas vezes nos fez chorar, e escutai a voz da liberdade, que fala para os

O plano no foi interamente bem sucedido. Mas quase. O alcance e coraçones de todos nos”.

a organizaço dessa revolta mostram que Boukman foi o primeiro daquela O simbolo do deus dos brancos era a cruz, que, como católicos, eles pen¬
linhagen de grandes lideres que os escravos deveriam lançar en tal profusio duravam no pescoco.
e rapidez durante os anos que se seguiriam. Que to ampla conspiraço no
Naquela mesma noite, começaram a agir. Os escravos de Galliset eram
fosse descoberta até que tivesse estourado é um testemunho da solidariedade
to bem tratados que a frase "feliz como os negros de Galliset tornouse
dos escravos. No começo de agosto, os escravos em Limbé, que seria dai até
um proverbio escravo. Contudo, devido a um fenómeno observado en todas
o final da revolucio um dos centros da tormenta, levantaram se prematura¬ as revoluces, foram eles que mostraram o camino atté ela. Cada um dos
mente e foram esmagados. Essa revolta de Limbé mostro que era perigoso
grupos de trabalho de escravos matou seus respectivos senhores e queimou as
demorar. Très dias depois, representantes das freguesias de toda a Planicie
fazendas até as cinzas. As precauces que De Blanchelande tomara salvaram
reuniram se para fixar a data. Deputados, a camino de Le Cap para a
Le Cap; mas os preparativos, por outro lado, tinham sido to minuciosos e
primeira sessio na Assembleia Colonial, a começar no día 25 de agosto, to completos que, em poucos dias, metade da famosa Planicie do Norte seria
encontraram um bando de escravos na estrada que os ofenderam e até mesmo
uma ruina fumegante. Visto de Le Cap, todo o horizonte era una muralla
os agrediam. No dia 21 de agosto, foram feitos alguns prisioneros e De
de chamas; dessa muralla, subiam continuamente grossas colunas de fumo,
Blanchelande, o Governador, interrogou-os pessoalmente no dia seguinte.
através da qual linguas de fogo saltavam para o proprio cu. Por aproxima¬
No obteve muito deles, mas entendeu, vagamente, que estava para haver
damente très semanas, o povo de Le Cap mal podia distinguir o dia da noite,
algum tipo de levante. Tomou precauces para proteger a cidade dos seus enquanto uma chuva flamejante de palhas de cana, levadas pelo vento como
escravos e ordenou que patrulhas cobrissem os arrabaldes. Mas esses bran¬
flocos de neve, voava sobre a cidade e sobre os navios no porto, ameaçando
cos menosprezavam demais os escravos para acreditar que fossem capazes a ambos com a destruicio.
de organizar um movimento em larga escala. No conseguiram obter dos
Os escrayos destruíam sem cansar. Como os camponeses na aqueria
prisioneiros os nomes dos líderes; e que tipo de precauces eles poderiam
ou os destruidores Ludditas, buscavam a salvaço da maneira mais obvia:
tomar contra os milares de escravos em centenas de plantages? Parte da
rale branca em Le Cap, sempre pronta para pilhar e saquear, foi denunciada pela destruicio daquilo que causara o seu sofrimento; e se destruíam muito

como estando ligada a algum tipo de trama. De Blanchelande estava mais


interessado nesses do que nos negros.
Fenomeno linguistico que ocorre nas colonias, geralmente com uma lingua de origem europeia
Na noite do día 22, uma tormenta tropical eclodiu, com relámpagos e outra de origem africana formando uma tercera. O mesmo que crioulo. (N. do T.)
Insurreico camponesa ocorrida no decorrer da guerra dos Cem Anos (em 1358) na Fran¬
e rajadas de vento e pesadas torrentes de chuva. Carregando tochas para
ca, contra os nobres e homens de armas franceses, ingleses e de Navarra, devido à miséria
iluminar o camino, os lideres da revolta se reuniram em uma clareira provocada pela invasio inglesa durante o cativeiro do rei Joo. Jacques é o epiteto do aldeo
na floresta densa de Morne Rouge, uma montanha acima de Le Cap. Lá, francés. (N. do T.)
Movimento contra a mecanizacio da industria textil na Inglaterra no inicio do séc. XIX,
Boukman deu as últimas instruces e, apos fazer uns encantamentos de vodu
que propunha a destruicio das maquinas, as quais estavam custando varios empregos. O
e beber o sangue de um porco imolado, estimulou seus seguidores com uma termo deriva do nome de Ned Ludd, personagem legendario. (N. do T.)
Os jacobinos negros As massas de Sao Domingos começam

era porque muito haviam sofrido. Eles sabiam que enquanto essas fazendas seu capata negro a escrevere a ler, tornara-o livre, deixara-he de herança dez
permanecessem de pé o seu destino seria trabalhar nelas ate o esgotamento. mil francos e deu à sua mae uma porço de terra na qual ela poderia fazer uma
A única coisa a fazer era destrui-las. De seus senhores, eles haviam recebido
plantacio de café. Mas esse negro levantou os escravos da fazenda de seu senhor
a violaceo, a torturae, à menor provocaçao, a morte. Pagaram na mesma e os da de sua propria mae, ateando fogo a elas, e foi juntarse à revolucio, o
moeda. Por dois séculos, a civilizatio mais evoluida mostrou-hes que o que acabo por le valer um alto comando.
poder era usado para descarregar a sua vontade sobre aqueles que controla¬
Os mulatos odiavam os escravos negros: primeiro, porque eram escra¬
va. Agora que detinham o poder, fizeram como haviam sido ensinados. No
vos, e segundo, porque eram negros. Mas quando viram que de fato os
frenesi do primeiro encontro, mataram todos, no obstante poupassem os escravos estavam entrando em acio em to larga escala, contingentes de
padres a quem temiam e os médicos que tinham sido bondosos com eles.
jovens mulatos de Le Cap e arrabaldes se apressaram a unirse aos até ento
Eles, cujas mulieres foram submetidas a incontáveis violages, violaram
desprezados negros e lutar contra o inimigo comum.
todas as mulieres que les caíram nas más, frequentemente sobre os corpos
Tiveram sorte, pois as tropas em Le Cap eram pequenas e De Blanchelande,
ensanguentados dos seus maridos, pais e irmaos. Vingança. Vingança
temeroso dos escravos e da rale branca da cidade, preferiu agir na defensiva.
era o grito de guerra, e um deles carregava uma criança branca espetada em
Um ataque foi feito pelas tropas regulares que repeliam os escrayos: mas De
uma lança como estandarte.
Blanchelande, rendendo se aos temores despertados nacidade, chamou de volta
E, no entanto, foram surprendentemente moderados, ento e depois, o destacamento. Isso deixou a revolucio senhora da zona rural. Adquirindo co¬
muito mais humanos do que os scus senhores foram où jamais seriam para
ragem, os negros expandiram a destruicio para a Planicie. Se tivessem o mínimo
com eles. Contudo no manteriam esse espirito de vingança por muito
interesse material nas fazendas, no teriam destruido to desordenadamente.
tempo. As cruezas da propriedade e do privilégio so sempre mais ferozes
Mas no tinham. Apos algunas semanas, pararam por um momento para se
do que as vinganças da pobreza e da opressio. Pois as primeiras visam
organizar. Foi nesse período, um mes apos a revolta ter começado, que Toussaint
perpetuar uma injustiça ressentida, enquanto para as outras é uma paixo
Bréda juntourse a eles e fez uma entrada discreta na Historia.
momentanea logo aplacada. Conforme a revolucio ia ganhando terreno.
-
eles poupavam muitos dos homens, mulieres e crianças que surprendiam

nas fazendas. Apenas em relacio aos prisioneiros de guerra no tinham Parece certo que ele estivera em contato secreto com os dirigentes, mas,
clemencia. Arrancavam les a carne com torqueses em brasa, queimavam assim como muitos homens de melior educacao do que os das bases, ele care¬
nos em fogo brando e chegaram a serrar ao meio um carpinteiro entre duas cia da audacia que eles tinham no momento da acao e esperou para ver como
de suas pranchas. No obstante, em todos os registros daquela época nao
as cosas iriam ficar. Enquanto isso, como detestava a destruido, manteve os
havia um unico exemplo de torturas to demoníacas como enterrar homens escrayos de seu senhor em ordem e impediu os trabaladores revolucionarios
brancos ate o pescoco e melar as cavidades de sua face para atrair insetos, ou de atearem fogo à fazenda. Enquanto todos os outros brancos da vizinhança
explodi-los com polvora, ou qualquer das mil e uma bestialidades as quais
corriam para Le Cap, a senhora Bayou de Libertas permanecia na fazenda,
eles foram submetidos. Comparado como que os seus senhores haviam feito
protegida por Toussaint. O proprio Bayou de Libertas estava em um acampa¬
a eles a sangue-frio, o que faziam era insignificante, e foram estimulados pela mento de fazendeiros no muito longe dali, de guarda contra os escravos, mas
ferocidade com a qual os brancos de Le Cap tratavan todos os prisioneros ia todos os dias até a fazenda. Toussaint, ento como sempre senhor de si e de
escravos que les caíam nas más.
todos aqueles que estavam perto dele, manteria a sua insustentavel situacio por
Como de costume, a forçado movimento de massas arrastava em sua vigilia mais de um mes. Contudo, assim que a insurreico crescet, preocupado pelo
revolucionaria secones interas daquelas classes que se estavam mais próximas. Os esforço de proteger a propriedade, seu senhor e senhora, e percebendo que a
senhora De Libertas no corria perigo, decidiu que a velha vida estava acabada
negros livres se juntaram a ela. Um fazendeiro de Porto Magot havia ensinado
e uma nova começava. Avisou a senhora De Libertas que havia chegado a hora
Esta afirmaço soi criticada. Eu a mantenho. (C. I. R. J.) de ir para Le Cap; colocou-a em uma carruagem apinada de cosas de valor
Os jacobinos negros As massas de Sao Domingos começam

que pertenciam a ela e enviou-a sob os cuidados do irmo dele, Paul. Toussaint
Seu intelecto magnífico teve todavía certas oportunidades para cultivar a
enviou a propria esposa e os dois filhos da casa para un lugar seguro na Sao si mesmo nos afazeres gerais, tanto em casa como fora: desde o comeco ele
Domingos espanhola. Ento, vagarosamente, posse a camino do acampa¬ manobrou com uma segurança sobrenatural entre os partidos locis de Sao
mento de escravos revoltados.
Domingos e entre as forças internacionais em acio.

Uma cosa importante para o seu futuro foi a sua retido de caráter.

Desde a infancia, provavelmente, nunca havia sido chicoteado como ocorria


O homen que to deliberadamente decidira se juntar à revolucio tinha
45 anos, uma idade avançada para aquela época, já grisalho, e confecido de a muitos escravos. Ele proprio nos conta que ele e sua esposa estavam entre

os poucos afortunados que tinham adquirido modestos recursos materiais


todos como o velho Toussaint. Do caos de Sao Domingos, que existia ento e
e iam de mos dadas e muito felizes trabalar no pequeno pedaço de terra
perduraria pelos anos que se seguiram, ele deitaria as fundaces de um Estado
que alguns dos escravos cultivavam para si. Ao lado desse confecimento e
negro que dura até os dias de hoje. Desde o momento en que se juntou à revo¬
dessa experiencia, através da força natural de caráter, adquiriu um formidável
lucao, ele foi o seu lider e caminhou sem nenhuma rivalidade séria em direçio
dominio sobre si mesmo, tanto sobre o corpo como sobre a mente. Quan¬
ao primeiro posto. Já establecemos claramente as vastas forças impessoais em
do menino, era to frágil e delicado que seus pais no esperavam que ele
operaçio na crise de Sao Domingos. Mas homens fazem a Historia, e Toussaint
vivesse e recebeu a alcuna de “Varetina”. Desde criança, esteve decidido
lez a história que fez porque era o homem que era.
a adquirir no apenas confecimento, mas um corpo forte, e fortaleceu a si
Ele havia tido oportunidades excepcionais, e tanto em mente como em proprio por meio dos mais severos exercicios, de modo que quando chegou
corpo estava muito além do escravo médio. Embora a escravido embote o aos doze años superava todos os meninos da sua idade na fazenda em feitos
intelecto e degrade o caráter do escravo, no havia nada daquela estupidez e
atléticos. Podia atravesar a nado um rio perigoso, montar em um cavalo
degradaço em Toussaint. a todo galope e fazer tudo o que quisesse com ele. Quando já contava com

O posto de administrador de cabeças de gado dera-he experiencia em aproximadamente sessenta anos, continuava a ser o melhor cavaleiro em

administracao, autoridade e contato com aqueles que tocavam a fazenda. So Domingos; habitualmente cavalgava duzentos quilómetros por dia, e
Homens que, por pura habilidade e caráter, se encontram ocupando postos montava seu cavalo com tanta graça e naturalidade que ficou contecido

normalmente reservados a pessoas de criacao, educacao e classe diferentes como o centauro das savanas.
normalmente realizam suas tareas com cuidado excepcional e trabalho Quando jovem, costumava sair à procura de mulheres. Ento, decidiu se
devotado. Alem dessa educacao prática, ele tinha, como vimos, sido capaz
establecer. Recusandose a viver em concubinato, o que era predominante
de ler um pouco. Leu os Comentarios de César, o que le deu uma certa
entre todas as classes de Sao Domingos, mais particularmente entre os es¬
idea de política, de arte militar e da conexo entre ambas. Tendo lido e cravos, casou se com uma muler que já possuía um filho. Ela teve um filho
relido o vasto volume do Padre Raynal nas Indias Ocidentais e Orientais, de Toussaint, juntos viveram em muita harmonia e amigade, tanto quando
ele adquirira uma base completa em economia e politica, nao apenas sobre ele foi senhor de toda a Sao Domingos como nos dias en que era um simples
So Domingos, mas sobre todo o grande império europeu que estava me¬ escravo. Devido à vida que tantos levavam na colonia, devido à reputacio
tido na expansio colonial e no comercio. Finalmente, ele havia adquirido que ele tinha entre os negros e is oportunidades que a sua posicio oferecia,
a excepcional experiencia que foi a dos últimos très anos da revolucio em tal comportamento era atípico para um homem que havia começado a vida
So Domingos. A fazenda ficava a apenas très quilómetros de Le Cap, e suas
como Toussaint e que, nos dias de sua grandeza, era afeicoado à compania
tareas o levavam frequentemente à cidade. As massas do povo aprendem de mulheres atraentes.

muito durante uma revolucio, mais ainda um homem como Toussaint.


Desde a infancia ele fora taciturno, o que o distinguia dos seus con¬
terraneos, um povo falador e que gostava de discutir. Era muito pequeno,
Commentarii de Bello Gallico, de autoria de Julio César, sobre a campanha dos romanos feio e de formas grosseiras, mas, embora sua expresso geral fosse de be¬
contra os gauleses. (N. do T.)
nevolencia, tinha olhos de aço e ninguém jamais ria em sua presença. Sua
Os jacobinos negros As massas de Sao Domingos começam

relativa cultura, o sucesso na vida, o caráter e a personalidade deram-The Contudo, apesar desses absurdos que serviam ao propósito de impressio¬
um enorme prestigio entre todos os negros que o confeciam, e ja era um
nar os seus inferiores, como os arreios, as dragonas de ouro e as variegadas
homem de certa importancia entre os escravos muito antes da revolucio. ordens da realeza do século XX, Jean François e Biassou eram homens
Ciente de sua superioridade, nunca teve a menor dúvida de que seu destino nascidos para comandar. Nada menos que uma disciplina de ferro teria
seria lidera-los; nem aqueles com quem travou contato demoravam muito
mantido a ordem no meio daquel corpo heterogeneo de homens recem¬
em reconnecer esse fato.
libertos da escravido, e Bassou e Jean François impuseram na com mos
de ferro. Jeannot era um monstro cruel que costumava beber o sangue das

suas vitimas brancas e cometer crueldades abominaveis. Jean François o


No se poderia imaginar nada de mais calculado para revoltar sua mente
prenden, julgou e fuzilou: umma diferença visivel entre o comportamento
organizada do que o espetáculo apresentado pelo campo dos escravos. Muitos
dos fazendeiros brancos no caso de Le Jeune. Jean François logo percebeu
homens ficavam interamente nus; outros vestiam trapos imundos feitos de
que teria pela frente uma longa guerra e ordenou o plantio de provisées.
retalhos de seda e cetim saqueados nas fazendas. Suas armas eram mas pou¬
Assim, desde cedo, os líderes dos escravos estavam mostrando um sentido
cas pistolas e rifles que eles tinham confiscado, velhas espadas enferrujadas,
de ordem, disciplina e capacidade de governar.
implementos agricolas, lanças com pontas de ferro, peças de aro de metal;
na verdade, qualquer coisa en que pudessem deitar as mos. No tinham Muitos emissarios da contrarrevolucio realista conseguiram aproximar¬
munico e a cavalaria montava cavalos velhos e mulas abatidas pelo cansado. se dos escravos. Os padres, em grande número, permaneceram entre eles.
Estavam divididos em dois grandes grupos: um comandado por Biassou Mas mesmo os mulatos fracassaram em expulsar esses lideres negros, e Jean

e outro por Jean François, enquanto um tercero lider era Jeannot. Jean
François e Bassou, que estavam no comando desde o começo da revolucio,
François era natural de Sao Domingos, de boa aparencia, muito inteligente e continuariam sensores de seus respectivos bandos ate o fim. Toussaint ingres¬
de um espírito orgulhoso que o fizera fugir de seus senhores e tornarse um
sou no bando de Bassou. Levando em conta o seu confecimento sobre ervas,
quilombola muito antes da revolucio. Alem de contar con una excepcional
Biassou designou-o médico do exercito do Rei, e desde o começo Toussaint
inteligencia, era muito corajoso, muito sensato e de uma tenacidade que no
esteve nos postos mais altos de sus conselhos.
admitia a derrota. Biassou era um brigo, sempre embrigado, sempre pronto
Quando as massas atingem o estadio revolucionario, necessitam, acima
para a mais violenta e mais perigosa façanha. Tambem tivera uma vida mais
fácil do que o comum, tendo pertencido a uma instituiçio religiosa, os Pais
de tudo, de uma directo clara e vigorosa. Mas o primeiro golpe falhoue Jean
François e Bassou, embora pudessem manter a ordem, no tinham a mais vaga
de Caridade, no muito longe de Le Cap. Jeannot era o escravo que havia
liderado a tola expedicio dos brancos de Sao Domingos nos primeiros dias idea do que fazer en seguida. De Blanchelande envioulhes uma intimaço

da revolucio, quando, trajando os seus uniformes militares, procuravam um exigindo que se rendessem. Eles se recusaram, mas em sua réplica chamavam a

inimigo contra quem treinar. si proprios de serventes de Deus c do Rei e ingenuamente convidaram os bran¬

Assim como os seus senhores brancos mais bem educados, os escravos se cos para pegar todas as suas posses e deixar a illa para aqueles que a haviam
banado como seu suor.
apressavam em se cobrir com todos os ornamentos e títulos da profissao militar.

Os oficiais se autodenominavam generais, coronis, marchais, comandantes, e Para esses lideres politicos desnorteados, Toussaint trouxe o confecimento
os líderes se condecoravam com pedaços de uniformes, fitas e ordenaces que superiore os vicios politicos que em geral o acompanham.
encontravam nas fazendas ou tomavam do inimigo morto em combate. Biassou
denominouse brigadeiro. O mesmo aconteceu com Jeannot. Mais tarde, Jean

François intitulouse (como o fazem os Governadores das colonias europeias Os escravos se revoltaram porque queriam ser livres. Mas nenhuma

até os dias de hoje) almirante, generalissimo e cavaleiro da Ordem de Sao Luis, classe dominante jamais admitiu tais cosas. O grupo dos cocardas brancas

enquanto Biassou, após um desentendimento com Jean François, assumiu o acusava os patriotas e os Amigos dos Negros de fomentar a revolta, enquanto
titulo de Vice-rei dos Territorios Conquistados.
os cocardas vermelhas acusavam os realistas e a contrarrevolucio na França.

A
Os jacobinos negros As massas de Sao Domingos começam

Os brancos pobres acusavam os mulatos e os massacravam assim que os um destacamento de mulatos cansados das perseguiçes e dos linchamentos
viam nas ruas. praticados pelos brancos pobres, que agora pontificavam como funcionarios
A Assembleia encarregou-se da colonia. Náo pediria ajuda à França, mas graduados nas municipalidades revolucionárias, saiu furtivamente de Porto

enviaria embaxadores aos britanicos na Jamaica, aos espanhois e aos Estados Principe e reuniuse em La Croix-des-Bouquets, um distrito que ficava apro¬

Unidos. Ela nao temia a revolucio. Tinha mais medo dos escravos em Le Cape ximadamente a oito quilómetros da capital. De todas as partes da Provincia

da ralé das cidades, sempre pronta para fomentar a anarquia pela oportunidade Ocidental, os mulatos começavam a enviar contingentes para la e com uma
do saque. Esses brancos pobres se recusavam a lutar a menos que les fossem educacao que, embora nao fosse to difundida entre eles quanto entre os

dados dois terços daquiso que encontrassem nas fazendas como despojos. Mas brancos, mas que era imensamente superior à dos negros meio selvagens,

a maioria dos mulatos, ansiosos a respeito de suas propriedades, apresentaram¬ encontraram de imediato uma liderança admiravel.

se como voluntarios para servir e ofereceram suas esposas e crianças como O mais famoso entre les era Rigaud, um mulato legitimo, ou seja, o
refens como prova de boafé. A Assembleia (que no sabia nada, até ento, da filho de um branco com uma negra. Tivera uma boa educacao em Bordéus e
reviravolta de 24 de setembro) prometeu nao apenas fazer cumprir o decreto de ali aprenden o oficio de ourives. Diferentemente de Toussaint, Jean François
15 de maio mas amplia-lo a todos os mulatos, fossem os seus pais livres ou nao. e Bassou, ja era um soldado treinado. Havia se alistado como voluntario no
Mas isso só poderia ser feito, dizia a Assembleia, após o decreto ter alcançado
exercito francés que lutara na guerra de independencia dos Estados Unidos,
a coloniae quando os problemas estivessem superados. tornou se um oficial no comissionado e tambem tinha servido em Guadalupe.
os fazendeiros manobravam para enganar os mulatos, mas contra os escra¬ Odiava os brancos, no apenas pelas humilhaçones que ele, um soldado culto e

vos eles confeciam apenas uma arma: o terror. Os negros tinham as palicadas viajado, tinha de sofrer, mas tambem porque eles tinham inveja do seu oficio

cobertas com as cabeças de suas vitimas brancas. A Assembleia Colonial espetava de ourives, que naqueles dias era um importante negocio.
as cabeças dos negros em chucos colocados em toda a extenso das estradas que Um tipo bastante diferente de homem era Beauvais, membro de una fa¬
conduziam a Le Cap. Quando Boukman foi morto (lutando corajosamente), a
milia de mulatos, livre havia muito tempo e rica. Ele tambem foi educado na
Assembleia espetou a cabeça dele em Le Cap com um carta: “Esta é a cabeça
França, serviu como voluntario nas Forças Armadas e lutou como oficial no
de Boukman, chese dos rebeldes. Os brancos construiram très patibulos em
comissionado na guerra americana de independencia. Ao voltar para casa, passou
Le Cap e quebravam de vinte a trinta negros na roda todos os dias. Com a sua
a ocupar um cargo de professor. No era apenas um homem de excepcional
habitual desconsideracio com os escravos, mesmo sendo estes propriedade,
bravura; alto, de bela aparencia e distinto, era confecido como um dos homens
eles massacravam todos aqueles que encontravam pela frente, até mesmo os
mais belos de Sao Domingos e, naquela época e naquel país de licenciosidade,
das fazendas que ainda nao haviam se revoltado. Os senhores denunciavam
destacava se pela severidade do seu modo de vida e pelo encanto das suas ma¬
os que os ajudavam a escapar. Os escravos se apresentavam aos seus senhores,
neiras. Seu proprio povo o amava e no seria difícil para os brancos (quando
procurando refugio da devastaço do campo, ou simplemente porque tinham
acuados esquecerem se da cor de Beauvais.
medo, ou ainda porque estavam cansados da revolucio, e acabavam sendo
Esses eramos dois soldados. O político era Pinchinat, que estudara bastante
mortos quando avistados. O resultado era que todos, tanto os timidos como
na França. Nos primeiros dias da revolucio, ele voltou para Sao Domingos para
os arrojados, logo entendiam que no havia esperança a nao ser por meio da
revolucio, e eles afluíam para se juntar às suas fileiras. Em poucas semanas, os liderar os mulatos. Em 1791, já com noventa anos, era um homem que gostava
insurgentes chegaram a aproximadamente cem mil. de se divertire de levar uma vida desregrada, mas que odiava os brancos com

todo o odio de um caráter perverso. Era um dos políticos mais acabados e bem
merecen a qualificaço de homem de génio, dada a ele por Pamphile de Lacroix.
Para ajudar os escravos e confundir os fazendeiros brancos, chegou a Que homem para redigir e fazer acordos, um outro lider mulato escreveria

noticia de uma revolta de mulatos na regio occidental. No começo de agosto, sobre ele, ele é único”.

LACROIX, Mémoires pour servir..., v. I, p. 91. Mémoires pour servir.... v. I. p. 183.

A
Os jacobinos negros As massas de Sao Domingos começam

Sob tais lideres, e treinados para a luta na maréchaussée, os mulatos eram entre os mulatos, a memoria de Ogé seria reabilitada, e esse conjunto apresen¬
uma força formidável. Por essa razo, a contrarrevolucio realista, na parte tado para a ratificaçao na Assembleia Nacional e para a aprovacío do Rei. O
ocidental, procurou fazer uso deles. lider dos brancos estendeu a máo em sinal de amizade.

Humus de Jumecourt, comandante do distrito de La Croix-des-Bouquets e Nos vos traemos, finalmente, palavras de paz; nao queremos mais bar¬

Cul-de-Sac, propos uma aliança garantindoles todos os direitos em troca de ganhar convosco, queremos apenas concordar com as vossas exigencias; viemos

apoio para a contrarrevolucao, ou, como ele chamaria isso, o Governo legitimo animados pelo espírito de justiça e de paz, para dar vos o auténtico recone¬

da illa. Pinchinat recusou, mas ofrecen, apesar disso, uma frente única con¬ cimento dos vossos direitos; para pedir vos que vejais nos cidados brancos

tra seus inimigos comuns: a Municipalidade de Porto Principe e a Assemblea apenas amigos e irmos, pois a colonia, em perigo, propoe-vos, implora vos

Provincial do Ocidente. De Jumecourt concordou, e os comandantes realistas que vos junteis a eles, para que, juntos, tragais pronta assistencia aos nossos

eos brancos ricos da parte occidental começaram a se juntar aos mulatos em La


problemas. Accitamos integralmente e sem nenhuma reserva o acordo que vos
nos propondes. Infelizmente, circunstancias infelizes, das quais sem divida
Croix-des-Bouquets. Havia alguns negros livres no alto comando dessa tropa,
estas conscientes, fizeram nos hesitar por um momento. Mas a nossa coragem
de modo que os negros desprezados estavam agora comandando os brancos.
quebro todos os obstáculos e impusemos silencio a todos os preconceitos
Os mulatos tambem incorporaram em suas forças um corpo de quilombolas,
mesquinhos, ao misero desejo de dominaco. Possa o dia em que a tocha da
alcunado de Os Suicos para imitar a guarda pessoal de Luis XVII. Cheios
razo nos iluminar a todos ser lembrado para sempre. Possa esse ser o dia do
de desdém por homens de core odiando-os mais ainda devido ao seu persis¬
esquecimento dos nossos erros, do perdio pelas feridas todas. Daqui para frente,
tente realismo, os patriotas atacaram La Croix-des-Bouquets. Eles sofferam
sejamos combatentes apenas pelo zelo do bem comum."
uma pesada derrota, tendo “Os Suicos lutado com grande bravura. Poucos
O preconceito mesquinho” e o misero desejo de dominado” eramos
dias mais tarde, os mulatos e os brancos dos distritos vizinhos se reuniram em
brancos pobres que se viam sendo empurrados para o segundo plano. Mas as
La Croix-des-Bouquets, onde os mulatos propuseram aos brancos o esboco de
um acordo com as suas reivindicaces de igualdade plena. A nona e última
noticias da revolucio de escravos no Norte tinham despertado todos aqueles
que possuiam escravos, e eles queriam paz.
clausula consistia de quatro palavras: “Caso contrario, guerra civil. Os brancos
aceitaram as exigencias imediatamente. Todas as quatorze freguesias da Provincia Ocidental aceitaramos termos,
e no dia 24 de outubro umma grande cerimonia de reconciliaco ocorreu em
Os patriotas de Sao Domingos sempre estiveram prontos para esquecero
Porto Principe. Os líderes dos brancos e os líderes dos mulatos marcharam
preconceito racial em troca de algo sólido. Após ter sido derrotado no campo
em Porto Principe de braços dados, com as suas tropas atrás de si recebidas
de batalha, Caradeu, o lider dos patriotas, ofereceu à Beauvais direitos para
por salvas de artilharia e gritos mutuos de Unidade e fidelidade. Na euforia
os mulatos em troca de um acordo de independencia sem a intervenço dos
geral, um capitáo da Guarda Nacional branca pulou sobre una carrera de
realistas”. Beauvais recusou. Nessa época, aproximadamente todos os fazen¬
canho e proclamou Caradeu comandante da Guarda Nacional da Provincia
deiros ricos haviam desertado dos patriotas, e mesmo os ricos mercadores de
Occidental. Houve um aplauso ruidoso que foi renovado quando ele nomeon
Porto Principe no tinham nada a tratar com eles. No día 19 de outubro, um
Beauvais o segundo em comando. Ento, todos foram para a igreja celebrar
acordo incorporando todas as exigencias dos mulatos foi assinado por todos os
comum Te Deum como estipulado no acordo. Restava ainda uma dificuldade:
partidos. A Assembleia Provincial do Ocidente seria dissolvida imediatamente; Os Suicos. O que deveria ser feito deles? Os brancos argumentavam que
os deputados brancos da Provincia Ocidental na Assembleia Colonial deveriam manda-los de volta para as fazendas seria ruim para os escravos e concordaram
ser chamados de volta; dois batalhoes da Guarda Nacional seriam recrutados em deportá los para uma praia deserta no México. Entre os lideres, Rigaud

10 A guarda pesso al dos monarcas franceses era formada por soldados recrutados na Suicae Citado de DESCHAMPS, Les Colonies pendant.... p. 257-8.
O capitáo do navio foi pago para isso, mas desembarcouros na Jamaica. O governador
contecida como Guardas Suicos. (N. do T.)
inglés de là, com muita raiva, embarcouros de volta. A Assembleia Colonial mando matar
SAINTOYANT, La Colonisation française pendant la Révolution (1789-1799), Paris, 1930,
a todos, com excecio de uns vinte, os quais enviou de volta para a parte ocidental da illa
v. I. p. 59.
a fim de induzir o preconceito nos negros contra os mulatos.

103
Os jacobinos negros As massas de Sao Domingos começam

c Pétion, mulatos, lutaram pelos “Suiços, Lambert, um negro livre, apoiou A parte ocidental era irredutivel na questo da unidade e repudion as
a deportacio. Com "Os Suicos fora do camino, a paz parecia assegurada, proclamaçes da Assembleia eo Governador. Mas, seis dias depois da ceri¬
os dircitos dos mulatos garantidos e a contrarrevolucio bem posicionada monia de reconciliacao, chegou à colonia o decreto de 24 de setembro, pelo
para agir. qual a Constituinte tinha retirado todos os direitos dos mulatos e mais uma
vez colocado o destino deles nas máos dos brancos. Preconceitos mesqui¬

nos, eo misero desejo de dominacao, levantaram as cabeças novamente


Mas, em Le Cap, a Assembleia espumava de raiva por causa dessas ocor¬ e as feridas mal curadas tornaram a se abrir. As intrigas de Barnave e Cia.
rencias na parte occidental. Os comandantes realistas das forças locis, M. de estavam chegando para ficar.
Rouvrai e M. de Touzard, pressionaram os patriotas do Norte para garantir os
O día 21 de novembro foi designado para a ratificacio do acordo. Porto
dircitos dos mulatos.
Principe estava dividida en quatro sesses para votar e très ja haviam votado
Mas, vos diricis, deveremos nos entregar às amcaças de una casta inferior em favor da ratificaçao. Isso, para os brancos pobres, significava a ruina, e
e dar-les direitos civis como recompensa pelos males que nos causaram? (.) Pralotto e seu bando esperavam a oportunidade de criarum motivo para rom¬

Algum dia, disse De Rouvrai, as risadas de desdem com as quais vos saudais per. Este veio na pesso de um negro livre, um membro das forças mulatas,
essas importantes verdades, que eu ouso dizervos, transformarse ao em lagri¬
que ou havia sido insultado ou talvez insultara alguns brancos. Ele foi ime¬
mas de sangue. (.) Na guerra de 1756, a Inglaterra tento tomar Cuba e lorde diatamente capturado e enforcado. Apesar da moderaço dos mulatos, a luta
Albermarle recebeu ordens para sitiar Havana. Ele desembarcou com dezoito
começou nas ruas. Os mulatos, tomados de surpresa, recuaram. Um incendio
mil homens, seis meses depois, tinha apenas mil e oitocentos. (.) espalhouse pela cidade, pelo qual foram responsabilizados. Pralotto e seus
Onde, pergunto, está o exercito capaz de cumprir o nosso propósito? (.) seguidores massacraram cidados brancos ricos, mulatos, homens, mulieres
Vos tendes mais alguém além dos mulatos? No. Ento, por que rejetais a ajuda e crianças e saquearam as riquezas do distrito abastado da cidade, enquanto
que les vos ofrecem?
as chamas se espalhavam para queimar dois terços de Porto Principe, cujas
Eu no acabei ainda, tenho outras verdades para dizer vos e devo conta¬ perdas foram estimadas en cinquenta milhones de francos.
las. A França, neste momento, tem seus olhos fixos em Sao Domingos. (.) Os mulatos tinham sido muito pacientes e tolerantes, mas agora pareciam
E impossivel que as reivindicaçes dos mulatos no sejam ouvidas na França: enlouquecidos. Pinchinat, o homem das proclamaçones, publicou um chamado
mesmo que sejam injustas, será bem recebidas. O decreto constitucional que
para a batalla:
vos acreditais ser irrevogável, que considerais como seu paladio, será, inevita¬
Corramos, meus amigos, para sitiar Porto Principe. Enfiemos nossas
velmente, modificado. ()
armas sangrentas, vingadoras do perjúrio e da perfidia, no peito desses
A Assembleia prometen conceder direitos aos mulatos, mas depois de os
monstros da Europa. Ha muito tempo, vimos servindo como vitimas para
problemas estarem superados. E verdade que havia uma revolta de escravos suas paixes e manobras insidiosas; há muito tempo e em demasia vimos
Mas os brancos ja haviam apelado para a França, e dar direitos aos mulatos,
gemendo sob a sua canga de ferro. Destruamos nossos tiranos, enterremo¬
que os sobrepujavam numericamente, seria entregar a colonia, civil e militar¬ nos com eles ate o menor vestigio da nossa degradatio, arranquemos pelas
mente, a esses novos ricos bastardos e aos seus aliados da contrarrevolucio. suas mais profundas raízes essas ervas daninhas do preconceito. Recrutemos
Os brancos podiam ver os resultados daquela aliança profana no Ocidente. alguns, persuadamos otros, prometamos, ameacemos, arrastemos no nosso
Tinham De Blanchelande, o Governador, em seu poder c despejavam a sua
rastro os decentes cidados brancos. Mas, acima de tudo, caros amigos:
ira sobre o acordo.
unio, coragem e rapidez, Trazei armas, bagagem, canhoes, munices de

guerra e provisées e vinde de uma vez juntar vos atrás de una mesma ban¬
deira. E ali que nos todos devemos perecer, ou tomar vingança por Deus,
Sinonimo de salvaguarda. O termo se refere à estátua de Palas em Troia, de cuja preser pela Natureza, pela lei e pela humanidade, por tanto tempo ultrajados nesse
vacío dependia a segurança da cidade. (N. do T.)
clima de horror.

104
Os jacobinos negros As massas de Sao Domingos começam

O irmo de Rigaud escreveu a seus amigos: “Corro para a vingança. (T.) no dia 29 de novembro de 1791. Eles foram bem recebidos pela Assembleia
se o meu destino no for morrer nessa expedicio, deverei voltar logo para me e acollidos com uma imponente cerimonia. Emitiram uma proclamacao

juntar a vos. (.) Vida longa para a liberdade, vida longa para a igualdade, vida anunciando enganosamente que estava para chegar um enorme contingente
longa para o amor. Os brancos ricos e os comandantes realistas seguiram os de tropas. Para a sua surpresa e alegria, foi como se esse ato pudesse produzir

mulatos, mas os irmaos Rigaud, Beauvais e Pinchinat (apesar do tratamento um milagre.


dado aos “Suicos) eram revolucionarios genuinos, que colocavam a liberdade Biassou, Jean François e os otros líderes negros, entre les Toussaint,
antes da propriedade. Num desirio de excitacio e furia, eles convocaram os
depois de quatro meses de insurreicao, chegaram a um beco sem saida. Uma
escravos da Provincia Occidentale os guiaram para a revolucio. No Norte avan¬
insurreico deve render vitorias, e os brancos estavam satisfeitos em assegurar
çado, os escravos estavam liderando os mulatos, no lado ocidental atrasado, os
a linha de fortificaces confecida como cordio do lado ocidental e evitar
mulatos estavam liderando os escravos. No é necessaria muita sabedoria para
que a insurreico penetrasse na Provincia Ocidental. Os antigos escravos
prever as consequencias.
poderiam devastar o campo em volta, mas aquela devastatio estava tornando
impossivel a sobrevivencia deles mesmos. A fome começou a eliminalos.

Assustados como que consideravam uma posicio sem esperança, e com


No Sul, brancos e mulatos estavam a ponto de fazer um pacto sobre o
medo de serem levados à submissio pela derrota, Jean François e Bassou
modelo do lado occidental. Todos os termos tinham sido acordados, quan¬ ofereceram paz aos comissarios em troca da liberdade de algumas centenas
do Caradeu fez uma visita ao Sul e realizou uma intriga to bem sucedida
de líderes. Jean François sabia que isso era una traicio. Falsos principios,
que o acordo de unidade foi rompido. Tao logo as noticias da ruptura em escreveu esse lider trabalhista con quatro meses de experiencia, fario des¬
Porto Principe chegaram até eles, os mulatos e os brancos, cada grupo por si,
ses escravos pessoas muito obstinadas; dirío que foram traídas. Mas, se os
tomaram as armas. Os mulatos tornaram se senhores de Jacmel e de outras
comissarios concedessem liberdade para aqueles, eles cooperariam com as
cidades. Em legitima defesa, os brancos do Sul, em menor número que os
tropas do Rei e caçariam os que recusassem a se submeter. Jean François sabia
mulatos, levantaramos escravos.
que os negocios seriam difíccis e perigosos e assim o disse; prova da paixo
No Norte, alguns proprietarios brancos e mulatos fizeram um acordo. A
pela liberdade que enchia os coraçones dos negros. Mas ele estava preparado
Assembleia o rejeitou e esses mulatos uniram se aos escravos.
para fazer tudo o que pudesse para ajudar, e para aliviar sua consciencia
descreveu deslealmente os seus seguidores como uma multido de negros
Os brancos cometiam atrocidades terriveis contra os mulatos. Mataram ma
mulher grávida, cortaram seu ventre, tiraram o bebe para fora e o deitaram às vindos da Africa que no confecia mais do que uma palavra en francés.

Na extensa e cruel lista de líderes que haviam traído as valentes, embora


chamas. Queimavam nos vivos, inoculavam nos com variola. Naturalmente,
os mulatos pagaram na mesma moedas. ignorantes, massas, ele estava no topo e Toussaint já estava envolvido nela

Mas ali, como en toda a parte, foram os colonos brancos quem ini¬ ate o pescoco.

ciaram essas atrocidades e excediam todos os seus rivais em barbarie, pelo Embora trabalando em uma posicio subalterna, teve uma participaço
tato de serem treinados em violencia e crueldade pela manera con que decisiva nas negociages, e a obra prima da correspondencia diplomatica

tratavam os escravos. que os emissarios dos escravos apresentaram à mesa da Assembleia revelou
a distancia que havia entre os homens que algumas semanas antes tinham

pedido aos brancos para deixar a ilha e a já completamente desenvolvida


Essa era a Sao Domingos onde os très comissarios, Saint-Leger, Mirbeck maturidade política de Toussaint. Até o fim dos seus dias, mal conseguiria
e Roume, teriam de restablecer a ordem, quando desembarcaram em Le Cap falar o frances; ele, literalmente, no poderia escrever mais do que uma pa¬

lavra sem os mais grosseiros erros de gramática e de ortografía. Anos depois,

Para um resumo bem documentado dessas atrocidades, ver SCHOELCHER, Vie de quando era senhor de Sao Domingos, escreveu para Dessalines: Je vous
Toussaint-Ouverture, cap. VI. a vé parlé pour le forli berté avan theire... Ele queria dizer: Je vous avais

106

A
Os jacobinos negros As massas de Sao Domingos começam

parlé du Fort Liberté avant-hier.... Nunca pode fazer melhor do que isso. Nesse hábil uso de conexo tanto moral como política entre a terra me e a
Mas ditava no frances bastardo da regio ou em créole, e seus secretarios colonia, ao acenar aos colonistas com a oportunidade de restaurar a antiga
escreviam e rescreviam até que ele encontrasse o exato significado daquilo prosperidade dessa grande e importante colonia; nessa firme, porem deli¬
que queria dizer. cada, insistencia a respeito dos direitos politicos, devidamente certificados

A carta começa por enfatizar que a proclamaço do Rei tinha aceitado


por lei, para o homem liberto, sua exuberancia sempre que tratava de cosas
que nada custam como a paz, a boa vontade etc., a carta poderia ter vindo
formalmente a Constituiçio francesa e muito clara e precisamente havia
da pena de um homen que tinha passado toda a sua vida na diplomacia.
pedido um espírito de justiça e moderaçio para ajudar a restaurar um
O redator, confecendo o temperamento dos colonistas, deu-se ao trabalho
país que tinha sofrido os repetidos choques de una grande revolucio. Esse
de até mesmo sugerir-les exatamente como os escravos estavam para ser
espírito conciliatorio deveria atravesar os mares. Passemos agora para a lei

relativa às colonias do dia 28 de setembro de 1791. Essa lei dá as colonias


enganados elevados de volta à escravida; nenhum imperialista dos dias

o direito de decidir sobre o status dos homens livres de core dos negros de hoje, com trezentos anos do tradicional engodo atrás de si, poderia ter
enfeitado suas presas com palavras mais belas: a restauracio do equili¬
livres. Toussaint e os otros traidores nao queriam apenas liberdade, mas
direitos politicos. Contudo, promessas no eram o bastante. Eles defende¬ brio rompido como una frase para a escravido no teria en vergonhado
a Comissio de Mandatos da Liga das Naçes. Jean François escrevera
riam as decisoes da Assembleia Colonial até a última gota de sangue, mas
que a cosa era difícil mas poderia ser feita, e que eles estavam nao apenas
essas decises deveriam ser revestidas das devidas formalidades. Seguia se
uma longa apologia pelos males que eles ajudaram a infligir nessa ricae
preparados, mas capacitados para fazer o seu trabalho de Judas. A carta
importante colonia. Mas no sabiam das novas leis quando escreveram a fornecia provas abundantes. A traicio política nao é monopolio da raça
primeira carta. Hoje, quando tomamos confecimento das novas leis; hoje, branca, e essa abominavel perfidia, logo apos as insurreices, mostraria que

quando no podemos duvidar da aprovacao da patria mae para todos os atos a liderança política é uma questo de programa, de estratégia e de tática,

legislativos que vos decretaris com referencia ao regime interno da colonia e no da cor daqueles que lideram, da unidade de origem com a sua gente,

e ao status de cidados, no nos mostraremos refratarios. Após outro longo nem dos servicos que hajam prestado.
apelo à Assembleia para aproveitar essa oportunidade de restablecer a ordem Os importantes e poderosos colonistas recusaram. Tratar com esses
imediatamente em uma colonia to importante, a carta tocava na difícil
bandidos que mataram, queimaram e mutilaram? Impossivel. Os comissarios
questo dos escravos. As leis que entrario em vigor a respeito do status de protestaram em vo. Os coloniais, totalmente confiantes de que arrastariam
pessos livres ou no devero ser as mesmas en toda a colonia." Isso era sem dificultades esses ces revoltados de volta aos seus canis, responderam
obviamente um dedo apontando para os acordos da Provincia Ocidental que garantiriam perdio apenas para os criminosos arrependidos que retor¬
Seria mesmo do vosso proprio interesse se dissesses, por meio de um de¬ nassem ao trabalho. A mensagem terminou com o lacónico pedido aos
creto referente à sanco do Governador, que é a vossa intençio vos ocupar
enviados: “Caiam foral". Os coloniais brancos no poderiam entender que
da sorte dos escravos, sabendo que so eles o objeto da vossa preocupacio.
Biassou no era mais un escravo, mas o lider de quarenta mil homens.
Visto que os escravos tinham confiança em seus chefs, se a Assembleia desse
Quando essa mensagem chegou até ele, perdeu a calma e lembrouse dos
a tarea de pacificacio a esses chefes, os escravos ficariam satisfeitos, o que
prisioneiros brancos. Vou faze-los pagar pela insolencia da Assembleia que
facilitaria a restauracio do equilibrio que hauia sido rompido”. A concluso ousu escrever me com to pouco respeito!", e ordenou que fossem mortos.
era um protesto de boa-fé e desejo de un rápido acordo. Liberdade para os
Toussaint, que sempre detestou o derramamento de sangue desnecessario,
lideres, todavia, era indispensável. A carta era assinada por Jean François
acalmou seu chefe.
e Bassou, dois outros e dois comissarios ad hoc, um dos quais era Toussaint.

16 Eu vos havia falado de Fort Liberté anteontem." (N. do T.)


LACROIX, Mémoires pour servir.... v. I. p. 148-52. Para a correspondencia integral ver Les Organizacio internacional criada apos a Primeira Grande Guerra e substituida pela Orga¬
Archives Nationales, XXV, 1. nizacio das Naçes Unidas en 1946. (N. do T.)

Os jacobinos negros As massas de Sao Domingos começam

Os comissarios desapontados organizaram uma entrevista com Jean pela propria força. Os revolucionarios mais extremistas so formados pelas
François. A Assembleia Colonial acusou-os de planejar a contrarrevolucio. Os circunstancias. E provável que, olhando para as hordas selvagens de negros
comissarios convidaram nos a enviar delegados. que o rodeavam, tenha se magoado demais diante da perspectiva de guerra e
de barbarie que deveria acompanhar a liberdade, ainda que tardia. Ele estava
No locale na hora determinados, Jean François aparecen, conduzindo seu
disposto a um grande esforço para chegar a um acordo com os coloniais.
cavalo pelas redeas. Ao ve-lo, o sr. Bullet, um colonial, ficou to dominado
Provavelmente esperava por una tentativa de um tratamento melhor. Mas
pelo odio, que deu nele com seu chicote de cavalo. Jean François, ferozmente
sendo levado a tomar essa decisio, como era seu jeito, no mais olhou para
enraivecido, voltou para o seu bando e a paz ficou pendurada por um fio.
trás. Na volta, disse aos seus chefes para no procuraremos comissarios para
Nesse momento perigoso, Saint-Leger teve a presença de espírito e a coragem
nada”. Eles tinham apenas a faculdade de intercedere seus poderes estavam
para avançar sozinho entre os negros hostis e falar-lhes gentilmente. Tao
subordinados aos da Assembleia. Biassou, que tinha reivindicado uma en¬
tocados ficaram com esse inesperado comportamento que Jean François se
trevista, esquivouse dela.
pôs aos pés dos homens da França. Ele reiterou sua promessa. Pela libera¬
Das por diante, sería guerra, e a guerra precisa de soldados treinados.
de de quatrocentos dos líderes e pelo perdio do passado, ele conduziria os
negros de volta à escravido. Os comissarios le pediram, como garantia de Toussaint abandona seu posto de médico dos exercitos do Rei e assume o

boafé, para devolver os prisioneiros. Ele concordoue pediu em troca sua es¬ titulo de general-brigadeiro, e ento começa a treinar o exercito. Apenas uma
posa, prisioneira em Le Cap, a quem os brancos no se atreveram a executar vez em sua vida política ele no conseguiu enfrentar uma emergencia com

por medo de represálias. A entrevista terminou amigavelmente, com Jean acao ousada e correta.
François assegurando aos comissarios que tinha ficado comovido por ver
-
ensim homens brancos que demonstravam humanidade.
Na Provincia Ocidental, Rigaud, Beauvais e Pinchinat estavam utili¬
No dia seguinte, enviou os prisioneros prometidos para Le Cap. Mas os
zando como agente nos campos de trabalho um jovem escravo chamado
negros ficaram provavelmente sabendo que havia algo no ar. Os prisionei¬
Hyacinth. Ele tinha 21 anos, mas ja de fazenda em fazenda alegando,
ros estavam sob uma forte escolta, incluindo Toussaint, que era quase que
como varios líderes das revoltas agricolas o fizeram, que era inspirado
suficiente para salvá los das hostilidades daqueles que encontrassem pelo
divinamente. Podemos julgar a ignorancia dos escravos do lado ocidental,
camino. Os membros da delegacio apresentaram se à mesa da Assembleia.
no começo da revolucio, a partir do fato de que tanto Hyacinth como
O presidente nem sequer queria falar-les e comunicourse apenas por meio
outros homens e Romaine, a profetisa, fortaleceram a sua autoridade com
de notas. Continuai dando provas do vosso arrependimento e dizei queles
atributos divinos, enquanto Jean François e Bassou no Norte, desde o
que vos mandaram para encaminar vos para os comissarios: y apenas pela
começo, almejavam uma revolucio social. Os negros afluiram ao exercito
sua intervenço que a Assembleia pode chegar a uma deciso sobre o vosso
confederado de mulatos e de brancos em La Croix-des-Bouquets, e no dia
destino. Ele esperava causar aos negros a impresso de que os comissarios
31 de março desenrolou-se a batalla entre os confederados eos patriotas de
estavam subordinados à Assembleia e teve sucesso. A Assembleia era to
Porto Principe. Os escravos eram quase todos nativos africanos. Armados
desdenhosa que nem incluiu as negociaçes nas atas. Toussaint tinha plenos
apenas com facas, lanças, enxadas e paus com pontas de ferro, eles foram
poderes, e em uma va tentativa para quebrar o orgulho dos coloniais, reduziu
secretamente o número dos homens a serem libertados de quatrocentos para para a batalla. Liderados por Hyacinth, lançavam se contra as baionetas dos
voluntarios de Porto Principe e dos soldados franceses sem medo ou preocu¬
sessenta. Os coloniais no queriam nem ouvir falar nisso. Ento, e apenas

ento, Toussaint chegou a uma deciso inalterável da qual ele nunca vacilou pacio pelas descargas dos canes de Pralotto que rasgavam as suas fileiras:
se fossem mortos, acordariam novamente na Africa. Hyacinth, com uma
e pela qual morreu. Liberdade total para todos, a ser alcançada e assegurada
cauda de boi nas más, correu de fileira em fileira gritando que esse talisma

Toussaint revelou isso nos seus anos derradeiros. Ver SANNON, Histoire de Toussaint¬
L'Ouverture, Porto Principe, Haiti, 1933, v. III, p. 18. 20 LACROIX, Mémoires pour servir.... v. I. p. 157.

110
Os jacobinos negros As massas de Sao Domingos começam

espantaria a morte. Ele se lançava contra o inimigo assumindo a dianteira Cap, os patriotas mantiveram de fato o Governador detido por algum tempo
das tropas, passando ileso pelas balas e pelos tiros de canhao. Com esse e estavam tramando matar Mirbeck, que embarcou para casa no dia 30 de
lider, os africanos eram invenciveis. Agarravam se aos cavalos dos drages fevereiro. Saint-Leger tinha ido a Porto Principe. Os patriotas la, estimulados
e derrubavam os seus cavaleiros. Enfiavam os braços nas bocas dos canhoes pela Assembleia em Le Cap, ameaçaram deporta-lo, e este refugiouse com
para retirar suas balas e chamavam seus companheiros: Venham, venham, os confederados. Saint-Leger e Roume estavam agora seriamente alarmados,
nos as pegamos. O canho era disparado e eles eram feitos em pedaços. no pela revolta dos escravos, mas pelo crescimento da contrarrevolucio. Da
Entretanto, outros apinhavam se sobre os canes e sobre os canhoneirose, mesma mancira que Barnave, os Lameths e seus amigos na França, a Sao
disparando sobre eles, silenciavamos. Nada poderia destruir sua devoca¬ Domingos branca estava ficando cansada dos cocardas vermelhas e começava
e, apos seis horas, as tropas de Porto Principe debandaram. Mais de uma a olhar uma vez mais para a autoridade real. O exercito confederado parecia
centena de soldados haviam sido mortos, mas aproximadamente dois mill todo de cocardas brancas. Mas, nessa mesma hora, Pinchinat se reunia com
escravos estavam estirados nos campos de batalla. O exercito combinado Saint-Leger, eo que disse a este cavalheiro fez com que ele fugisse apressa¬
investiu ento sobre Porto Principe.
damente para a França. Roume tambem deveria partir très dias depois, mas

Os brancos no estavam apenas lutando contra os mulatos, mas reivindican¬ numa conversa, por casualidade, farejou uma trama realista e ficou para

do ao Governador para evitar que perturbadores da paz vindos da Assembleia repeli-la. Os realistas de fato pensaram que Sao Domingos no estava madura
Colonial causassem cizania no lado occidental. Enviavam-The acordos, diziam para a colheita. Mas estavam enganados. Pinchinat fazia um jogo astuto. Os
realistas, que esperavam utilizar os mulatos, agora achavam que tinham sido
que os acatariam no importando o que ele dissesse. Pediram-The para publica¬
los e envia-los ao Rei, ao Legislativo na França, aos mercadores dos grandes eles os usados. Como Beauvais disse a Roume depois:
portos e a todo o mundo
Nos nunca fomos as vitimas do ludibrio dos cocardas brancas. Tinhamos
Fossem quais fossem as ressalvas que tinham feito quando elaboraram de conquistar nossos direitos, precisavamos de auxiliares. Se o diabo tivesse se

esse pacto com os mulatos bastardos, os brancos estavam agora ansiosos para apresentado em pessoa, nos o alistaríamos. Esses cavalheiros ofreceram se e

consolidar a aliança e Roume estava esmagado pelo peso desses apelos. A re¬ nos os usamos, enquanto permitíamos que acreditassem que éramos nos quem
volucao, diz Karl Marx, é a locomotiva da Historia. Eis aqui uma locomotiva estava sendo enganado.
que havia trabalado numa velocidade surprendente, pois em abril de 1792, O decreto de 4 de abril vinha agora para confirmar a vitoria dos mulatos e
nem bem passados très anos da queda da Bastilla, os patriotas brancos de Porto
permitir que eles abertamente apoiassem a Revolucio Francesa porum tempo.
Principe estavam sendo sitiados por um exercito combinado de comandantes
realistas, fazendeiros brancos, mulatos de pele castanha e escravos negros; todos
voluntarios e, por enquanto, livres e socios igualitarios. Sem dúvida a maioria A questo colonial exauriu a Constituinte depois de desgastar le os nervos,
dos ricos estava apenas esperando o restablecimento da ordem para colocar
de onde todos os membros foram excluidos por lei do Legislativo que se reuniu
os escravos de volta em seus devidos lugares, mas o simples fato de haver uma
no dia le de outubro. Os novos deputados no estavam em melhor situacio no
associacio revolucionária e uma igualdade temporaria significava que o velho que dizia respeito à questo colonial; somando se aos Direitos do Homem para
sortilégio estava quebrado e as cosas nunca mais seriam as mesas. os mulatos, eles agora encaravam uma revolta de escravos.

A direita estavam os Feuillants, ou Partido do Rei, liderados na questo

colonial por Vaublanc, que aprovava a condicio de escravos, mesmo mulatos.


A Assembleia Colonial, além da guerra contra os escravos e os mulatos,
A esquerda estava mais forte desde as eleices. Embora houvesse mais de
iniciou uma luta feroz com os comissarios a respeitto da primazia. Em Le
cem deputados jacobinos no Legislativo, eles estavam divididos; na extrema

esquerda, estavam Robespierre e a Montanha, na direita, os brissotinos, ou


Soldados de cavalaria. So confecidos como drages desde a época dos romanos, por usarem
uma insignia, a dragona, où um estandarte com a figura de um dragao. (N. do T.)
Um memorando dos Commissaires Conciliateurs des Citoyens Blancs de l'Artibonite. Les Archives 2 Ala esquerda dos jacobinos. Assim chamada porque os parlamentares chefiados por Robes-

Nationales, DXXV, 2. Uma das oito partes coletadas por Roume e enviadas para a França. pierre e Marat sentavam se nos degraus mais elevados na Convencio. (N. do T.)
Os jacobinos negros As massas de Sao Domingos começam

seguidores de Brissot, mais contecidos na Historia como girondinos. As mais sensivel do que a Constituinte. A Comissio Colonial, desejando como
massas de Paris, organizadas na Comuna, seguiam os jacobinos. Robespierre de hábito fazer con que tudo fosse acertado no Ministerio, no faria nenhum
e a Montanha lutariam pelos direitos dos mulatos. O mesmo faria Brissot,
relatorio. Mas os Amigos dos Negros estavam muito mais poderosos agora,
mas o seu grupo estava composto por Vergniaud, Guadete outros, deputados
e Brissot fez uma advertencia: se a Comisso no apresentasse seus relatorios
de fato das cidades maritimas. Os girondinos eram assim chamados devido à
em dez dias, ele abriria uma discusso no dia le de dezembro. Durante o
provincia da Gironda, cuja principal cidade era Bordéus. Vergniaud era de¬ intervalo, delegados da Assembleia Colonial chegaram a Paris, e no dia 30
putado por Bordéus e todas as cidades maritimas estavam firmemente contra de novembro um dele, Millet, expos o caso dos colonistas. E provável que
os Direitos do Homer para os mulatos. nunca, em nenhuma assembleia parlamentar, tivesse havido tantas mentiras

O que primeiro os assustou foi o modo con que as noticias da ressurreico impudentes reunidas em um unico discurso.

chegavam à França. Paris as recebia por um jornal britanico. O embaxador A descrico que Millet fazia da escravido provava que essa era a forma
inglés dava informaçones sobre a seriedade do levante; informaçones essas que ele
mais feliz de sociedade confecida, fosse na Idade Antiga, fosse na Moderna.
recebia da Jamaica por meio de Londres. O Moniteur, dia apos dia, pergun¬
Vivemos en paz, cavalheiros, entre nossos escravos. (1) Deixemos que
tava, por que nenhuma noticia de De Blanchelande? No día 7 de novembro,
um homem inteligente e culto compare o deplorável estado en que esses
o Moniteur imprimiu uma copia da carta que os coloniais haviam escrito ao
homens viviam na Africa com a vida fácil e agradável que desfrutam nas
Governador da Jamaica. Apenas no dia 8, foi lida uma carta de Blanchelande
colonias. (...) Resguardados de todas as necessidades da vida; rodeados por
requisitando tropas na Camara. A burguesia maritima começava a olhar para
facilidades desconfecidas na maioria dos países da Europa, seguros em
esses coloniais com um olhar diferente: os mulatos ao menos eram fiés à França
desfrutar da sua propriedade, pois tinham propriedade e isso era sagrado
e sólidos partidarios da escravido.
amparados nas enfermidades com um zelo e uma atencio que buscaricis
O primeiro problema eram as tropas para sufocar a revolta. Mas, em em vo nos hospitais mais famosos da Inglaterra: protegidos, respeitados
uma revolucio, a revolucio vem em primeiro lugar. As alas direita e esquer¬ nas debilidades da velhice, en paz com suas crianças e com suas familias
da do Legislativo queriam saber quantas tropas seriam enviadas e quem (...) libertados apos cumprirem importantes servios. Era esse o quadro,
as controlaria. O Rei continuava no comando do Exercito e da Marinha; real e sem adornos, do governo de nossos negros e esse governo doméstico
os oficiais eram realistas e o centro da contrarrevolucio; os ministros do aperfeitoon se particularmente nos últimos dez anos com um cuidado tal
Rei e os oficiais continuavam na ativa, em Paris e em Sao Domingos. Co¬
que no achareis similar na Europa. A mais sincera ligacao unia o senhor
locar um exercito e uma frota nas más dessas pessos era colocar armas ao escravo; dormíamos en segurança no meio desses homens que haviam
que, apos suprimida a insurrcicio, talvez antes mesmo, poderiam ser usa¬
se tornado nossos filos e muitos dentre nos nem sequer tinham trancas e
das contra a propria Revolucio e colocariam a mais rica colonia da França ferrolhos nas portas.
interamente nas más realistas. Jacobinos e Feuillants lutaram contra isso
Supunhase que essa era a situacio dos escravos até 1787, o ano anterior
dia apos dia. Mas, ainda que fosse uma questo de reprimir uma revolta
ao caso Le Jeune. Terror, para manter os escravos submissos, confirmado em
escrava, o Legislativo, como a Constituinte, no toleraria o uso da palavra
milares de documentos:
escravo. Quando um deputado no transcurso de uma palestra começou a
Nada dissol De fato, havia uma pequena quantidade de senhores rigidos
dizer. Mas os escravos sa propriedade dos latifundiarios da colonia....
e ferozes. Mas qual era o destino desses homens crucis: Estigmatizados pela
ocorreram os protestos rotineiros e pedidos para que o orador fosse chamado
opinio pública, vistos com horror por qualquer pessoa honrada, marginalizados
à ordem. O Legislativo, mais à esquerda, era, talvez por essa razo, ainda
de qualquer sociedade e sem crédito nos negocios, viviam em opróbrio e desonra

e morriam na miséria e desesperança (.)


O mesmo que brissotinos ou rolandistas, foram denominados por Robespierre como a
O que foi que mudou esse idílico estado de coisas? Neste ponto, entra em
faccao”. Faziam parte da ala direita da Convencio. (N. do T.)
cena o vilao.

114
Os jacobinos negros As massas de Sao Domingos começam

No entanto, cavalheiros, uma sociedade toma forma no seio da França e - Como, sr. Presidente, sua Excelencia pôde convidar para a Assemblea
prepara, à distancia, a destruicio e as convulsées às quais estamos sujeitos. (.) homens que acabaram de ultrajar a filosofia e a liberdade; homens que acabaram
E, longe de estarmos aptos a continuar como nosso traballo, essa sociedade de insultar. (.)
força-nos a renunciar a ela semeando o espírito de insubordinato entre os
Mas os lucros do commercio de escravos eram demais para a Assembleia e a
nossos escravos e a ansiedade entre nos.
propria esquerda nao tinha coragem para enfrentar esse negocio.
Ao lançar sua bomba nos Amigos dos Negros, Millet voltou-se para a As¬
No dia seguinte, Brissot tomo a palavra e, en favor dos mulatos, fez
sembleia. Ele sabia qual era o ponto nevrálgico.
um brillante discurso, que se tornaria célebre. Ele mostro que os brancos
Em breve dirío que esta Sociedade exigirá que o comercio de escravos abastados estavam ansiosos pela paz e prontos para proporcionar aos mulatos
seja eliminado, o que significa que os lucros que viriam dele para o comercio
dircitos politicos: os patriotas, na sua grande maioria extremamente endi¬
francés sero entregues a estrangeros, pois esses filosofos romanticos nunca
vidados com a França e decididos pela independencia, tinham inveja dos
convencero a todos os poderes da Europa que o seu dever é abandonar o
mulatos, que no deviam e estavam determinados a manter o privilegio de
cultivo nas colonias e deixar os nativos da Africa entregues à barbarie de
raça, o que era mais caro para eles, ainda mais agora que repousavam sobre
seus tiranos em vez de empregá los em qualquer outra parte. Ao servir a um
fundaces to inseguras.
senhor bondoso, exploram um terreno que ficaria sem cultivo sem eles e do
E por esso que podemos explicar a existencia simultanea no coraço de um
qual as ricas produces so, para a naçio que as possui, uma grande fonte de
industria e prosperidade. mesmo colonista: da averso aos homens de cor que reivindicam seus direitos,
aos comerciantes que cobram suas dividas, ao Governo livre que deseja que a
Mulatos? Eles cos brancos viviam en paz; mais ainda: felizes.
justiça seja feita para todos.
Os laços afetivos e de simpatia que existiam entre essas duas classes de
Mais uma vez, os burgueses lutaram entre si en torno da questo do
homens seriam reforçados pelas leis justas e humanas que uma assemblea
direito dos mulatos. Dessa vez, a disputa durou semanas, dentro e fora da
colonial pudesse promulgar. Mas aqui tambem os Amigos dos Negros perfi¬
Camara. Vaublanc tomou o lugar do absentista Barnave, mas os Amigos dos
damente imitavam a pose dos brancos, bem como as suas demonstraçes de
Negros travavam uma discussio dentro do acordo entre brancos e mulatos,
vaidade e o esforço em resistir a reivindicaces justas.
e a burguesia maritima estava ento convencida de que a única manera
Mas ninguém pode mante la para sempre, menos ainda homens educados
de salvar a colonia era conceder direito aos mulatos: a negociacio que os
na tradicio intelectual francesa. Antes de Millet concluir, ele mesmo, repenti¬
patriotas tinham com outros países serviu para abrir seus olhos quanto à
namente, deixou cair a sua elegante roupagem e proporcionou uma breve viso
real natureza desses cavalheiros. Vergniaud e Guadet estavam prontos para
da Sao Domingos branca en toda a sua vaidosa nudez.
convencer seus clientes de que a velha política era falsa. Os grandes proprie-
Esses homens grosseiros los negros so incapazes de confecer a liberdade tarios de navios, mercadores e traficantes lançaram se sobre os colonistas.
e desfruta la com sabedoria, e a lei imprudente que poderia destruir seus pre¬
O grupo de Barnave, os Feuillants, formava o Ministerio do Governo, mas
conceitos sería para eles e para nos uma sentença de morte. a Revolucio estava se animando de novo. Os Feuillants foram derribados

A Legislatura escutou em silencio. No se tratava de um malabarismo com no dia 10 de março e um ministério girondino tomo posse, com Roland na

a palavra escravido: era a coisa em si apresentada à burguesia para que esta liderança, mas con madame Roland e Brissot como guias intelectuais. No
a endossasse por toda a eternidade. Jaurès observou que no houve aplausos, dia 24 de março, por una ampla maioria, o Legislativo emitiu um decreto

nem mesmo naquelas enojadas interrupes com as quais o Legislativo estava dando plenos direitos políticos aos homens de cor. Alguns tentaram argu¬

habituado para expressar a sua desaprovacío à simples menço da palavra es¬ mentar que as décises da Constituinte eram sagradas, mas um deputado
cravido. Quando Millet terminou, o presidente convidou os delegados para da esquerda, seguido por aplausos, rechaçou a teoria de que o Legislativo
receberem as honras da sessio. Mas era demasiado. Alguém da extrema esquerda estava ligado definitivamente pelos decretos da Constituinte e corajosamente
levantose colérico:
declarou a soberania do povo sobre os direitos de assembleias formais. Très
Os jacobinos negros As massas de Sao Domingos começam

novos representantes foram indicados com plenos poderes e amplas forças sem envolver o inimigo, procurando esmaga lo com seu peso numérico. Eles
para aplicar o decreto e restaurar a ordem, e no dia 4 de abril a assinatura realizavam essas manobras preliminares em absoluto silencio, enquanto seus
do Rei tornou o decreto lei.
sacerdotes (os negros), cantavam o wangae mulieres e crianças dancavam e
cantavam em frenes. Quando atingiam o grau necessario de excitacio, os com¬
batentes atacavam. Se se deparavam com resistencia, batiam em retirada sem se
Mas e os escravos? Os escravos haviam se revoltado pela liberdade. A
exaurir, mas à menor hesitaço na defesa tornavam se extremamente audaces e,
revolta devia ser suprimida. Mas ao menos deveria haver uma promessa de lançandose a cano, pululavam sobre os seus oponentes. No começo, nem
perdio, de tratamento generoso no futuro. Nenhuma palavra. Nem mesmo conseguiam usar as armas que capturavam e costumavam apontar a culatra
de Vaublanc, da direita; nem sequer de Robespierre, da esquerda. Robespierre
para o lado errado. Foi desses homens, incapazes de falar mais do que uma
fez papel de palhaço ao objetar violentamente o termo escravido e propor palavra en frances, que um exercito teve de ser formado. Toussaint poderia
substitui-lo por sem liberdade. Brissot referiuse, de passagem, a eles como ter milares de seguidores. Era sua característica começar com umas poucas
infelizes, e foi tudo.
centenas de homens, devotados a ele, que aprendiam a arte da guerra com ele

A causa desses homens de core assim a causa dos patriotas do Tercero desde o começo conforme combatiam lado a lado contra as tropas francesas
Estado e finalmente do povo, ha tanto oprimido. e os colonistas. No campo, ele os preparava e treinava persistentemente. No
més de julio de 1792, tinha pouco menos de quinientos homens consigo, os
Assim falava Brissot, e Brissot, como representante do Tercero Estado,
melhores da tropa revolucionária. Esses, e no as peroraçóes no Legislativo,
estava preparado para ajudar o Tercero Estado dos mulatos e dar ao povo,
seriam decisivos na luta pela liberdade. Mas ninguém dava muita atencio a
na França e em Sao Domingos, frases. Os camponeses da França continua¬
Toussaint e seus seguidores negros. Feuillants e jacobinos na França, brancos
vam clamando pela Assembleia para que os livrasse das obrigaçes feudais.
e mulatos em So Domingos continuavam a ver a revolta dos escravos como
Os brissotinos no fariam isso. No tocariam na propriedade, e os escravos
uma imensa baderna que deveria ser sufocada a tempo, uma vez que a diviso
eram propriedade. Blangetty, um deputado, propos uma moço por alforria entre os senhores de escravos estava encerrada.
gradual. O Legislativo nao queria nem mesmo discutir esse ponto. No dia

26 de março, dois dias apos o decreto favorável aos mulatos, Ducos teve a

coragen de propor que todas as crianças mulatas fossem libertadas, seja


qual for o status da sua mae. O Legislativo em furia votou a questo an¬
terior e a Ducos no foi nem mesmo autorizado falar sobre a sua moço.
Os Amigos dos Negros, bons liberais, estavam agora no poder e ficaram
to calados sobre a escravido quanto qualquer colonista. Os escravos, que
ignoravam a politica, haviam agido certo em nao esperar por esses eloquentes
construtores de frases. Toussaint, esse astuto estudioso da politica francesa,
leu e perceben.

Toussaint, sozinho entre os lideres negros, com liberdade para todos na


cabeça, naqueles primeiros meses de 1792 unificou os milhares de negros igno¬

rantes e sem treinamento em um exercito capaz de enfrentar tropas europeias.


Os insurgentes desenvolveram um método de ataque baseado na sua esmagadora
superioridade. Eles no se lançavam em massa como fanáticos. Organizavam se Encantamento usado para provocar o mal, ao contrario do garde, que é um encanto protetor.

em grupos, escolendo lugares cobertos de arvores de tal forma que pudes¬ (N. do T.)

118
E as massas de Paris terminam

4 de abril, mergulharam o país numa guerra contra a Austria. O exercito


era meio realista, meio revolucionario. Maria Antonieta estava enviando os
EAS MASSAS DE PARIS TERMINAM
planos de guerra ao inimigo. A França revolucionária parecia incapaz de se
organizar, e lá os realistas esperavam a entrada dos estrangeros para levantar¬

se e massacrar a Revolucio. Os girondinos, temendo a contrarrevolucio, mas


com mais medo ainda das massas parisienses, no tomaram medidas contra
os realistas, eo povo de Paris, levado à exasperatao, assaltou as Tulherias

em 10 de agosto. Aprisionaram a familia real, o Legislativo foi dissolvido


e um novo parlamento, a Convenco Nacional, foi convocado. As massas
Seis mil homens, quatro mil guardas nacionais e dois mil soldados de aplicaram uma justiça dura contra os conspiradores realistas nos massacres
linna partiram da França en quinze navios para acabar con todas aquelas de setembro e tomaram a defesa da França em suas proprias más, sujas,
brigas entre os proprietarios de escravos em Sao Domingos e para suprimir mas fortes e honestas. O Governo girondino se propos a deixar Paris. Os

a revolta dos negros. Os comissarios eram Sonthonax, jacobino de direita, trabaladores probiram-no. Eles armavam dois mil voluntarios por diae,
amigo de Brissot, Polverel, que havia proposto a expulso de Barnave e de com os realistas à sua retaguarda, calmos ha muito tempo, sairam cantando
seus amigos dos jacobinos e tambem era um seguidor de Brissot, e um tal alegremente para expulsar a contrarrevolucio do solo frances. Se a França
de Ailhaud, uma nulidade. A expedicio era adequada à tarefa em vista. revolucionária foi salva, foi devido a eles.

Mas ela nao poderia escapar à diviso que cindia toda a França depois de O que isso tinha que ver com os escravos? Tudo! Em tempos normais,
julio de 1789.
no se podia esperar que os trabaladores e camponeses franceses tivessem
Os comissarios eram revolucionarios e os comandantes, oficiais do Rei. qualquer interesse na questo colonial, da mesma forma que no se pode
Antes de o barco partir, Desparbes, o comandante, discutiu com os comissarios esperar um interesse semelhante por parte dos trabaladores ingleses ou
sobre a primazia e dirigiu às tropas palavras confusas e inconstitucionais. Dis¬ franceses nos dias de hoje. Mas, naquele momento, eles haviam se levanta¬
cutiram tano alto que foram ouvidos pelos oficiais e pelos homens. Discutiram do. Atacavam a realeza, a tirania, a reacio e a opressio de todos os tipos,
novamente, mas a respeito do método de desembarque, e separaram se to logo os quais abrangiam a escravido. O preconceito de raça é superficialmente

desembarcaram. A Guarda Nacional eramos civis da Revolucio. As tropas eram o preconceito mais irracional e, devido a uma reacao perfeitamente com¬

soldados do Rei. Tao logo Desparbes desembarcou, en vez de mobilizar todas as preensível, os trabaladores de Paris, que eram indiferentes em 1789, a
suas forças para um ataque contra os escravos, conspirou com os realistas locis, essa altura detestavam acima de tudo aquela parte da aristocracia que eles
e os guardas nacionais foram distribuidos entre os diversos acampamentos, sob denominavam aristocratas da pele”. Em 11 de agosto, um dia depois da
oficiais realistas. Os comissarios carregaram consigo a bordo a Revolucio. Eles queda das Tulherias, Page, confecido agente dos colonistas na França,

iam ao seu encontro. Mas, o que era infinitamente mais importante para os escreveu para casa quase em desespero: Um único espírito reina aqui:
escravos, deixaram-na no navio. o horror à escravido, o entusiasmo pela liberdade. E uma exaltaço que

conquista todas as mentes e cresce a cada dia". Das por diante, as massas

Partiram de Rochefort em meados de julho. Antes de alcançarem Sao


Assemblera que, na França revolucionaria, sucede a Assembleia Legislativa e funcionou de
Domingos, as massas de Paris, cansadas dos equivocos e da incompetencia
20/09/1792 a 29/10/1795. Ela proclamou a República, condenou o Rei à morte c instituin
dos parlamentares, haviam tomado o problema em suas mos e derribaram os o Comité de Salvacío Pública. No principio, estava dividida entre os montanheses, os
Bourbons do trono. girondinos e a Planicie. (N. do T.)
GARRAN-COULON, Rapport sur les troubles.... v. IV. p. 21.
Para escapar às demandas dos camponesses, ao desejo dos trabaladores Débats entre les accusés et les accusateurs dans l'affaire des Colonies, 6 volumes, Paris, 1798. Re¬
de que fosse fixado um preço máximo para os alimentos e a otros problemas latorio oficial do julgamento de Sonthonale Polverel. Publicado por GARRAN-COULON,

candentes da Revolucio, os girondinos, dezessete dias depois do decreto de v. II. p. 223.

A
-
Os jacobinos negros E as massas de Paris terminam

de Paris seriam a favor da abolico e seus irmaos negros de Sao Domingos, existia o preconceito racial. Isso no pode ser destruido em um die ou em um

pela primeira vez, teriam aliados apaixonados na França. ano. Mas os brancos queriam a paz, e, na recepto cerimonial, o presidente
branco da Assembleia, o prefeito branco de Le Cap, todos tratavam a disputa
A Convenco Nacional seria eleita e deliberaria sob a influencia dessas
com os mulatos como una cosa do passado. Duas cosas os preocupavam.
massas. Os escravos de Sao Domingos, por meio da insurreicao, haviam mos¬
Uma delas era a escravido.
trado à França revolucionária que poderiam lutar e morrer pela liberdado, e

o progresso lógico da Revolucio na França havia levado à ribalta massas que, No trouxemos meio milho de escravos das costas da Africa para torná¬

quando falavam em abolico, pensavam tanto na teoria como na prática. los cidados franceses, disse o presidente da Assembleia a Sonthonax, e este

Mas e preciso organizacio e tempo para traduzir o sentimento das massas o tranquilizou.

em acao, e, naquele momento, a Revolucio tinha questes mais urgentes para Reconego, disse ele, em Sao Domingos apenas duas classes de homens:
tratar do que a escravido. os livres, sem distincio de cor, e os escravos.

Mas o segundo problema era a Revolucio. Tanto cocardas brancas como

vermelhas esperavam pela ajuda dos comissarios. Os realistas viam nos comis¬
Quando os novos comissarios desembarcaram em 18 de setembro, nem eles
sarios agentes designados pelo Rei; os revolucionarios viam neles membros do
nem o povo de Sao Domingos sabiam algo sobre o 10 de agosto.
Clube dos Jacobinos. Sonthonax, como era inevitável num jacobino e brissotino,
Eles vieram principalmente para tratar da questo dos mulatos. Para sua
estava do lado da Revolucio. Ele reorganizou o Governo para concentrar o
agradável surpresa, encontraram o assunto resolvido. Très anos de guerra civil poder nas más da Comisso e incluiu em seu conselho tanto mulatos como
e um ano de revolucio dos escravos haviam, finalmente, ensinado alguma
negros livres. O próximo passo seria ento, obviamente, o ataque aos escravos,
coisa aos fazendeiros brancos. Tao logo as noticias do decreto chegaram, antes que as tropas começassem a sentir os efcitos do clima. Mas aquel ataque
todos os brancos, no Norte, no lado occidental e no Sul, aceitaramno. No
vigoroso jamais foi realizado.
día 14 de julio de 1792, os brancos ofreceram um jantar aos homens de
No começo de outubro, Sao Domingos recebeu as noticias do 10 de agosto.
cor; alguns dias depois, estes retribuiram. O Governador, o comandante da
No era uma simples questo de lealdade para com um monarca. A burguesia
estacio naval co tesoureiro escreveram aos comissarios para dizer que todos
destrona rapidamente o seu rei en favor de una república, se desta forma puder
os brancos haviam concordado em aceitar o decreto. Naturalmente, ainda
salvar a propria pele e os proprios bens. O 10 de agosto era mais do que isso. Era
o lance das massas pelo poder, no com discursos, mas com armas. No poderia
Anexos do relatorio dos comissarios do ministério da Marinha, 30 de setembro de 1792.
haver tregua em nenhum lugar do territorio francés depois de 10 de agosto. Os
Les Archives Nationales DXXV.

a) D'Augy, presidente da Assembleia Colonial, num discurso aos comissarios quando de realistas, sob Desparbes, e os revolucionarios, sob Sonthonax, pularam uns nos pes¬
sua chegada: “.) para no dexar qualquer duvida nos senhores quanto à nossa perfeita cocos dos outros. Os mulatos lutaram por Sonthonax, que foi vitorioso e degredou
submissio à lei de 4 de abril passado, en favor dos homens de core negros livres.
Desparbes e os otros lideres realistas para a França. A Revolucano triunfava. Entretanto
b) Carta de Girardin, comandante da estacao naval: Vos me perguntais, cavalheiros,
quais so os sentimentos dos soldados e dos marinheiros relativamente à lei de 4 de abril Sonthonax estava disposto a abolir a discriminaço contra os mulatos: mas os
Seus sentimentos quanto à execucio desta lei so excelentes, para esta e para todas a¬
brancos pobres e a ralé, embora revolucionarios, estavam furiosos por ver pessos
outras leis. Quando a lei sala, eles sabem como obedecer, desde que ninguém procur¬
corrompe-los. (...). Girardin alertou os comissarios contra os facciosos em Le Ca¬
ricas de cor gozarem tanto do favor de Sonthonax. Eles estavam enfurecidos pela
que desejavam quebrar a harmonia que existe entre os habitantes respectáveis, brancos
e de cor. (...). Ele sugeriu que os comissarios desembarcassem em Sao Marcos, onde a
unido entre todos os cidados è perfeita.
c) Carta de De Blanchelande, o Governador, aos comissarios: Alei de 4 de abril foi publi¬ O proprio Sonthonax escreve ao ministro que Roume enviou as mesmas noticias do Sule
cada e aceita por toda a colonia branca.
do lado occidental.
Carta de Souchet, o tesoureiro, aos comissarios: "Os senhores encontrario aqui a lei de 4 Todavía, o sr. Lothrop Stodddard, segundo alucinadamente as suas teorias racias, chega
de abril universalmente aceita. (.).
Carta de Delpech, outro oficial: “Os senhores vero (...) que o primeiro objetivo da sua ac ponto de dizer, na p. 187 de The French Revolution in San Domingo (Boston & Nova
York, 1914), que os soldados e marinheiros possuam a mesma repugnancia dos colonistas
misso, aquele de assegurar a execucio da lei de 4 de abril, causar-les- poucos problemas,
mas os senhores terio de tomar algumas precauces. (.). à lei de 4 de abril

123

A
Os jacobinos negros E as massas de Paris terminam

inveja e pelo preconceito de raça. Sonthonax chamou-os de aristocratas da pelee municies e supprimentos, recon hecendo os como soldados, tratando os como
posicionouse conforme o espírito e a letra do decreto de 4 de abril. Mais uma vez, iguais e pedindoles que atrassem contra otros brancos. Todos se precipi¬
a diviso entre os governantes deu mais espago aos governados. taram para juntarse às tropas espanholas, e Jean François e Biassou foram
indicados como tenentes generais do exercito do Rei da Espanha. Toussaint
Todavía, o que parecia ser uma boa sorte no foi fundamentalmente
tambem foi, mas ditou seus proprios termos aos espanhois como lider inde¬
acidental. O primeiro indicio de una forma de sociedade completamente
pendente, e no como subordinado de Bassou. Ele tinha seiscentos homens,
desajustada ou em processo de bancarrota é que as classes dirigentes no
bem treinados e absolutamente devotados a ele, e recebeu o título oficial de
conseguem chegar a um acordo sobre como salvar a situacio. Essa diviso cria
coronela. Como todos os outros negros, Toussaint atacou a República, sem
uma brecha, e as classes governantes continuario a lutar entre si, enquanto
Deus nem rei, e lutou em nome da realeza, tanto da espanhola como da
no temerem que as massas tomem o poder. A insurreicao, porem, parecia
francesa. Mas para ele essas palavras de ordem já eram meramente políticas
estar nos estertores. Laveaux, o comandante frances, mesmo com poucos sol¬
e no convictes.
dados, derrotou Toussainte expulsou os escravos revoltosos de suas posites.
O espantoso é a sua maturidade. Jean François e Biassou estavam perfei¬
Fome e doenças dizimavam suas forças. Foi ento que quinze mil homens,
tamente satisfeitos com suas novas posites oficiais. Mas Toussaint propos a¬
mulieres e crianças famintos, com seus soldados derrotados e empurrados
marqués d'Hermona, seu superior imediato, um plano para conquistar a colonia
para as montanhas, imploraram para ser recebidos de volta. Toussaint e seu
francesa ao conceder a liberdade a todos os negros. D'Hermona concordou, mas
bando de algumas centenas de homens, treinados há pouco mais de um
Don García, o Governador, no. Frustrado, ele, que estava com os espanhois
ano, estavam indefesos na multido, e Jean François e Biassou, embora em
há menos de quatro meses, antes de junio escreveu a Laveaux oferecendose
maior número, ainda mais fracos do que ele. Candy, que liderava um bando
para juntarse aos franceses e lutar contra os espanhois, se este, porventura,
de mulatos, havia desertado dos negros c se unido aos comissarios, dando reconnecesse a liberdade dos negros e concedesse anistia geral. Laveaux recusou
inicio quela vacilaçio dos mulatos que deveria ter consequencias bastante
e Toussaint, desconcertado, permanecen com os espanhois.
desastrosas no futuro. No começo de 1793, Laveaux preparava um ataque
Mas as cosas iam de mal a pior com os franceses, e em 6 de agosto,
final para completar a debandada da insurreico, quando foi chamado de
volta pelos comissarios. Chanlatte, um oficial mulato, criaço de Sonthonax, ofereceu a Toussaint a

proteca da República caso ele trouxesse as suas forças. Em política, termos


A Revolucio havia transbordado as fronteras da França. No dia 21 de
abstratos escondem traicio. Toussaint recusou e brandamente respondeu
janeiro de 1793, o Rei foi executado. Os exercitos revolucionarios estavam
que os negros desejavam um rei e que eles deporiam suas armas apenas
ento colecionando vitorias, e as classes governantes da Europa se armavam
quando ele fosse reconfecido”. Sem dúvida Chanlatte penso que ele fosse
contra este novo monstro: a democracia. Em fevereiro, começou a guerra contra
a Espana; depois, contra a Inglaterra; e foi para defender as costas contra o
inimigo estrangeiro que Sonthonax convocou Laveaux. A mare revolucionária
Posto inexistente nas Forças Armadas brasileiras, situado acima do general de divisio e
descen novamente para a planicie, para no mais refluir, e Toussaint começava
a aparecer com os loureiros do porvir. abaixo do general de exercito. (N. do T.)
Marechal de campo
SANNON, Histoire de Toussaint-L’Ouverture, Porto Principe, 1933, v. II, p. 220. Toussaint
menciona o plano sem dar pormenores, mas no poderia ser diferente do que foi descrito,
Naquele momento, os negros no sabiam onde estavam seus verdaderos
pois foi imediatamente depois disso que ele escreven a Laveaux
interesses. E se no sabiam no era por culpa deles, pois a Revolucio Fran¬ O proprio Toussaint, em carta de 18 de maio de 1794, lembra a Laveaux da sua oferta ante¬
dos desastres de Le Cap, em junio de 1793. A carta está em La Bibliothèque Nationale, MSS.
cesa, ainda nas máos dos liberais e moderados, estava claramente inclinada
Department. As cartas de Toussaint a Laveaux e documentos afins, classificados em ordem
a levar os escravos de volta à sua velha escravido. Assim, quando os espanhois
cronológica, ocupam très volumes. Elas so de grande importancia. A Vie de Toussaint¬
em Sao Domingos ofreceram aliança aos negros contra o Governo francés, L’Ouverture, de Schoelcher, retira muitas citaçes dessas cartas, e deveria ser consultada

naturalmente aceitaram. Eis aqui homens brancos que les ofereciam armas, se for conveniente. Ver. p. 98-9.
Os jacobinos negros Fas massas de Paris terminam

um africano ignorante e fanático, pois muitos historiadores, mesmo depois visitando Polverel. Os brancos de Le Cap, quase todos contrarrevolucionarios,
de estudar a carrera de Toussaint, ainda continuavam a acreditar que ele deram a Galbaud, que tinha propriedades em Sao Domingos, uma recepcio

tivesse uma fé africana na realeza. Nada estava mais longe da mente de barulhenta. Sonthonax e Polverel sabiam o que isso significava e, voltando
Toussaint. Embora aliado aos espanhois, ele continuava osadamente a apressadamente de Porto Principe, demitiram Galbaud e seu pessoal e os
organizar os negros sob a palavra de ordem de liberdade para todos. Em 20 colocaram num navio para serem levados à França. Mas Galbaud nao iria

de agosto, publicou uma convocaça: assim to facilmente. Os marinheiros da frota tomaram seu partido. Ele de¬
Irmos camigos. Eu sou Toussaint L'Ouverture. Meu nome talvez vos sembarcou com um contingente; os brancos da contrarrevolucio se juntaram
a ele e juntos expulsaramos comissarios e suas forças da cidade. Sonthonax,
seja conocido. Estou encarregado da vingança. Desejo que a Liberdade e a
temendo a derrota eo exterminio, deu ordens para que os escravos e prisio¬
Igualdade reinem em Sao Domingos. Trabalho para traze-las à vida. Uni-vos
a nos, irmos, e lutai conosco pela mesma causa, etc. neiros de Le Cap fossem armados; ao mesmo tempo, prometendo o perdio
e a liberdade aos escravos insurgentes que cercavam a cidade, aticou a turba
Seu servo muito humilde e muito obediente.
contra Galbaud eos brancos. Os marinheiros de Galbaud, embriagados pela
vitória e pelo vino, haviam justamente deixado de lutar para pilar, quan¬
Assinado TOUSSAINT LOUVERTURE,
do dez mil negros desceram das colinas para a cidade. A estrada dos morros
General dos Exercitos do
corria ao longo da linna da costa e os marinheiros que permaneceram nos
Rei, pelo Bem Público”.
navios na baja puderam ve-los, horas a fio, como um enxame em direço a
Le Cap. A contrarrevolucio fugiu para o porto, deixando tudo para trás.
Esse curioso documento mostra que Toussaint já havia mudado seu nome de
Galbaud teve de se jogar a mar para chegar a um barco, e, para completar
Bréda para LOuverture, e tinha motivos para esperar que ele fosse contecido.
o desbaratamento dos realistas, o fogo irrompeu e queimou totalmente dois
Mas o mais notável era a confiança com que ele montava em dois cavalos ao
terços da cidade, destruido centenas de milhoes em propriedades. Dez mil
mesmo tempo. Usava de seu prestigio como general dos exercitos do Rei, mas
refugiados se amontoavam nos navios na baía e partiram para os Estados
convocava os negros em nome da liberdade e da igualdade, o lema da Revolucio
Unidos da América; a grande maioria deles jamais retornou. Foi o fim da
Francesa, da qual a realeza era inimiga declarada. Nenhum deles ajudaria aos
dominacao branca em Sao Domingos.
seus propósitos, e assim ele usava ambos.
Foi assim que a Sao Domingos branca destruit a si propria. A lenda

atual de que a abolico da escravatura levou à destruicio dos brancos e uma

Sonthonax continuava a governar com severidade no Norte, os brancos mentira vergonosa, típica dos meios pelos quais a reacio acoberta os crimes

accitavam de má vontade a vitória da Revolucio, os mulatos agarravam se no passado e procura bloquear o progresso no presente. Em maio de 1792,

avidamente a todos os postos do Governo. Sonthonax, embora mais tarde os brancos tropeçavam uns nos otros para conceder os direitos aos mulatos,
e Roume diz que, quando o decreto de 4 de abril chegou, eles o publicaram
se enojasse dessa avidez, apoiouse neles e deportou para serem julgados na
França todos os que cheiravam à contrarrevolucio. Justamente nesse mo¬ no dia seguinte. Era tarde demais. Se o tivessem feito um ano antes, no

mento, Galbaud chegava da França, indicado como Governador no lugar inicio da revolucio dos escravos, teriam conseguido domina la antes que ela

se espalhasse. Por que no o fizeram? Preconcito de raça? Nada disso. Por


de De Blanchelande, que havia sido preso e enviado para la por Sonthonax.
que Carlos le seus seguidores nao foram razoveis com Cromwell? Em 1646,
Quando Galbaud chegou a Le Cap, Sonthonax estava em Porto Principe
dois anos depois de Marston Moor, a sra. Cromwelle a sra. Ireton tomaram

Lettres de Toussaint-L'Ouverture, La Bibliothèque Nationale (MSS. Dept.)


Ouverture significa a abertura”. Laveaux ou Polverel teriam dito, a saber de outra vitoria
Roume au Comité de Segurança Pública. Relatorio de 18 de Ventoso (1793), Les Archives
de Toussaint: “Este homem saz aberturas en todo lugar, de onde se originou o novo nome
Nao é improvável que os escravos o chamassem LOuverture devido à falha nos seus dentes. du Ministère des Affaires Etrangères. Documento de grande valor.
Mais tarde ele retirou o apostroso. Local onde Cromwell, em julho de 1644, alcanço a vitoria na Primeira Guerra Civil. (N. do 1.)

126

A
Os jacobinos negros E as massas de Paris terminam

chá com Carlos em Hampton Court. Cromwell, um grande revolucionario proclamou a abolico da escravido em 29 de agosto de 1793. Foi a sua última
mas tambem um grande burgues, desejava chegar a um acordo. Por que Luis, cartada e ele no podia mais jogar.

Maria Antonicta e a Corte no foram razoveis com os revolucionarios mode¬


Na Provincia Ocidental, Polverel, embora insatisfeito, aceitou o decreto
rados, antes de 10 de agosto? De fato, por que? A monarquia na França tinha
e persuadiu os brancos remanescentes a nao se oporem a ele. Por ora, sem
de ser arrancada pela raiz. Os que esto no poder jamais cedem, e admitem
outra alternativa, eles aceitaram. Mas o decreto foi um fracasso. Os que fo¬
a derrota apenas para tramar e conspirar para reconquistar seu poder c seus
ram libertados por Sonthonax permaneceram ficis a ele; mas Jean François,
privilegios. Se, na França, a monarquia fosse branca, os burgueses, mesticos e
Biassou e outros soldados experientes permaneceram aliados aos espanhois,
as massas, negras, a Revolucio Francesa teria sido registrada na Historia como
e Toussaint, embora nao fosse fiel aos espanhois, ainda se recusava a passar
uma guerra de raças. Mas, embora na França fossem todos brancos, lutaram
para os franceses.
do mesmo modo. A luta de classes termina ou na reconstructo da sociedade
No Sul, os escravos haviam se revoltado contra os brancos e os mu¬
ou na ruina comum das classes em luta. A Revolucio Francesa assentou as
bases da França moderna. O país, como um todo, era forte o suficiente para latos e estavam conquistando muitas vitorias. Mas no lado occidental os

aguentar o choque e beneficiarse dele, mas a sociedade escravocrata de Sao mulatos ainda dominavam. Rigaud e Beauvais, com seus aliados brancos,
haviam capturado Porto Principe há muito. Enotando os realistas, o exercito
Domingos era tano corrupta e podre que no poderia aguentar nenhuma presso
e perecen como merecia perecer. dos mulatos establece uma dominaçio mulata. Mas quando a luta acabou
cles escolheram os escravos mais valentes e ofereceram-hes à liberdade se
conduzissem os demais de volta à escravido e os mantivessem em ordem.
Sonthonax retornou a Le Cap, uma cidade quase arruinada. Para sua A oferta foi aceita, e cem mil escravos foram levados de volta às fazendas:
surpresa, depois de terminada a pilhagem, os escravos no permaneceram destino inevitável de qualquer classe que se deixe guiar por otra. Seguros
com os comissarios. Juntando o que haviam saqueado, eles voltaram à sua dos seus escravos, muitos dos proprietarios mulatos no lado occidental,
vida perambulante nas colinas e para seus aliados espanhois. Os franceses embora mantendo o Governo em suas más, estavam furiosos como de¬
enviaram embaixadores para persuadi-los, mas todos eles, Toussaint inclusive, creto de abolico e abandonaram a Revolucio, à qual deviam tanto. A
responderam que apenas poderiam obedecer a um rei e que apenas recone¬
propriedade, branca e mulata, reuniu se novamente sob a bandera da
ceriam os comissarios quando tivessem um rei, tendoles sido ensinado
contrarrevolucio.
cuidadosamente pelos espanhois esse sofisma. Os oficiais realistas estavam
desertando Sonthonax em favor dos espanhois e, agora, para completar as

dificultades dos comissarios, os escravos que ainda nao tinham se revol¬ Sonthonax tento desesperadamente reconquistar os escravos negros. Mas,
tado, aticados pela fermentado revolucionária à sua volta, recusavam se a a despeito de todas as tentativas de Laveaux, usando o decreto de abolica como
continuar escravos. Eles apinhavam as ruas de Le Cap, exaltados como num uma evidencia de boa vontade para com os negros, Toussaint no se juntaria
comicio religioso, e clamavam por liberdade e igualdade. Nas fazendas que aos franceses. Seu bando crescia rapidamente agora, no apenas em número
até aqui haviam escapado à destruicio, acontecia a mesma cosa. Os brancos mas tambem em qualidade. Muitos oficiais realistas desertores, en vez de se
proprietarios de escravos que ainda permaneciam em Sao Domingos haviam
juntar às forças espanholas, preferiam associarse a uma tropa de negros que
aprendido muito nos últimos dois anos. Um deles, que possusa centenas de anteriormente cram franceses, esperando conquistar novamente a influencia
escravos, contou a Sonthonax que seria melhor declarar a abolico. Sonthonax
sobre eles e usá-los para os scus proprios fins. Eles se juntaram ao grupo de
soube que Jean François estava pronto para reunir os negros em torno ao seu
Toussaint. Este aprenden a arte militar ortodoxa com aqueles, usou-os para
estandarte conclamando todos a se libertarem. Cercado de todos os lados treinar suas tropas e organizou um Estado maior eficiente. No existiam mapas
e procurando apoio contra os inimigos, en casa e no exterior, Sonthonax
do distrito. Ele convocou os habitantes locis, aprenden com eles a geografia das

suas vizinhanças e, com seus primitivos rudimentos de geometria, foi capaz de


Suntuoso palacio situado no sudoeste de Londres. Uma das residencias reais. (N. do T.) elaborar mapas proveitosos. Um dos seus guias era Dessalines, que no sabia

129
Os jacobinos negros E as massas de Paris terminam

ler nem escrevere tinha o corpo marcado pelas chibatadas, mas era um soldado isoladas, renderam se a Toussaint e integraram se às suas forças. A abolico
nato e logo obteria um alto comando.
da escravido, base da propriedade em Sao Domingos, havia enfraquecido o
A força de Toussaint crescia, tanto devido ao seu destemor na luta como moral dos comandantes republicanos e, entre juntarse aos contrarrevolucio¬

à sua maestria em política e em intrigas. Como tenente coronel Nully deser¬ narios sob Toussaint e ser massacrados pelas suas forças, a escolha era fácil,

tando para Toussaint, os franceses indicaram Brandicourt para o seu posto. principalmente porque o general negro já havia conquistado una grande
Toussaint escolheu trezentos de seus homens e preparou uma emboscada para reputacio pela sua humanidade, coisa muito singular na Sao Domingos
Brandicourt. Quando os homens de Brandicourt se aproximaram, nao foram daqueles dias. Assim, nos primeiros meses de 1794, Toussaint controlou o
alvejados, mas inquiridos: cordo ocidental, da colonia espanhola ate o mar, e havia isolado a Provin¬

Quem vem la¬ cia do Norte, a Ocidental e a do Sul. Os espanhois controlavam todos os

A França postos fortificados na Provincia do Norte, com excego da propria Le Cap


e de dois outros, e todos sabiam que isso era um feito de Toussaint. Este
— Ento que o vosso general venha e fale como nosso, nenhum mal acon- ainda estava subordinado a Jean François e a Biassou, mas agora ele tinha
tecerá a ele¬
quatro mil homens e, sob o seu comando, havia negros, mulatos e brancos,
Brandicourt, que estava no centro, ordenou o ataque, mas seus homens antigos oficiais do ancien régime e antigos republicanos. Mas a maioria era
The imploraram que parlamentasse com Toussaint. Assim que Brandicourt se negra, e Dessalines, Christophe c Moïse haviam sido escravos. Toussaint

apresentou, foi apantado elevado a loussaint, que he ordeno que escrevesse era o comandante incontestável, já um mestre na arte da guerra e um

uma ordem para que suas forças se rendessem. Em lagrimas, Brandicourt es¬ negociador habilidoso. Mas, embora tivesse combatido sob a bandera da
creveu a Pacot, seu segundo em comando, que fora feito prisioneiro e deixava contrarrevolucio, el sabia onde estava o seu poder e, sob os proprios narizes

para ele a deciso que julgasse melhor. Toussaint rasgou a carta e insistit para dos comandantes espanhois, continuava a conclamar os negros à liberdade.
que Brandicourt redigisse um comando direto para a deposicio das armas. Jean François e Bassou, seus rivais, agora eramos dolos dos colonis¬
Brandicourt escreveu e, quando recebeu a carta, Pacot, que estava secretamente
tas franceses refugiados. Dois anos antes, estes nem mesmo falariam com
em contato com Toussaint, disse aos outros oficiais:
aqueles, mas a revolucio é um grande mestre e aqueles fazendeiros franceses,
— Fazi o que quiserdes, mas eu me renderei! os novos súditos do Rei da Espanha, conforme eles se denominavam,

Os très destacamentos uniram se às forças de Toussaint, sem um golpe. comparavam Jean François e Bassou aos grandes generais da Antiguidade
Quando Toussaint volto ao campo, comandando aquelas tropas brancas, seus e esperavam que les limpassem as montanhas, restabelccessem a ordeme

proprios homens ficaram to alarmados que ele teve dificuldade em convence- depois tomassem Le Cap. Biassou, Jean François e D'Hermona montaram
los de que os recem-chegados eram aliados, e seu chefe D'Hermona estava um plano de campana e Bassou começou a agrupar suas forças, eliminando
igualmente espantado. alguns dos acampamentos que Toussaint havia montado. Toussaint tornou

a monta los e sublevou os negros. Para raiva e desgosto dos coloniais, ele
Essa vitoria incruenta deu-lhe Dondon. Ele marchou sobre Marmelade,
insistia em violar as promessas sagradas” do Rei espanhol, ao prometer ele¬
onde um combate arduo durou o dia todo. Vernet, o comandante mulato,
mesmo liberdade geral para todos os escrayos que tivessem voltado aos seus
chamado de covarde por Polverel, achou-se em dificultades e logo desertou
deveres, e que estivessem preservando a ordem. Os coloniais elogiavam Bias¬
para Toussaint com 1200 homens. Toussaint tomou Ennerye o comandante
sou, cuja conduta merecia a admiraço geral”, mas maldiziam Toussainte a
desse forte uniuse a el. Entre ele e Gonaïves havia apenas Plaisance; mas
foi rechaçado por uma legio de mulatos do lado ocidental, que recapturou sua liberdade para todos, chamavam no traidor do Rei e pediam sua cabeça.

Ennery. Depois de uma curta pausa para reagrupar as suas forças, retomou
Ennerye, en dezembro de 1793, ocupou Gonaïves. Voltando, tomou
Lettres de Toussaint-LOuverture, La Bibliothèque Nationale. Esta e outras passagens citadas
Plaisance, e Chanlatte, o comandante, aderiu a ele com todas as suas tropas.
so de uma queixa feita pelos emigrados coloniais ao governador espanhol, datada de 4 de
Todas as guarnices de Sao Marcos, Verrettes, Arcahaye, desesperadamente abril de 1794. Ver Schoelcher, p. 92.
Os jacobinos negros E as massas de Paris terminam

Toussaint exercia um dominio extraordinario sobre todos os homens com O patriótico coronel terminou com uma nota característica: Por mais

os quais travaya contato, eo marqués d'Hermona, que o admirava muito, sombrio e perigoso que seja o atual estado da Europa, desses males podem
no podia ou nao queria fazer nada. surgir contudo os maiores e mais duradouros beneficios em razio de una

E, enquanto Toussaint realizava esses milagres no Norte, os britanicos com¬ guerra bem conduzida, terminada com uma pacificaçao feliz. (.) Assim,
plicavam ainda mais as cosas a realizarem uma tentativa armada de capturar
humildemente esperamos que os beligerantes vejam a extrema necessidad de
So Domingos, agora aparentemente sem defesa. confiná-la la França aos limites establecidos à época da morte de Henrique
IV, abrangendo todos seus dominios externos, com exceçio de Sao Domingos
e da illa de Bourbon.
Desde o inicio da revolucio, os fazendeiros estavam proferindo ameaças de A preocupacio do coronel Chalmers sobre a timensa, imensa importancia
que buscariam a suserania da Inglaterra e, depois da revolta dos escravos em
de Sao Domingos era um tanto injustificada. Aqueles eram exatamente os
1791, ofreceram a colonia a Pitt. Mas Sáo Domingos no era a Africa, onde
sentimentos de Pitt. No momento en que a guerra parecia iminente, Dun¬
todos incursionavam à vontade. A interferencia significaria guerra com a Fran-
das despachou quatro colonistas franceses para Williamson, Governador da
ça. Portanto, os ingleses recusaram, mas se ocupavam em elaborar esquemas e
Jamaica, com uma carta de apresentacio. Imediatamente depois da declara¬
planos de conquista. Em dezembro de 1792, o tenente coronel John Chalmers,
ço de guerra, as negociaces começaram e, em 3 de setembro de 1793, foi
especialista em assuntos das Indias Ocidentais, escreven um memorando a Pitt
assinada a capitulacio. A colonia aceitaria a protego da Gra-Bretanha até
sobre o que ele chamou a “imensa, imensa importancia” de Sao Domingos”.
a paz. Modificaces seriam introduzidas no Exclusivo, mas o ancien régime
A situacio deplorável das Indias Occidentais francesas”, escreveu Chalmers,
seria restablecido, com a escravido, a discriminaçio dos mulatos e tudo
parece gritar implorando a protego da Gra-Bretanha." E, por incrivel que
mais. Clarkson e Wilberforce ficaram a lamentar e a deplorar a peculiar
pareça, essa protecto parecia ser muito lucrativa. As vantagens de Sao Domin¬
falta de entusiasmo que Pitt demonstrava agora en relacio à causa que havia
gos para a Gra-Bretanha so inúmeras e dariam a ela o monopolio do acucar,
advogado com tanta insistencia alguns anos atrás.
do anil, do algodo e do café. Por muitos anos, a ilha daria tal ajuda e força

à industria, que seria sentida agradavelmente en todas as partes do Imperio. Se alguma vez existiu um bom negocio, esse parecia ser um deles. Peti¬

Isso impediria toda a migraço dos très reinos para os Estados Unidos, a qual çes de todas as partes da illa asseguravam aos britanicos que eles seriam
bem recebidos por todas as pessos possuidoras de propriedades e, em Sao
sem aquela aquisico, manterse¬ e aumentará a prosperidade deles até essa
tornarse alarmante e prejudicial. Domingos, quem mais contava: Todas as despesas seriam reembolsadas
com a renda dessa colonia. O general Cuyler disse a Dundas que no tivera
Chalmers apoiava a opinio inglesa avançada sobre o declinio das Indias
quasquer apreenses quanto aos nossos sucessos nas Indias Ocidentais,
Occidentais Britanicas. As possesses da Gra-Bretanha nas Indias Occidentais sa¬
Pitte Dundas insistiram na expedicio, com um descaso temerario até mes¬
relativamente deficientes, diminutas, muito espalhadas e, portanto, incapazes
mo pela segurança da Inglaterra. Dundas quase perdeu a calma”, com
de ser defendidas. Eis uma oportunidade para remediar esse triste estado de
uma certa demora. Para Pitt, das Indias Ocidentais eram o primeiro ponto
cosas. Por meio de una aliança com a Espanha, ofensiva e defensiva”, os dois

países poderiam manter a França e os Estados Unidos fora das Indias Occidentais

e se firmar la. A Gra-Bretanha tentaria tomar toda a Sao Domingos, mas, caso
as circunstancias ou os poderes unidos decidissem que o total seria grande 1 Colonial Office Papers, Jamaica, C.O. 137/91, 25 de fevereiro de 1793.
demais para a sua escala política, ela deveria, fosse como fosse, assegurar a James Stephen a Wilberforce: “O sr. Pitt, infelizmente para si mesmo, para o seu país e para
parte norte da illa. a humanidade, nao tem zelo suficiente na causa dos negros para lutar por eles decisivamente
como deveria, tanto no seu gabinete como no Parlamento . 17 de julio de 1797. R. I. ES.
Wilberforce, Life of Wilberforce, Londres, 1838, v. II, pp. 224-5.
15 Chatham Papers, G. D. 8/334. Diversos papeis relacionados à França, 1784-1795. (Public Fortescue MSS (Historical Manuscripts Commission), v. II, p. 405, 17 de julio de 1793.

Record Office.) 1 Fortescue MSS. Dundas a Granville, 12 de outubro de 1793, v. II, p. 444.

132

A
Os jacobinos negros Eas massas de Paris terminam

a ser assegurado”. O que Sao Domingos significava naqueles dias pode sait de Barbados e, em dois meses, havia capturado Martinica, Santa Lucia
ser avaliado pelo fato de que, embora uma invasio francesa ameaçasse a e Guadalupe. Williamson, Governador da Jamaica, tinha informacies de
Gra-Bretanha, mesmo assim o envio da expedicio no deveria ser retar¬
que na propria Le Cap todas as pessas de propriedades (em suas proprias
dado. Sero ento necessarios esforços addicionais para fazer com que o
palavras) estavam esperando para recepcioná-los. Ele escreveu a Dundas sobre
país cuide da sua defesa interna." Dois anos depois, esse mesmo Dundas o prodigioso comercio que estavam fazendo agora com Sao Domingos,
diria ao Parlamento que a guerra nas Indias Ocidentais era de parte deste e esperava que esses negocios fossem incrementar correspondentemente os
país (...) no uma guerra por riquezas ou engrandecimento local, mas uma
lucros ingleses. Dundas congratulouse cordialmente com ele por esse sucesso
guerra por segurança. Dundas sabia que nem mesmo um unico membro
surprendentemente rápido.
do Parlamento acreditaria nele. Mas o Parlamento sempre havia concordado
em falar nesses termos para manter o povo quicto.

No día 9 de setembro, a expedicio britanica de novecentos homens deixou Foi um momento crucial na história humana. Se os ingleses pudessem
a Jamaica e aportou em Jérémie no dia 19. Os proprietarios so os mais entu¬ resistir em Sao Domingos, a melhor colonia do mundo, eles tornarse iam
siasmados agitadores de banderas e patriotas en qualquer país, mas apenas novamente uma força nas aguas americanas. En vez de abolicionistas,
enquanto usufruem das suas possesses: para salvaguarda las eles desertam de seriam os mais poderosos praticantes e defensores do tráfico de escravos
Deus, do Rei e do país num piscar de olhos. Todos os proprietarios de Sao Do¬
numa escala que sobrepujaria tudo o que eles tinham feito anteriormente.
mingos correram para acolher os ingleses, defensores da escravido. Soldados, Mas havia um problema mais urgente. Se os britanicos completassem a
como os irmaos Rigaud e Beauvais e os destacamentos comandados por eles, conquista de Sao Domingos, o império colonial da França revolucionária
e politicos como Pinchinat permaneceram com os franceses; mas o proprieta¬
estaria perdido; seus vastos recursos seriam desviados para os bolsos ingleses
rios mulatos, especialmente da Provincia Ocidental, preferiam seus escravos à
e a Gra-Bretanha poderia voltar para a Europa c lançar seu Exercito e sua
liberdade e à igualdade. Toda a luta em torno de Porto Principe foi esquecida.
Marinha contra a revolucio.
Quando Beauvais protestou junto a Savary, o prefeito mulato de Sao Marcos
no escondeu o seu ponto de vista: Sonthonax, Polvere e Laveaux sabiam disso e lutavam para salvar Sao
Domingos para a Revolucio.
Enquanto as proclamaçes dos comissarios civis asseguravam um futuro
Se for necessario que nos escondamos numa dupla ou numa tripla
feliz e próspero, executei as suas instruces; mas, à partir do momento en que
vi que les estavam preparando a trovoada que está agora troando por todos cadea de colinas, disse Santhonax a seus seguidores em Le Cap, eu vos

os lados, tomei medidas para salvaguardar nossos cidados e preservar nossas mostrarei o camino. Talvez nao tenhamos outro asilo que os desfiladei¬
propriedades. ros, outro alimento que agua e bananas, mas viveremos e morreremos

Oirmo de Ogé ficou com Savary. livres. Os ingleses tentaram subornar Laveaux, pois revolucionarios eram,
naturalmente, pessos baixas que agiam da forma que agiam por dinheiro
Com tal acolida, nada poderia deter os ingleses. No começo de 1794,
ou ambico. Laveaux, um nobre durante o ancien régime, desafiou o ma¬
cles estavam de posse de toda a costa do golfo de Porto Principe, com exce¬

co da capital; toda a Provincia Ocidental, a maior parte do Sul, exceto um


jor James Grant para um duelo, o qual, todavia, declinou. Pereçamos,
cidado”, escreven Sonthonax a um dos seus oficiais. Sim, pereçamos
pequeno territorio defendido pelas tropas de Rigaud ; e o importante forte de
mil vezes antes de permitir que o povo de Sao Domingos caía novamen¬
Móle Sao Nicolau. Das outras ilhas das Indias Occidentais chegavam noticias
te na escravido c na servitude. Se formos derrotados, deixaremos para
ainda mais espantosas do triunfo da Gra-Bretanha e da contrarrevolucio. No

día 3 de fevereiro, uma força britanica de sete mil homens e dezenove navios

23 Colonial Office Papers, Jamaica C. D. 137/91. A Dundas, 13 de julio de 1793.

24 bid. C. D. 137/92. A Dundas, 9 de fevereiro de 1794.


20 Ibid. A Granville, julio de 1793, v. II, p. 407-8
25 Ibid. C. D. 137/91. 13 de dezembro de 1793
2 bid. Dundas a Grenville, 11 de outubro de 1793, v. II, p. 443.
20 Em terras novas boas, como Sao Domingos ainda oferecia, e mais tarde o Brasil, os escravos,
22 18 de fevereiro de 1796.
embora caros, davam bom lucro e muitas vezes eram a única força de trabalho disponivel.

134
Os jacobinos negros E as massas de Paris terminam

centrale, a despeito da incessante insurreico e da conspiracio realistas, elles


os britanicos apenas ossos e cinas. Os ingleses o intimaram a entregar
Porto Principe. Com um punhado de homens, ele desdenhosamente recu¬ ficaram presos a um sistema federal no qual a burguesia nas provincias estaria
sou e os ingleses se retiraram. Mas no fim de maio uma força unida de sol¬ fora do controle da Paris revolucionária. Foram eles, e nao Robespierre e a
dados ingleses e exilados franceses atacou a cidade. Traidores deixaram que Montanha, que instituiram os tribunais revolucionarios, dirigidos, no aos
eles entrassem em um importante forte nos suburbios, e Sonthonax e contrarrevolucionarios, mas a todos aqueles que propusessem qualquer lei
Polverel, escoltados por Beauvais e por un pequeno destacamento de agraria ou qualquer outra lei que subvertesse a prosperidade territorial, co¬
negros, fugiram para Jacmel. Era 4 de junio e os britanicos celebravam mercial ou industrial“. Robespierre no era comunista, mas estava preparado
a tomada da capital no aniversario do Rei. O resto seria apenas uma para ir além dos girondinos, e as massas, que agora já sabiamo que queriam,
questo de dias. deixaram os girondinos e deram o seu apoio a Robespierre e à Montanha, ou
seja: à extrema esquerda. Dumouriez, o general girondino que comandava

as tropas de campo, desertou para a contrarrevolucio. As massas parisienses,


Toussaint, oficial espanhole, portanto, aliado dos ingleses, via todas as abandonando a Comuna de Paris, até agora o real centro revolucionario da
suas esperanças secretas irem a pique graças às vitorias britanicas. Ele estava cidade, organizaram o seu proprio centro independente: o famoso Evêché; e,
acompanhando o progresso da abolico na Inglaterra. Mas, a partir do nos dias 31 de maio e 2 de junho, com firmeza mas com muita moderaceo,
momento em que parecia haver uma real possibilidade de conquistar Sao fizeram com que os líderes girondinos se retirassem da Convencio, colocan¬
Domingos, o projeto de lei da abolico começou sua longa carrera como se do os em priso domiciliar e oferecendo refens de suas proprias fileiras como

fosse uma planta resistente às mudanças de estacio. A República francesa, a garantia de sua segurança. Quando a Historia for escrita como deve ser, os
monarquia constitucional inglesa e a autocracia espanhola, embora enquanto homens ficario admirados do comedimento e da grande paciencia das massas,
uma delas sorrisse, a outra fechasse a cara, conforme as exigencias do momen¬ e no da sua ferocidade. Os girondinos escaparam e, indo para as provincias,
to, no se deram ao traballo de esconder que, em última análise, o negro só juntaram se à contrarrevolucio.
poderia esperar o chicote do feitor ou a baioneta. Uma vez que os britanicos
Naqueles dias difíceis, Robespierre e a Montanha deram à França um go¬
fossem sensores de Sao Domingos, os espanhois e os ingleses se voltariam
verno forte. A Convencio aboliu finalmente as leis feudais, colocou um fim nos
contra os negros e conduzi-los iam de volta aos grilles. Sonthonax havia
abusos mais gritantes e conquistou a confiança do povo. A despeito das intrigas
abolido a escravido, mas cle no tinha autoridade para tal. Apenas o Governo
políticas dos lideres, o Governo (enquanto hostil a comunismo) confiou no
republicano da França poderia decidir essa questo, e o Governo republicano
povo, pois no havia mais ninguém em quem confiar. Uma rara exaltaço de
no disse uma palavra,
sacrificio e devocio passou pela França e pela Paris revolucionarias. Como na
Russia, sob Lenin e Trotski, o povo era informado honestamente das vitorias
ou derrotas; os erros eram recontecidos abertamente e, onde até hoje a reacio
A despeito dos sentimentos pelos escravos na França, a Convencio nada
enxerga apenas alguns milares de pessos caindo sob a guillotina, Paris, entre
fez por mais de um ano. Enquanto Brissot e os girondinos permanecessem no
março de 1793 e julio de 1794, viveu uma das épocas supremas da Historia
poder, nenhuma palavra seria dita sobre os escravos. Mas Brissot e seu partido
nao poderiam subsistir. Eles nao reprimiriam as especulaçones da burguesia com política. Jamais, até 1917, as massas teriam uma influencia to poderosa pois
no era mais do que uma influencia sobre nenhum governo. Nesses poucos
a moeda, no fixariam preços máximos para os alimentos, no taxariam os

ricos para financiar a guerra, nao aprovariam a legislacao necessaria para abolir meses de sua maior aproximacao ao poder, elas no se esqueceram dos negros.
Sentiam se como irmaos em relacio a eles e odiavam os proprietarios de escravos,
os tributos feudais, no ratificariam a ocupacio das terras pelos camponeses.
Com medo de Paris, eles no manteriam o país todo sob um forte governo que sabiam apoiar a contrarrevolucio, como se os proprios franceses tivessem
sofrido sob o chicote.

No era apenas Paris mas toda a França revolucionária. “Criados, cam¬


SAINTOYANT, La Colonisation française..., v. II, p. 148.
poneses, trabaladores e aqueles que trabalhavam como jornaleiros nos

136
Os jacobinos negros E as massas de Paris terminam

campos em toda a França estavam cheios de um odio virulento contra a A moço foi acolhida entre aplausos. Os trés deputados de Sao Domingos
aristocracia da pele". Muitos sentiam se to comovidos com os sofrimentos dirigiram se ao presidente e receberam o beijo fraternal enquanto no salio
dos escravos que dexaram de tomar café, imaginando que este estivesse ressoavam novos aplausos.

encharcado do sangue e do suor de homens transformados em animais No dia seguinte, Bellay, o negro, proferiu um longo e ardente discurso, as¬
Que nobre e generoso o povo trabalador da França. E aqueles milhoes sociando os negros à causa revolucionaria e pedindo à Convenço que declarasse
de ingleses no conformistas que escutavam seus clerigos e davam força abolida a escravido. Era apropriado que um negro, antes um escravo, fizesse
ao movimento inglés pela abolico da escravido! Sao essas as pessos que o discurso que introduziu um dos atos legislativos mais importantes jamais
os filos da Africa e os amantes da humanidade lembraro com gratido aprovados por nenhuma assembleia política. Ninguém falou depois de Bellay.

e afeto, e no os oradores que peroravam na França, nem os hipocritas da Em vez disso, Levasseur, do Sarthe, propos uma moço:
filantropia mais cinco por cento” das Camaras do Parlamento Britanico. — Quando elaboramos a Constituiçio do povo frances nao demos atenço

aos infelizes negros. A posteridade muito nos reprovará por isso. Reparemos o
Essa era a França à qual, em janeiro de 1794, chegaram tres deputados enviados
mal e proclamemos a liberdade para os negros. Senhor presidente, no dexais
por Sao Domingos à Convencio: Belay, um escravo negro que havia comprado
a sua liberdade, Mills, um mulato, e Dufay, um branco. No dia 3 de fevereiro que a Convencio seja desonrada por una discussio!
eles assistiram à sua primeira sessio. O que aconteceu ali no foi premeditado. A Assembleia levantouse aclamando. Os dois deputados de cor apareceram

O presidente do Comité dos Decretos dirigiu-se à Convencio: na tribuna e se abraçaram, enquanto os aplausos dos membros e visitantes re¬
boavam pelo salo. Lacroix conduziu o mulato e o negro ate o presidente, que
Cidados, o vosso Comité de Decretos verificou as credenciais dos depu-
os beijou, quando os aplausos começaram novamente.
tados de Sao Domingos. Elas foram consideradas em ordem, e proponho que
Cambon chamou a atencio da casa para um incidente que havia ocorrido
eles sejam admitidos aos seus lugares na Convencio!
entre os espectadores:
Camboulas ergueuse: — Uma cidada de cor que assiste regularmente às sesses da Convencio

Desde 1789 que a aristocracia de nascimento e a aristocracia da religio sentiuse tomada de tamanha alegria por vernos dar a liberdade a todos os seus

foram destruidas: mas a aristocracia da pele ainda permanece. Esta tambem irmaos que desmaiou aplausos). Peço que esse fato seja mencionado nas atas e
está nos estertores finais e a igualdade foi consagrada. Um homem negro, um que essa cidada seja admitida à sesso e receba pelo menos esse recontecimento

homem amarelo esto prestes a ser admitidos nesta Convencio, em nome dos por suas virtudes civitas!
cidados livres de Sao Domingos! A moço foi aprovada e a mulher foi até a banca na frente do anfiteatro e
sentourse à esquerda do presidente, enxugando as lagrimas entre outra explosio
Os très representantes de Sao Domingos entraram no salo. A face negra de
Bellaye o rosto amarelo de Mills incitaram longas e repetidas salvas de palmas. de aplausos.
Lacroix, de Eure-et-Loire, foi o seguinte: Lacroix, que havia falado no día anterior, propos ento a redaço do ras¬
cunho do decreto:
— A Assembleia está ansiosa para ter em seu meio alguns dos mesmos homens
— Peco que o ministro da Marinha seja instruido para despachar imedia¬
de cor que sofferam a opresso por tantos años. Hoje, temos dois deles. Pece
tamente informaçones às colonias para darles as boas-novas da sua liberdade,
que a sua introduçio seja marcada pelo abraço fraterno do presidentel
e proponho o seguinte decreto: a Convenco Nacional declara abolida a escra¬

vido en todas as colonias. Em consequencia, declara que todos os homens,


sem distincio de cor, domiciliados nas colonias, so cidados franceses e tem
28 E. CARTEAU, Les Soirées bermudiennes, Bordés, 1802. Auténtico, pois Carteau era um
todos os direitos assegurados na Constituiça !
colonista, oponente da abolico e relata as suas proprias experiencias.
id. Acabaram se todas as conversas e manobras, a sabotagem dos Barnaves,
30 CECIL RHODES: A filantropia pura é boa, à sua maneira, mas a filantropia com mais a memoria conveniente dos brissotinos. Em 1789, Gregorio havia propos¬
cinco por cento & melhor. to a igualdade para os mulatos e a abolico gradual. Ele fora tratado da
Os jacobinos negros E as massas de Paris terminam

mesma manera que alguém seria tratado hoje na Africa do Sul se propusesse barcos. As fabricas esto desertas e as lojas esto até mesmo fechadas. Assim,
igualdade social e política apenas para africanos educados e abrandamento graças aos seus sublimes decretos, todo dia é feriado para os trabaladores,
da escravido e das leis de passagem para os demais. Como Gregorio, Podemos contar mais de trezentos mil, em nossas diversas cidades, que no
essa pessoa seria denunciada como bolchevique e teria sorte se escapasse tem outra ocupacio que, de braços cruzados, comentar as noticias do dia, os
ao linchamento. Todavía, quando as massas se revoltam, como ho de se Direitos do Homem e a Constituiço. E verdade que a cada dia eles ficam

revoltar um dia, e tentam acabar com a tirania de séculos, no apenas os mais famintos, mas quem precisa pensar no estómago, quando o coraço
tiranos mas toda a civilizacao, levantam as más horrorizados e clamam está contente?

para que a ordem seja restaurada. Se a revolucio carrega custos muito A Convencio, ela propria burguesa, nao estava muito satisfeita depois que o
elevados, a maior parte deles foi herdada da ganancia dos reacionarios e da entusiasmo inicial terminara, mas as massas e os radicais saudavam o decreto
covardia dos assim chamados moderados. Muito antes da abolicao, o ma¬
como outra grande clareira na floresta de abusos”.
havia sido feito nas colonias francesas e nao foi a abolico mas sim a recusa

em proclama la que o causara.

Naquele tempo, entre todas as colonias francesas, apenas em Sao Domin¬ No se sabe exatamente quando as noticias chegaram às Indias Ocidentais.

gos a escravido havia terminado e a espontaneidade generosa da Convencio Mas em 5 de junho, no dia seguinte às celebraçones do aniversario do Rei e
da captura de Porto Principe, os comandantes ingleses em St. Kitts ouviram
foi apenas um reflexo do desejo impetuoso que percorria toda a França de
dizer que sete navios franceses haviam escapado à frota inglesa e aportaram na
acabar com a tirania e com a oppresso em todos os lugares. Mas a generosida¬
de do espírito revolucionario era, ao mesmo tempo, a política mais razovel. Guatemala. No comando estava Victor Hugues, um mulato, suma das maiores

Robespierre no esteve presente aquela sessio e no aprovou a medida. Danton personalidades da Revolucio francesa, para quem nada era impossivel, que
sabia que a Convencio havia sido arrebatada por um excesso de sentimenta¬ havia sido tirado do seu posto de promotor público em Rochefort e enviado

lismo, e achava que ela deveria ter sido mais cautelosa. Mas aquele mestre da para as Indias Ocidentais. Hugues trouxe apenas 1500 homens, mas trouxe
tática revolucionária no podia deixar de perceber que o decreto, ao ratificar a tambem a mensagem da Convencio aos negros. No havia exercito negro nas

liberdade que os negros haviam conquistado, estava-lhes dando um interesse ilhas Windward, como em Sao Domingos. Ele tinha que constituir um com

concreto na luta contra a reacao britanica e espanhola. os escravos inexperientes. Mas ele les passou a mensagen revolucionária e

Os ingleses esto acabados, gritou ele, Pitt e suas conspiraçones esto os vestiu com as cores da República. O exercito negro casu sobre os vitoriosos
condenados. ingleses, começou a expulsá-los das colonias francesas e depois levou a guerra
para as illas inglesas.
Mas, enquanto a Revolucio se inchava com orgulho justificado, os ricos
Toussaint recebeu a noticia do decreto em algum momento de maio. O des-
se enfureciam, continuando a ser desavergonhados e obstinados. Tao logo o
tino dos franceses em Sao Domingos estava por um fio, mas agora que o decreto
decreto foi aprovado, a burguesia maritima enviou aos deputados da Convencano
de Sonthonax havia sido ratificado na França ele no hesitou um momento e
um comunicado (...) por motivo da emancipaço dos negros.
imediatamente disse a Laveaux que quería juntarse a ele. Laveaux, entusiasmado,
Bravo! Cem vezes bravo, nossos senhores. Esse é o grito que resso em
aceitou a oferta e concordou em promovélo a general de brigada, e Toussaint
todos os nossos locis de negocios, quando a imprensa pública chega todos os
respondeu com tanto vigor e audacia que dexou toda Sao Domingos pasma.
dias e nos trazos pormenores de vossas grandes operates. Certamente, temos
Enviou ao desprovido Laveaux uma quantidade de boa munico dos depósitos
todo o tempo para le los com calma, pois no temos mais nenhum trabalho
espanhois. Depois, persuadiu seus seguidores para que tambem mudassem, e
a fazer. No há mais constructo de navios nos nossos portos, menos ainda de
todos concordaram: soldados franceses, os antigos escravos das tropas e todos os

Leis que, posteriormente, evoluiriam para o sistema de aparteid. Lembramos que este 32 SAINTOYANT, La Colonisation française..., VI, p. 330-3.
livro foi escrito en 1938 e que, hoje, graças às gigantescas lutas populares que resultaram
3 A frase é de Gregorio.
na ascenso de Nelson Mandela, tais leis nao mais existem de direito. (N. do T.) 34 SIRHARRYJOHNSTON, The Negro in the New World, Londres, 1910, p. 169.

A
Os jacobinos negros

seus oficiais, negros e brancos realistas que haviam desertado a República para

juntarse a ele. O seu comportamento na missa era to devoto que D'Hermona,


A ASCENSIO DE TOUSSAINT
observando-o comungar certo dia, comento que Deus, se descesse à terra, nao

encontraria alma mais pura que Toussaint L'Ouverture. Numa manha de junho,
Toussaint, tendo comungado com sua devocio habitual, investiu sobre o assus¬
tado Biassou e debandou as suas tropas. Depois, numa campanha to brillante
quanto aquela na qual ele havia capturado a linha de campos para os espanhois,

recapturoua para a França, conquistando a ou convencendo os comandantes

e os homens, de forma que, quando se junto aos franceses, ele tinha quatro
A relacio de forças em Sáo Domingo havia mudado completamente e,
mil soldados, a Provincia do Norte quase capturada cos espanhois, Bassou e
embora poucos o reconocessem na época, Toussaint e os negros seriam,
Jean François no apenas afugentados, mas desmoralizados. Os britanicos, que
dali em diante, os fatores decisivos da revolucio. Toussaint tornou se o
tinham recebido reforços havia muito esperados, já estavam calculando quanto
oficial francés no comando de um exercito de aproximadamente cinco mil
da Sao Domingos conquistada eles poderiam surrupiar de seus aliados, os espa¬
homens, mantendo una linha de campo ou posices fortificadas entre as
nois. Nesses assuntos, quanto mais temos, melhor para as nossas aspiraços, Provincias do Norte e a Ocidental e havia penetrado nesta última até a
escreveu Dundas a Williamson. Quando estavam justamente prestes a engolir margem direita do Artibonite.
a presa, Toussaint saltou sobre eles com um dos seus pulos de tigre. Capturou
Rigaud, no Sul, adiantou-se sobre Beauvais e estava ocupado na sua
todas as suas posices à margem direita do Artibonite, expulsou-os para além
do rio e, no fosse por una sequencia de percalços inesperados, teria tomado
propria campanha contra os britanicos. A República, fraca no mar, no
o seu reduto de Sao Marcos. podia mandar ajuda. Tanto os britanicos como os espanhois, graças à frota
e à riqueza britanicas, estavam bem supridos de armas e de dinheiro. Os
britanicos haviam dominado alguns dos distritos mais férteis da colonia e
a anteriormente rica Planicie do Norte, que, embora estivesse de novo sob
o dominio francés, se encontrava praticamente devastada. Os proprietarios
traíam a República sempre que podiam. Tudo o que cla podia oferecer
era liberdade e igualdade. E era o bastante. Durante anos, Pitt e Dundas
continuaram a despejar homens e dinheiro nas Indias Occidentais contra
aqueles que gostavam de chamar de bandidos. Favorecidos pelo clima, os

trabaladores negros, que até havia bem pouco tempo eram escravos, e os
mulatos ficis, liderados pelos seus proprios oficiais, infligiram aos britani¬

cos a mais dura derrota que já ocorreu a uma força expedicionária daquele
império entre os tempos de Isabel e a Grande Guerra. A história completa

permanecen escondida por mais de um seculo, até que fosse desenterrada em


1906 por Fortescue, o historiador do Exercito britanico. Ele colocou a culpa
em Pitt e Dundas, aqueles que estavam bem prevenidos de que, naquela
ocasio, teriam de lutar no apenas contra franceses pobres e doentes, mas

contra a populaçio negra das Indias Occidentais. Até ento, eles despejavam

Primeira Grande Guerra (1914-1918), cuja principal causa foi a exclusamo da Alemanha do ex¬
pansionismo colonial, a qual passou a visar, inicialmente, a uma posicio nos Balcas. (N. do T.)

143
Os jacobinos negros A ascenso de Toussaint

as suas tropas nessas illas pestilentas na expectativa de que, por meio disso, Toussaint, poderia resistir à bravura dos sans coulottes. Certa vez, depois
destruiriam o poder da França, apenas para descobrir, quando já fosse tarde
que a munico acabara, lutaram com pedras. Ele vivia junto a seus homens
demais, que tinham praticamente destruido o proprio Exercito britanico
e atacava à frente deles. Se um canho tinha de ser movido, elle proprio

ajudava, e por causa disso esmagou uma das más nesse processo. Todos o

confeciam há poucos meses, quando era apenas o velho Toussaint. Dividia


Laveaux dirigia agora sozinho a colonia, pois Sonthonax e Polverel
todas as recompensas e perigos. Mas era contido, impenetrável e rigoroso,
foram chamados de volta, acusados, por alguns colonos emigrados, de com os habitos e as maneras dos aristocratas de berço.
traicio e de todos os tipos de crime. Esses, tendo abandonado a monarquia,
Recebi vossa carta, além das minutas das reunioes”, escreveu ele a alguns
juntaram se aos jacobinos e trataram de faze-lo muito antes do decreto de
oficiais. Percebi com prazer a manera pela qual tendes expulsado o inimigo,
4 de fevereiro. Mas, embora Toussaint, obediente, informasse seu chese de
e só tenho elogios a fazer pelo modo con que os estas exterminando, com a
cada procedimento, estava praticamente livre no comando do contingente
das forças e do seu distrito. Tudo dependia do exercito. Os soldados de coragem digna dos bons republicanos.
Toussaint eram, na sua maioria, africanos nascidos fora da colonia, incapa¬ Mas vejo, cidados, com muita dor, que as ordens que vos dei para mano-

zes de falar mais do que uma palavra en francés, conforme zombava Jean brardes nos territorios do inimigo e expulsá-los de la nao foram colocadas em

François. Os oficiais em comando eram, como Toussaint, antigos escravos. prática. Se tivésseis concordado com a execucio das ordens que vos envici (...)
Alem de Dessalines, havia Christophe, que dexara o hotel para procurar todos os campos do outro lado do Artibonite teriam sido destruidos. (.) Vos

obando de Toussaint nas montanhas, o irmo deste, Paul L’Ouverture, e pisoteastes as minhas ordens.
Moïse, que tinha atravesado o Atlántico quando criança e fora adotado por As suas extraordinarias habilidades, o seu silencio, a agudeza da sua lingua
Toussaint, passando por seu sobrino. O exército, com excoco de alguns quando falava mantinham à distancia mesmo o seu oficial de maior confiança.
oficiais brancos, era um exercito revolucionario por completo e esse fato Eles o adoravam, mas temiam no mais do que o amavam. Mesmo Dessalines, o
constituia a sua maior força. Tigre, tinha medo de Toussaint, e essa reserva excessiva e esse distanciamento,

Sc a República, a liberdade e a igualdade eram o moral do exército, seu embora aumentassem com o tempo , e um día trariam serias consequencias,
mago era o proprio Toussaint. Ele obtivera o seu primeiro comando em eram de inestimavel valor naqueles primeiros días de anarquia.

outubro de 1792, e em menos de dois anos nos o encontramos escrevendo


mais de una vez que uma longa experiencia o ensinara sobre a necessidade
As tropas, frequentemente, ficavam sem comida e tinham de procurar a
de estar ese mesmo no local dos acontecimentos, pois, de outra maneira,
nada correria bem. cana de açucar. Mesmo quando algumas armas chegaram, elas nao estavam em
condiçes de uso. Recebi dois mil rifles, mas estavam em más condices. (.)
Sua presença tinha aquele effeito eletrizante característico dos grandes
Devo prepará los, muitos so bastantes curtos cesses eu devo dar aos soldados
homens em acao. “Eu os fazia enxergar a posicio do inimigo e a absoluta
da cavalaria. (...) Varios dos rifles dos sétimo e oitavo regimentos so inúteis.
necessidad de acabar com ele. Os valentes republicanos, Moïse, J. B.
Os britanicos e os espanhois, tendo tudo do que precisavam e sabendo
Paparet, Dessalines e Noel, responderam, em nome de todos os chefs, que
da condicio dos homens de Toussaint, enviavam les agentes para oferecer
enfrentariam qualquer tipo de perigo, que iriam para qualquer lugar e que
armas, equipamentos e um bom soldo. Desde Laveaux até os trabaladores,
estariam comigo ate o fim." As fileiras, embora exaustas, responderam da
os britanicos fizeram ofertas em dinheiro, mas no ha registros de nenhum
mesma manera e marcharam contra mosquetes e tiros de canhoes sem
sacar una única arma, com as pistolas nas cartucheiras. Nada, dizia

FORTESCUE, History of the British Army, Londres, 1909, v. IV, parte 2, p. 385.
Literalmente, sem calamo, no singular alcuna dada pelos aristocratas franceses as revolucio¬
nários que usavam calças grosseras en vez de calçes. Tornou se sinonimo de patriota. (N. do

144 145

A
Os jacobinos negros A ascenso de Toussaint

sucesso significativo com os homens de Toussaint. O moral do exercito revo¬ aos nossos imos. Na minha opinio, acredito que a nossa única esperança
lucionario estava muito alto. seja servir à República francesa. E sob a sua bandera que somos verdadei¬

ramente livres e iguais. E assim que vejo, meu caro amigo, e no creo que
eu esteja enganado. (.) A carta merece uma segunda leitura; cada sentença
Toussaint tinha a primazia da liberdade e da igualdade, as palavras de
vai diretamente ao alvo.
ordem da Revolucio. Elas eram grandes armas em uma era de escravos,
Se é possivel que os ingleses tenham conseguido convencerlo, crê em mim,
mas as armas devem ser usadas e ele as usou com a graça e a habilidade de
meu querido irmo, abandona-os. Une te aos honrados republicanos, e juntos
um esgrimista.
botemos esses realistas para fora de nosso país. Eles so patites que querem
Bandos de quilombolas infestaram a zona de guerra eo mais podero¬
nos colocar de novo sob o jugo daquelas vergonhosas correntes que tanto nos
so deles era um grupo de cinco mil homens comandado por Dieudonné.
custou para quebrar. Ele pedia unidade: “Lembra-te, meu querido amigo, que
Rigaude Beauvais estavam tentando obter a sua cooperaceo, mas Dieudonné
a República francesa é una e indivisivel e é isso que proporciona a sua força e a
no tinha confiança neles, dizendo que no obedecería a nenhum mulato, faz vitoriosa sobre todos os inimigos
e entrou em negociaces com os britanicos. Estes fizeram todos os arranjos
O tempo mostraria até onde Toussaint estava sendo sincero nessas referencias
para comprá-lo para o seu lado, mas o que os atrapalhava decisivamente
constantes à República francesa.
nessa campanha cra a sua política reacionária. No podiam nem mesmo

mentir en larga escala: era muito perigoso, e os seus ricos aliados os tinham Seus emissarios levaram sua carta ao acampamento de Dieudonné e scram-na

desertado de vez. Tinham de ser to cautelosos, mesmo que fosse para fazer para a sua tropa que se encontrava reunida. Quando os negros ouviramo que
acertos com Dieudonné, que ele ficou desconfiado e retirouse. Beauvais e estava sendo lido, irromperam em insultos contra Dieudonné e seus amigos,
Rigaud ouviram falar das negociaçones entre os britanicos e Dieudonnée prova conclusiva de que, embora fossem ignorantes e incapazes de se orientar
pediram a Toussaint para usar a sua influencia. Com apenas um das cartas entre a grande quantidade de proclamações, mentiras, promessas e artimanhas

que ditava, Toussaint mudaria toda a situacio. que os cercavam, assim mesmo queriam lutar pela liberdade. Laplume, o segundo
em comando de Dieudonné, aproveitando se dessa desilusio, imediatamente
(...) no posso acreditar nos dolorosos rumores, que esto sendo espalhados,
prendeuo e a dois de seus seguidores. Isso tambem era obra de Toussaint, que
de que tu abandonaste teu país para te aliares aos ingleses, inimigos jurados da
havia instruido seus homens de que, se Dieudonné estivesse completamente
liberdade e da igualdade.
persuadido pelos britanicos, teriam de chamar de lado alguns dos chefs e, com
Será possivel, meu caro amigo, que no exato momento en que a França
extrema energia, mostrar les que estavam sendo enganados. Dieudonne foi
triunfa sobre todos os realistas e nos reconfece como filhos por meio de
atirado à priso, mas Laplume, en vez de se juntar a Rigaud ou à Beauvais,
seu benévolo decreto do 9 de Termidor, fornecendo nos todos os direitos
juntourse às forças de Toussaint com tres mil homens. Toussaint escreveu
pelos quais temos lutado, que tu deixar-te-ias enganar pelos nossos antigos apressadamente a Laveaux pedindole que fizesse de Laplume coronell. Eu vos
tiranos, aqueles que usam a metade de nossos infelizes irmos para atar a
asseguro que isso produzirá o melhor efeito, e Laveaux sancionou a indicaçao.
outra metade às correntes? Por um tempo, os espanhois cegaram meus olhos,
Rigaud e Beauvais dificilmente poderiam ter ficado to satisfeitos. Uma força
mas no demorei muito para reconnecer a sua canalhice. Eu os abandonei
de très mil homens era una imensa aquisico e Toussaint conquistou-a com
e enganei-os muito bem. Voltei ao meu país, o qual me recebeu de braços uma carta e uma delegacio.
abertos e recompensou-me tambem. Eu te imploro, meu querido irmo, que
sigas o meu exemplo. Se tens razones especiais para desconfiar de generais

como Rigaud e Beauvais, do Governador Laveaux, que é um bom pai para Se o exército era o instrumento do poder de Toussaint, as massas eram
todos nos e em quem a nossa patria-mae depositou confiança, ela deve ao seus alicerces, e seu poder crescen com a influencia adquirida sobre elas.
menos merecer a tua. Tenho esperanças de que no me renegues, pois sou Vindas diretamente do aviltamento da escravido, elas ingressaram em um
um negro como tu e, asseguro-te, no desejo nada mais que te ver feliz e mundo de assassinatos indiscriminados e de violencia. Os espanhois convi¬

147

A
Os jacobinos negros A ascenso de Toussaint

daram oitocentos franceses que estavam nos Estados Unidos para retornar liberdade está selada por mais da metade do vosso sangue; por quanto tempo
a Porto Principe. Depois de um sermo, o padre Vasquez deu o sinal a Jean serei castigado por ver meus filhos ingénuos fugirem dos conselhos de um
François, que passara a manha com ele no confessionario. Os soldados es¬ pai que os idolatra!" Embora um autocrata, era daquella forma que ele se
panhois juntaram se ao grupo de Jean Françoise, silenciosamente, mataram sentia em relaçio à sua gente. So sempre os negros que sofrem o piori era
mais de mil franceses: homens, mulieres e crianças. Ao menos, no reclama¬ uma expressio frequente em seus labios; e pode-se sentir um horror natural

riam suas propriedades de novo. Esses eram os modelos de civilizado para nele ao ouvir a noticia de um levante provocado pelos britanicos entre os
aqueles que haviam sido escravos. Grandes extenses de terra da Provincia trabaladores de um distrito na Provincia do Norte. Vos no tereis muita

Occidental estavam sendo continuamente castigadas pelas batallas, devasta- dificuldade em prever de onde vem essa terrivel desgraça. E ento possivel
das e quemadas. No campo de luta, ricos e pobres, negros e brancos, todos que os trabaladores sempre sejam os brinquedos eos instrumentos de

vingança daqueles monstros que o inferno soltou sobre esta colonia? (.) O
morriam de fome. No era de admirar que os trabaladores negros estivessem
continuamente em estado de insurreico. sangue de tantas vitimas clama por vingança, e a justiça humana e a divina
no podem tardar em deter o culpado.
O medo de que a escravido fosse restablecida era sempre a causa dos

problemas. Os britanicos no pretendiam aboli-la, tampouco os espanhois. Ao primeiro aviso de insurreicao, ele mesmo acorreria. Os distritos mais

A permissio para que regimentos negros pudessem ser formados só foi con¬ difíceis ficavam ao redor de Limbé, Plaisance, Marmelade e Port-de-Paix, os

cedida en 1795, e mesmo ento era terminantemente proibido prometer a primeros centros da revolta na Provincia do Norte e destinados a manter o
liberdade a qualquer um que servisse sob os britanicos. Mas as cosas no primeiro lugar ate o fim. No começo de 1796, por exemplo, Toussaint tomou
confecimento de que os trabaladores de Port-de-Paix tinham se armado e
podiam continuar assim, e os britanicos levaram os negros a lutar a seu
massacrado alguns brancos. Em uma noite, ele cobriu a longa distancia existente
lado como mercenarios. Todas as facces ludibriavam os negros ignorantes,
manipulando seus temores e acusando as outras faces — os franceses eo entre Verretes e Port-de-Paix. Chamou os negros para se unirem e fez-les uma

proprio Toussaint, de quererem restaurar a escravido. Os britanicos e es¬ preleçio sobre a manera pela qual deveriam se comportar. Se fossem ofendidos,
assassinatos no seriam o meio para que as ofensas fossem reparadas. Um deles
panhois podian fazer a sua propaganda acompanada de ofertas de dinheiro
e armas. Jean François disse aos negros que apenas um rei tinha autoridade falou por todos:
para torná-los livres e, por conseguinte, eles deveriam lutar ao lado do Rei Ai de mim, generall Querem nos tornar escravos de novo. No existe
espanhol. Alguns fazendeiros escondiam o decreto de sus escravos. Os negros igualdade aquí, como aquela que parece haver lá, no nosso lado do mundo.

ja desconfiavam dos latifundiarios brancos. Agora, as maquinaçones dos brita¬ Olham nos com maldade, perseguem nos. (...)
nicos e dos espanhois estavam ensinando aqueles que começavam a entender As provisées deles eram levadas por menos do que valiam; os brancos to¬
a politica que todos os brancos nas colonias eram iguais, aves de rapina que
mavam suas galinhas e seus porcos. Se protestassem, eram jogados nas prises
se alimentavam da ignorancia e da falta de experiencia das grandes massas
e para sair de la tinham de pagar.
de trabaladores negros.
As razones que me destes parecem justas, disse Toussaint, mas mesmo
Por esses negros, sem disciplina civica, que se embruteciam em um
que tivésseis uma casa cheia delas terieis vos mostrado errados diante dos olhos
país dilacerado pela revolucio e pela guerra, que sabiam apenas que que¬
de Deus
riam permanecer livres, embora confundidos e enganados por todas as
Eles imploraram-The para que os organizasse:
faces, Toussaint tinha uma profunda e apaixonada simpatia. O meus
Organizai tudo, e seremos to bons que todos serío forçados a esquecer
irmos africanos!" Assim se dirigiu a eles em uma proclamacio. Vos, que

me custastes tantas fadigas, tanto traballo, tanta preocupado; vos, cuja o que acabamos de fazer.

No dia seguinte, Toussaint convocou uma reunio de todos os negros do

distrito. Fê-los jurar que trabalhariam duro e que seriam obedientes. Nomeon
FORTESQUE, History of the British Army v. IV, parte 2, p. 452.
Ibid., p. 469. um comandante. Os trabaladores gritaram:

A
Os jacobinos negros A ascenso de Toussaint

Viva a Repúblical Viva a liberdade, viva a igualdade, viva o Governador espantosas mudanças. Toussaint sempre se dirigía aos negros como cidados
Laveaux, viva Toussaint LOuverture! E dançaram e aplaudiram quando ele franceses: o que a França pensará se souber que a vossa conduta nao e digna de
verdaderos republicanos?
partiu.
Infelizmente, houve outra insurreico logo em seguida, e o lider e doze de Devoco à República e aversio à realeza e a tudo o que ela representava
seus seguidores foram julgados por um tribunal militar e fuzilados no mesmo enchem os documentos da época. Jean François publicou um decreto Em nome
dia. Toussaint acorreu novamente e descobriu que os britanicos tinham feito do Rei, seu Senhof, oferecendo a seus irmáos em Dondon provisées, armas

intrigas entre eles, dandoles armas e municies. Toussaint nao prenden e tudo de que precisassem, a partir do momento en que passassem para o lado

ninguém, no deu um tiro sequer, mas conversou com eles e pôde leva-los de espanhol. A Municipalidade de Dondon deu-he uma resposta cheia de desprezo.

volta ao servico. Alguns republicanos propuseram se render? Se houvesse entre nos homens
Nem sempre ele era to bem sucedido. Fui eu mesmo falar-les e tentar baixos o suficiente para retomar os seus grilhoes, abandona los jamos a vos de

traze-los à razao. (...) Eles se armaram e eu recebi, como prêmio por minhas bom grado. (.)
afliços, uma bala na perna, o que até hoje me provoca dor. A liberdade que os republicanos nos ofrecem dizeis ser falsa. Somos

Mas os anos de 1795 e 1796 foram marcados pelo aumento da confiança republicanos e, por conseguinte, livres por direito natural. Apenas reis, cujos

que os trabaladores da Provincia do Norte tinham nele, no apenas como proprios nomes expressam o que ha de mais vil e baixo, se atrevem a atribuirse
soldado, mas como homem devotado ao interesse deles, em quem podiam injustamente o dircito de degradar à escravido homens como eles, a quem a

confiar diante de qualquer dificuldade que se les appresentasse. O homem que naturezza fez livres.

estava a seu lado na luta contra a escravido. Devido à atividade incessante O Rei da Espanha vos proveu abundantemente de armas e de municies.
em favor deles, ganhou-les a confiança, e entre um povo ignorante, faminto, Usai-as para apertar ainda mais as vossas cacias. (.) Quanto a nos, no pre¬
atormentado e nervoso, as palavras de Toussaint, proferidas en 1796, eram cisamos mais do que de pedras e paus para faze los dançar a carmanhola”. (.)
lei; podia se confiar que a única pessoa a quem obedeceriam na Provincia do
Recebestes comisses e tendes garantias. Guardai vossas libres e pergami¬
Norte era Toussaint.
nos. Um dia, servir-vos-ao, assim como os pedantes títulos de nossos antigos

aristocratas um dia serviram a eles. Se o Rei dos franceses, que arrasta a sua

miséria de Corte em Corte, tem necessidade de escravos para auxilia-lo na sua


Mas, apesar da ignorancia e da desordem, havia um novo espírito no ar. A
magnificencia, deixai-o procura-los entre otros reis cujo número de escravos
So Domingos negra havia mudado c nunca mais seria a mesma, quer lutasse
é o mesmo que o de súditos.
contra os ingleses, espanhois ou franceses. Mesmo Jean François, realista, re¬
Acabais, vis escravos que sois, por nos ofrecer a protego do Rei, vosso
jeitou as propostas de Laveaux com um desprezo marcante. Até que eu veja o
st. Laveaux e outros cavalheiros franceses do seu gabarito darem suas filhas em
senhor. Aprendei e dizei a Casa Calvo (o marqués espanhol) que os republicanos
no podem tratar com um Rei. Deixai-o vir e vinde com ele, estamos prontos
casamento a negros, só ento acreditarei em sua fingida igualdade.
para receber-vos como fazem os republicanos. (.)
Todos os negros franceses, desde os trabaladores de Porto Principe que
Esse era o estilo e o tom de Toussainte de seus homens. Nem os britani¬
exigiam igualdade até os oficiais do Exercito, estavam cheios de um imenso
orgullo por serem cidados da República francesa una e indivisivel, que cos, nem os espanhois poderiam derrotálos. Tudo o que tinham a oferecer era

trouxe liberdade e igualdade ao mundo. Oficiais de diferentes cores no aceita


dinheiro, e há épocas na Historia humana en que o dinheiro nao é suficiente.

riam convites oferecidos para um grupo, como bons republicanos, recusariam

curvarse e rastejar diante de um marqués espanhol, que ficava furioso com a


Um exercito que cresce e a confiança dos trabaladores negros livres signi¬
impertinencia desses negros. Cinco anos de Revolucio haviam forjado essas
ficavam poder. Mas Toussaint percebeu prematuramente que o poder politico

Lettres de Toussaint-Ouverture. La Bibliothèque Nationale.


Ibid. Expressio de una famosa canço francesa da Revolucio, a Ca Ira”.

150 151
Os jacobinos negros A ascenso de Toussaint

é apenas um meio para um determinado fim. A salvaço de Sao Domingos Ele indicou brancos para postos governamentais com a confiança dos
dependia da restauracao da agricultura. Era uma tarea quase insuperavel em velhos governantes realistas. “Tornei Guy comandante militar e Debuisson,
uma sociedade desorganizada, dependente do trabalho de homens que acaba- seu ajudante. So dois franceses corajosos que muito contribuiram para con¬
vam de sair da escravido, rodeados por todos os lados pela raivosa cupidez c verter seus camaradas cidados. (...) Confici a administraço a Jules Borde,
violencia dos franceses, espanhois e britanicos. Toussaint se referia a isso desde que acredito ser um bom republicano e dono da habilidade necessaria para
os sus primeiros dias de comando. levar adiante a sua tarea. Ele tem a boa vontade de seus camaradas cida¬

Trabalhar é preciso”, clamou, é uma virtude, é para o bem geral do dos, que apoiam minha escola. Recomendou um outro branco crioulo
Estado. Suas regras eram duras. Os trabaladores eram mandados trabalhar que o acompanhou em uma expedicio: “.) e que se comportou de manera

vinte e quatro horas depois que ele assumia o controle de um distrito e auto¬ honrosa. Estou completamente seguro de seu civismo. O que esses brancos
rizava os comandos militares das freguesias a tomarem as medidas necessarias (com as lembranças que tinham do passado) pensavam ao ser observados,
para mante-los nas plantages. A República, escreveu, no tem utilidade para inspecionados e admitidos a postos com tanta certeza por algum que ja fora

homens estúpidos e incapazes. Era trabalho forçado e restrico de movimen¬ um escravo, ninguém sabe. Mas no ha nenhum registro de desrespeito ou
tos. Mas a necessidade no tolerava barreras. Ele mantinha a confiança dos
hostilidade franca. Talvez eles odiassem em particular esse estado de cosas,
trabaladores, pois insistia em que os salarios deveriam ser pagos e era firme da mas teria sido difícil obter qualquer resposta nesse sentido. Toussaint tinha
mesma manera com os proprietarios brancos. Todos, proprietarios ou nao, o seu exercito formado por pessos oriundas da escravido, comandado por
estavam sob a autoridad de suas respectivas freguesias e fazendas. Se eles nao oficiais da mesma origem, o qual ele mantinha intacto e livre de possiveis
obedecessem, suas propriedades seriam confiscadas. Desde o começo da sua
elementos de desagregaçao. Mas era to sinceramente gentil com os brancos
carrera de administrador, Toussaint tinha uma política clara na mente, em
naquela penosa condicio, que eles no dexavam de apreciar isso. Muito
relacio aos brancos, e ele nunca a modificou.
me amargura, escreveu a Laveaux, diante das noticias de una insurreicao,
muito me amargura o destino que pesou sobre alguns brancos desafortu¬

nados que fracassaram em seus negocios. Assim ele se sentia em relacio a


Ele confecia esses donos de terra: franceses hoje, ingleses amanha; realistas,
toda a gente negra e branca. Os brancos passaram a reconnecer que poderiam
republicanos; completamente sem principios, exceto na medida en que esses
confiar nele para protege-los dos trabaladores, prontos para dar cabo deles
ajudassem a preservar suas fazendas. Todavia, eles tinham o saber, a educacao
ao menor sinal de retorno à escravido. Conforme passavam a confiar nele,
e a experiencia de que a colonia precisava caso a prosperidade estivesse para
muitos volttavam para as fazendas. Mulheres brancas contaram a Laveaux da
ser restaurada. Haviam trabalado na França e nos Estados Unidos; tinham
cultura, o que apenas uma parte dos mulatos e nenhum dos escravos tinham. atencio e da ajuda que receberam desse homem espantoso, e chamavam de

Toussaint, por esse motivo, tratava-os com extrema paciencia, auxiliado por um paio velho que foi escravo com a sua desprezada pele negra. Nas proprias
caráter integro ao qual aborrecia o espírito de vingança e o derramamento de palavras de Laveaux, a freguesia de Petite-Rivière, onde visitou Toussaint,
sangue desnecessario de qualquer especie. Sem retaliages, sem retaliages ofereceu o agradável espetáculo de mostrar mais de quinze mil trabaladores
de volta ao trabalho, todos cheios de gratido à República: negros, brancos
era a sua constante exortaço aos seus oficiais, depois das campanas. Eram
as suas fazendas que esses brancos queriam e ele les dava, sempre disposto a e mulatos; trabaladores e proprietarios: todos abençoavam o comandante

esquecer as traices se trabalhassem na terra. Quando Mirabelais foi tomado virtuoso cujo cuidado mantinha a ordem e a paz entre eles.
dos britanicos, Toussaint encontrou entre eles mais de trezentos emigrados da

Provincia do Norte. Teria sido a coisa mais simples livrarse desses traidores do
O que deve ter pensado Laveaux, um conde do ancien régime, um francés
país e defensores da escravido. Eles proprios no o teriam poupado, certamente.

Convocou-os e fê-los jurar lealdade à República. Alguns que queriam retornar às illustrado em uma época de luzes, ao receber semanas seguidas essas cartas de
suas freguesias pediram-The passaportes e ele os satisfez. Suas fazendas haviam Toussaint, um antigo escravo? Algumas delas so magníficas. Toussaint era

sido, é claro, confiscadas. Toussaint procede a investigaçones procurando um igualmente mestre na arte da proclamacao, da manobra delicada como a sua
cio de restitui-las. carta a Dieudonné, ou do despacho militar.
Os jacobinos negros A ascenso de Toussaint

O inimigo no tomo a precaucio de montar na estrada de Sao Marcos Tenho o prazer de vos transmitir, general, os louvores que devo a
acampamentos de reserva para a garantia da retirada. Usei de uma artimanha Dessalines. (.) O batalho de sans-culottes acima de todos, que le vou chumbo

para atras lo para a estrada. Eis como foi: pela segunda vez, demonstrou uma grande bravura."
Da estrada de Verretes ele podia enxergar todos os meus movimentos; Eis a nao apenas o soldado nato, mas o escritor nato. O despacho tem
ento, fiz meu exercito marchar para Mirabelais, onde o inimigo poderia ve-lo a auténtica sineta dos grandes capites. O destacamento de Dessources

e teria a impresso de que eu estava enviando um grosso reforço para lá. Pouco era um destacamento famoso de crioulos brancos e a noticia dessa vitoria
depois, fiz com que o destacamento voltasse para a cidade de Petite-Rivière, dos sans-culottes de ébano sobre os velhos fazendeiros se espalhou por

passando por trás de una colina, sem que fosse percebido. O inimigo caiu toda a colonia, aumentando o prestigio dos negros e voltando as atences
direto na armadila; parecendo apressar a sua retirada. Lancei, ento, um para Toussaint.
grosso contingente de cavalaria através do rio, colocandome à frente como

objetivo de alcançar o inimigo rapidamente, mantendono ocupado para dar


tempo à minha infantaria, que vinha atrás com um canho para juntarse a
Tanto em administraço como en guerra, é a mesma cosa. Laveaux, desde

mim. Essa manobra foi maravillosamente bem sucedida. Eu havia tido o cui¬ o começo, parecia ter dado carta branca a loussaint, eo proprio Toussaint

dado de enviar um canho de quatro polegadas de Petite-Rivière até a fazenda assentouse em um gabinete completo como um ditador fascista, exceto pelo

Moreau em Detroit para golpear o inimigo no flanco direito durante a sua fato de ele mesmo fazer o servico.
passagen. Enquanto eu o assediava com a cavalaria, a infantaria avancava em Os britanicos abriram uma brecha no rio Artibonite com a finalidade
grande velocidade como canhao. Logo que ella nos alcançon, fiz com que duas de inundar a parte baixa da planicie e impedir os soldados de Toussaint

colunas passassem, para a direita e para a esquerda, para pegaro inimigo nos de avançar. As chuvas alargaram essa brecha de tal manera que chegou a
flancos. Assim que essas colunas chegaram à distancia de un tiro de pistola, ter pelo menos sessenta metros. Ele posse a bloque la com raízes, arvores
servi o inimigo à moda republicana. Ele prosseguiu mostrando sempre uma e rocas. Contava com mais de oitocentos homens trabalhando nisso ha
vanguarda corajosa. Mas o primeiro tiro de canhao que despejei entre seus
oito dias já e mante-los-ia assim até que terminassem, porque se a brecha
homens, o qual le causou um dano enorme, fê-lo abandonar primeiro uma
fosse deixada no estado en que se encontrava, quando começasse a estacao
carroca e depois um canhao. Redobrei a carga e capturei mais très canhoes,
das chuvas, a terra seria devastada pelo transbordamento do rio eo cultivo
duas carrocas chcias de munico e outras sete cheias de feridos que foram ime-
seria arruinado.
diatamente enviados para a retaguarda. Ento, ocorreu que o inimigo começou
Pareceme, ele advertu Laveaux, que precisais enviarme alguns barcos
a debandar e aqueles que se encontravam na ponta da retirada deram de cara
equipados com canhoes para atravesar diante de Caracol, Limonade, etc., com
com a boca de um canho, aquel que eu havia despachado de Detroit para

a fazenda Moreau. E quando o inimigo viuse surprendido pela frente, pela o objetivo de impedir que naves, que no participam do conflito, atraquem em

retaguarda e por todos os lados, aquela bela figura, o impertinente Dessources qualquer um desses portos. E do nosso interesse interceptar as provisées e as

pulou do cavalo e atirouse no mato enquanto os escombros do seu exercito ajudas que possam receber por mar.

gritavam: Cada um por si. A chuva e a escurido fizeram me interromper A Espanha e a França assinaram a paz no Tratado de Basileia em setembro
o encalço. Essa batalla se estenden das onze da manha até as seis da tarde
de 1795. Toussaint advertit Laveaux para que no pensasse que os espanhois se
custou me apenas seis mortos e um número igual de feridos. Cobri a estrada
manteriam neutros. Ele os confecia bem. Odiavam o fato de serem os negros
de corpos por una extensio maior do que uma légua. A minha vitoria foi
livres e certamente manter se iam em contato com os britanicos, e Laveaux
das mais completas e, se o célebre Dessources tiver bastante sorte para entrar
deveria continuar, por isso, a vigiar as comunicaces.
em So Marcos novamente, será sem canháo e sem bagagen; er resumo, so
Ele mudou a cidade de Verretes. Ela estava em posicio ruim para a defesa,
com a roupa do corpo, como se costuma dizer. Ele perdeu tudo, até mesmo
a honra, se é que um ignobil realista é capaz de ter honra. E se lembrará, por sendo dominada por terreno circunvizinho. Ele traçou o plano de una nova

muito tempo, da licano republicana que le dei. cidade no mejo de um soberbo cerrado, completamente aberto e plano.


Os jacobinos negros A ascenso de Toussaint

Guerra, politica, agricultura, relacées exteriores, problemas adminis¬ A febre amarela dizimou as tropas britanicas, que tiveram milares de

trativos de longo alcance, pormenores infimos: lidava com eles como quer mortes, mas reforços chegavam sempre e o dinheiro era despejado para financiar
que viessem; tomava decisoes e as comunicava a Laveaux, mas, como era exercitos de franceses proprietarios de escravos, brancos e mulatos, alem de tropas

característico do seu tato, sempre como se fosse um subordinado. Quando negras. As vezes, as intrigas internas eo dinheiro britanico tornavam a posicio

Laveaux, esquecendo se do aviso que Toussaint le havia dado quanto à de Toussaint muito débil. Mas a liberdade e a igualdade triunfaram como
traicio dos espanhois, foi castigado por causa disso, Toussaint gentilmente Danton sabia que triunfariam. Toussaint e Rigaud colocaram os ingleses em

disse: “Eu no falei?”. Mesmo as decisos que ele devia saber que eram irre¬ xeque. Victor Hugues derrotou os batalla apos batalla: 1795, diz Fortescue, éo
vogáveis, submetia-as à aprovaço de Laveaux. Em nenhuma carta pensou ano mais desafortunado na história das Forças Armadas britanicas. O responsa¬
vel foi o decreto de 4 de fevereiro. Toussaint, preocupado com tudo, enviou uma
ser necessario explicar qualquer acusaco ou queixa contra elle por Laveaux;
delegacio pessoal à República na França para provar sua lealdade e informar
todavia, escreven: “Receberei sempre com prazer as reprimendas que vos di-
dos cuidados com os quais ele vinha executando as suas tareas como soldado
rigis a mim. Se as merecer, será uma prova da amigade que tendes por mim.

Uma forte amizade crescen entre os dos homens de origens bem diferentes. e protetor do cultivo, e tambem, sem divida, para explorar a política francesa.
Foram unidos pela revolucio. Laveaux era bondoso, correto e devotado à Ele no dexava nada escapar. Reuniu os franceses e assumiu o comando em
maio de 1794. No começo de 1796, era procónsul em seu distrito, governando
emancipacio do negro. Toussaint, extremamente desconfiado e bastante
e lutando como se no tivesse feito mais nada na vida.
reservado, tinha fé absoluta em Laveaux e nunca confiou em nenhum outro
homem negro, branco ou pardo. Laveaux sentia o mesmo en relacio a ele, Diante de tamanhas habilidade, energía e fascinacao, Laveaux capitulou

e uma carta de Laveaux para Toussaint, que sobreviveu, está endereçada ao


completamente. Nos primeiros meses de 1796, toda a Sao Domingos sabia que
seu amigo mais intimo, Toussaint. Entre todos os problemas, militares, Toussaint LOuverture, o general de ébano, era o primeiro nos conselhos e na

políticos e outros, há esta nota de forte apego mutuo: Importante. Estou te afeico do Governador.
mandando algumas trusas. Faze o favor de aceita las daquel que te deseja

a melhor saude e que te abraça com todo o carinho. Todos os meus oficiais
te garantem respeito e fidelidade.

P. S. General, a nossa ansiedade em te ver cresce a cada dia. Por quanto

tempo estaremos privados desse prazer


Sete dias depois, parecia que a visita iria acontecer: Vejo com prazer que

tu no tardarás em vir nos visitar. Espero te com a maior ansiedade, assim

como meus homens, que, com muito ardor, desejam te vere, ao mesmo tempo,
demonstrar a afinidade que tem por ti.

Laveaux, está claro na resposta de Toussaint, escreveu usando o mesmo


tom. Toussaint agradeceu, com recontecimento, a graça do seu comandante.

No sei expressar meu reconfecimento por todas as cosas agradáveis que


me disseste e o quanto estou feliz por ter um pai to bom, que me ama tanto,

como tu. Fica certo de que teu filho é teu amigo sincero e que te apoiará até a
morte. Meu exercito te agradece pelas gentis lembranças e encarrega-me de te

assegurar seu apego e sua submissio. (...)

Eu te abraço com todo o carinho e estejas certo de que participo de todas

as tuas dificultades e preocupaçones.


Os mulatos tentam e fracassam

VII capturava alguma área, conforme sua politica habitual, ele os recebia de bom
grado desde que estivessem dispostos a jurar lealdade à República. Mas, to
OS MULATOSTENTAME FRACASSAM logo voltava as costas, les começavam a fazer intrigas e a conspirar para trazer

os ingleses de volta. O primeiro grande ataque a Sao Marcos sofreu a traicio


dos mulatos; em Sao Marcos, Mirabelais, Verrettes e em todo o distrito do
Artibonite, eram o principal apoio dos britanicos, os quais, sem eles, teriam
sido expulsos bem antes de 1798. Eles levaram Toussaint a perder muitas das
suas importantes capturas. Qual no foi a minha surpresa hoje a saber que
os rebeldes de Sao Marcos e os de Mirabelais nos haviam tomado Verrettes
A superioridade cria inimigos. Os revolucionarios realistas brancos havia
e diversos outros postos, obrigando os nossos a recuar. (...) Esse revés nos
muito ja tinam marcado Toussaint como seu inimigo número um. Um atingiu apenas por causa da perfidia dos homens de cor deste distrito. Jamais
deles, depois de fazer uma lista dos republicanos mais perigosos, assinalou¬
sofri tantas traites. E agora juro que, daqui por diante, os tratarei de manera
o especialmente: Quanto a Toussaint, ele é o grande pai. Mas os brancos
bem diferente do que até ento. Sempre que eu os tomava como prisioneiros,
nao eram mais uma força em Sao Domingos. Os mulatos eramos potencias tratava-os como um pai benevolente. Esses ingratos miseráveis retribuiram
governantes e viam naquela crescente reputacío e amizade do lider negro
procurando entregarme aos nossos inimigos. Depois de muitas intrigas com
com Laveaux uma ameaça à dominaçio que consideravam sua por dircito. Os
os republicanos no grande e belo distrito de Mirabelais, Toussaint foi be¬
mulatos e alguns negros livres preenchiam a maioria dos cargos importantes
sucedido e informou Laveaux, com grande alegria, que estava de posse do
nas tropas (exceto naquelas comandadas por Toussaint), nas municipalidades
mesmo sem derramamento de sangue: o que sempre foi importante para
e na administraço geral. Villate, o comandante de Le Cap, era mulato. Os
ele. Infelizmente, algunas semanas depois, a sua guarnicio foi expulsa de la.
mulatos do Sul estavam sob a liderança de Rigaud, Beauvais e Pinchinat, que
Os mulatos haviam no enganado novamente. Finalmente, ele perdeu a pa¬
estavam assediando os ingleses e construido um Estado mulato. Aqueles
ciencia: “Esses velhacos conspiram mais que nunca (...) há uma conspiracio.
mulatos que foram escravos davam se por felizes ao se ligar aos líderes de sua
(...) Precisais saber que um homem de cor está à frente dela. Os mulatos
casta que precisavam de efetivos.
abandonariam o exercito de Toussaint durante um combate, juntandose a
Todavía, na Provincia Ocidental os mulatos constituam um problema.
inimigo. Canalhas”, “velhacos, patifes, Toussaint no se continha. Eles
Muitos dos proprietarios ricos juntaram se aos britanicos, mas os fazendeiros espalhavam noticias de que Toussaint desejava entregar o país aos ingleses.
franceses que haviam negociado com Williamson repudiaram o decreto de Todo o odio desses canalhas está dirigido contra mim. E por meio de tais
4 de abril (depois de toda oratoria e polémica, quem se importava com isso imposturas que eles incitam o povo. Mais tarde, porem, uma outra nota
agora?); nada os satisfaria a nao ser a colonia como era antes. Williamson deu insinuava se em suas quexas: “Os inimigos da liberdade c da igualdade
a entender ao Governo britanico que, se dispusesse de autoridade para executar
juraram dar cabo de mim. (...) Devo perecer em alguma emboscada à qual
o previsto no Código Negro, conquistaria a colonia imediatamente. Dundas
eles planejam me atrair. Que me prendam direito, pois se fallarem eu nao
recusou. Williamson, imediatamente, percebeu que poderia fazer promessas, os poupari. (...) Aqueles cavalheiros dizen que é necessario livrarse de
conquistar a colonia e depois fugir às obrigaçones. Dundas parecia pensar que mim a qualquer custo.“ Uma das conspiraces, afirma ele, tem Chanlatte
alguns milares de reforços seriam suficientes para derrotar aqueles bandidos
no comando, e Chanlatte foi oficial no exercito republicano. Toussaint, um
negros, sem a promessa de concesses perigosas.
homem que hauia sido escravo, com seu exercito de antigos escravos liderados
Mas, a despeito dessas recusas, os proprietarios mulatos mantinham se, por homens que tambem haviam sido escravos, que era a força mais poderosa
um tanto apreensivamente, a favor dos britanicos. Sempre que Toussaint de Sao Domingos, foi essencialmente um homem dos trabaladores negros: e
nao apenas os mulatos que gravitavam em volta dos britanicos, mas tambem
A Dundas, em 17 de janeiro de 1794. Colonial Office Papers, Jamaica, C. D., 137/92. os mulatos republicanos observavam aquela ameaça a si proprios que era a
Ibid. C. D. 137/93, 5 de julio de 1794. intimidade entre Toussaint e Laveaux, bem como os interesses deste e a sua
Os jacobinos negros Os mulatos tentam e fracassam

popularidade junto as massas negras. No era uma questo de cor, mas sim Le Cap por tres años e agora Laveaux, Governador e comandante-chefe,
cruamente uma questo de classes, pois os negros que foram livres ante¬ vinha para reduzirlo, junto com seus companheiros, a uma posicio subor¬

riormente aderiram aos mulatos. Sendo pessoas de posses e posicio sob o dinada. Quando Laveaux chegou, libertou os negros das prises. Muitos
ancien régime, encaravam os antigos escravos essencialmente como pessos mulatos moravam sem pagar aluguel em casas abandonadas pelos antigos
a serem governadas. residentes. Perrod, o tesoureiro, avaliou as casas e fez com que pagassem
aluguel, e eles levantaram o grito contra a tirania. As cosas estavam che¬

gando a um ponto crítico. No começo de 1796, Pinchinat e um colega, de


Laveaux gostava dos negros por causa deles mesmos e amava Toussaint pelos passagem para Paris, chegaram a Le Cap. Em vez de prosseguir viagem,
servicos que prestara e porque era Toussaint. Seus relatorios ao ministro esto Pinchinat se ocupou em Le Cap, foi levado aos acampamentos, onde se
repletos de elogios a eles. Mas ele tambem os amava por medo aos mulatos e dirigiu aos soldados, escreveu diversas cartas aos sulistas e depois volto ao

por acreditar que os negros seriam um contrapeso ao poder dos mulatos. Sul para criar um alibi.

Estes achavam que eles proprios podriam governar o país, visavam à in¬

dependencia, e alguns dos brancos locis conspiravam juntamente com eles.


Se a intimidade e a admiraço de Laveaux por Toussaint tinham uma soli¬
Laveaux alertou o ministros para o fato de que esses cidados mulatos desejavam
da base política, a intimidade e a admiraço de Toussaint por Laveaux tambem
dominar tudo, dominar todos os lugares e usufruir de tudo que pudessem. Os
a tinham. Nada escapara a Toussaint. Ele vinha observando ha algum tempo
mulatos e os antigos negros livres de Le Cap nao toleravam ver um ex-escravo
as manobras dos mulatos e de Vilatte, desde o inicio de sua associacio com
saindo se bem nos negocios ou conquistar qualquer posicio. Villate encheu a
Laveaux. Depois de ter sido indicado como comandante do Cordo Ocidental,
Guarda Nacional de Le Cap de mulatos, colocou os antigos escravos na priso,
ele perguntou, bem humorado, ao coronel Pierre Michel, ex-escravo, porque
desobedeceu às ordens de Laveaux, escreveu le cartas insultuosas e conspirou
no o tinham mantido informado sobre as intrigas de Vilatte em Le Cap.
com os mulatos do Sul.
Nos dois anos seguintes, Toussaint e Vilatte estiveram em conflito. Vilatte
Ah! Se Rigaud tivesse se comunicado comigo, a colonia teria sido salva
queixouse a Laveaux de que Toussaint probira os proprietarios de vender seu
ha muito tempo. café em Le Cap. Toussaint, indignado, negou a acusatio e anexou diversas
Laveaux ouviu de Villate essa e outras observaces semelhantes e implorou correspondencias para provar a sua falsidade. Acredito que o senhor seja justo

ajuda ao ministro. o bastante, general, para no fazer um julgamento precipitado (...) e espero

que no creía que eu seja capaz de ter cometido tal falta. (...) Se Vilatte fosse
Os chefs que foram escravos so o esteio da liberdade e da República.
um de meus verdaderos amigos, ele tambem teria me comunicado sobre as
Defendo firmemente a opinio de que, sem eles, já teria havido grandes mo¬
acusaçes que le foram apresentadas a meu respeito. Apesar do fato de meus
vimentos pela independencia. As ameaças constantes dos mulatos, ao mesmo
irmaos em Cap François estarem intrigando contra mim desta forma, nada
tempo em que lutava contra os britanicos, estavam desgastando Laveaux. Tenho
tenho a dizer contra eles. Eu os vejo sempre como irmaos e amigos. Pela graça
sido compelido, movido pelo amor ao meu país, à minha patria, a suportar
de Deus, o tempo fará com que o senhor conheca a verdade. Toussaint era
tudo com uma paciencia sobre humana. Mas ele no poderia aguentar por
sempre muito cuidadoso com a sua reputacío. Caso ele no possuisse uma
muito mais tempo.
virtude, ele a assumiria. Todavía, neste caso, a sua indignacio e os ares de
Seu quartel-general ficava em Port-de-Paix. Em julho de 1795, a Con¬ santidade pareciam justificados. Quando os mulatos o traíram, Toussaint
venço concluiu um tratado de paz com a Espanha e, em outubro, instruiu
chamou-os de canalhas, amaldiçoou os realistas, os britanicos e os espanhois,
Laveaux à transferir seu quartel-general para Le Cap; Vilatte havia dominado
mas, apesar das intrigas que havia por toda parte, e apesar da intimidade das

cartas, no havia uma única insinuaço maldosa contra ninguém. Durante


Relatorios ao ministro da Marina. Les Archives Nationales, DXXV, 50. toda a sua vida, ele lutou pela conciliacio entre inimigos e por acertos paci¬
Ibid. Relatorio de 17 de Messidor, ano IV. ficos en todas as disputas.

161

A
Os jacobinos negros Os mulatos tentam e fracassam

Mas ele no era um homem que se deixasse ser apanado de surpresa. Tinha ambicioso, como dom da intriga. Enquanto manteve contato com Toussaint
agentes em Le Cap. No inicio de março, soube que a conspiraço dos mulatos para enfrentar Vilatte, ese mesmo estava conspirando contra Toussaint, visando
estava madura e poderia estourar a qualquer momento. Por que otro motivo ao comando do Norte para si mesmo. Tais eramos homens criados por cinco
ele escreveria a Laveaux esta carta, dois días antes do dia 20? Sim, general, anos de revolucio
Toussaint é vosso filho. O senhor lhe é muito caro. Vosso tumulo será o dele e Assim que Michel soube da prisio de Laveaux, comprenden o que estava
ele vos apoiará mesmo como risco da propria vida. Seu braço e sua cabeça esto
em jogo. Agrupou sob seu comando os oficiais que eram fiéis ao Governo.
sempre à vossa disposicio e, caso le tombe, levará consigo a doce consolacio
Imediatamente, escreveu a Toussaint, que estava em Gonaïves, a 75 milhas
de haver defendido seu pai, seu virtuoso amigo e a causa da liberdade.
de distancia, e instruiu todos os chefes negros da vizinhança para convocar

Mas é bastante certo que ele nada disse a Laveaux sobre as suas suspeitas, trabaladores armados e marchar sobre Le Cap para libertar o seu amigo

pois Laveaux, embora ciente da tenso que existia, foi tomado de surpresa. Laveaux. Ele prenden um emissario de Vilatte, descobriu em seu poder

uma lista com seis nomes e enviou-a a loussaint, scu oficial superior, para
que tomasse providencias. As massas negras na cidade, convocadas pelos
As dez horas da manha do día 20 de março, Laveaux estava em seu quarto, amigos do Governo, corriam pelas ruas gritando: “Todo poder à lei Todo
em Le Cap, conversando com outro oficial. Repentinamente, scis ou oito pessos poder à leil.
entraram precipitadamente, todos mulatos, nem um negro, nem um branco.
Ele penso que fosse alguma briga que queriam que julgasse. En vez disso, os

intrusos o encheram de insultos e golpes. Seu ajudante de campo correu em Toussaint estava em Gonaïves quando recebeu a noticia do golpe de Es-

sua defesa, mas os atacantes prenderam Laveaux, o outro oficiale o ajudante tado. O quel, escreveu a Laveaux. Eles tiveram a audacia de vos ameaçare

de campo. Laveaux estava de chinelos, e na luta eles escorregaram dos seus pés. de empunhar armas contra vos. O que esto fazendo? Eles voltario aos seus
Descalço e de cabeça descoberta, os mulatos arrastram o Governador pelos deveres, ou eu tomarei mil vidas por uma.

cabelos e pelo braço até a prisáo. Perrod, o Tesoureiro, já estava lá. Ficaram dois
Ele despachou dois batalhoes para marchar contra a cidade, um deles sob
dias na prisio, sem ver ninguém e sem nenhuma assistencia. As oito horas do o temivel Dessalines. Escreveu cartas ameaçadoras a todos os lugares onde sus¬
segundo dia, a Municipalidade veio até Laveaux, disse que estava em estado de
peitava que Vilatte tivesse adeptos, e essas cartas foram suficientes para manter
desespero por causa da sua priso, que aquilo era abominavel, etc., etc., e que quietos os postulantes revolucionarios.
esperava que ele saisse em breve.
Endereçou uma de suas inflamadas proclamaçes aos cidados de Le
Mas a Municipalidade tambem participava da conspiracio. Assim que
Cap: (...) Ao desrespeitar o Governador, desrespeitastes a França. O que
Laveaux foi preso, decreto que ele e Perrod haviam perdido a confiança publi- dirá nossa patria-mae, quando souber da vossa conduta irregular para como
ca”. Ela nomeou Vilatte Governador de Sao Domingos. Este escreveu a Pageot, vosso representante? (...) Olhai, olhai para o distrito do Artibonite e vide as
comandante militar do Norte, e a Casa Calvo, na Sao Domingos espanhola,
crueldades inauditas que os ingleses praticam contra vossos irmaos. Alguns
para informa los de sua nova funcio. so embarcados en botes e afogados no mar, e os demais so marcados no
Mas a conspiracio jamais teve a menor possibilidade de sucesso. O ubiquo rosto e acorrentados como escravos de galés. Mesmo as mulieres de cor so

Toussaint vinha observando o seu desenvolvimento e tinha homens em pontos obrigadas a abandonar as suas casas e a se esconder no mato para se salvar das

estratégicos. Pierre Michel comandou um batalho em Fort Liberté, perto de barbaridades dos seus inimigos. Vos, ao contrario, podeis viver pacificamente
Le Cap. Pierre Michel viera da Africa num navio negreiro e havia sido escravo. em vossas casas. Mas nao, vos procurais confusio. (...). Alguns dias depois,
Ele foi libertado pela revolucio, no sabia ler nem escrever, mas havia subido ele mesmo chegou a Le Cap, à frente de sua guarda pessoal e cavalaria. Mas

desde as bases até tornarse coronel. Era um bom soldado, ditava relatorios cla¬ a essa altura a insurreico já estava quase acabada. Laveaux havia sido solto

ros e concisos e até mesmo traçava sua assinatura com tinta, em cima daquela e Vilatte fugiu de Le Cap com um pequeno grupo de partidarios pessoais.

que algum havia escrito a lapis. Era um homem bastante aplicado, ousado e As massas negras na cidade e no campo estavam com Laveaux. Toussaint,

Os jacobinos negros Os mulatos tentam e fracassam

triunfante, lutou pela paz. Enviou uma delegacio a Vilatte, para convidá-lo tem ofendido. Mas, num exercito, sem subordinato no ha disciplina,
a voltar a Le Cap, eos delegados sairam, acompanados por una centena de e sem disciplina nao ha exercito. Se um tenente no é subordinado a seu

mulieres negras. Vilatte disse a eles que esperava que Laveaux fosse morto por capito, o subtenente, o sargento e o soldado tambem no se subordina¬
esses mesmos negros a quem dedicava tantos favores. No entanto, concorda- río. De qualquer forma, é isso o que penso, general. Laveaux no podia
va em encontrarse com Toussaint, mas queria que fosse Toussaint a vir até tomar aquela medida. Temia que a guerra civil pudesse levar à perda da
ele. Mas este, suspeitando de una emboscada, recusou-se. Enquanto isso, as colonia. Mas escreven ao ministro explicando o que havia feito. Ao nomear
mulieres negras que acompanavam a delegacio, ao ouvirem as insinuaçes Toussaint, ele havia impedido os planos daqueles homens inclinados a
dos soldados de Vilatte, voltaram correndo ao quartel general de Laveaux fora mal”. Laveaux estava certo de que Rigaud tambem estava na conspiracio.
de Le Cap, e dispararam por toda a cidade gritando que Laveaux e Perrod Os mulatos haviam sido bloqueados momentaneamente, mas a autoridade
tinham dois navios no porto, cheios de correntes, para submeter os negros francesa na colonia estava em perigo e Laveaux bem perto de um colapso.
novamente à escravido. Imediatamente, os soldados que haviam apoiado
Ah, cidado!", suplicou ele ao ministro. No percais tempo. Enviai
Laveaux cercaram a sua casa, pedindo sua cabeça. Eles iam mata-lo, mas
tropas, uma força poderosa; enviai comissarios, leis e tudo o que for neces¬
Toussaint surgiu à frente da multido, conduziu-a ao armazem principal,
sario para que sejam respeitadas. Qualquer demora fará com que a França
abriu as portas e mostrou-hes que no havia correntes. Os negros ficaram
perca os quatro anos de trabalho e de fadiga que nós, os verdaderos repu¬
satisfeitos, tanto pela demonstraço como pela confiança que tinham em
blicanos, sofremos.
Toussaint, general negro, outrora escravo como eles mesmos.
O Governo francés, alarmado com o crescimento das aspiraçes dos
Mas, embora a insurreico tivesse sido dominada, Laveaux, percebendo a
mulatos, apressouse em enviar uma comisso, que desembarcou em Le Cap
fraqueza da sua posicio, no tomo medidas punitivas. Doze navios britanicos
no dia 11 de maio de 1796. Ela consistia de cinco homens: Giraud e Le¬
e dois americanos bloqueavam Le Cap. Os lideres mulatos estavam obviamente
blance très outros que haviam tomado parte na história de Sao Domingos:
prontos para a insurreico. Laveaux suspeitou de una trama e fez tudo o que
Raimond, o Mulato; Roume, que foi enviado para tomar posse da Sao Domin¬
pôde para evitar uma revolta, que poderia contar com a convencia dos ingle
gos espanhola, entregue à França pela Espanha no Tratado de Basileia; e nosso
ses. Os mulatos reclamavam que o poder deveria ser dividido: um homem no
velho amigo, Sonthonax. Felizmente para ele, Sonthonax chegou a Paris logo
poderia dete lo todo.
depois da queda de Robespierre. Foi julgado e triunfantemente absolvido das
No dia primeiro de abril, Laveaux, acompanado por Toussaint, foi a Le acusaçes levantadas contra ele pelos colonistas. Era confecido como amigo
Cape reuniu o povo e o exercito no campo de paradas. Ele sabia que os mulatos
dos negros, e a França agora no tinha medo dos negros, mas dos mulatos.
esperavam que fizesse alguma alteraço no Governo en favor deles, restabele¬ Assim, Sonthonax foi enviado com a misso especial de controlar os mulatos.
cendo Vilatte no cargo com maiores poderes. Para assombro de todos e alegria Ele trouxe apenas 1200 homens, mas abundantemente armados e municiados.
desenfreada dos negros, ele proclamou Toussaint assistente do Governador e
No día 17 de agosto, quatro meses depois que Sonthonax desembarcara, o Di¬
jurou que jamais faria nada sem consultálo. Chamou-o de salvador da auto¬
retorio confirmou a promocio de Toussaint por Laveaux à posicio de general
ridade constituida, o Espártaco de ébano, o negro que Raynal havia previsto
de diviso, bem como a de Pierre Michel e outros ex-escravos como generais
que vingaria os ultrajes feitos à sua raça. Toussaint, cheio de gratido, cunhou-
de brigada. A França, ainda envolvida numa luta de vida e morte na Europa,
uma de suas frases famosas: Abaixo de Deus, Laveaux. estava se apoiando nos negros, no apenas contra os ingleses, mas contra a

Os historiadores franceses datam a elevacio de Toussaint sobre os ameaça de independencia dos mulatos. Assim, o prestigio de Toussaint como

mulatos e representantes franceses na mente dos negros a partir desse dia lider dos negros elevava se rapidamente.
memorável, e no sem uma condenaço de Laveaux. E privilégio dos his¬

toriadores serem sabios depois dos acontecimentos e, quanto mais tolo o


Evangelho de Sao Mateus (6,12) e Evangelho de Sao Lucas (11,4). (N. do T.)
historiador, tanto mais esperto quer parecer. Laveaux no podia fazer nada.
Governo revolucionario francés instituido pela Constituiçio do ano III, apos a queda
Toussaint queria que ele demitisse Vilatte. O catecismo dominicano diz:
de Robespierre. Caracterizon se por proteger a propriedade e os privilegios politicos dos

perdoai as nossas ofensas, Senhor, assim como perdoamos aqueles que nos proprietarios. (N. do T.)
Os brancos escravizam novamente

VIII Nos distritos rurais, os trabaladores suplicavam a Sonthonax para que les
trouxessem até mesmo crianças europeias que soubessem ler e escrever. Os
OS BRANCOS ESCRAVIZAM NOVAMENTE
negros reconfeciam a sua ignorancia e queriam aprender com os brancos:

ser guiados por homens da França, homens como Laveaux e Sonthonax, ser
ensinados por crianças brancas. Tudo o que queriam era verse livres para
sempre do medo da escravido. Mas os ingleses estavam presentes, gastando
milhoes para escravizá-los de novo. Eles sabiam que os antigos proprietarios
de escravos, para os quais ora trabalhavam como homens livres, tornariam

a escravizá-los na primeira oportunidade que tivessem. Sua esperança era


Sonthonax, mais ditatorial e voluntarioso do que nunca, dominou a
Toussaint, um negro, antes um escravo, com o seu exercito de negros, antes
comisso e iniciou uma política acentuadamente en favor dos negros. Ele escravos. Todos os trabaladores negros de Sao Domingos tinham os olhos
amava os negros, dizia que gostaria de ser um negro e vivia abertamente com
voltados para ele.
uma mulata.
Quando Sonthonax chegou, Toussaint era o segundo na hierarquia militar,
Se todos os brancos fossem como Sonthonax, os trabaladores teriam
abaixo apenas de Laveaux. Detinha a confiança do Governo frances, que le
perdido seus ressentimentos contra os brancos, o que para eles representa¬
enviara presentes e cartas de congratulaces e incumbra se da educaço de
va apenas a oposicio à escravatura. Por Laveaux e Sonthonax, eles fariam
seus filhos em Paris. Com Laveaux e Sonthonax, seus representantes em Sao
qualquer cosa. Mas os negros no podiam confiar nos antigos proprietarios
Domingos, ele estava em excelentes termos. Os mulatos do Norte estavam
de escravos; os britanicos subornavam, faziam intrigas e forneciam dinhei¬ desacreditados, e Toussaint, com seu exercito e o apoio das massas, era o ho¬
ro c armas, e as insurreices continuavam por toda a colonia. Sonthonax
escreveu secretamente ao Diretorio dizendo que os negros odiavam os
mem mais poderoso de Sao Domingos. Poderia datar desse momento a sua
tentativa ambiciosa de tornarse senhor da illa? Muitos está convencidos disso,
brancos, mas que ele comprendia a razo desse dio. Très semanas depois
mas certamente é uma visio falsa. O certo é que Toussaint desejava tornarse
de desembarcar, ele publicou um decreto em créole, no qual declarava que
comandante-chefe, e ento, com toda a delicadeza, ele sugeriu a Laveaux que
qualquer pessos que fosse apanhada dizendo nos mercados ou em qualquer
outro lugar que os negros no haviam adquirido a liberdade definitiva, ou
poderia ajudálo a voltar para a França, caso o desejasse.
que um homem poderia ser propriedade de outro, seria considerado traidor A Constituiçio francesa do ano III havia concedido a Sao Domingos sete

do seu país e punido. Para tranquilizar pessos to sensiveis à liberdade, elle deputados nas duas Camaras. As eleiges deveriam ocorrer em setembro de
1796 e, em agosto, Toussaint declaron a Laveaux que poderia elege-lo como
aboliu a detenço por dividas e colocou em liberdade todos os que estavam
presos por causa desse delito. representante: Laveaux havia sacrificado sua saude, sua esposa, seus filhos

Trabalhou duramente para inculir-les a necessidade de trabalhar. Na e precisava de um descanso das intrigas e das facies de Sao Domingos. A

França todos so livres, disse ele, porem todos trabalham. Mas postou-se desculpa era perfeita. Laveaux havia traballado em Sao Domingos durante

firmemente contra a coerco. Trabalha duramente, era o seu conselho, mas os anos da revolucio e da invasio dos britanicos. Sem poder viajar para

no te esqueças de que ninguém tem o dircito de obrigarte ou dispor do a França, ele havia suportado o peso principal das lutas, primeiro contra
teu tempo contra a tua vontade. Proibiu rigorosamente o açoite nas planta¬ os escravos e depois contra os espanhois e ingleses, como Governador e

comandante-chefe. Suas cartas ao ministro mostram o quanto ele sentira a


coes. Instituiu escolas nas quais os negros recebiam educacao elementare
aprendiam a história grega e a romana. Mandou filhos de negros e mulatos tenso e agarrou essa oportunidade. De qualquer forma, ele no suspeitava
à França para serem educados numa escola especial que a República criara das intençes de Toussaint, ou, se sabia, no guardou ressentimento. Eles

para eles. Anuncion que no pagaria salario a quem no soubesse assinar o continuaram a ser os amigos mais intimos depois da volta de Laveaux à

nome. E assim, en todas as casas de Le Cap, podia se ver homens e mulieres França: mantiveram uma correspondencia pessoal e Laveaux sempre foi o
negros, alguns com até cinquenta anos de idade, apprendendo a ler e a escrever. mais ardoroso defensor de Toussaint.

A

Os jacobinos negros Os brancos escravizam novamente

Mas, naquela mesma eleicao, Sonthonax tambem foi eleito representante derrotados, a reço aumentou e, enquanto ela crescia, os antigos proprietarios
da colonia no Parlamento francés, embora tivesse chegado havia apenas de escravos, arrastandose para fora de suas prises e de seus esconderijos, le¬
alguns meses. Uma das razones para Toussaint sugerir a volta de Laveaux era vantaram a cabeça novamente e exigiram que a ordem fosse restaurada em

a de poder contar com um representante da confiança dos negros na França. So Domingos e nas colonias.
E por essa mesma razo Sonthonas queria retornar. A situacio política havia Na manha seguinte, a Convencio no parecia muito satisfeita com a
mudado na França desde a abolico da escravido sem nenhum debate, e
abolico. Robespierre parecia duvidar da propria utilidade das colonias e,
os que apoiavam a causa da liberdade dos negros tinham boas razones para provavelmente com a idea de barganhar com a Gra-Bretanha, fez saber
estar inquietos.
que no desejava tratar da questo colonial, diante do que todos ficaram
quietos. O felizardo Sonthonax, que era brissotino e, portanto, inimigo de
Robespierre, havia chegado de volta à França antes da queda deste último
Robespierre e a Montanha haviam detido o poder até julho de 1794. O
e corria novamente o perigo de ir para a guillotina. Mas, com a morte
Terror salvara a França, mas, bem antes de julho, Robespierre havia ido longe
de Robespierre, a questo colonial vio à tona novamente. Antes que a
demais e agora estava ficando para trás das massas revolucionárias. Nas ruas
Convencio fosse dissolvida, Boissy D'Anglas elogiou a magnífica defesa
de Paris, Jacques Varlet e Roux pregavam o comunismo, no na produço mas
de Sao Domingos por Toussaint, Rigaud e seus exercitos e declaro que
na distribuicio: era uma reacio natural à especulacio desenfreada da nova
eles mereciam a aprovacio do país. Gouly, deputado colonial, opos se a
burguesia. Todavia, Robespierre, mesmo to revolucionario, continuava a ser essa resolucio, mas sem sucesso. Contudo ele fez um longo discurso, em
um burgués e havia chegado a limite extremo da Revolucio burguesa. Ele
cujas entrelinhas podia se perceber as garras da restauracao, e a Convencio
perseguia os trabaladores: durante essa fase do Terror, pereceram bem mais mandou imprimir esse documento.
trabaladores do que aristocratas. Em junho de 1794, os exercitos revolucionarios
A nova Constituiçio deu à França um Diretorio de cinco membros e
conseguiram uma grande vitoria na Belgica; imediatamente, a continuacio do
duas Casas: o Conselho dos Ancios e o Conselho dos Quintentos. Os dois
Terror foi vista pelo público como uma ferocidade faccional c no como uma
organismos eleitos num pleito restrito reunido en novembro de 1795. A nova
necessidade revolucionária. As alas direita e esquerda da Convencio combinaram
burguesia dominava ambas as Casas. Os jacobinos, cansados e desacreditados,
atacar aquele ditador sinistro e, quando el conclamou o povo, no obteve a
estavam em minoria. Vaublanc, que havia fugido depois de 10 de agosto, e uma
antiga resposta. Algunas das seces vieram, mas houve uma demora, começou
forte camarilla eram membros do Conselho dos Quinhentos, e os emigrados
a chover e elas voltaram para casa. O ardor revolucionario que os havia inspi¬
da colonia mantinham uma agitacio constante dentro e fora do Parlamento,
rado desde agosto de 1792 tinha-se acabado, por obra do proprio Robespierre.
Parece que este temia constantemente uma ruptura entre o revolucionamento pedindo a restauracao da ordem nas colonias. O que seria essa ordem? Os
negros no tinham dúvida quanto ao tipo de ordem que os emigrados co¬
extremo de Paris eo resto do país, mas ele destruit a sua ala esquerda e, desta
lonistas desejavam restaurar. Estes no falavam abertamente em escravido
forma, selou a propria sorte.
pois a revolucio estava muito próxima, mas a Sao Domingos negra começou a
A tragédia foi que as massas de Paris, abandonando o ao seu destino, abriram
ouvir que Page (que havia escrito a carta de 11 de agosto, e seu amigo Bruley
a porta para inimigos ainda piores. Os sucessores de Robespierre eram a nova
bem como Vaublanc e outros notorios inimigos da liberdade colonial estavam
burocracia, os especuladores financeiros, os compradores das propriedades da novamente em atividade na França. Os negros podiam lidar com os brancos
greja, toda a nova burguesia. Eles eram inimigos da realeza (que os levaria à

guillotina, caso essa classe retornasse) e estavam ávidos por igualdade social,
mas determinados a manter as massas no seu devido lugar, e desejavam aliarse
SAINTOYANT, La Colonisation française.... v. 1, pp. 229-30.
à velha burguesia, e até mesmo a uma parte da aristocracia, numa exploracio
Havia uma curiosa aliança entre Robespierre, Fouquier-Tinville, comandante dos tribunais
conjunta das novas oportunidades criadas pela Revolucio. Quando as massas
revolucionarios, e alguns dos colonistas emigrados. Ver em particular o relatorio de Dufay, o
perceberam o que acontecia, elas tentaram, por duas vezes er 1795, reaver o representante dos brancos entre os très primeiros deputados de Sao Domingos. Les Archives
seu antigo poder. Mas a nova França burguesa era forte demais para eles. Foram Nationales, DXXV, 57.
Os jacobinos negros Os brancos escravizam novamente

locis cujos discursos ou açes indicassem a volta à escravido. A República Le Cap, os representantes mulatos e negros, Clairveaux, Moise c
sempre fora vista por eles como amiga. Mas agora, ouvindo o que acontecia Christophe suplicaram-The que ficasse. Moïse, que supostamente tinha um

na França e sabendo quem estava no novo Parlamento e o que diziam, suas dio implacável pelos brancos, disse a Sonthonax que, caso este partisse, elle
dúvidas aumentavam e eles começaram a perguntar a todos os estrangeros se demitiria, pois a colonia, quase que certamente, seria lançada no caos.
que chegavam à colonia vindos da França se a República estava sendo sincera E, numa reunido dos comissarios, Raimond, Leblanc e Giraud disseram¬
dandoles a liberdade. he que, se ele se fosse, eles tambem nao ficariam. Temiam por suas vidas.

Pressionado de tal forma, Sonthonax ficou. Tido na França como executor


A República de 1794 havia sido sincera dandoles a liberdade, mas a Re¬
dos brancos e desagregador da colonia, na realidade ele era un centro de
pública de 1796 seria igualmente sincera en tirá la. Alem do seu clamor pela
agglutinaço de negros e brancos, desde que fossem ambos republicanos. Mas
restauracao da ordem (enquanto negros e mulatos, sob o comando de Toussaint
ele no tinha piedade dos antigos proprietarios de escravos, e estes eramos
e Rigaud, exauriam o sangue da Inglaterra, a principal inimiga da República),
que mais faziam barulho na França. Toussaint tambem o pressionou para
os burgueses maritimos e os colonistas abriam fogo contra Sonthonax, como
que ficasse e, longe de ter tramado a eleico de Sonthonax para se ver livre
executor dos brancos e causador de todos os problemas.
dele, como se acredita comumente, ele disse a Diretorio que a segurança
Sonthonax chegou a Sao Domingos em maio de 1796, durante os prepa¬ da colonia dependia de Sonthonax continuar como comissario, pelo menos
rativos para as eleices de agosto em Sao Domingos, e com a reaceo colonial até que fosse declarada a paz com a Inglaterra.

crescendo en demasia na França ele pensou, tanto em sua defesa como em

beneficio dos negros, que seria melhor se voltasse à França como deputado.
Infelizmente, Sonthonax, verdadero representante da Revolucio, tambem
A burguesia maritima e os fazendeiros haviam feito uma infinidade de
era agente da República francesa, enviado para assegurar que a França e no os
intrigas sobre a questo colonial até que as massas de Paris deram à colonia a
mulatos governassem a colonia.
oportunidade de adaptarse às novas condices. Ento, assim que chegaram
ao poder novamente, demonstraram mais uma vez a velha ganancia, a deso¬ O baluarte mulato era o Sul, sob Rigaud, que conduzia a guerra contra os
britanicos com tal habilidade e vigor que foi elogiado repetidamente, até mesmo
nestidade e a trapaça. Os danos que causariam desta vez seriam quase nada

comparados como que haviam feito entre 14 de julio de 1789 e 10 de agosto por um historiador inglés tory. Em 1797, Rigaud dominava grande parte do
Sul. Ele tinha seis mil homens e um destacamento de cavalaria. Cada um dos
de 1792. Quando tudo terminasse, eles culpariam os revolucionarios. cheses de batalho comandava um arraial com poderes absolutos, exercendo
todas as funçones civis e politicas. Nenhum negro tinha patente mais alta que

a de capitáo e, ao contrario de Toussaint, Rigaud mantinha os brancos sob


Sonthonax elegen-se facilmente, mas, embora desejasse partir, todos
suplicaram-The que ficasse. So Domingos ainda estava desestabilizada sujeico rigida, excluindo os de todas as posites importantes.

e a influencia dele era forte. Seu nome ainda era um talisma junto aos
negros e, numa insurreico que teve lugar no centro revolucionario de
Clairveaux, Maurepas e cem outros signatarios a Sonthonax, 30 de setembro de 1796.
Correspondance du citoyen Sonthonax, v. II, p. 370, La Bibliothèque Nationale.
Port-de-Paix, na qual brancos foram massacrados, os trabaladores gritavam:
Ibid., Moise a Sonthonax. 21 de setembro de 1796. Correspondance du citoyen Sonthonax,
Viva Sonthonax Viva Sonthona!". Obviamente, os negros, assim como
v. II, p. 372.
os cavalos, os cachorros, os gatos e alguns animais selvagens, julgavam um Relatorio das Deliberates da Comisso por Pascal, o secretario, 25 de Vendemiario, ano

homem nao pela cor da sua pele, mas pela forma como ele se comportava. V. Les Archives Nationales, DXXV, 45.

Agentes britanicos, bem municiados de dinheiro, estavam sempre no meio Copia das minutas da Assemblea Eleitoral, 20 de Frutidor, ano IV, e dias seguintes. Les
Archives Nationales, DXXV, 45
deles, incitando o conflito e encorajando as desordens. Os realistas franceses
A crença mantida por longo tempo de que Toussaint promoveu a eleicio de Sonthonax para
faziam o mesmo. A situacio estava muito incerta e todas as classes, bran¬ se ver livre dele é, pois, diretamente contraditoria aos fatos
FORTESCUE, History of the British Army, Londres, 1906, v. IV, parte 1.
cos e negros, pediram a Sonthonax que no partisse. A Municipalidade de
Os jacobinos negros Os brancos escravizam novamente

Rigaud tinha, indubitavelmente, uma mentalidade estreita. Usava sempre cimes pessoais de Toussaint por este ser negro e cooperou na luta contra
uma peruca marrom de cabelos lisos para parecer o mais que pudesse com os britanicos, segundo ordens de Toussaint. Este acreditava que Sonthonax
um branco. Essa sensibilidade quanto à cor, em homens ativos, em geral é deveria convocar una reunio. Alerton Sonthonax para em hipotese alguma
acompanada de grande amargura contra a raça opressora, e a estreiteza da enviar Rey, que era inimigo de Rigaud e tentara assassina lo em Les Cayes.
organizacio de Rigaud, bem como a excluso de brancos e negros de todas Sonthona nao he deu ouvidos.
as posites de poder, sem divida tinha algo a ver com o seu caráter pessoal. Jamais houve una expedicio to destinada ao fracasso, e suas aventuras
Mas, fundamentalmente, cra devido às proprias circunstancias dos mulatos. do uma idea bem aproximada do caos social com que Toussaint tinha
Eles eram, sem duvida nenhuma, numericamente inferiores aos negros. Mais de lidar.
do que os negros analfabetos, eles sabiam da propaganda dos emigrados e Rigaud, embora desconfiado, deu as boas-vindas aos comissarios e tratou-os
das intrigas para a restauracao da supremacia branca. Toussaint no confiava com grande respeito. Eles apreciaram devidamente o poder que Rigaud e seus
absolutamente nos brancos, mas os negros eram to atrasados que ele tinha oficiais exerciam. Mas, ignorando isso, aonde iam incitavam os trabaladores
de utilizar os brancos. Os mulatos estavam mais bem guarnecidos. Embora contra o governo de Rigaud, dizendoles que os mulatos os estavam oprimindo.
nem todos fossem educados, eram em número suficiente para governar. E A inquietaço entre trabaladores e soldados surgia en todos os lugares pelos
se establecessem uma oligarquia de mulatos os acontecimentos, passados e quais os delegados passavam.
futuros, provariam que os brancos, pelo menos, seriam as últimas pessos a
A sua conduta pessoal era insatisfatória. Gastavam grandes quantias, jo-
ter suas quexas ouvidas.
gavam durante horas nas residencias onde se hospedavam e divertiam se com
Rigaud e seus seguidores haviam abandonado a escravido, mas eram du¬ mulheres fáceis. Rigaud estava comprometido com uma jovem, Marie Ville¬
ros com os trabaladores negros. Eles fizeram com que estes comprendessem neuve. Rey a seduziue, quando Rigaud foi ve-lo, disse he sorrindo:

que a sua liberdade devia se aos mulatos, confinavam nos nas plantages, e as Rigaud, quero que conhecas a moça mais bonita de Les Cayes, mas
prises de Rigaud estavam repletas de brancos e negros a ferros, mas vazias
promete me que no contarás a ninguém!
de mulatos. Seu principal conselheiro era Pinchinat, e eles restauraram o
Levando-o ao quarto, afastou o cortinado da cama e mostrou-he Marie
cultivo a tal ponto que Rigaud jamais pediu assistencia financeira ao Governo
Villeneuve. Rigaud, homem de notorio temperamento irascivel, atirouse
frances e pagava a sua propria municano. Todavia, era um verdadero amigo da
sobre Rey, derrubou-o e estava a ponto de jogá-lo na rua pelo balcao quando
República. Recusou todo suborno ofrecido pelos britanicos e, ao contrario
os criados entraram eo impediram. Um dos comissarios tolamente indagou a
de Toussaint, atirava sem piedade em quasquer um, mesmo mulato, que cons¬
Rigaud o que ele pensaua que aconteceria se eles prendessem Pinchinat. Mas
pirasse com os ingleses. Quaisquer que fossem as instruges de Sonthonax,
Rigaud eos mulatos continuaram a demonstrar uma paciencia exemplar. A
ele deveria deixar Rigaud sossegado, pelo menos até alcançarem a paz. Mas,
delegacio tentou enviar uma expedicio ao territorio inimigo. Desfourneaux,
excessivamente confiante, ese ocupouse de Rigaud sem ter os meios necessarios
no posto de oficial superior, no aceitava os conselhos dos oficiais locis, e
para executar a sua vontade. Estava havia pouco na colonia quando enviou ao
sua coluna foi duramente derrotada. Ao voltar, cheio de raiva, ele prenden
Sul uma delegacio de très homens: o general Desfourneaux e Rey, brancos, o tesorero do Sul, como le havia sido ordenado, e tambem prenden um
além de Leborgne, um mulato. Desfourneaux deveria controlar o exercito oficial mulato por uma ofensa qualquer. Enquanto estava sendo conduzido
de Rigaud, a delegacio teria de restablecer a igualdade entre os cidados de ao porto, esse oficial encontrou um grupo de seus proprios soldados. Cor¬
todas as cores (as instrues de Sonthonax eram particularmente severas nesse
reu para cles, consegundo ficar a salvo entre seus homens, e a insurreico
particular). Ela devia ainda investigar se a conspiraço de 20 de março tinha latente começon.
raízes no Sul, prender Pinchinat e traze-lo a Le Cap para ser julgado pelo

seu papel naquela trama; Pinchinat, que era o dolo do Sul e dos mulatos em
toda a colonia. Toussaint aconselhou Sonthona a nao tentar fazer tal cosa. Essa é mais uma das lendas persistentes, agora desacreditada pela massa de documentos
Ele e Rigaud se respeitavam e até mesmo se admiravam. Rigaud jamais teve reproduzida por Michel, em La Mission du Général Hedouville...

172
Os jacobinos negros Os brancos escravizam novamente

Os soldados europeus e a Guarda Nacional eram apoiados pela delegacano Rigaud. Ento, nos últimos meses de 1796 e no começo de 1797, Toussaint

do Governo, mas todos os mulatos tomaram o partido de Rigaud. Naquela estava bem próximo de Rigaud, que ocupava uma posicio muito incerta.

noite, o irmo dele levantou os trabaladores negros, que, embora tivessem Os britanicos tiveram uma boa oportunidade durante toda essa confuso
um destino duro pela frente, seguiriam sempre qualquerum que acreditassem e poderiam ter conquistado a colonia. Chegaram a afirmar que, por essa

estar do seu lado contra a escravido. Beauvais, ciente de que os delegados época, Rigaud havia entrado em negociacio com eles. Como quer que tenha
eram merecedores de uma dura reprovacao, mas reconfecendo a sua autoridade sido, os mulatos, repelidos pela República, aproximaram se dos negros de

como representantes do Governo, tento fazer as pazes entre as duas partes. Toussaint, mas, enquanto Rigaud e sua gente viam Sonthonax como o seu

Os mulatos se recusaram a ouvi-lo e disseram que esperariam por Rigaud. pior inimigo, Toussaint mantinha a mais amistosa relacio como comissario.
Rey e Desfourneaux fugiram, eos mulatos e os negros em plena insurreico Procurado pelos negros, pelos mulatos e pelos brancos, o agradável e discreto

massacraram um grande número de brancos, que estavam, é claro, do lado Toussaint foi gradualmente se tornando um homem em Sao Domingos de

dos comissarios. Leborgne e Kerverseau, um outro oficial europeu, foram quem tudo dependia.

salvos apenas porque Beauvais, embora impotente em parar a agitacao, nunca


os dixo, nem por um momento.
Sonthonax continuou a governar com energía. Seus outros colegas, com
Rigaud era o único homem que poderia restablecer a calma, mas
exceçio de Raimond, abandonaramno. Roume estava na Sao Domingos
Rigaud nao viria. Ele adorava una expressio: “Como é terrível a ira do
espanhola. Sonthonax fazia intrigas entre os generais negros, mas apenas em

povol, e quando ficou sabendo do massacre em Les Cayes tudo o que fez favor de seu proprio poder e sem nenhum planejamento contra a liberdade
foi repetir essa frase vezes seguidas. Por fim, Kerverseau e Leborgne deram
deles. Rochambeau, um general branco, opunha-se à riqueza e ao dominio
autoridade para Rigaud restablecer a ordem. Rigaud publicou um decreto
dos generais negros c Sonthonax mandou-o embora de uma vez. Contra a

afirmando que tinha sido colocado oficialmente no controle do Governo e arrogancia dos brancos ou dos emigrados brancos, era um inimigo to feroz
imediatamente a calma foi restablecida. Leborgne c Kerverseau partiram, quanto qualquer trabalhador negro. Ele queria varrer os aristocratas da face
e Rigaud continuou senhor do Sul. Ele e a sua gente tinham sido brutal¬
da terra. Toussaint costumava enviar auxilio ao seu antigo senhor nos Estados
mente provocados, mas eram culpados de rebelio. Sonthonax recusou se a Unidos, Bayou de Libertas. Ele desejava que voltasse, mas curvou-se diante da
receber as delegaçones que a Municipalidade de Les Cayes the enviara para lei contra os emigrados, e Sonthonax ficou particularmente satisfeito com esse
explicar as infelizes ocorrencias. O Sul tento por intermédio de Roume, exemplo do civismo de Toussaint. Sonthonax conduzia frequentes demonstra¬
o outro comissario. Roume tambem se recusou a ouvir. A Municipalidade
ces revolucionárias e fazia con que as crianças nas escolas passassem muitas
enviou dois brancos a Paris para advogar essa causa. Quando, depois de
horas cantando os hinos da Revolucio.
um certo atraso, eles lá chegaram, voltaram se contra Rigaud e se tornaram
Mas ele tambem trabalhou pela restauracao da colonia. Le Cap foi
seus acusadores ao invés de defende-lo. Sonthonax reorganizou a diviso
geográfica de Sao Domingos de forma a trazer dois distritos do Sul para a parcialmente reconstruida e as plantages começaram a florescer. Numa
fazenda na Planicie do Norte, um pequeno negro chamado Brossard detinha
jurisdico do Governo. Os habitantes, estimulados por Rigaud, expulsaram
a confiança tanto dos negros como dos brancos. Ele fez com que os homens
os oficiais que Sonthonax enviara para tomar posse. Sonthonax mandou
trabalhassem mediante a promessa de uma quarta parte da produçio e le¬
uma proclamaço denunciatoria. Os cidados de Les Cayes arrastram¬
na nas ruas no rabo de um asno. Pinchinat, eleito entre otros como
vantou o capital para recomeçar a plantagio. A experiencia foi um grande
sucesso e as plantages eram arrendadas pelo Governo sob esse novo prin¬
representante do Parlamento francés pelo Sul, nao foi autorizado a tomar
cipio. Toussaint encorajou seus generais e outros notáveis a adotarem esse
assento quando chegou a Paris. A ciso entre o Sul sob Rigaud e o Governo,
sistema, pelo qual todos, inclusive o Estado, lucrariam. Dessalines chegou a
tanto em Sao Domingos como na França, estava completa. Mas Rigaud

enviou um representante para colocar essa questo a loussaint. Sonthonax ter trinta fazendas arrendadas. Toussaint popularizou algumas palavras de
ordem repetindo as muitas vezes: “Eu nao quero ser um negro qualquer da
ouviu isso e queria ve-lo preso. Toussaint recusou e protegen o homem de
Os jacobinos negros Os brancos escravizam novamente

costa era una delas, referindose as necessidades primitivas dos africanos Toussaint para assinar e fazer com que seus oficiais tambem assinassem,
da costa dos escravos. A garantia da liberdade dos negros é a prosperidade Toussaint convocou seus oficiaise a carta foi lida para eles. Alguns, com os

da agricultura era outro dito seu que se espalhou entre os negros. A ban¬ quais Sonthonax ja havia falado, recusaram se a assinar; outros, tentando
didagem, a vagabundagem, os assassinatos ainda continuavam a existir, descobrir o que significava aquilo, disseram que esperariam para ouvir quais

como continuaram na França ate o advento de Bonaparte: mas, dilacerada as intençes do proprio comissario. Pascal correu a Sonthonax e implorou¬

e devastada como estava Sao Domingos, a colonia estava melhorando nos he que tornasse as cosas mais claras, dizendo o que pretendia fazer. Mas

primeiros meses de 1797. Toussaint foi indicado como comandante-chefe Sonthonax, sabedor da atitude desses oficiais, recusou-se a dizer qualquer
coisa e parecia mesmo disposto a resistir. Toussaint ento disse aos oficiais
e Governador, por recomendacio de Sonthonax, que o instalou em Le Cap
numa imponente cerimonia. que poderiam assinar ou nao, conforme quisessem. Sonthonax, disse ele,

O nome de Sonthonax estava na boca de todos os negros. Ali estava, visio


queria ir para a França para assumir seus deveres de deputado e havia solici¬
tado essa carta. Toussaint os havia convocado para assinarem a carta e no
espantosa, um homem branco que protegia a liberdade e os privilegios de todos,
para deliberarem sobre ela, pois isso seria contra a lei. Alguns assinaram,
tanto trabaladores como generais, como se ele mesmo tivesse sido escravo
entre eles Moïse e Christophe. Outros foram embora, mas alguns voltaram
alguma vez.
mais tarde, dispostos a assinar. Toussaint no les permitiu. Disse que no
estava pedido que o atendessem e que estava disposto a assinar a carta
sozinho e assumir toda a responsabilidade. Aquilo era típico de Toussaint,
No dia 17 de agosto de 1797, Toussaint foi a Le Cap e apresentourse a
Sonthonax. Depois de alguns minutos, foi visitar o comissario Raimonde que hauia sido treinado como escravo e depois como soldado. Ele jamais se
dava ao trabalho de explicar muita coisa aos subordinados. O dever deles
disse-The que a colonia estaria em serio perigo se Sonthona nao partisse ime¬
era obedecer.
diatamente. No desejava usar de violencia contra Sonthonax, devido à sua
A carta estava cheia de elogios a Sonthonax pelo seu traballo e falava da
posicio de oficial, mas Raimond, sendo seu irmo comissario, deveria pedirle
que partisse para Paris para assumir o posto de deputado. Ele afirmo que no necessidade de algum como ele estar na França para defender a liberdade
poderia declarar as suas razones. dos negros. Raimond levou a carta com as assinaturas a Sonthonax, que

respondeu com outra epistola lisonjeira. Toussaint, que sempre conduziu


Raimond ficou atonito, como era de esperar. Toussaint e Sonthonax eram
as intrigas diplomaticas da maneira mais cerimoniosa, respondeu com uma
grandes amigos. O que teria acontecido? Ele tambem estava assustado. Aquele
nova carta. A Sonthonax fora dado o prazo de tres dias, mas este procurava
era um passo muito serio, de consequencias incalculáveis. No dia seguinte,
ganhaar tempo, incitando os oficiais fiéis a ele. Um dia, as quatro horas da
Toussaint disse a Raimond que Sonthonax estava preparando uma catastrofe,
manha, Toussaint disparou um canho como alarme e enviou o general
que os brancos que ainda estavam em Sao Domingos seriam mortos. Ele acusou
Agé para dizer a Raimond que, se Sonthonax no partisse imediatamente,
Sonthonax de desejar levantar os negros contra os brancos. Eles discutiram
ele entraria na cidade e o embarcaria a força. Era o fim de Sonthonax. Na
com Toussaint, sem resultado, e tentaram mostrar le a gravidade desse passo,
compania de sua amante, de Raimonde de alguns oficiais leais, Sonthonax
que poderia levar à desordem e à guerra civil numa colonia que finalmente
atravessou as ruas de Le Cap a camino do navio. A populacio observou-
estava en paz. Raimond e Pascal, secretario-geral da Comisso, dirigiram se
partir, emudecida de tristeza e de assombro. Ele era imensamente popular
a Sonthonax e relataram o que haviam ouvido. Toussaint ento chegou, mas
junto aos negros, mas Toussaint disse que deveria ir, e depois disso nada
Sonthonax disse que preferia conversar a sos comele. Por que? Sonthona nao
poderia salválo.
conseguir convencer Toussaint e finalmente concordou em partir, se Toussaint
The desse uma carta de despedida.

No dia seguinte, Raimonde Pascal retornaram e Toussaint, ainda O que estava por trás daquele episodio, um enigma nao resolvido até

mantendo silencio quanto as suas razones, falou-lhes da carta proposta. Os hoje? A explicacao de Toussaint, o segredo que ele guardava, era que, desde o
dois foram até Sonthonax e voltaram com um rascuno, que pediram a final de 1796, Sonthonax havia-The sugerido, diversas vezes, para massacra¬
Os jacobinos negros Os brancos escravizam novamente

os brancos e declarar a independencia da colonia. Foi isso que Toussaint mentira e metade era bobagem. Se, por un lado, Sonthona nao era culpado,
escreveu numa extensa carta ao Diretorio, em que ele fez um relato, de por otro a sua defesa era muito pobre.
forma dramatica, das diversas entrevistas nas quais Sonthonax The havia
Mas tambem nao é fácil comprender o ponto de vista de Toussaint,
feito tais propostas.
Ele certamente mentia quando disse que estava zangado com Sonthonax
Eis aqui uma parte da história de Toussaint. Ele foi empossado como por fazer tais propostas de traicio. Até poucos días antes de sua visita a Le
comandante-chefe no día 2 de maio de 1797. Naquel dia, depois da cerimonia, Cap, os dois eram bons amigos. Ele afirmou que Sonthonax vinha fazendo

ele montava o seu cavalo para voltar a Gonaïves quando Sonthona o deteve, tais propostas desde o final de 1796. No dia primeiro de fevereiro de 1797,

pediu-he que entrasse em sua casa e novamente toco no assunto”. escreven ao ministro pedido que no acreditasse nas insinuaçes de que Son¬

— Estou muito, muito contente, estou encantado por te ver como coman¬ thonax e Raimond estivessem traindo os interesses da França e, perguntado se
Sonthonax deveria ficar, respondeu: A segurança de Sao Domingos, toda sua
dante-chefe das Forças Armadas da colonia. Estamos agora em posicio de
restauracao, exige que o Diretório nao permita que ele retorne. (1) Minha
fazer exatamente o que desejamos. Tens influencia sobre todos os habitantes.
E imperativo que executemos o nosso projeto. Este é o melhor momento, as ligacio com a França, o amor à patria-mae e aos meus irmos obrigamme a
fazer esse pedido aos senhores. No día 15 de junho, numa carta a Sonthonax,
circunstancias jamais foram to favoráveis, e ninguém melhor do que tu e eu
Toussaint a subscrevia com amizade sem fim. No dia 16 de junio, escre¬
para agir.
veu a Mentor, outro negro, que as medidas da Comisso haviam sido todas
— Isso quer dizer, comissario, que tu me desejas destruir (...) matar todos
aprovadas. Como Sonthonax ficará contentel Gostaria de estar perto dele
os brancos e tornar nos independentes. Mas tu me prometeste que no falarias
para abraçálo e externar a minha satisfacio. Essa satisfacao faz com que eu
novamente desses projetos, respondeu Toussaint. esqueça momentaneamente os meus aborrecimentos.
Sim, mas bem ves que é absolutamente indispensável! Todavia, algunas semanas depois, para espanto de todos, ele insistia, com

E assim continua, página apos página, esse curioso dialogo dramatico, com toda a força da sua vontade inquebrantavel, que Sonthonax deveria partir. Nada

os mesmos atores e o mesmo tema, diferindo apenas no tempo e no espaço.


que houvesse acontecido em Sao Domingos poderia explicar isso. A explicacao,
Quanto da verdade havia ali? Ninguém sabe ao certo. Quando Sonthonax como tantas cosas na história de Sao Domingos, deveria ser procurada na

se defenden contra essas acusaçes em Paris, ele disse que hauia dexado Sao França. O que estava acontecendo por la mudou a visio de Toussainte, com
Domingos por sua livre e espontanea vontade, o que era mentira. Alegou haver ela, todo o curso da revolucio negra.

descoberto uma conspiracio dos padres e emigrados, dos quais Toussaint era um
instrumento, para livrarem-se da Comissa. Isso era tolice. Ele tambem acusou
Os fazendeiros, na Paris de 1797, eram quase to barulentos quanto em
Raimond de conspirar junto com Toussaint, com a finalidade de convidálo.
1791, embora no to poderosos. A Revolucio na França estava morta. Babeuf
por meio da carta, a partir para a França. Mas tanto Pascal como Raimond
havia chegado à concluso de que a igualdade política só poderia ser alcança-
poderiam facilmente refutar essa declaraçao. Se algum pudesse ser acusado de
da por meio de una mudança drástica na organizacio economica. A policia
tramar a independencia, disse Sonthonax, sería Toussaint, eo culpou de estar
do Diretório relatou que trabaladores e trabaladoras liam avidamente os
rodeado de emigrados brancos, de organizar a revolta de 1791, de lutar pelo
escritos de Babeuf. Mas o entusiasmo combativo dos velhos tempos havia sido
Rei da Espanha e de abandona-lo apenas quando soube das negociaces de paz
quebrado pela derrota e pelo desapontamento. A tentativa de Babeuf falhou
e de que o Rei da Espanha nao precisaria mais dele. De tudo isso, metade era
miseravelmente, e a burguesía aproveitou a reacio para estabilizarse. Deputa¬
dos jacobinos respeitaveis, que provavelmente jamais haviam ouvido falar de

Relatorio de 18 de Frutidor, ano V (5/9/1797), Les Archives Nationales, A.F. III, 210.
10 Les Archives Nationales, A.F. 1212. Citacio de SCHOELCHER, em Vie de Toussaint¬
Reproduzido parcialmente por SANNON, em Histoire de lousaint-Ouverture, v. II, p. 24-40.
Ibid. Ouverture, p. 194.
Os jacobinos negros Os brancos escravizam novamente

Babeufaté ele ser preso, foram acusados de terrorismo e anarquismo e, dos 216 britanica). Barbé acusou os trabaladores de serem instrumentos passivos e
antigos membros da Convencio que deveriam sair em março de 1797, apenas servis dos crimes de Sonthonax. Delahaye disse que Sao Domingos precisava
uma duzia foi reeleita. A reacao tinha ido to longe que o presidente dos Ancios de novos agentes com força para se impor.
era Barbé de Marbois, o intendente que havia sido expulso de Sao Domingos
No dia primeiro de junho, o Diretório enviou uma mensage de
pelos patriotas em 1789.
Raimond para a Casa, descrevendo tudo o que estava sendo feito para as
Portanto, Vaublanc e seu partido, imensamente fortalecidos depois das plantages. Bourdon disse que era tudo um monte de mentiras, que todos os
novas elices, continuavam como nos bons velhos dias. Por que os negros proprietarios estavam sendo expulsos e que os comissarios estavam enchendo
esto armados?", pergunton Bourdon. Para destruir todos os partidos? Os os bolsos de dinheiro. Vaublanc disse que o mesmo barco que havia trazido o
infelizes colonistas brancos haviam diminuido de 40 mil para 25 mil. Al¬ despacho de Raimond havia trazido Martial Besse, um general criolo, que
guns dias mais tarde, Bourdon enviou nova mensagem ao Diretório sobre os afirmo que a colonia estava numa desordem total. Ele pediu a exoneraçio
massacres e denunciou os relatorios oficiais mentirosos. Por que os brancos de de Sonthonax. Garran-Coulon defenden Sonthonax, mas finalmente uma

So Domingos estavam sofrendo? O Diretório estava perdoando os realistas moço proposta por Vaublanc e Villaret-Joyeuse foi aprovada por maioria

na França: de 1500 pedidos de restauraço de direitos dos emigrados, apenas absoluta e, no dia 3 de junho, a Camara decidiuse pela exoneraço de
166 haviam sido rejeitados. Mas nas colonias essa perseguido continuava. Raimond, Roume e Sonthonax. No decorrer de sua fala, Villaret-Joyeuse
Finalmente, em maio, o Diretório pode enviar uma mensagem de Sao Do¬ disse que o regime militar era o único que poderia salvar Sao Domingos e
mingos. Era de Toussaint. salvar os infelizes brancos das adagas dos negros. Ele e Vaublanc exigiram

O odio aos ingleses, dizia ele, havia unido todos os partidos. Os ingleses que fosse declarado o estado de sitio em Sao Domingos, até que a paz fosse

haviam coroado suas atrocidades com a invenço de pelotas crivadas com pontas alcançada. No dia 12 de junho, o Conselho dos Ancidos aprovou a proposta

de aço afiadas que eles jogavam no meio dos soldados republicanos quando a de exoneraçio.
luta era corpo a corpo, sabendo que a maioria dos negros estava descalça. Mas Sonthonax certamente tinha amigos na França que o mantinham infor¬
esse odioso artefato resultou em sua propria vergona: "Os nossos soldados mado. Toussaint, conforme sabemos, tinha seus agentes particulares. Mas,
desafiaram essas armas com uma raiva invencivel e provaram que nenhum mesmo sem essas fontes especiais de informacio, Sao Domingos sabia, pois
obstáculo poderia deter homens que lutam pela liberdade. as noticias aparecia todos os dias no Moniteur, o jornal oficial. O Moniteur

Com essa mensagem emocionante, um eco de uma era que ainda res¬ de 12 de junho trazia um anuncio de una carta de lorde G... ao Diretorio,

solicitando um passaporte para um representante inglés ir a Paris para discutir


soava fracamente em seus ouvidos, os deputados irromperam em aplausos
entusiasticos e exigiram que ela fosse impressa. Mas Vaublanc enfureceuse os termos da paz. A paz já estava no ar ha algum tempo. Se os seus termos

e rugiu, disse que tudo no passaua de um monte de mentiras, nada poderia estavam sendo discutidos, a França logo poderia devotar sua atenço a Sao

ser mais ridiculo, e, no día 27 de maio, ele fez o ataque mais feroz ja feito Domingos e enviar tropas. Sonthonax confecia a força da contrarrevolucio

contra Sonthonax: “Ele está coberto com o sangue dos brancos. Elaborou na França. Podia ver exatamente onde iria acabar a crescente reacio. Perde¬

leis atrozes, que mesmo os tigres da Libia nao fariam, se os tigres tivessem ria a cabeça e a colonia teria a escravido restablecida. Talvez nao tivesse

a desgraça de precisar de leis. Ele criou imposites; apropriouse de vastas se expressado to abertamente junto a Toussaint, como foi descrito no des¬

somas, das quais no prestou contas”. Nada disso era verdade. Se Sonthonax pacho deste último. Mas no é impossivel que, doente, cansado da reacio
mandou matar brancos, foi em defesa da República. No roubara nenhum e temendo pelo futuro, tivesse proposto a Toussaint que ambos tomassem a

dinheiro, ate o fim dos seus dias, foi um homem pobre. Era a sua legislaço colonia, limpassem na dos brancos proprietarios de escravos e tornassem-na

em favor dos negros que estava deixando furiosos Vaublanc c os colonistas. independente. Toussaint, com muita cautela, afastaria essas investidas sem
Vaublanc accusou Sonthonax e Laveaux de terem contribuido com a maior aborrecer Sonthonax, que era amigo dos negros e no guardava rancor deles.

parte do espírito de insubordinato entre os negros. Dia apos dia, insultava Mas em julho Toussaint recebeu noticias do decreto que exonerava Sonthonax
Sonthonaxeos negros (aqueles negros sem os quais a colonia certamente seria e da acolida que os discursos de Vaublanc, Barbé e outros haviam recebido.

180
Os jacobinos negros Os brancos escravizam novamente

Obviamente, haveria lutas terriveis mais adiante, e ele e seu aliado Rigaud, No dia 5 de novembro, ele enviou uma carta ao Diretorio que é un marco
caídos em desgraca junto ao Diretorio, teriam de lutar. Com sua deciso em sua carrera. Ele ainda no sabia do golpe de Estado de 18 de Frutidor,
usual, ele resolveu jogar Sonthonax aos lobos imediatamente. Que outra razo quando Vaublanc e seu bando receberam o que mereciam. Escreveu ainda com a

poderia explicar sua volteface? convicto de que o grupo reacionario de antigos proprietarios de escrayos tinha
muita influencia na Legislatura. No acusou abertamente o proprio Diretorio.
Quisquer que fossem suas razones para se desfazer de Sonthonax, o fato
Mas fez ver que no tinha mais confiança neles e que, das por diante, os negros
em si era muito significativo. Das por diante, o Governo frances suspeitou que
iriam vigiar todos os partidos na França.
Toussaint planejasse tornar a colonia independente, e este temia o intento dos
O discurso imprudente e incendiario de Vaublanc afetou menos os negros
franceses de restablecer a escravido. O Diretório, por si, nao pretendia restau¬
do que o fez a certeza que tinham en relacio aos projetos que os proprietarios
rar a escravido. Mas o Diretório talvez no continuasse no poder, e ninguém
de Sao Domingos desejavam implantar: declaraçones insidiosas no deveriam ter
sabia o que os seus sucessores fariam. Foi nessa época que Toussaint, levado
nenhum effeito aos olhos dos legisladores sabios que decretaram a liberdade para
pelos acontecimentos, percebeu a necessidade de manter o poder mesmo tendo
as naçones. Mas os atentados a essa liberdade que os colonistas esto propondo
de desafiar a França.
devem ser tanto mais temidos, porque esses planos detestáveis esto cobertos

pelo véu do patriotismo. Sabemos que procuram impor alguns desses planos
aos senhores por meio de promessas ilusorias e enganadoras, para verem reno¬
A acuidade com que ele previu o curso da política na França foi
vadas nesta colonia as antigas cenas de horror. Emissarios perfidos ja esto entre
comprovada pelos acontecimentos dos meses seguintes. Para os homens
nos para levedar o fermento destrutivo preparado pelas mos dos liberticidas.
que agora colhiam os frutos da Revolucio, a restauracao da ordem em
Mas no seráo bem-sucedidos. Juro por tudo que ha de mais sagrado. Minha
So Domingos era apenas mais um item na onda geral de reacio que eles
ligacio com a França, o confecimento que tenho dos negros, fazem com que
impunham à França com a maior rapidez possivel. Eles admitiram depu¬ o meu dever seja: no dexar os senhores na ignorancia tanto dos crimes que
tados, até ento inelegiveis; suprimiramos clubes revolucionarios; revoga¬
eles premeditam como do juramento que nos renovamos: de enterrarmos a nos
ram as leis relativas à deportaço e à demissio de padres que no jurassem outros nas ruinas de un país reanimado pela liberdade, antes de sofrermoso
fidelidade à República, e reorganizaram a Guarda Nacional de manera
retorno da escravido.
a excluir os elementos mais democráticos. Mas eles estavam agindo muito
Cabe aos senhores, cidados diretores, desviar de nossa cabeça a tormenta
rapidamente. Alguns dos seus chefs conspiravam até com a realeza, ca
que os eternos inimigos da nossa liberdade esto preparando nas sombras do
nova burguesia nao quería a realeza e o feudalismo de volta. Mesmo as
silencio. Cabe aos senhores esclarecer a legislatura, cabe aos senhores impedir
massas, cansadas e enganadas, apoiariam seus novos patres contra aqueles
que os inimigos do atual sistema se espalhem pelas nossas praias infortuna¬
credos superados e desacreditados. O Diretório observava essa maré de rea¬
das para manchá-las de novos crimes. Náo permitam os senhores que nossos
ço e ele proprio, apodrecido pela corruptio, estava impotente para dete-la.
irmos, nossos amigos, sejam sacrificados aos homens que desejam reinar
De repente, conseguiu as provas de una conspiracio realista e decidiu
sobre as ruinas da especie humana. Mas nao, a sua sabedoria permitirá que
usá-las contra aquelas reliquias descaradas do ancien régime, fossem realis¬ os senhores evitem as perigosas armadillas que nossos inimigos comuns les

tas ou nao. Na noite de 18 de Frutidor (isto é, 3 de setembro), eles foram


esto armando. (.)
presos. Um golpe de Estado baniu 65 para as Guianas e deteve por algum Com esta carta, envio aos senhores uma declaraço que os colocará a par da
tempo a degringollada da Revolucio. Entre esses 65 estavam Vaublanc,
unidade que existe entre os proprietarios de Sao Domingos que se encontram na
Villaret-Joyeuse, Barbé de Marbois, Bourdon, Delahaye e Dumas, todos

inimigos implacáveis do novo regime de Sao Domingos. A liberdade dos


negros estava salva por algum tempo, mas Toussaint havia levado um cho¬
Relatorio de 14 de Brumario, ano VI. Les Archives Nationales, A.F. III, 210. Reproduzido
que muito serio. parcialmente por SANNON, em Histoire de Toussaint-Ouverture, v. III, p. 36.

182
Os jacobinos negros Os brancos escravizam novamente

França e aqueles que esto nos Estados Unidos e os que servem sob a bandera Este, cidados diretores, é o estado de espírito do povo de Sao Domin¬

inglesa. Os senhores vero ali uma resolucio, inequivoca e cuidadosamente gos; esses so os principios que eles transmitem aos senhores por intermédio
construida, pela restauracao da escravida; vero ali que a determinaço de ser de mim.

bem sucedidos levou-os a se envolver no manto da liberdade, para poderem Os meus proprios os senhores confecem. E suficiente renovar, com a minha
desfechar golpes mais mortiferos. Vergo que eles esperam ter a minha com¬
máo nas suas, o juramento que fiz de cessar de viver antes de a gratido morrer
placencia para me entregar as suas perfidias, pelo temor por causa dos meus
no me peito; antes que eu cesse de ser fiel à França e ao meu dever; antes de a
filhos. No é de admirar que aqueles homens, que sacrificam seu país aos seus
deusa da liberdade ser profanada e maculada pelos liberticidas: antes que eles
interesses, sejam incapazes de conceber quantos sacrificios o verdadero amor
possam arrebatar das minhas mos esta espada, estas armas que a França me
ao país pode levar um pai a fazer; um pai melhor do que eles, uma vez que eu, confiou para a defesa dos seus direitos e dos homens e pelo triunfo da liberdade
sem hesitar, baseio a felicidade dos meus filhos na felicidade do meu país, que
e da igualdades
eles, e somente eles, desejam destruir.

Jamais hesitarei entre a segurança de Sao Domingos e a minha felicidade


pessoal; mas nada tenho a temer. Foi à solicitude do Governo francés que Péricles sobre a Democracia, Paine sobre os Direitos do Homem, a
Declaraço da Independencia”, o Manifesto Comunista so alguns dos
eu confici os meus filos. (...) Eu tremeria de horror se fosse nas mos dos
colonistas que os tivesse colocado como refens; mas, mesmo se assim fosse, documentos políticos que, a despeito da sabedoria ou da fraqueza de suas
análises, moveram e sempre movero os homens, pois os seus autores, em
quero que eles saibam que, punindo-os pela fidelidade do seu pai, apenas
acrescentariam mais um grau ao seu barbarismo, sem esperanças de jamais alguns casos a despeito de si mesmos, lembram e despertam as aspiraçones
que dormem no coraço da maioria, en todas as eras. Mas Péricles, Tom
me fazer fallar no meu dever. (...) Como so cegos! Eles no veem como essa
conduta odiosa pode tornarse o sinal de novos desastres e infortunios irrepa¬ Paine, Jefferson, Marx e Engels eram homens de educaçao liberal, formados

ráveis e que, longe de reconquistar aquilo que, a seus olhos, a liberdade para na tradicio da Etica, da Filosofia e da Historia. Toussaint foi um escravo,

todos fez com que eles perdessem, esto se expondo à total ruina e levando libertado ha apenas seis anos, carregando sozinho o fardo desajeitado da
a colonia à inevitável destruicio. Será que eles acreditam que os homens que guerra e do Governo, ditando seus pensamentos nas palavras cruas de um
desfrutaram das benços da liberdade esperaro calmamente que ela les dialeto rude, escritas e rescritas por seus secretarios até que a devocio deles

seja tirada? Eles suportaram seus grilles apenas enquanto no confeciam e a vontade de Toussaint fossem esculpidas de una forma adequada. Pessoas
nenhuma outra condicio de vida que no fosse a de escravo. Mas agora que ja superficiais interpretaram sua carrera no sentido de ambico pessoal. Essa

a confecem sacrificariam mil vidas, se as tivessem, para no serem forçados a carta é a resposta. Ambico pessoal ele tinha. Mas conseguin realizar o que

ser escravos novamente. Mas nao, a mesma mo que quebrou as nossas cadeas fez porque, possuidor de grandes dons, encarnou a determinaco do seu povo

no nos escravizará novamente. A França nao revogará os seus principios, no de jamais, jamais ser escravo novamente.

nos tirará o maior dos seus beneficios. Ela nos protegerá de todos os nossos Acima de tudo um soldado e administrador, todavia a sua declaracio é
inimigos: ela nao permitirá que sua sublime moralidade seja pervertida; que uma obra prima da prosa, no superada por nenhum outro escritor da Revo¬
aqueles principios que mais a honram sejam destruidos; suas mais belas con¬ luo. Lider de una massa atrasada e ignorante, apesar disso ele se constituiu
quistas, degradadas; e que seu Decreto de 16 de Pluvioso, que tanto honra na linha de frente do grande movimento histórico do seu tempo. Os negros
a humanidade, seja revogado. Mas se, para restablecer a escravido em So estavam assumindo a sua parte na destruicio do feudalismo europeu iniciado
Domingos, isso fosse feito, ento en declaro que seria una tentativa de se fazero com a Revolucio. E liberdade e igualdade, as palavras de ordem da Revolucio,
impossivel: nós soubemos enfrentar os perigos para alcançar a nossa liberdade e
saberemos como desafiar a morte para mantela.
1 Provavelmente uma citaçamo de una das cartas do Diretorio a ele.
14 Independencia dos Estados Unidos da América. A guerra estendeuse de 1775 a 1782. A

independencia em relacio à Inglaterra foi declarada em 417/1776 e entre os seus redatores


12 Anfase é de Toussaint. estava Thomas Jefferson. (N. do T.)

184
Os jacobinos negros

significavam bem mais para eles do que para qualquer frances. Esse é o motivo
pelo qual, na hora do perigo, Toussaint, apesar de inculto, encontrava a lin¬
A EXPULAO DOS BRITANICOS
guagem co tom de Diderot, Rousseau e Raynal, de Mirabeau, Robespierre
Danton. E, de certa forma, superon a todos eles. Pois mesmo esses mestres da

palavra falada e escrita, por causa das complicaçones de classe da sua sociedade,
muitas vezes faziam pausas, hesitavam, avaliavam. Toussaint pôde defender a
liberdade dos negros sem reservas, e isso deu à sua declaracao uma força e uma
determinacao raras nos grandes documentos daquela época. A burguesia fran¬

cesa no podia entende-lo. Rios de sangue correriam antes que ela entendesse
Toussaint enviou um branco, o coronel Vincent, oficial de engenha¬
que, por mais elevado que fosse o tom daquilo que Toussaint escrevia, nada era
ria e amigo intimo, ao Diretório para explicar a aço contra Sonthonax.
bombástico ou retórico; era a verdade nua e crua.
Rigaud cumprimentou-o pela expulso de Sonthonax e Toussaint, incon¬
teste no comando, preparouse para varrer completamente os britanicos de

So Domingos
Por muitos anos, Dundas e Pitt aferraram se à esperança de conseguir a
illa. Em novembro de 1795, numa possivel tentativa de conquistar Rigaud,
Dundas autorizou Forbes a conceder aos mulatos os mesmos privilégios dos

brancos. Mas ele ainda proibia a liberdade das tropas negras. Isso seria o mesmo

que vender o cavalo para preservar a estrebaria. Mas a tentativa de conquistar


Rigaud fracassou.
No dia 18 de fevereiro de 1796, Dundas dirigiu-se à Camara dos Co¬
muns. Ele se opunha à moço pela abolico da escravido e do tráfico de

escravos. Em principio, Dundas concordou com os propositores da moco;


esse tipo de acordo era habitual, mas, continuou Dundas: “Com aqueles

que argumentavam que o principio geral do comercio de escravos era


inconveniente, imprudente e incompativel com a justica e com o sentido
humanitario da Constituiçio britanica, cle sempre concordara e ainda

continuava concordando. (.)

Ele se opunha porque pensaua que, se a Camara concordasse, isso


colocaria em perigo a paz do país. Tal resolucio, se fosse transformada em
lei no presente estado de perturbaço das colonias, coloca las-ia totalmente

em poder do inimigo. O tolo Barnave no tinha aprendido a argumentar

que a escravido era mantida para beneficiar os escravos. Dundas ja ainda


mais longe.

A guerra nas Indias Ocidentais, da parte deste país, no era una guerra

por riquezas ou por engrandecimento local, mas uma guerra pela segurança.

FORTESCUE, History of the British Army, v. IV, parte I, p. 468.


Os jacobinos negros A expulso dos britanicos

Entretanto a perda de homens e de dinheiro era muito grande. No final de sendo feitas quando ele soube que o general Hedouville havia desembarcado
1796, depois de tres años de guerra, os britanicos haviam perdido nas Indias na So Domingoss espanhola, indicado pelo Diretório como o único agente

Occidentais oitenta mil soldados, dos quais quarenta mil realmente foram para a colonia.
mortos, número que excedia as perdas totais do exercito de Wellington por
baixas, desligamentos, deserçes e todas as causas, desde o inicio ate o fim da
guerra Penínsular. O custo, em Sao Domingos apenas, foi de £ 300.000 em
Os cinco homens que governavam a França em nome do Diretorio

1794, 800.000 em 1795, £ 2.600.000 em 1796 e, apenas em janeiro de 1797, ficaram seriamente perturbados com a chegada à França do degredado
mais de £ 700.000). No inicio de 1797, o Governo britanico decidiu se retirar Sonthonax. Eles nunca haviam desejado restablecer a escravido e apro¬

e manter o controle apenas em Mole Sao Nicolau e na ilha de Tortuga. Mas varam calorosamente os passos dados por Sonthonax para educar os tra¬
Toussaint no sabia disso, e ele e Rigaud, estreitos aliados desde a expulsio baladores negros. Os colonistas emigrados no le deram tregua e, em
de Sonthonax, organizaram a campanha final. Em janeiro de 1798, ele esta¬ julio de 1797, depois que as Camaras votaram a exoneraço de Sonthonax,
va pronto para o ataque decisivo a Mirabelais, enquanto Beauvais, Rigaud e eles indicaram o general Hedouville seu agente especial em Sao Domin¬
Laplume deveriam atacar pontos diferentes no Sul para evitar a concentracao gos. Hédouville, soldado experiente, demonstrara possuir notáveis dons
de forças britanicas. diplomáticos em sua pacificaçao da Vendeia, o centro de contrarrevolucio

Toussaint, desejando reconquistar para a colonia os proprietarios bran¬ mais persistente e mais perigoso da França. Os acontecimentos que pre¬
cederam o 18 de Frutidor haviam deixado os diretores muito ocupados,
cos & mulatos que viviam em territorios controlados pelos ingleses, proibiu
rigorosamente todas as pilhagens e destruices a seus soldados e dirigiu aos
e aqueles mesmos eventos haviam enviado os colonistas mais ruidosos à

traidores uma série de proclamaçes prometendo perdio e plenos direitos Guiana. Se Sonthonax tivesse chegado à França antes que Vaublanc e seus

como cidados franceses se fossem fiés à República. Sempre um firme amigos fossem deportados, ele teria tido sorte se escapasse à prisio. Mas,
adepto das regras da guerra civilizada, ele acreditou ser necessario repre¬ novamente, ele chegou à patria logo depois da queda dos seus inimigos e

ender o general John White pelas barbaridades que as tropas comandadas encontrou uma recepcio favorável. Os proprios diretores, todavia, estavam
por cle cometeram. agora completamente alarmados. Toussaint tinha deposto o representante

Sinto que, embora seja negro e no tenha recebido uma educaçao to deles e havia acusaçes e contra-acusaçes de conjuras pela independencia.

Depois, chegou a carta de Toussaint, alertando-os de que os negros lutariam


fina quanto vos e os oficiais de Sa Majestade Britanica, sinto, digo eu,
que tal infamia de minha parte se refletiria sobre o meu país e macularia até a morte contra qualquer indicio de restauraco do velho regime. Eis um
novo fator de complicacao. Agora ja nao eram tanto os mulatos quem deve¬
a sua gloria."
riam ser temidos, mas os negros, seu exercito negro e seu general de ébano.
Combinando a superioridade militar com a propaganda, Toussaint con¬ Imediatamente, a atitude para com Rigaud mudou. Hédouville recebeu
quistou sete vitorias em sete dias. Maitland percebeu que o jogo estava perdido
instruces para partir e fazer todo o possivel para deter o poder de Toussaint
e pediu trégua a Toussaint. Ele evacuaria totalmente a Provincia Ocidental, até que a França pudesse enviar tropas. Ele poderia ter usado Rigaud contra
em troca da proteca das vidas e propriedades dos habitantes sob a dominacao
Toussaint. O Diretório no tinha clareza. Desse modo, deu a Hédouville
inglesa. Era exatamente o que Toussaint desejava, e as negociaçes já estavam
liberdade para perdoar ou prender Rigaud se fosse conveniente ou possivel.

O Diretório fingiu aceitar de bom grado a deportaço de Sonthonax por


FORTESCUE, v. IV, parte 1, p. 496.
Toussaint e manteve boas relaces com ele. Mas Hédouville tinha tantas
FORTESCUE, v. IV, parte l, p. 546.
SANNON, Histoire de Toussaint-L’Ouverture, v. II, p. 57-8. Nov. II, os caps. 3 e 4 contem
As guerras da Vendeia, regio situada no lado oriental da França, foram provocadas en nome
um relatorio fartamente documentado da última fase da guerra, com longos extratos da
da monarquia pelos nobres e padres em 1793. Tornou se o título de um famoso romance
correspondencia entre Toussainte Maitland, Hédouville etc. Exceto quando expressamente
de Victor Hugo, O noventa e très. A conjura foi atacada pela Junta de Salvacao Pública, que
mencionadas, as passagens citadas neste capítulo (do meu livro) so reproduzidas desses
capitulos (do de Sannon). a derrotou no mesmo ano. A paz foi assinada pela Convencio em 1795. (N. do T.)
Os jacobinos negros A expulso dos britanicos

dúvidas sobre a recepcio que teria por parte de Toussaint que desembarcou Prossegundo nas negociaces com Maitland, Toussaint concedeu anistia

em Sáo Domingos, quartel-general de Roume. Ele chegou em fins de abril, a todos os fazenderos que se submeteram aos britanicos e a todos os traba¬
bem a tempo de tomar confecimento de novos sucessos do negro invencivel. ladores que haviam lutado a soldo dos ingleses. As únicas excegoes eramos
fazenderos que realmente haviam lutado nas fileiras britanicas e os realistas
que chegaram em Sao Domingos provindos de otros lugares. Era um gesto
Hédouville reunira informações, de todas as fontes possiveis, sobre os
típico de um homer que, en toda sua vida, parecia nao ter sido tocado pela
homens que iría encontrar, especialmente sobre Toussaint. E ninguém pos em comum paixo humana da vingança e jamais deixava que alguma coisa o
dúvida o tipo de homem que ele era. O general Kerverscau, soldado capaz, de distraisse de seu objetivo, ou seja, a restauracao de Sao Domingos e a recon¬
caráter forte e correto, indicou-he a única linha política possivel. ciliaço de todos os habitantes, brancos, pardos e negros. Ele submeteu os

Ele é um homem de muito bom senso, cujo apego à França no pode ser termos da anistia a Hédouville, que os ratificou. Maitland tento distinguir
posto em duvida; cuja religio garante a sua moralidade; cuja firmeza iguala a Toussaint de Rigaud. Toussaint no concordou, lembrando a Maitland que

sua prudencia, que goza da confiança de todas as raças: e que tem por sobre si ele era o oficial superior de Rigaud. Mas no pressionou Maitland en dema¬

uma ascendencia que nada pode contrabalançar. Com ele, tu podes fazer tudo; sia. Tudo que queria era que dexasse Sao Domingos. Todas as propostas e
sem ele, no podes fazer nadal contrapropostas eram enviadas a Hedouville para aprovacao, e no dia 30 de

E importante lembrar duas frases no tributo de Kerverseau. Primeiro, que abril foi assinado um tratado pelo qual os britanicos evacuariam interamente
Toussaint era devotado à França. Segundo, que Toussaint, en 1798, depois a Provincia Ocidental.
de quatro anos, detinha a confiança de brancos, mulatos e negros. Ele havia Os soldados emigrados, Dessources e alguns outros, viscondes e cavaleiros,
determinado esse objetivo para si mesmo, lutado para isso apesar de todas as
quebraram os termos da anistia, destruiram canhoes e os depósitos de muni¬
provocaçones e obtido sucesso absoluto.
cao, mataram todos os animais e atearam fogo às plantages. Os africanos de
O que Hédouville pretendia fazer: Toussaint no sabia, mas ordeno que Toussaint, por otro lado, famintos e quase nus, marcharam contra as cidades, e
fosse recebido con todas as distinces. Em suas cartas para o novo agente, foi tal era a sua disciplina que nenhum ato de violencia ou de pilhagem foi cometido.

cortes mas reservado: “Permita me fazerte uma observacio como oficial da Tao admirável foi a conduta de seu irmo Paul LOuverture e de suas tropas
República. (...) Ha homens que, exteriormente, parecem querer a liberdade em La Croix-des-Bouquets que alguns cidados, de todas as cores, escreveram

para todos, mas que interiormente so teus inimigos jurados. (...) O que digo a Toussaint expressando sua satisfaço por ter tal oficial no comando do seu
é verdade, sei por experiencia. Toussaint era frio até mesmo em suas referen¬ distrito. Eles solicitaram uma visita do proprio Toussaint.
cias a Roume, amigo sincero dos negros, como revela a sua correspondencia
privada. Se o comissario Roume me estima, retribuo com a minha estima
A entrada em Port-Républicaine foi um triunfo romano. Os trabalha¬
por ele e respeito as suas virtudes. Toussaint no confiava em nenhum deles.
dores negros, que por tanto tempo foram levados a acreditar que haviam
Mas, to logo soube que Hédouville havia chegado, apressouse em com¬
nascido para servir, sairam às ruas para ver um exercito negro saudado
nicar Rigaud. Embora tranquilizado por Pinchinat em Paris, Rigaud no sabia
como salvadores de Sao Domingos, e os brancos apressavam se a se hu¬
exatamente quais os passos que Hédouville pretendia dar contra cle. Pediu a
milhar diante daquele que chamavam de libertador. Na frente, vinha o
Toussaint que o apoiasse contra Hedouville e enviouhe um agente confidencial
clero, com cruzes, banderas e turíbulos, e depois os antigos súditos de Sua
para discutir aquilo que no se atrevia a escrever. O lider negro eo mulato
solidarizavam se completamente. Majestade britanica. No meio da avenida, havia sido erigido un enorme
arco do triunfo. As mulheres brancas mais ricas, montadas em cavalos ou
em carruagens abertas, escoltadas por uma guarda de honra composta de
AA.F.
correspondencia
III, 210
de Roume desse período pode ser encontrada em Les Archives Nationales,
MICHEL, La Mission du Général Hedouville... p. 135. Anteriormente, Porto Principe.
Os jacobinos negros A expulso dos britannicos

jovens brancos nativos, sairam para receber o comandante-chefe, Jovens Sendo um homem de acao, Toussaint habitualmente escrevia e falaya como
brancas jogavam flores e guirlandas sobre ele. Sempre um modelo de polidez, um filosofo. Esse discurso, claro e conciso, era un programa para o país e um

ele desceu do cavalo e agradeceu-les a gentileza. Quatro dos mais ricos gesto pessoal para com Hédouville.
fazendeiros brancos de Cul-de-Sac carregavam orgullosamente um dossel e Antes que Toussaint chegasse a Le Cap, os britanicos, ansiosos ainda para
outros curvaram-se a seus pés, pedindole que subisse nele. Toussaint viu
terem pelo menos uma parte dessa maravillosa illa, subitamente fizeram um

entre eles alguns homens que haviam sido seus inimigos mais pertinazes e, forte ataque contra Rigaud, no Sul. Naquele momento, Rigaud estava em perigo
indignado e humilhado, recusou. Dossel e incenso”, disse ele, so devidos e pediu ajuda a Toussaint. Antes que os reforços deste chegassem, Maitland fez
apenas a Deus. uma tentativa de separa lo de Toussaint. Rigaud respondeu que levaria a guerra

Naquela noite, a cidade foi iluminada. Em todas as grandes casas havia contra ele até as extremas consequencias.

danças, e 150 pessos participaram de un banquete. No dia seguinte, o presi¬ Toussaint entrevistou Hédouville em Le Cape depois correu para encontrar¬
dente da Camara Municipal fez um discurso enaltecendo a atuaço de Toussaint se com Rigaud em Port-Républicain, e os dois se viram pela primeira vez.
como suma obra prima de política, de sabedoria e de humanidade. A resposta Rigaud, que ha muito desejava encontrar aquele homem virtuoso, tratou-
de Toussaint foi típica: com a deferencia devida ao comandante-chefe e este, sempre com muito tato,
dirigiu-se a Rigaud como se fosse um velho camarada. Com a ajuda dos refor¬
Aprendei, cidados, a apreciar a gloria da vossa nova condicio política.
ços de Toussaint, o ataque dos britanicos foi rechaçado, e os dois partiram na
Ao adquirit os direitos que a Constituiçio concede a todos os franceses,
carruagem de Toussaint para encontrar Hédouville. Conta a tradico (a qual
no vos esqueçais dos deveres que ela impo a vos. Sejais virtuosos apenas,
todos os fatos corroboram) que chegaram a Le Cap com cada um concordando
e sereis franceses e bons cidados. (...) Trabalhai juntos pela prosperidade
em apoiar o outro contra todas as intrigas do agente do Diretorio.
de Sao Domingos, restaurando a agricultura, que é a única que poderá sus¬

tentar um Estado cassegurar o bem estar público. A esse respeito, comparai

a conduta do Governo frances, que nunca deixou de proteger, com aquela


O que aconteceu nessa entrevista entre Hédouville e Rigaud é uma das
do Governo inglés, que apenas destruit. A aparencia da vossa zona rural,
grandes tragédias de Sao Domingos. Hédouville cobriu Rigaud de atences,
pela qual passe quando vinha para cá, encheu me de dor. A sua condicio
prometeu que a França le daria mostras de grande consideracio, lamentou os
deveria tervos convencido, há muito, de que, ao abraçardes os ingleses,
males da colonia, disse he que a melhor manera de abrandálos seria ajudá-
estareis abraçando apenas uma quimera. Vos pensastes que iricis ganhar, lo a conseguir realizar suas instruges secretas: a retirada do poder supremo
vos apenas perdestes. (.)
de Toussaint LOuverture. Rigaud aproveitou a oportunidade para se colocar
A liberdade sem abuso que o trabalador terá, a recompensa que a lei numa boa posicio junto à França e arruinou a si mesmo, à sua casta e ao seu
garante ao seu traballo, prende lo ao solo que ele cultiva. (.) país, por toda uma geraço
A era do fanatismo está terminada. O reino da lei sucede ao da Desde agosto de 1791, os mulatos oscilavam continuamente entre a
anarquia. (.) Sábio por experiencia, o Diretório enviou apenas um agente burguesia francesa e os trabaladores negros. A instabilidade dos mulatos
para cá, o qual foi escollido dentre seus cidados de maior confiança. A no reside no seu sangue, mas na sua posicio intermediaria na sociedade.

gloria que ele acabo de adquirir na Europa, as virtudes que o caracteri¬ Foi uma pena que Rigaud, ditador do Sul, no tivesse tido o bom senso de
zam, asseguram a nossa felicidade. Ajudemo lo em sua importante misso perceber que a França o usaria contra Toussainte depois, inevitavelmente,
por meio da obediencia absoluta, e, enquanto ele finca os fundamentos da voltarse a contra ele.

ventura que preve, eu cuidarei da vossa segurança, da vossa tranquilidade Diz se em Sao Domingos que Toussaint, cujos métodos eram sempre obli¬
e da vossa felicidade, enquanto observais os juramentos solenes que fizestes quos, havia se escondido para ouvir a entrevista entre Rigaud e Hédouville.
de permanecerdes fiés à França, acatar a sua Constituiçio e respeitar as No foi necessario. Durante essa mesma visita, Hédouville começo a mostrar
suas leis. (.) uma mudança de atitude para com ele. O capitáo do navio que havia trazido
Os jacobinos negros A expulso dos britanicos

Hédouville disse a Toussaint como ficaria satisfeito em poder leválo de volta idea de Maitland chegar a um acordo com um negro, e ninguém mais do
à França no mesmo barco. que o conde de Balcarres, Governador da Jamaica. Durante as negociacies,
implorou a Maitland que no evacuasse Môle Sao Nicolau, mas Toussaint,
— Seu navio nao é grande o suficiente para um homem como el disse
queria conquistar essa cidade sem derramamento de sangue e desejava um
Toussaint,
tratado comercial com os Estados Unidos, que só ele poderia conseguir se
Outra pessoa ainda o pressionou para que fosse à França, dizendo como
a armada britanica o permitisse. Assim, enquanto negociava, enviava uma
ele seria honrado e bem vindo.
mensagem atrás da outra ao irascivel Balcarres, alertando-o de que a Jamaica
rei, quando isto, e ele tocou um arbusto no jardim, for suficientemente ficava muito perto de Sao Domingos e que ele poderia facilmente mandar

grande para me levar alguns negros em canoas fazerem a travesía para queimar as plantages e

começar uma revolta. Balcarres naturalmente informaria Maitland e este,


Toussaint estava alertando Hédouville e seus amigos que no deveriam
como soldado, poderia avaliar essas ameaças. Os ingleses precisariam con¬
tomar liberdades com ele. Sendo ele proprio cheio de artimanhas diplomaticas,
quistar Toussaint ou reconciliarse com ele, e Maitland sabia que Toussaint
fingiu estar immensamente impressionado com a cortesia que Maitland havia
no poderia ser conquistado. Assim, informou Toussaint de que queria
demonstrado e ainda demonstraria para com ele. Disse repetidamente que
comunicarse com ele a respeito de uns assuntos importantes. Toussaint
os franceses jamais o haviam tratado de mancira to distinta. Aquilo no era
no dexou dúvidas sobre o que desejava:
verdade e ele bem o sabia. Laveaux, Sonthonax co povo de Port-Républicain

haviam no coberto de honrarias e dignidade. Mas Toussaint queria que isso — Espero que seja para anunciar a evacuacio definitiva dos pontos que os

ingleses ainda ocupam nesta parte da República (.) seria a única manera de
chegasse até Hédouville. Chegou mesmo a escrever para Hedouville sobre as

honrarias de Maitland, dizendo que esperava que ele no fizesse objeces a tais parar ou retardar a minha marcha. (...) Embora Jérémie seja to forte, prometo¬
vos que derrubarei suas fortificaces; mesmo que me custe dois mil homens,
cortesias, uma vez que eram feitas a um oficial da República. Assim, enquanto
cumpria o seu dever e prestava toda a atencio necessaria a Hédouville, fazia eu a tomareil

Depois disso, Maitland concordou em evacuar Jérémie. Toussaint recebeu


com que ele soubesse, por meios diretos e indiretos, que no estava disposto
a ser menosprezado e, por sua vez, exigia o respeito e a consideraço devidos de Hédouville a autoridade para levar a cabo essas conversaçes e enviou o seu

ao seu cargo. Hédouville, vaidoso e presuncoso, parecia no ser capaz de representante à Maitland, para negociar em primeiro lugar todos os distritos com
perceber que estava lidando com um homen que tinha o comando de um exceço de Mole Sao Nicolau. Mas Maitland desistiu da esperança de manter até

exercito vitorioso, que tinha por trás de si a grande massa do povo de duas mesmo aquele forte e ofereceuse para evacuar completamente Sao Domingos.
provincias e que nada tinha a aprender de nenhum frances sobre sutilezas e Toussaint aceitou, mantendo Hédouville escrupulosamente informado.

finezas diplomaticas. Ele continuava querendo fisgar o velho negro inculto Toussaint, embora continuasse a ser cuidadosamente cortes com Maitland,
que falava to mal o francés.
era muito imperioso. Maitland propos que, como parte do preço pesa evacuacao,

Rigaud o havia abandonado e Hédouville esperava apenas a oportunidade as fortificaçones deveriam ser desativadas. Toussaint recusou e exigiu que fossem

para ataca-lo. Mas Toussaint continuava a cumprir a misso que havia imposto entregues no mesmo estado en que Maitland as encontrara.

a si mesmo de expulsar os britanicos causando o menor dano possivel à colonia. — Acredito que accitareis essa exigencia, caso contrario serei obrigado a

As forças de Maitland agora se concentravam em Mole Sao Nicolau, no Norte, interromper as negociaces!
e em Jérémie, no Sul. Toussaint, enquanto acumulava tropas para tomá-las de
Maitland concordou.
assalto, se fosse necessario, engendrou um de seus mais brillantes exemplos de
negociacio diplomatica. Mas, depois de enviar seu mensagero a Toussaint, enviou um outro
a Hédouville para fazer alguns arranjos especiais, nao quanto aos termos

Todos os brancos das Indias Occidentais, tremendo diante do mau exem¬

plo que Toussaint e seus negros estavam dando, viam com consternacio a
IACROIX, Mémoires pour servir., v. II, p. 3345.

194
Os jacobinos negros A expulso dos britanicos

da evacuacio, mas para a efetiva transferencia de Mole Sao Nicolau. rar. Hédouville reclamou em altos brados, gabou-se de todas as cosas que
Maitland pode ter tido ou náo uma intençio maliciosa. Alguns dias depois, tinha feito e de todo o pessoal militar com quem tinha trabalado; disse que
sem o menor problema, um instrumento similar foi assinado para a rendicio Toussaint no tinha nada que le ensinar os seus deveres. Ele no sabia em que
do forte de Tiburón, depois da entrada das tropas de Rigaud em Jérémie. jogo perigoso estava se metendo. Se Toussaint fosse apenas um ambicioso chese de
Hédouville declarou posteriormente que Maitland fez isso para desper¬ quadrilha, a França teria perdido a colonia en agosto de 1798. Mesmo enquanto
tar a inveja de Toussaint. Se fosse assim, a sua propria conduta poderia Hédouville estava to impensadamente provocando o homem de cujo exerci¬

ser questionada. to e cuja influencia tudo dependia, os ingleses, no consegundo conquistar


Toussaint pela força das armas, fizeram um esforço supremo para fazerlo por
Ele sabia que Toussaint estava conduzindo negociages para a evacuaço
meio daquelas mentiras e daqueles enganos confecidos pelo nome de diplomacia.
de Môle com Maitland, mas, ansioso para aumentar o seu proprio prestigio,

enviou um representante pessoal ao comandante britanico do forte e expediu

uma proclamaço garantindo uma anistia, à manera de Toussaint. Mas os


Maitland, um inglés preconceituoso, no achava Toussaint muito inte¬
termos combinados no eram satisfatorios para Maitland. Ele os repudiou e
ligente. Mas Maitland tinha visto que os negros de Sao Domingos, agora
informou Toussaint, que ficou sabendo que Hédouville estava em negociaçes
que tinham experiencia, organizacio e lideres militares, eram adversarios à
com o comandante-chefe do inimigo, pelas suas costas. Consciente de que a
altura de qualquer expedicio europeia. Os franceses certamente enviariam
sua conduta havia sido irrepreensivel, atacou Hédouville sem pena.
uma expedicio para restablecer a autoridade francesa, e um exercito francés
A minha franqueza me impede, cidado agente, de esconder que me senti sangraria até a morte na illa. Assim, Maitland assumiu como tarefa fortalecer
ofendido por esta falta de confiança. (. Toussaint ao máximo, para que pudesse derrotar os franceses mais comple¬

Em contradicio direta como que vos havia sido autorizado, sem levar em tamente. Convidou Toussaint para una entrevista, abraçou-o, prestou-he

conta a minha posicio de comandante-chefe do exercito de Sao Domingos, sem honras militares, passou as tropas en revista com ele, deu-The presentes
refletir, sem mesmo achar necessario me informar, enviastes oficiais subalternos magníficos (em nome de Jorge III) e depois propos que ele tornasse a ilha

para negociar (...) e les destes poderes que anullam os meus proprios. Parece¬ independente e a governasse como rei. Asseguroule a protecao britanica:

me, todavía, que, de acordo com a hierarquia militar, sou eu, como chete Um esquadro de fragatas inglesas estaria sempre em seus portos ou em suas

supremo do exercito, quem deveria ter transmitido as vossas ordens aos oficiais costas para protege-los"; e em troca, pediu a exclusividade do comercio com

a illa. Os americanos tambem estavam montando um bom comercio com


subalternos. (...) Eu teria preferido que tivésseis declarado abertamente a mim

que me achais incapaz de negociar com os ingless. (.) Nesse caso eu teria Sao Domingos; Maitland havia mandado um enviado americano a Toussaint
sido poupado da necessidade desagradável de fazer contratos escritos e de dar e estava certo de que eles acertariam com os britanicos.

a minha palavra de honra (.) Devido as fortes divergencias entre ele e Hédouville, Toussaint recusou.

Ele, como Rigaud, tinha poder suficiente para controlar seus aliados à vontade.
O general Maitland, ao solicitar negociaçones comigo, comprenden a hie-
rarquia militar, se ele se dirigiu a mim como comandante-chefe, eu reconoci A França estava impotente e ele poderia conseguir dos ingleses todo apoio e os
em vos o representante da nacao, pois apenas fizo tratado depois de obter a recursos de que precisasse. A sua recusa mostra a diferença entre ele e Rigaud.
Os ingleses, sabia, fariam a aliança e depois, quando ele tivesse rompido com a
vossa aprovacao. O que fiz para merecer tamanha desconfiança
França, ou entrariam num acordo con esta à custa dele, ou ento, com a potente
Ele conseguira encurralar Hédouville e no o poupou. Mas mesmo ento
ele no desejava um rompimento e concluiu dizendo que, se Hédouville tivesse

confiança nele, juntos poderiam salvar a colonia e fazer a agricultura prospe- Maitland a Dundas, 26 de dezembro de 1798, Public Record Office, War Office Papers, WO.
1/170 (345)
LACROIX, Mémoires pour servir..., v. 1, p. 346. Lacroix afirma que el proprio viu as
propostas entre os papeis de Toussaint.
Relatorio ao Diretorio de Frimario, ano VII, Les Archives Nationales, A. F. III, 210.
13 Ibid.

196
Os jacobinos negros A expulso dos britanicos

esquadra de fragatas designada para proteger Toussaint, bloqueariam a ilha, Mas a guerra no permitiu que a França enviasse suprimentos à colonia,
derrubálo iam do poder e restaurariam a escravido. Toussaint nao concordou e ele estabeleceu um trato secreto com Maitland, por meio do qual os bens
com nada disso. As cartas de Maitland demonstravam, é bem verdade, que ele chegariam a determinados portos em navios britanicos e americanos, os quais

percebia, como tambem o perceberam muitos dos franceses que confeciam seriam pagos em produtos de Sao Domingos. Mais do que isso ele nao faria.
a ilha, que os negros de Sao Domingos constituiam um poder. Os britanicos Quando Balcarres soube que Maitland estava evacuando Sao Domingos
iriam manter a barganha por conta da honra inglesa e tambem porque no
por completo, escreveu ao Governo da Metropole protestando. A resposta foi
poderiam fazer mais nada. Mas, to logo a paz fosse declarada, a história seria uma obra prima. Depois de fornecer extensos pormenores a respeito das diversas
diferente. Isso no é uma especulatio. Antes do fim do ano, Maitland de fato vantagens da desocupacao, concluiram com a inapelável resignacio: nada mais
escreven sobre isso a Dundas, para ter certeza de que a pretendida traicio no havia a ser feito
malograsse: “Talvez nao seja necessario acrescentar que, no momento em que

for firmada a paz, toda minha visio sobre esse assunto mudará imediatamente.
Tanto no campo de batalla como na Camara do Conselho, Toussaint havia
sido superior aos generais britanicos nas manobras, como fizera antes com os
Isso no era necessario. Dundas comprendería. Para eliminar qualquer sombra
espanhois, consegundo tudo o que queria com o menor custo possivel para
de divida, Maitland continuou:
ele mesmo.
Para diminuir o poder dos franceses e impedir o Dirctorio de receber os
Esse foi o fim da malfadada expedicio a Sao Domingos. Depois de
meios que Sao Domingos les poderia oferecer para nos incomodar, seria me¬ longa e cuidadosa reflexio e estudo”, diz Fortescue, cheguci à concluso de
Thor (durante a guerra) apoiar o suposto poder de Toussaint, esperando que a
que a campanha das Indias Ocidentais, tanto a barlavento como a sotavento,
paz seja restablecida e que se forme algum tipo de Governo estável na França. que constituam a essencia da política militar de Pitt, custou ao Exercito e à
Quanto a nós, teríamos um olho na restauracao do sistema colonial original, se
Marinha inglesa pouco menos do que cem mil homens; aproximadamente
isso for praticável, e outro na possibilidade de que a França exaura seus meios
a metade estava morta e os demais, permanentemente incapacitados para o
em homens e dinheiro nessa tentativa (.) Isso tudo na melhor tradicio de servico. Por causa de algumas illas desoladas ainda em poder dos briti¬
como uma civilizatio mais avançada eleva os povos atrasados. Mas Toussaint nicos, eos soldados da Inglaterra foram sacrificados, seu tesouro esbanjado,
apenas expressou o seu pesar e recusou a oferta, agradecendo. sua influencia na Europa enfraquecida, o seu braço travado e paralisado por

Assim é a Historia. Mas, se isso fosse tudo, ela seria ilegivel. Junto com seis nos fatidicos
a resistencia material ao aviltante conceito da vida humana e à selvageria de¬ Fortescue parece no se dar conta de que Pitt e Dundas estavam disputando
savergonhada de Maitland e de seus instrutores de alto escalao, deve-se notar a melhor colonia do mundo e um rico mercado para um comercio escravagista
os elevados principios pelos quais o antigo escravo guiava a sua vida profun¬ que, de outro modo no seria lucrativo.
damente pratica. Toussaint era ento, como sempre foi, devotado à República
Fortescue culpa tudo e todos: Pitt e Dundas pela incompetencia, o clima,
francesa. Essa devocao o levaria, ao final, a uma morte prematura e cruel. Mas
a febre. A febre matou mais homens do que os mulatos e os negros: mas
proporcionou-he uma vida espléndida. Para todos os negros, a França revolu¬
podemos ver como eram poucos os recursos com os quais Toussaint lutava e
cionária, que havia decretado a igualdade e a abolico da escravido, era una
como eram tantas as intrigas internas contra as quais lutava. So Domingos
luz entre as naçes. A França era de fato para eles a patria materna. Toussaint,
no foi o primeiro lugar no qual os invasores europeus se depararam com a
sempre procurando o desenvolvimento dos negros como povo, no desejava
febre. Foi o decreto da abolicao, a bravura dos negros e a capacidade dos seus
romper com a França, com a sua lingua, as suas tradices e os seus costumes,
lideres que causaram o que aconteceu. O grande gesto do povo trabalador
para juntarse à Inglaterra escravagista. Ele seria fiel à França enquanto ela fosse
fiel aos negros.
1 Portland a Balcarres, 6 de janeiro de 1799. Public Record Office, C. O. 137/101.
10 FORTESCUE, History of the British Army, v. IV, parte 1, p. 565.
Maitland a Dundas, 26 de dezembro de 1798. Ver nota 11, neste capítulo.
ibid., p. 565.

198
Os jacobinos negros A expulso dos britanicos

daqueles negros, sabia tambem que Maitland iria levá los diretamente para
francés para com os escravos negros, contrariando sua propria classe gover¬
nante branca, ajudou a salvar a Revolucio da Europa reacionária. Contida a Jamaica, onde seriam escravizados. Maitland estava preparado para fazer

por Toussaint e seus recrutas inexperientes, que cantavam a Marselhesa um acordo por eles, se seus oficiais tambem fossem aceitos, e Toussaint
e a Ca ira”, a Gra-Bretanha, o país mais poderoso da Europa, no pode concordou. Hédouville acusou-o de proteger os inimigos da República.
atacar a Revolucio na França. O segredo da impotencia da Inglaterra nos Toussaint recorreu à anistia autorizada por ele e às circunstancias especiais
seis primeiros anos de guerra pode-se dizer que foram aquelas duas palavras daqueles oficiais emigrados.
fatais: So Domingos.
Toussaint, catolico sincero, havia perdoado alguns emigrados que juraram

fidelidade apos un servico religioso. Hédouville acusou-o de quebrar a lei re¬

Hédouville sabia disso tudo melhor do que ninguém, mas para ele a
publicana que proibia associaces officiais com a greja. Como as brigas eram
continuas, Toussaint demitiuse de seu cargo de comandante-chefe.
expulso dos britanicos era apenas outra boa razo para que se livrassem
Podemos julgar quais seriam os seus sentimentos por una carta que ele
de Toussaint imediatamente. A França desejava que a sua autoridade fosse

restaurada na colonia. Tratava-se de política e na política nao existe grati¬ enviou a Hédouville, depois que este recusou-se a fazer um pronunciamento

do. Mas Toussaint era um negro que tinha sido escravo e, agora que havia sobre a demissio. Essa é, talvez com uma exceço, a carta mais assombrosa de

reconquistado a colonia para eles, Hédouville e o seu comando no apenas toda a enorme e surprendente correspondencia desse antigo escravo inculto,

intrigavam contra esse negro, mas o insultavam grosseiramente. Toussaint, que, até a idade de 45 anos, isto , seis anos antes, provavelmente nunca recebera

muitas vezes, usava um lenço amarrado na cabeça, e alguns desse comando e muito menos escrevera alguma carta.
gabavam se de que quatro homens poderiam entrar no acampamento para No havia necessidade de citar-me vossas instruces para que eu me

capturar ovelho macaco de lenço na cabeça. Nao apenas Toussaint ouviu isso, lembrasse do vosso valor e da vossa dignidade. Para mim, seria suficiente saber
mas gradualmente foi se espalhando entre a massa negra que o agente e seus que fostes enviado pela França para que cu vos venerasse. Se respeito tanto
auxiliares eram hostis a Toussaint, e quem fosse hostil a Toussaint tambem o Diretório, do qual sois o agente, por que no vos respeitaria em pessos e

seria hostil aos negros. Mas é curioso, e característico de Toussaint, que o almejaria a vossa aprovacio? As provas de confiança com que o Diretório me

objeto das brigas mais ferozes eram os emigrados brancos, com Toussaint, honrou so preciosas demais para que eu no tenha as vossas no mesmo grau.
um antigo escravo, tomando o seu partido, e Hédouville, um antigo nobre, Mas é porque esses sentimentos esto profundamente gravados no me coraça,
atacando Toussaint por protege-los. e porque a vossa estima e a vossa confiança so infinitamente preciosas para

mim, que, infinitamente alarmado pelo medo de perde-las, acho necessario


Roume tambem recomendava a reconciliatio com os emigrados, mas
revelar-vos meu desespero. Fiel aos meus deveres e aos meus principios, posso
aconselhou ao Diretório investigar cuidadosamente todos os fazendeiros e
permitir que apenas aqueles que houvessem perdido seus antigos preconceitos atribuir a má fortuna apenas às perfidas manobras dos intrigantes contra mim,

pudessem voltar à colonia. Mas Toussaint chamava de volta todos os que pessoalmente, e contra a paze a ordem. (...) Se pedi permisso para me retirar, é
jurassem fidelidade. Talvez ele sentisse que, além dos valiosos confecimen¬ porque, tendo servido ao meu país honradamente, tendo-o arrebatado das más
de inimigos poderosos que lutavam pela sua posse, tendo extinguido o fogo
tos e da educaço que tinham, eles deixariam de intrigar e conspirar pelo
da guerra intestina que por longo tempo o castigou, tendo ha muito esquecido
restablecimento da escravido se pudessem voltar e ter a possibilidade de
uma familia querida para a qual me tornei um estranho, tendo negligenciado
usufruir das suas propriedades. Ele precisava deles, mais do que nunca, para
os meus proprios interesses, sacrificado o meu tempo e os meus anos a triun¬
contrabalançar o poder dos mulatos. Alguns desses emigrados, que coman¬
fo da liberdade, desejo agora resguardar a minha velhice de um insulto que
daram tropas negras a soldo dos britanicos, haviam sido excluidos da anistia

original. Mas Toussaint sabia que as plantages de Sao Domingos precisavam


envergonharia os meus filos. Sentiria essa vergonha ainda mais sabendo que
no a merecia, e certamente no sobreviveria a ela. No vos escondo que, como

parece estardes adiando indefinidamente a concordancia ao meu pedido, fálo ei


ibid., p. 325.

200

A
Os jacobinos negros
A expulsio dos britanicos

diretamente ao Diretório. Os homens, em geral, so to inclinados a invejar a junto aos proprietarios, por períodos de seis e nove anos, uma estupidez que
gloria dos outros e to ciumentos do bem que eles mesmos no conseguiram que os britanicos iriam repetir, com estrondoso fracasso, depois da emancipacao
um homen muitas vezes granicia inimigos pelo simples fato de haver prestado dos escravos em suas proprias colonias, em 1833. Os negros o aceitariam
bons servios. A Revolucio Francesa mostro muitos exemplos dessa terrivel de Toussaint ou Sonthonax, mas no de Hédouville. Apesar dos pedidos
verdade. Muitos grandes homens expiaram no exilio ou non patibulo os servicos urgentes de Toussaint, o exercito no había sido pago e ressentia se desse
que prestaram ao seu país e seria imprudente da minha parte ficar por mais descaso e dos ataques ao seu general. O reccio pela liberdade dos negros
tempo exposto aos dardos da calunia e da malcvolencia
começou a crescer. Hédouville alegava que Toussaint e os generais estavam
Uma retirada honrosa e pacífica para o scio da minha familia é a minha espalhando calunias contra ele entre os trabaladores. Queria que, como

única ambico. La, como no comando dos meus exercitos, estarei sempre pronto bons cidados franceses, ficassem quietos enquanto ele, agora que no tinha

para dar um bom exemplo e oferecer os melhores conselhos. Mas aprendi tanto mais necessidade deles, preparava a sua demissio para novamente colocar
sobre o coraço do homem que ora tenho a certeza de que apenas no sei da os negros nos seus devidos lugares.
minha familia encontrare a felicidade.
O descontentamento crescia. Hedouville começo a perceber em que posicio

Essas palavras certamente vinham do coraço. Como Vaublanc e os otros ficaria sem Toussainte pediu-he que endereçasse uma circular aos comandantes
estavam nas Guianas, ele no temia a escravido imediatamente. Percebia que dos distritos para acalmar os negros e demove-los da sua alegada intenço de
Hédouville poderia dispensálo. Resistir significaria uma guerra civil, tambem revoltarse e massacrar os brancos. Toussaint repudio essa calunia lançada
contra Rigaud. A minha conduta, ja há algum tempo, principalmente desde a contra o caráter dos trabaladores e, enquanto endereçaua a circular requerida,
vossa entrevista como general Rigaud, tem sido una continua infraçio à lei. ele se dissociava da idea de que os negros estavam apenas aguardando una
E, en vez de enfrentar uma guerra civil simplemente por causa da sua posi¬ oportunidade para massacrar os brancos. Hédouville agora tentava recobraro
co pessoal, ele preferia se retirar. Hédouville vinha insistindo em The mostrar terreno perdido junto a Toussaint. Negociava por meio de amigos. Toussaint
que, embora fosse comandante-chefe, estava subordinado ao agente. Confe¬ respondia da mesma forma, mas conservava o distanciamento.
ço vossos poderes, escreveu Toussaint, é por isso que dirigi a vos a minha
Hédouville desejava restablecer a autoridade civil como força contro¬
demissio e, caso no os connecesse, vos mos terieis mostrado, ao lembrarme
ladora e naturalmente estava em conflito imediato com os generais de
incessantemente de que podeis demitirme, o que me faz pensar que é o vosso
Toussaint. Este havia feito debandar parte das tropas. Elas voltaram a¬
ardente desejo faze-lo.
traballo de boa vontade, mas Hédouville estava dispensando as tropas
No era um blefe. Enviou um secretario ao Diretório para acertar os termos negras e confiando a defesa da costa apenas às tropas brancas. Os negros
de sua aposentadoria. Os ingleses haviam sado de Sao Domingos ha menos de viam isso com muita desconfiança. Hédouville no era Laveaux nem
seis meses. Toussaint iria ate o fim, mas, mesmo ento, como revela a carta, ele Sonthonax. Os negros no se impressionavam com nada que ele tivesse feito
no estava pensando, de forma alguma, na independencia da colonia. Ele iria na Vendeia. Reprenden Moise com aspereza, injustamente; Moïse retrucou
se aposentar. Mas, se qualquer tentativa fosse feita para se atingir a liberdade da mesma forma. O país estava tenso e qualquer incidente poderia causar
para todos, ele estaria presente.
uma insurreico. Toussaint nao iria a Le Cap. Disse a Hédouville que fora
Foram as massas de Sao Domingos que o salvaram. Hédouville estava informado de que no estaria em segurança lá. Hédouville pediu-he que
fazendo os acertos como Dirctorio para substitui-lo e os très generais negros, fosse a Fort Liberté, onde Moïse estava aquartelado, para acalmar a inquie¬

colocando très generais brancos em seus lugares, mas no se atreveu a con¬ tacao. Toussaint arrumou uma desculpa para se demorar. Se Hédouville

clui-los, to grande era a intranquilidade no país e no Exercito. Hédouville queria governar, que governasse.
tentou introduzir um sistema de treinamento para os trabaladores negros Subitamente, uma rixa pessoal irrompeu na guarnicio de Fort Liberté,
enquanto Moïse, que era o comandante, estava ausente. Os soldados, repre¬
SANNON, Histoire de Toussaint-Ouverture, v. II, p. 116-7.
sentando os trabaladores, entraram em conflito com a Municipalidade, que

A
Os jacobinos negros A expulso dos britanicos

era constituida principalmente de mulatos e de velhos negros livres. Uma O Rubica havia sido atravesado e, no dia seguinte, em um discur¬
palavra de Toussaint teria restablecido a ordem. Em vez disso, Hédouville so público em Fort Liberté, Toussaint ousadamente afirmou a sua propria
enviou outro negro, Manginat, com autoridade para depor Moise e assumir autoridade.
o comando. Perante a lei, por certo Hédouville tinha autoridade para demitir "No preciso momento en que expulso os ingleses da colonia (.)
Moise. Mas essa aço no era apenas injustificada, era estúpida, pois Moïse Hédouville escolhe um negro para destruir o bravo general Moise e o quinto
era, depois de Toussaint, o homem mais popular no Exercito, e tambem regimento, que tanto contribuiram para a expulso de nossos inimigos da
sobrino de Toussaint. colonia. So eles que vos querieis matar. E, se os matasseis, no percebeis que
Moise, retornando ao forte, encontrou Manginat proclamando a sua nova há milares de negros corajosos que teriam executado a vingança por esse
autoridade: bravo general Moïse e pelo quinto regimento; nao vedes que estaricis expondo
todos esses infelizes europeus e suas esposas e seus filos a massacre? (...)
— Tu no sabes guerrear como eu, cidado Manginat disse ele. — Tome
cuidado. O que diria a França: ()
Eu reintegro Moise em suas funes anteriores. (...) Aqueles que vivem
Mas Manginat, com a autorizaço de Hédouville, insistiu nos seus direitos.
pela espada mortem pela espada. (.) Hédouville diz que sou contra a liberdade,
A Guarda Nacional e um destacamento das tropas europeias abriram fogo, um
que desejo render me aos ingleses, que desejo tornar me independente. Quem
dos irmanos de Moïse foi morto, outro capturado e o proprio Moïse teve de fugir ama mais a liberdade, Toussaint L'Ouverture, escravo de Breda, ou o general
para salvar a pele. Tao logo Hédouville soube disso, demitiu Moïse do servico Hédouville, antigo marqués e cavaleiro da Ordem de Sao Luis? Se eu desejasse
e ordenou que fosse capturado, vivo ou morto. Quando Toussaint soube que me render aos ingleses por que os expulsaria? (...) Lembrai-vos de que existe
Hédouville havia dispensado Moïse, deu ordens a Dessalines para marchar apenas um Toussaint L'Ouverture em Sao Domingos e que, à menço do seu
contra Le Cap e prender Hédouville. nome, todos devem tremer!
Toussaint havia dado muita corda ao agente, e Hédouville se enfor¬ Esse era o novo Toussaint. Ele no desejava romper com a França, mas
cou sozinho. No começo, manteve uma aparencia de arrogancia, mas Hédouville, representante da França, havia dado origem apenas à intran¬
Moïse reuniu os trabaladores negros da planicie es quando Hédouville quilidade e a desordens. Das por diante, ele governaria. Aquela noite cle
sentiu o nó apertarle o pescoco, enviou a Toussaint o coronel Vincent jantou com Moïse e, num longo monólogo, expressou tudo o que sentia.
e um padre para por fin à desavença. Mas Toussaint ja havia se decidido c Foi uma das poucas ocasióes nas quais podemos vislumbraro que se passava
agiu com suas costumeras rapidez e deciso. Apesar de toda a intimidade em sua mente.
que tinha com Vincent, mandou prende-lo. Ordenou que um destacamen¬ Hédouville espalhou que está voltando à França para reunir forças para
to interceptasse très oficiais de Hédouville, que serviam sob o comando retornar. (...) Eu nao quero lutar contra a França: salvei este país para ela até
de Rigaud e traziam cartas. Tentaram resistir e foram mortos. Toussaint agora, mas se me atacar eu me defenderei. O general Hedouville no sabe que
ento marchou sobre Le Cap. Hédouville no esperou por ele. As tropas nas montanas da Jamaica há negros que forçaram os ingleses a assinar tratados
de Dessalines já estavam chegando aos arredores da cidade. Hédouville com eles? Bem, eu sou negro como eles, sei como fazer a guerra e, além disso,
lançou uma proclamaço denunciando Toussaint como traidore fugiu para
tenho algumas vantagens que cles no tem, pois posso contar com assistencia
bordo de um navio que estava no porto. Toussaint, ao chegar a Le Cap.
e protecamo!
solicito que Hédouville desembarcasse, mas este recusou-se e partiu para
a França, com cerca de mil oficiais, entre brancos, mulatos e negros que

eram livres anteriormente, os quais detestavam loussaint e seus generais Quando Julio César regressava da campanha na qual conquistara toda a Galia, receben
ordens do Senado de desmobilizar o seu exercito e voltar a Roma. Nao acatou a ordem
que eram escravos anteriormente. A Municipalidade e os que eram cida¬
e, ao atravesar o rio Rubico, a camino da cidade, proferiu as célebres palavras: Alea
dos apressaram se a dar as boas-vindas a Toussaint e a agradecer le por jacta est (A sorte está lançada). E, apos derrotar Pompeu, recebeu o Imperium ou poder
restaurar a orden.
supremo. (N. do T.)

204
Os jacobinos negros A expulso dos britanicos

Toussaint apontava claramente os britanicos. Mas, embora soubesse que os de coisas à sabedoria do seu Governo. Estou convencido de que, cedo ou

ingleses agarrariam qualquer oportunidade de se aliar a ele, ele apenas formaria tarde, essa preciosa illa escapara à dominacao francesa. Náo desejo propor
essa aliança se a França o atacasse. as medidas que tomareis para enfraquecer o poder daqueles que a dominam,
mas, se ainda nao chegou o momento para medidas vigorosas, talvez vos
- Finalmente, disse a Moïse e aos otros, fizo que devia ter feito. No
tenho nada do que me arrepender. Dou risada de tudo o que Hédouville disser pareça importante criar os germes da diviso entre eles, incrementar o dio
e ele pode vir quando bem entender! existente entre mulatos e negros e opor Rigaud a Toussaint. No tenho meios
para garantir a pureza das intençes do primeiro, mas, por uma questo de
Há as a mesma nota da responsabilidade pessoal de quando Sonthonax
foi embarcado. Ele agia sozinho, tomando suas decisoes sem o conselho justiça, posso assegurar que só tenho elogios à sua conduta. Vos tereis as provas
na sua correspondencia. Se eu pudesse ter contado totalmente com ele, ná¬
ou a assistencia de ninguém, e seus oficiais, soldados e trabaladores o
teria hesitado em ir ao Sul, apesar da incerteza de que a viager para la nao
seguiam cegamente.
tivesse sido interrompida pelos britanicos. (.).
O que ele tencionava? Ele no sabia. Sua mente poderosa, sem a aju-
Embora o ressentimento racial ainda existisse, nao havia hostilidade entre
da do exemplo ou da educacao, estava vagarosamente elaborando um
Toussainte Rigaud. As proprias palavras de Hédouville mostravam que ele havia
relacionamento satisfatorio com a França, no qual a ligacio seria mantida
criado deliberadamente tal rivalidade e que, mesmo agora, ainda nao estava
com beneficios para ambos e, ainda assim, ele governaria de forma a que todos
bem certo quanto a Rigaud. Antes de expor o plano perante o Diretorio, ele
esses comissarios, agentes e outros no pudessem governar. Ele logo encontraria
havia agido, escrevera uma carta a Rigaud desobrigando o de toda obediencia
essa solucio. Mas, enquanto isso, enviou Vincent a Roume, em Sao Domin¬

gos, pedindole que assumisse a posicio deixada vaga por Hédouville, até
a Toussaint e autorizando o a tomar posse dos distritos de Léogane e Jacmel,
incorporados ao Sul por um decreto anterior, ainda sem effeito. Seria o suficiente,
que chegassem instruces de Paris. Mas Roume ja era comissario. Quando

Hédouville deixon a França, o Diretório estava to incerto quanto à sua re¬ esperava ele, para iniciar a conflagraçio e mante-la em andamento até que a
França estivesse pronta para agir. Hédouville e seus superiores pertenciam à
cepcio eo seu futuro destino que um membro de sua equipe foi incumbido
com um pacote selado que só poderia ser aberto no caso de sua morte ou mesma casta de Maitland eos seus. Sem nenhum embargo, chafurdavam com

ausencia forçada da illa. Quando esse pacote foi aberto, continha a indicacao gozo na imundicie e no lodo de suas concepcóes e necessidades políticas. Embora
de Roume. Dessa forma, Roume foi instalado como sucessor de Hédouville. convivessem com os verdaderos líderes da sua sociedade, representavam a esco¬

O fiel Vincent, que aprovou totalmente a expulso de Hédouville, foi enviado ria da civilizatio humana e dos padres morais. Um historiador que encontra

a Paris para apresentar os despachos e explicaces de Toussaint. Em seu desculpas para tal conduta no suposto espírito dos tempos, por omissio ou por

relatorio, Toussaint acusou Hédouville de servir aos interesses do partido silencio, mostra, dessa forma, que a sua verso dos acontecimentos no deve
que hauia sido derrotado em 18 de Frutidor. Varias vezes, ele se referiu a esse merecer confiança. Hédouville, afinal, era um produto da grande Revolucio
golpe de Estado. As maquinaçes de Vaublanc e dos emigrados perseguiam Francesa. Voltaire e Rousseau eram termos familiares e morreram antes de a
a ele e aos trabaladores negros de Sao Domingos. Revolucio começar. Jefferson, Cobbett, Tom Paine, Clarkson c Wilberforce

Naturalmente, Hedouville chegou a Paris antes de Vincent. já haviam hasteado as banderas e levavam vidas que, conforme Maitland e
os da sua laia, faziam deles inimigos subversivos da sociedade. Eles tinham as
Por meio dele, o Diretório soube que a colonia tinha sido praticamente
suas razones. Assim como a tem os seus equivalentes de hoje. Enchem nossos
perdida pela França e que só havia uma forma de salva¬la:
jornais e radios. Esse tipo está em toda a parte, como tambem esto aqueles
A exportaço de açucare café pelos barcos ingleses e americanos fará o
que o defendem.
dinheiro correr na colonia e ele Toussaint) no dexará de atribuir esse estado

2 Les Archives Nationales, A.F. III, 210.


Relatorio de Frimario, ano VII, Les Archives Nationales, A. F. III, 210.
Porque no (C. L. R.)

206

A
Toussaint toma o poder

Roume, chegaram dois outros maços de cartas. O que eles continham? No

sabemos. Mas podem ter sido instruces para manter as duas partes separadas
TOUSSAINTTOMO PODER
a qualquer custo. Roume nao queria a guerra, mas agiu como se a sua funcio
fosse evitar que chegassem a um entendimento.

O esforço de Rigaud, que pretendia aposentarse na França, e o tom de suas


cartas a Toussaint mostramo quanto ele se sentia inseguro. Mas o Governo
frances realizou seu trabalho diabolico com muita habilidade. Hédouville
chegou a sugerir que o Diretorio poderia jogar sobre ele, publicamente, a culpa

Toussaint, em seus doze años de politica, nacional e internacional, cometen pela cisio para no alarmar Toussaint. O Diretório expressou o seu pesar a
Toussaint, ao ver Hédouville retornar, mas aparentava manter a confiança
apenas um engano serio, o qual encerrou a sua carrera. Percebia logo as ne¬
em Toussaint. Todavia, Bruix, o ministro colonial, escreveu cordialmente a
cessidades estratégicas e jamais hésitava en executar qualquer politica exigida
Rigaud. Talleyrand, ministro das Relacées Exteriores, escreveu encoraja¬
por elas. Agora que ele havia dispensado Hédouville, representante oficial
doramente tanto a Toussaint, como a Rigaud. Assim a França mantinha o
do Governo francés e reconfecidamente seu superior, percebeu que tinha de
tacho fervendo alegremente.
aniquilar o Estado mulato de Rigaud. O grande perigo seria una expedicio
francesa, e era suicidio permitir que Rigaud e seus mulatos permanecessem no
Maitland deixou Sao Domingos em novembro de 1798 e no dia 12 de

controle do Sul e do lado ocidental. Eles certamente dariam as boas-vindas a dezembro sain a seguinte noticia no London Gazette:

uma força francesa e provocariam a ruina do Estado negro. Nenhum acontecimento na história da atual guerra foi mais interessante

E fácil prejulgar Rigaud. Para el, a França ainda era a patria mae, que para a causa da humanidade, ou dos interesses permanentes da Gra-Bretanha,
tornara os mulatos e negros homens livres. Aflijo me ao ver isto, o golpe mais do que o tratado que o general Maitland fez como general negro Toussaint a

cruel jamais desfechado contra nos em Sao Domingos, que retorno à vida pela respeito da desocupacio de Sao Domingos.
estrada da Revolucio. O Diretório verá sua autoridade anulada nesta colonia. Por esse tratado, a independencia daquela valiosa ilha é reconhecida de
Toda a França acreditará que desejamos nos tornar independentes, como uma fato e será garantida contra todos os esforços que a França possa fazer a partir
turba de tolos ja afirma e acredita. de agora para reconquista-la. A Inglaterra nao apenas deixará de ter despesas

Rigaud enviou seu pedido de demissio a Toussaint. Caso fosse aceito, ele
com fortificaçes e exercitos, mas terá tambem a vantage de assegurar para
si a exclusividade do comercio com a illa.
seria inevitavelmente sucedido por Beauvais, e este, com Toussaint e Roume,
poderiam talvez tornar a unidade uma certeza. Rigaud suplico: “Ele Roume Toussaint L'Ouverture é um negro e, no jargo da guerra, tem sido cha¬
sem duvida vos consultará quanto à escolha do meu sucessor. Devo vos assegurar mado de bandoleiro. Mas, segundo todos os relatos, é um negro nascido para
mais uma vez, cidado general, da minha fidelidade à França e do meu respeite
justificar os clamores de sua especie e mostrar que o caráter dos homens é inde¬
e imaculada estima pela vossa pessoa. Que desperdicio. Que desperdicio toda pendente da sua cor superficial. Os recentes acontecimentos em Sao Domingos
aquela bravura, devocao e sentimentos nobres dedicados a burgueses corruptos logo chamaráo a atencio do público. Parecem que eles foram calculados para
e rapaces! Burgueses que ainda eram, aos olhos do desorientado Rigaud, os agradar a todos os partidos. E um ponto importante resgatar aquela formi¬
porta-estandartes da liberdade e igualdade.
dável ilha das garras do Diretório, pois, caso este torne a encontrar un lugar
Roume recusou-se a aceitar a demissio de Rigaud e, dessa forma, a guerra
civil seria inevitável. Com a correspondencia que continha a indicaço de
4 de Ventoso, ano VII (22 de fevereiro de 1799). Les Archives du Ministère de la Guerre. B. 1.

SANNON. Histoire de Toussaint-Ouverture, v. II, p. 148.


A enfase é de Rigaud. 19 de Germinal, ano VIII (8 de abril). Les Archives du Ministère de la Guerre. B. I.

208

A
Os jacobinos negros
Toussaint toma o poder

onde firmar os pés, passará a ameaçar incansavelmente, e talvez até a tomar Quando os agentes britanicos ficaram sabendo o quanto Toussaint havia
de assalto, a favorita de nossas possesses nas Indias Ocidentais, e, por outro avançado en relacio aos americanos, deixaram de alegar que estavam nego¬
lado, & tambem um ponto importante, para a causa da humanidade, que um ciando apenas para agrada-lo; irritaram se e disseram que cruzadores britanicos
dominio negro seja de fato constituido e organizado nas Indias Ocidentais sob bloqueariam a illa, se os seus navios no pudessem entrar nos portos nos

o comando de un chefe ou rei negro. Aquela raça negra que a cristandade para mesmos termos dos americanos. Eis o dilema de Toussaint. A França estava
a infamia acostumouse a degradar. (...) Todo britanico liberal sentirá orgulho en guerra com a Gra-Bretanha. Como todos os negros franceses, detestava
de vero seu país promover a feliz revolucio (.). os ingleses. Mas a economia de Sao Domingos estava à beira do colapso. E,
Os britanicos, depois de terem sido expulsos da ilha em setembro, em de¬ embora elle tentasse evitar um tratado comercial com os inimigos da França,
teve de admitir, finalmente, que navios britanicos, carregando a bandera
zembro já posavam como autores da feliz revolucio e rejubilavam se com a
liberdade de um povo que, para no voltar à escravido, havia custado a esses dos Estados Unidos ou da Espanha, entrassem nos portos de Sao Domingos.

mesmos britanicos a vida de cem mil de seus homens. Além de afagar a vaidade Roume sugeriu que Toussaint prendesse Maitland, o que teria sido fácil. Re¬
nacional, essa noticia mentirosa seria, é claro, lida pelo Diretório. Tendo, dessa cusou e, en vez disso, leu para Maitland a carta de Roume e deu sua propria

forma, colocado mais uma cunha entre Toussainte os franceses, Maitland partiu resposta indignada, repelindo aquela suggestio desprezível. Maitland ficou

para os Estados Unidos para negociar a diviso do comercio com aquel país. muito impressionado.
Harcourt foi enviado antecipadamente a Sao Domingos, mas Toussaint no Toda aquela Convencio era irregular. Maitland sabia que Toussaint no
queria negociar com os britanicos de jeito nenhum. Ele interpelou Harcourt tinha autoridade e Toussaint estava ciente de que no tinha nenhuma autori¬

sobre a noticia que havia aparecido na imprensa. Harcourt respondeu de forma dade. Quando a paz fosse alcançada, todos esses problemas seriam resolvidos

evasiva e teve a estupidez inacreditável de dizer a Toussaint que os britanicos Em todo caso, negociar assim com os britanicos, que na verdade estavam em
estavam fazendo tais negociaces com ele no tanto devido a quisquer vanta¬ guerra com a França, era algo perigoso, mas era um ato de sabia e corajossa
gens militares ou comerciais, mas para testemunhar-The a satisfacio pela boafé habilidade política. Mesmo Roume, agente do Governo francés, governo que

e pontualidade na execucio dos compromissos (.) o tinha colocado numa posicio muito difícil, teve de admitir que Toussaint
tinha uma justificativa. O proprio Diretorio aprovou o acordo feito com os Es¬
Quando Maitland foi para os Estados Unidos, descobriu que Toussaint
tados Unidos, no Moniteur de 26 de Vendemiario, ano VIII (19 de outubro de
tinha feito seus proprios arranjos como Governo americano. O presidente ja
havia autorizado um tratado comercial e indicado um representante para os 1799). Toussaint nao tentou manter segredo. Admitia abertamente que existiam

negocios com Sao Domingos. Nenhum tipo de pessoa fez os negros sofrerem clausulas secretas na Convencio (promessas mutuas de que um nao atacaria o

outro), mas que essas clausulas secretas eram necessarias para a salvacío de Sao
mais do que os capitalistas da Gra-Bretanha e dos Estados Unidos. Eles tem
Domingos e no constituiam uma traicio para com a Franças. Mesmo Rigaud
sido os mais pertinazes advogados do preconceito racial en todo o mundo.
Todavía, os americanos competiam com os britanicos nos cumprimentos ao juntouse ao coro dos elogios: “Embora meus inimigos, sempre prontos a me
negro Toussaint e pelo comercio com Sao Domingos. John Hollingsworth, da magoar, tivessem conseguido diminuir a vossa amigade por mim, nem por isso

John Hollingsworth & Co., escreveu a Toussaint: sou menos admirador do vosso talento e do vosso mérito. (...) Ofereço o tributo

de louvor que vos mereceis.


Em vos, eu deposito a mais irrestrita confiança e tenho, além disso, o
prazer de acrescentar que, tanto quanto sei, essa confiança e reciproca, o que Mas o comercio com os Estados Unidos no poderia ter sido arranjado sem

me conforta bastante, pois tenho advogado a negociacio proposta como maior o consentimento dos britanicos. Todavía, Rigaud nada disse a respeito disso.
empenho”. Toussaint, por otro lado, excluiu do acordo os portos do Sul. E mesmo antes

Sobre essas negociacies ver a correspondencia de Toussaint recollida pelos franceses. Les
ARDOUIN, Etudes sur l’histoire de Haiti (Paris, 1853), v. IV, p. 46.
Archives du Ministère de La Guerre. B. 1.
SANNON, Histoire de Toussaint-L’Ouverture, v. II, p. 151-2. A Convencio foi impressa na
Les Archives du Ministère de la Guerre. B. I.
integra por SCHOELCHER em Vie de Toussaint-L'Ouverture, p. 416-9.

210

A
Os jacobinos negros Toussaint toma o poder

de ter assinado de fatto com Maitland, no día 13 de junio de 1799, mais uma do servico e a severa disciplina, mais do que nunca, fundiram as très cores

vez ele tomo a ofensiva contra Rigaud. nas fileiras do exercito. O mesmo estado de cosas existia na administracio

civil e essa foi uma das consequencias mais felizes da igualdade política
consagrada pelos principios da Revolucio. A rivalidade de cores no era
Durante uma proclamaçio pública, Rigaud defendeuse com paixo ento a causa inicial do conflito que estava começando. Ela o complicou e
comovente das acusaçes de que no desciava obedecer a Toussaint por ele a diferença de raça tornou se um dos seus elementos, quando muitos oficiais

ser negro. de cor, em diversas partes do país, ficaram ao lado de Rigaud e Toussaint
Na verdade, se eu tivesse chegado ao estadio no qual no quisesse obe¬ teve de tratá-los como traidores.

decer a um negro e se tivesse a estúpida presunço de acreditar que estou Essa é a opinio do sr. Paulus Sannon, ele proprio haitiano, e ninguém

acima de tal obediencia, sob quais argumentos poderia exigir a obediencia escreven com mais sabedoria e profundidade sobre a revolucio de Sao Do¬
dos brancos? Que triste exemplo eu estaria dando aqueles que foram colo¬ mingos e Toussaint L'Ouverture. Ele tambem ve com muita clareza que os
cados sob as minhas ordens? Ademais, existe mesmo tanta diferença entre mulatos so uma classe intermediaria típica, com toda a instabilidade politica
a cor do comandante-chefe e a mina? Será que é uma tonalidade de cor,
que le é peculiar.
mais ou menos escura, que instila os principios filosoficos ou que incute os
Sempre houve tambem uma maior tradicio política entre os homens
principios em um individuo? E, se um homem é de uma corum pouco mais
de cor, bem como uma disposicio peculiar, notada com frequencia, que
clara que a de outro, é necessario que aquele seja obedecido em tudo? Eu nao
tendia a deixa-los particularmente suscetiveis a todas as esperanças e an¬
estou querendo obedecer a um negro? Ora, pois toda a minha vida, desde
siedades que derivavam dos acontecimentos públicos. E essa atitude mental
o berço, tenho sido obediente a eles. O meu nascimento náo é igual ao do
em assumir todas as tendencias da guerra de cores que causou a luta entre
general Toussaint? Minha mae, quem me trouxe ao mundo, no é uma negra?
os chefs militares.
No tenho eu um irmo mais velho que é negro e pelo qual sempre tive o
E ele conclui: “Toussaint L'Ouverture no detestava os mulatos mais do
mais profundo respeito e ao qual sempre obedeci? Quem me transmitiu os

primeiros principios da educatio? No era negro o professor da cidade de que Rigaud odiava os negros. E, se cada qual mal se defendia dos sentimentos

Les Cayes? No está claro que toda a minha vida fui acostumado a obedecer
contrarios que atribuíam ao outro a esse respeito, era porque precisavam ambos
da força unida de um partido num conflito en que os partidos se confundiam
aos negros? E todos sabe que os primeiros principios permanecem gravados
com as classes e as classes com as cores.
eternamente nos nossos coraçones. Consagrei toda a minha vida à defesa dos

negros. Desde o começo da Revolucio enfrentei tudo pela causa da liberdade. —


Eu nao traí os meus principios e jamais o farei. Alem disso, acredito demais
Toussaint, por um momento, parecia disposto a conquistar Beauvais para
nos Direitos do Homem para pensar que na natureza existe uma cor superior
o seu lado e, por meio dele, aglutinar a colonia. Publicou uma proclamaço
a otra. Reconheco em um homem apenas um homem.
atacando Rigaud e elogiando Beauvais. Este, devido à amabilidade de caráter
Tais palavras no poderiam ter sido escritas antes de 14 de julio de 1789.
que o tornava querido por todos, teve um papel deplorável nessa crise. Caso
Como verdadero filho da Revolucio, Rigaud sentiase profundamente ma¬ ele tivesse se declarado audaciosamente a favor de Toussaint, Rigaud mal
goado pelo fato de as pessos pensarem que o desentendimento que tinha com teria podido lutar, tal eram a sua influencia e a importancia estratégica do
Toussaint era devido à cor deste. Toussaint tambem foi enfatico e, embora
seu comando. Caso ele se declarasse a favor de Rigaud, Toussaint estaria
acusasse a classe dos mulatos de conspirar contra ele, desdenhava a acusaço
em serio perigo. Mas to tenue era a amargura devido às classes e aos sen¬
de odiar os mulatos mostrando o grande número de mulatos que lutavam no
timentos relativos à cor no inicio da luta, que Beauvais, um mulato entre
seu exercito e contra Rigaud.
Sem dúvida, as suscetibilidades, os ciumes nascidos das diferenças de
Histoire de Toussaint-Ouverture, v. II. p. 140.
cor, manifestam se algumas vezes num grau excessivo, mas as exigencias

213
Os jacobinos negros Toussaint toma o poder

os mulatos, no conseguia se decidir. Finalmente, desistiu do comando e Rigaud, estranhamente inativo, lutou irresolutamente, esperando pela
viajou para a França, honesto ate o fim e incapaz de tomar partido naquela França. Finalmente Jacmel no conseguiu resistir mais. A guarnicio fa¬

guerra fratricida, maliciosamente iniciada pelos eternos inimigos da paz minta cortou camino através dos homens de Dessalines e a vitoria final de
em Sao Domingos. Toussaint parecia mais perto.

Rigaud atacou primeiro em Petit-Goave. Mas esse refinado soldado, to

brillante contra os ingleses, audacioso, tenaz e cuidadoso ao mesmo tempo, Bonaparte, vitorioso nas lutas internas da burguesia que buscava o poder,
estava no seu pior momento nessa campanha crucial.
ainda estava muito ocupado na Europa para se preocupar com Sao Domingos.
Enquanto Rigaud hesitava e olhava para a França, Toussaint nada esperava Mas Hédouville assegurou-The que Toussaint estava vendido aos ingleses.
dela. Enviando Dessalines para o Sul, viajou para o Norte para esmagar as A conversa de Toussaint com Moïse havia sido transcrita pelo secretario

revoltas. Os negros livres do Norte estavam se revoltando a favor de Rigaud, e branco de Moisele enviada à França. O relatorio de Vincenti, todavia, cra
até mesmo Pierre Michel, antigo escravo, juntourse à revolta contra Toussaint
interamente favorável a Toussaint. Isso no alterou os planos de Bonaparte,
e acabou sendo executado. Diante da velocidade dos movimentos de Toussaint mas Toussaint tinha que ser agradado por enquanto. Bonaparte indicou uma

e da execucio implacável dos traidores, os rebeldes acovardaram se. Punam, nova Comisso, composta por Vincent, Raimond e o general Michel, para
até mesmo com a morte, aqueles que tentarem fazer o menor movimento. promover a paz entre os dois combatentes. Bonaparte soube por Vincent
Apesar da vacilaçio de Rigaud, o Sul dos mulatos lutou magnifica¬ que Toussaint era o protetor dos europeus e, o que era mais importante, o

mente no principio. Todo o seu orgulho foi despertado e a sua amargura


homem mais poderoso da colonia. Ele confirmou Toussaint em seus postos
de comandante-chefe e de Governador, mas evitou cuidadosamente tomar
pode ser comprendida. Havia o velho odio entre mulatos e negros.
qualquer partido na disputa. No escreveu diretamente a Toussaint, mas diri¬
Toussaint havia tentado diminus-lo, mas ele ainda persistia. Os irmaos
Rigaud e outros líderes mulatos tinham um grande histórico de sucessos giu uma carta dos consules aos cidados de Sao Domingos, assegurandoles
a sua liberdade, mas notificando os de que, pela nova Constituiçio que ele
militares e administrativos, desde os primeiros días da revolucio. As vi¬
havia otorgado aos franceses, as colonias no poderiam mais ser representadas
torias de Rigaud contra os britanicos eram quase to importantes quanto
no Parlamento frances, mas seriam governadas por leis especiais. Solicitou
as de Toussaint. O moral da populacio mulata era elevado: quando as
que, nas banderas do Exercito, fossem incluidas inscrites dizendoles que
cidades eram sitiadas pelos ingleses, as mulieres corriam ao longo das
eles deviam a sua liberdade à França.
fortificaces auxiliando os homens, com o destemor e o desprendimento
que revelavam a sua disposicio revolucionária. Todos os mulatos eram Quando Vincent desembarcou em Sao Domingos, os ressentimentos

devotados à República. Rigaud havia executado sem piedade os mulatos raciais estavam em alta. Por toda a colonia, os negros e mulatos diziam que a

traidores, apesar de as mulieres mulatas haverem pedido de joelhos que guerra civil havia sido ateada pelos brancos, para enfrauecer os dois lados e
eles fossem poupados. Ele havia deportado os brancos emigrados. Eles restaurar a escravido. Os brancos haviam tomado o partido de Toussaint,

acreditavam que Toussaint, enganado pelos antigos brancos e vendido aos mas no ficaram satisfeitos quando ele os convocou para o Exercito e fez com

que marchassem e lutassem contra Rigaud. Mas os trabaladores negros esta¬


ingleses, contra quem eles haviam derramado tanto sangue, era ao mesmo
tempo um traidor da República e um tirano procurando establecer uma vam saturados dos comissarios da França e afirmaram que no queriam que
os brancos os governassem; que seriam governados por Toussaint. Moïse, que
dominado negra. Eles lutavam como tigres.
A guerra, finalmente, dependia do destino de Jacmel, bloqueada por
terra e por mar. Durante cinco meses, Jacmel resistiu sob o comando de SANNON, Histoire de Toussaint-Ouverture, v. II. Ver notas 4 e 10, no capítulo V.
Pétion, oficial excepcionalmente capaz que havia desertado das tropas Précis sur l'état actuel de la colonie de Saint-Domingue. Les Archives Nationales. A. F. III, 1187.

de Toussaint. Os sitiados comiam os cavalos, os ces, os gatos, os ratos, Précis de mon voyage à Saint-Domingue, 20 de Pluvioso, ano X, Les Archives Nationales, A.
F. IV, 1212.
couro velho, a grama das ruas, até que no havia mais nada para comerem.

215
Os jacobinos negros Toussaint toma o poder

no gostava de Vincent, prendeu-o, e Vincent sofreu muitas privages e quase


Nos anos da história de Sao Domingos como Estado independente, seus
mulatos e negros lutaram incessantemente num conflito de classes, algumas
foi executado pelos guardas. Toussaint pediu desculpas a Vincent, mas a sua
vezes chegando à guerra civil, como é comum em todas as sociedades, quer
priso dificilmente teria acontecido sem ordem dele, embora as humilhaces
sejam homogeneas na cor ou no. Mas, ao primeiro sinal de invasio estrangei¬
se devessem provavelmente a sentimentos raciais espontaneos.
ra, eles sempre apresentaram ao inimigo uma frente sólida. Essa lico tiveram
Toussaint estava satisfeito por ter seu posto de comandante-chefe confir¬
de aprende la pela dura experiencia. Mas jamais houve uma oportunidade to
mado pelo novo regime. Na guerra de proclamaçones entre ele e Rigaud, isso era
factivel para una negociacio viavel como no inicio de sua história sob homens
um argumento irretorquível contra a acusaço de que seria traidor da França
como Toussainte Rigaud. Entre eles existiu admiraço e compreensa mutuas,
Entretanto os termos vagos da carta confirmavam suas piores suspeitas. Quais
até a chegada de Hédouville à ilha. O papel de Hédouville no nos concerne.
seriam essas leis especiais? Por que Napoleo no havia escrito a ele pessol¬
O erro fatal foi de Rigaud. Ele no pode enxergar to longe quanto Toussaint,
mente? Ele se recusou a fazer a inscrito na faixa.
quando este recusou, polida mas firmemente, a ser uma mosca na teia da aranha
Mas a guerra vinha em primeiro lugar. Os habitantes do Sul estavam can¬ de Maitland.
sados da luta. Toussaint disse que algum devería ir até Rigaud e perguntou a

Vincent se ele se atreveria. Mas quando Vincent concordou, Toussaint ficou


embraçado. Ele temia uma armadisha. Foi naquela visita que Vincent notou Com a vitoria attingida por volta de agosto de 1800, Toussaint havia

pela primeira vez que a sua presença desagradava Toussaint. resolvido o seu problema apenas em parte. Até ento, ele havia se distingui¬
Mas Vincent foi até Rigaud. O governante do Sul, por tantos anos do pela humanidade con que tratava os oponentes vencidos e pela política
conciliatoria para com os inimigos, mesmo os emigrados brancos, que toda
inferior apenas a Toussaint na história de Sao Domingos, estava muito
a So Domingos republicana odiava e dos quais desconfiava. Mas as guar-
perturbado. Durante a entrevista, o odio a Toussaint sobrepujou a razo e
nicos oficiais do Sul compunham se principalmente de mulatos. Deixa-los
ele parecia prestes a cometer o suicidio. Como a França pôde confirmar o
como estavam, depois da amargura da guerra civil, significava que, se uma
traidor Toussaint no comando? Ele continuaria a resistir. Mas Rigaud no
expedicio da França desembarcasse, seria bem recebida, mais ainda do que
contava mais com a confiança dos sus seguidores. Vincent nao era apenas
sob Rigaud. Setecentos dos seus melhores soldados dexaram o Sule foram
o enviado de Toussaint, era representante da França, e a populacao saudou

a sua vinda. Por que deveriam eles continuar lutando? Por que, afinal, para Cuba, para no servir a Toussaint. Ele pediu a Clairveaux, um dos seus
começaram a lutar? Mesmo durante a tregua negociada por Vincent, os commandantes mulatos, para governaro Sul. Era uma concesso aos sentimentos

habitantes de St. Louis receberam Dessalines e seus oficiais e les ofreceram dos mulatos, mas Clairveaux recusou. Dessa forma, a tarea da pacificaçao

coube, infelizmente, a Dessalines.


um jantar. A certa altura, Vincent temeu pela sua vida, to violentos eram a

raiva eo desespero do enganado e decepcionado Rigaud. Rigaud planejava Toussaint no confiscou propriedades, nem mesmo daqueles que segui¬

explodir Cavaillon, capital oficial do Sul, mas o capitáo da tropa recusouse ram Rigaud e abandonaram a colonia. Um quarto dos rendimentos dessas
a permitir que isso fosse levado a termo. Percebendo finalmente que tudo
plantages ele deu aos trabaladores, metade recolheu ao Tesoro público
estava terminado, o infeliz Rigaud partiu para a França, recusandose a eo quarto restante foi guardado para os proprietarios. As mulatas haviam
encontrar Toussaint. Ele sofreu um naufragio e chegou a Paris apenas no dia conspirado contra ele, mas mesmo durante a guerra afirmou que jamais
7 de abril de 1801. Solicitou uma entrevista com Bonaparte, o qual ouviu combateria mulheres e que no daria muita atencio à tagarelice delas.

em silencio o seu longo discurso e depois respondeu: Se fossem consideradas culpadas, ele apenas as prendería e cuidaria para

— General, eu vos culpo por una cosa apenas: no terdes sido vitorioso que nada de mau les acontecesse. Durante todas as privages da guerra e

Ele era comandante da Provincia Occidental, mas o Sul estava subordinado a ele¬
Précis de mon voyage.

216 217
Os jacobinos negros Toussaint toma o poder

Até ento, Roume havia apoiado Toussaint contra Rigaud. Mesmo


imediatamente depois, tratou-as com cuidado especial. Mas ele no poderia
confiar no exercito montado por Rigaud, que era to leal a este quanto o quando a Comissio composta por Vincent, Raimonde Michel estava a ca¬
minho, Roume havia escrito em caráter particular a elest, expressando sua
seu le era fiel. Por isso, ordenou a Dessalines que expurgasse as tropas,
apesar da anistia. Trezentos prisioneiros foram executados em Léogane e
admiracio e sua confiança em Toussaint e o reccio de que o poder pudesse
cinquenta outros em Port-Républicain, quase todos oficiais. Toussaint tinha
virar-le a cabeça: mas tinha convicto de que Toussaint nao embarcaria na
de por um fim nisso. aventura louca da independencia. Roume tinha instruges secretas para incitar
Toussaint a investir contra a Jamaica. Isso dexaria ainda mais atadas as mos
— Eu disse para podar a arvore e no para corta-la!
de Toussaint e provocaria um claro rompimento com os britanicos. Roume
Considerandose as circunstancias, ele havia sido particularmente huma¬
propósisso a Toussaint, mas este, embora no se opusesse, no se enredaria
nitario. Mas a populacio do Sul havia feito a paz acreditando na palavra de com a Gra-Bretanha para agradar à França. Foram enviados emissarios à Ja¬
Toussaint, a qual ele tinha a reputacio de jamais quebrar. Ele havia lutado maica para estimular uma revolta, embora nao esteja claro se foram enviados
contra os britanicos e espanhois e observava estritamente as regras da guerra. por Roume ou por Rigaud. Os britanicos, todavia, sentiram se to ofendidos
Muitos emigrados brancos, traidores de sua patria, agora usufruiam de suas que confiscaram os armamentos que Toussaint estava transportando por
fazendas e viviam pacificamente sob a sua protecao, depois de servir durante mar para o assédio de Jacmel. Toussaint imediatamente protestou, mas os

quatro años no exercito inglés. Enquanto isso, o Sul via os irmaos Rigaud britanicos he pagaram um milho e meio de francos como compensace as
serem expulsos e os homens que haviam derramado o seu sangue contra os boas relacées foram restauradas. Toussaint estava determinado a nao brigar
mesmos brancos pela República serem mortos a sangue-frio pelos soldados com os britanicos, e estes estavam determinados a nao brigar com Toussaint.
de Toussaint. Uma grande amargura contra Toussainte Dessalines invadiu o O esquema para envolver Toussaint com a Jamaica havia fallado. O embate
coraço dos mulatos do Sul. Toussaint sabia o que tinha feito e quais eramos recaiu sobre a Sao Domingos espanhola.
perigos. Mas no podia fazer nada. Ele tinha que manter no Sul, a qualquer

custo, um exercito no qual pudesse confiar no caso do desembarque de uma


expedicio francesa. Os espanhois ainda estavam no controle; Roume, antes de suceder a
Hédouville como comissario, era apenas una especie de ministro residente.

Nos últimos dias de dezembro, enquanto sitiava Jacmel, Toussaint pediu a


O Sul estava sob controle. O perigo seguinte, do qual tinham que se Roume que o autorizasse a anexar a colonia. Os espanhois, dizia cle, estavam

defender, era a Sao Domingos espanhola. Bonaparte havia proibido expres¬ roubando os negros da parte francesa da illa e vendendo-os como escravos.

Isso era verdade, mas obviamente apenas um pretexto. Roume havia feito
samente Toussaint de anexar aquela colonia. Nesse caso, Toussaint seria dono
de toda a illa, seus recursos e suas fortificaces. Mas essa era exatamente a o possivel, mas no podia continuar apoiando Toussaint, pois as ordens de
razo pela qual Toussaint iría tomá-la. Ele no dexaria o seu flanco exposto Bonaparte eram rigidas. Roume tinha de se defender e, como Toussaint
a una expedicio francesa. havia admitido representantes comerciais ingleses em Sao Domingos, ele
lançou uma proclamaço convocando-o a expulsá-los da colonia e provar

que as acusaçes de infidelidade à França eram infundadas. Toussaint se


recusou e Roume pediu permisso para voltar à França. Toussaint poderia ter
Foi dito muitas vezes que Toussaint mandou massacrar milares de mulatos. Isso cum presente
para os historiadores inimigos da raça negra. Infelizmente para eles, nao é verdade. Se alguma
vez algum odiou Toussaint, foi o historiador mulato Saint-Remy, que colctou todas as cosas
ruins possiveis a respeito de Toussaint na biografía que escreveu. Mas o proprio Saint-Remy,
16 MICHEL, La Mission du Général Hedouville.... p. 139.
que tambem era haitiano e escreveu en 1850, registra que a moderaço de l'Ouverture era
Carta de Ventoso, ano VII, Les Archives du Ministère des Colonies.
impressionante, depois do triunfo que ele conseguius. A cifra de dez mil mulatos assassinados
18 SCIIOEICHER, Vie de Toussaint-Ouverture. Notas nas p. 270-1.
citada por Lacroix, é simplemente um disparate. Para discussio dessa mentira muitas vezes
SANNON, Histoire de Toussaint-Ouverture, v. II, p. 207.
repetida, ver SCHOELCHER, Vie de Toussaint-Ouverture, p. 268-9.

218 219
Os jacobinos negros Toussaint toma o poder

marchado sobre a Sao Domingos espanhola, mas tinha em alto grau aquella dens. (...) Ele aguarda vossas ordens. Quando quiserdes a presenca dele,
necessidade de todos os ditadores de legalizar seus atos mais arbitrarios. eu o enviare a vos.
Desejava a autorizaço de Roume. Subitamente, milares de negros, levados
Isso era um desafio. Toussaint nao tento se defender: Quisquer que sejam
a agir pelos agentes de Toussaint, principalmente por Moïse, marcharam as calunias que os meus inimigos tenham achado por bem fazer contra mim,
sobre Le Cap, ameaçando pilhar a cidade se Roume nao assinasse o decreto abstenho-me de me justificar mas, embora a delicadeza me force ao silencio,

que salvaria seus irmos da escravido. Roume recusouse. Durante quase o meu dever me ordena que eu impeça Roume de fazer mais danos. Isso era
duas semanas, Le Cap ficou com medo da destruicio. Para tirar Vincent mais do que um desafio e já chegava perigosamente às raias da impertinencia,
do camino, Moise o enviou para Mole Sao Nicolau. Os trabaladores, e Bonaparte era o último homem no mundo com quem se pudesse brincar.
embora firmes, eram disciplinados e mantiveram perfeita ordem. Finalmente Toussaint havia quemado seus navios. Com viso, coragem e determi¬
Toussaint chegou e exigiu que Roume assinasse.
naco, ele estava assentando as fundaçes de uma nacio independente. Mas,

Minha escolha foi feital responde Roume. — A França me vingará! confiando demais em seus proprios poderes, ele cometia um engano terrivel.
No quanto a Bonaparte ou ao Governo frances. Em nada o seu génio sobres¬
Se no assinares o decreto (...) significa o fim de todos os brancos da
saía tanto como ao recusar a confiar a liberdade dos negros às promessas do
colonia, e eu entrarei no territorio espanhol a ferro e fogol ameaçou Toussaint.
imperialismo francés ou inglés. Seu erro foi negligenciar seu proprio povo. Eles
Roume assinou, mas escreveu secretamente ao Governador espanhol no comprendiamo que ele estava fazendo ou para onde caminava. Ele nao
encorajando-o a nao entregar a colonia aos agentes de Toussaint. Toussaint se dava ao traballo de explicar. Era perigoso explicar, mas era ainda mais peri¬
prenden Roume e enviou-o a Dondon, onde, com sua esposa e duas filhas,
goso nao explicar. O seu temperamento, fechado e retraido, levavado a confiar
foi mantido sob vigilancia. Depois, com a autoridade oficial de Roume, ele e no seu proprio julgamento. Assim, as massas pensavam que ele havia tomado
Moïse marcharam sobre a Sao Domingos espanhola. As tropas espanholas foram
a So Domingos espanhola para acabar como tráfico de escravos e no como
derrotadas e, no dia 21 de janeiro de 1800, o Governador espanhol entregou salvaguarda contra os franceses. O seu silencio os confundiu mas no iludiu
a colonia formalmente.
Bonaparte. Dessalines, seu destemido tenente, no tinha tais escrupulos. Depois
Toussaint utilizou seus métodos conciliatorios usuais. Indicou o mulato da guerra contra Rigaud, Dessalines disse aos seus soldados:

Clairveaux governante da provincia e seu irmo Paul comandante da guarnicio A guerra que acabastes de vencer foi uma guerra pequena, mas ainda ten¬
de Sao Domingos. Enviou proclamaçones aos habitantes prometendo anistia des pela frente duas outras maiores. Uma contra os espanhois, que no querem
plena, a qual foi escrupulosamente observada. abrir máo de suas terras e que insultaram o vosso bravo comandante-chefe; a

Agora, ele era senhor de toda a ilha, um territorio quase do tamanho da


outra contra a França, que tentará vos escravizar novamente, assim que acabar
Irlanda, e isso em menos de dez anos. Encontrei a colonia desmembrada, com os seus inimigos. Nos venceremos essas guerras!

arruinada, assolada pelos bandidos de Jean François, pelos espanhois e pelos Essa era, e ainda é, a forma de se dirigir às massas, e no foi por acaso que
ingleses, que brigavam pelos seus pedaços. Hoje, ela está livre de seus inimigos, Dessalines, e no Toussaint, finalmente levou a ilha à independencia. Toussaint,
acalmada, pacificada e avançando no rumo de sua completa reconstrucao. Ele fechado en si mesmo, mergulhado na democracia, seguia o seu camino tor¬
havia feito essa jactancia depois da partida de Maitland. Agora, mais do que
tuoso, confiante de que precisaria apenas falar para que as massas o seguissem.
nunca, era verdade.

Mas ainda havia Bonaparte e suas leis especias”. Antes de deixar Sao
Domingos, escreven a Bonaparte pedindo aprovacao para o que havia feito.
Acusou Roume de fazer intrigas contra ele e impedir o seu desejo de tomar

posse da antiga colonia espanhola. Tendo decidido tomar posse pela força Ou seja: tomo uma atitude irreversivel. Em 1519, durante a submissio dos astecas, Hernán

das armas, fui obrigado, antes de avançar, a convidar o cidado Roume a Cortes mando queimar todos os seus navios, com exceçio de um, para mostrar a sus

desistir de exercer os seus deveres e retirarse para Dondon até novas or¬ homens que eles so poderiam seguir em frente. (N. do T.)

220

-
O cónsul de ébano

XI Por trás desse despotismo, a nova ordem era bastante diferente da velha,
Os trabaladores negros eram homens livres, e embora pudesse haver descon¬
O CONSUL DE ÉBANO tentamentos como novo regime, como na Paris de 1800, nao lamentavam
a falta do velho. Se antes os escravos trabalhavam desde o amanecer até
tarde na noite, começariam ento a trabalhar das 5 da manha às 5 da tarde.
Nenhum empregador se atrevia a surra-los. Dessalines chicoteara alguns
homens negros em sua provincia; Toussaint ameaçou retirar-lhe o comando
diante da menor reclamaço.
No era apenas um gesto humano. Qualquer regime que tolerasse tais
Enquanto durasse a guerra entre a França e a Gra-Bretanha, Toussaint
práticas estaria condenado, pois a Revolucio havia criado una nova raça
estaria a salvo. Mas a paz poderia ser establecida a qualquer momento e com
de homens.
ela viriam as "leis especiais de Bonaparte.
A primeira expressio dessa mudança deuse em agosto de 1791. Roume,
A colonia fora devastada por doze años de guerra civil e contra a ofensiva
que confecia os trabaladores negros to bem quanto confecia qualquer
estrangeira. Dos trinta mil homens brancos que havia na colonia em 1789, uma
outro francés, registrou-a em pormenores. No Norte, eles se dispuseram
parte havia sido morta e outra emigrara, de tal forma que ento restavam apenas a sustentar a realeza, a nobreza e a religio contra os brancos pobres e os
dez mil. Dos quarenta mil mulatos e negros livres, sobravam ainda trinta mil patriotas. Mas logo foram organizados em regimentos e endurecidos pela
enquanto, dos quinientos mil negros escravos, talvez uma terça parte tivesse luta. Eles se organizaram em divises armadas e em corpos populares, e mes¬
perecido. As fazendas e os cultivos foram arruinados em larga escala. Por aproxi¬
mo enquanto defendiam a realeza adotavam instintivamente, e observavam
madamente dez años, a populacao, anteriormente ja bastante corrompida, havia com rigor, todas as formas de organizacio republicana. Lemas a palavras
sido treinada nas matanças e impregnada de violencia. Hordas de saqueadores de incitamento foram establecidos entre os chefes das secos e divisées e
vagavam pelo campo. A única força disciplinada era o Exercito. E Toussaint
deram-les pontos de contato de um extremo ao outro das planicies e das
instituiu uma ditadura militar.
cidades do Norte. Isso garantia aos líderes meios de chamar os trabaladores
A garantía decisiva da liberdade seria a prosperidade da agricultura. Era e manda-los de volta quando quisessem. Esses procedimentos se estendiam
a palavra de ordem de Toussaint. O perigo residia no fato de que os negros aos distritos da Provincia Ocidentale eram observados fielmente pelos
pudessem se dedicar ao cultivo de un pequeno terreno, produzindo apenas o trabaladores negros, estivessem eles lutando pela Espanha e pela realcza
bastante para as suas proprias necessidades. Ele no poderia permitir que as ou pela República. Roume assegurou a Bonaparte que reconheceu esses
antigas propriedades fossem fragmentadas, mas atrelaria o interesse dos traba- lemas, mesmo durante a insurreicio que o forçara a autorizar a tomada da
Thadores a trabalho garantindoles a subsistencia e um quarto da produçio
So Domingos espanhola.
Os generais encarregados dos distritos ficaram responsaveis pela diligencia dos Em 1911, Hilaire Belloc, ao escrever sobre a Revolucio Francesa, alegava
cultivadores e pela prosperidade do cultivo. Confinou os negros às fazendas ao
que a capacidade instintiva das massas para uma organizacio revolucionária
determinar severas punices. Estava lidando com a gigantesca tarea de transfor¬
era algo peculiarmente frances. Era um engano. Ao mesmo tempo que os
mar uma populaço de escravos, appos anos de indisciplina, em uma comunidade
franceses, os semisselvagens escravos de Sao Domingos mostravam se sujeitos às
de trabaladores livres, e ele o fazia da única forma que imaginava. Em nome
mesmas leis históricas que os trabaladores avançados da Paris revolucionária;
dos cultivadores, cuidava para que recebessem seu quarto da produço. Apenas e mais de um seculo depois as massas da Russia provariam, mais uma vez, que
isso era suficiente para assinalar a diferença entre o velho e o novo despotismo.
GRAGNON-LACOSTE, Toussaint-L’Ouverture, Paris e Bordéus 5, 1877, p. 194.
Isso foi admitido pelo general Leclere no decreto de 417/1802. Les Archives du Ministère de Relatorios ao ministro, 19 e 22 de Prairial, ano VIII. Les Archives Nationales, A. F. IV, 1187.
la Guerre, 5. HILAIRE BELLOC, The French Revolution, Home University Library.

222 223
Os jacobinos negros O consul de ébano

esse poder inato demonstrarse-ia em todos os povos quando estes estivessem


sos: ento, aboliu as numerosas tarifas e impostos que eram apenas uma
profundamente estimulados e aos quais fosse dada, por uma direcio forte e que fonte de fraudes e abusos. Instituiu o gourde, a unidade monetaria local, um
gozasse de confiança, uma perspectiva clara valor uniforme para toda a illa. Todas as mercadorias e produtos importados

O povo estava fortemente disciplinado. Mesmo quando irrompeu em Le Cap ou exportados pagavam um tributo de vinte por cento. Toda propriedade

e ameaçon Roume, a sua conduta foi ordeira; nada destruiram, simplemente imobiliaria arcava como mesmo valor. Um tributo igual incidia sobre tudo

entregaram as suas exigencias de que fosse interrompido o tráfico de escravos o que era manufaturado para consumo na colonia. Assim, ele seria capaz
para a Sao Domingos espanhola e esperaram. de se livrar dos numerosos funcionarios que o velho sistema exigia; todo
contribuinte sabia quanto teria de pagar, e a simplicidade do sistema e a sua
Na verdade, o movimento popular adquirira una enorme confiança em
estrita supervisio elevaram o padro de probidade.
si mesmo. Os antigos escravos derrotaram os colonos brancos, espanhois ou
franceses, e conquistaram ento a liberdade. Estavam conscientes da poli¬ Em sua política fiscal procurava avançar tateando o terreno. Reduziu os
tica francesa, pois esta les dizia respeito de perto. Homens negros, antes impostos sobre a propriedade imobiliaria de vinte para dez por cento, e, por

escravos, eram, ento, deputados do Parlamento frances; homens negros, conselho de Stevens, o cónsul norteamericano, aboliu-a por completo pouco

antes escravos, negociavam com o Governo frances e com governantes es¬ depois. O tributo de vinte por cento sobre a importaço funcionada como um
trangeros; homens negros, antes escravos, preenchiam os mais altos postos freio nas compras dos comerciantes, e Toussaint reduziuo para dez por cento.
da colonia. Havia Toussaint, antes escravo, inacreditavelmente grandioso, Mais tarde, para animar os pobres, diminuiuos impostos sobre artigos de pri¬
poderoso e de longe o maior homem de Sao Domingos. No era preciso ter meiras necessidades para seis por cento. Ele aprendia rápido. Tudo isso estava
vergonha de ser negro. A Revolucio os despertou, tornou-hes possiveis as acontecendo no decorrer do ano de 1801.
realizacies, a confiança e o orgulho. Aquela fraqueza psicológica, aquele
O contrabando fora uma característica do velho regime. Toussaint
sentimento de inferioridade, com os quais os imperialistas envenenam os
organizou uma policia maritima. Mercadores que negociavam no exterior
povos de todas as partes, desapareceram. Roume e outros franceses que
eram cuidadosamente examinados; seus nomes faziam parte de uma lista
viviam em So Domingos e confeciam o povo criado pela Revolucio no
nos postos alfandegarios, da qual poderiam ser riscados por desonestidade.
se cansava de alertar o Governo francés da catastrofe que acompanharia

qualquer tentativa de restaurar a escravido, ou mesmo de impor a sua Devido a uma ofensa semelhante, os funcionarios da alfandega poderiam
ser levados para o Tribunal Militar. De nenhum funcionario faltoso
vontade sobre essas pessos através de qualquer meio de força. Os mulatos

e os velhos negros livres ressentiam se do despotismo de Toussaint, mas as Toussaint tinha piedade.

massas, a principio, tinham nele inteira confiança. De Raimond, que havia se aliado a Roume contra ele, Toussaint nao guarda-

va rancor. Raimond tinha habilidades e Toussaint o indicou como administrador

do Patrimonio Nacional, uma importante fonte de renda.


Seguro de si, Toussaint colocou em ordem a administraço com audacia e
habilidade. Dividu a illa ei seis departamentos, e as fronteras demarcadas
por el permanecem até os días de hoje. Criou os tribunais de primeira instan¬ A Sao Domingos espanhola representava um problema em particular:
cia e dois de alçada, um na parte francesa e outro na espanhola, além de um
era atrasada e os espanhois odiavam Toussaint e seus generais negros.
Tribunal Superior na capital. Havia tambem tribunais militares para resolver
Toussaint acreditava que uma administraço sagaz e uma política de con¬
rapidamente questes de roubo e de crimes nas grandes estradas, bastantes
ciliacao acabariam por conquista-los. Deu-lhes um Tribunal de Recurso.
comuns naqueles anos de guerra.
Consertou as velhas estradas e construiu uma nova e magnífica via de
As finanças do velho regime eram complicadas e desgastantes. Toussaint trezentos quilómetros ligando Sao Domingos a Laxavon. Havia apenas 22
ordenou primeiro que fosse feito um inventario preciso de nossos recur¬

NEMOURS, Histoire militaire de la guerre d'indépendance de Saint-Domingue, Paris, 1925, v. I.


ROUME, despacho de 19 e 22 de Prairial, ano VIII. Les Archives Nationales, A. F. IV, 1187.
p. 67-93. Um resumo e uma análise dos fatos mais confecidos com algumas materias adicionais.

224
Os jacobinos negros O consul de ébano

usinas de açucar no lado espanhole pouco cultivo. Seus habitantes depen¬ a qual el nunca vira, sobre religio, agricultura e comercio. Quando dese¬
diam da madeira c da criaço de gado para as suas poucas necessidades. java concluir uma audiencia, levantava-se, a compania se retirava e ele a
Estimulou-os a emprender o cultivo no estilo frances. Reduziu as tarifas acompanhava até a porta.
de importaço e exportaço para seis por cento levando em consideraço a
Levantou ricos edificios em Le Cap e construit um enorme monumento
pobreza do país. Para estimular o cultivo, proibiu a exportaço de madeira,
para comemorar a abolico da escravido.
mas logo volto atrás. Estava espantado pela riqueza potencial da Sao Do¬
Empenho profissional, moralidade social, educacao pública, tolerancia
mingos espanhola e fez publicar uma magnífica descrito della oferecendo
religiosa, comercio livre, orgulho cívico, igualdade racial; esse antigo escravo
concesses e incentivando o assentamento.
esforçava-se de acordo com as suas luzes para coloca las como os fundamentos

do novo Estado. E en todas as proclamaçones que fazia, en todas as leise em

Toussaint confecia o atraso dos cultivadores; fazia os trabalhar, mas todos os decretos que instituia, salientava os principios morais, a necessidade do

queria ve-los civilizados e avançados culturalmente. Fundou tantas escolas trabalho, o respeito à lei e à ordem, o orgullo por Sao Domingos e a veneraço

quanto podia. Por ser um católico sincero, que acreditava no efeito benévolo
à França. Procurava elevar o povo a um certo entendimento acerca das tareas e

da religio sobre o comportamento das pessoas, estimulou a prática da religio responsabilidades da liberdade e da cidadania. Era a propaganda de um ditador;

católica e escreveu para aquele velho amigo dos negros, o padre Gregorio, para mas ela nao se baseava nos propósitos pessoais ou nos interesses mesquinhos de
uma classe que oprime outra. Seu governo, como a monarquia absoluta em sua
que este o aconselhasse. Favorecia os filos legitimos e os soldados casados e
época progressista, equilibrava-se entre as classes, mas o seu governo tinha raízes
proibia seus oficiais e comandantes de manterem concubinas na mesma casa
onde viviam com as esposas, um legado da velha e infame sociedade branca. na preservacio dos interesses dos trabaladores pobres. Com o crescimento da
classe dominante negra, as complicaces começavam a crescer. Porem, naquele
Ele estava ansioso para ver os negros adquirirem o comportamento social
das melhores classes de brancos com os seus modos de Versales. Admirado momento, a sua era a melhor forma de governo.
pelo porte e pelo comportamento de um oficial frances, dizia queles que O sucesso coroou o seu trabalho. O cultivo prosperava e a nova Sao Domin¬

estauam à sua volta: gos começou a ser moldada com espantosa rapidez, Em Le Cap foi construido
um hotel, o Hôtel de La République, em um estilo que poderia ser comparado
Meus filos sera desse jeito!
ao dos mais finos existentes em quasquer parte do mundo. Era frequentado
Como Governador, institui en torno de si circulos socias: pequenos e
por negros, brancos locis e americanos, todos em pé de igualdade. A mesma
grandes. Todo aquele que fosse convidado para um circulo grande tinha de
mesa sentavam se civis, generais e oficiais de qualquer patente, além de altos
comparecer. Ele proprio vestia um uniforme de servico de oficial de regimento
comandantes. Toussaint comparecia regularmente ali, tomando assento em
que contrastava como brilho dos uniformes daqueles que estavam ao seu redor.
qualquer lugar vazio como o resto, ele dizia frequentemente que as diferenças
Quando chegava, toda a compania, homens e mulheres, levantavam se. Ele
de patente no tinham vez fora do servico público.
passeava em volta da sala, conversava com todo mundo e depois partia pela
mesma porta pela qual entrara, reverenciando aqui e acola. O preconceito racial, a maldicio de Sao Domingos por duzentos años,
estava desaparecendo rapidamente. Alguns norteamericanos casavam se com
O pequeno círculo tinha a natureza de uma audiencia pública. Todos
mulatas. O estigma da cor no poderia florescer, com tantos negros e mulatos
os cidados entravam no salio do palacio do Governador e Toussaint falava-
a preencher os mais altos postos do país. Viajantes que confeceram Le Cap
les conforme fosse conveniente. Depois de certo tempo, retirava se para
naquele ano maravilloso concordavam em que um novo espírito pairava sobre
um pequeno aposento, em frente ao seu quarto, que usaua como estudio,
o país. Os teatros voltaram a funcionar e alguns atores negros demonstravam
convidando para la as pessos com as quais queria conversar. Essas eram
um notável talento. Sem divida os pobres eram explorados e permaneciam no
normalmente os brancos mais distintos; homens que tinham os confecimen¬

tos e a experiencia de que ele precisava e que to tristemente faltavam aos


cultivadores e a alguns dos seus generais. Ali, conversavam sobre a França, BEARD, Life of Toussaint L'Ouverture, p. 138.

226

A —
Os jacobinos negros O consul de ébano

atraso para que a nova classe governante pudesse prosperar. Mas a menos eles depois, descia da carruagem e cavalgava no sentido oposto. E, apos essas
tambem estavam em melhores condices do que nunca haviam estado antes, corridas relampago pelo campo, estava pronto para ir ao seu gabinete e
Enquanto por um sado a autoridade a tranquilidade sociale a cultura daque¬ ditar centenas de cartas até a manha do dia seguinte. Ditava para cinco
les que, doze años antes, eram escravos, espantavan todos os observadores, o secretarios de cada vez e, conforme disse a Hedouville durante um das
sucesso da administraço de Toussaint podia ser julgado pelo fato de que em discusses que tiveram, assumia inteira responsabilidade por qualquer coisa

um ano e meio ele restaurou o cultivo em dois terços do que fora nos dias mais que levasse a sua assinatura e no assinaria nada que ele mesmo no lesse.

prósperos do velho regime. Levava para as correspondencias os mesmos métodos que usava em sua
administraço. Um secretario escrevia metade de uma carta importante,
Toussaint ento o mandava cem quilómetros para longe e a conclusa por
Essas eram as ideas e os métodos de governo de Toussaint. A revolucio o meio de otros.
fixera: mas seria um erro vulgar supor que a criaço de um exercito discipli¬
Era to senhor de seu corpo como de sua mente. No dormia mais que
nado: que a derrota dos ingleses e espanhois; que a derrota de Rigaud, que o
duas horas por noite e ficava satisfeito durante dias com duas bananas e
establecimento de um governo forte por toda a ilha; que a crescente harmonia
um copo de agua. Fisicamente destemido, tinha de tomar cuidado com
entre as raças: que os objetivos iluminados da administraçao; seria um erro
o envenenamento, e nas varias vilas onde ficava as negras preparavam-The
grossero acreditar que tudo isso fosse inevitável. Em um determinado estadio, callaloos, una especie de sopa de vegetais. Ele podia confiar nessas velhas.
no meio do ano de 1794, as potencialidades que se agitavam no caos começaram
Elas nao eram ambiciosas e tinham muito orgullo dele para causar-lhe
a ser moldadas e soldadas por essa personalidade poderosa, e da por diante
mal. Nos acampamentos, dormia vestido, com botas e esporas; nas cida¬
impossivel dizer onde as forças sociais terminam e a marca da personalidade
des, sempre ficava perto do seu par de calças. A qualquer hora da noite.
começa. Basta dizer que, se no fosse por ele, a Historia seria completamente
seus mensageros e oficiais encontravam no pronto para recebi-los com a
diferente. E essencial para nos, portanto, que procuremos entender que tipo
decencia apropriada.
de homem ele era.
No era devido simplemente à sua habilidade como general o controle
Foi a sua prodigiosa atividade que tanto espantou os homens. Nin¬
que ele tinha sobre seus soldados. Possusa aquela intrepidez física imprudente
guém jamais soube o que ele estava fazendo; se estava partindo, se estava que fazem os homens seguir um lider mesmo nas situacies mais desespera¬
ficando, aonde estava indo, de onde estava vindo. Ele tinha centenas de doras. Do inicio ao fim de sua carrera, esteve à frente de seus comandados
cavalos puros-sangues espalhados pelos estábulos de todo o país, e habi¬
todas as vezes que era necessario um esforço supremo. Em uma determinada
tualmente cobria duzentos quilómetros por dia, cavalgando bem à frente de
batalla, perseguiu o comandante espanhol sozinho por aproximadamente
sua guarda e chegando ao seu destino sozinho ou com um ou dois ajudan¬
um quilómetro e meio e trouxe consigo dois prisioneiros, e em dez anos
tes bem montados. A inspeçio da agricultura, do comercio, das fortifica¬ acabou sendo ferido dezessete vezes. Mesmo durante as suas viagens ha¬
coes, dos municipios, das escolas e mesmo a distribuicio de premios para bituais, ele corria toda sorte de riscos. Quando ja era comandante-chefe,
estudiosos bem-sucedidos: todas essas tarefas ele as realizada por todo
quase afogou-se ao tentar atravesar um rio transbordando montado em
o país sem descanso, e ninguém poderia dizer onde o Governador iria um cavalo, e para que conseguisse escapar teve de livrarse de sua espada.
aparecer. Ele alimentava deliberadamente esse mistério. Deixava uma Era capaz de fazer com que os seus soldados realizassem o aparentemente
cidade em sua carruagem rodeada de guardas. Ento, alguns quilómetros impossivel. Durante a marcha para a Sao Domingos espanhola, quando

exigia rapidez, seus homens eram capazes de cobrir uma distancia superior

NEMOURS, Histoire militaire de la guerre.... v. I. p. 17-19. Nemours sumariza a evidencia.


Idlinger, o tesoureiro (branco) da ilha sob Toussaint, constata o mesmo em um relatorio
escrito para o Governo frances em 1804. Ver Les Archives du Ministère des Affaires Etrangère. NEMOURS, Histoire militaire de la guerre.... v. I. p. 126.
Fonts divers, section Amérique, n° 14, folio 202. 10 LACROIX, Mémoires pour servir.... v. I. p. 406.

228
Os jacobinos negros O cónsul de ébano

a sessenta quilómetros em apenas um dia e acabavam tendo de refrear o


com ele. Nos últimos anos, tinha um porte distinto fora do comum. Seu
galope para esperar pela cavalaria. andar era marcial; seus modos, imperiosos. Simples na vida privada, vestia
resplandecentes uniformes em ocasióes oficiais, e seus ajudantes de campo
Ele parecia levar uma vida encantada. Durante a guerra civil contra o Sul,
seguiam-The o exemplo em elegancia e exibico. Sabia como ouvir um oficial
seus inimigos tentaram emboscá-lo duas vezes. A primeira vez, seu médico,
subalterno com dignidade mas tambem com afabilidade. Podía reconocer
que estava sentado com ele na carruagem, foi morto ao seu lado; varios de seus
as demonstraçones públicas de respeito e afeico ao mesmo tempo que as evi¬
oficiais foram derribados das suas montarias e a pena do seu chapeu foi cortada
por una bala. Pouco tempo depois, na mesma jornada, seu cocheiro seria morto tava com naturalidade e bonomia. Com qualquer tipo de pessoa, encontrava

e a sua carruagem crivada de balas. Pocos minutos antes disso acontecer, ele
instintivamente o método adequado.
havia dexado a carruagem e estava a varios quilómetros longe dali. Nao é de Quando os cultivadores negros vieram até ele, preocupados a respeito
admirar que Toussaint chegaria por fim a accreditar que fosse ele proprio o Es¬ da propria liberdade e da dominato branca, ele pegou um vaso de vidro eo

pártaco negro, o que fora predito por Raynal, como predestinado a conseguir encheu com gros de milho preto, depois, depositou nele uns poucos gros de
a emancipacio dos negros. Os cultivadores, por sua vez, adoravam no como se milho branco.
ele fosse um servidor direto de Deus. — Vos sois o milho preto; os brancos que vos querem escravizar so o milho
branco

Seus assessores eram negros; um dos quais, seu sobrino. Apesar da Ento, chacoalhou o vidro e mostrou-o a eles.

amplitude de sua visio e de seus propósitos conciliatorios, manteve a maioria Vede, os brancos esto espalhados apenas aqui e ali!

esmagadora do contingente de seu exercito de negros e de antigos escravos. Os negros partiram com a confiança restablecida. Foram até cle dizendo
Mas seus conselheiros pessoais era todos brancos: Vincent, Pascal, que
que no desejavam obedecer nem a brancos nem a mulatos (é bem provável
chegara como secretario da Comisso em 1796, e dois padres italianos.
que devido a algum insulto ou injustiça lançado contra eles pelos seus antigos
Ele gostava de conversar com os ricos fazendeiros brancos. Mas ninguém,
senhores). Toussaint pegou um copo de vinho e outro de agua, misturou o
fosse homem ou muller, jamais teve nenhuma influencia sobre ele. Parece
contendo deles e mostrou-hes o resultado.
que teve apenas um amigo en toda a sua vida: Laveaux. Impenetravel,
— Como poderes dizerme qual é qual? Devemos todos viver juntos!
no confiava en ninguém e no se confidenciava com ninguém. Se tinha

alguma fraqueza, esta residia no fato de manter o povo mistificado. Mas Eles partiram satisfeitos.
mantinha a reputacío e era cuidadoso ao manter contato com as pessas. Um negro que almejava o posto de juiz foi ver Toussaint. Aquele homem
Tinha a extraordinaria faculdade de satisfazer a todo aquele que vinha até
no estava apto para o posto. Porém, Toussaint nao queria magalo:
ele, e era confecido en toda a illa como um homem que nunca quebrava a
— Vos sabeis latim, certamente disse Toussaint.
sua palavra, Mesmo Sonthonax, que era um advogado jacobino e tambem

um perfeito intrigante, disse na Camara francesa que Toussaint era incapaz Latim?!
de contar mentiras. Mas isso aconteceu antes que Toussaint o acusasse de Toussaint desembuchou algumas palavras em latim macarrónico, de que
conspirar pela independencia. se lembrava provavelmente de documentos oficiais e do servico liturgico. O
candidato retrou-se convencido de que era incompetente e maravillado com

o confecimento do Governador.
Apesar de ser mal constituido de corpo e de ter uma aparencia feia, aca¬
Ele sentiase completamente em casa quando estava entre as massas po¬
bava por causarum forte impresso em todos aqueles que travavam contato
pulares: mas, ao mesmo tempo, homens como Maitland e os brancos locis
ficavam espantados com seu fascinio singular e a cortesia de suas maneras.
NEMOURS, Histoire de la guerre. v. I. p. 146. Nada faltava a ser lapidado em Toussaint. Très mulheres brancas do ancien

230 231
Os jacobinos negros O consul de ébano

régime que viviam no exterior escreveram-The pedido que devolvesse a pro¬ aos comissarios em 1796, na correspondencia com Laveaux, nas propostas a
priedade que les pertencera. Ao responder, Toussaint mostro alguns dos Dieudonné, na carta ao Diretório em 1795, no discurso em Port-Républicain
segredos de seu sucesso con todos os tipos de pessos. depois da expulso dos ingleses, nas cartas a Hédouville e em seu pedido de

Fui honrado com as cartas que vos, to gentilmente, enviastes para demissao; em tudo isso, como aqui nessa carta, complacente, porem cuidadosa,
a visio que tinha do absolutamente necessario era infalivel; sua sensibilidade
mim. (...) Tenho sempre feito tudo, tanto quanto o meu poder permite, para
era perfeita, e a manera que encarava um assunto, embora variável, era sempre
preservar a propriedade de cada um; a vossa, cidadas, (.) no sofreu as con¬
tingida pela paixo revolucionária, por una enorme humanidade e por una
sequencias daqueles infelizes eventos que sempre ocorrem em uma revolucio;
a vossa propriedade está intacta. O poder para remover o sequestro ao qual postura que nunca decepcionava. Essas cartas, mais do que qualquer outra cosa,
mostram que, quasquer que fosse a tarea que tinha pela frente, ele a realizava
foi submetida esta mesma propriedade no pertence a mim; está nas más
com naturalidade.
do agente do Diretório. Posso apenas assegurar vos que a deciso dele será
precisamente executada. Em uma comunidade onde tantos permaneciam primitivos e ignorantes,
o caráter pessoal e a conduta do lider, surgido do povo, tinham uma signi¬
Por mais de tres annos, cidadas, andei pedindo à cidada Descheaux, vossa
ficaça social. Apesar do despotismo de Toussaint, da sua implacabilidade,
mae, que voltasse para a propriedade dela; meu conselho, infelizmente para
da sua impenetrabilidade, da suspeita permanente que tinha de todos ao
ela e para vos, no prevaleceu sobre o do irmo dela. Ainda havia tempo para
seu redor e da sua habilidade em diplomacia de larga escala e em lidar com
beneficiarse (...) de uma proclamaço que levava o nome e a autorizaço do
intrigas mesquinas, ate o fim da vida permanecen um homem simples e
Governo frances. Vossa mae, porem, preferiu seguir os passos do irmo, Co¬
delicado, cuja humanidade nunca afogou nos rios de sangue que fluiram to
ckerel, en vez de ficar em Sao Marcos e aproveitarse da anistia para retomar
torrencialmente e por tanto tempo. O seu lema: “sem represálias, vinha do
a posse da propriedade. Ela partiu com o irmo. No depende mais de mim
horror natural que tinha ao desnecessario derramamento de sangue. Odiava
traz-la de volta para casa.
presenciar o sofrimento de mulieres e crianças em particular. Enquanto o
Em consideracio a seu marido, o cidado Fontanges, no posso mais seu exercito morría de fome durante a campanha contra os britanicos, ele
evitar que ele seja registrado como emigrado. Seria colocar me acima da lei, dava comida a uma mulher branca indigente do distrito. Depois da guerra
algo que nunca passou pela minha cabeça e que nunca fez parte dos meus
civil, prestou a mesma assistencia caridosa às esposas e aos filos dos mula¬
principios. Quando o agente decidir levantar o sequestro de vossos bens (J.) tos. Era incapaz de cometer qualquer tipo de maldade, mesquinez ou ato
eu nao pouparei esforços para por o cidado Fortier, que me recomendastes, de vingança. Biassou, seu velho inimigo e rival, fora assassinado e deixou
na posicio de vosso procurador da melhor manera possivel. Se o meu con¬ uma viva na Sao Domingos espanhola. Toussaint le deu uma penso e,
selho tiver alguma utilidade para ele, eu le darci, se ele o quiser, com muito quando foi a Sao Domingos, viu que el retornara à sua casa com honras e
prazer. Fico feliz com a oportunidade de comprovar a imensa admiraço que dignidade. Para a viva de Chavannes, o mulato que perecera com Ogé, ele
tenho pela vossa boa vontade, en todas as ocasióes que estiverem de acordo deu uma penso de seis mil francos por ano. Enquanto um ditador moderno
com a minha obrigaço. atiraria, Toussaint preferia deportar. Sentia um distanciamento peculiar

Espero que aceiteis, cidadas, o respeito e a consideraçio que tenho por e um profundo desprezo pelos homens que discriminavam Bonaparte, o

vos. Sinceramente, desejo a felicidade de vos todas e o retorno de vossa me qual perdoou sua familia por varias vezes quando eles o traíram, e, sem
para os vossos braços." nenhum rancor, observava Murat, Talleyrand e Fouché fazerem intrigas e
conspirarem contra ele. Toussaint atacaria sem clemencia homens como
Talvez essa seja a carta onde podemos entender com mais facilidade o al¬
Rigaud, que colocou seus planos em risco, mas, quando um dia um oficial
cance e a sensibilidade do genio autodidata de Toussaint. Na carta que enviara branco que desertara dos ingleses foi capturado elevado de volta, Toussaint

simplemente sorriu para ele e disse:


12 SCHOELCHER, Vie de Toussaint-Ouverture, p. 289.

A
Os jacobinos negros O cónsul de ébano

Ah, vejo que somos to amigos que o destino no pode manter nos afas¬ Depois de um certo tempo, nunca mais questionou o futuro. De energia e
tados e no fez mais nada. desejo ilimitados, possuia o fatalismo dos homens que saber que sua causa é

Era um homem de sorte no que diz respeito à familia, e ela o ajudava a preparada para defrontar qualquer tipo de perigo iminente. Para si, esperava o
fim revolucionario habitual. Um descarado espanhol da Sao Domingos espa¬
manter o prestigio. Seu irmo Paul era um oficial notável. Moïse e Belair, seus
nhola certa vez, incisivamente, referiuse ao destino de Colombo em resposta
sobrinos, eram famosos pela coragem. Seu sobrino Chancy era seu ajudante
a uma pergunta. Toussaint nao negou o parallelo.
de ordens. Ninguém podia afirmar que qualquer um deles tivesse essa posicio
- Sei muito bem que Colombo sofreu a ingratido da Espanha e tal é o
por otro merito que no uma habilidade notável. Sua muller morava em uma
destino de homens que servem bem ao seu país. Eles tem inimigos poderosos.
fazenda no interior e dedicava se ao cultivo do café. Sempre que Toussaint
Quanto a mim, caberá o destino que me está reservado, e sei que hei de perecer
conseguia escapar de suas tareas, ia para lá. Os visitantes viam nos sentados
de mos dadas como nos velhos tempos em que eran escravos. Sua cunhada
vitima da calunia.

casou se com um oficial frances; o velho Pierre Baptiste, que viveu mais de cem Era, com esse estoicismo romano, apesar de catolico, um legitimo repre¬

anos, no aceitava nenhuma honra ou riqueza e tinha uma vida simples em Le sentante da Revolucio Francesa.
Cap. Quando Toussaintia à cidade, sua primeira visita era sempre ao velho que
The havia dado os rudimentos de una educaçao.
Com exceco de Bonaparte, ninguem de todo o período da Revolucio
Adorava as crianças e elas tambem o adoravam. Um dia, quando voltava
Francesa viajava to rápido e percorria to grandes distancias.
de Gonaïves para Ennery, uma pequena órfa de dez anos chamada Rose correu
atrás dele gritando: Mas Toussaint no era nenhum fenómeno, nenhuma raridade negra.
As mesmas forças que moldaram seu caráter ajudaram a criar os generais e
Papa, papa, leve me como senhor!
oficiais negros e mulatos. Agé, seu chese do Estado maior, era branco, mas
Ele desceu do cavalo, pegou-a nos braços e levou-a para sua esposa. todos os generais superiores eram negros ou mulatos, principalmente negros.
Havia dois generais de diviso: um era Dessalines, o outro, Clairveaux, um
- Aquí está uma órfa que acaba de me chamar de pai. Eu aceitei o título.
Aceita tu tambem o titulo de mael mulato. Dessalines era o general negro mais famoso. Alguns achavam que ele
superava Toussaint na habilidade militar. Mas ele so foi aprender a assinar seu
E Rose tornou se um membro da familia LOuverture. Esse era o tipo de
nome quando era muito tarde. Governou o Departamento Ocidental com
atitude que o ligava às pessos simples do campo. No fazia isso por propa¬ maos de ferro e, apesar de no possuir nenhuma capacidade construtiva para
ganda. Era espontaneo, assim como o respeito que tinha pelos mais velhos, a governar, tinha uma determinacao astuta, sagaz e implacável que era mais
quem sempre dava passagem na rua. Adorava musica e sempre tinha flores em do que de inestimavel valor. Náo nutria nenhuma simpatia pela política de
seu quarto.
reconciliacio de Toussaint, mas deslumbrava se com os dotes dele, idolatra¬

A base de seu poder era formada pelos trabaladores negros. A sua estrutura va seu chefe e obedecia-o irrestritamente. Em 1801, casou-se com uma das

mulheres mais notáveis de Sao Domingo, uma negra de extraordinaria beleza


era o Exercito. Mas, do mais simples negro aos generais franceses e aos mais
instruídos, viajados e experientes dos brancos locis, todos reconfeciam que e inteligencia, que fora amante de um fazendeiro, o qual le dera uma boa
devido às suas peculiaridades e ao seu traballo ele era o número um e, como educatio. Dessalines tinha muita simpatia pelos brancos e ela e Toussaint
tal, se-lo-ia em quasquer esfera. Ele exigia, eles respondiam com total obedien¬ mantinham no sob controle.
cia. Tinha seus conselheiros, mas suas proclamaces, leis e discursos levavam Dos sete generais de brigada, Vernet, um mulato, é o último a ser men¬
sua marca pessoal e todas as observaces a respeito dele confirmam que no cionado. Todos os outros eram negros. O favorito de Toussaint era o sobrino
deixava nada para ninguém, fazendo tudo el mesmo, consultando os amigos Charles Belair e acreditava se que seria o seu sucessor. Em 1801, tinha apenas

e simpatizantes, mas desenvolvendo esquemas em seu proprio estilo reservado 23 anos e ja era ajudante de ordens de Toussaint desde os dezoito anos. Lutou
e, depois, verificando ese mesmo cada um dos pormenores. com distincio contra os britanicos e na guerra civil contra o Sul. Bonito, de

234

A
Os jacobinos negros O consul de ébano

modos finos, amava os desfiles militares e a pompa. Nao gostava dos brancos os levou, e os manteve, no poder supremo; a responsabilidade deu-les
e Sanite, sua muller, odiava os e incitava o marido a tratá los com rispidez, confiança. Em um relatorio feito para o uso particular de Hédouville,

autor anotou a cor de cada um dos oficiais e funcionarios em uma longa


Moïse era de um tipo diferente, um bom garoto”, um soldado arrojado
lista; dessa manera soldados e administradores estavam divididos apenas
que adorava as mulheres; era o soldado mais popular do Exercito, amado pelos
segundo as très cores, no importando se fossem bons, maus ou mediocres
negros do Norte devido à sua ardorosa campanha contra os brancos. Toussaint
Porém, muitos negros, analfabetos, eram obrigados a ter secretarios brancos.
o tinha como um de seus favoritos até que ele se recusou a impor a legislaçio
Toussaint estava enviando crianças brancas e mulatas à França, às expensas
trabalhista no Norte. A plantaço sofria em seu distrito, e Toussaint mandou
públicas, para serem educadas, após o que voltariam para governar. Tudo
observadores para vigiar a administraço dele e ouvir as críticas que Moise o que ele precisava era de tempo.
indiscretamente fazia à sua politica com os brancos. Num primeiro momento,
Mas So Domingos no estava destinada a ter paz. Os proprietarios
pensaram que ele seria seu sucessor, e os brancos decidiram que, se algum dia
brancos de escravos representavam uma causa de discordia interna, enquanto
isso acontecesse, iriam embora.
a burguesia maritima na França lembrava se sempre dos fabulosos lucros do
De certa forma Maurepas era o mais notável dos generais negros. Era o único comercio de escravos. Os brancos, no tendo outra escolha, aceitavam o regime
que no havía sido escravo: vinha de uma antiga familia livre. Lia bastante, de Toussaint. Com a sensibilidade de proprietarios de escravos, eles viam que,
era um homem muito culto e confecia a arte militar en todos os pormenores. enquanto Toussaint estivesse ali, estariam a salvo e falavam e se comportavam
Governava seu distrito com justica e imparcialidade para con todos. como se fossem devotados a ele. Quando Toussaint voltou para Le Cap, apos a
campana no Sul, eles assumiram o papel principal nas comemoraçones. A sua
Christophe, um antigo criado, no sabia ler nem escrever, mas impressionava
chegada foi celebrada com um enorme arco triunfal e com versos compostos
os franceses pelo confecimento que tinha do mundo e pela calma e autoridade
em sua homenagem lidos por mulheres brancas muito bonitas que colocaram
com as quais governava. Era um negro inglés, mas a contrario de Toussaint,
na cabeça dele uma coroa de louros. O velho Toussaint, sempre galante, abra¬
aprenden a falar o frances com uma fluencia notável. Amava o luxo, era amiga vel
cou a encantadora muler que declamava. Houve outros abraços de natureza
com os brancos e governava bem.
menos pública. As damas crioulas de Sao Domingos, membros de algumas das
Eles moravam em casas que custavam milles, que se estivessem em familias mais distintas do velho regime, eram dominadas pela personalidade
Paris seriam lindas. Quando Maurepas recebeu o general Ramel, o francés singular e pelo poder daquele homem. Em menos de doze anos, elas acaba-
no acreditou em seus olhos, por seus modos, sua conversa e sua patente riam por superar o rigido preconceito no qual foram criadas. Lutavam umas
aptido. Todos os generais, oficiais e colonistas franceses que escreveram contra as outras pela sua atencio e enviavam she cartas apaixonadas, mechas
de cabelo e lembranças de todo o tipo. Toussaint no era avesso a isso, embora
relatorios e memorias sobre esses generais e outros oficiais no auge do poder
notaram a facilidade e a rapidez com que aprendiam a comandar. Pamphile discreto. A imoralidade aberta nos altos postos, ele dizia aos seus generais, tem
de Lacroix disse a respeito desses homens, que vinham da escravido, que um effeito nocivo sobre a moral pública. E precisamente esse o tipo de coisa

eles aprendiam mais rápido do que os trabaladores ou os camponeses que Toussaint diriae imaginaria.
franceses na mesma situacion. Isso, provavelmente, era verdadeiro, pois os
lideres negros no estavam influenciados pelas ideas da classe dominante
Notas de um colono para o uso de Hédouville, in MICHEL, La Mission du Général He¬
como um trabalador ou um campones da França. O apoio das massas
douville..., p. 85-103.
Para notas e memorandos sobre generais negros feitos por homens brancos, colonos ou

1 Reminiscencias do general Ramel, Ver introduço a Toussaint L'Ouverture, peça de La¬ franceses, que os confeciam bem, ver tambem GASTONNOGEREF, Relatorio ao Governo
MARTINE, Paris, 1850, p. XXIV. francés, 1801. Archives Nationales, F., 6266; LAMARTINE, Toussaint L'Ouverture, pp.
Depois de levar por quatrocentos años os nativos à civilizacao, os britanicos e holandeses na
xvi.xxviii; LACROIX, Mémoires pour servir., v. II, p. 308-45; IDLINGER, Les Archives
du Ministère des Affaires Etrangères. Fonts divers, section Amérique, ne 14.
Africa do Sul no encontraram nenhum nativo para representar os africanos no Parlamento
Quando os franceses tomaram Porto Principe em 1802, Lacroix, que fora dexado no
do Cabo. En 1936, os brancos sul-africanos privaramos nativos do diritto de votar, o que
cles já possuam na Provincia do Cabo ha geraçones. comando, encontrou entre os pertences de Toussaint "mechas de cabelo de todas as cores,

236
O consul de ébano
Os jacobinos negros

E ainda, apesar de toda essa intimidade entre os brancos e a nova classe do¬ quando atingir a idade da razo seu filho náo a reprender por dar-lhe um
minante de negros, Toussaint sabia que, com exceço de Sonthonax, Laveaux, negro como padrinho?
Roume e Vincent, todos os revolucionarios do primeiro período, esses velhos Mas, general...
proprietarios de escravos e suas mulieres, no gostavam de trabaladores, — Madame, Toussaint interrompeu-a, apontando para o cu, só ele que
seja la que tipo de fingida devotio os homens e afeico as mulheres podiam
tudo governa é eterno. Eu sou um general, é bem verdade, mas sou negro.
ter tido por ese como individuo. Foi em 1798 que ele escreveu com tanta
Depois da minha morte, quem sabe se meus irmaos no serio levados de
cortesia para aquela mulher branca que le pedira para devolver a proprieda-
volta à escravido e mesmo se ha de perecer sob o chicote dos brancos.
de, e durante todo aquelle ano ele e Hédouville desentenderam se a respeito O trabalho dos homens no dura. A Revolucio Francesa iluminou a Eu¬
da política a ser adotada en relacio aos brancos emigrados. Mesmo naquele
ropa, nos somos amados e chorados por eles, mas os colonos brancos so
período, mesmo quando os brancos de Porto Principe o reverenciavam e se
inimigos dos negros. (...) Bom, a senhora deseja o posto para o seu marido.
curvavam diante dele, um incidente nos faz vero que Toussaint pensaya dos
brancos como brancos.
Muito bem, eu darei o emprego que ele pede. Que ele seja honesto e que
se lembre de que no posso ver tudo, mas que nada escapa a Deus. No
Um proprietario branco desejava um posto como lojista e pediuo a posso aceitar a oferta que me faz de ser padrinho de seu filho. Isso poderia
Toussaint. Este negou-o. A esposa do colono tentou diversas vezes aproximar¬ obrig-la a ter de aguentar a reprovaço dos colonistas e talvez, um dia, a
se de Toussaint, mas no teve sucesso. Algum tempo depois, ela deu à luz um de seu proprio filho.
filho e pediu a Toussaint para ser o padrinho. Toussaint, normalmente gentile
Esses eram seus pontos de vista: nunca os mudou. Mas assumia uma postura
conciliador, por una razo ou outra, decidiu fazer com que a muller compre¬
endesse os seus pensamentos. grave contra a discriminacao racial. Ele assegurava seu poder e os direitos dos
trabaladores por intermédio de um exercito predominantemente negro. Mas
Por que, madame, a senhora quer que eu seja o padrinho do seu filho? A dentro daquela muralla ele encorajava todos a voltarem, mulatos e brancos. A
senhora aproximouse de mim apenas para conseguir o posto para o seu marido, política era ao mesmo tempo sabia e viavel, e se as suas relaces com a França
pois os sentimentos de seu coraço suo contrarios ao pedido que me faz fossem regularizadas ele poderia ter feito tudo aquilo que pretendia. Mas Sao

Como podes pensar una cosa dessas, general? No, meu marido te adora:
Domingos no sabia qual era a sua propria posicio em relaçamo à França. Ainda
todos os brancos esto ligados a til havia o medo de perder a liberdade e os trabaladores negros no aprovavam
a política de Toussaint. Percebiam que ele demonstrava favorecer demais seus
— Madame, conego os brancos. Se eu tivesse a pele deles, sim; mas

eu sou negro e conego a aversio que les tem por nos. A senhora pensou
velhos inimigos.
Essa aversio aos brancos que os negros tinham nao infringia a liberdade
sobre o que me está pedindo? Se eu accitar, como a senhora pode saber se
e a igualdade, mas era na verdade a mais consistente política revolucionária.
Era o medo da contrarrevolucio. Eles tinham amado Sonthonax, pediam
ancis, coraçones de oro atravesados por flechas, chaves (.) e uma infinidade de cartas de bençios para ele e faziam seus filhos orarem por ele à noite. Cinquenta
amor... (Mémoires pour servir., v. II, p. 105). Isso no se encaixa nas teorias racias de anos depois, seus velhos olhos brilhariam ao contar aos viajantes sobre esse
Lothrop Stoddard. Nap. 388 de seu livio, The French Revolution in San Domingo, ele es¬
branco maravilloso que les dera a liberdade e a igualdade, no apenas em
creve o seguinte sobre as relacées das mulieres brancas com os oficiais negros: "Os generais
negros abusaram demasiadamente de seu poder a esse respeto. Sobre o comportamento
palavras mas em feitos. Porem, homens como Sonthonax, Vincent, Laveaux
improprio de Toussaint nesse aspecto, ver LACROIX, II, 104-5. Quem vai levar Lacroix e Roume eram poucos e como declinio da Revolucio na França chegaria
em consideracio? Naturalmente, quem acreditar, depois de ler Stoddard, que Toussaint um homem como Hédouville. Os trabaladores negros tinham seus olhos
e seus generais obrigavam ou coagiam pelo medo as mulheres brancas a dormir com eles.
Thiers, em sua famosa History of the Consulate and the Empire, concorda com isso. Esse é um
exemplo típico da quantidade enorme de mentiras que serve para obscurecer a verdadera
MELENFANT, Des Colonies et particulièrement de celle de Saint-Domingue, Paris, 1819.
história do imperialismo nos países coloniais.
Proclamaça de Christophe I, 1814, in BEARD, Vida de Toussaint L'Ouverture, p. 326.

239

A
Os jacobinos negros O cónsul de ébano

fixos nos brancos locis e se ressentiam da política de Toussaint. No eram inovaçones: introduziu um sistema de comando por apito. Em todas as maneras
os brancos em casa que Toussaint temia. Era a contrarrevolucio na Franca, concebiveis (exceto em uma) ele estava preparado. Os negros deveriam lutar. Essa
Mas os negros podiam ver nos olhos dos antigos proprietarios a saudade guerra devastaria Sao Domingos como nenhuma outra o fizera antes; arruinaria
daqueles velhos dias e o dio. Pouco depois de Toussaint ter distribuido o seu trabalho e desencadearia novamente a barbarie e a selvageria, mas dessa
vez em uma escala sem precedentes. Contudo, nenhuma grande expedicio
uma de suas duras proclamaçes confinando os negros às fazendas, alguns
desses brancos distribuiram uma propria para os trabaladores: Vos vos poderia ter outro propósito que o do restablecimento da escravido. Nesse
dilema cruel, ele trabalhava com fervor, encontrando esperança no desespero,
dizeis livres. Mas fostes obrigados a voltar para minha casa e la eu deverei
tratar vos como antes e mostrar vos que no sois livres. Esse era o espírito
escrevendo para Bonaparte, rogando por profissionais qualificados, professores,
administradores para ajudálo a governar a colonia.
que levava, to constantemente, aos massacres de brancos. Toussaint mul¬
Bonaparte no respondia, e Toussaint podia adivinhar a razo. Se Bonaparte
tou pesadamente os culpados, ordenando que todo aquel que no pagasse
fosse colocado na priso, mesmo que fosse mulher, e rebaixou os oficiais escrevesse uma carta pessoal, teria de aceitar ou condenar. Se ele accitasse, a

envolvidos às fileiras. Mas ele ainda continuou a favorecer os brancos. Toda posicio de Toussaint receberia a sancio definitiva. Se ele condenasse, Toussaint
muler branca estava autorizada a ingressar en todos os circulos. Apenas declararia abertamente a independencia e talvez fizesse um acordo com os
as esposas dos oficiais negros das mais altas patentes tinham essa regalia. britanicos, se e que já nao o havia feito.
ma muller branca era chamada de madame, enquanto uma mulher negra
era chamada de cidada. Perdendo de vista o apoio das massas, supondo-
Toussaint, todavia, imediatamente apos a vitoria no Sul, decidira regularizar
garantido, ele buscava apenas conciliar os brancos da illa com os do exterior.
a propria posicio e por um fim nos problemas internos vindouros dando a Sao
O que faria Bonaparte? Toussaint, persegundo a sua política, fazia gestos Domingos uma Constituiço. Para esse fim, convocou uma assemblcia de seis
de amigade a todos de fora. Madame de Beauharnais, a me de Josefina, tinha homens, um de cada um das provincias, consistindo de brancos e de mulatos
uma fazenda em Léogane. Após a saida dos britanicos, Josefina escreveu para ricos, mas de nenhum negro. Como sempre, nessa hora, ele pensava em como
Toussaint a respeito da fazenda, que estava em ruinas. Uma correspondencia isso repercutiria na França e no no efeito que causaria nas suas proprias mas¬
havia sido iniciada. Toussaint reparou e restaurou a fazenda às expensas da sas, estando confiante demais nelas. Os membros dessa assembleia eram meras
colonia e enviava os rendimentos para madame Bonaparte. Josefina ajudava os figuras decorativas. A Constituiçio é Toussaint L'Ouverture, da primeira à
dois meninos dele, e eles iam frequentemente almoçar e jantar na casa dela. Mas última linha, e nela ele establecia os seus principios de governo. A escravido
Toussaint queria seus filhos de volta e Bonaparte no os mandaria. Toussaint estava abolida para sempre. Todo homem, no importava a sua cor, poderia
preparava se para a guerra inevitável. Essa foi uma das razones que o levaram a candidatarse a qualquer emprego e no haveria outra distincio que virtude e
mandar que seus generais no tivessem piedade dos trabaladores. talento e nenhuma superioridade a nao ser aquela que a lei garantisse no exercicio

Ele comprou trinta mil armas dos Estados Unidos. Armou os trabaladores. da funcio publica. Ele incorporou à Constituiço um artigo que preservava os
direitos de todos os proprietarios ausentes da colonia, por qualquer razo que
Em um das revistas, tomou um rifle, brandiuo e atirou:
fosse exceto se estivesse na lista dos emigrados proscritos na França. No mais,
Eis aqui a vossa liberdadel
Toussaint concentrava todo o poder em suas proprias mos.
Ele no tinha reccio em armar as massas. Confiava nelas, pois no tinha
Toda a administraço municipal era composta de un prefeito e de quatro
interesses diferentes dos delas. Mantinha guardada uma proviso de municies administradores. Eles eram nomeados pelo Governador por dois anos, a partir
e suprimentos em locis secretos no interior. Convocou todos os físicamente de uma lista de dezesseis pessas, que era submetida a ele.
capazes para treinamento militar e treinava o exercito regular. Era audacioso nas

A Constituiçio está impressa na integra em NEMOURS, Histoire militaire..., v. I. p. 95-


1 ARDOUIN. Etudes sur l’histoire..., v. IV. p. 256.
Os jacobinos negros O cónsul de ébano

Algreja era estritamente subordinada ao Estado. O Governador determi¬ para a Africa com armas, municies e milares dos sus melhores soldados e
nava a cada um dos ministros religiosos o alcance da sua administraço eo la conquistar uma vasta extenso de territorio, colocando um fim ao tráfico

clero no tinha permisso, sob nenhum pretexto, de formar uma associacio na¬ de escravos e tornando miles de negros livres e franceses, assim como a
colonia. As leis deviam ser precedidas por esta formula: A Assembleia Central sua Constituiçio fizera com os negros de Sao Domingos. No era um sonho.
de Sao Domingos, de acordo com a proposta do Governador.... Elas deviam Ele enviara centenas de milhoes de francos para os Estados Unidos à espera
ser promulgadas com a formula: O Governador manda... Todo departamento do dia em que estivesse preparado para aquilo. Tinha ento 55 anos. Que
de Administratio, Finanças, Policia e Exercito era confiado a ele, e ele se cor¬ espírito o movia? Ideas no caem do cu. A grande Revolucio o propelira

respondia diretamente com a França em quasquer coisa relativa à colonia. Ele de suas modestas alegrias e de um obscuro destino e as trombetas de seu
era o censor de toda a matéria publicada. heroico período ressoariam para sempre em seus ouvidos. Nele, um homem

A Assembleia Central podia aceitar ou rejetar lcis, mas a Assembleia estava que nascera escravo e tornou-se lider de escravos, a realizacio concreta da
nas más do Governador, sendo eleita pelos principais administradores, nomea¬ liberdade, da igualdade e da fraternidade era o ventre de ideas e o manan-
dos por ele. A Constituiçio indicava Toussaint como Governador vitalicio, com cial do poder, que transbordaria o seu ámbito restrito e abarcaria o mundo
poderes para nomear o seu sucessor. intero. Se no fosse a Revolucio, esse homem extraordinario e seu bando
de dotados socios teriam passado a vida como escravos, servindo criaturas
Constituiçes so aquilo que acabam sendo. A França em 1802 nao
mediocres que eram seus donos, permanecendo descalços e esfarrapados
teria nenhuma discussio com Toussaint sobre essa Constituiço a pretexto
assistindo a pequenos governantes inchados e mediocres funcionarios da
do despotismo. O que chamava a atencio de qualquer frances, entretan¬
Europa passarem uns apos os otros, assim como, hoje em dia, muitos
to, era o fato de que a Constituiço, embora jurando lealdade à França,
africanos de talento o fazem na Africa,
no dava lugar a nenhum funcionario frances. Toussaint queria que eles

viessem e ajudassem a governar, mas sob as ordens do Governo local. Era


praticamente a independencia, ficando a França com o papel de irma mais Excessiva importancia tem sido dada à Constituiço. Era apenas a mate¬
velha, guia e mentora. Ele no tinha precedentes para guia-lo, mas sabia o
rializacio formal da posicio para a qual Toussaint se movia firmemente
que queria. Quando protestavam para saber qual era o lugar da França em
desde a expulso de Hédouville. O método que usou para publica-la foi
tal Governo, ele respondia:
misterioso, como sempre. Convocou uma assembleia de brancos e mulatos
O Governo francés enviará comissarios para falar comigo.
para preparar o documento. Ento, deixou-os com essa tarea e sain para
Por um lado, havia uma absoluta independencia; mas, por outro, havia o capturar a Sao Domingos espanhola. Quando voltou, a Constituiçio á
capital frances e os administradores franceses ajudando a desenvolvere a educar estava pronta. Ninguém sabia o seu contendo exceto ele e a sua assembleia.

o país e um alto funcionario da França servindo de elo entre ambos os Governos. Ele, repentinamente, disse a Vincent que le daria permissio de partir para
O poder local estava muito bem seguro para chamarmos o esquema de um a França se levasse a Constituiçio para Bonaparte. Vincent concordou,
protetorado no cenario politico daquel mundo desonesto. Todas as evidencias porque no parecia haver outra oportunidade para partir. Toussaint disse¬
indicam que Toussaint, trabalando sozinho, teria chegado além daquela forma The para ir a Gonaïves e despedirse de madame L’Ouverture, uma vez que

de aliança politica confecida hoje como Protetorado. Vincent era muito amigo da familia. Assim que Vincent partiu, Toussaint

Firme como era a sua compreenso da realidade, o velho Toussaint publicou a Constituiço, em julho de 1801. Houve uma cerimonia religio¬
sa, um grande banquete, luzes e um regozijo público. A Constituiçio de
olhava para Sao Domingos com um arrojo de imaginacio que nenhum

contemporaneo seu suplantou. Na Constituiço, ele autorizava o comercio


de escravos porque a ilha precisava de pessos para o cultivo. Quando os
africanos desembarcavam, entretanto, tornavam se homens livres. Mas, en¬
SAINTANTOINE, Vie de loussaint-L'Overture, p. 325.
quanto incumbido dos cuidados do Governo, nutriu um projeto de navegar 22 Escrito en 1938.

242
Os jacobinos negros O cónsul de ébano

Toussaint era despotica, eos mulatos e os negros livres nao gostaram dela. Mas tomada. Toussaint concordou. Nao havia lhe custado nada enviar-lhe uma copia

isso no importava aquelas milares de pessos que dancavam e cantavam. escrita. Mas ele seguia seu curso. Houve uma última entrevista dolorosa entre
os dos homens. Vincent fez tudo o que pode para que Toussaint reconsiderasse
Quando Vincent voltou, foi até Toussaint e o censurou por publicar um
a sua acao. Todos os negros estavam livres. Ele no poderia retirar o direito da
documento to extenso sem a sanco do Governo frances e, quando viu os
pormenores, ficou horrorizado. Consultou Pascal, e ambos concordaram que França de governar a illa.

Toussaint deveria retirála. Seria mais fácil pedir à ilha de Sao Domingos para — Dai-me uma lista de vossos companheiros de armas que contribuiram

retirar se do mar do Caribe e ligarse à França. mais para expulsar os ingleses e restaurar o cultivo. O Governo, estou certo

disso, provar-vos á a sua gratido!


Toussaint escutou pacientemente.
Toussaint, normalmente calmo, ficou violentamente agitado. Respon¬
— No há espaço nela para nenhum representante da França, disse Vincent.
deu que teria o maior prazer em ver seus companeiros recompensados.
A França vai mandar comissarios para falar comigo disse Toussaint, Mas, quando Vincent perguntou-he o que quería para si. Toussaint respon¬

O que é de fato necessario é que a França vos envie chargés d'affaires den duramente que no queria nada: que sabia que a sua destruicio seria o

e embaixadores, como os americanos e os espanhois certamente o fario. E último propósito, que seus filhos nunca aproveitariam o pouco que ele tinha
mesmo os britanicos. juntado, mas que no era ainda vitima de seus inimigos. A esse desabato
ele junto algumas reflexos que magoram de tal modo a consciencia
Foi uma cruel insinuatio. Mesmo Vincent, às vezes, suspeitava de
sensivel de Vincent que ele nem mesmo as anotou. Mas podemos adivi¬
Toussaint. Era muito difícil para eles entenderem que Toussaint estava
nhar o que eram. A amargura diante dos insultos e o desprezo que sentia
usando os britanicos e fazendo o jogo diplomatico com eles, mas detestava
eram causados pela sua cor, que o colocava e à sua gente em uma posicio
esses baluartes da reacio europeia como qualquer outro filho da Revolucio
desesperada: a submissio significava a volta à condicio de escravos, a re¬
tambem os detestava.
beldia significava, por sua vez, a guerra e a completa devastaço da ilha; o
— Eu sei que o Governo inglés é o mais perigoso e o mais perfido para
seu isolamento, amigos brancos e negros contra ele; tudo isso deve ter
a França. Fez tudo o que pode para assegurar para si o direito de comercio
arrancado as palavras de sua boca, o que normalmente nunca teria aconte¬
exclusivo com a illa, mas dei-he apenas o que no poderia dexar de dar. Eu
cido, a nao ser quando achava necessario. E ento dizia apenas o que queria.
necessitava dele.
Deu as costas, abruptamente, para Vincent, e escapando pelo meio de
Por que Bonaparte no me escreve? perguntou à Vincent. — Ele escreve uma multido de cem pessos que estavam esperando por el montou em
para o Rei da Inglaterra. seu cavalo e partiu to velozmente que até mesmo a sua guarda foi apanhada

Pascal, até essa época mais um devotado seguidor, tambem reprovava de surpresa.

a Constituiço, e Toussaint o destituit. Vincent queixouse a Moïse e a Naquelas poucas semanas, Vincent parece ter duvidado de Toussaint.

Christophe: eles tambem o condenaram. Christophe disse que Toussaint tinha Vincent era branco. Nunca temeria a escravido como um negro o faria,
ido longe demais, e Moise chamou Toussaint de velho tolo. nunca sentiria o medo implacável da traicio dos brancos, to forte naque¬
la geraço de negros de Sao Domingos. O honesto Vincent nem por um
— Ele pensa que é rei de Sao Domingos!
momento duvidava que os homens que governavam a França agiriam com
A impresso da Constituiço assustou particularmente a Vincent. Te-la
dignidade em relacio aqueles negros, cujos servicos prestados à França ele
publicado significava, naqueles dias, que uma deciso irrevogável tinha sido mesmo testemunhara. Para ele, parecia que Toussaint estava simplemente
atrás de uma ambico pessoal. Antes de partir, esteve com Christophe para
sondálo. Teria ele deixado Le Cap, onde comandava, e se dirigido para
Précis de mon voyage. Santiago com a finalidade de recepcionar a expedicio francesa que certamen-
2. Em francés, no original. Representantes comerciais. (N. do T.) te viria? Isso evitaria uma série de problemas. Christophe, evasivo, disse que


Os jacobinos negros

faria o melhor que pudesse pela paz. Com essa resposta ambigua, Vincent XII
ficou satisfeito. Ele no sabia o que fazer. Voltou para casa, passando pela
A BURGUESIA SE PREPARA
Filadelfia, nos Estados Unidos, de onde escreveu para Toussaint, alertando-
contra os projetos de independencia.

Vincent fez tudo o que um homem podia fazer. Mesmo ao tentar afastar

Christophe de Toussaint, ele estava agindo, assim pensava, pelos interesses da


França e de Sao Domingos. Para ele, a restauracao da escravido era inimagi¬

nável. Esperava tanto quanto os milhoes de britanicos esperaram as intrigas de


Baldwin, Hoare e Eden com Laval e Mussolini, depois da recusa de armas à A suspeita de Toussaint era perfcitamente plausivel. Qual o regime sob o
Abissinia e das grandiloquentes promessas de fidelidade à Liga das Naçose à qual as colonias mais tem prosperado? perguntou Bonaparte. E, quando le foi
idea da segurança coletiva. Muitos subalternos honestos transformam se, dessa dito que fora sob o ancien régime, ele decidiu restaura-lo e restaurar tambem a
forma, no instrumento involuntario da traicio que vem de cima, o problema escravido e a discriminacao aos mulatos.
é que, quando se deparam com a crua realidade, ao final seguem a sua propria Bonaparte odiava os negros. A Revolucio havia nomeado aquele valente e
opinio e, devido à mesma confiança que a sua integridade criou, causam muito brillante mulato, o general Dumas, comandante chese de um dos exercitos,
mais dano do que o inimigo declarado.
mas Bonaparte o detestava por causa da sua core o atormentava. No entanto,
Bonaparte no era nenhum colonizador e seu preconceito contra os negros
estava longe de influencia-lo nas políticas mais importantes. Ele desejava obter
lucros para aqueles que o apoiavam, e os barulentos colonizadores encontravam
nele um ouvinte atento. A burguesia das cidades maritimas queria de volta os
fabulosos lucros de antigamente. O desejo apaixonado de libertar todos os ho¬
mens, que nos grandes dias da Revolucio exigira a liberdade dos negros, agora

se amontoava nos bairros pobres de Paris e de Marselha, exaurido pelos proprios


esforços e aterrorizado pelas baionetas de Bonaparte e pela policia de Fouché.

Mas a abolico da escravido era uma das memorias de que mais se or¬

gulhava a Revolucio. E, mais importante ainda, os negros de Sao Domingos


possuíam um exercito e líderes treinados para lutar à maneira europeia. No
eram selvagens tribais armados de lanças, contra os quais os soldados europeus,
armados de riffes, conquistariam glorias imorredouras.

Ocupado com suas campanas europeias, Bonaparte jamais perdeu So

Domingos de vista, como no perdia nada de vista. Seus oficiais le apresen¬


tavam um plano apos o outro, mas a frotta britanica e a força desconfecida dos
negros impediam qualquer acao. Entretanto, no começo de março de 1801,
uma mudança em sua politica quase o levou a dexar Toussaint totalmente no
comando de Sao Domingos.

Pai do escritor Alexandre Dumas, pai, e avo de Alexandre Dumas Filho. A França erigiu
um monumento para os très na Place Malesherbes, em Paris

246

A
Os jacobinos negros A burguesia se prepara

A burguesia francesa e a britanica estavam no meio de uma luta pela supre¬ naparte acusou Toussaint de estar vendido aos britanicos. Teimosamente,
Vincent o defendeu. Bonaparte insultou Vincent, amaldiçoou os africanos
macia mundial que durou mais de vinte anos e devastou a Europa. Bonaparte
tinha em vista a Indiae, tendo perdido uma primavera a camino do Egito, dorados, disse que jamais colocaria uma divisa nos ombros de um unico

seduziu o Tzar Paulo e juntos planejaram marchar por terra e roubar dos bri¬ preto da colonia. Vincent lembroule que os britanicos poderiam apoiar
Toussaint. Bonaparte gabou-se de que os britanicos estavam inclinados a
tánicos o que estes haviam tirados dos indianos. Bonaparte no podia lutarem
se opor à expedicio, mas que, quando ele ameaçou investir Toussaint de
dois hemisférios ao mesmo tempo e, em 4 de março, escreveu a Toussaint uma
carta transbordante de benevolencia. Ele estivera ocupado, mas agora que a poderes ilimitados e reconhecer a sua independencia, os britanicos se cala¬
ram. (Bonaparte penso que eles temiam o efeito que uma Sao Domingos
paz estava próxima tinha tempo de ler as cartas de Toussaint. Ele o nomearia

capito-general da illa. Pediu a Toussaint que desenvolvesse a agricultura e independente teria sobre a colonia escrava deles da Jamaica. Mas Pitt,

estruturasse as forças armadas. Espero que esteja próxima a hora en que uma Dundas e Maitland riam à socapa e esfregavam as mos na expectati¬
va.) Vincent tento apontar os perigos da expedicio. Bonaparte chamou
diviso de Sao Domingos venha a contribuir, nesse seu lado do mundo, para a
gloriae as possesses da República.
Toussaint de escravo rebelado, disse que Vincent era um covarde eo
expulsou de sua presença. Vincent ficou estarrecido com a violencia de
Entretanto, a burguesia britanica, expulsa da América, agora se dava
Bonaparte. Se era nesse estado de espírito que os franceses iam a Sao Do¬
conta da importancia da India. Pitt, em conluio com Alexandre, filho
mingos, rumavam para o fracasso. Tao ansioso agora pela França quanto
de Paulo, planejou o assassinato deste, que estava a favor dos franceses.
Sete dias depois da carta a Toussaint ter sido escrita, Paulo foi estran¬
por Sao Domingos, ele tomo a deciso ousada de dirigir um memorando
ao ministro, no qual tentava mostrar a força da colonia e o genio extraor¬
gulado e, no dia seguinte, a frota britanica entro no Baltico. Quando
dinario do homem que ali governava.
Bonaparte soube disso, reconheceu imediatamente que Pitto havia derrotado
A frente de tantos recursos está um homem to ativo e incansável que
e que o ataque à India estava perdido. A carta e as instruces a Toussaint
nao é possivel imaginar. E a mais pura verdade dizer que ele está em toda
nunca foram enviadas e Bonaparte preparouse para destrui-lo. Toussaint
a parte e, acima de tudo, nos lugares onde for necessario um juizo sensato
tinha o grande mérito de jamais nutrir iluses a respeito da pretendida
e houver perigo; sua grande sobriedade, o talento único que possui de no
superioridade moral da civilizacio europea, embora acreditasse que essa
civilizado fosse valiosa e necessaria e tivesse lutado para implantá la entre precisar de descanso, a vantage de gozar da capacidade de iniciar imedia¬
o seu povo. Ele enxergava os imperialistas franceses, britanicos e espanhois
tamente o trabalho em seu gabinete depois de una jornada estasante, de
responder cem cartas por dia e de esgotar os seus secretarios, e, acima de
como os bandidos insaciáveis que eram, para os quais nenhum juramento era
sagrado demais para no ser quebrado, e no havia nenhum crime, trapaça tudo, a arte de tantalizar e confundir todo mundo, até mesmo para trapacear:
tudo isso o torna um homem to superior a todos à sua volta que o respeito
traicio, crueldade ou destruicio da vida humana e da propriedade que cles
no cometessem contra aqueles que no pudessem se defender. e a submissio atingem os limites do fanatismo em muitas cabeças. Impos a
seus irmos em Sao Domingos um poder sem limites. E o senhor absoluto
da illa e nada pode contrariar seus desejos, quasquer que sejam, embora

Quando Vincent chegou a Paris, os preparativos estavam em andamento,


alguns homens distintos, poucos deles negros, saibam de seus planos e os

mas a Constituiçio dava a Bonaparte uma desculpa conveniente. O pobre encarem com grande temor.
Vincent havia tentado persuadir Toussaint a ceder a Bonaparte, ao condenar Vincent descreveu Toussaint como sendo superior a todos em Sao Do¬
a Constituiço como uma perfidia. Agora, ele tentava persuadir Bonaparte mingos; mas, se lermos novamente a citacio acima, ficará claro que aquele
a ceder a Toussaint, ao negar que a Constituiçio fosse uma traicio. Bo¬
oficial corajoso, honesto, inteligente e experimentado estava, obviamente,
descrevendo o ser humano mais extraordinario que jamais encontrara na
Correspondencia de Napoleo. vida, com poderes além do que ele imaginava possiveis. Os contemporaneos

EUGENE TARLE, Bonaparte, Londres, 1937, p. 1167. que descreveram as grandes figuras da Revolucio Francesa e da era napole-

248
Os jacobinos negros A burguesia se prepara

- Todos os negros, quando veem um exercito, largam as armas. Eles


nica revelavam essa atitude de admiracio apenas em relacio a très homens,
Bonaparte, o almirante Nelson e Toussaint. dar-se-do por satisfeitos se os perdoarmos.

O senhor está mal informado, general...


Bonaparte ficou to zangado que baniu Vincent para a ilha de Elba.

Pessoalmente amados e respeitados por seus contemporaneos, Vincent e — Mas há um colonizador que se ofereceu para prender Toussaint no interior
Beauvais falharam, como falham todos os que no comprendem que, numma do país, com sessenta granadeiros!
revolucio, cada um precisa escolher o seu lado e permanecer fiel a ele. — Ele é mais corajoso do que eu, pois eu no o tentaria nem com ses¬

senta mil.
— Ele é muito rico, esse Toussaint. Tem mais de quarenta miles.
Embora Bonaparte gritasse preto, como um proprietario de escravos,
Pacientemente, Malenfant le disse que seria impossivel que Toussaint
mais do que ninguém na França ele adivinhava quais eram as dificultades
que teria pela frente. No começo, penso que as cosas seriam faceis. Os tivesse essa soma. Malenfant tinha a mesma opinio que Roume sobre

colonizadores que fugiram nos primeiros días da revolucio viam os escravos Toussaint. Afirmou posteriormente que, se Bonaparte tivesse enviado
Laveaux a Sao Domingos com tres mil homens, tudo teria saido bem.
como um bando heterogeneo de bandoleiros negros, que debandariam ao
primeiro indicio de qualquer homem branco. Como esses pretos amedrontados Toussaint era um homem eminentemente razovel, e ele e Laveaux teriam

e trêmulos poderiam ser diferentes? Eles haviam derrotado os britannicos? Que encontrado um modus vivendi no qual o capital frances teria amplas oportu¬
bobagem Foi a febre. O general Michel, da última Comissio e que jamais nidades na illa. Mas isso no aconteceu. Leclerc fez pouco dos argumentos

havia visto o exercito de Toussaint em acao, chamou seus oficiais de cambada de Malenfant eo dispensou.
de presunçosos incompetentes. Bonaparte jamais teve ideas to tolas. Vincent havia the contado sobre
Todavía, Rome, Pascal e Vincent, que gostavam dos negros e portan¬ a força do exercito de Toussaint, com seus soldados e oficiais, treinados e
experimentados em dez anos de lutas constantes, e o grande soldado juntava
to sabiam do que eles eram capazes, estavam contra qualquer expedicio.
mais e mais homens à sua força. Assim, para evitar muita conversa, distribuiu
Pascal afirmo que os negros mais esclarecidos, ou seja, aqueles que ja eram
livres antes da revolucio, no gostavam de Toussaint, mas noventa e oito por seus preparativos por todos os portos da França, da Holanda e da Belgica. As

cento da populacao o seguia cegamente e acreditava que ele fosse inspirado preliminares da paz foram assinadas no dia 1° de outubro de 1801. Dito dias
por Deus. A atitude de Roume era ainda mais surprendente. Roume nem depois, Bonaparte deu o sinal e mesmo os ventos contrarios só conseguiriam
mesmo era frances, mas simum crioulo de Tobago. Contudo, apesar do atrasar a expedicio até 14 de dezembro.

tratamento rude que sofrera nas más de Toussaint, ainda acreditava na Foi a maior expedicio jamais enviada pela França e consistia de
devoco deste à França. Ele escreveu que Toussaint agira irregularmente vinte mil soldados veteranos, sob o comando de alguns dos melhores ofi¬
devido ao medo que tinha da escravido. Bonaparte deveria investi-lo de ciais de Bonaparte. O chese do Estado maior era Dugua, que Napoleo
plenos poderes civis e militares e tranquilizá-lo quanto ao futuro. No fim
havia dexado no comando do Egito quando continuou a marcha para a
da guerra, ele devolveria a colonia. Palestina. Boudet havia comandado a guarda avançada de Dessaix, cujo
Malenfant, um velho colonista, que era ento oficial em Sao Domingos, ataque salvou Bonaparte de uma derrota desastrosa em Marengo à ultima

recebeu a oferta de um posto na expedicio. Redigiu um memorando cheio de hora. Boyer havia comandado a guarda móvel que patrulhaya o Alto Egi¬
elogios a Toussaint e aos trabaladores e alerton Bonaparte da catastrofe que to; Humbert, a expedicio contra a Irlanda. Eram homens que adquiriram
experiencia de guerrilha durante a Vendeia. O general Pamphile de
este estava preparando. Quando encontrou o capita general Leclerc, poucos
Lacroix, que zarpou com a expedicio e escreveu uma valiosa história
dias antes de a frota zarpar, este o acusou de covardia:
sobre a campana e a revolucio de Sao Domingos, deixou nos a sua opi¬
Ao ministro. Les Archives Nationales. A. F. IV, 1187.
niao: “O exercito de Leclerc era composto de un número gigantesco de

251
250
Os jacobinos negros A burguesia se prepara

degradaço, o que era o seu objetivo principal. Assim que perceberam que
soldados de grande talento, bons estrategistas, grandes táticos, oficiais
de engenharia e de artillaria, bem instruídos e cheios de recursos. No ele no perseguía mais esse objetivo, estavam prontos para derrubálo.
último momento, Bonaparte mudou o comando, colocando à frente seu No era apenas um tumulto provocado por alguns negros descontentes ou
cundado, Leclerc, numa demonstraço da importancia que dava à aven¬ preguitosos. A insurreico se espalhou para o Norte. Os revolucionarios esco¬
tura. A esposa de Leclerc, Paulina, e o filho seguiram com a expedicio. heram um momento en que Toussaint estava em Petite-Rivière para assistir
Ela levava musicos, artistas e toda a parafernalia de una Corte. A escravido ao casamento de Dessalines. O movimento deveria ter começado em Le Cap,
seria restablecida, a civilizacio voltaria a ser instalada e todos vive¬ no día 21 de setembro, mas Christophe ficou sabendo a tempo de impedir as
riam felizes.
primeiras exploses em diversos quarteis da cidade. Nos días 22 e 23 a revolta
irrompeu nos distritos revolucionarios de Marmelade, Plaisance, Limbé, Port
Margot e Dondon, sede do famoso regimento dos sans culottes. Na manha
E, nesses últimos meses cruciais, Toussaint, consciente dos preparativos de do dia 23, ela começou novamente em Le Cap, enquanto bandos armados,
Bonaparte, estava ocupado serrando o galho no qual estava sentado. que matavam todos os brancos que encontravam pelo camino, surgiram nos
suburbios para entrar em contato com os da cidade. Enquanto Christophe os
No Norte, nas cercanías de Plaisance, Limbé e Dondon, a vanguar¬
derrotava, Toussainte Dessalines marchavam contra o levante em Marmelade
da da revolucio no estava satisfeita com o novo regime. A disciplina de
e Dondon. O movimento caiu aos pedaços aos pés de Toussaint e seu terrivel
Toussaint era dura, mas infinitamente preferível à antiga escravido. O tenente. Moïse, evitando um encontro com Toussaint, atacou e derrotou outro
que os velhos revolucionarios negros no aceitavam era trabalhar para seus
bando. Mas os negros em alguns distritos haviam se revoltado aos gritos de
patres brancos. Moïse era o comandante na Provincia do Norte e simpati¬ Viva Moise!". Assim, Toussaint o prenden e no permitiu nem mesmo que o
zava com os negros. Trabalhar sim, mas no para os brancos. O que quer
tribunal militar o ouvisse. Os documentos eram suficientes, afirmou.
que meu tio faça, no posso ser o carrasco da minha raça. Ele sempre me
reprende por causa dos interesses da metropole. Mas esses interesses so
aqueles dos brancos e eu só poderei amá los quando me devolverem o olho
que perdi en batalla. GEORGES LEFEBRE: La Convention, v. 1, p. 45. Palestras mimeograsadas realizadas
na Sorbonne. "Os jacobinos, ademais, tinham um ponto de vista autoritario. Consciente¬
Já iam longe os dias en que Toussaint deixava a frente de batalla e caval-
mente ou nao, desejavam agir como povo e para o povo, mas exigiam o direito de liderança
gava noite afora para indagar sobre as queixas dos trabaladores e, ainda que e, quando chegaram à testa dos negocios, deixaram de consultar o povo, acabaram com as
eleices, proscreveram os hébertistes e os enragés. Eles podem ser descritos como despotas
protegesse os brancos, mostrava aos trabaladores que era o lider deles.
esclarecidos. Os sans culottes, ao contrario, eram extremamente democráticos: desejavam
Revolucionarios ate o fim, aqueles homens ousados, os proprios irmaos o governo direto do povo pelo povo, se exigiram uma ditadura contra os aristocratas, foi
dos cordeliers de Paris e dos trabaladores viborgues de Petrogrado, organi¬ porque descavam exercé-la por si mesmos para que seus lideres pudessem fazer o que
zaram outra insurreico. Seu objetivo era massacrar os brancos, derribaro quisessen.
Os sans culottes, principalmente em Paris, viam claramente o que era necessario em
governo de Toussainte, conforme a esperança de alguns, colocar Moïse em cada estadio da Revolucio, pelo menos até que esta chegasse ao seu ponto mais alto. Sua
seu lugar. Todos os observadores, assim como o proprio Toussaint, pensavam dificuldade consistia em nao ter a educacao, a experiencia e nem os recursos para organi¬
zar um Estado moderno, mesmo que temporariamente. Era precisamente essa a posicio do¬
que os trabaladores o seguiam por causa dos seus servicos passados e da
revolucionarios de Plaisance, Limbée Dondon en relacio a Toussaint. Os acontecimentos logo
sua superioridade inquestionável. Essa insurreico veio provar que eles o
mostrariam que les estavam certos e que Toussaint, ad no os ouvir, cometen o maior erro de
seguiam porque ele representava a emancipato completa de sua anterior sua carrera.
Para um registro equilibrado sobre a mancira pela qual os proprios sans-culottes traba¬
Tharam e como forçaram Robespierre à assumir a grande politica que salvou a Revolucio,
ver LEFEBRE (conferencias mimeografadas), Le Gouvernement revolutionnaire (2 Juin
Mémoires pour servir... v. II, p. 319. 1793-9 Thermidor II), Folio II.

252
Os jacobinos negros A burguesia se prepara

— Quero crer que os comissarios no retardaráo um julgamento to neces¬ Roume e depois Vincent. E agora Toussaint o fuzilava, por ter tomado o
sario à tranquilidade da colonial partido dos negros contra os brancos.
Tinha medo de que Moise o suplantasse. Toussaint reconoceu o erro. Se o rompimento com os franceses e Vincent
abalara sua calma habitual na última entrevista, ainda maior era o remorso
Accitando o motivo, a Comissio realizou o julgamento e Moïse foi
que sentia depois da execucio de Moise. Ninguém jamais o havia visto to
fuzilado. Ele morreu como havia vivido. Postou-se no patibulo, na presen¬
agitado. Ele tento se explicar numa longa proclamaço: Moïse era a alma da
ça das tropas da guarnicio e, com voz firme, deu a ordem para o peloto insurreico; Moise era un jovem de hábitos libertinos. Foi inútil. Moïse havia
do fuzilamento:
estado numa posicio muito elevada e por muito tempo.
Atirem, meus amigos, atirem!

O que, exatamente, Moise defendia? Jamais o saberemos. Quarenta anos


Mas Toussaint estava to determinado que só conseguia pensar em conti¬
depois de sua morte, Madiou, o historiador haitiano, traçon um esboco
nuar com a repressio. Por que os negros precisaram apoiar Moise contra ele?
do programa de Moïse, cuja autenticidade, todavia, tem sido questionada. Essa pergunta ele no parou para fazer, ou, caso a tenha feito, no gostou da
Toussaint se recusou a dividir as grandes propriedades. Moise desejava pe¬
resposta. Nos distritos onde houve insurreicao, matou sem piedade. Alinhava
quenas glebas para os oficiais inferiores e tambem para os soldados rasos. os trabaladores e falava com eles; caso alguém respondesse com hesitacio, era
Toussaint favorecia os brancos em detrimento dos mulatos. Moïse procu¬
fuzilado. Intimidados pelo poder de Toussaint, submeteram se.
rou construir uma aliança entre negros e mulatos contra os franceses. E
Editou uma série de leis que superavam em severidade todas as outras ja
certo que tinha uma forte simpatia pelos trabastadores e odiava os antigos
decretadas. Introduziu um sistema rigido de passaportes para todas as classes da
proprietarios de escravos. Mas no era contra os brancos. Lamentava amar¬
populacio. Confinou os trabaladores em suas plantages mais restritamente
gamente as indignidades que tinha sido forçado a cometer contra Roume e
do que nunca e decreto que os gerentes e capatazes seriam responsaveis por
sabemos como era grande a sua estima por Sonthonax. Temos pouca coisa essa lei, sob pena de priso. Qualquer pessos que fomentasse a desordem seria
em que nos basear, mas cle parece ter sido una pessoa particularmente condenada a seis meses de traballos forçados, com um peso atado à perna por
atraente e profunda. Os antigos donos de escravos o odiavam e pressionavam meio de una corrente. Proibiu os soldados de visitarem qualquer plantago,
Toussaint para se livrar dele. Christophe tambem tinha ciume de Moise e exceto para verem seus pais ou suas más e, assim mesmo, por um período
amava a sociedade branca. Culpado ou no de traicio, Moïse tinha inimigos limitado: ele passou a temer o contato entre o exercito revolucionario e o povo,
demais para escapar às implicaces do grito “Viva Moïsel", proferido sinal infalivel da degeneraçio revolucionária.
pelos revolucionarios.
Ao mesmo tempo em que baixava o moral das massas negras, ele pro¬
Para os negros do Norte, já desencantados com a política de Toussaint, curava tranquilizar os brancos. Alguns se regozijavam abertamente com os

a execucio de Moïse foi a desiluso derradeira. Eles nao a comprendiam. rumores da expedicio e Toussaint, en vez de tratá-los da mesma forma que
Como era inevitável, e ainda o é, pensavam que o problema fosse a cor¬ havia tratado os trabaladores, simplemente os deportou. Sem dúvida deve
Como o proprio Toussaint, Moïse, seu sobrino, simbolizava a revolucio. ter havido otros com as mesmas ideas mas que acharam mais prudente

Fora ele quem liderara os trabaladores contra Hedouville. Ele tambem manter se calados. Todavía, um grande número deles aceitou a nova ordem
havia liderado a insurreico que retirou a autoridade de Roume para ocupar e via consternado a violencia e a destruicio que seriam inevitáveis com a

a Sao Domingos espanhola, movimento apoiado pelos trabaladores com chegada da campana francesa. Alguns começaram a partir e solicitaram
o objetivo de impedir o tráfico espanhol de escravos. Moise havia prendido passaportes. Um dos crioulos mais notáveis de Sao Domingos, um homem
educado e de bom senso que havia aceito a nova situacio, dirigiu-se a

proprio Toussaint admitiuisso logo depois. Ver POYEN, Histoire militaire de la révolution Temos confecimento disso por meio do relatorio que fizera a Bonaparte. Les Archives Na¬
de Saint-Domingue, Paris, 1899, p. 228.
tionales, F. 7, 6266.

254
Os jacobinos negros A burguesia se prepara

Toussaint e pediu-he um passaporte. Eis o que Toussaint temia: o des¬ E continuou:


moronamento de um regime instável antes que tivesse a oportunidade de — Volte dentro de vinte e quatro horas. Ah, como eu queria que tu e as mi¬

adquirir coeso. Dirigiu-se rapidamente até a porta para ver se no havia nhas cartas chegassem a tempo de mudar a determinacao do Primeiro-Consul,
ningum que pudesse ouvilo, acáo bem característica dele. Voltando, olhou
para fazer com que ele visse que, ao me arruinar, arruina os negros, arruina
De Nogerée de frente e perguntouche: no apenas So Domingos, mas todas as colonias ocidentais. Se Bonaparte é

— Por que queres ir embora, tu a quem eu amo e estimo? o primeiro homem na França, Toussaint é o primeiro homem no arquipélago
das Antilhas.
Porque sou branco e, apesar dos bons sentimentos que tens por mim, vejo
que estás prestes a te tornar o colérico chese dos negros. Ele no tinha falsa modestia quanto ao que representava para Sao Do¬

mingos.
Um tanto injustamente, ele acusou Toussaint de deportar os brancos que
haviam se regozijado com a chegada da expedicio. Toussaint justificou ardo¬ Refletiu por um momento e depois disse, em tom firme, que estivera ne¬
rosamente tal aço: gociando com os ingleses para conseguir vinte mil negros na Africa, no para
cometer traicio, mas para torna los soldados da França.
— Eles foram imprudentes e loucos em rejubilarse com tais noticias, como

se a expedicio no estivesse destinada a me destruir, destruir os brancos e Conheco a perfidia dos ingleses. No tenho nenhuma obrigado para com

destruir a colonia. eles pelas informaçones que me deram com respeito à expedicio que vem vindo

Com uma mente igual à sua, essencialmente criativa e organizada, essa era
para Sao Domingos. Náol Jamais levantarei armas por eles!
Mas a realidade forçouo novamente:
a perspectiva que o preocupava e deturpava o seu julgamento.
— Peguei em armas pela liberdade da minha raça, a qual apenas a França
Na França, sou tido como um poder independente, e por isso esto se

armando contra mim. Contra mim, que recusei a oferta do general Maitland proclamou, mas que nem mesmo ela tem o direito de anular. Nossa liberdade
já no está mais nas suas mos: está em nossas proprias. Nos a defenderemos
para establecer a minha independencia sob a protego da Inglaterra e que
sempre rejettei as propostas que Sonthonax me fez a respeito. ou pereceremos.
Essa dualidade estranha, to confusa para seu povo, que era quem tinha
Ele sabia que a expedicio estava a camino, mas ainda tinha a esperança
de que a catastrofe pudesse ser evitada. de lutar, continuou ate o fim. Mas, ainda assim, nesse momento de grande

incerteza para ele, cuja clareza mental e cujo vigor de açio eram to fora do
— Todavía, como desejas partir para a França, consentirei, mas pelo
comum, revelouse um dos poucos homens para os quais o poder é um meio
menos faze com que a viagem seja útil à colonia. Por teu intermédio, enviarei para se chegar ao fim, ao desenvolvimento da civilizacao, à melhoria dos seus
cartas ao Primeiro-Consul e pedirei que te ouca. Fala-he a meu respeito,
semelhantes. Mesmo a sua hesitacio era um sinal da superioridade da sua
di-The como a agricultura está prosperando, como o comercio está próspe¬
mente. Dessalines e Moïse no teriam hesitado. Ele lançou outra proclamaço
ro. Em uma palavra, conta-lhe o que fiz. Eu deveria, e desejo, ser julgado e dedicou a maior parte dela para tranquilizar os proprietarios brancos, os
de acordo com tudo o que realizei aqui. Vinte vezes escrevi a Bona¬ quais sempre encontrario em nos protetores ardentes, amigos verdaderos,
parte, para pedirle que enviasse comissarios civis, para dizerle que
defensores zelosos.)
despachasse para cá os antigos colonizadores, brancos instruídos na ad¬
O que significava isso tudo para os antigos escravos? Quando el mencionou
ministraço dos negocios públicos, bons mecánicos, bons trabaladores:
a campana, sua confuso era evidente em cada linha:
ele jamais me responden. Subitamente, aproveita se da paz (da qual nem

se dignou a me informar e da qual só tive confecimento por intermédio Homens de boa-fé (...) no podereis mais acreditar que a França, que
abandonou Sáo Domingos à propria sorte no momento en que seus inimigos
dos inglesses), para enviar contra mim uma expedicio formidável, em cujas
disputavam-le a posse (...) agora enviará um exercito para destruir homens
fileiras vejo meus inimigos pessoais eos inimigos da colonia que en havia
mandado embora. que nunca deixaram de servir aos seus desejos (.).

256
Os jacobinos negros A burguesia se prepara

Depois de semear a dúvida na mente das pessos quanto às intençes da


negros cumprindo o papel político do Partido Bolchevique. Se ele manteve
França, ele continuou: brancos no seu exercito, fê-lo pelo mesmo motivo que os bolcheviques tambem

mantinham nos deles oficiais tzaristas. Nenhuma das duas revoluces tinha
- Mas se esse crime, do qual o Governo francés é suspeito, for verdadero.
seus proprios oficiais treinados e educados em numero suficiente, e os jacobinos
basta me dizer que uma criança, que confece os dircitos que a natureza otorgou
de ébano estavam em piores condices culturais, relativamente falando, do que
ao autor dos seus días, se mostra obediente e submissa a seu pai e a sua mae; e
os bolchevistas russes.
se, apesar de toda sua obediencia e submissio, o pai e a me forem desnaturados
Toda a teoria política bolchevista era de que as vitórias do novo regime
o suficiente para quererem destrui-la, no haverá outra alternativa seno a de
colocar a vingança nas más de Deus. conquistariam gradualmente aqueles que foram constrangidos a aceitá la pela
força. Toussaint esperava o mesmo. Se falhou, foi pelo mesmo motivo que a
Assim, Deus é quem deveria defender os negros da escravido. E quanto ao
revolucio socialista russa falhou, mesmo depois de todas as suas conquistas:
exercito, e quanto ao povo, e quanto a ele mesmo, seu lider?
a derrota da revolucio na Europa. Se os jacobinos tivessem sido capazes
— Bravos soldados, generais, oficiais e tropas, no deem ouvidos aos maus. de consolidar a república democratica em 1794, o Haiti teria permanecido
(.) Eu vos mostrarei o camino a seguir. (.) Sou um soldado, no temo como colonia francesa, mas uma tentativa de restaurar a escravido teria sido
homem nenhum, temo apenas Deus. Se devo morrer, que seja como soldado bastante improvável.
honrado, sem medo de ser reprendido. Toussaint falhou no método, e no no principio. A questo racial, em po¬
Toussaint no podia acreditar que a classe dominante francesa pudesse ser lítica, é subsidiaria à questo das classes e pensar no imperialismo em termos
to depravada, to desprovida de qualquer senso de decencia a ponto de tentar de raça é algo desastroso. Mas negligenciar o fator racial como meramente

restablecer a escravido. A nocio que possuía de politica levou-o a fazer todos incidental é um erro, menos grave apenas do que o tornar fundamental. Havia
os preparativos, mas ele no podia admitir, para si mesmo e para o seu povo, que
trabaladores jacobinos em Paris que teriam lutado pelos negros contra as

seria mais fácil encontrar decencia, gratida, justiça e humaanidade numa jaula tropas de Bonaparte. Mas o movimento internacional no era ento o que é
de tigres famintos do que nos conselhos do imperialismo, fosse nos gabinetes hoje e no havia nenhum jacobino em Sao Domingos. Os trabaladores negros
de Pitt ou nos de Bonaparte, Baldwin, Laval ou Blum. enxergavam apenas os velhos proprietarios brancos de escravos. Esses accita¬
riam o novo regime, mas jamais ao ponto de lutar por ese contra um exercito
francés, e as massas sabiam disso. Certamente Toussaint tambem o sabia. Ele
Criticar no basta. O que Toussaint deveria ter feito? Cento e cinquenta
jamais confiou em Agé, seu chese do Estado maior, que era frances, e pediu ao
anos de Historia eo estudo científico da revolucao, iniciado por Marx e Engels subordinado deste, Lamartinière, que ficasse de olho nele.
e depois ampliado por Lenin e Trotski, justificam nos a indicacio de um curso
Mas, enquanto Lenin mantinha o partido e as massas totalmente a par de
alternativo.
cada passo, explicando cuidadosamente a posicio exata dos servidores burgue¬
Lenin e os bolcheviques, depois da Revolucio de Outubro, enfrentaram ses do Estado operario, Toussaint nao explicava nada, e deixava que as massas
um problema semelhante ao de Toussaint. A cultura burguesa russa era rela¬ pensassem que seus velhos inimigos estavam sendo favorecidos à custa delas. Ao
tivamente pobre, mas Lenin admitu francamente que ela era superior à do permitir que ovissem como partidario dos brancos contra os negros, Toussaint
proletariado e que teria de ser usada até que este estivesse desenvolvido. Elle cometen um crime imperdoavel aos olhos de una comunidade para a qual os
excluiu rigidamente a burguesia do poder politico, mas propunha que deveriam brancos representavam tanto mal. Que les recuperassem suas propriedades ja
ter postos importantes e bons salarios, mais elevados do que o dos membros do era ruim. Que cles fossem privilegiados seria intoleravel. Mas fuzilar Moise,
proprio Partido Comunista. Mesmo os comunistas que sofreram e lutaram sob o um negro, por causa de brancos, era mais do que um erro, era un crime. Sería
tzarismo, depois de algum tempo foram substituidos por burgueses competentes. quase como se Lenin tivesse executado Trotski por ter tomado o partido do
Podemos avaliar o gigantesco intelecto de Toussaint pelo fato de que, mesmo
proletariado contra a burguesia.
despreparado como era, tento fazer o mesmo, com seu exercito e generais

259
Os jacobinos negros A burguesia se prepara

A posicio de Toussaint era extremamente difícil. Sao Domingos, de Kronstadt com mo implacavel, mas de manera to abrupta que gerou
afinal, era una colonia francesa. Visto isso, antes de a expedicio ser uma protestos entre os defensores da disciplina partidaria, e ele apresentou imedia¬
certeza, uma declaracio aberta seria impossivel. Una vez que ele compre¬ tamente depois a Nova Economia Political. Foi esse rápido reconhecimento do

enden o que estava para vir, no deveria ter hesitado. Deveria ter declarado perigo que salvou a Revolucio Russa. Toussaint esmagou a revolta como era de
que uma poderosa expedicio no poderia ter outro objetivo a nao ser o-
se prever que o faria. Mas, en vez de reconhecer que a insurreico se originou
no medo do mesmo inimigo contra o qual se armava, ele foi mais severo com
de restaurar a escravido; ter conclamado o povo a resistir declarado a
os revolucionarios do que jamais havia sido. Sucedeu que o dia em que Moise
independencia; confiscado as propriedades de todos os que se recusassem
foi executado, 21 de novembro, foi o mesmo dia fixado por Napoleo para a
a accitála e distribuir essas propriedades entre os que o apoiassem. A Agé
e aos demais oficiais brancos deveria ter sido dada a oportunidade de es¬ partida da expedicio.
coller: aceitar ou partir. Caso accitassem e pretendessem ser traidores, os Em vez de represálias, Toussaint deveria ter percorrido o país e, com aquele
oficiais negros estariam de sobreviso contra eles; os homens tomariam jeito doméstico que confecia to bem, mobilizado as massas, conversado com
confecimento de suas ideas e atirariam neles ao menor sinal de hesitacio
o povo, explicado a eles a situacio e dito o que desejava que fizessen. Da for¬

perante o inimigo. Os brancos deveriam ter tido a mesma escolha: aceitar ma que ocorreu, a politica na qual el persistiu levou as massas a um estado
de estupor. Dizia se que ele pensava no efeito que ela causaria na França. A
o regime negro que garantia e garantiria suas propriedades ou partir. Os
traidores seriam tratados como traidores de guerra. Muitos dos fazendei¬ severidade com que agia e a proclamaçáo tranquilizando os brancos visavam
mostrar a Bonaparte que todas as classes estariam a salvo em Sao Domingos e
ros preferiam a independencia. Eles teriam ficado e contribuido com seus
que poderiam confiar em Toussaint para governar a colonia com justiça. Isso
confecimentos para o novo Estado. No foram apenas os antigos escravos
que seguiram Toussaint. Lamartinière era um mulato to branco que apenas
provavelmente é verdade e foi a causa de sua condenaçao.

quem connecesse a sua origem poderia dizer que ele era de ascendencia negra; Bonaparte no iria se convencer pela justica, integridade e capacidade de

contudo, estava absoluta e completamente devotado à causa de Toussaint. Toussaint para governar. Onde os imperialistas no encontram desordem,
eles a criam deliberadamente, como fez Hédouville. Eles desejam uma des¬
Assim como Maurepas, um velho escravo alforriado. Com Dessalines, Be¬
culpa para poder entrar. Mas a encontram com facilidade e entrario mesmo
lair, Moïse e centenas de outros oficiais, antigos escravos alforriados, teria
sem ela. O que vale é a força e principalmente a força organizada das massas.
sido fácil para Toussaint ter toda a massa da populaçio na sua retaguarda.
Sempre, mas principalmente no momento da luta, um lider precisa pensar
Tendo o exército, alguns dos negros e mulatos mais bem instruidos e os
em suas proprias massas. O que importa é o que elas pensam e no o que
trabaladores, que o haviam apoiado em tudo com firmeza, ele teria sido
os imperialistas pensam. E se, para tornar as cosas claras para as massas
invencivel. Com a questo esclarecida e o seu poder establecido, muitos
Toussaint tivesse de fazer vista grossa a um massacre de brancos, tanto pior
dos que talvez estivessem hesitantes teriam ficado ao lado daquel que agisse
para eles. Ele havia feito todo o possivel por eles, e se a questo das raças ocu¬
firmemente. Depois de conquistar uma vitoria decisiva, no seria impossivel
pava o lugar que ocupava em Sao Domingos, no era por culpa dos negros.
reabrir negociaces com um arrependido Governo francés para establecer
Mas Toussaint, como Robespierre, destruiu sua propria ala esquerda e com
as esperadas relacées.
isso selou sua sorte. A tragédia é que no era necessaria. Robespierre atacou
Os trabaladores e o exército de ébano é que poderiam ter resolvido o

problema, e a política de Toussaint incapacitou a todos.


Revolta ocorrida en 1921 na fortaleza de Kronstadt, em Petrogrado, devido ao desabas¬
O exercito estava com a fidelidade dividida. Havia nele franceses cujo dever
tecimento e à situacio economica na capital. Os insurretos aceitavam o Estado soviético,
seria lutar pela França. Eles, os mulatos e os negros alforriados no temiam mas sem os bolcheviques. A revolta foi esmagada. (N. do T.)
Nova Economia Politica (NEP, aplicada en 1921 por Lenin, significou um recuo na politica
pela propria liberdade.
de estatizado da economia soviética, especialmente no comercio e no campo. (N. do T.)
Em vez de trazer os trabaladores negros para mais perto de si, ele os Idlinger, tesourciro da colonia. Relatorio ao Governo frances, Les Archives du Ministère des
fastou. Mesmo depois da revolta, no era to tarde. Lenin esmagou a revolta Affaires Etrangères. Fonds divers, section Amérique, n. 14.

260 261
Os jacobinos negros A burguesia se prepara

as massas porque era burgués e elas, comunistas. O embate era inevitavel¬ teriam de lutar, e eram eles que precisavam ser tranquilizados. No que
nao adianta reclamar. Mas entre Toussainte seu povo nao havia diferenças Toussaint tivesse quisquer iluses sobre os brancos. Ele no tinha nenhu¬
fundamentais de pontos de vista e intençones. Sabendo que o problema racia ma. Quando a guerra realmente começou, enviou uma breve mensagen
era politico e social, tentou tratálo de una forma puramente politica e social aos sus comandantes: "No deixai nada branco atrás de vos. Mas o mal
Foi um erro grave. Lenin, em sua tese dirigida ao Segundo Congresso da ja havia sido feito.
Internacional Comunista, alertou os revolucionarios brancos, alerta muito
No entanto, os erros de Toussaint provinham das mesas qualidades
necessario a eles, que o efeito da política imperialista na relacio entre povos
que faziam dele o que era. E fácil ver hoje, como os seus generais o viram,
avançados e atrasados havia sido tal que os comunistas europeus teriam de
depois que ele morreu, onde foi que ele errara. Isso no significa que eles
fazer muitas concesses aos nativos dos países coloniais para poder sobre¬
ou nos teríamos feito melhor se estivéssemos em seu lugar. Se Dessalines
pujar os preconceitos justificados que estes sentiam en relacio a todas as
conseguia enxergar com tanta clareza e simplicidade, era porque os lagos
classes dos países opressores. Toussaint, à medida que crescia o seu poder.
ja se esquecendo disso. Ignorou os trabaladores negros, confundius no
que ligavam esse soldado inculto à civilizatio francesa eram dos mais fra¬
momento en que mais precisava deles, e desnortear as massas é desfechar
geis. Via to bem o que estava embaixo do seu nariz porque era incapaz de
enxergar mais longe. O fracasso de Toussaint foi devido ao esclarecimento
o golpe mais mortal numa revolucio.
e no à obscuridade.
Sua fraqueza pessoal, o lado contraditorio da sua força, tambem tomou
parte nisso. Ele dixo no escuro até mesmo os seus generais. Era um homem
quieto e reservado por natureza e havia sido criado na disciplina militar. Dava Nos últimos dias de dezembro, a frota do almirante Villaret-Joyeuse, con¬
ordens e esperava que fossem obedecidas. Ninguém jamais sabia o que ele estava duzindo a bordo o primeiro destacamento de doze mil homens, entro no porto
fazendo. Disse repentinamente a Sonthonax que este deveria partir e solicitou da baja de Samana. Toussaint, sozinho num pico das vizinhanças, observava os
a seus generais que assinassem a carta, caso les aprouvesse. Quando Vincent navios. Desacostumado com armamentos navais, ficou estarrecido como seu
falou com Christophe e Moise sobre a Constituiço, eles no sabiam nada a
número. Quando voltou para seu Estado maior, proferiu as seguintes palavras:
respeito. A queixa amarga de Moise sobre Toussaint e os brancos partia obvia¬
— Pereceremos todos. Toda a França veio para nos esmagar!
mente de um homem para quem Toussaint jamais havia explicado os motivos
de sua política. No teriam precisado de muita persuasio para seguir um lider No era medo. Ele jamais teve medo. Mas determinados traços de caráter

ousado. Moïse estava tateando o seu camino nessa direcio e podemos apon¬ so profundos nos grandes homens. Apesar de tudo o que havia feito, ele era no

tar a debilidade de Toussaint com mais clareza porque Dessalines realmente fundo o mesmo Toussaint que tinha hesitado em se juntar à revolucio em 1791
havia encontrado o método correto. O discurso que proferiu ao exercito ficou e que, durante todo um mes, protegera a fazenda do seu senhor da destruicio.
famoso e uma das verses — elle provavelmente fez este discurso mais de uma Só que desta vez no se tratava de una plantagio e um punhado de escravos,
vez era a seguinte: “Se a França cometer alguma insensatez por aqui, todos mas de una colonia e centenas de milares de pessas.
devem levantarse juntos, homens e mulheres. Fortes aclamaços acolheram
esse pronunciamento ousado, que valia mais do que mil das proclamaçes

equivocadas de Toussaint tranquilizando os brancos. Dessalines no tinha a


menor intençio de tranquilizar os brancos.

Os brancos eram os brancos do velho regime. Dessalines no se pre¬


cupava como que eles diziam ou pensavam. Os trabaladores negros é que

Congresso ocorrido em Moscou em 1920. Foi marcado pelo entusiasmo pela derrota do Mauviel, bispo de Sao Domingos, memorando a Napoleo, Les Archives Nationales, A. F.

exercito branco e pela invasio da Polonia. Essa invasio acabaria derrotada. (N. do T.) IV. 1187.

262 263
A guerra da independencia

XIII mesmo te lo feito. Estava numa situacio estreitamente comparável à do maior


de todos os estadistas norteamericanos, Abraham Lincoln, en 1865: se algo
A GUERRADAINDEPENDENCIA
pudesse ser feito, só ele poderia faze-lo. A Lincoln nao fora permitido tentar,
mas Toussaint lutou desesperadamente por esse direito.
Se estava convencido de que Sao Domingos decairia sem as vantagens da
connexio francesa, tambem estava certo de que a escravido jamais poderia ser
restaurada. Entre essas duas certezas, ele, em quem a visio penetrante e a deciso
rápida passaram a ser uma segunda natureza, tornarse-ia a personificaço do
vacilo. Foi a fidelidade à Revolucio Francesa e a tudo que ela possibilitou, para
A derrota de Toussaint na guerra da independencia e sua prisio e morte
a humanidade em geral e para o povo de Sao Domingos em particular, que o
na Europa suo considerados universalmente uma tragédia. Elas encerramos tornou no que ele era. Mas isso acabo por arruina-lo no final.
elementos auténticos de una tragédia na qual, mesmo no auge da guerra, Talvez a sua expectativa de obter mais do que a liberdade pura e simples
Toussaint lutava para manter a conexo francesa como una necessidade
tenha sido demais para a época. Dessalines se satisfazia apenas com isso.
ao Haiti em seu longo e difícil ascenso à civilizacio. Convencido de que a
Talvez a prova de que a liberdado por si só seria possivel residisse no fato
escravido jamais seria restaurada em Sao Domingos, ele tambem estava
de que, para mante-la, Dessalines, o fiel ajudante, teria de se assegurar de
convicto de que uma populacio de escravos, recem-chegados da Africa, nao
que Toussaint estaria fora de cena. Toussaint tentava o impossivel, aquele
poderia integrarse à civilizado por si mesma. Quando vemos seus erros e a
impossivel que para ele era a única realidade que importava. As realidades,
consequente catastrofe, motivados por suas evasivas e por sua falta de habi¬
as quais o historiador está condenado, algumas vezes simplificaro as al¬
lidade em tomar as decisoes firmes e realistas, que tanto distinguiram a sua
ternativas trágicas com as quais ele se defronto. Mas as observaces dos
carrera e tornaram se a suprema expressio de sua personalidade, temos de fatos e as concluses exigidas por las nao devem obscurecer ou diminuiro
nos sembrar de que aqui no se trata de nenhum conflito dos dilemas inso¬
verdadero caráter trágico do seu dilema, que é um dos mais extraordinarios
lúveis da condicio humana, de nenhuma diviso de una personalidade que
entre os registrados pela Historia.
só pode ser encontrada na luta pelo inatingivel. Toussaint era um homem
Mas, num sentido mais profundo, vida e morte no so verdaderamente
integro. O homem em que havia se transformado pela Revolucio Francesa
trágicas. Prometeur, Hamlet, Lear, Fedrae Acabasseguram o que talvez
exigia que fosse mantida a relacio com a França da liberdade, da igualdade,

da fraternidade e da abolico da escravido, indiscutivelmente. O significado


da França revolucionária estava sempre em scus labios, em suas declaraçes Criatura mitológica aprisionada por Zeus no Caucaso, por ter roubado o fogo da vida para dálo
aos homens. La, cle sofferia o eterno martirio de ter seu figado, que sempre se regenerava, devo-
públicas, em sua correspondencia e na intimidade espontanea de suas con¬
rado por una ave de rapina. Foi personagem de diversas obras, entre ellas Prometen agrilhoado
versas particulares. Era o mais alto estádio da existencia social que ele podia de Esquilo e um grande poema dramatico homônimo de Shelley. (N. do T.
imaginar. No era apenas a estrutura de sua mente. Ningué à sua volta, além Principe da Dinamarca, personagem de una tragédia de Shakespeare, que encena uma
dele, tinha tanta consciencia da necessidade prática de resolver o problema peça para denunciar a conspiraço que levou ao assassinato de seu pai, o rei. (N. do T.)
Personagem da tragédia de Shakespeare Rei Lear, que apos dividir o seu reino entre duas
do atraso sociale das primitivas condiçes de vida. Sendo o homem que era,
por natureza e pela extenso e pela intensidade das novas experiencias, que de suas filhas em detrimento de una tercera é desprezado pelas favorecidas e passa a viver
na penuria, onde contará como afeto daquela que fora deserdada. (N. do T.)
so privilegio de poucos, aquel era a maneira pela qual enxergava o mundo Personagem da tragédia homónima de Racine, imitaço de Hippolito coroado de Euripedes.
em que vivia. Sua atitude irreal para com os antigos senhores, na sua patriae Era a esposa de Teseu, que, rejcitada no amor que sentia pelo cunhado Hipolito, o acusa
fora dela, provinha nao de um humanitarismo ou de uma lealdade abstrata, perante o marido, entrega-o à furia de Nettuno. Arrependida, comete suicidio. (N. do 1.)
Ou Ahab. Personagem do romance Moby Dick de Herman Melville. Capitáno de um baleeiro
mas do reconfecimento de que apenas eles tinham o que a sociedade de Sao
obcecado pela idea de caçar uma gigantesca baleia branca. (N. do T.)
Domingos precisava. Ele acreditava que poderia manipula-los. Talvez pudesse

264 265
Os jacobinos negros A guerra da independencia

Ele o dividiu em très etapas. Na primeira delas, Leclerc deveria prometer a


sejam impulsos permanentes da condicio humana contra as exigencias da
sociedade organizada. Eles o fazem diante do iminente, ou até da destrui¬ Toussaint tudo que ese solicitasse, para que pudesse se establecer nos principais

co certa, eo seu desafio os impele a alturas que tornam a sua derrota um pontos do país.
sacrificio que se adiciona à nossa concepcio da grandeza humana. Assim que isso for conseguido, deverás ser mais firme. Ordena-he que

Toussaint está numa categoría menor. Seus espléndidos poderes no cres¬ responda a mim, sem sofismas, a intimaço e a minha carta.
cem, mas declinam. Se anteriormente ele se distinguia acima de todos pela Toussaint devería ir a Le Cap e jurar fidelidade à República. Naquele
maneira com a qual julgava pronta e destemidamente aquilo que confronta¬ mesmo dia, ele e todos os que o apoiavam, brancos ou negros, deveriam
va, agora o vemos julgando incorretamente os acontecimentos e as pessos, ser enviados à França, no como degradados, mas com honra e considera¬

vacilando em principio e perdendo o respeito dos seus inimigos e a confiança cio. (Isso seria feito apenas para evitar que a populacio se irritasse, mas
dos que o apoiavam. nenhuma divisa permaneceria nos ombros de um unico preto.) Raimond,
que no tinha muitos seguidores, deveria ser preso e enviado à França
A hamartia, a trágica imperfecio que construímos a partir de Aristoteles,
como criminoso. Durante essa primeira etapa, Leclerc deveria tratar bem
em Toussaint no era una fraqueza moral. Era um erro especifico, um total
de Moïse, Dessalines e Toussaint e deveriam ser feitas tentativas para
desacerto dos eventos constituintes. Todavía, o que foi perdido pela liberdade
conquistar Christophe, Clairveaux e Maurepas, que era favoráveis aos
imaginativa e lógica criativa dos grandes dramaturgos é reparado, até certo brancos, ou seja, homens que haviam cumprido a política de Toussaint, e
ponto, pela atualidade histórica do seu dilema. Assim, seria um erro considera¬ tratá los com equidade e consideracio. Essa seria a primeira etapa e duraria
lo apenas uma figura política numa remota ilha das Indias Occidentais. Se a
de quinze a vinte dias.
sua história no se parece com as maiores criaces dramaticas, em seu signifi¬ Mas Bonaparte tinha dúvidas quanto a Toussaint, Moïse e Dessalines.
cado sociale no apelo humano ela excede em muito os últimos dias em Santa
Caso eles no viessem a jurar fidelidade (e, caso viessem, seriam educada
Helena e aquela apoteose de culminancia e degradaço que foi o suicidio em mas resolutamente deportados), deveriam ser declarados traidores, caçados
Wilhelmstrasse. As tragédias gregas sempre recorriam aos seus deuses para a numa guerra até a morte, e, se capturados, fuzilados dentro de 24 horas.
personificaço dramatica do Destino, a barreira que domina um mundo que
Isso poria fim à segunda etapa. No mesmo dia, en todos os pontos, todas
nem eles nem nos construimos.
as pessos indecisas, de qualquer cor, deveriam ser presas, e todos os generais
Mas nem mesmo Shakespeare poderia ter encontrado una personificaçao negros, de qualquer posicio, deportados. O último estadio seria desarmar a

tano dramatica do destino como aquela contra a qual Toussaint lutou: Napoleo populatio. A Guarda Nacional e a gendarmerie seriam reorganizadas, vale
Bonaparte. dizer, tornadas totalmente brancas, e ento Sao Domingos estaria pronta

E nem mesmo a imaginacao mais fertil poderia ter vislumbrado a entrada do para as "leis especias”.
coro dos escravos como arbitros do seu proprio destino. A certeza de Toussaint A primeira cosa seria obstruir o poder militar dos negros: nenhum negro
de que essa seria a solucio final e inevitável do problema ao qual ele se recusava cima da patente de capitio seria dexado na illa.
a ficar limitado explica seus erros e os repara.
A segunda cosa era o prestigio. Bonaparte confecia a importancia
imperialista do devido respeito às mulieres brancas entre os nativos. Os
antigos só consideravam completa a conquista depois de terrem dormido
Como Toussaint, Bonaparte fazia tudo pessoalmente e traçou seu plano de com a esposa ou com as filhas do monarca vencido. E difícil inculcaro

campanha de proprio punho. devido sentimento de inferioridade em um homem que dorme com a nossa
irma. Napoleo ordeno que todas as mulheres brancas, de qualquer classe,
que se houvessem prostituido com negros fossem mandadas a Europa.
Leclerc nao deveria tolerar, por parte de quem quer fosse, qualquer con¬
Defeito de caráter; erro, culpa, pecado, especialmente dos herois trágicos da literatura. (N. do T.)
versa sobre os direitos dos negros que haviam derramado tanto sangue

266
Os jacobinos negros A guerra da independencia

branco”. Quisquer que fossem sua patente ou seu cargo, deveriam ser da classe dominante. Isso explica a furia selvagem dessa classe quando se depara
embarcados para a França. com algum que no dá atenço aos seus protestos mais enfaticos. Bonaparte
foi inteligente em destacar Toussaint, Dessalines e Moise. Se no fosse pelos
As leis especiais no foram especificadas, mas os mulatos tambem foram
dois primeiros, o plano seria bem sucedido.
tratados devidamente. Rigaud, Pétion, Villate e outros oficiais, que no temiam
pelos seus proprios dircitos e pensavam em suplantar Toussaint e seus generais,
tinham tido permissio para seguir com a expedicio. Bonaparte colocou-os
juntos em um unico navio, o Vertu. Se Toussaint desse as boas-vindas à expe¬ No día 2 de fevereiro, Leclerc chegou à barra do porto de Le Cap com
dico, eles nem desembarcariam, mas seriam deportados imediatamente para cinco mil dos seus doze mil homens e deu instruges a Christophe, que co¬
Madagascar. Todavía, se houvesse luta, seria permitido a eles derramarem sua mandava as tropas da cidade, que preparasse alojamentos para seus homens.
cota de sangue.
Christophe, pobre coitado, já tinha tudo pronto para recebi-los, e se no fosse
Nessas instruces, Bonaparte repudiava a idea de restaurar a escravido. por uma querela entre Leclerc e Villaret-Joyeuse e os ventos contrarios Leclerc
Estava mentindo. Mas ainda posava de herdeiro da Revolucio e nao ousaria teria poupado Le Cap. Mas Toussaint, numa cavalgada forçada desde Samana,
submeter essa política reacionária aos brancos e negros, para que ela nao caisse chegou a tempo de impedir Christophe. Ele no se mostrou, mas dexo que
nas más do sucessor de Leclerc, caso ele precisasse de um, e por medo do Christophe conduzisse as negociages, permanecendo escondido numa sala
efcito que provocaria no exercito. Mesmo quando deu a Leclerc autoridade contigua e pedindo a Christophe que falasse bem alto para que ele pudesse
para restaurar a escravido, este ocultou o fato do seu segundo em comando, ouvir a sua recusa.
Rochambeau. Muitos oficiais e todos os soldados acreditavam estar lutando pela No trajeto para se encontrar com Christophe, o enviado de Leclerc,
Revolucio e contra Toussaint, um traidor vendido aos padres, aos emigrados como que por acaso, deixou cair algumas proclamaçes de Bonaparte con¬
e aos britanicos.
vocando a populaçio para se reunir en torno de Leclerc, protetor da sua
liberdade, restaurador da paz etc. Era tudo de que os burgueses mesquinhos
precisavam. A Municipalidade e os funcionarios civis, mulatos e negros
E sobre os povos coloniais sem meios para reagir que o imperialismo apli¬ livres, sempre com ciumes dos generais negros de Toussaint, analfabetos
ca suas artes mais rasteiras. O mais espantoso nesse documento nao é a sua e de baixa origem, e ressentidos como despotismo de Toussaint, deram
duplicidade, mas sim a tranquila conviccao da estupidez e da confiança dos demonstraçes de alegria e satisfacio. Estupidos como so funcionariozi¬

generais negros. Aparentemente, Bonaparte temia apenas tres deles: Toussaint, nos burgueses podem ser, eles imploraram a Christophe para que desse as
Moïse e Dessalines. boas-vindas à expedicio francesa. César Télémaque, prefeito de Le Cap,
negro e antigo liberto, administrador excepcionalmente capaz, lidero essa
Mas o fato mais estarrecedor en toda essa historia, e que testemunha o
loucura, leu oficialmente a proclamacao e atormentou Christophe para que
confecimento que Napoleo tinha dos homens, é que Pétion e Rigaud sabiam
se submetesse. Para dar mais força aos protestos, ele trouxe a Christophe
que seriam deportados para Madagascar caso no houvesse resistencia. Mas
uma delegacio de ancios, mulieres e crianças. Os brancos e todos que eram
o impacto da autoridade é algo to forte que eles estavam preparados para
livres anteriormente estavam radiantes, mas os oficiais do exercito, negros e
accitar até mesmo essa mesquinha averiguaçao”. As premissas aparentemente
impudentes de Bonaparte eram, na verdade, uma política sólida e sensata. Essa mulatos, estavam implacavelmente hostis e no falavam com os franceses.
Sob o olho vigilante do seu chefe, Christophe permanecen firme e respondeu
tranquila confiança em sua capacidade de trapacear é a marca da maturidade
às ameaças de Leclerc com outras ameaças. No dia seguinte, 4 de fevereiro,
Christophe convocou a guarnicio, a qual jurou fidelidade até a morte. Eles
As instrues esto publicadas na totalidade em Die Kolonialpolitik Napoleons I, por Roloff

(Munique, 1899), como apendice.


SANNON, Histoire de Toussaint-L’Ouverture, v. III, p. 48. Isso no consta das instructes. 10 LACROIX, Mémoires pour servir..., v. II, p. 69-88.
LACROIX, Mémoires pour servir... Lacroix tomo parte nas negociacies.
SANNON, ibidem,

268
Os jacobinos negros A guerra da independencia

ficaram sabendo que Fort Liberté havia sido tomado pelos franceses. Era mostra-lo como um tirano, mancomunado com os emigrados e com os
a guerra e Christophe conclamou a populaçio para evacuar a cidade. Ho¬ padres — qualquer um poderia ver isso , e que procurava entregar a colonia
mens, mulieres e crianças começaram a dura subida para as colinas, que aos ingleses para fazer triunfar sua propria ambico. Os mulatos e os ne¬

começavam logo depois da cidade. Alguns habitantes permaneceram junto gros libertos apoiavam abertamente os franceses. So Domingos era una
a César Télémaque e à Municipalidade, esperando, apesar de tudo, alguma colonia francesa. Por que razo deveriam queimar suas propriedades devido
intervenço contra essa miséria final. Todos tinham os olhos voltados para à ambicio de Toussaint?
o mar. Finalmente, no fim da tarde, um bote se destacou da esquadra e, O exército no sabia em que pé ficava. Christophe quase acolhera Leclerc e
aproveitando se da crescente escurido, dirigiu-se ao porto. Imediatamente
agora, hesitando entre os oficiais comandantes, vinha em auxilio deste e con¬
os vigias de Christophe deram o temido sinal para disparar o canhao. Com
fundia ainda mais os soldados rasos e as massas. A capital, Port-Républicain,
o som do disparo, os soldados, com tochas na máo, correram pela cidade.
estava sob o comando de Agé. Boudet, com 3500 homens, conclamou Agé a
Logo tudo estava queimando. De repente, com um estrondo tremendo,
entregar a cidade. Numa conferencia dos oficiais, o oficial branco que estava
o paiol de polvora explodiu. As pedras que se soltaram com a explosio
no comando do paiol de polvora se recusou a entregar as chaves. Lamartinière
rolaram, esmagando as mulieres e as crianças que estavam escondidas nas
sacou a pistola e fuzilou-o na mesa de conferencia. Outra bala para Agé teria
colinas. Por ordem de Toussaint, todos nacidade, os brancos, Télémaque
e seus amigos, foram forçados a seguir as tropas. Foram de má vontade, poupado muitos problemas. Mas, diante de tal demonstraço de lealdade e
lamentando amargamente que Leclerc nao tivesse sido bem recebido. do temperamento de otros subordinados, Agé contemporizon. Em resposta
à sua convocacao, Boudet replico que no poderia fazer nada sem ordem de
Christophe e seus soldados retiraram se para as montanhas para defender
Dessalines, seu oficial superior, que estava em Sao Marcos. Que tipo de resis¬
a populacao. O fogo ardeu durante toda a noite, destruido propriedades no
valor de cem milhoes de francos. Os enviados de Leclerc haviam relatado como tencia era aquela?
a cidade parecia próspera, mas quando el desembarcou no dia seguinte foi Assim encorajado, Boudet desembarcou suas tropas e marchou bravamente

recebido por cinzase destroços: das duas mil casas, restavam apenas cinquenta contra a cidade. Outro oficial, um seguidor de Rigaud, entrego um importante
e nove. Isso foi para o desapontado frances uma amostra do que estava para forte à vanguarda. Houve algumas lutas corajosas no último momento, mas
vir, o inicio de uma devastaço que fez com que Sao Domingos retrocedesse com tal confuso e deslealdade no comando, a guarnicio no podia manter a
meio seculo.
cidade. Lamartinière c seus homens se retiraram, tentando em vio atear fogo
Mas Toussaint ainda hesitava, apesar de tudo. No camino de Le Cap enquanto sasam. No só a capital tinha sido tomada, com poucas perdas e seus
para Gonaïves, ele encontrou um destacamento francés. Quando parou suprimentos intactos, como tambem os franceses conseguiram aprender um
para parlamentar, foi recebido a bala e quase perdeu a vida. Seu cavalo tesoro de dois milhoes e meio de francos.
foi ferido, o chapeu de um dos seus oficiais foi levado por una bala e
Na noite seguinte chegou uma oferta de submissio de Laplume, o general
Christophe teve de se jogar do cavalo e nadar através de um rio para escapar
negro que comandava o Sul. Os oficiais e os soldados, como se acostumaram
de ser morto ou capturado.

A guerra é a continuacio da política por otros meos, e Toussaint censurado por estar mais ligado a eles do que ao seu proprio povo. O lamento desse negro
estava colendo a recompensa da sua política do ano anterior. Os traba¬ no era sem motivo; durante alguns meses, antes da chegada dos franceses, ele mandou
ladores, hostis aos franceses, no responderam ao seu chamado. Eles nao matar seu proprio sobrino, Moise, por haver descumprido as ordens relativas à protego
comprendiam por que motivo Toussaint os convocava para lutar contra dos colonialistas. Esse ato do Governador e a grande confiança que tinha no Governo
frances foram as principais causas da fraca resistencia que os franceses encontraram no
aqueles brancos, quando toda a sua política havia sido de conciliatio para
Haiti." Esse é um extrato de um manifesto publicado por Christophe em 1814, quando
com esses mesmos brancos. Era muito fácil para os inimigos de Toussaint Haiti foi ameaçado novamente. (in BEARD, Life of Toussaint L'Ouverture, Londres, 1853,
p. 326.) Toussaint no confiava no Governo francés, como dizia Christophe. Se confiasse,
nao teria se armado da manera que fez. Mas ele deixon que o povo pensasse que confiava
12.) ele (Toussaint) era favoravel aos colonialistas brancos, especialmente aqueles que ocu¬
nos franceses.

pavam novas possesses; eo cuidado e parcialidade que sentia por eles ia ao ponto de ter sido O comandante da guarda avançada de Boudet era Pamphile de Lacroix.

270 271
Os jacobinos negros A guerra da independencia

a fazer nas intrigas políticas da revolucio, seguiam seus comandantes, os


No dia 8 de fevereiro Toussaint ainda no confecia o total de seus re¬
veses, mas, à medida que os golpes desabavam, ele se preparava nao para a
quais, en muitos casos, haviam estruturado suas proprias tropas. Mesmo
em Sao Domingos, que estava sob o comando de Paul L’Ouverture, os rendicio, mas para a resistencia. O sonho de um governo ordeiro e o avanço
franceses conseguiram outra vitoria fácil. Kerverseau, até ento a servico de para a civilizacio haviam terminado. Ele se apegara à ultima esperança de
Toussaint, havia-se juntado a Leclerc e recebido o comando de um destaca¬ paz, porem, quando viu o inimigo avançando, e só ento, preparouse para
mento francés. Ele marchou sobre Sao Domingos e exigiu a sua rendicio, a luta. Seu erro havia sido lamentável, mas, assim que decidiu encarar de

L’Ouverture recusou. Alguns habitantes franceses e espanhois tentaram frente a destruicio de Sao Domingos, ele se mostrou à altura do perigo e

deixar entrar os franceses, mas Paul LOuverture os disperson. Contudo essa campanha, a sua última, foi tambem a maior. Ele delineou o plano
o proprio irmo de Toussaint, enquanto se recusava a admitir Kerverseau, para Dessalines.
escreven ao Governador solicitando instruces. Quando até mesmo o irma¬ - No te esqueças de que, enquanto esperamos a estacio das chuvas que

de Toussaint tinha to pouca certeza, o que as massas poderiam ter feito? So nos livrará dos inimigos, no temos otro recurso senáo o fogo e a destruicio.
ento Toussaint the escreven, ordenando que se defendesse ate o fim e até Tem em mente que o solo encharcado como nosso suor no deverá ofrecer
o ponto de capturar Kerverseau e suas tropas: um infeliz sinal indicativo o menor sustento aos nossos inimigos. Arrasa as estradas com explosivos, joga
de vacilaçio. Temeroso de que seus mensageros pudessem ser capturados, cadáveres e cavalos em todas as fontes, queima e aniquila tudo, para que aqueles
Toussaint les deu outra carta, na qual aconselhava Paul a ser conciliatorio.
que vieram para nos reduzir à escravido tenham diante dos olhos a imagem
Seus oficiais, dois negros e um branco, caso fossem presos, deveriam apre¬
do inferno que merecem.
sentar aos captores esta última carta, ocultando as verdaderas instrues.
Eta tarde demais. Os acontecimentos demonstraram que, se cle houvesse
Os oficiais foram mortos e ambas as cartas encontradas. Kerverseau enviou
mobilizado as massas e expurgado o exercito antes, o ataque frances teria
a mensagem falsa a Paul, que abriu os portes e permitiu a sua entrada.
malogrado desde o inicio. Seu desejo de evitar a destruicio foi exatamente o
Mauviel, bispo de Sao Domingos, já havia tempos estava tentando persuadir
Clairveaux, oficial subordinado a Toussaint. Em poucos dias, Clairveaux
que a causou. Esse é o erro recorrente dos moderados quando enfrentam a luta
revolucionária.
cederia a Mauviel e se entregaria aos franceses. Isso era traicio, mas cra
uma traicio pequena, depois do que ele ouvira contar do proprio irmo de
Toussaint, seu subordinado, que hauia dexado Kerverseau entrar, aparente¬
mente sob ordens do proprio Toussaint. Os franceses deram as boas-vindas Dessalines jamais recebeu a mensagem. Mas aquel soldado soberbo e lider

aos oficiais e aos soldados de Toussaint e os trataram como camaradas. As revolucionario era um homem bem diferente de Christophe e do resto. Ele nao

massas so olhavam, confusas, espantadas, sem saber o que fazer. Felizmente precisava de instrucones ou exortaçones para agir de manera apropriada. Quando
para esses chefes desorientados, Toussaint, Dessalines e Maurepas nao deram soube que Port-Républicain fora tomada, sua pele negra empalideceu; insultou

atencio às proclamaçes de Leclerc. Foi isso o que salvou os traidores, pois ferozmente quem estava em volta e urrou de raiva. Uma coisa dessas jamais
as instructes de Napoleo eram explicitas, e, se nao fosse a resistencia desses deveria ter acontecido e tudo era culpa de Toussaint.

assim chamados inimigos da França, as divisas teriam sido arrancadas dos Os franceses tinham a iniciativa e Dessalines no esperou ser atacado.
ombros desses negros idiotas e confiantes.
Marchando para o Sul para encontrá-los, ele fez contato com Lamartinière
Em 10 de fevereiro, Maurepas, que defendia Port-de-Paix, a posicio mais em La Croix-des-Bouquets. Fingindo retirarse para os montes Cabos, ele
forte da costa norte, foi atacado por 1500 homens sob o comando de Debelle colocou os franceses numa pista falsa e correu para Léogane, uma cidade de
e ameaçado pelos canhoes da frota. Recusandose a entregar a cidade, ele se muitos recursos e porto de una planicie fertil e florescente. Boudet enviou
retirou e tomu posicio nas montanas. Mas Rochambeau tomou Fort Dauphin uma diviso em seu encalço, mas Dessalines chegou primeiro em Léogane,
e assim, com excego de Sao Marcos, que estava sob o comando de Dessalines, queimou-a interamente e devastou a planicie. Agora ele estava numa posi¬
quase todo o litoral estava nas más de Leclerc.
co crítica. No podería ir mais para o Sul, de onde Laplume o ameaçava.

272
Os jacobinos negros A guerra da independencia

A diviso que o perseguia eo proprio Boudet barravam a sua retirada em desde o mes de outubro. Napoleo no repatriou os meninos, eos inimigos
Port-Républicain. E novecentos homens desembarcados em Arcahaye colo¬ de Toussaint no tinham escrupulos em tentar voltá-los contra elel. Mas
caram aquela cidade portuária nas mos dos franceses. Apenas as montanhas quando chegou a época da partida da expedicio Bonaparte os chamou,
desconfecidas ofreciam refugio. Dessalines conduziu seus homens para o juntamente com seu tutor, o padre Coisnon. Ele les falou bondosamente,
alto de precipicios assustadores, por caminos inexplorados. Os franceses deu-les presentes, disse les que seu pai era um grande homem e que havia
no conseguiam vê-lo e, depois de uma série de marchas forçadas, ele voltou servido muito bem à França: asseguroules que a expedicio visava apenas
a So Marcos, reorganizou suas tropas e marchou novamente para o Sul para fortalecer Sao Domingos contra os inimigos, afirmoules que os mandaria
encontrar os franceses e impedir que avançassem sobre as suas bases. Boudet com antecedencia, para que contassem tudo isso ao pai e pediu ao tutor que
estava atacando por mar e por terra. Fazendo uso de todos os obstáculos os acompanhasse, pois sua vocacao sacerdotal seria uma ajuda. Ele ordenou
do camino, Dessalines levou Boudet a disputar cada palmo do terreno eo a altos oficiais que os convidassem para jantar. Por algum motivo, os rapazes
avanço dos franceses era continuamente barrado pela artilharia. Na batalla no foram enviados com antecedencia. Eles eo tutor partiram com Leclerc.
final, Dessalines foi derrotado. Mas, depois de una marcha to exaustiva Bonaparte havia dado a este uma longa carta chcia de bobagens, finalmente
e de combates to mortiferos, os homens de Boudet estavam exauridos e assinada por el mesmo, garantindo liberdade para os negros e solicitando
no conseguiram seguir o exercito em retirada. Calmamente, Dessalines a Toussaint que assistisse Leclerc no governo do país (presumivelmente
se refugiou em Sao Marcos. Na praça de armas, ele mantivera una enorme
durante mais ou menos una semana, antes de ser deportado para a Fran¬
fogueira queimando durante dois dias e tinha colocado material inflamável ca), tudo entremado com ameaças caso ele resistisse. Essa carta Leclerc
por toda a cidade e no seu palacio, recem concluido. Acendendo uma tocha, encaminhou a Toussaint pelos meninos e pelo tutor, na esperança de que
com suas proprias más ele ateou fogo à sua casa, enquanto os soldados
as derrotas e traices teriam amolecido Toussainte de que a afeico paterna
faziam o mesmo na cidade. Boudet, como Leclerc, entrou numa cidade em faria o resto. Ao longo de todo o camino, a multido, feliz por ver os fi¬
ruinas. Mas, mesmo cansados e desanimados, os franceses no teriam paz. los do general de volta de Paris, sain às ruas para recepcioná-los, gritando
Dessalines, julgando que a guarnicio de Port-Républicain estaria exaurida, saudaces e abraçando os enquanto cles recitavam suas mensagens de boa
partiu novamente para o Sul a toda velocidade, com a intenço de surpren¬ vontade. Sem que soubessem, eles estavam abalando o espírito de resistencia
der a cidade, tomá-la de assalto e queimála. Enquanto ia de uma parte da
do povo. Toussaint estava fora, mas chegou correndo no dia seguinte à noi¬
ilha para outra, esgotando os desumanos perseguidores do seu povo, aquele
te. Os meninos se atiraram em seus braços, enquanto as lagrimas desciam
antigo escravo, com as marcas do chicote sob o seu uniforme de general,
pelo rosto do severo e velho soldado. Até ento, Coisnon havia-se mantido
chegava rapidamente aquela conclusio que ainda confundia Toussaint.
em segundo plano, mas agora, segundo suas proprias palavras, julgando
ria proclamar a independencia da illa e romper com a França. Os antigos
ter chegado o momento certo, lembrou Toussaint de seu dever para com a
proprietarios de escravos estavam em toda parte, rindo de satisfaço por
França e entregou-le a carta.
causa da expedicio francesa. Ele acabaria com tudo o que era branco, de
Toda a elaborada trama foi um miseravel fracasso. Toussaint, que co¬
uma vez por todas.
necia muito bem aqueles homens, nem se deu ao trabalho de ler a carta
Ele massacrou homens, mulieres e crianças, enfin todos os brancos que
ate o fim. Olhou metade da carta e, quando ia começar a falar, Coisnon
caíram em suas manos. E proibiu que os enterrassem, deixando pilhas de cada¬
principion um demorado encomio a Bonaparte: a amável recepto que dera
veres apodrecendo ao sol, para aterrorizar os destacamentos franceses que se
aos rapazes, a natureza pacífica da expedicio etc. Dessalines provavelmente
arrastavam atrás de suas velozes colunas.
teria fuzilado Coisnon e arrebatado os filos. Mas Toussaint era diferente.

Agora Leclerc tentava dominar Toussaint usando os filos deste como


14 Carta de Toussaint a eles, 22 de Prairial, ano VII, Les Archives Nationales, F. III, 210.
isca. O plano vinha sendo traçado cuidadosamente por Bonaparte em Paris,

274 275
Os jacobinos negros A guerra da independencia

Responde a Coisnon com dignidade. As palavras de Napoleo anunciavam Felizmente para esta narrativa, existe uma série completa de cartas, escritas

a paz; as açes de Leclerc declaravam a guerra: por Leclerc em Sao Domingos, a Bonaparte, ao Primeiro-Consul e ad ministro
da Marinha. Samo documentos inestimaveis para o estudioso de qualquer período
- No meio de tantos desastres e atos de violencia, nao devo me esquecer de
que empunho uma espada. da Historia, mas principalmente do imperialismo:

Se Leclerc desejava a paz, que detivesse a marcha do seu exercito. Preciso muito de reforços. Deveis comprender como é difícil. (.) Já estou

Eles conversaram até tarde da noite, e Toussaint no conseguia conter com seiscentos homens doentes, a maioria das minhas tropas embarcou há

sua indignacio quando comprenden que seus filhos estavam sendo ofe¬ cinco meses. Os cultivos está em boas condices.
recidos como preço de sua rendicio. Ainda assim, naquela noite, com as Acima de tudo, contai com a minha devocao. Muitos que invejavam o meu
lagrimas correndo novamente, ele disse a sacerdote que, embora estivesse comando em Paris teriam sido aniquilados aqui. Provarei à França que vos

disposto a sacrificar sua vida pela liberdade dos negros, ele enviaria seus fizestes uma boa escola.

filhos de volta, para que Leclerc no pensasse que ele os estava mantendo
Tres meses antes de nossa chegada (...) Moise procurou suplantar Toussaint
por coerco ou sob alguma influencia. Dois dias depois, a carta para Leclerc e, para isso, havia começado o massacre de seiscentos a setecentos brancos.
estava pronta e ele a enviou pelos meninos, propondo a suspenso das hos¬
Toussaint o fuzilou e nos livrou dele. (.)
tilidades. Leclerc novamente mandou Isaac e Placide de volta, prometendo
Toussaint me mandou propostas para a suspenso das hostilidades. Eu
que, se Toussaint viesse ao menos conversar com ele, tudo sairia bem. Ele

nomearia Toussaint primeiro tenente. Caso contrario, dentro de quatro no acredito em nenhuma palavra, Ele é o homem mais falso e traicociro

dias, declararia Toussaint um fora da lei. O que ele desejava realmente era do mundo. (.)
ter Toussaint em suas más. á tenho mais de 1200 homens no hospital. Calcule a consideravel perda
Isaac e Placide suplicaram que Toussaint se encontrasse com Leclerc. de vidas neste país (.).
Ele recusou. O que Rigaud, Pétion, Villate, Chanlatte, seus inimigos pes¬ Estou aqui sem comida e sem dinheiro. O incendio de Le Cap e dos

soais, estavam fazendo no exercito frances? Se agora, que os negros tinham distritos, através dos quais os rebeldes se retiraram, priva-me de todos os
algum poder, os franceses os tratavam assim, o que fariam ento quando recursos dessa especie. E necessario que o Governo me envie provisées,
estivessem indefesos:
dinheiro, tropas. Essa é a única manera de assegurar a preservacio de Sao

Mas, movido pelas suplicas dos filos e pelo amor que tinham pela França,
ele afirmo que no tentaria influencia-los. França ou Sao Domingos.
— Meus filos, fazei a vossa escolla. Qualquer que seja ela, sempre vos Leclerc ao Primeiro-Consul, 9 de fevereiro de 1802. As cartas foram transcritas dos ar¬

amare. quivos do Ministerio da Guerra, pelo general Nemours. Ver Histoire militaire de la guerre

d'indépendence. v. II, p. 53-120.


Seu proprio filho Isaac escolheu a França, mas Placide se atirou sobre o
15 de fevereiro de 1802, ao ministro da Marinha.
pai, solucando, e disse que temia pelo futuro, temia a escravido e que lutaria
18 Wad some power... (N. do A.)
com ele. Imediatamente Toussaint le deuo comando de un batalho de seus Verso da última estrofe do poema To a Louse (A um piolho”) do poeta escocès ROBERT

guardas, que ele conduziu em batalha alguns dias depois. Madame L'Ouverture, BURNS.
Wad some Power the giftie gieus
com o instinto feminino da realidade imediata, nao abriu máo de Isaac e
To see ourself as ithers see us
convenceuo a ficare.
It wad fra mony a blinder free us,
An foolish notion.
What airs in dress an gait wad leae us,
An en devotion!
1 LACROIX, Mémoires pour servir. v. I. p. 11926. O poema está escrito en escocès. (N. do T.)

276
Os jacobinos negros A guerra da independencia

Domingos. Aqui no tenho recursos no comercio: os mercadores de Le da igualdade em toda a Europa. Nenhum dos soldados franceses em Sao

Cap so apenas agentes dos americanos, eos americanos so os judeus mais Domingos adivinhava que estava lutando para restaurar a escravido. A

judeus que existem. (. guerra, para eles, era una guerra revolucionária.
Mas os soldados e generais de Toussaint, analfabetos c oriundos da es¬
Leclerc estivera apenas fazendo um jogo com Toussaint. Quando os reforços
cravido, haviam sido moldados pela mesma Revolucio. Um exercito é uma
chegaram, ele fez uma proclamaço colocando Toussaint e Christophe fora¬
miniatura da sociedade que o produz. Se o exercito negro havia tropeçado ante
da lei e se preparou para derrotá los na planicie de Gonaïves. Desfourneaux
os franceses, foi porque a sociedade de Sao Domingos, como um todo, no
deixaria o rio Salée e, passando por Limbé e Plaisance, chegaria a Gonaïves.
sabia o que pensar da expedicio de Leclerc, no conseguia acreditar em seus
Hardy dexaria Le Cap e, por Marmelade e Ennery, desceria para Gonaïves.
vis propósitos. Mas os poucos milares que permaneceram fiéis a Toussaint
Rochambeau deixaria Fort Dauphine, por Sao Rafael, chegaria a Gonaives.
eram a guarda avançada do exercito revolucionario que lutava numa guerra
Humbert e Debelle derrotariam Maurepas e o empurrariam de volta para Go¬
revolucionária. No momento eles estavam em inferioridade numérica. Se por
naïves, enquanto Boudet, vindo de Port-Républicain, cortaria a retirada das
um lado Toussaint tinha a ajuda de alguns dos trabaladores, por outro milares
forças de Toussaint na retaguarda.
de mulatos e os antigos libertos estavam aderindo a Leclere. Mas a liberdade
Toussaint, com metade de seus dezoito mil soldados nas fileiras do inimigo, e a igualdade que os negros aclamavam enquanto iam para a batalla tinham
poderia apenas retardar e dificultar o avanço, devastaro país e privar Leclerc de muito mais significado em suas bocas do que na dos franceses. E numa luta
suprimentos, enquanto se retirava lentamente para as montanas. Ele era um
revolucionária isso vale mais do que muitos regimentos.
soldado bom demais para tentar defender todos os pontos onde Leclere pudesse

desembarcar e esconde municies e mantimentos en lugares estratégicos, de

onde poderia alimentar a maior quantidade possivel de linhas de retirada. Ele


Hardy, chegado de Le Cap, enfrentou Christophe em Bois-Pin no dia 19
investiria contra os postos avançados de Leclerc, faria ataques de surpresa, pre¬
de fevereiro. Hardy deslocou Christophe de sua posicio, mas os franceses tive¬
pararia emboscadas e no daria tregua aos franceses, ao mesmo tempo em que ram o primeiro choque. Christophe, derrotado, retirouse em ordem e tomou
evitaria maiores conflitos. Com a chegada das chuvas, os franceses, esgotados,
posicio em Ennery. No dia 21 de fevereiro, Hardy atacou com aquelle vigor
cairiam vitimas das febres aos milhares, e os negros desceriam e os empurra¬
napoleonico que havia varrido e varreria tudo na Europa, até ser mortalmente
riam para o mar. Mas primeiro ele precisava se desvencilhardo anel de aço que
ferido na campanha de Moscou. Mais uma vez Christophe foi deslocado.
Leclerc estava apertando à sua volta. Mas, ainda mantendo seus homens unidos, tomou posicio em Bayonnais. No
E preciso descrever essa campanha com mais pormenores. As manobras
dia seguinte, Hardy o rechaçou, porem de fato no conseguiu dispersar suas
politicas se baseavam no progresso da guerra e esta era o teste final para o forças. Ainda cobrindo a cidade de Gonaïves, Christophe agora assumiu posicio
povo de Sao Domingos. O exercito de Napoleo no caiu do cu, nem eram em La Coupe-à-Pintades, pronto para enfrentar os franceses no dia seguinte,

os seus soldados o produto de seu proprio genio impar para o comando mili¬ 23 de fevereiro.
tar. Em última análise, eles eram o resultado, um dos melhores, da mudança Toussaint estava em Gonaïves. Ele no aprovava essas batallas. Preferia a
revolucionária na sociedade francesa. O encanto irresistivel, a inteligencia, a
guerrilha e o levante da populacao, mas os que le permaneciam fiés estavam
resistencia e a moral deles provinham da nova liberdade social que se seguiu
ansiosos por enfrentar os soldados de Bonaparte, e Toussaint teve de con¬
à destruicio do feudalismo, bem como a consciencia de que ele, o povo, o

havia conseguido, com sua fé em si mesmo como portador da liberdade e 20 Em 1812. Bonaparte conseguir apoderarse de Moscou, mas aguardou muito tempo para
que o Tzar assinasse um tratado de paz. As tropas napoleonicas tiveram que se retirar, pois
Napoleo temia a proximidade do inverno, razo pela qual iniciou a campana no fim da
primavera. Dos 610 mil homens das forças aliadas, apenas 58 mil regressaram. (N. do T.)
15 de fevereiro de 1802, ao ministro da Marinha. 21 LACROIX, Mémoires pour servir... v. II, p. 228.

278
A guerra da independencia
Os jacobinos negros

Os homens jogavam fora as armas e se atracavam numa luta de vida e morte.


cordar. Plaisance foi rendida traicociramente por Rochambeau, e Toussaint,
Finalmente, no fim da tarde, Toussaint se colocou à frente dos granadeiros,
com seiscentos homens e algumas centenas de auxiliares, apressouse a barrar
num ataque final empurrou Rochambeau para o outro lado do rio e voltou para
o camino de Rochambeau em Ravine-à-Couleuvres. Foi um momento de
grande ansiedade. Sua esposa e a familia, que estavam escondidas num retiro o seu lado. Ambos os lados reivindicaram aquela vitoria, o que continuam a
nas montanhas, tiveram de deixa-lo e Toussaint no sabia onde estavam. Mas fazer até hoje.
ele se preparou para a batalla com o seu habitual descaso pelo proprio destino. No mesmo dia, Christophe havia sido expulso de La Coupe-à-Pintades
Acompanhado somente de um ajudante e dois trabaladores, fez o reconie¬
e Hardy e Leclerc entraram na cidade de Gonaïves. Os outros que estavam
cimento com tal ousadia que um dos seus guias que se adiantou muito foi sendo esperados no apareceram. Humbert, pelo norte, e Boudet, pelo sul, no
capturado por una sentinela e imediatamente executado. Toussaint, ao voltar, haviam conseguido completar o movimento circular. Esse fracasso deveuse a
dirigiu-se ao seu exercito. acontecimentos muito importantes, reais e sintomáticos.

Ireis lutar contra homens que no tem nem fé, nem lei e nem religio. Humbert, com 1500 homens, deixou Port-de-Paix e atacou Maurepas
Eles vos prometeram a liberdade, mas pretendiam escravizar vos. Por que com dois mil homens e um corpo auxiliar de trabaladores, com a intençio

motivo tantos navios atravessaram o mar, senio para colocar grilhoes em vos de empurra lo para a planicie de Gonaïves. Mas Maurepas rechaçou o ataque
novamente? Eles vos desprezam a ponto de achar que sois crianças submissas, e perseguiuo até a cidade com tanta ferocidade que ele teria de embarcar,
e se no fordes seus escravos sereis considerados rebeldes. A Patria, desencami-
se no houvesse recebido a tempo os reforços de um navio de guerra que
nada pelo consul, agora é para voces uma madrasta. (.) Descobri o peito e
estava no porto. Ao ter confecimento disso, Leclerc ordenou a Debelle,
vereis como ele será marcado pelo ferro da escravido. Durante dez años, o que em Le Cap, que levasse 1500 homens para se juntarem a Hardy e desaloja¬
no suportastes pela liberdade? Vossos senhores mortos ou postos em fuga; os
rem Maurepas, empurrando-o na direcio de Gonaïves. Ambos atacaram.
ingleses humilhados pela derrota; a discordia extinta, uma terra de escravido
Maurepas os derrotou e mais uma vez os escoraçon para a cidade, a qual
purificada pelo fogo e desenvolvendose mais bela do que nunca sob a liberdade.
teria caído em suas más se no fosse a frota. Leclerc nao conseguia mais
Esse é o vosso trabalho e esses so os frutos dele. Eos inimigos querem arrancar
conter Christophe e Toussaint. Ele teve de enviar Hardy e Desfourneaux
tudo isso de vossas más. (...)
para salvar Humbert e Debelle. Igualmente desastrosa para os planos de
Ele, que havia lutado tanto para construir, agora falava com orgulho feroz
Leclerc havia sido a atuaço de Dessalines no Sul. Sua ousada concepcio

da destruicio que esperava os franceses por todos os lados. Os franceses en¬ de marcha de retorno em Port-Républicaine a velocidade com que ele a
contrariam o seu destino.
executou foram demais para os franceses. A sorte, um sorte espantosa, foi
— Seus ossos serío espalhados entre essas rocas e montanhas e varridos o que os salvou, como o proprio Lacroix, comandante de Port-Républicain,
pelas ondas do mar. Nunca mais eles vero sua terra natal (.) e a liberdade admitius. Na Provincia Ocidental havia dois bandos de quilombolas, um
reinará sobre o seu tumulo. dos quais liderado por Lamour Derance, cujo nome se tornaria famoso nessa
Entretanto nenhuma palavra sobre independencia. guerra da independencia. Embora negros, eles haviam sido partidarios de
Rigaud e odiavam Dessalines, pois este, quando era comandante do distri¬
Rochambeau, chcio de orgulho racial, achou melhor lembrar aos seus ho¬

mens as vitorias no Tibre, no Nilo e no Reno. Eles nao haviam viajado milhares

de quilómetros para ser derrotados por escravos. O general Nemours, haitiano e grande admirador de Toussaint e que fez um cuidadoso
Ao amanecer, a batalla começou. Foi a batalla mais feroz de toda a
estudo dessa campana, contradiz a tradicional história haitiana. Ele descreve essa batalla
guerra. Toussaint insistentemente investia à frente dos seus homens. Durante como uma derrota de Toussaint. Mas ele bascia suas concluses, entre otros pontos, na
o dia, ele soube que sua esposa e sua familia estavam escondidas perto do suposta traicio de Maurepas. No volume II de sua obra, todavia, ele desaprova a traicio
de Maurepas, com base em evidencias adquiridas depois de ter publicado o volume 1. O
local da batalla.
resultado da batalha, por enquanto, deve ficar pendente. Ver NEMOURS, Histoire mili¬
— Certificate de que les tomem a estrada para Esther, disse ao seu infor¬ taire.... v. I. p. 210-1 e v. II, p. 250-2.
mante. — Tenho um dever a cumprir Mémoires pour servir.... v. II. p. 143. Fui salvo milagrosamente pela boa sorte.

280 281
Os jacobinos negros A guerra da independencia

Leclerc tinha de subjugar os generais negros, mas isso parecia mais remoto
to, havia destruido metade das forças deles em represália a investidas e por
praticaremo vodu, estritamente proibido por Toussaint. De suas fortifica¬ do que nunca. Mas outro golpe de sorte o ajudou. Maurepas, vitorioso sobre
Debelle e Humbert, imaginou que Leclerc agora enviaria mais destacamentos
ções nas montanhas, eles viram Dessalines se aproximando e adivinharam
para subjuga-lo e se preparou para abandonar a sua posicio e fazer contato
o seu intento. Apressaram se a alertar os franceses em Port-Républicaine
com Toussaint e Christophe. Além da recontecida educacao e do caráter de
ofreceram sua submissio e sua aliança. Tanto os franceses como os criou¬

los ficaram atonitos. Lacroix aceitou a oferta, preparou uma emboscada e


Maurepas, ele tinha sob seu comando o melhor regimento de Sao Domingos,
a guarda avançada de Dessalines, com mil homens, foi destruida de um a Nona Brigada, que se gabava de que jamais se rendería.

so golpe. O ataque surpresa de Dessalines estava arruinado, mas mesmo Mas Desfourneaux vivera e lutara sob Toussaint em Sao Domingos,
assim ele marchou para a cidade. Numa primeira escaramuza ele tateou o com os soldados negros. E, enquanto os exercitos de Leclerc atacavam,
terreno e viu que o inimigo estava bem preparado. Assim, decidiu retirarse. Desfourneaux escrevia cartas como esta: Vos me confeccis, comandante An¬
Boudet o havia seguido desde Sao Marcos, mas se saber o que o demo¬ dré, e sabes que ninguém lutou mais ferozmente pela vossa liberdade do que
níaco general negro faria em seguida e completamente exausto permanecen eu. Ercis capitáo sob minhas ordens há cinco anos e sempre vos conduzistes
em Port-Républicain, enquanto Dessalines e Lamartinière rumavam para o bem. O comandante-chefe instruiume para vos dizer que sereis mantido no
Norte para fazer contato com Toussaint, comando caso decida juntar vos a mim e ajudarnos a restaurar a ordem e a
tranquilidade en vosso país. Se concordardes, enviai algum imediatamente
A primeira tentativa de Leclerc falhou completamente. Toussaint,
Christophe e Dessalines tinham suas forças intactas, mantinham as linhas para acertar as cosas. Eu jamais quebrei a minha palavra. Podeis contar co¬
de comunicacio internas e estavam em contato entre si. Essa primeira fase
migo. Desfourneaux pediu a outro oficial de Toussaint que denunciasse as
abominaveis calunias que os rebeldes estavam espalhando sobre as intençes
da campanha revelou a força e a habilidade do exercito local. Dos generais
de Toussaint, apenas dois levaram a cabo a resistencia contra os franceses:
do Governo: “Vos me confeceis. Eu jamais serviria neste exercito se as suas

Maurepas e Dessalines. Ambos tiveram campanhas brillantes e vitoriosas,


operaces tivessem outro objetivo que no o de consolidar a vossa liberdade
Se Toussaint tivesse demitido Agé, colocado Lamartinière no comando de e a salvaguarda de vossas pessos e de vossas propriedades. Destourneaux

Port-Républicain, com ordem de executar os traidores, preparado seu irmo


estava sendo sincero? Isso é irrelevante. O que importava eram as decisoes
Paul para resistir, posicionado Belaire outros nos quais confiava em postos de Leclerce, mesmo que Desfourneaux fosse sincero, quando Leclerc fosse

importantes e ainda tivesse Moïse para convocar os trabaladores da Plani¬ desmascarado, Desfourneaux no se juntaria ao homem que havia enganado.

cie do Norte como nos velhos tempos, os franceses jamais tomariam todas Mas tais apelos eram muito fortes. Se os franceses tivessem vindo apenas
as cidades costeiras e teriam tido muita dificuldade em manter aquelas que para restaurar a autoridade da França, qual o motivo dessa guerra: Mesmo
conseguissem tomar. Igualmente importante foi o fato de que, como o pró¬
ento, Toussaint nao havia declarado a independencia e jamais fez qualquer

prio Leclerc logo reconheceu, as vitorias de um lado ou outro atrariam os pronunciamento oficial claro sobre a intençio de Leclerc de restaurar a¬
indecisos. Sob um forte impulso do exército e dos trabaladores negros, a escravido. A sua correspondencia prova que alguns desses oficiais se revol¬

defecto de homens como Laplume e Clairveaux seria improvável. Entre o taram ao comando inexorável para queimare devastaro país mais uma vez.

estrangero Leclerc, de um lado, e as massas e o grosso do exercito unidos sob


Guibert, que mantinha uma posicio-chave em Gros-Morne, rendeuse e de¬
Toussaint, de outro, eles provavelmente teriam permanecido ficis. Em todas pois, um por um, quando percebiam as dificultades em que as defectes an¬
as revoluces há muitos que hesitam e, embora a aço decisiva possa nao ser teriores os haviam colocado, varios comandantes se submeteram aos franceses.

efetiva imediatamente, a vacilaçio certamente poe todos a perder. Eles eram bem recebidos e confirmados em seus postos. Dessa forma, Mau¬
repas se viu isolado. Ele invectivou seus subordinados traicoeiros e disse-hes

Todavia, mesmo desfalcado como estava, o remanescente do exercito havia


NEMOURS, Histoire militaire... v. II, pp. 230.
feito o seu trabalho no primeiro embate. A estacio chuvosa se aproximava e NEMOURS, Histoire militaire... v. II, p. 231.

282 283
Os jacobinos negros A guerra da independencia

O Governo no deve pensar no dinheiro que está gastando para manter


que queriam tornarse escravos novamente. Se quisessem ter ido, disse
Maurepas, pelo menos deveriam ter le contado, para que ele pudesse retirar a melhor colonia do mundo e preservar aquellas que possui nas Antillas,

suas proprias forças a tempo. Obviamente, aqueles oficiais no desejavan pois é aqui e agora que está sendo decidida a questo de saber se a Europa
ser escravos novamente e a luta ainda parecia ser uma questo de escolhero lado poderá preservar qualquer colonia nas Antillas.
que preferiam.
Maurepas agora poderia ficar e ser aniquilado, ou juntarse aos franceses
e manter o seu comando. Ele se renden. Leclerc o recebeu calorosamente, No interior, perto de Petite-Rivière, fica o forte de Crête-à-Pierrot, que
como era de esperar. As massas no Norte se movimentavam, mas a rendicio domina a entrada das regies montanhosas de Cahous, onde Toussaint
de Maurepas interrompeu o progresso e o desenvolvimento da nova marcha mantinha suas forças naquele momento. Ele no possui grande protego
de insurreico que Boyer (...) e o contra-almirante Magon mal conseguiam
natural, pois se situa em terreno com elevacio de apenas cem metros, mas
refrear com os soldados da artilharia e a frota com a qual foram reforçados
é muito bem fortificado. Na confusio que se seguiu aos primeiros sucessos
A hesitacio dos líderes estava aniquilando o ardor revolucionario de todos
dos franceses, os negros o abandonaram. Dessalines e Lamartinière, mar¬
a cada momento. Continua Lacroix: Foi graças ao efeito moral produzido
chando para o Norte a partir de Port-Républicain, estavam prestes a arrasá-lo
pela rendicio de Maurepas que o capitáo-general Leclerc teve a possibilidade
quando Toussaint os impediu. Ele havia se livrado de Rochambeau depois
de perseguir a revolta de Toussaint L'Ouverture até seu último reduto”. Pior
da batalla de Ravine-à-Couleuvres. Ele enviara algumas tropas para atrair
ainda: para provar lealdade, Maurepas estava determinado a limpar o país
Rochambeau, o general francés as perseguiu e foi conduzido num grande
das brigadas: ou seja, das massas revoltosas. Aquele era agora o seu dever.
Leclerc cuidadosamente o cercou de tropas brancas e Maurepas nao tinha círculo pelos montes Cabos, mas as tropas desapareceram depois de alguns

outra escola. Para enfraquece-lo, Leclerc distribui alguns de seus homens dias de perseguicio. Enquanto isso, Toussaint retirou suas forças principais
por otros regimentos, para que as massas se vissem perseguidas e rodeadas e chegou bem a tempo de encontrar Dessalines e traçar novos planos com

pelas tropas brancas, auxiliadas pelos homens que até ento cram seus mais
seus generais. Ardendo em febre, em inferioridade numérica e cercado, ele
pertinazes defensores. estava prestes a tentar o golpe mais audacioso de toda a guerra, numa nova
ofensiva, e queria que Crête-à-Pierrot fosse mantido. Confiou o forte a
Dessalines. Os homens que agora estavam com ele jamais se submeteriam
aos franceses e o seguiam, parte por convicto política e parte por lealdade
Fortalecido moral e materialmente, Leclerc começou outro movimento que
pessoal. Entre eles havia mulatos e negros, mas ele les falava como se todos
deveria convergir sobre Toussaint, Christophe e Dessalines em Verrettes, em
lugar de Gonaïves. Maurepas, ao invés de um inimigo vitorioso, era um aliado; fossem seus filhos:

e Boudet, fortalecido, estava a camino, vindo de Port-Républicain. Leclerc Sim, sois todos meus filos, desde Lamartinière, que é quase to branco
estava ficando ansioso. quanto os brancos, mas que sabe que tem sangue negro nas vejas, até Monpoint,

Eu sou o senhor do Norte, mas quase tudo foi queimado e no posso cuja pele é igual à minha. Eu confio a vos este posto.

contar com os recursos daqui. Existem trabaladores reunidos e armados


Eles responderam que Toussaint poderia confiar neles, vivos ou mortos;
em vinte pontos. entano, à frente de poucas centenas de soldados, Toussaint partiu para o Norte.
Passaria pelas forças de Leclerc que avancavam para sublevar e organizar os
Os rebeldes ainda comandam uma parte do lado orientale queimaram
trabaladores. Por meio de ameaças ou cortando a longa linha de comuni¬
as posites que no conseguiram manter; no momento no posso contar
caçao dos franceses, faria Leclerc alterar seus planos ou levaria confusio às
com os suprimentos de la. (.)

LACROIX, Mémoires pour servir., v. II, p. 48. 27 de fevereiro de 1802. Ao ministro da Marinha.

284 285
Os jacobinos negros A guerra da independencia

suas forças. Doze años depois, na campanha de 1814, a maior de todas as suas enlameadas, o chapeu furado por una bala, patrulhava os baluartes, como
campanas, Napoleo tentaría una manobra idéntica em face dos aliados binoculo na mano. Ele havia espalhado pequenos destacamentos de batedores
que pululavam em Paris. em volta do forte, esperando a aproximacio dos franceses com os reforços.
Ao receber as noticias de Debelle, Leclerc sabia que Crête-à-Pierrot tinha
que ser tomada o mais rapidamente possivel e ordenou uma concentraço
de todas as suas tropas. Boudet chegou primeiro. Dessalines, nos baluartes,
Dessalines assumiu a defesa. Montou um reduto a certa distancia de
colocou um barril de polvora perto de onde estava e, com uma tocha acesa
Crête-à-Pierrot, deixou destacamentos para manter ambas as posites e
na mo, mando que partissem aqueles da guarnicio que desejavam tornar¬
sain para se encontrar com Debelle, que se dirigía para o Sul, a camino de
se escravos dos franceses.
Verrettes, com a intenço de fazer contato com Boudet. Dessalines nao aceitou
- Scremos atacados. Se os franceses colocarem os pés aqui, mandarei tudo
o combate e se retirou para Crête-à-Pierrot, mantendo suas forças pouco à

frente do seu perseguidor Debelle. Quando chegou ao fosso que circundava pelos ares!

a fortaleza, Dessalines pulou nele, seguido por todos seus homens, deixando A uma só voz a guarnicio responde:
os franceses expostos. Uma tremenda carga de tiros vinda da fortaleza os Morreremos pela liberdadel
derrubou. Quatrocentos homens pereceram e dois generais foram feridos. Boudet enviou um mensageiro, mas Dessalines nao queria ouvir mentiras
Retirando se apressadamente, tomaram posicio do lado de fora do forte e eo fuzilou, depois do que Boudet mobilizou um dos destacamentos. Os ne¬
pediram reforços a Leclerc. Dessalines entro no forte e completou os prepa¬ gros recuaram até chegar ao fosso, depois pularam dentro dele e uma terrivel
rativos para a defesa. Mas a sua mente simples já havia descoberto a solucio carga de artillaria cortou os franceses em pedaços. Com os franceses batidos
e, ao contrario de Toussaint, contou aos homens o que pretendia. Enquanto e Boudet ferido, Lacroix deu a ordem de retirada, deixando o chao coberto
montavam a defesa, conversava com eles.
de mortos e feridos. Enquanto se retiravam, Dugua, chese do Estado maior,
Tende coragem, eu vos digo, tende coragen. Os franceses no poderio acompanado por Leclerc, chegou com a sua diviso e dirigiu suas tropas para
ficar por muito tempo em Sao Domingos. No começo eles se sairao bem, mas a fortaleza. Quando alcançaram o fosso, o fogo implacável da artilharia de

logo ficario doentes e morrero como moscas. Ouvi! Se Dessalines se render Dessalines foi demais para eles. Eles hesitaram ca guarnicio, quando viu isso,
a eles cem vezes, cem vezes ele os enganará. Repito, tende coragem e vercis soltando urros, jogou tábuas através do fosso e, com os tambores anunciando

que, quando os franceses forem poucos, esgotá los emos e derrota-los emos, o ataque, perseguiram os franceses que fugiam. Estes se voltaram e atacaram
queimaremos as colheitas e iremos para as montanas. Eles no conseguiro com as baionetas. Os negros pareciam voar na frente deles. Mas foi só para se
defender o país e tero de partir. Ento eu vos tornarei independentes. No jogarem no fosso novamente e, quando o fizeram, o fogo da fortaleza dizimou as
haverá mais brancos entre nos fileiras dos franceses. Dugua recebeu dois ferimentos, Leclerc feriuse levemente
e os franceses perderam quase oitocentos homens. Alguns dias depois, chegou
Independencial Era a primeira vez que um lider pronunciava essa palavra
Rochambeau, que, havendo perdido Toussaint de vista, trazia tropas frescas e
na frente dos seus homens. Aqui no se tratava apenas de un programa, mas
prontas para a batalla. Foi avisado das duas derrotas anteriores. Mas, depois de
de uma tática. Os mentirosos e traicoeiros, Bonaparte e Leclerc, finalmente
haviam encontrado un adversario à altura.
ter silenciado o fogo do reduto de Lamartinière com um intenso bombardeo,
ele o atacou, comandando pessoalmente a sua diviso. Foi rechaçado e ferido
Enquanto Dessalines permanece em Crête-à-Pierrot, Lamartinière e sua diviso perdeu trezentos homens.
assumiu o comando do reduto. Sua esposa Marie-Jeanne o acompanhava
Os franceses, portanto, perderam 1500 homens em Crête-à-Pierrot.
e tomo parte na defesa. Dessalines, nu da cintura para cima, com botas
Sob o comando de Leclerc, agora doze mil soldados cercaram os mil c

duzentos homens do forte. Dessalines havia partido para convocar os tra¬


28 SANNON, Histoire de Toussaint-Ouverture, v. III, p. 121. baladores nos campos, entretanto a guarnicio dera a sua palavra de que

286
Os jacobinos negros A guerra da independencia

no se rendería. Inflamados pela determinacao e pela coragem do seu lider, Era evidente que nos no inspirávamos mais um terror mortal, e essa é a

os sitiados levantaram banderas vermelhas nos quatro cantos da fortaleza, maior desgraça que pode recair sobre um exercito. Lacroix podia notar na
demonstrando que no aceitariam nem dariam treguas. populacao o efeito do desafio indomável ao famoso exercito do Primeiro-Consul.
A posicio política desonesta do exercito frances agora cobrava o seu preço,
Os soldados ainda se viam como una armada revolucionária. Mas à noite eles
ouviam os negros na fortaleza cantando a marselhesa”, a ça Ira e outras
Com as guarnices negras rechaçando todos os ataques e desafiando um
cances revolucionárias. Lacroix relatou que aqueles miseráveis extraviados
número de inimigos dez vezes maiore com Toussaint viajando velozmente para
estremeciam e olhavam para seus superiores quando ouviam as musicas, como
o Norte para cortar as comunicaces de Leclerc, os prazos de Bonaparte se
se dissessen: “Será que os nossos inimigos barbaros tem a justiça do seu lado?
esgotavam e Leclerc estava muito, muito nervoso. Encontravam se em meados
Será que ja nao somos mais os soldados da República francesa? E será que nos
de março e a estacao chuvosa se aproximava. Leclerc febrilmente ordenou aos
tornamos meros instrumentos politicos?"
seus homens que fortificassem suas posites. Pétion estava no exercito atacante
Um regimento de poloneses, recordando sua propria luta pelo nacionalis¬
comum corpo de mulatos e antigos libertos e foi ele que descobriu um meio de
mo, recusou-se a tomar parte no massacre dos seiscentos negros, ordenado por
investir contra a fortaleza com materiais locais. Mas a luta e o trabalho duros
Leclere. Mais tarde, quando Dessalines reorganizou seu exercito local, deno¬
naquele clima estranho esgotavam os soldados franceses. No foi assim que
minou um dos regimentos de regimento polaco.
eles haviam vencido na Italia, no Egito, nos Pireneus e no Reno. Dessalines,
Toussaint no tinha piedade dos brancos locis, mas tratava os prisioneiros
atacando suas linhas a partir das colinas próximas, mantinha-os constantemente

em alerta. Sujeitos a essa tenso incessante, seriam vitimas fáceis da febre na franceses com cortesia e atences, falava frequentemente com eles e explicava a
estacio chuvosa. sua posicio. Mais tarde, quando o exercito se dessez, alguns soldados desertaram
para os negros. Só o que faltava era que um destacamento altamente politizado
E aqueles negros eram inimigos surprendentes. Possuam a organizacao
de jacobinos brancos lutasse nas fileiras dos negros e chamasse os soldados de
e o treinamento de um exercito e, ao mesmo tempo, confeciam todos os
Leclerc para passarem para o outro lado.
truques e artimanhas da guerrilla. Um negro surgiu no meio dos soldados
Mas a guarnicio no tinha dúvidas nem escrupulos. Quando ficavam
de Boudet dizendo ser desertor. Quando foi interrogado, parecia estar em
sem agua, colocavam bolas de chumbo na boca para enganar a sede insu¬
pánico. Mas era un espio e, quando soube tudo o que queria saber, correu

para fugir. Boudet, que foi o primeiro a perceber o movimento, tento dete-
portável. Ninguém se quixava. Os oficiais pediam ao chese das ambulan¬
cias que les desse doses de veneno para que no caissem vivos nas más
lo, mas o negro quas arrancou seu polegar com uma mordida. Depois,
dos franceses. Os feridos pediam aos companheiros que os matassem caso
atirando se embaixo das pernas de um cavalo, derrubou os soldados que
tivessem que se retirar.
queriam prenderlo, pulou no rio e escapou no meio de uma saraivada de
Os franceses, muito bem municiados, iniciaram um bombardeo de
balas. Acabou sendo alvejado, pois quando chegou na outra margem caiu,
mas alguns companheiros seus o levaram. tres dias com a intençio de transformar em poira o forte e o reduto. Seus
aliados negros e mulatos representaram um apoio importante. A habilidade
O assassinato de todos os brancos por Dessalines já estava fazendo efeito.
de Pétion como artilheiro alvejava uma bala de canháo depois da outra na
Os soldados franceses retaliavam e Leclerc e seus generais executavam os pri¬
fortaleza. Quando seus homens reclamaram que sempre eram colocados na
sioneiros, centenas de negros de cada vez; só de uma feita fuzilaram seiscentos
frente, ele os repreenden:
deles. Os trabaladores negros, ainda que no atacassem, eram hostis as inva¬
sores brancos. Observavam os movimentos à distancia e atiravam nos flancos.
Quando os franceses enviavam um destacamento para dispersalos, eles fugiam.
29 LACROIX, Mémoires pour servir., v. II, p. 1612.
Tao logo os soldados se retiravam, os trabaladores reapareciam.
30 bid., p. 164.

288

A
Os jacobinos negros A guerra da independencia

— Miseráveis disse ele em voz baixa, como se tivesse vergonha de ser ouvido reforços de Plaisance e o proprio Toussaint partiu para enfrenta-los. Para
pelos franceses. — Vos no vos sentis honrados de serdes enviados em primeiro seu espanto, ele viu avançando contra si soldados com o uniforme da Nova

lugar: Calaivos e vinde atrás de mim. Brigada, o corpo de elite sob o comando de Maurepas. Imediatamente

Lacroix pediu a Bodin, aquele valoroso negro, que defendesse um ponto. percebeu o que havia acontecido. Cavalgando sozinho até a alguns passos
de distancia do regimento, elle les falou:
— No vos preocupeis, general, foi a resposta. — Eles só o tomará quando
eu estiver morto. — Soldados do Nono, ousario atacar vosso general, vossos pais e vossos

Lacroix, nervoso por ver outro oficial numa posicio difícil, pediue que irmos?

tivesse animo. Os soldados negros caíram de joelhos na frente dele, e foram recon¬

— No fiqueis preocupado, generall replicou Henin. — Durante dez anos quistados.


Mas os europeus que estavam com eles atiraram em Toussaint. Seus pro¬
combati alegremente pela República. Por que no o faria durante quinze mi¬
nutos por amigade? prios soldados correram para protege-lo. Naquele momento, um jovem oficial
Teria sido difícil, em quisquer circunstancias, arrancar as divisas dos entregou a Toussaint uma carta de Dessalines e foi alvejado, vindo a falecer nos

ombros desses negros, ambos majores; mas teria sido ainda mais depois braços de Toussaint. O capitáo dos drages foi ferido gravemente ao seu lado
dos servicos que prestaram com to cortes e elegante lealdade. A cada dia e, carregando-o em seu cavalo, Toussaint o levou embora.

se juntavam mais dificultades no camino das claras e precisas instruces A carta de Dessalines relatava que Crête-à-Pierrot e o reduto estavam sitiados
de Napoleo.
por forças to numerosas que no poderia socorre-los. Toussaint abandonou
o projeto de marchar contra Le Cap e mando dizer a Dessalines que estava

voltando para socorrer o forte.

Toussaint havia iniciado com pouco mais de mil homens, mas, ao Mas Dessalines no podia esperar. No dia 24 de março, tercero dia dos
passar, ele sublevava os trabaladores, os quais se aproximavam à vista dele bombardeos, os franceses capturaram um homem e uma mulher negros. O
e ao som de sua voz possante. Ele apareceu diante de Ennery e a guarni¬ homem afirmo que era cego, so se via o branco dos olhos e ele mal podia
ço fugiu. Leclerc enviou Hardy para perseguirlo. Toussaint lançou uma andar. A negra velha disse que ele era surdo tambem. Suspeitando que fossem

cortina de tropas que levou Hardy na direcio errada, fazendoro descrever espions, os franceses os espancaram implacavelmente, mas eles apenas choravam
um circulo e, no fim, encontrou-se sem tropas contra as quais lutar, como e gemiam, sem dizer nada, e ficaram parados como se no pudessem se mexer.
Rochambeau. Ele ordenou a Christophe, que estava nos distritos montanho- Lacroix, em sua ronda, ficou com pena deles e pediu que fossem liberados.
sos de Petite-Rivière, que fosse para Grande-Rivière, no Norte, e mantivesse Mas elles so se levantaram quando os franceses ameaçaram atirar. Assim que
aberta a estrada para Le Cape para a parte espanhola da illa. Em Marmela¬
se viram fora do alcance dos franceses, começaram a dançar e correram para o
de, Grande-Rivière, Dondon, Port-Français, seus proprios distritos nortistas,
forte para dar a ordem de evacuar a Dessalines.
cujo espírito ele havia abalado to cruelmente, os trabaladores estavam se
Ao anoitecer, Lamartinière deixou o reduto e se juntou à força principal.
juntando. Um de seus seguidores defendia as montanhas de Limbée outro,
Restavam apenas oitocentos homens, mas eles tentariam abrir camino. Magny
as montanhas em volta de Plaisance. Desfourneaux defenden a propria
era o oficial superior de Lamartinière, mas em momentos de crise o que vale é
Plaisance, guardando as comunicaces de Leclerc com Le Cap. Se Toussaint
o mérito e, por unanimidade, Lamartinière assumiu o comando. Entre oito e
tomasse Plaisance, ele se uniria a Christophe e Maurepas, sublevaria toda
nove da noite, os homens da guarnicio se jogaram sobre a diviso de Lacroix.
a Planicie do Norte, capturaria Le Cap e, com sua autoridade restaurada
Fortificaçones poderosas e um fogo cerrado os barraram. Revertendo a tática su¬
no Norte, apanharia Leclerc pela retaguarda. Ele fez seu primeiro ataque
bitamente, recuaram e atacaram a diviso de Rochambeau. Conseguiram passar
ao forte Bedourette, comandando a carga com sua espada desembainhada,
e Rochambeau fugiu para o mato próximo para salvar a vida. Lamartinière
como de costume. Enquanto a batalla prosseguia, Desfourneaux enviou
Os jacobinos negros A guerra da independencia

Magny, com setecentos soldados, juntaram se a Dessalines, tendo conseguido Com a queda de Crête-à-Pierrot, Leclerc acredito que no precisava
um dos feitos de armas mais notáveis da época.
mais continuar em bons termos com os mulatos. Na ansia de cumprit

Toussaint chegou tarde demais ao forte. Ele no sabia que a evacuacio ja pelo menos algumas das instruges de Napoleo, mandou prender Rigaud
e sua familia e enviou-os para a França. Foi dada uma desculpa esfar¬
tinha sido feita. Ao fazer o reconfecimento, detectou uma falha na disposicio
das forças de Leclerc e planejou atacar o seu quartel general e prende lo com rapada para justificar essa acao, mas no convenceu ninguém. Quando

todo seu pessoal. Ele mostrava-se ousado e incansável como sempre, mas a Rigaud subiu a bordo, um oficial comunicou-he que era prisioneiro e pediu
que entregasse a espada. Rigaud, num movimento indignado, atirou-a ao
sua política ainda estava atrasada en relacio aos acontecimentos. Se tivesse

capturado Leclerc e seus oficiais, estes seriam enviados de volta à França mar, num reconfecimento involuntario da enorme tolice que havia come¬
com um relatorio sobre a conduta de Leclerc e Toussaint teria solicitado tido quando desertou de Toussaint para Hedouville. Ao chegar na França,
ao Primeiro-Consul que mandasse uma pessoa digna de confiança, à qual seria aprisionado. Rigaud partiu e Pétion era agora o lider dos mulatos. Ele

pudesse entregar o Governo. Aparentemente, ele ainda esperava que, se derro¬ só soube da deportaço de Rigaud, ao que parece, quando leu a noticia
tasse Leclerc, Bonaparte enxergaria a razo e a valiosa conexo com a França afixada na porta da casa de Lacroix em Port-Républicain. Só ento, ao que
seria mantida. Mas a ocasio para isso já havia passado. Dessalines havia parece, Pétion comprenden o que Toussaint ja havia comprendido ha
pronunciado a palavra independencia. Magny, Lamartinière e a guarnicio tantos anos. Madagascar, ou seu equivalente francés, ainda era una possi¬

de Crête-à-Pierrot nao haviam desafiado Leclerc e sim a França. Toussaint bilidade. Pétion, como Toussaint, era um homem excepcionalmente calado,
ainda pensava em termos do decreto de 4 de fevereiro de 1794. A revolucio mas, ao ler a noticia, comentou em voz alta o bastante para ser ouvido pelos
negra já o havia dexado para trás. oficiais franceses:

— Valeu a pena fazer com que ele viesse até aqui para ter, como nos, esse

desapontamento.
A captura de Crête-à-Pierrot foi uma grande vitoria de Leclerc, mas uma Os mulatos começavam a abrir os olhos.
vitoria que tinha custado caro demais. A guarnicio escapara com a perda de Toussaint apenas lamentouse pelo equivocado Rigaud:
menos da metade de seus homens, Leclerc perdeu dois mil soldados, alguns dos
Foi para me contrariar que les trouxeram esse general para cá. Náo é
scus oficiais estavam gravemente feridos (Dugua estava à morte) e ele entro no

forte para encontrar apenas os feridos, o canháo danificado e a munico e os para me favorecer que o esto deportando. Lamento sua sorte.

suprimentos destruidos. Leclerc pediu aos oficiais que diminuissem o número Por que motivo ele no procurou entrar em contato com Pétion para propor-

he um pacto de independencia? A prisáo de Rigaud, o lider deles, havia atur¬


de baixas em seus relatorios, mas mesmo assim Bonaparte ficou profundamente
comovido com as perdas desastrosas diante de Crête-à-Pierrot e mando que dido todos os mulatos. Mas Toussaint, mesmo enquanto atormentava Leclerc,
isso fosse comunicado. secretamente buscava uma forma de chegar a um acordo com ele, acordo esse

Leclerc enviou Rochambeau e Hardy ao Norte, para manter e fortifi¬ que Leclerc logo aceitaria de bom grado.

car suas comunicaces com Le Cap. Ele pediu a Lacroix que entrasse em Mas Leclerc tinha novamente a esperança de obter uma vitória fácil. No

Port-Républicain de manera a desfazer a má impresso que hauia sido cria¬ día 5 de abril chegou a Le Cap um reforço de 2500 homens e ele mudou de

da na populaçio pelos repetidos contratempos en todo país e as perdas em


tática. Atacaria os líderes negros isoladamente, em suas fortalezas nas monta¬
Crête-à-Pierrot. Lacroix dispos seus homens em duas filciras en vez de tres, as nas, fazendo uso de algumas das novas tropas, e cercaria os velhos soldados
seçes marchavam bem distantes umas das outras e todos os oficiais estavam de Toussaint. Se no pudesse destruí los de una vez so, ele o faria aos poucos.

montados. Atrelou a artilharia a animais que le haviam sido enviados. Ele Dessa forma, Hardy tentava expulsar Christophe de Dondon. Mas Christophe
distribuit esses armamentos entre as suas colunas e, por meio dessa cuidadosa o empurrou novamente para Le Cap, vingando se da derrota anterior nas más
camuflagem, sua entrada em Port-Républicain teve o effeito moral pretendido, de Hardy. Boyer atacou Sans-Souci, mantendo a fortaleza de Santa Suzana e
ou pelo menos foi o que pensou. os distritos em volta. Os negros nas forças de Boyer desertaram e Sans-Souci

292


Os jacobinos negros A guerra da independencia

prende todos os brancos que no foram mortos. Clauzet atacou Marmelade. Leclerc estava numa situacio ainda por do que a revelada em sua carta.

Os negros o rechaçaram e fizeram inúmeros prisioneiros. Era o final de abril, começo da estacio das chuvas, e Toussaint estava muito

bem posicionado. No Norte, inflamados pela marcha audaciosa de Toussaint,


Ao ler os relatos ingleses e franceses das operaces em Sao Domingos,
os negros ento affluam e reforçavam o exercito regular com métodos de
pode-se acreditar que, se nao fosse a febre amarela, eles teriam sido vitoriosos
com facilidade. Mas até abril no houve febre amarela. Toussaint havia perdido guerrilla. Atacavam as colunas francesas por todos os lados, sem descanso,
desaparecendo subitamente e reaparecendo quilómetros depois. Colocavam
mais da metade de suas forças mesmo antes de a campanha começar. Leclerc
pedras enormes acima das estradas e as jogavam nos franceses que passavam
sublevara milares de soldados negros e algumas das tropas de Toussaint luta¬
no lado de baixo, rolavam rochas pelos precipicios e pelas montanhas para
ram com ele. Todavía, nas oito semanas de fevereiro e março, dos dezessete mil
espalhar a confuso entre eles. Cavavam fossos nas estradas, cobriam nos com
veteranos franceses que haviam desembarcado, cinco mil estavam nos hospitais galhos e os cavaleiros franceses caíam dentro deles. Bloqueavamos caminos
e outros tantos haviam morrido e o primeiro período ainda nao estava completo.
com arbustos espinosos e arvores.
A guerra até a morte, e a caçada aos generais negros que no se apresentassem
E, enquanto os franceses lutassem para se desvencilhar desses obstáculos,
para ser deportados foi um fracasso total.
os negros que os espreitavam das arvores vizinhas, dos arbustos e de outeiros

A estacao chuvosa havia começado. Minhas tropas estavam exaustas de cuidadosamente escollidos, poderiam apanha-los sem pressa. Macaya, em
fadiga e doentes. (...) Os distritos de Grande-Rivière, Dondon e Marme¬ Limbé; Sylla, nas montanas de Plaisance; Sans-Souci, em Santa Suzana

lade so impraticáveis nesta estacao chuvosa. Eu só conseguiria mante-los e Vaillière; Dessalines, em Marchand, no Artibonite; Charles Belair, em

com um corpo de quatro a cinco mil homens. No seria possivel alimenta¬


Calvaire e Plassac, perto de Crête-à-Pierrot, guardando a entrada para os

10. montes de Grand Cabos, todos esses generais & sequazes eram absolutamente

devotados a Toussaint, em posites inexpugnaveis e prontos para lutar contra


os franceses at a morte.

O infatigavel Toussaint nao estava servindo aos britanicos mas, no mo¬


Tentei diversas vezes fazer com que Toussaint e todos os generais se
mento, preparava a ofensiva temida por Leclere. Planejava lançarse contra os
rendessem. (...) Mas, cidado ministro, mesmo se en conseguisse faze-lo,
franceses en quatro pontos: Dessalines tomaria Marmelade, Belair se juntaria
no poderia adotar aquelas medidas rigorosas necessarias para assegurar
a ele e ambos atacariam Crête-à-Pierrot, Vernet, um mulato que havia perma¬
à França a posse indiscutivel de Sao Domingos, sem ter aqui 25 mil eu¬
necido fiel, tomaria Gonaïves e o proprio Toussaint tomaria Plaisance e Limbé.
ropeus armados. Mas desde o começo Toussaint considerava essa guerra um desastre. Ele teria
Já vos apontei, cidadano ministro, as dificuldades de minha presente posicio. preferido chegar a um acordo com Leclerc, e este agora, sem ter conseguido o
Podeis avaliar facilmente o que aconteceria se irrompesse uma guerra com seu intento de prender e deportar os generais negros, tambem estava ansioso
os ingleses. Eles infestariam as nossas costas. No perderiam oportunidade para parlamentar.
de interromper as minhas comunicaces por mar atacando e bloqueando Em vez de repudiar os franceses, procurando entrar em contato com

o quebra-mar. Prestariam assistencia aos insurgentes, que, por sua vez, os mulatos, alguns dos quais haviam permanecido com o seu exercito, e

adquiririam uma nova preponderancia e, en lugar de sua atual posicio conclamando todos a lutar pela liberdade, pela propriedade dos brancos
defensiva, passariam à ofensive. e pela independencia, Toussaint respondeu à carta de Bonaparte e enviou

essa resposta a Boudet. Nela, ele assegurava ao Primeiro-Consul devoco e

submissio e fingiu acreditar que Leclerc agira contrariamente às instruges

dele. Caso este enviasse outro general para assumir o comando da colonia,
19 de abril de 1802. Ao ministro da Marinha. tudo sairia bem. Caso contrario, continuando a resistencia, Toussaint apenas
32 21 de abril de 1802. Ao ministro da Marinha.
estaria ajudando Leclerc a fazer todo o mal que pudesse. Com essa oferta,

294 295
Os jacobinos negros A guerra da independencia

ele daria a Bonaparte a oportunidade de se retirar com dignidad de una conciliatório; ele usou Christophe como intermediario e informou a
expedicio malsucedida e enviar outra pessoa para propor uma nova relacio
Toussaint que o dia em que se submetesse às ordens da República seria um
com a França, como queria Toussaint. Ao mesmo tempo, com aquela nova
dia notável. Toussaint enviou-The très ajudantes de campo e o seu secretario
ofensiva a todos os pontos, Toussaint levaria o terror ao coraço de Leclerce e, depois de uma conferencia que durou varias horas, a rendicio foi combi¬
ao dos franceses, forçando os a uma trégua. Isso era magnífico como diplo¬ nada, com tres condices: liberdade irrestrita para todos em Sao Domingos,
macia, mas desastroso como política revolucionária. A descida das alturas da manutenço dos cargos e funçes de todos os oficiais nativos e garantia de
liderança revolucionária para os charcos da traicio e sempre tuo ingreme e que Toussaint manteria todo o seu Estado maior e poderia se retirar para
escorregadia que todo lider, por mais bem intencionado que seja, nunca será onde quisesse no territorio da colonia. Bonaparte havia ordenado expressa¬
cauteloso em excesso. mente que no fosse deixado nenhum oficial com patente acima de capitáo
em toda a illa. Toussaint se submeteria apenas com a condicio de que todos
Toussaint de permisso a Christophe para negociar com Leclerc, lia
as cartas de ambos e supervisionava as respostas daquele. Leclerc propos a os oficiais fossem mantidos, no apenas em suas patentes mas tambem em
suas funçes. De que manera cuidadosa os imperialistas cultivam a fantasia
Christophe prender Toussaint. Christophe, indignado, rejeitou a traicio.
de que as tropas nativas no servem para nada, a menos que estejam sob o
Leclerc compreendeu que havia ido longe demais e propos uma entrevista com
comando de oficiais brancos! Bonaparte desejava decapitar o exercito trei¬
Christophe. Toussaint disse a Christophe que ouvisse o que Leclerc tinha a
nado e era exatamente esse exercito que Toussaint desejava manter. Apesar
dizer e ele foi. Leclerc assegurou-he a sua boafé, prometen mante-lo e a todos
os seus oficiais em seus commandos e Christophe se renden.
da rendicio, a vitoria ainda estava com Toussaint. Ele teve uma entrevista
com Dessalines e Charles Belair, seu sobrino, e os persuadiu a se renderem
Poi um golpe terrivel para a revolucio. Quando Toussainte os otros o
tambem. Nada mais havia a fazer e eles concordaram. Lamartinière, Magny
reprenderam, Christophe, homer que notoriamente apreciava os confortos
e todo o exercito juntaram se aos franceses.
da vida, replico que estava cansado de viver no mato como un guerrilheiro.
Christophe foi considerado culpado erroneamente. A culpa era totalmente O exercito frances inteiro ficou tano satisfeito quanto atonito com aquela paz
repentina. Lacroix e um outro oficial, Lemmonier-Delafosse, testemunharam
de Toussaint. Sua combinacio de ofensivas ferozes com negociaçes secretas
o alivio dos franceses com essa rendicio inesperada. A força de Toussaint era
era un método tortuoso demais para Christophe. Essa é uma política ade¬
to evidente que, embora eles estivessem envergonhados por terem de negociar
quada a una guerra entre dois Estados e no a uma guerra revolucionária.
E verdade que as massas no tinham confecimento das negociacies, mas nesses termos, faziam no de bom grado. Tambem nao era segredo as humi¬
haces e temores provocados pelo comportamento de Toussaint. Em nenhum
o que importava eram os resultados. Christophe havia sido escravo, foi um
momento ele agiu como um comandante derrotado. Leclerc escreveu le cartas
homem da revolucio e um dos partidarios mais leais de Toussaint. Se ele
lisonjeras e convidouo para um encontro em Le Cap. Sem avisalo, Toussaint
se rendesse aos franceses, por que os trabaladores negros continuariam
entrou de repente na cidade no día 6 de março, com seu Estado maior e uma
lutando? Mais uma vez, as massas receberam um golpe contundente, no
compania de dragoes, acompanado pelo general francés Hardy. Algunas
das balas do inimigo, mas de quem as massas em geral as recebem, de seus
proprios lideres amedrontados. pessos o apuparam, e Toussaint disse a Hardy:
Assim so os homens. Eu os vi aos meus pés, esses que me insultam. Mas
Juntamente com Christophe, renderam se 1200 soldados, cem canhoes,
muita munico e dois mil habitantes brancos. Limbé e Port-Français
logo eles se lamentario.
passaram para as mos dos franceses sem que um tiro fosse disparado, e
Logo eles se lamentario? O que Hardy pensaria disso? Mas a maioria do

Marmelade foi deixada desguarnecida. Mas Leclerc agora estava com muito
povo em Le Cap sain às ruas para aclamálo. Saudavam no como libertador;
medo de Toussaint e prefería negociar a lutar. Toussaint nao estava nem

um pouco deprimido. Numa carta, disse a Leclerc que o dano que havia
O general Nemours relacionou muitas evidencias de opiniones militares francesas sobre a
sido feito era una amostra do que ele poderia causar e que venderia caro
uma vida que havia sido muito útil à Patria. Leclerc foi extremamente grande força dos negros na época da submissio. Histoire militaire.... v. III.
Os jacobinos negros A guerra da independencia

as más o apontavam para os filos, as jovens espalhavam flores pelo seu ca¬ General, perguntavam, nos abandonastes?

mino. No quartel general de Leclerc ele ordenou que os drages entrassem No, meus filos respondia ele. — Todos os vossos irmaos esto en armas

em formacio e entro com seus ajudantes de campo: os drages permane¬ eos oficiais, de todas as patentes, mantem os seus postos.

ceram no patio com as espadas desembainhadas. Toussaint pretendia entrar O que concluir? Conseguiriam os negros manter o seu exercito ou no?
sozinho em Le Cap, mas eles se recusaram a deixa-lo. Os oficiais de Leclerc
Alguns dias mais tarde, Dessalines entrou em Le Cap para formalizar
deram-The as boas-vindas com distincio e mandaram chamar Leclerc, que
a sua rendico. Tambem ele chegou com o moral intacto. Os oficiais fran¬
estava jantando a bordo de um navio. Ele voltou imediatamente e, depois
ceses caminavam pelas ruas e ninguém reparava neles, mas, ao grito de
de saudar Toussaint, atirouse em seus braços e convidou-o a entrar em seu
Dessalines!", toda a populacio correu a se prostrar diante dele. Lacroix viu isso
gabinete particular.
e comprenden o que significava, como tambem notou a ousadia e a segurança
Generall começou ele. So temos elogios e admiracio pela forma como
com que Dessalines se dirigía a ele e aos outros franceses.
suportastes a carga de governar Sao Domingos. (.)
Dessalines e sua diviso entraram a servico de Leclere. Toussaint, satisfeito
Toussaint, severo e altivo, perguntouche por que havia trazido a espada e com o fim da destruicio e com a confiança de seu exercito ainda intato, co¬
o fogo a un país pacifico. Leclerc tentou apresentar desculpas, mas Toussaint meçou a cultivar suas plantages com a energía habitual. Embora no tivesse
no as accito.
nenhuma confiança em Leclerc, julgava se a salvo no momento. Observaria
— Concordo, disse Leclerc, mas eu no era dono de mi mesmo. Esque¬
os acontecimentos. No caso de alguma crise, ele estaria presente. Foi a sua
çamos o passado e rejubilemo nos com a nossa reconciliacao, generall confiança no exercito e no povo que o levou a cometer um erro. Bem no

Contrariando seus hábitos diplomáticos, Toussaint, em compania da fundo, sabia que eles jamais seriam derrotados. Mas, com os olhos fixos nos
sua guarda, com as espadas desembainhadas, do lado de fora, no reagiu às franceses, no sabia que havia perdido a confiança de Dessalines, que no

ofertas de Leclerc. Recusou o posto de general de exercito. Paul LOuverture contava mais com a liderança dele, mas que preparava o proprio camino

veio saudálo. Toussaint, que ainda no sabia da confuso com as cartas, para a independencia.
repeliu-o diante de toda a compania. Leclerc convidou-o para jantar, mas, Chcio de desgosto por no conseguir cumprir as instrues de Napoleo,
embora aceitasse, ele no comeu nada. Com medo de ser envenenado, bebeu Leclerc cometen o erro de enviar relatorios falsos para a França.

apenas um copo de agua e, perto do final da reficio, serviuse de um pedaço


) Dois dias depois, o general Toussaint enviou seu oficial superior
de queijo, cortado cuidadosamente do meio da peça que le foi oferecida. Dois
com uma carta que dizia pouca cosa, mas na qual percebi um pronun¬
dias depois, Leclerc pediu le que dispensasse sua guarda e Toussaint se des¬
ciado desejo de se render. Replique quele general que en receberia sua
pediu deles, aconselhando que se submetessem à nova ordem. Ao ouvilo, com
rendicio, mas que, se no se submetesse imediatamente, en marcharía
Magny, o heroi de Crête-à-Pierrot, bem na frente, eles choraram com o triste
contra ele e que, para o restante, ele deveria enviar um de seus servido¬
fim das grandes campanas que haviam começado quando, de uma horda de
res de confiança a fim de me comunicar o que desejava. Ele enviou seu
escravos seminus, haviam se organizado num pequeno bando para estudar a
secretario particular com um de seus ajudantes de campo, para dizer
arte da guerra e lutar pela liberdade. Toussaint estava visivelmente comovido,
que desejava o cargo de general de exercito e um comando especial: que
mas conseguin se controlar. Depois de abraçar seus principais oficiais, tomou
cada um dos seus generais reassumisse o comando que detinha na época
a estrada para a sua plantagio em Ennery. Quando ele se aproximaya, as mul¬ em que eu cheguei e que tivesse sob suas ordens apenas as suas proprias
tides saiam ao seu encontro.
tropas. Respondi que ele no seria empregado, que teria que se retirar
para una de suas propriedades, da qual no poderia sair sem minha
permissio; que os generais, bem como todas as tropas, seriam empre¬
3 ISAACLOUVERTURE, Mémoires. gados, mas apenas quando eu julgasse apropriado e fosse vantajoso. E
Os jacobinos negros A guerra da independencia

que, quanto a ele, apenas teria de se render em Le Cape que eu le daria em que o comercio nacional sozinho for capaz de abastecer Sao Domingos

minha palavra de honra de que estaria livre para ir para onde quisesse eo exército francés. Dessa forma, uma guerra colonial resultará no triunfo

depois da conferencia. Quanto ao resto: que suas tropas deveriam estar do comercio.
reunidas e prontas para obedecer às minhas ordens dentro de quatro Eis aqui a lista das principais pessos que a morte levou desde o meu
dias. (.)
último relatorio. (...)

Se às vezes, cidado ministro, as circunstancias me forçam a parecer que No momento en que escrevo, muitos generais e oficiais superiores esto

desvio minhas instruces da objetividade, acredite que no as perco de vista doentes. Das dezesseis pessos que moravam na casa do general Hardy,
e apenas cedo um pouco às circunstancias para poder domina las mais tarde treze esto mortas.
e fazer com que elas sirvam à execucio dos meus planos.
Todos os secretarios do general Ledogin tambem morreram. Una as¬
Una vez que, segundo as vossas instruges, os meus relatorios so publi¬ sociacio de comerciantes de madeira se estabeleceu em Le Cap. Aquela
cados nos jornais daqui, seria imprudente imprimir neles qualquer coisa casa era composta de sete pessos: todas las morreram em oito dias.
que possa destruir as ideas de liberdade e igualdade que esto nos labios Ordene ao oficial encarregado da saude que fizesse um relatorio sobre
de todos na colonia.
essa doença. Conforme o relatorio, parece que a doença é aquela cha¬

mada de febre amarela, ou molestia siames; essa doença ocorre todos


os anos nas Antillas na época da passagem do sol neste hemisferio, mas
está grassando em Le Cap com mais intensidade que o normal devido
O general Toussaint se rende aqui. Ele saiu perfeitamente satisfeito
aos mismas exalados pelas casas quemadas. Em algumas pessos ela se
comigo e pronto para acatar a todas as minhas ordens. Acredito que ele o
apresenta com sintomas de dores leves, dor nos intestinos ou tremores;
fará, pois está persuadido de que, caso nao o faça, eu faria com que ele se
em outras, a doença se manifesta repentinamente e mata em dois ou très
arrependesse.
dias. Mas, entre todos os que foram acometidos, nem um quinto escapou
As doenças esto causando un estrago enorme no exercito sob o meu
à morte. A doença ataca tanto as pessos que vivem confortavelmente e
comando. (.)
que se cuidam como aquelas cujos meios no permitem que tomem as
Neste momento, tenho 3600 homens no hospital. Nos últimos quinze precauces necessarias com a saude.
dias tenho perdido de trinta a cinquenta homens diariamente em toda a
colonia e no se passa um dia ser que de duzentos a duzentos e cinquenta
homens deem entrada no hospital, ao passo que só cinquenta saem. Meus
hospitais esto bastante lotados. Minha posicio piora a cada dia. A doença leva os homens. Toussaint
no merece confiança, como na verdade eu previa; mas consegui obter
Para ser comandante de Sao Domingos, eu preciso de 25 mil europeus em
de sua rendicio aquilo que eu esperava, ou seja, separa lo de Dessalines e
armas. Vede que tenho apenas metade desse número. No há um momento
Christophe è de suas tropas. Vou decretar sua prisáo e penso que posso contar
a perder para me enviar os reforços. (.)
com Dessalines, cujo espírito consegui dominar, para prender Toussaint.
Quanto ao mais, cidado ministro, assegurai ao Primeiro-Consul que, nem
Penso que no vou perde-lo. O que me leva a tomar essa resolucio ousada,
por um momento, perdi de vista as instruces diretas dadas por ele, tanto
cidado consul, é a necessidade de ressuscitar na colonia a idea da minha
do ponto de vista politico como do comercial, e que considerarei felizo dia
força por meio de um ato rigoroso, mas se eu no receber reforços a minha

5 26 de maio de 1802. Ao ministro da Marinha.


8 de maio de 1802. Ao ministro da Marinha.
3 5 de maio de 1802. Ao ministro da Marinha.
6 de junio de 1802. Ao ministro da Marinha.
8 de maio de 1802. Ao ministro da Marinha.

301
A guerra da independencia
Os jacobinos negros

Toussaint nao estava tramando. Leclerc acusou-o de atos suspeitos.


posicio ficará pior. No vos surprendais se eu disser que é possivel perde¬

lo. Durante a última quinzena, esse homem tem estado muito desconfiado, Toussaint provou que estava trabalando em suas fazendas e nada mais. No dia
No é que eu tenha dado motivo para essa desconfiança, mas ele lamenta 7 de junio, o general Brunet escreveu a Toussaint solicitando uma entrevista no

o poder perdido. seu quartel-general. A carta transbordava de votos de boa vontade, sinceridade

...) To logo eu esteja de posse de sua pessoa, eu o enviarei para a pessoal e elogios por parte do missivista. Toussaint no se sentia muito bem e
Corsega, com ordens para que seja aprisionado em um dos castelos havia sido avisado por amigos de que Leclere pretendia prendelo. Apesar disso,
daquella illa. (.) resolven ir. Talvez tivesse confiança nas afirmaçes de Brunet. Mas toda a sua
carreira, sua política e sua atitude para com Leclerc desde o começo desmen-
Suplico que ordeneis para que dez mil homens me sejam enviados
tiam isso. Se ele no comparecesse à entrevista com medo da prisio, teria de
imediatamente.
fugir e começar a guerra novamente, numa posicio infinitamente por do que
Minha saude tem estado abalada. Estou um pouco melhor, mas este aquela en que se encontrava quando havia chegado ao acordo. Por otro lado,
clima é extremamente desfavorável para mim. Tudo que eu desejo é poder
era improvável que Leclerc ousasse prende lo enquanto Dessalines, Belaire os
ficar aqui ate o próximo Ventoso. Espero que ento o meu trabalho esteja outros ainda estivessem no comando de suas tropas. Foi ai que ele se enganou.
suficientemente avançado para que eu possa deixa-lo para o meu sucessor,
Encontrou-se com Brunet às oito horas da noite, acompanhado apenas de dois
sem preocupaces.
oficiais. Os homens conversaram por alguns minutos e ento Brunet pediu que
A despeito dos estragos causados pelas mortes, o exército no perdeu a o desculpassem por um momento. Assim que Brunet saiu, alguns granadeiros
coragen.
com as baionetas armadas, comandados por Ferrari, ajudante de campo de

A febre amarela tinha o exercito frances em seu poder. Toussainte Dessalines Leclerc, entraram na casa. Toussaint levantouse e puxou a espada. Ferrari,
com a arma abaixada, dirigiu-se a ele¬
sabiam que aconteceria e contavam com isso, e, se no fosse por Christophe e
Toussaint, Dessalines provavelmente jamais teria se rendido. Logo seria a hora General, no estamos aqui para vos fazer mal. Apenas temos ordens de
de atacar, e Dessalines, que anteriormente idolatrara Toussaint, resolvera tirá¬
proteger a vossa pessoa.
lo do camino, juntamente com Christophe, devido à orientacio pro-francesa
E Toussaint se renden. Eles o amarraram como un criminoso comum,
destes. Ele fingia ser absolutamente devotado a Leclerc e sugeriu que a colonia
prenderam seu ajudante de campo, sua esposa, seu filho e sua sobrinha,
jamais estaria en paz se Toussaint nao fosse expulso. Christophe e Clairveaux submetendo os a toda sorte de humilhaces. Arrombaram a sua casa, rouba¬
disseram a mesma coisa a Leclerc e estavam sendo sinceros. Dessalines era igual¬ ram seu dinheiro, suas joias e os documentos de sua familia e destruiram suas
mente sincero ao dizer que o Haiti so estaria en paz quando Toussaint fosse
plantages. Enfiaram a familia numa fragata que esperava no porto de Le Cap
removido, so que a paz planejada por ele era a destruicio de Leclerc e a expulso
e embarcaram na para a França.
de todos os franceses da illa. Assistente fiel e leal de Toussaint, ele confecia o
Quando Toussaint subiu a bordo, disse algumas palavras ao capitáo Savary,
seu superior o suficiente para duvidar de sua capacidad de tomar as decisoes
nas quais ele havia pensado cuidadosamente, sem divida, seu último legado
que Dessalines sabia necessarias. Ele via o que era preciso fazer e no confiava

en ninguém, senao em si mesmo. Desde a época de Crête-à-Pierrot, Dessalines o povo.

tinha pronto um programa para a independencia nacional. Rochambeau, que Ao me depor, cortastes em Sao Domingos apenas o tronco da arvore
o confecia bem, alertava constantemente os seus companheiros oficiais de que
da liberdade. Ela brotará novamente pelas raízes, pois estas so numerosas e

Dessalines planejava una traicio. Leclerc sabia que era Dessalines que importava profundas!
e, sentido que o controlava, tomo a decisio.

6 de junio de 1802. Ao ministro da Marinha.

302 303

Os jacobinos negros A guerra da independencia

A noticia da prisio de Toussaint foi um choque para toda a populacio. Num dos meus últimos despachos, cidado ministro, notifiquei-vos do

No obstante o que Toussaint houvesse feito, ele se batia pela liberdade. Em perdo que tive o prazer de conceder a general Toussaint. Esse homem
volta de Ennery e nas montanhas, os tambores soavam e conclamavam o ambicioso, a partir do momento en que o perdoci, no parou de conspirar.

povo à revolta. Nos planaltos de Plaisance, Dondon e arredores, a insurreico Os relatorios que chegaram até mim através do general Dessalines sobre

a forma pela qual ele se comportou desde a sua rendicio, no dexaram


em massa contra Leclerc havia começado. Mas a populacao, como um todo,
dava poucos sinais de interesse. Leclerc foi enganado, mas Lacroix e outros nenhuma dúvida a esse respeito. (...) Expedi a ordem para a sua prisio.

oficiais nao. No foi fácil. Estou enviando para a França, com toda sua familia, esse

A dissimulacao é o refugio do escravo, e a calma anormal assustava alguns


homem to perigoso para Sao Domingo. O Governo, cidado ministro,
deve coloca-lo num lugar bem fortificado, no centro da França, de ma¬
brancos. As massas negras nada faziam, pois no sabiamo que fazer. Elas viam
neira que ele jamais consiga escapar e voltar a Sao Domingo, onde tem
Maurepas, Dessalines, Christophe e seus oficiais manterem seus comandos.
a mesma influencia que o lider de alguma seita. Se ele reaparecer em Sao
Leclerc, como havia feito desde que chegara, jurava que no tinha intençio
Domingo dentro de très anos, talvez consiga destruir tudo o que a França
de acabar com a liberdade. Toussaint havia lutado, depois se submetido e
realizo aqui. (...) Eu vos suplico, enviemme algumas tropas. Sem elas
agora, como afirmava Leclerc, era culpado de traicio. Leclerc dizia que tinha
no poderei desarmar a populacio e, sem esse desarmamento, no terei
duas cartas para provar a traicio de Toussaint e publicou uma delas. Era uma
o comando da colonia.
falsificaçao, pois quando o Governo da França solicitou provas para julgar
A mortalidade continua e faz tremendos estragos. A consternacio reina
Toussaint ele confesso que no tinha nenhuma. Deixemos que os argumentos

retrospectivos e postmortem sobre moralidade sejam o fertil terreno de caça entre as tropas no lado occidentale no Sul. (.)
Depois do embarque de Toussaint, alguns homens tentaram perturbar a
de professores bem intencionados! Leclerc recebeu instruges para se livrar de
Toussainte foi o que ele fez. orden. Mandei fuzilar alguns e deportar otros. Desde ento, parece que

Mas aquela prisio nao ajudou Leclerc em nada. algumas tropas coloniais tornaram se rebeldes e eu ordenes que seus lideres
fossem executados.
Se o Primeiro-Consul deseja ter um exercito em So Domingos ate o
Essas tropas agora ocultam o seu descontentamento. A dispersio foi efi¬
més de outubro, deverá envia-lo da França, pois os estragos feitos aqui
ciente. Os generais negros esto bem conscientes, neste momento, de que
pela doença so grandes demais para ser contados em palavras. No se
destruirci toda a sua influencia. Mas eles nao ousam desfraldar a bandera
passa nenhum dia sem que eu fique sabendo da morte de algum que no
da rebelio: 1° Porque eles se detestam mutuamente e sabem muito bem
lamente com amargura. (...) Aqui no se pode trabalhar sem arriscar a
que eu os destruiria com a ajuda deles mesmos; 2° Porque os negros no so
vida. Desde a minha chegada a este país, minha saude tem estado abala¬
corajosos e essa guerra os amedrontou; 3° Porque temem enfrentar o homem
da por ter traballado demais. O Governo precisa pensar seriamente em
que destruiu os seus lideres. Nessas circunstancias, camino a passos firmes
mandar me um sucessor.
para o meu objetivo. O Sule o lado occidental esto quase desarmados. No
Scrá quase impossivel para mim ficar aqui por mais de seis meses. Espero, Norte o desarmamento começará dentro de oito dias.
dentro desse prazo, entregar a colonia livre dos estado de guerra aquel que
A policia está sendo organizada e to logo esteja posicionada, e o desar-
estiver designado para me substituir.
mamento concluido, darei os últimos golpes. Se eu for bem sucedido,
Minha saude está to abalada que me considerarei muito afortunado se o que é provável, Sao Domingos estará realmente restablecida para a
conseguir durar até la
República. (.)

20 id.
11 de junio de 1802. Ao ministro da Marina. 4 de julio de 1802. Ao ministro da Marinha.
Os jacobinos negros A guerra da independencia

Toussaint deve estar bem longe do mar para que no represente perigo. na sua maioria inimigos pessoais dos generais de cor. Essa é uma história
Esse homem sublevou o país a tal ponto de fanatismo que sua mera presença recorrente. Sempre foi a maldicáo das massas, tanto hoje como naquela

o incendiaria novamente. (...) época, que aqueles que mais gritam sempre se acovardam quando chega a
Desde o nosso desembarque, estamos constantemente ameaçados. hora de agir, ou, ainda pior, encontram boas razones para colaborar como

inimigo. Christophe, Maurepas e os demais perseguiam esses guerrilheiros.


Assim que dexamos de temer as armas dos rebeldes, passamos a temer a
Os franceses temiam Lamartinière e prepararam-he uma emboscada no pro¬
molestia, que tem causado enormes estragos entre nos. Eu me considerarei
muito afortunado se minha saude permitir que en execute tudo o que preten- prio momento en que ele estava a servico deles. Foi uma morte lamentável
do, mas no tenho a menor inclinaçio para passar um segundo ano em Sao para to espléndido oficial. Dessalines tambem caçava os guerrilheiros”,
Domingos. E muito cruel viver como tenho vivido, mantendo a existencia esperando a sua vez.
apenas por meio de artificios. Se, ao final das operaces, o Governo no me Mas a insurreico continuava a crescere, enquanto isso, a febre cobrava
enviarum sucessor, utilizarei a faculdade que me foi conferida verbalmente a sua cota. Os franceses ja nao sepultavam seus mortos adequadamente, mas
pelo Primeiro-Consul de deixar Sao Domingos quando houver cumprido os jogavam em grandes fossas durante a noite, para que os negros no vissem

minas instrues. como o exercito estava se desgastando. Como se isso pudesse ser escondido.

Leclerc, com a saude abalada, foi para Tortuga para se recuperar. Sentindose

melhor, deixou a illa para voltar a Le Cap. To logo ele partiu, irrompeu
uma insurreico. A rebelio foi esmagada, para ressurgir entre os negros
Corria o mes de julho e Leclerc, ja muito atrasado en relacio ao seu

programa e com os soldados morrendo aos milhares, tinha de desarmaro¬

Norte revolucionario. Seria agora ou nunca. Evidentemente, o melhor seria

usar os generais negros. A insurreico se espalhava mais a cada dia pelo


Norte e à chamada às armas ela dobrou e se espalhou pelo Sul e pelo lado LACROIX, Mémoires pour servir.... v. II, p. 225.
Michelet havia provado que esse tambem era o ponto de vista da Revolucio Francesa. Mas
occidental. Derance, Samedi Smith, Jean Panier e outros chefes insignificantes
foi Georges Lefebvre, o grande historiador contemporaneo da Revolucio Francesa, que
e anonimos, cada qual em seu proprio distrito no Norte, no Sul e no lado examinou exaustivamente todas as evidencias disponíveis e insistia em afirmar que no

occidental, convocavam os negros a se revoltarem. Entregar as armas? E por sabemos e jamais saberemos quem eramos verdaderos líderes da Revolucio Francesa,
que? Sonthonax havia dito a eles: homens anonimos, obscuros, muito distantes dos legisladores e oradores públicos.
G. LEFEBVRE, La Fuite du Roi, p. 187 (palestras mimeografadas: “E um erro dar dema¬
— Se quiserdes manter a liberdade, usai vossas armas no dia em que as siada importancia a quisquer opiniones que os girondinos ou Robespierre possam ter tido

autoridades brancas as exigirem, pois uma ordem desse tipo é o sinal infalivel sobre o que deveria ser feito. No é a melhor forma de encarar o problema. Temos que dar
mais atencio aos lideres obscuros e ao povo que os ouvia nas lojas e pequenas oficinas e nas
e precursor do retorno da escravido.
escuras ruas da velha Paris. Era deles que os negocios dependiam e, no momento, como

Quando eram expulsos de un lugar, reapareciam em outro. Uma regio era de esperar, eles seguiram os girondinos. (...) E, portanto, na mentalidade popular, na

era pacificada, mas, to logo os soldados iam para outra, ela se rebelava
profunda e incurável desconfiança nascida na alma do povo quanto à aristocracia, desde

novamente. Os franceses, desanimados, começaram a culpar Leclerc por


1789, e em relacio ao Rei, desde a sua fuga para Varennes, é nisso que devemos buscar a
explicaçamo para o que acontece. O povo e scus lideres desconfecidos sabiamo que queriam.
nao ter se livrado dos generais negros e mulatos juntamente com Toussaint.
Eles seguiram os girondinos e depois Robespierre apenas ate o ponto en que seus conselhos
Mas ninguém observou que, na nova insurreico de Sao Domingos, como
parecia ser aceitáveis.

en todas as revoltas que atacam a autoridade constituida, no eramos chefs Portanto, quem eramos lideres que o povo ouvia? Conhecemos alguns deles. No obs¬

tante, em todos os dias decisivos da Revolucio, aquilo que mais desejamos saber está fora¬
recontecidos que davam o sinal para a sublevacao, mas sim criaturas obscuras,
do nosso alcance para sempre. Gostaríamos de ter o diario do mais obscuro desses lideres
populares. Só ento podríamos entender, no ato, por assim dizer, como esses grandes dias
revolucionarios começaram. Nos no o temos.
446 de julio de 1802. Ao ministro da Marinha.
Os jacobinos negros A guerra da independencia

em Mole St. Nicholas. No inicio de julho, começaram a circular rumores No to longe quanto as Indias Occidentais Francesas. Os negros eram

de que o Governo frances estava restaurando a escravido. tratados como culpados, e houve quem propusesse que fossem aterrorizados

com a dizimaço. O padre Gregorio, ainda legislador da França, apenas ouvia.


Talvez em sua mente o valoroso padre estivesse enxergando, no aqueles rapaces
e crucis representantes da nova França burguesa, mas a Convencio daquel dia
Mais uma vez as massas mostraram uma compreensa politica maior do 4 de fevereiro, oito anos atrás, quando a escravido foi abolida sem discusses.
que os seus lideres. Bonaparte havia realmente dado um grande passo. Em Mas naquela ocasio as massas de Paris estavam nas ruas. O padre Gregorio
Guadalupe, Richepanse havia posto em prática instruges similares às de nada dizia, e Napoleo, percebendo, pediu a sua opinio.

Leclere. La governavam os mulatos. Ele os derrotou, deportou seus lideres e Sinto, responden Gregorio , que só de se ouvir esses discursos sabese
mais très mil pessos e tinha a populaçio negra sob seu dominio. As cartas que sa pronunciados por brancos. Se esses cavalheiros mudassem de cor neste
jactanciosas de Leclerc, contando mentiras sobre como cle havia derrotado
momento, falariam de manera diferente.
Toussaint, fizeram o resto.
Bonaparte o insultou, e o restablecimento da escravido na Martinica,
Os oficiais franceses estavam envergonhados de levar ao confecimento Ile-de-Bourbon e outras ilhas foi aprovado por 211 votos contra 60.
de Napoleo o verdadero resultado das batallas contra os generais negros. Mas a burguesia maritima clamava por mais. Em poucos dias, o tráfico
Depois da derrota de Debelle por Maurepas, Desfourneaux escreveu a
de escravos foi oficialmente restaurado en todas as colonias. Os africanos que
Dugua: “Ele (Debelle attacou Maurepas (...), foi repelido e gravemente ferido.
chegassem agora seriam escravos como antigamente. Depois disso, passo a
Teme se que venha a morrer. Maurepas mantem a sua posicio inabalada, com
passo, proibiuse a ida de pessoas de cor à França, restabeleceuse a proibico
très mil homens e seis peças de artilharia. (...) Essa informacio è muito precisa. de casamentos mistos e a discriminaçio contra os mulatos. Bonaparte so no
(.) Mas, quando Dugua relatou isso ao ministro da Guerra, interpretou declarou a restauracao da escravido em Sao Domingos e Guadalupe. Mas

como: “O general Debelle, depois de diversos combates com Maurepas, um mesmo antes do primeiro decreto, em maio, ele havia escrito a Richepanse
general de brigada negro, recebeu a rendicio desse chefe, que julgara mais Leclerc, autorizando-os a restaurar a escravido quando achassem oportuno.
prudente tornarse servidor da República do que ser empalado por nossos Todos esses rumores chegavam a Sao Domingos, enquanto Leclerc, ainda man¬
valentes soldados, a cujo ardore impossivel resistir
tendo em segredo as instruges de Bonaparte, continuava a garantir aos negros
Com esses relatorios falsos e lisonjeros, Bonaparte deve ter pensado que a que no tinha nenhuma intençio de restablecer a escravido.

taresa, embora nao concluida totalmente, namo appresentaria maiores dificultades Assim que Richepanse recebeu as últimas instruces do Primeiro¬
e no havia mais motivos para tergiversages. Consul, restaurou a escravido. Todos os navios traziam de volta a Sao

Ele no começou em Sao Domingos ou Guadalupe, e sim nas colonias Domingos os colonistas emigrados, sedentos de vingança e ansiosos pela
francesas que haviam sido devolvidas pela Gra-Bretanha à França pelo volta dos antigos tempos.
Tratado de Amiens. Numa sessio da Legislatura, em maio, Bruix exposa Sem escravido, nada de colonia.

nova politica: Diziam isso abertamente, enquanto Leclerc negava e a populaçio negra e

- Os povos livres so ciosos de suas nobres prerrogativas. Eles tem seu mulata ouvia alarmada. Os agentes da burguesia maritima ocupavam se ten¬

egoísmo, mas esse sentimento no deve ser levado muito longe. tando fazer encomendas.

Ento num dos últimos días de julho, a fragata Cockade entro no porto
de Le Cap, trazendo a bordo negros deportados de Guadalupe. Naquela noite,
alguns deles pularam no mar e nadaram até a praia para dar aos seus irmos
NEMOURS, Histoire militaire..., v. II, p. 261. de Sao Domingos a noticia de que a escravido havia sido restaurada em Gua¬
48 bid., v. II, p. 266. dalupe. A insurreico generalizouse.
Os jacobinos negros A guerra da independencia

Essa inesperada revelaço das intençes secretas de Bonaparte aterrorizon á vos pedi, cidado ministro, um sucessor. Aquela carta, como muitas

Leclerc, outras que vos envici, no receben resposta. O Governo precisa pensar em

me enviar um homem para me substituir em caso de necessidade. No


No pensem en restablecer a escravido aqui por enquanto. Acredito
que en esteja pensando em deixar o meu posto neste momento difícil, mas
que posso dexar tudo em ordem para que o meu sucessor tenha apenas
minha saude continua piorando, e no ha ningum que possa assumiro
de executar a deciso do Governo. Mas, depois de inúmeras proclamaçes
meu lugar de maneira adequada à República.
feitas aqui para assegurar aos negros a sua liberdade, nao quero me con¬
Farei todo o possivel para impedir que a insurreico se alastre ate o dia
tradizer; mas garanto ao Primeiro-Consul que o meu sucessor encontrará
le de Vendemiário. Até lá, sem duvida tero chegado os nove mil homens
tudo pronto.
que vos me prometestes. Irei aos distritos rebeldes com o mesmo vigor que
Os distritos de Plaisance, Gros Morne, Port-de-Paix, Santa Luiza e Le
adotei na minha primeira campana. O terror me precedera e ai daqueles
Borgne esto revoltados (...) mas (.) espero que essa seja a última crise.
que no me obedecerem cegamente. Mas para isso preciso de dinheiro e
A molestia está progredindo to assustadoramente que no posso imaginar
de tropas.
como tudo irá terminar. So os hospitais de Le Cap perderam cerca de cem
homens por dia neste mes.
A doença e is rebelies, some se a falta de dinheiro en que os senhores
A morte causou tanto estrago entre as minhas tropas que, quando tentei
nos dexaram. Se isso continuar assim, mesmo com os reforços que estou
desarmar o Norte, irrompu uma insurreico geral.
esperando e como custo dos hospitais to alto, minhas tropas se revoltaro,
...) Nada temo por parte de Christophe, mas no estou to certo quanto
pois no terei como administrar as suas necessidades.
a Dessalines. Os primeiros ataques desalojaramos rebeldes das posites que

ocupavam, mas eles se retiraram para otros cantes e existe um verdadero


fanatismo nas rebelies. Aqueles homens se deixam matar, mas recusam se
Minha posicio no está nada melhor; a insurreico se espalha, a doença a se render. (.)

persiste. (.) Eu vos supliquei, cidado consul, que no fizesseis nada que pudesse

Todos os negros esto convencidos, por cartas que chegam da França, deixa-los apreensivos quanto à sua liberdade até que eu estivesse pronto,

pela lei que restabeleceu o tráfico de escravos e pelo decreto do general e esse momento estava se aproximando com rapidez. Subitamente chegou

Richepanse restaurando a escravido em Guadalupe, de que a intençio é aqui a lei que autoriza o tráfico de escravos nas colonias, com corres¬

torna los escravos novamente, e só posso efetuar o desarmamento depois de pondencias comerciais de Nantes c Le Havre perguntando se os negros
longos e obstinados conflitos. Esses homens no desejam se submeter. Temos poderiam ser vendidos por aqui. Pior do que isso, o general Richepanse
de admitir que, no momento de acertar tudo por aqui, as circunstancias acaba de tomar a deciso de restablecer a escravido em Guadalupe. Nesse

politicas que descrevi acima quase destruiram o meu trabalho. As medidas estado de coisas, cidado consul, a força moral que en havia conseguido

infelizes que adotastes destruiram tudo e inflamaram as imaginacones. No aqui foi destruida. No posso fazer nada pela persuasio. Só posso depender

conseguiremos mais submeter os negros, a nao ser pela força das armas. da força, e eu no tenho tropas.
Para isso, precisamos de armas e fundos, sem os quais a prosperidade de (.) Agora, cidado consul, que vossos planos para as colonias so do co¬

So Domingos está em grave perigo. necimento de todos, caso desejeis preservar Sao Domingos, enviai um novo
exercito e dinheiro, acima de tudo, e asseguro vos que, se nos abandonar

2 de agosto de 1802. Ao ministro da Marinha.


50 Ibid. 6 de agosto de 1802. Ao ministro da Marinha.

310
A guerra da independencia
Os jacobinos negros

o regime que julgardes melhor, mas o meu sucessor é que deverá dar
à nossa propria sorte, como fez até agora, esta colonia estará perdida; e, se
o passo final. Caso concordeis, nada farei que contrarie o que procla¬
isso acontecer, os senhores jamais a reconquistario novamente.
mei aqui.
Esta carta vos surprendera, cidado consul, depois das outras que vos es¬
O general Richepanse se conduz de manera muito pouco política e muito
crevi. Mas qual o general que pode contabilizar una mortalidade de quatro
desastrada, pelo menos no que concerne a Sao Domingos. Se eu nao tivesse
quintos de seu exercito e a inutilidade do restante; que tenha sido deixado
cortado muitas cabeças por aqui, já teria sido expulso da ilha há muito
sem fundos, como eu fui, num país onde as compras so so possiveis pelo
tempo e no teria conseguido realizar os vossos planos.
seu peso em ouro e no qual, com dinheiro, eu talvez nao tivesse tido tantos

dissabores? Como eu poderia esperar, nessas circunstancias, a lei relativa Os generais negros lideram as colunas; eles se encontram bem cercados
Ordenei que dessem exemplos terriveis eos utilizo sempre que tenho de fazer
ao tráfico de escravos e, acima de tudo, os decretos do general Richepanse

restabelecendo a escravido e proibindo os homens de cor de se registrar


alguna cosa terrivel. ()
Os decretos do general Richepanse repercutiram aqui e so a fonte de
como cidadamos?

Mostrei-vos a minha posicio verdadera com a franqueza de um soldado grandes males. Por ter sido proclamado com tres meses de antecedencia,
o restablecimento da escravido custará muitos homens ao exercito e à
Lamento ver que tudo o que fiz aqui está a ponto de ser destruido. Se vos
colonia de Sao Domingos.
tivésseis testemunhado as dificuldades de todo tipo que tive de enfrentar, e os
P.S.: Acabei de saber de um combate sangrento que o general Boyer teve
resultados que obtive, tambem lamentarieis a posicio em que me encontro.
em Gros-Morne. Os rebeldes foram exterminados, cinquenta prisioneros
Mas, por pior que seja a situacio, ainda espero ser bem sucedido. Tenho
foram enforcados: esses homens mortem com um fanatismo incrivel; ca¬
castigado exemplarmente e, uma vez que o terror é o único recurso que

me resta, eu o utilizo. Em Tortuga, mandei enforcar 60 dos 450 rebeldes. coam da morte; o mesmo se dá com as mulheres. (...) Essa exaltaçio é o
resultado da proclamaço de Richepanse e das propostas provocadoras dos
Hoje tudo está na mais perfeita ordem.
colonistas.
Todos os proprietarios e mercadores que chegam da França falam em escra-
Pareceme, pelas ordens enviadas, que vos no tendes uma idea bem clara
vos. Parece que ha uma conspiraço generalizada para impedir a devolucio
da minha posicio aqui. Vos ordenastes que eu enviasse os generais negros
de Sao Domingos à República.
para a Europa. Seria muito simples prende los todos no mesmo dia, mas
Enviaime reforços imediatamente, envai-me dinheiro, pois estou numa
uso esses generais para esmagar as revoltas incessantes. (.)
posito realmente deploravel.
Acabci de descobrir una grande conspiraço que pretendia sublevar toda
Pintei um quadro pessimista da minha situacio. No pensais que estou
a colonia no final de Termidor. Ela so foi executada parcialmente por causa
deprimido pelo que está acontecendo. Estarei sempre à altura das cir¬ da ausencia de um lider. No é o bastante afastar Toussaint. Ha cerca de
cunstancias, quasquer que sejam elas, e vos servirci com o mesmo zelo,
dois mil lideres para serem afastados."
enquanto a minha saude o permitir. Esta vem piorando e agora no posso

mais cavalgar. Considerai que é necessario enviar-me um sucessor. No há


ninguem aqui que possa me substituir na situacio critica en que a colonia

estará por algum tempo. (...) Jérémie está revoltada. No tenho outras 526 de agosto de 1802. Ao Primeiro-Consul.
Grifos de Leclere.
noticias daquela regio.
54 Idem.
Christophe e Dessalines suplicaram para que no os dexe aqui quando 29 de agosto de 1802. Essa carta no está entre as coletadas pelo general Nemours. Ela é

eu partir. Isso mostra a confiança que les tem em mim. Espero poder citada em POYEN, Histoire militaire de la révolution de Saint-Domingue, Paris, 1899, p. 258.
Essa é a história oficial francesa
enviar à França todas as pessos perniciosas, nos primeiros días de
56 25 de agosto de 1802. Ao ministro da Marina.
Brumario. (...) Quando eu partir, a colonia estará pronta para receber

-
A guerra da independencia
Os jacobinos negros

recapturaram o forte, mas os insurgentes, com uma atividade incrivel (.)


As massas estavam lutando e morrendo como so as massas revolucionarias
homens, mulieres e crianças, voltaram para as montanhas, carregando
sabem fazer; o exercito francés estava desaparecendo e o desespero vagarosamente
sufocava Leclere. Mas aqueles generais negros e mulatos ainda continuavam a
pesadas cargas. As massas na Planicie do Norte correram para se colocar
sob o comando desses novos lideres
lutar por Leclerc contra os guerrilheiros; os mulatos e os negros libertos ante¬
Tudo o que o antigo bando fazia era para ameaçar Leclerc. Alguns dos
riormente continuavam ficis aos franceses, na esperança de que a sorte que caju
negros que haviam sido escravos tentaram comprar a liberdade de seus antigos
sobre Guadalupe e sobre a Martinica nao caísse sobre eles tambem. Em agosto,
senhores. Estes recusaram e apontaram como propriedade sua oficiais de di¬
Charles Belair, amargurado desde a prisáo de Toussaint, o qual costumaya
versas patentes, homens que haviam derramado o proprio sangue no campo de
chamálo de “o meu Labenius, e ressentido com a crueldade dos franceses, batalla e serviram distintamente a administracano. Christophe disse a general
juntourse à insurreicio. Como se estivesse apenas esperando que alguém os
Ramel que, se percebesse que a escravido seria restablecida, ele reduziria Sao
liderasse, toda a populacio do Artibonite se revoltou com ele. Isso no convinha
Domingos a cinzas. Um general negro que jantava com Lacroix apontou para
a Dessalines. Belair era o rival favorito de Toussaint. Nos primeiros dias da
suas duas filhase perguntou:
expedicio, Belair salvara a vida de muitos brancos. Dessalines o convido para
— Essas devero retornar à escravideo?
uma entrevista, dando a entender que seria sobre una combinacio contra o¬
Era como se eles no pudessem acreditar. Da mesma forma, os liberais
franceses. Compareceram Belair e Sanite, pois as mulieres naquelle momento
ou social-démocratas hesitam e se agitam até que o machado do fascismo
luttavam lado a lado com os homens. Dessalines prendeu-os e os enviou a Leclerc.
caia em suas cabeças, ou um Franco comece a sua contrarrevolucio cuida¬
Foi um crime de traicio, mas no foi contra a revolucio, pois no mesmo mes

de agosto, Dessalines e Pétion, enquanto caçavam os guerrilheiros, chegaram


dosamente preparada.

por fim a um entendimento. Mas o mulato Clairveaux, Christophe, Laplume,


Paul L'Ouverture e Maurepas estavam esperando, Deus sabe o que, e sem eles
Leclerc só estava esperando os reforços para prendere deportar esses lide¬
nem Dessalines nem Pétion poderiam agir. res. Apenas a força da insurreico o segurava. As massas lutavam por instinto.
Sabiam que, qualquer que fosse o partido ao qual pertencessem os antigos
Com uma habilidade e uma tenacidade que espantavam seus expe¬
donos de escravos, o objetivo deles era a restauracao da escravatura. Todavía,
rimentados oponentes, os pequenos líderes locis no apenas repeliam
os ataques, mas atormentavam constantemente os postos franceses, no essa nova classe governante de negros e mulatos se apegava à comitiva de
les dando sossego, de forma que os soldados estavam esgotados e com Leclerc, Uma noite, Clairveaux e Christophe jantavam com Boudet e Lacroix,
os nervos à flor da pele e casam vitimas da febre amarela aos milares. Se quando este pergunto aos dos homens de cor por que motivo a insurreicao
os franceses enviavam grandes expedices contra eles, desapareciam nas estava se espalhando.
montanhas, deixando um rastro de fogo atrás de si, retornando quando
— Sois europeu, disse Christophe, e jovem. (...) Lutastes apenas nos exer¬

os exaustos franceses se retiravam, para destruir ainda mais plantages e


citos da Patriae, portanto, no tendes preconceitos em relato à escravido.
atacar as linhas inimigas. Quando ficaram sem municio, os trabaladores Assim sendo, falarci sem reservas. A revolta cresce porque a desconfiança e
das montanhas ao redor de Port-de-Paix atacaram essa importante cidade, grande. Se tivésseis a pele como a nossa, talvez nao serieis to seguro quanto
expulsaram a guarnicio, mataram os brancos, queimaram as casas que eu, que confio meu único filho, Ferdinand, ao general Boudet, para que seja
haviam sido reconstruídas e se apoderaram do forte com doze toneladas educado na França. Náo estou preocupado com os guerrilheiros que deram
de polvora. Quem foi recapturar a fortaleza: Maurepas, que havia coman¬ o sinal para a insurreico. O perigo nao é esse; o perigo é a opinio geral dos
dado o distrito e rechaçara os ataques de Humbert, Debelle e Hardy com negros. Os de Sao Domingos esto amedrontados porque sabem do decreto

tremenda valentia. Ele e os franceses, com um vigoroso contra-ataque,


de 30 de Floreal, que mantém a escravido e o tráfico de escravos nas colonias

58 LACROIX, Mémoires pour servir..., v. II, p. 223.


SANNON, Histoire de Toussaint-Ouverture, v. III, p. 120.

314
Os jacobinos negros A guerra da independencia

Tende em mente tambem a questo relativa ao meu sucessor, pois estou


devolvidas à França pelo Tratado de Amiens. Eles esto alarmados por ver
o Primeiro-Consul restaurar o velho sistema naquelas colonias. Eles esto pensando seriamente em deixar este país. (.)
com medo de que as conversas indiscretas, que so ouvidas aqui por todos Termino agora para voltar ao meu leito, onde espero no precisar ficar por

os lados, cheguem até à França e sugiram ao Governo a idea de privar os muito tempo. Desejo vos uma saude melhor e pensamentos mais agradáveis
negros de Sao Domingos da sua liberdade.
do que os meus. Desde que cheguei a este país infortunado no tenho tido
Leclerc ficou bastante agitado. um momento de paz sequere.

Se o Governo frances descia preservar Sao Domingos, cidado ministro. Minha posicio se torna pior a cada día. Estou num transe to miserável

assim que receber a minha carta, ele deverá dar ordens para a partida imedia¬ que no tenho idea de quando e de como saire dele. (...) Até agora, acre¬
ta de dez mil homens. Eles chegaro em Nevoso e a ordem será plenamente ditava que os estragos da doença cessariam em Vendemiario. Enganeime;
restablecida antes da estacio quente. Mas, se essa doença persistir por mais a molestia ganhou impeto e o mes de Frutidor custou-me mais de quatro
tres meses, o Governo deverá renunciar à colonia. (J.) mil mortos. El acreditava que, pelo que me diziam os habitantes, a do¬

Embora eu tenha pintado uma situacio horrivel, devo dizer que no ença terminaria em Vendemiario. Hoje eles me dizen que possivelmente
ela durará ate o fim de Brumario. Se isso acontecer, e ela continuar com
estou desanimado. (...) Durante quatro meses, tenho vivido apenas por
destreza, sem ter nenhuma força verdadeira; julgai se posso atender às a mesma intensidade, a colonia estará perdida. A cada día, o número de
intençes do Governo. rebeldes cresce e o meu diminui com a perda dos brancos e a deserço dos
negros. (...) Dessalines, que até agora no pensava em insurreicao, já pensa
A cadcia de montanas de Vaillières para cima, inclusive Marmelade,
nisso. Mas eu tenho nas más o seu segredo; ele no me escapará. Foi assim
está rebelada. (...) Eu apenas conseguirei proteger a planicie supondo que

a doença ceda nos primeiros días de Vendemiário. Desde 8 de Frutidor la


que descobri os seus pensamentos. Como no tenho força suficiente para
recrudesceu e estou perdendo de 100 a 120 homens por dia. Para manter acabar com Dessalines, Maurepas e os demais, eu os uso uns contra os ou¬

essas montanhas quando eu as tiver tomado, serei obrigado a destruir todas tros. Todos os très esto prontos para ser lideres de partidos, mas nenhum

as provisées que la existem e uma grande parte dos trabaladores. Terei que declarará isso enquanto tiver o que temer dos outros. Consequentemente,
emprender uma guerra de exterminio e isso me custari muitos homens. Una ele começo a fazer relatorios contra Christophe e Maurepas, insinuando
grande parte das minhas tropas coloniais desertou e passou para os rebeldes que suas presenças so danosas para a colonia.
Que o Governo envie me dez mil homens, independentemente dos refor- Reitero aquilo que já vos disse antes: Sao Domingos estará perdida para a
cos que ja me havia prometido. Que os mande imediatamente, em navios França se eu no receber, até 16 de Nevoso, dez mil homens, que devero
do Estado, e no pelos barcos mercantes, cuja viagem e sempre lenta. (J.)
chegar juntos.
Que ele envic-me dois milles de francos em moeda, e no em papel. (.) Expus a vos a minha opinio sobre as medidas tomadas pelo general Ri¬
Ou que ele se prepare para una guerra cruenta e interminável em Sao
Domingos e talvez para a perda da colonia. E meu dever dizer vos toda a chepanse em Guadalupe. (.)
Ilustre a minha posicio em cores sombrias; ela é realmente assime essa
verdade. Eu a digo a vos. (...) As noticias do restablecimento da escravido
é toda a verdade. Infelizmente, a condicio das colonias nao é confecida
em Guadalupe ocasionaram a perda de grande parte da minha influencia na França. Ai, temos uma falsa idcia do negro e é por isso que vos envio
sobre os negros. (.)
um oficial que confece o país e lutou nele. Os colonistas e os homens

13 de setembro de 1802. Ao ministro da Marinha.


Grifos de Leclerc, 61 17 de setembro de 1802. Ao ministro da Marinha.

316
Os jacobinos negros A guerra da independencia

Todos à mesa ficaram consternados. Leclerc acusou Christophe de traicio


de negocio acham que um decreto do Governo francés seria suficiente
para restaurar a escravido. Eu nao sei que medidas tomar e nem o que e chamou os oficiais da sua guarda.
fazer. (.) E inútil chamá-los! disse Christophe. — Os meus esto armados e com

uma simples palavra posso fazerte prisionero. Continuo fiel a ti, como fui a
Toussaint. Se ele tivesse dito: Atira esta illa ao mar, eu teria feito o que fosse
Respondendo en pormenores à vossa carta de 9 de Termidor: possivel. Essa é a manera pela qual eu obedeco ou comando
Condenou Leclerc por trair Toussaint, cujo genio nos conduziu da es¬
General Toussaint: No me faltam evidencias para leválo a julgamento. cravido à liberdade (...) cuja gloria percorre o mundo, e que agora estava
caso desejeis recorrer ao que ese fez antes da anistia que eu le concedi, sobre acorrentado. Ele chamou Leclerc de parricida.
o que ocorreu depois desse período, no tenho nada. No ponto en que as
Foi esse crime, sem duvida, que o Consul desejou recompensar quando
cosas se encontram, o seu julgamento e a sua execucio apenas exasperariam
te deu o Governo de Sao Domingos.
os negros.
Leclerc, impotente, teve de engolir tudo aquilo. Mas isso no ajudou as
Deportados: Continuarei a enviar para a Corsega aqueles que deportar.
massas em nada.
Posico atual: O meu exercito inteiro está destruido. (...) A cada dias mais Desesperado, Leclerc convocou uma reunido com os colonistas e generis,
negros me abandonam. O infeliz decreto do general Richepanse. (.) para estudar o que deveria ser feito para deter a crescente insurreico. Os co¬
Generais negros: Esse é um problema muito delicado e, caso tivessem lonistas, que só pensavam nas glorias dos velhos tempos, eram unanimes: Sem

chegado os dez mil homens solicitados eu no precisaria falar mais escravos, nada de colonia. Christophe estava na reunio e protestou contra essa

esse asunto. politica, contra essa injustiça e suas consequencias: a destruicio da coloniae sua
perda para a França. Os colonistas foram inflexiveis. Só ento os generais negros
e mulatos comprenderam que no havia mais esperança. Todavia, ainda no
día 2 de outubro, um tribunal militar, composto interamente por homens de
Mas os generis negros se agarravam aos franceses. cor, julgou Charles Belaire sua esposa e os condenou ao fuzilamento. Ambos

No que Christophe, por exemplo, confiasse em Leclerc. Christophe morreram bravamente, com a esposa encarando o esquadro e recusandose a
ter os olhos vendados. Presos por lideres negros, condenados e executados por
estava to nervoso que mantinha comunicaces com aqueles mesmos re¬
lideres negros. Esse foi outro golpe nas massas negras.
bedes que ele perseguia. Quando o inevitável caiu sobre ele, protegeuse
desafiando Leclerc abertamente. Uma noite, convidado para jantar, no Mas naquele momento Dessalines estava em perigo. Ele havia enganado
foi enquanto seus soldados no estivessem em posicio de socorre-lo. Um Leclerc, mas no enganou Rochambeau, que jamais cessara de alertar os otros

oficiais franceses de que no deveriam confiar em Dessalines. Para manter a


oficial branco enchia o copo de Christophe constantemente. Num acesso
de raiva, ele le disse: confiança, Dessalines perseguiu e executou guerrilheiros com a maior fero¬
cidade. Já estavam em outubro, tres meses depois do seu entendimento com
Olha aqui, branquinho insignificante, se eu tivesse bebido todo o vinho
Pétion. Mas, com medo de Christophe, Clairvaux, Maurepas e o resto, ele nao
que tu me serviste eu estaría com vontade de beber o teu sangue eo sangue do pôde fazer nada. Nem ele e nem Pétion detinham a autoridade decisiva que
teu general tambem. Toussaint ou Rigaud teriam usado naquela crise.

64 Proclamaço de Christophe, 1814. In Beard, Life of Toussaint L'Ouverture, pag. 326.


62 26 de setembro de 1802. Ao Primeiro-Consul. 6 Rochambeau a Quantin, 2 de Brumario, ano XI (24 de outubro de 1802). Les Archives du
Ministère de la Guerre, B. 8.
5 26 de setembro de 1802. Ao ministro da Marinha.

318 319
Os jacobinos negros A guerra da independencia

Apesar da execucio de Belair no dia 2, quando Dessalines foi ver Leclere A maioria dos mulatos era hostil a retorno da escravido. Mas, a despeito
alguns dias depois, percebeu que estava em perigo. Fingiu estar desanimado e de suas ameaças, Clairveaux ainda hesitava. Foi Pétion que agiu e forçouo a
pediu a Leclerc que o enviasse à França. Leclerc, confiante, animou-o e disse tomar uma decisio. Pétion defendia posites perto de Le Cap com tropas mu¬
que novas tropas estavam chegando e que, juntos, dariam um grande golpe latas. Aqueles homens apenas aguardavam seus lideres. Ao comando de Pétion,
Leclerc viu Dessalines tremer dos pés à cabeça com essas boas noticias. eles empunharam as armas, desarmaram os europeus e, com uma singular
Haverá um terremoto gritou ele e said. humanidade que logo lamentariam, permitiram que eles voltassem a Le Cap
Pétion ento disse a Clairveaux que as tropas coloniais estavam revoltadas e
Grossero e cruel, manchado de crimes, ele merece o seu lugar entre os
que, se este no quisesse pagar com a cabeça por essas desergoes, a única saida
herois da emancipacao humana. Foi um soldado espléndido e no tinha outras
seria aderir. Só ento Clairveaux se junto a eles. Pétion e Clairveaux juntos
pretenses. Mas o odio daqueles que mereciam ser odiados e destruidos havia
tinham très mil soldados de cor, fiéis. Leclerc tinha apenas trezentos soldados
aguado as suas faculdades, e ele cumpriu um papel importante.
brancos em Le Cape no suspeitava da deserço dos mulatos. Se nao fosse pela
O tempo voava. Leclerc mal podia sair da cama para escrever. A opinio que vacilaçio de Clairveaux, uma rápida manobra teria posto Le Cap e o proprio
tinha dos negros quando escreven as ultimas cartas era bem diferente daquella
Leclerc totalmente em suas mos. Mas os franceses tiveram tempo de dar o
das primeiras cartas.
alarme, convocar reforços e colocarse em estado defensivo. Assim, quando
estado en que a colonia de Sao Domingos se encontra, devido à fatal Pétion e Clairveaux atacaram, foram rechaçados. Mas a cidade inteira estava
destruicio de seu exercito e às insurreices motivadas pelos decretos do muito assustada. Leclerc mandou mais de mil soldados negros para bordo dos
general Richepanse em Guadalupe, pareceme to perturbador que eu navios ancorados no porto, para tirá los do camino. Quando a batalla começon
decidi vos enviar o general Boudet. (...) Creia no que ele vos disser. Temos, e ele se sentiu ameaçado, ordeno que todos fossem afogados. Os marinheiros
na Europa, una idea falsa do pais no qual lutamos e dos homens contra os os massacraram e atiraram ao mar.
quais lutamos. (1)
Dessalines esperava no lado occidental. Ele estava preparado havia varias

semanas, no entregando as armas que conseguia tomar, como havia feito no


começo. Assim que soube que Pétion e Clairveaux haviam começado a rebelio,
Nenhuma de vossas cartas anuncia quais so as medidas que o Governo deixou Gonaïves e partiu para Petite-Rivière, avisando seus seguidores que
adotou para reparar a perda causada no meu exercito pela epidemia, que estivessem prontos para sublevar os trabaladores mediante um determinado

continua a fazer estragos. Todavía, desde o mes de Floreal, meus despachos sinal. O padre de Petite-Rivière convidou-o para tomar café e ele foi, sem saber
informam continuamente dos estragos que foram causados. Hoje o meu que ja havia sido dada a ordem para a sua prisio e que ele deveria ser preso no
exercito está destruido. (.)
presbitério. Madame Pageot, a criada mulata do cura, pos a mesa e trouxe a
Dessalines uma bacia de agua para que cle lavasse as más. Olhando-o firme
nos olhos, ela apertou os cotovelos contra o lado do corpo e mexeu-os para
trás, indicando que cle seria amarrado. Os soldados já estavam cercando a casa.
Na noite de 11 de outubro, durante uma recepto oferecida por Paulina Dessalines correu para a porta. O cura o chamou e ele respondeu que tinha de
Leclerc, o mulato Clairveaux disse abertamente, para quem quisesse ouvir: cumprit um dever militar. Pulou no cavalo e, seguido pela guarda, galopou na

— Sempre fui livre, apenas circunstancias novas permitiram que eu exaltasse direçio do Artibonite, atirando tres vezes para o ar e gritando: As armas! As
a minha cor ultrajada. Mas, se eu imaginasse que a restauracao da escravido
armas!". Escapou por pouco.
pudesse ser levada em consideracio, cu me tornaria um guerrishero.

66 27 de setembro de 1802. Ao Primeiro-Consul.


Grisos de Leclerc,
Ourubro de 1802. Ao ministro da Marinha. 68 POYEN, Histoire militaire de la Révolution.... p. 271.

320 321
Os jacobinos negros A guerra da independencia

Christophe ainda hesitou por un ou dois dias, mas no dia 14 de outubre de suas conquistas na guerra e na paz. Anteriormente ninguém poderia ima¬
finalmente juntourse a Pétion e Clairveaux. Os mulatos no Sul ainda estavam ginar que tamanho poder se ocultava num povo. Hilaire Belloc expressou isso
com os franceses, mas no Norte e no lado occidental as massas agora tinham muito bem quando disse que, depois de agosto de 1792, as classes reacionárias
soldados e líderes treinados. da Europa se armaram contra o novo monstro e dedicaram se a duas tareas:
Leclerc, devido à doença ou, quem sabe, à amargura, no deu essas chegar a Paris e destruir a democracia. Na primeira tarea, elas levaram 22 anos;

noticias ao seu cunhado ou ao ministro. Implorou a Christophe que vol¬ na segunda, ainda continuam empenhados.
Percebemos que foi assim em Sao Domingos. A populacio fora transfor¬
tasse, prometendo honrarias e riquezas. Christophe respondeu que ja era
rico e honrado o suficiente por possuir a propria liberdade e por assegurar mada. Ninguém poderia imaginar o poder que havia brotado nela quando
a liberdade de sua raça. Na noite de 2 de novembro, Leclerc morreu. Mas Boukman deu o sinal para a revolta naquela tempestuosa noite de agosto de

antes de falecer soube que havia fallado e que a França havia perdido Sao 1791. Rebelio, guerra, paz, organizacao economica, diplomacia internacional
Domingos. Dos 34 mil soldados franceses que haviam desembarcado, 24 e administracao, em tudo eles mostraram a sua capacidade. Agora a nova nacio
mil estavam mortos, & mil no hospital e restavam 2 mil homens exaustos. iria passar pela prova final.
Milhares de bravos soldados negros haviam morrido pelo crime de se recu¬ O que aconteceu em Sao Domingos depois da morte de Leclerc é uma

sarem a se tornar escravos novamente. A colonia estava devastada e brancos daquelas páginas da Historia que todo aluno deveria aprendere que, certa¬
e negros se trucidavam com ferocidade crescente, naquilo que poderia ser mente, aprendera algum dia. A luta nacional contra Bonaparte na Espanha e
chamada guerra racial, mas cuja origem nao estava na diferença de cor, mas o incendio de Moscou pelos russos, que enchem as histórias daquela época,
sim na cobica da burguesia francesa. Leclerc sabia que, apesar de todos os foram antecipadas e sobrepujadas pelos negros e mulatos da illa de Sao Do¬
reforços que pudessem ser enviados, tudo estava perdido. Antes de morrer, mingos. Os fatos foram registrados. Devido ao seu sacrificio e ao seu heroismo,
confessou sua mágoa por una aventura que fora emprendida contra homens os homens, mulieres e crianças que expulsaram os franceses no ficam nada
merecedores de melhor sorte, devido aos servicos que haviam prestado e a dever a todos aqueles que lutaram pela independencia em qualquer lugar do

poderiam ter prestado à França. Ele no faz jus a nenhum agradecimento mundo, e qualquer época. E a razo é muito simples. Eles haviam percebido,

por essa admissio. Pois ela nao serviu para reduzir o sangue que ainda seria finalmente, que sem a independencia no conseguiriam manter a liberdade, e

derramado eo sofrimento pelo qual ainda passaria o povo de Sao Domingos, a liberdade era mais concreta para os antigos escravos do que para as elusivas
antes de se libertar do morticinio, da ambicao, da crueldade, do sadismo formas de democracia politica na França.

e da desumanidade desencadeados sobre ele por Napoleo e seu Governo, Rochambeau sucede a Leclerc e confiava no sucesso. Embora en todo
em nome de uma civilizacio superior. o Norte e no lado occidental os franceses ainda mantivessem apenas Le Cape
algumas cidades, a So Domingos espanhola estava absolutamente tranquilae
a maioria dos mulatos no Sul, principalmente os proprietarios ricos, ainda les
era leal. Rochambeau, indo para Le Cap para assumir o comando, deixou o
Infelizmente, a condicio das colonias nao é contecida na França. Temos
negro Laplume responsável pelo Sul e este homem permanecen fiel ate o fim.
aqui uma falsa idea a respeito dos negros. (1) Os franceses estavam numa posicio crítica, mas Rochambeau exigiu quinze

Na Europa, temos una falsa idcia do país no qual lutamos e dos homens mil homens de una vez para destruir os guerrilheiros, depois outros dez mil
contra os quais lutamos. e finalmente mais dez mil. “Essas très remessas so indispensáveis. (1) Um

outro ponto essencial para o sucesso do nosso exercito é a destruicio total ou


Lá, os antigos escravos da revolucio de Sao Domingos estableceram sua a deportaço dos generais, oficiais e soldados negros e mulatos. Como aquelle
afinidade com a populacio da França revolucionária. Entre 1789 e Waterloo, em exercito negro os preocupaval Rochambeau pediu que aquele velhaco”, o
1815, o povo da França assombrou a Europa eo mundo como alcance colossal Toussaint, fosse enviado às gales:

322

A
Os jacobinos negros
A guerra da independencia

— Se ele vier para cá eu o enforcarei sem nenhum julgamento!


Os franceses os fuzilaram eos afogaram, centenas de cada vez. Aos ricos,

Sem muita demora, recebeu os dez mil homens de Bonaparte. A febre tam- além de executar, confiscavam as propriedades. No começo de março, o

bem estava acabando e os convalescentes começavam a voltar aos regimentos, Sul mulato estava totalmente rebelado. Mas os espanhois do lado occidental

Rochambeau capturou Fort Dauphin e Port-de-Paix e ficou ainda mais con¬ e Laplume ainda apoiavam os franceses. Rochambeau recebeu a todo vinte

fiante. O que o confundia, aparentemente, era a politica de Dessalines e Pétion. mil homens, depois da morte de Leclere. Mas naquele momento Dessalines

Christophe e Clairveaux estavam atacando, mas os negros e mulatos ha muito estava pronto.

já tinham recontecido Dessalines como comandante-chefe, com Pétion como No é possivel descrever essa guerra em pormenores. Foi uma luta mais

seu segundo em comando no oficial. Dessalines viajou pela illa reorganizando do povo do que dos exercitos. Era ento uma guerra na qual as divisées raciais

as tropas locais. Muitos dos pequenos chefes e soldados da tropa desconfiavam enfatizavam a luta de classes: negros & mulatos contra brancos. Leclerc havia

dele, como era natural. Ele e Pétion haviam perseguido e massacrado muitos proposto uma guerra de exterminio e Rochambeau a travou. Em 4 de novem-
bro, Kerverseau, que servira longo tempo sob Toussaint, ainda estava confiante
deles. Dessalines treinava diariamente os novos recrutas, preparandose para
em que os franceses poderiam contar com os negros livres e proprietarios,
uma campana em grande escala. Em meados de janeiro, Rochambeau pediu
tanto quanto com os brancos. Mas ele no contava com a precipitacio de
ordem para restaurar a escravido imediatamente. Leclerc nao ousara comu¬
Rochambeau. Uma semana mais tarde, seu tom havia mudado: “Isso nao é mais
nicar a ese a autorizaço dada por Bonaparte, to fortes eram os sentimentos até
uma guerra. E uma luta de tigres. Temos de estar enlouquecidos para mante-la,
mesmo na França pos-revolucionária à reacao selvagem da burguesia maritima.
e eu tenho de dizer as tropas: No é mais bravura o que espero de vos. E furia.
Enquanto aguardava a ordem, Rochambeau começou a exterminar os mula
Mas no se pode estar enfurecido o tempo todo, e a humanidade algumas vezes
tos por sua propria conta. Elles eram mais numerosos do que os brancos e, tendo
nos faz chorar!”. Ele chorava, mas lutava.
em vista a restauracao da supremacia branca, ele achou conveniente livrarse do
Rochambeau afogou tantas pessoas na baja de Le Cap que por muito
maior número possivel de mulatos, pois Rochambeau os odiava mais do que tempo os moradores do distrito no comeram peixe. Segundo o exemplo
odiava os negros. Uma noite, em Port-Républicain, deu um grande baile para
dos espanhois em Cuba e dos ingleses na Jamaica, ele trouxe 1500 ces
o qual convidou muitas mulatas. Foi uma festa magnífica. No meio da noite, para caçar os negros. O dia em que os animais chegaram foi uma festa¬
Rochambeau parou as danças e pediu que as mulieres fossem a um quarto
Foi construido um anfiteatro no terreno de um antigo convento jesuitae,
contiguo. Esse comodo, iluminado por una única lampada, estava forrado
certo dia, um jovem negro foi amarrado num poste no centro, enquanto
com cortinas negras com estampas brancas representando cranios. Nos quatro os brancos de Le Cap, com as mulieres vestidas com roupas coloridas,
cantos havia esquifes. No meio daquele terrivel silencio, as mulatas ouviram esperavam (e pensar que Toussaint havia executado Moïse e os negros de
cantos funebres entoados por cantores invisiveis. Paralisadas de terror, ficaram Limbé, Dondon e Plaisance por sua hostilidade para com essas mesmas
atônitas, e Rochambeau disse a ellas:
pessos). Rochambeau chegou ao som de musicas marciais, rodeado pelo
- Acabais de assistir aos funerais de vossos maridos e irmaos. seu Estado maior. Mas quando os ces foram soltos no atacaram a vitima.

Boyer, chefe do Estado maior no lugar do falecido Dugua, pulou na arena

POYEN, Histoire militaire de la Révolution..., p. 326. Lacroix no trata dessa parte. Escre¬
vendo en 1819, ele nao ousava revelar a verdade. Mas escreven um memorando a Napoleo, LACROIX. Memorando a Napoleo. Les Archives Nationales; A. F. IV. 1212. POYEN,
no qual descreve todos os pormenores do curso dos eventos. Les Archives Nationales, A. F. Histoire militaire de la Révolution..., p. 3712.
IV. 1212.
LACROIX, Mémoires pour servir...v. 2, B.253.
Ao ministro colonial, 25 de Nevoso, ano XI. (14 de janeiro de 1803) Les Archives du Mi¬ Kerverseau a Lacroix. 4 de novembro de 1802. Les Archives du Ministère de la Guerre, B. 8.
nistère des Colonies.
SANNON, Histoire de Toussaint-L’Ouverture, v. III, p. 150. Esse incidente encontra-se em Ibid., 11 de novembro de 1802.
Beard, o autor inglés, diz que as senhoras brancas de Le Cap foram recepcionar os ces no
dois dos primeiros historiadores, Ardouin e Delattre, e foram referidos por Sannon. dia em que estes desembarcaram eos saudaram com beijos.

324


Os jacobinos negros A guerra da independencia

e, com um golpe de sua espada, abriu a barriga do negro. Com a visio eo Dessalines era um genio limitado, mas era o homem certo para aquela

cheiro do sangue, os ces se atiraram à vitima e a devoraram num piscar de


crise, e no Toussaint. Ele respondia golpe com golpe. Quando Rochambeau
condenou à morte quinientos negros em Le Cape os mando enterrar num
olhos, enquanto os presentes aplaudiam e a banda tocava. Para incentivar
o gosto pelo sangue nos cachorros, todos os dias eram atirados negros para grande buraco enquanto esperavam a execucio, Dessalines ergueu forcas de
eles, até que os caes, embora inúteis nas batallas, passaram a se jogar sobre galhos e enforcou quinhentas pessos para que Rochambeau e os brancos
qualquer negro que viam. Os franceses queimavam vivos, enforcavam, de Le Cap vissem. Mas nem o exercito de Dessalines nem a sua ferocidade
conseguiram a vitoria. Quem a conquistou foi o povo. Eles queimaram Sao
afogavam e torturavam os negros. Retomaram o antigo hábito de enterrar
os negros no chao ate o pescoco perto dos formigueiros. No era apenas Domingos até as cinzas, de modo que, no fim da guerra, o país era um de¬
odio e medo, era política. Se a França deseja reconquistar Sao Domingos, serto calcinado.
precisa enviar para cá 25 mil homens de uma vez, declarar escravos todos — Por que vos queimais tudo? perguntou um oficial frances a um prisionero.
os negros e destruir pelo menos 30 mil negros e negras, pois estas últimas - Temos o direito de queimar aquilo que cultivamos, pois um homem
so ainda mais crucis do que os homens. Essas medidas so terrives, mas
tem o direito de dispor de seu proprio traballo, foi a resposta desse anarquista
necessarias. Temos de coloca las em prática ou renunciar à colonia. Quem
desconocidos
dissero contrario mente e engana a França. Esta era a opinio geral
E, longe de se mostrar intimidada, a populaçamo civil enfrentou o terror com
dos brancos: “Matemos todos e arranjemos novos, que no sabem nada
sobre liberdade e igualdade!" Eles acorrentaram dezesseis dos generais de tal coragem e firmeza que assustou os terroristas. Très negros foram condenados

Toussaint a uma pedra, onde definharam durante dezessete dias. Afogaram


a ser queimados vivos. Una grande multido assistia em volta, enquanto dois

ovelho Pierre Baptiste. A csposa e os filos de Maurepas foram afogados na deles eram consumidos, soltando gritos horriveis. Mas o tercero, um jovem

frente dele, enquanto os marinheiros pregavam divisas em seus ombros nus. de dezenove anos, amarrado de forma que no podia ver os outros dois, gritou

E justo que se diga que alguns dos franceses rejcitavam essas barbaridades. para eles em lingua crioula:
Alguns capites se recusavam a afogar os negros que les eram entregues, — Vos no sabeis morrer. Vede como se more! Com grande esforço, ele torce

mas en vez disso os vendiam como escravos. Outros os desembarcavam o corpo nas cordas e, colocando os pés nas chamas, deixon que queimassem

em praias desertas de Sao Domingos e noutras illas. Allix, comandante de sem soltar um gemido.
Port-Républicain, recusou as dez mil balas de canhao que ele deveria atar Eu estava la, disse Lemmonier-Delafosse, espectador da morte heroica
aos pés dos negros que seriam afogados. Rochambeau o expulsou. Mazard, daquele desgraçado, maior do que Múcio Scaevola”. (...) Aqueles eramos
outro capitá, trabalhou tanto para salvar os negros quanto seus colegas para homens contra os quais tínhamos que lutar. Outro foi atirado aos canes e
afogá-los. Mas eram gotas de agua no oceano. Foi a política dos tories que os
no demonstrou raiva, mas os acariciava e les fazia festa enquanto apresen¬
britanicos seguiram na Irlanda en 1921, e no os protestos do Manchester
Guardian ou da Society of Friends. E assim e sempre foi.

catolica. Os organismos mencionados so de tendencia religiosa. O jornal foi fundado em


1819 por pessos ligadas à industria textil de Manchester, na Inglaterra: eram religiosos
Memorando de Lacroix. Les Archives Nationales. SANNON, Histoire de Toussaint¬ no conformistas; a sociedade pertence, até onde pudemos descobrir, ao grupo religioso
Ouverture, v. III, pp. 152-3. dos quakers. (N. do T.)
Carta de Le Cap. 6 de outubro (14 de Vendemiario). Les Archives Nationales. In LOTHROP 50 Memorando de Lacroix. Les Archives Nationales.
STODDARD, The French Revolution in San Domingo, p. 347. Náo é preciso dizen que Múcio, heroi legendario de Roma, tento matar Porsina, Rei dos etruscos que assediavam a

Stoddard no tinha quisquer objeces a essa politica. cidade; preso, coloco a propria mano esquerda no fogo, deixando a quemar. Impressionado
autor se refere, provavelmente, à politica de Lloyd George, o Primeiro Ministro britanico. por tanta bravura o Rei deixo que partisse. Múcio passou a ser confecido por Scaevola,
mo esquerda. Varios juristas romanos adotaram esse nome. (N. do T.)
Em 1919 a Irlanda decretara a sua independencia e, en 1921, o Governo de Londres declara
LEMONIERDELABOSSE, Seconde campagne de Saint-Domingue précédée de souvenirs
a separacio do Ulster do territorio irlandes como nome de Irlanda do Norte, allegando que
historiques et succints de la première campagne, Paris, 1846.
um Estado, o Ulster, de formacio protestante deveria ficar separado de outro de formaço

326
Os jacobinos negros A guerra da independencia

tava os membros para serem dilacerados. Com as mulieres era a mesma resgatálo. No havia negros na França que pudessem fazerlo, e uma tentativa
cosa. Quando Chevalier, um chefe negro, vacilou a ver o cadafalso, sua dessas poderia ter sido antecipada pela furia dos jacobinos remanescentes,
muler o reprende: provocada por este aviltamento final da Revolucio: o restablecimento da
— No sabes como é doce morrer pela liberdadel E, recusandose a ser escravido. Mas esses temores eram infundados. Em uma cidade, alguns
enforcada pelo carrasco, pegou a corda e enforcourse ela mesma. oficiais franceses que haviam servido sob o seu comando, ao terem conse¬
cimento de sua passagem, solicitaram permisso para saudar o seu antigo
Outra muller encorajou suas filhas, que iriam ser executadas junto
con ella: comandante. Mas foi só.
No dia 24 de agosto, com seu fiel servidor, Mars Plaisir, Toussaint foi
Dai-vos por satisfeitas, porque no sereis mes de escravos.
aprisionado em Fort de loux, nas montanas do Jura, num altitude de mais de
Os franceses, impotentes diante dessa força, nao viam nela o poder da
mil metros. Leclerc escrevia ansiosamente suas cartas, com medo do lider negro.
revolucio, mas uma peculiaridade especial dos negros. Eles afirmavam que
Ele no tinha provas para acusálo. Mas os governos no precisam de provas
os músculos de um negro se contraiam com tanta força que o tornavam
e Bonaparte no eliminou Toussaint judicialmente, pois temia a repercussio
insensivel à dor. Eles afirmavam que escravizavam o negro porque este
em Sao Domingos de um julgamento e execucio. Mas Toussaint tinha de de¬
no era homem, e quando ele se comportava como homem chamavam no
saparecer e Napoleo decidiu matálo por maus-tratos, frio e fome. Segundo
de monstro.
instrues estritas de Bonaparte, seus carcereiros o humilhavam, chamavam no

Na primavera de 1803, Bonaparte preparava grandes armamentos para pelo nome e faziam no vestir roupas de presidiario; diminuiram sua comida
enviar a Sao Domingos no outono seguinte. Com sublime impudencia, e, quando chegou o inverno, reduziram sua cota de lenha para aquecimento;
culpava os negros pelo que estava acontecendo na illa. Num encontro do além disso, eles o separaram de seu servo”. Bonaparte enviou o seu ajudante
Instituto, na presença de Gregorio, disse que os amigos dos negros deveriam de campo Caffarelli para interroga-lo, para descobrir onde havia ocultado o seu
esconder o rosto diante das noticias de Sao Domingos. O fato de os negros
tesouro e quais acordos tinha feito secretamente com os ingleses. Caffarelli teve
no se submeterem docilmente a ser escravizados de novo era un crime sete entrevistas com ele e no descobriu nada. Nada havia para ser descoberto.
imperdovel e voltavam a vingança contra o home que consideravam o pois Toussaint no tinha nenhum tesouro e nem havia se vendido aos ingleses.
principal responsável pela sua decepcio. Foi a resistencia de Toussaint que
tratamento endurecia cada vez mais. Os carcereiros, ainda sob instruges
contrario todas as expectativas.
de Bonaparte, observavam no comere realizar suas necessidades naturais. Eles
temiam que escapasse e queriam que morresse o quanto antes, pois pensavam

que, uma vez que o grande lider estivesse morto, haveria maiores probabilidades
A ambico frustrada de Bonaparte e da burguesía francesa e o odio que de sucesso em Sao Domingos. No inicio, ele recebeu tratamento médico, mas
este logo foi cancelado pelo carcereiro, que alegou: “Como a constituiçio física
tinham do escravo rebelde que havia arruinado os seus planos podem ser
de um negro é totalmente diferente daquela de um europeu, dispense o médico
julgados pela brutalidade com que o perseguiram. Ele desembarcou em Brest
no día 9 de julho, reviu sua familia pela primeira vez desde que ela saira eo cirurgio, que seriam inúteis para ele".
de Le Cap e jamais voltou a ve-la novamente. No apenas Leclerc o temia,
Napoleo tambem, e Bonaparte temia a Revolucio Francesa, que ele eos
de sua laia haviam sufocado. Numa carruagem fechada e com instruges
84 ISAACLOUVERTURE. Mémoires.
concebidas e executadas como maior rigor e siglo, eles levaram Toussaint 5° Ele era mulato típico de Toussaint.
S NEMOURS, Histoire de la captivité et de la mort de Toussaint-Ouverture. Paris, 1929.
às pressas pela França. Bonaparte receva que ocorressem tentativas para
relato definitivo do cativeiro de Toussaint, com muitos dos documentos mais importantes

impressos na integra.
POYEN, Histoire militaire de la Révolution..., p. 224. Poyen cita o relatorio oficial
85 Memorando de Lacroix.
do carcerero.

328
Os jacobinos negros A guerra da independencia

vera ele estava morrendo. Numa manha de abril foi encontrado morto em
Toussaint estava com 57 anos c logo se abateu. Escrevia longos relatorios
sobre a sua conduta e dirigía cartas a Bonaparte solicitando um julgamento e sua cadeira.

apelando para sua grandeza e magnanimidade. Nao existe nenhum drama que se compare ao drama da Historia. Toussaint
morreu no día 7 de abril de 1803 e Napoleo deve ter pensado que metade da
Tive a desgraça de provocar a vossa cólera, mas, quanto à fidelidade e à
batalla de Sao Domingos estava vencida. Contudo, durante as últimas horas
probidade, estou en paz com a minha consciencia, e ouso dizer, com vera¬ de Toussaint, seus companheiros de armas, ignorando le o destino, redigiam
cidade, que entre todos os servidores do Estado nenhum é mais honesto do
a Declaraço de Independencia.
que eu. Fui um de vossos soldados e o primeiro servidor da República em
So Domingos. Hoje estou desgraçado, arruinado e desonrado, vitima dos

meus proprios servicos. Que a vossa sensibilidade seja tocada pela minha
Por alguns meses depois de novembro de 1802 o exercito nacional ainda
posicio; sois muito grande nos sentimentos e justo demais para no vos
pronunciardes sobre o meu destino. (.) portava a bandera da França. E dezembro, espalhouse um rumor entre os
franceses de que os negros e os mulatos no estavam lutando pela indepen¬
No alerta ao Diretorio, como em suas proclamaces aos soldados e ao dencia pois ainda usavam as cores da França. Para acabar comisso, Dessalines
povo, e tambem naquele momento en que se encontrava to amargurado, os convocou uma conferencia em Arcahaye. Das très cores, vermelha, branca
limites de suas concepces políticas se nos revelam. A cadencia sombria na e azul, foi retirada a branca e, en lugar das iniciais R. F. (République Fran¬
qual ele suplica por um julgamento é a evidencia de sua sinceridade fatalista.
çaise), inscreveuse Liberdade ou Morte”. A nova bandera foi desfraldada
Apesar da traicio da França, ele ainda se via como parte da República Fran¬
no dia 18 de maio. No mesmo dia, alguns oficiais do Sul que voltavam as
cesa, una e indivisivel. Ele no conseguia pensar de outra forma. O decreto
seus postos foram ameaçados de ser capturados por um cruzador francés.
de 16 de Pluvioso havia marcado em sua mente o inicio de una nova era para
Para no se renderem, Laporte, o oficial mais graduado, ordeno que o barco
todos os franceses negros. Suas experiencias com os comissarios franceses,
fosse afundado e atirou em si mesmo com a pistola, enquanto a tripulacio
seus temores pelo povo e seu duro senso de realidade haviam no levado pelo
desaparecia sob as aguas, gritando: Viva a independencial. Poucas semanas
camino da independencia. Mas havia um limite, além do qual no poderia
depois da conferencia de Arcahaye, Sao Domingos soube que a guerra entre
ir. Ele tinha a convicto profunda de que os franceses jamais restaurariam a
a Gra-Bretanha e a França havia recomeçado: Rochambeau fora isolado pela
escravido em Sao Domingos e acreditava, erroneamente, que, uma vez sal¬
frota britanica.
vaguardados os mejos de defender a liberdade para todos, nenhum sacrificio

seria grande demais para fazer com que os franceses enxergassem a razo. Por
Essas noticias eram bem-vindas, mas os negros de Sao Domingos

esse motivo, sua maior preocupado no carcere era o destino de su esposa e já sabiam tudo o que tinham de saber sobre o imperialismo. A política
dos ingleses era oportunista. Eles no hostilizavam as cidades costeiras e
seus filos. Sobre o futuro de Sao Domingos ele se manteve em um silencio
inquebrantável. Suas palavras ao capito, ao subir no navio, foram as últimas
permitiam que os navios americanos abastecessem Rochambeau em Le
Cap. Provavelmente esperavam para ver se Rochambeau conseguiria uma
que pronuncio a esse respeito. A manutenço da liberdade para todos havia
vitoria temporaria, pelo menos em parte de Sao Domingos, quando entro
sido o trabalho de toda a sua vida, e aquelas palavras e o silencio posterior
cram intencionais. poderiam entrar en acao e capturar a colonia dos franceses. Mas eventu¬
almente passaram a dar apoio total a Dessalines, fornecendole armas e
Tremendo de frio, elle passava seu primeiro inverno numa cela sem
municies. Todavia, Dessalines no procurava cooperaço de nenhuma
aquecimento adequado, em cujas paredes escorria a umidade. Sua constitui-

çio forte, que havia suportado as privages e fadigas de dez anos terriveis,
agora se encolhia diante do fogo de algumas achas de lenha, racionadas

por ordem de Napoleo. O seu intelecto, até ento desperto, sofria colapsos
88 SANNON, Histoire de Toussaint-L'Ouverture, v. III, p. 185.
periódicos e entrava em coma por longas horas. Antes de chegar a prima¬

330 331
Os jacobinos negros A guerra da independencia

espécie e pagava em dinheiro aos ingleses e americanos tudo o que adqui¬


com as plantages destruidas, So Domingos em ruinas, com suas vidas em
ria deles perigo e suas propriedades confiscadas, eles se voltaram contra Rochambeau
e o reprenderam. Alguns esperavam ansiosamente a paz com os negros. A
luta tornouse inútil para os franceses, inútil dentro de suas proprias divisées,
inútil devido aos números contrarios a eles e pelo espírito que impulsionava
A guerra na Europa foi o ponto decisivo. A Sao Domingos espanhola ainda o exercito negro. Os relatos podem ser encontrados na história do Haiti e nas
estava tranquila, mas no Norte, no lado occidental e no Sul a revolucio pela memorias dos oficiais franceses que sobreviveram. No día 16 de novembro, os
independencia nacional expulsava os franceses de suas posices fortificadas e negros è mulatos se concentraram para um ultimo ataque a Le Cape aos postos
os encurralava nascidades costeiras.
fortificados que rodeavam a cidade.
Era uma guerra do povo, o qual aplicava aos franceses os ardis mais auda¬ O mulato Clairveaux estava no comando e, com ele, Capois Morte, oficial
ciosos. Uma noite, Lacroix desejou fazer um reconfecimento. Ouviu a certa negro assim alcunado por causa de sua bravura. O exercito nacional atacou
distancia uma voz baixa dizen: de manha. A tarde, sob o fogo cruzado dos mosquetes e da artillaria, Capois
— Pelotto! Alto! Direita, volver. liderou o assalto aos fortins de Bréda e Champlin, gritando:

Esse comando foi repetido umas vinte vezes, a longo de una extensa Para frente Para frente
linha. Logo, ouviu alguns comandos, de diversos chefs, en dialeto crioulo, Os franceses estavam entrincheirados e rechaçaramos negros diversas vezes,
advertindo os homens para no falarem nem fumarem. Os franceses toma¬ mas estes retornavam sempre como mesmo ardor. Uma bala derrubou o cavalc
de Capois. Fervendo de raiva, ele se recompose, fazendo um gesto desdenhoso
ram as suas disposices e esperaram a noite toda por um ataque surpresa.
Quando amaneceu, descobriram que haviam sido enganados por uns com a espada, continuou a avançar, gritando:
cem trabaladores.
— Para frente Para frente

— Se dermos muita atencio a essas artimanhas, perderemos o moral, mas Os franceses, que ja haviam lutado em tantos campos de batalha, jamais
se as negligenciamos poderemos ser apanhados de surpresa.
presenciaram uma batalla como aquela. De todos os lados vinha uma tem¬
Os mulatos iniciaram a ofensiva por terrae por mar. Construiram botes pestade de gritos:
leves nos quais deslizavam pelos rios e em torno da costa, atacando os navios, Bravo Bravo
massacrando os prisioneiros e fazendo pilhagens. Os franceses eram impotentes
Os tambores rufavam. Os franceses cessaram fogo. Um cavaleiro frances
diante deles. Os negros recolhiam os botes, escondiam nos em terra e faziam
saiu e avançou para a ponte. Ele trazia uma mensagem de Rochambeau.
ataques de guerrilha contra os soldados franceses; depois desapareciam rapida-
capito-general envia cumprimentos reverentes ao oficial que se cobrir de tanta
mente rio abaixo para reaparecer inesperadamente no mar. Capturaram dois
navios que haviam furado o bloquei, um de Nantes e outro do Havre, e mas¬
gloria." Sem que os negros disparassem um tiro, o cavaleiro volto ao fortim
e a batalla recomeçon. A luta fora um pesadelo tano grande que agora todos em
sacraram todos a bordo. Os franceses, ameaçados de aniquilaçio, defenderam-
So Domingos, brancos e negros, ficaram um tanto alucinados.
se valorosamente. Mas, sob a presso do ataque e do bloquei, uma diviso
Meio seculo depois, Lemmonier-Delafosse, que acreditava na escravi¬
irrompeu entre o exercito e os brancos locais. Rochambeau, sem dinheiro, fixo
dio, escreveu em suas memorias: “Mas que homens so esses negros Como
pesadas taxas sobre eles cos brancos locis se rebelaram. Estavam dispostos a
lutam! E como morrem! E preciso guerrear contra eles para confecer a sua
conviver com Toussaint. Embora alguns preferissem que Leclerc nao tivesse
coragem temeraria em arrostar o perigo quando ja nao podem mais recorrer
vindo, sendo brancos, eles se juntaram ao exército de Leclerc e agarravam se
a estratagemas. Vi uma sólida coluna, despedaçada pela metralha de quatro
avidamente à oportunidade de restablecer o dominio branco. Mas agora,
tiros de canhao, avançar sem retroceder nenhum passo. Quanto mais com¬

89 Ibid., p. 185.
SANNON, Histoire de Toussaint-Ouverture, v. III, p. 195.
LACROIX, Memorando a Napoleo. Les Archives Nationales, A. F. IV. 1212.

332
333
Os jacobinos negros A guerra da independencia

paneiros caíam, maior parecia a coragem dos que restavam. Avancavam No dia 28 de novembro, um dia antes da data fixada para sua partida,

cantando, pois os negros cantam o tempo todo, fazem musica para todas as Rochambeau tentou chegar a um acordo sobre seus homens e navios com os

cosas. Aquela era una canço de homens bravos, e dizia o seguinte: britanicos que esperavam por ele fora da barra. Os britanicos ditaram condi¬

Ao ataque, granadeiro, çes muito duras e Rochambeau ameaçon desembarcar em Caracole retirarse
Quem morrer, problema seu¬ para a Sao Domingos espanhola, que ainda estava nas máos dos franceses.
Dessalines advertiuo de que, se ele no se retirasse imediatamente, seus navios
Esqueça a mae,
seriam bombardeados com bombas incendiarias. Desde cedo as fornalhas de
Esqueça o pai,
Fort Picolet estavam queimando e Rochambeau nao teve alternativa senio
Ao ataque, granadeiro,
renderse aos ingless. Dos sessenta mil soldados e marinheiros que haviam
Quem morrer, problema seu
partido da França, quase todos pereceram e os poucos que restaram iriam
Aquela canço valia por todas as nossas cances republicanas. Por très apodrecer durante anos nas prises inglesas.
vezes, aqueles homens bravos, com as armas na mo, avançaram sem dar um
No dia 29 de novembro, Dessalines, Christophe e Clairveaux (Pétion estava
tiro e, todas as vezes que eram rechaçados, so se retiravam depois de deixaro
doente) divulgaram uma proclamacao preliminar de independencia, em tom
chao juncado com tres quartos de suas tropas. E preciso ver aque la bravura para
moderado e que deplorava o derramamento de sangue dos años anteriores. Em
se ter uma idea dela. Aquelas cances, cantadas a plenos pulmones por duas mil
31 de dezembro, a Declaraço de Independencia definitiva foi lida numa reunio
vozes, sob a harmonia do canha, produziam um effeito empolgante. So mesmo
com todos os oficiais em Gonaïves. Para enfatizar a ruptura com os franceses,
a coragem francesa poderia enfrentala. Na realidade, as largas trincheiras, uma o novo Estado foi batizado de Haiti. Dessalines fez uma tentativa para tomar a
excelente artilharia e soldados perfeitos nos davam uma grande vantagem. Mas,
So Domingos espanhola, mas a Revolucio Francesa jamais teve qualquer apoio
por muitos días, aquela massa que marchava cantando para a morte, iluminada
lá, e ele fracassou. Em outubro de 1804 ele se coroou Imperador. Mercadores
por um sol magnífico, permanece no meu pensamento e até hoje, quarenta
privados de Filadelfia o presenteram com a coroa, trazida pelo navio ameri¬
anos depois, aquele espetáculo majestoso e glorioso ainda está vivo na minha
cano Connecticut, e seu manto de coraço imperial chegou ao Haiti vindo de
imaginacio como no momento en que ovi.
Londres, via Jamaica, numa fragata inglesa. Ele fez sua entrada solene em Le
Aquele acontecimento despertou até mesmo em Rochambeau, que odiava Cap numa carruagem puxada por seis cavalos, trazida pelo agente inglés Ogden,
os negros, um gesto cavalheiresco. Dessalines, lider local, estava posicionado a bordo do Samson. Assim, o monarca negro entrou de posse de sua herança,
numa colina próxima. Até ele, confecido como o mais bravo de todos, foi vestido e servido pelos capitalistas ingleses e americanos, apoiados, por um
tomado pelo espírito que animava Capois e seus homens e, emudecido de lado, pelo Rei da Inglaterrae, por outro, pelo Presidente dos Estados Unidos.
admiracio, ficou observando o ataque, revirando na máo a sua legendaria

tabaqueira. Uma chuva repentina parou o combate. Mas era o fim. Naquela

noite, Rochambeau convocou um conselho de guerra e decidiu evacuar a


No começo do ano de 1805, os brancos do Haiti foram massacrados por or¬
illa. Toussaint havia morrido ha apenas sete meses, mas a sua tarea estava
dem de Dessalines. Todas as verses da Historia contam isso. Um representante
concluida. Com homens que tremiam de medo diante de qualquer valento
do Governo britanico, certa vez, atirou isso na cara do delegado haitiano em
branco, em dez anos ele organizou um exercito que nada ficava a dever aos
um encontro da Liga das Naçones. Ele teria sido mais cauteloso se connecesse o
melhores que a Europa ja havia visto.
papel que o seu altamente civilizado país representou naquele suposto exemplo
da típica selvageria negra.

Já no ha duvida, meu caro general”, escreveu o triunfante Dessalines a


um de scus oficiais no Sul, o país é nosso e o famoso quem ficará com ele ja 92 Ver nota 96.
está decidido. 9 Lorde Cecil.

334
Os jacobinos negros A guerra da independencia

A paciencia e a indulgencia dos pobres esto entre os principais baluartes caído sob o machado. Aqueles canibais civilizados, em sua ganancia por
dos ricos. Os trabaladores negros de Sao Domingos tinham recebido provoca¬ negocios, desejavam abrir uma brecha entre o Haiti e a França, para impedir
çones suficientes dos brancos para justificar um massacre très vezes maior. Mas qualquer possibilidade de unido. Em vez de usar a sua influencia no sentido
até outubro de 1802, embora soubessem que a escravido seria restaurada caso correto, preferiram fazer aquelas propostas a um povo exasperado por sécu¬

perdessem a guerra, os pobres desgraçados ainda guardavam alguns traços de los de provocaço e to tensos ao ponto de explodir por causa da invasio de
humanidade e, mesmo ento, alguns brancos teriam escapado ao massacre. Leclerc e das crueldades de Rochambeau. Esse foi um dos crimes mais infames

Tudo que os trabaladores queriam era que fossem deixados en paz, com e injustificados en toda essa história lamentável. Embora nao haja evidencias,
a certeza de que os brancos no procurariam torna los escravos novamente. os americanos provavelmente tambem estavam envolvidos. Durante toda a

Mas as cartas de Leclerc revelam que ele havia decidido declarar uma guerra campana de Leclerc, eles tomaram o partido dos negros, acusaram Leclerc

de exterminio, a qual consistia em massacrar o maior número possivel de ne¬ de crime, traicio, assassinato e sacrilegio, publicaram em seus jornais as
gros. O afogamento de mais de mil deles em Le Cap, de uma só vez, nao foi maquinações perfidas de Leclerc contra o infeliz Toussaint, e, de modo

um ato de panico: aquilo foi feito deliberadamente. Com isso, iniciouse uma geral, estavam consumidos por aquela indignacio virtuosa que caracterizon
o capitalismo anglo-saxo sempre que as propriedades e os lucros corriam
guerra racial, que Rochambeau concluiu quando tento exterminar os negros
e tambem os mulatos. perigo. No há dúvida de que a grande maioria do povo inglés teria se re¬
voltado, horrorizada diante de tamanha barbaridade, como a vasta maioria
Mas os brancos de Sao Domingos, quando viram as armas e a politica
dos franceses depois de 1794 que desaprovava a escravido. Mas hoje, como
de Rochambeau fracassarem, mais uma vez se voltaram para os negros. A
naquela época, os grandes proprietarios e seus agentes cometem os crimes
moderada proclamaço de Dessalines em 29 de novembro os tranquilizou.
mais ferozes em nome de todo um povo e blefam e intimidam por meio de
Dessalines até mesmo convido os emigrados brancos a voltarem e reto¬
propaganda mentirosa.
marem a posse de suas propriedades. Os negros no queriam os seus bens:
O primeiro rascunho da Proclamaça entregue a Dessalines no Congresso
Esse pensamento injusto está bem longe da nossa mente. Os franceses, ao
foi por ele rejeitado por ser muito moderado. O segundo, que teve sua apro¬
se retirarem, ofreceram passagem aos brancos em seus navios. Estes recusa¬
vacao, trazia uma nota nova: Paz aos nossos vizinhos. Mas anátema ao nome
ram unanimemente. Aqueles abominaveis hipocritas, agora que sua última
da França. Odio eterno à França. Esse é nosso grito”. Dessalines foi coroado
cartada pela supremacia havia fallado, queriam acomodar-se num Estado
em outubro de 1804. Os proprietarios brancos ainda permaneciam incolu¬
negro independente.
mes. A populacao negra, apesar das proclamaçes incendiarias de Dessalines
O motivo pelo qual no conseguiram essa acomodaço no foi devido
incitando a contra os brancos, no os molestou em absoluto. Em janeiro veio
apenas ao justificado odio dos negros, mas à selvageria calculada do impe¬ a ordem para massacra-los, mas mesmo assim no houve um holocausto.
rialismo. Podemos supor que Dessalines desejasse destruir todos os brancos.
Em fevereiro e março, Dessalines emprenden uma campanha contra os
Ele havia combinado com Rochambeau que protegeria os franceses feridos.
franceses no país. Sitiou Sao Domingos e, no vigesimo segundo dia do cerco, a
Assim que Rochambeau partiu, ele os massacrou. Mas Christophe certamente
cidade estava para cair em suas mos quando uma esquadra francesa aparecen
no tinha tal intençio e toda a narrativa de Clairveaux mostra que ele era
no porto, comandada pelo almirante Missiessy. Ao mesmo tempo correu o
um homen que no abrigaria tais ideas. Mas quando o Congresso se reuniu
boato de que outro esquadro francés estava no porto de Gonaïves. Dessalines,
em Gonaïves havia très ingleses presentes, um dos quais era Cathart, agente
sentido que o Haiti estava ameaçado, levantou o sitio e correu para casa. Foi
britanico. Eles juraram que a Inglaterra comerciaria com Sao Domingos e
reconfeceria sua independencia apenas quando o último dos brancos tivesse
9 GUY, La Perte de Saint Domingue. Du Traité d'Amiens au couronnement de Dessalines. D'après
le mémoires (.) conservés aux Archives des Colonies. Fonds Moreau, f. 283. M. Camille Guy,
Bulletin de géographie historique et descriptive, N° 3, 1898, p. 17-8.

A POYEN, Histoire militaire de la Révolution..., p. 436. Extratos de jornais americanos entre os arquivos de Leclere. Les Archives du Ministère de la

Guerre. B. 6.

336
Os jacobinos negros A guerra da independencia

ento que o massacre acontece. A populacao, amedrontada com a proximidade a seu favor, pois, se os haitianos pensavam que o imperialismo os havia

da contrarrevolucio, matou todos com a maior brutalidade possivel. Depois da esquecido, estavam muito enganados.
primeira matança, Dessalines publicou uma declaraço prometendo o perdio
a todos que estivessem escondidos. Eles sairam dos esconderijos e imediata¬

mente foram mortos. Mas Dessalines tomo todos os cuidados para proteger Pitt, Dundas e os demais ficaram satisfeitos. A maravillosa colonia de
os brancos ingleses e americanos e poupou tambem os padres, os trabaladores So Domingos no era mais a sua rival. Como no conseguiram tomá-la
especializados e os profissionais de saude. Toussaint havia escrito a Bonaparte para si mesmos, deixaram de se preocupar com as Indias Occidentais de uma
solicitando exatamente pessas como essas para ajudarem. E mesmo o feroze¬
vez por todas. Mas a França queria a colonia de volta. Apenas a guerra com
ignorante Dessalines, embora ainda com as marcas do chicote em sua pele, teria a Inglaterra e a destruicio da frota francesa em Trafalgar (já enfraquecida
esquecido o passado caso houvesse qualquer sinal de boa vontade ou generosidade
pela perda de todos os marinheiros mortos em Sao Domingos) impediram
por parte dos adversarios. Isso no era idealismo. Temos a carta que Bonaparte uma nova expedicio. A burguesia francesa esperava pacientemente. Eles
escreveu quando estava prestes a dirigir suas forças contra o Oriente. Naquela
sempre planejaram restablecer a escravido. Mauviel, o bispo que hauia sido
ocasio ele estava disposto a deixar que Toussaint governasse. E quando estava
poupado por Dessalines, agindo como espio, informou a Bonaparte sobre
em Santa Helena confesso que a expedicio havia sido um erro e que deveria as fortificaçones e os planos de defesa. O reverendo cavalheiro, declarando
ter governado a ilha por intermédio de Toussaint L'Ouverture. Finalmente, ele depreciativamente que la sua esfera no era a arte militar, modestamente
se convencera pelo único argumento que os imperialistas entendem.
submeteu a Napoleo um verdadero plano de campana. A maioria dos ne¬
O massacre dos brancos foi uma tragédia, mas no para os brancos.
gros, ele estava certo, desejava ser escrava. Mas, acima de tudo nas colonias,
Por aqueles antigos donos de escravos, aqueles que queimavam polvora no
com a diferença de core com seu clima quente, a religio era necessaria
trasciro de um negro, que o enterravam vivo para ser comido pelas formigas, para reprimir a effervescencia das paixes. Sem ela, os negros novamente se
que foram bem tratados por Toussaint e que, assim que tiveram oportuni¬
abandonariam aos seus instintos brutais e se entregariam a novos excessos.
dade, recomeçaram as velhas crueldades: por esses nao é preciso desperdiçar Apenas falandoles em nome de Deus é que ento se poderia persuadi-los de
nem uma lagrima e nem uma gota de tinta. A tragédia foi dos negros e dos que o estado de dependencia no qual eles se achavam fazia parte dos planos
mulatos. Aquela nao era uma política e sim uma vingança, e a vingança da Providencia Divina. Apesar disso, depois da restauracao, deveria existir
no tem lugar na política. Os brancos no precisavam mais ser temidos, uma policia armada e uma gendarmerie, colunas moveis patrulhando todos
e esses massacres sem propósito degradam e brutalizam uma populacio, os pontos, botes leves cruzando constantemente os portos. A religio, ao que
principalmente uma que estava começando a constituir uma naçio e que
parece, no era suficiente.
tinha um passado to amargo atrás de si. O povo nao queria o massacre:
Como fazer com que os futuros escravos aceitassem a escravideo? Outro
tudo o que desejava era liberdade, e a independencia parecia prometer essa
cavalciro propos que fossem ensinados a ler mas no a escrever. Dessa forma,
liberdade. Christophe e outros generais desaprovavam energicamente
poderiam ler oraçones e livros edificantes, nos quais aprenderiam as cruelda¬
Se os britanicos e americanos tivessem tomado o partido da humanidade,
des praticadas pelos espanhois e ingleses contra os indios de pele vermella.
Dessalines teria se curvado. Da forma que se passou, o Haiti sofreu terri¬
Ele desejava incluir nos livros principalmente o episodio en que os ingleses
velmente como isolamento resultante. Os brancos foram banidos do país
convidaram os peles vermelhas para celebrar um tratado de aliança e os en¬
por muitas geraces, e a pobre nacio, economicamente arruinada, com a
venenaram com rum. Uma outra proposta sugeria que una expedicio no
populacio carecendo de cultura social, teve suas dificultades inevitáveis
duplicadas por aquele massacre. Que o novo país tenha sobrevivido é algo

98 MAUVIEL, Memorando a Napoleo. Les Archives Nationales A. F. IV. 1212.


POYEN, Histoire militaire de la Révolution.... p. 470. Diversos memorandos sobre a América. Les Archives du Ministère des Affaires Etrangères.
Os jacobinos negros A guerra da independencia

apenas poria em atividade o capital adormecido e estagnado dos individuos contato com os negros, ter-se-ia idea do que pensaram os condes, marqueses

na propria França, mas tambem atrairia homens endinheirados de otros


e outros magnatas coloniais da época sobre Jean-François, Toussaint e Rigaud
países (.). Essa proposta veio da Inglaterra ou dos Estados Unidos, pois quando a revolta começon.
estava escrita em inglés. Os governantes do Haiti deveriam ser aposentados Os negros da Africa so mais avançados e mais preparados do que eram
e perdoados.
os escrayos de Sao Domingos. Eis aqui o apelo escrito por um obscuro

Todavia, aqueles que confeciam Sao Domingos sabiam que la jamais negro rodesiano, em quem arde a mesma chama que ardia em Toussaint
haveria escravido para os negros novamente, e a proposta de Lacroix era para Ouverture.
exterminar todos os negros que restassem e trazer novos da Africa. Essa era
Ouvi todos vos que viveis no país, pensai bem em como eles nos tratam e
a opinio predominante. Lacroix era um soldado valente e um homem muito
culto. Confecia os líderes negros pessoalmente. Mesmo depois da derrota, ele em como pedir uma terra. Vivemos bem tratados? No. Portanto, pergun-
temo nos uns as outros e lembremos desse tratamento. Porque desejamos
escreveu elogiosamente sobre eles e o seu povo, mas no existe nada to feroz
que, no dia 29 de abril, cada pessoa deixe de ir ao trabalho, aquele que for
quanto um imperialista nas colonias.
trabalhare for visto estará com um serio problema. Já sabes como eles nos
Finalmente, aqueles trabaladores negros e os mulatos do Haiti nos
fazem sofrer, como nos enganam por dinheiro, como nos prendem por
deram um exemplo a ser estudado. Apesar da reacio temporaria do fascismo,
vagabundagem, nos perseguem e nos poem na cadera por causa dos im¬
os padres predominantes de liberdade e igualdade humana esto infinita
postos. Que reacao tivemos? Em segundo lugar, vos que no quereis ouvir
mente mais avançados e mais profundos do que os que existiam em 1789.
essas palavras, bem, ouvi, estamos en 1935, se eles no aumentarem nosso
Julgados relativamente por esses padres, os milhoes de negros da Africa e os
dinheiro, pararemos de pagar impostos; pensais que podem nos matar?
poucos dentre eles que foram educados so to excluidos naquela vasta prisio
Náo! Tomemos coragen; certamente vos vereis que Deus está conosco. Vede
hoje quanto os negros e os mulatos de Sao Domingos no século XVIII. Os

imperialistas contemplam uma eternidade de exploracio africana: africa¬ como sofremos como trabalho e como somos continuamente envilecidos

e surrados até cair. Muitos dos nossos irmos morrem por 22 vintense seis
no é atrasado e ignorante (...). Eles esto sonhando. Se, em 1788, alguém
tivesse contado ao conde de Lauzerne, o ministro; ao conde de Peynier, o centavos, é por esse dinheiro que devemos perder a nossa vida: Aquele que

Governador; ao general Rochambeau, o soldado; a Moreau de Saint-Mery, no sabe ler deveria dizer ao seu companheiro que no vá ao trabalho no
o historiador; a Barbé de Marbois, o burocrata; que milares de brutos es¬ día 29 de abril. Essas palavras nao saem daquí, elas vem dos mais sabios,
túpidos, chicoteados para trabalar pela manha e chicoteados, novamente que esto distantes e podem nos encorajar.
Isso e tudo. Quam bem e, se for direito, deixem nos fazer assim.
à noite; que eram submetidos a mutilaces, quemaduras e outras selvage
rias, alguns dos quais nem mesmo se moviam se no fossem chicoteados; se Somos todos dos kana.
aqueles finos cavalheiros soubessem que, dentro de très anos, os negros iriam Africanos, Homens e Mulheres.
quebrar os seus grilles e enfrentar o exterminio para no ser agrilhoados
Estou satisfeito,
novamente, aqueles cavalheiros pensariam que quem dissesse tal cosa estaria
G. Loveway.
louco. Ao passo que, se hoje alguém sugerir a um potentado branco colonial
Homens como Loveway so os herois de um novo mundo. Outros
que, entre os negros que este governa, há homens infinitamente superiores
em capacidade, energia, alcance de viso e tenacidade de propósito a ele, surgirao, e mais outros tambem. Do povo que se esforça em agir surgiro
que, dentro de cem anos, seus brancos serio sembrados apenas devido ao seu os líderes; no dos negros isolados no Guys Hospital ou na Sorbonne, dos

10 LACROIX. Memorando a Napoleo.


Ver prefacio à ediçio Vintage, p. vii. 102 Comando 5009.

341
Os jacobinos negros

dilettantes do surrealismo ou dos advogados, mas dos calmos recrutas de

uma força policial negra: o sargento do exercito nativo francés ou da policia


inglesa, aquel que se familiariza com as táticas e estratégias militares ao
APENDICE
ler um panfleto perdido a respeito de Lenin ou Trotski, como Toussaint

que lia o padre Raynal.

A Toussaint L'Ouverture
O sucesso no virá do isolamento da Africa. Os negros exigira trabalado-
res treinados e professores. O socialismo internacional precisará dos produtos de por William Wordsworth

uma Africa livre, bem mais do que a burguesia francesa precisava da escravido
e do tráfico de escravos. O imperialismo se gaba de explorar a riqueza da Africa

para beneficiar a civilizacio. Na realidade, por causa da natureza do seu siste¬ Quando a sorte, Toussaint, encontrarás?
ma de produçio pelo lucro, ele estrangula a verdadeira riqueza do continente: Se o rangido do arado das sementes
Resso em teus ouvidos; se consentes
a capacidade criativa do seu povo. O africano enfrenta uma longa e difícil jornada

e precisará de orientacio. Mas ele progredirá rapidamente, porque caminhará Dormir en poco imundo, pertinaz;
com os pés no cho e a fronte no futuro. Quando e em que posto tu repousarás,
Misero comandante? Embora ostentes

O orgullo por detrás dessas correntes,


Caiste, e nunca mais levantarás.

Sossega, atrás de ti ficou o poder


Que agirá em teu lugar: a terra eo dia,
Vendavais que nas brisas se consomem,

No havero jamais de te esquecer.

Deixas o amor, as glorias, a agonia


Eo espírito indômito do homem.

Toussaint, the most unhappy Man of Men!


Whether the whistling Rustic tend his plough
Within thy hearing, or thy head be now
Pillowed in some deep dungeons cartes den;

miserable Chieftain where and when


Wilt thou find patience? Yet die not; do thou
Wear rather in the bonds a cheerful brow:
Though fallen Thyself, never to rise again,
Live, and take comfort. Thou hast left behind
Powers that will work for the air, earth, and skies;

There's not a breathing of the common wind

That will forget thee, thou hast great allies,

Thy friends are exultations, agonies,


And love, and Mans unconquerable mind.
Apendice

desconexos de flutuacao, pontuado de estimulos, de saltos e de catastrofes.


Mas o movimento embrionario é claro e forte.

De Toussaint L'Ouverture à Fidel Castro A história das Indias Ocidentais é dominada por dois fatores: a plantacao
da cana-de-accare a escravido do negro. O fato de a maioria da populaça
de Cuba nunca ter sido escrava nao afeta o esboco da sua identidade social. O
plantio da cana-de-accare a escravido, onde quer que existissem, impunham
um padro. Trata se de um padro original, que no é europeu, nem africano

e nem em parte americano, tampouco é nativo, no sentido dado hoje a esse


Toussaint L'Ouverture no está ligado a Fidel Castro apenas pelo fato
termo; mas das Indias Occidentais, sui generis, sem paralelo en qualquer outra
de ambos terem liderado revoluces nas Indias Occidentais, Tampouco esse
parte do mundo.
laco é uma demarcacio conveniente ou jornalística de um período históri¬
A plantagio da cana-de-accar foi a influencia edificadora e civilizadora no
co. O que havia acontecido na Sao Domingos francesa entre 1792 e 1804
desenvolvimento das Indias Ocidentais. Quando os escravos chegaram a esses
repetiu-se em Cuba en 1958. A revolucio servil da Sao Domingos francesa
illas, há trezentos años, eles entraram diretamente no sistema de produçio
caminou até
agricola em larga escala dos engenhos de açucar, que ja era um sistema moder¬
Atravesar o campo de batalla
no. Este rapidamente fez com que os escravos vivessem juntos numa relacio
De inimigos poderosos.
social, muito mais próximos um do outro do que em qualquer proletariado
Passados cinco años, o povo de Cuba continua lutando, valendose dos da época. Quando a cana era cortada, tinha de ser transportada rapidamente
mesmos esforços. para aquilo que era a produço no engenho. A roupa que o escravo vestia e a
A revolucio de Castro significa mais para o século XX do que a de comida com a qual ele se alimentava tinham de ser importadas. Os negros,
Toussaint significou para o XIX. Mas, apesar da distancia de mais de um assim, desde o começo passaram a levar uma vida que cra, essencialmente,
século e meio, ambas so características das Indias Ocidentais. O povo que uma vida moderna. Essa é a sua história e, tanto quanto eu pude descobrir,
as realizou, os problemas con que se deparou e as tentativas de resolve-los uma história única.
so peculiares das Indias Occidentais, produtos de una origem peculiare de
Na primeira metade do século XVII, os primeiros colonizadores eu¬
uma história peculiar. Seus habitantes tomaram consciencia de si proprios ropeus ja haviam tido sucesso na produçio individual. As plantages de
como povo durante a Revolucio Haitiana. Seja qual for o seu destino der¬
cana-de-accar expulsaram nos de lá. Os escravos viam ao redor de si uma
radeiro, a Revolucio Cubana marca, desde já, o estádio último do desafio
sociedade tranquila e com uma certa cultura material: a vida dos proprie-
dessas illas em direçio à busca de una identidade nacional. Em uma série
tarios das fazendas. O mais esperto, o mais afortunado eo filho legitimo
dispersa de illas desiguais, o processo consiste em uma série de períodos
tornavam se domésticos ou artesos ligados à colheita ou ao engenho. Bem

antes do onibus e do taxi, a pequena extenso das ilhas fazia con que a

comunicacio entre las fosse rápida e fácil. Os proprietarios das fazendas e


Os versos so da tragédia de William Shakespeare: Hamlet, ato V, cena 2. mercadores levavam uma vida política intensa, regida pelos altos e baixos
lis dangerous when the baser nature comes
Between the pass and fell incensed points
tanto da produço como do comercio de açucar, em uma época na qual o
tratamento eo destino dos escravos cumpriam um papel continuo e crucial.
Of mighty opposites.
Literalmente: passar entre as ponts furiosas e brutais das espadas de poderosos inimigos A plantato da cana dominava a vida nas ilhas a tal ponto que bastava a
(Hamlet e Claudius). A passagem sublinhada é o trecho citado que traduzimos. (N. do T.)
pele branca para salvar aqueles que no eram nem latifundiarios e nem
Fulgencio Batista renuncion no dia 1° de janeiro de 1959 e Castro tornouse Primeiro¬
burocratas das humilhaces e desesperanças da vida do escravo. Esse era, e
Ministro no dia 17 de fevereiro do mesmo ano. Este prefacio deve ter sido escrito, portanto,

en 1966. (N. do T.) ainda é, o padro de vida nas Indias Ocidentais.

344 345
Os jacobinos negros Apendice

As Indias Occidentais entre Toussaint L'Ouverture e Fidel Castro dividem¬ solo, um tipo local, uma raça histórica, na qual a seiva da nacio continua

se normalmente em trés períodos: I. O século XIX, II. Entre as guerras e III. fluido, para renová la completamente.

Depois da Segunda Grande Guerra. Geraçio apos geracao, os melhores filhos da elite do Haiti foram educados
em Paris, onde distinguiram se na vida intelectual francesa. O odio peco¬

I. Século XIX hento daqueles dias que antecederam a independencia havia desaparecido.

Mas uma corrente de pesquisadores e viajantes levou as vás pretenses da


Para o Caribe, o seculo XIXé o século da abolico da escravido. Mas foi civilizacio haitiana a uma situacio ridicula internacionalmente. Em 1913, a
no Haiti que os padres definitivos do desenvolvimento regional adquiriram incessante agressio dos escritos estrangeros foi reforçada pelas baionetas dos
forma. Toussaint nao via outro camino para a economia haitiana a nao ser fuzileiros navais norteamericanos. O Haiti teve de encontrar um ponto de
a cultura da cana. Dessalines era um barbaro. Depois, veio Christophe, um apoio nacional. Pode encontrá-lo no único lugar onde poderia ser encontrado:
homem com uma habilidade admirável e tambem um governante esclarecido, em casa, mais precisamente, em seu proprio quintal. Descobriram aquilo que
apesar das circunstancias. Ele fez o melhor que pode em relacio à cultura hoje é contecido como Negritude. E a ideologia social predominante entre
da cana, ainda que o fizesse de manera cruel. Mas com a libertaço dos politicos e intelectuais en qualquer parte da Africa. Eo assunto de calorosas
escravos e a independencia essa cultura, indelevelmente associada à escra¬ disputas e elaboraçones toda vez que o assunto é a Africa ou os africanos
vido, tornou se insustentavel. Pétion aceitou substituir o plantio da cana Mas, em sua origem e seu desenvolvimento, é o produto peculiar da história

pela economia de subsistencia tambem peculiar das Indias Occidentais, e no poderia ser de outra parte que
Durante os primeiros 150 anos de vida do Haiti, no houve nenhuma nao das Indias Occidentais.

manifestacao internacional hostil à independencia das pequenas naces; Os haitianos no pensam que isso seja Negritude. Para eles, ela parece
nenhuma corporaço de Estados afins pronta a levantar um retumbante ser algo puramente haitiano. Dois terços da populacio da Sao Domingos
clamor contra una ameaça possivel a um de seus membros; nenhum plano francesa na época de Toussaint tinham feito a rota do meio. Os brancos ou
de ajuda dos países ricos aos países mais pobres. A produço de subsistencia emigraram ou foram exterminados. Os mulatos que haviam sido senhores
resultou no declinio economico e em toda especie de desordem política.
tinham os olhos fixos em Paris. Deixado por sua propria conta, o campesinato
Apesar disso, o país manteve a independencia, resultando em um fenóme¬ haitiano ressuscitou e elevou a um estadio notável a vida que levava na Africa.
no inédito que tomou um continente e estabeleceu-se nas instituiçes do
O método de cultivo, as relacées familiares e sociais, os tambores, as cances
mundo todo. e a musica, assim como a arte que praticavae, acima de tudo, a religio que
Eis o que aconteceu. Por mais de cem anos depois da independencia, os ficou famosa, o vodu: tudo isso era a Africa nas Indias Occidentais. Mas era

haitianos tentaram construir uma réplica da civilizatio europea, isto é, da tambem haitiano, e a elite do Haiti atirouse sobre ele. Em 1926, o dr. Price
civilizacao francesa, nas Indias Ocidentais. Prestemos atencio às palavras de Mars, em seu famoso livro, Ainsi Parla L'Oncle (Assim falou titio), descreveu
M. Constantin Mayard, embaixador do Haiti em Paris, en 1938: com muita dedicacio e cuidado o modo de vida do campones do Haiti. Ra¬

So francesas as nossas instituiçes, francesa a nossa legislaçio pública e pidamente se formaram associatoes instruídas e científicas. O modo de vida
civil, francesa a nossa literatura, francesa a nossa universidade, francesas as africano dos camponeses do Haiti formou o cixo da criaco literaria nesse

disciplinas de nossas escolas. (.) país. Nenhum trabalador das fazendas, com uma terra livre para defender,
Hoje, quando um de nos sum haitiano aparece num circulo de franceses juntou-se ao processo.

há sorrisos de boas vindas em cada olhar. Arazo é, sem duvida, senhoras Os territorios do Caribe seguiram em frente. No final do seculo XIX,
e senhores, que a sua naçio sabe que, dentro do limite da expanso colonial, Cuba produziu uma grande revolucio, a qual costuma ser chamada de A
deu às Antilhase sobretudo a Sao Domingos tudo o que podia dar de si e da Guerra dos Dez Anos”. Realizou prodigios. Mas, se nao chegou a constituir

sua essencia. (.) Ela formou, como molde de seu proprio genero nacional, um panteo como o das Indias Occidentais, ao menos teve nomes como os de
como proprio sangue, a propria lingua, suas instituiçes, seu espirito e seu José Martí, o lider politico, co do soldado Maceo. Eram homens de acordo

346 347
Os jacobinos negros Apendice

intelectuais literatos que tinham descoberto o africanismo de seus campone¬


com as tradices de Jefferson, Washington e Bolivar. Esta era a sua força e esta
era a sua fraqueza. Eram lideres de um partido nacional revolucionario e de ses como uma via para a identidade nacional. Os fuzileiros navais partiram

um exercito nacional revolucionario. Um povo revolucionario que Toussaint e os negros e mulatos reiniciaram os conflitos fratricidas. Mas a imagem

Ouverture e Fidel Castro lideraram. A guerra pela independencia começou que o Haiti fazia de si mesmo tinha mudado. Adeus à Marselhesa”, uma
e terminou na Emenda Platt de 1904. expressio famosa de um dos mais contecidos escritores haitianos, significa

Foi um ano antes da Emenda Platt que aparecen pela primeira vez aquilo a substituiçio da França pela Africa no primeiro Estado independente das

que se recusara a ser uma característica particular da vida das Indias Ocidentais Indias Occidentais. Pode parecer que a Africa tenha sido invocada nas Indias
Occidentais por necessidade empirica e circunstancias acidentais. No foi bem
o escritor apolítico devotado à análise e a expresso da sociedade das India¬
Occidentais. O primeiro deles, e tambem o maior, foi Fernando Ortiz. Por mais
assim. Muito antes de os fuzileiros navais deixarem o Haiti, o papel da Africa

de meio seculo, em casa ou no exilio, ele foi um incansável expoente da vida na consciencia do povo das Indias Ocidentais tinha demonstrado ser, por si

cubana e da cubanidad, a alma cubana. A história do imperialismo espanhol, só, um estágio no desenvolvimento da busca de una identidade nacional para

Sociologia, a Antropologia, a Etnologia e todas as ciencias relacionadas fazem as Indias Occidentais.

parte da sua investigacio sobre a vida cubana, o follore, a literatura, a mú¬ Essa história é uma das mais estranhas histórias en qualquer período da
sica, a arte, a educacao e a criminalidade: tudo cubano. A característica mais Historia. Os fatos isolados so contecidos. Mas ninguém nunca os reuniu e
distintiva de seu trabalho so os seis volumes que ele dedicou à vida do negro dedicou a eles a atencio que merecem. Nos dias de hoje, a emancipaço da
e do mulato em Cuba. Vinte e cinco annos antes do Writer's Project do Neu¬ Africa é um dos mais notáveis eventos da Historia contemporanea. No período
Deal começar a descobrir os Estados Unidos, Ortiz posse a descobrir sua terra entre as guerras, quando essa emancipacao estava sendo preparada, os lideres
natal, uma ilha das Indias Occidentais. Em essencia, é o primeiro e único estudo incontestáveis do movimento em cada esfera pública, na propria Africa, na
abrangente sobre o povo das Indias Ocidentais. Ortiz conduziu os caribenhos Europa e nos Estados Unidos no eram africanos, mas das Indias Ocidentais.
ate o pensamento do século XXe manteve-os lá. Primeiro os fatos sobre os quais no ha controversias.

Dois negros das Indias Ocidentais, usando a tinta da Negritude, escre¬


II. Entre as Guerras veram seus nomes para sempre nas primeiras páginas da Historia de nossa
época. Marcus Garvey destacourse como lider. Garvey, imigrante jamaicano,
Antes da Primeira Grande Guerra, o Haiti começou a escrever um outro
é o único negro bem-sucedido a formar um movimento de massa entre os
capítulo na história da luta das Indias Occidentais pela independencia nacio¬
negros americanos. As especulates a respeito do número de ses seguidores
nal. Alegando a necessidade de saldar as dividas e restablecer a ordem, os
já alcançam o número de milhoes. Garvey defendeu o retorno da Africa para
fuzileiros navais norteamericanos, como sabemos, invadiram o Haiti em
os africanos e seus descendentes. Ele organizou, muito precipitadamente e
1913. A naçio inteira resistiu. Uma greve geral foi organizada e liderada pelos
com pouca competencia, a Black Star Line), uma compania de navios a
vapor para transportar pessos de linhagen africana do Novo Mundo para

a Africa. Garvey no foi muito longe. Seu movimento tomo forma real¬

Emenda do senador Platt de Connecticut que garantia a ocupacio militar dos Estados mente eficaz por volta de 1921, e la por 1926 encontrava-se em uma prisa¬
Unidos em Cuba com a finalidade de garantir-lhe a independencia. Na verdade, impunha norteamericana (um processo por uso indébito dos correios); da prisáo foi
uma série de medidas restritivas ao país. Graças a ela, os norteamericanos possum ainda
deportado de volta à Jamaica. Mas tudo isso é apenas a fachada. Garvey
hoje a base militar de Guantánamo. (N. do
O New Deal foi um grande projeto nacional da década de 30, nos Estados Unidos, do nunca botou os pés na Africa. No falava nenhuma lingua africana. Suas
Presidente Franklin Delano Roosevelt. Propunha uma arte que no estivesse atrelada às concepces da Africa pareciam ser as de uma ilha das Indias Ocidentais e
tendencias europeias, buscando influencias em muitas partes, como no México e na Russia
do inicio da Revolucio. Na literatura, reuniu 6686 escritores em 48 Estados e no Distrito

de Columbia para aquilo que foi denominado The Federal Writers Project. (N. do T.) Uma das divisas de Garvey era: A Africa para os africanos”. (N. do T.)

348 349
Os jacobinos negros Apendice

do seu povo multiplicadas por mil. Mas Garvey conseguir transmitir aos agitador nos movimentos para a independencia africana. Em 1935, o Kremlin,

negros se ao resto do mundo), en todos os lugares, sua crença passional de


em busca de alianças, definiu a Gra-Bretanha e a França como imperialismos

que a Africa era o lar de una civilizatio que já fora grande outrora e que democraticos e separou-as da Alemanha e do Japo, fazendo dos imperialis¬
mos fascistas o maior alvo da propaganda comunista e russa. Isso transformou
o seria novamente. Quando se imagina a escassez dos recursos que tinha,
as atividades para a emancipacao africana em uma farsa, pois a Alemanha eo
as avassaladoras forças materiais e as penetrantes concepces sociais que

inconscientemente visavam a destrui-lo, seus esforços continuam sendo um Japo no possuam colonias na Africa. Padmore imediatamente rompeu rela¬
dos milagres propagandísticos deste século. çones como Kremlin, Foi para Londres onde, morando em um simples quarto
e vivendo do jornalismo, no ganhava o suficiente para poder levar adiante o
A voz de Garvey reverberou dentro da propria Africa. O rei da Suazilandia
trabalho que tinha feito no Kremlin, Escreveu livros e panfletos, participou de
disse à esposa de Marcus Garvey que confecia o nome de somente dois
todas as reunies de anti-imperialistas, fez discursos e moveu propósitos por
homens do mundo occidental, Jack Johnson, o boxeador que derrotou o
onde foi possivel. Construiue manteve um círculo sempre crescente de contatos
branco Jim Jeffries, e Marcus Garvey. Jomo Kenyatta relatou a este escritor
com nacionalistas en todas os sctores da sociedade africana e do mundo colo¬
que, en 1921, os nacionalistas do Quenia, como no sabiam ler, reuniam¬
nial. Pregou e ensinou o pan-africanismo e organizou um escritorio africano.
se em volta de um leitor do jornal de Garvey, o Negro World, e escuta¬

vam a leitura de um artigo duas ou très vezes. Depois, debandavam pela Publicou, ainda, um periódico dedicado à emancipacao africana (este escritor
floresta, para repetir com cuidado tudo o que tinham na memoria para os chegou a redigi-lo).
africanos, ávidos por uma doutrina que os libertasse da consciencia servil No seria possivel tentar fazer aqui nem mesmo um resumo do traba¬
na qual viviam. O dr. Nrumah, estudante de pos-graduacio em Historia lho e da influencia da mais notável criacao das Indias Occidentais entre as

e Filosofia em duas universidades norteamericanas, declaro que, entre guerras: o escritorio africano de Padmore. Foi a única organizacao africana
todos os escritores que influenciaram a sua formacio, Marcus Garvey está desse tipo em existencia no período entre as guerras. Dos sete membros do
em primeiro lugar. Garvey acreditava que a causa dos africanos e dos povos comité central, cinco cram das Indias Ocidentais e dirigiam a organizado.

de ascendencia africana era no somente negligenciada como tratada com Entre todos, apenas Padmore no confecia a Africa. No deve ter sido por

pouca consideracio. E pouco mais de cinco anos, ele a tinha tornado parte acaso que ele atrain dois dos mais admiráveis africanos dessa e de todas as
da consciencia política mundial. No confecia a palavra Negritude, mas épocas. Jomo Kenyatta foi um de seus membros fundadores e um vulcao
sabia do que se tratava. Teria acolido o termo com entusiasmo e reclamado effervescente do nacionalismo africano. Mas um destino muito melhor nos
sua paternidade com justiça. estava reservado.
O outro negro das Indias Ocidentais era George Padmore, de Trinidad, Este escritor conheceu krumah, que estudava na Universidade da

nas Indias Occidentais Britanicas. Padmore tirou a poeira das estagnadas Indias Pensilvania, c'escreveu a Padmore sobre ele. Nkrumah foi para a Inglaterra
Occidentais dos pés, no inicio da década de vinte, e foi para os Estados Unidos. para estudar Dircito e la formou uma associacio com Padmore; trabalharam
Quando morreu, em 1959, oito países mandaram representantes a seu funeral, com as doutrinas e premissas do pan-africanismo e elaboraram os planos
em Londres. Suas cinzas foram sepultadas em Gana. E tudo indica que, nesse que culminariam com Nrumah liderando o povo da Costa do Ouro, o
país das manifestaces políticas, nunca houve uma manifestacao política como que levaria à independencia de Gana. Essa revolucio na Costa do Ouro

a provocada pelas exquias de Padmore. Camponeses de áreas remotas, que foi a primeira das exploses que provocariam tantas fendas no loteamento
poderíamos pensar que nunca tivessem ouvido falar seu nome, dirigiram se a colonial africano, ficando provado que seria impossivel juntá las novamente.

Acra para prestar o último tributo a esse negro das Indias Occidentais que havia Com a vitoria de Nrumah, a associacio no mais parou. Depois que a
levado a vida a servico de seu povo. independencia foi assinada e selada, Nrumah mandou chamar Padmore,
Uma vez nos Estados Unidos, tornou se um militante comunista. Foi trans¬ instalou-o novamente em um escritorio dedicado à emancipacao africana

ferido para Moscou para dirigir o departamento de propaganda e organizacao e, sob os auspicios de um governo africano, Padmore, como havia feito em
1931, patrocinado pelo Kremlin, organizou em Acra a primeira conferencia
do negro. Ocupando tal posicio, tornou se o mais contecido e acreditado


Os jacobinos negros Apendice

dos Estados africanos independentes, seguida, 25 anos apos a primeira, pela Minha negritude nao é uma belida de agua morta no olho sem vida
Segunda Conferencia Mundial dos Combatentes pela Libertaço Africana. da terra.
O dr. Banda, Patrice Lumumba, Nyerere e Tom Mboya foram alguns dos Minha negritude nao é torre, nem catedral.
que participaram da conferencia. Jomo Kenyatta nao estava la pelo simples Ela desaparece na carne vermelha do solo.

motivo de se encontrar na priso. A NBC fez uma transmisso nacional do Ela desaparece na carne ardente do cu.
sepultamento de suas cinzas no Castelo de Christianborge, onde Padmore Ela perfura a sombria humilhacano de minha determinada perseverança.
foi considerado o Pai da Emancipacio Africana, uma distincio que ninguém

conteston. Muitos foram influenciados pela manera con que nos tratavam Vivam aqueles que nunca inventaram nada, aqueles que nunca explora¬
no período entre as guerras; e muitas pessos e instituiçes importantes che¬ ram nada, aqueles que nunca domesticaram nada.

garam a considerar, a nos e aos nossos planos e expectativas com relacio à Mas que, tomados, se entregam à essencia de todas as coisas;
Africa, como fantasias de analfabetos políticos das Indias Occidentais. Foram
que, insensiveis às aparencias, so tomados contudo pelo movimento
eles que se equivocaram por completo a respeito do continente, no nos. de todas as cosas:
Deveriam ter aprendido com aquela experiencia. No o fizeram. A mesma que, indiferentes ao domador”, usufruem contudo os frutos doces da

viso míope que no conseguiu focalizar a Africa está agora vislumbrando vida. C.)
as Indias Occidentais.
Em contraste com essa visio do africano ligado ao mundo e à natureza,
O lugar da Africa no desenvolvimento das Indias Occidentais está docu¬
uma parte viva de tudo aquilo que vive, Césaire imediatamente identifica a
mentado como poucas visées históricas o foram.
civilizacio que tem desprezado e perseguido a Africa e os africanos.
Em 1939, um negro da colonia francesa da Martinica, nas Indias Occidentais,
Venha escutar sobre o mundo do branco,
publicou em Paris o mais refinado e famoso poema já escrito sobre a Africa,
terrivelmente exaurido pelos seus proprios engenhos,
Cahier d’un retour au pays natal (Diario da volta ao país natal). Aimé Césaire
com suas rebeldes articulaces rachando sob impiedosas estrelas,
primeiramente descreve a Martinica, a pobreza, a miséria e os vicios das massas
e rigores enérgicos que dilaceram os misterios da carne.
populares e a subserviencia bajuladora das classes médias negras. Mas a educaça
Venha escutar as suas valorosas conquistas
do poeta foi concluida em Paris. Na qualidade de habitante das Indias Occiden¬
tais, ele no possusa uma nacionalidade da qual se orgular. Estava comovido ccoando suas proprias derrotas.
Venha escutar as grandiosas desculpas de seus lamentáveis enganos
pelo abismo que o separava do povo do lugar onde havia nascido. Sentia que
era seu dever ir para lá. Ele assim o fez e descobriu uma nova verso do que os O poeta quer ser um arquiteto dessa singular civilizacao, encarregado de
haitianos, assim como Garvey e Padmore, haviam descoberto: que a salvaço seu sangue e guardia de sua intransigencia.
das Indias Occidentais repousa na Africa, o lar original e ancestral daquele povo.
Assim fazendo, meu coraçao, preserva me de todo o odio
O poeta nos proporciona uma mostra de como os entendia:
No fazes de mim um homem de odio que no sente outra cosa que

dio.

Minha negritude nao é uma pedra; sua insurdescencia faz sofrer o


clamor do dia.
Na simbologia de Césaire, torre e catedral suo simbolos europeus, ou seja: do conquistador
e do opressor, solo: renascimento; ceu: esperança. (N. do 1.)
Castelo de Christianborg fortaleza construída pelos portugueses em 1550 e ampliada Ambiguidade: a Africa ancestrale a escravido. (N. do T.)
pelos suecos em 1652. Foi o palacio do Governo britanico na Costa do Ouro entre 1877 e Colonizador. (N. do T.)
1957. Com a independencia, passou a ser a residencia do primeiro ministro em 1957. No Na traducano de C. L. R. James: indifferent to mastering but taking the chances of the world...
día 28/2/1948 um grupo de servidores invadiu o castelo para entregar uma petico contra No original frances: Insoucieux de dompter, mais jouant le jeu du monde. (N. do T.)
a miséria. Seus lideres foram encarcerados, entre eles Nrumah. (N. do T.)
Chicote. (N. do T.)

352
Os jacobinos negros Apendice

Pois para isolarme nesta raça única, propósito maior. Mas o Cahier uniu em pensamento moderno elementos
conieces no entanto o reinado do meu amor, que pareciam destinados a permanecer separados. E melhor que sejam
sabes que no é absolutamente por dio a otras raças enumerados:

que busco ser o lavrador desta raça única (...).


1. Promoveu a unio da esfera de vida africana com a vida no mundo
Ele volta mais uma vez ao deplorável espectro da vida nas Antillas, mas occidental.
desta vez com esperança.
2. O passado da humanidade eo futuro da humanidade esto histórica e

porque no é verdade que o traballo do homem está concluido, logicamente concatenados.


que nada mais cabe ao homem no mundo além de ser um parasita no 3. No mais por meio do estimulo externo, mas por açones e seres indepen¬
mundo, dentes, gerados por ela, é que a propria Africa e os africanos caminario
que tudo o que precisamos agora è manter o passo como mundo.
rumo a uma humanidade integrada.
Mas o trabalho do homem está apenas no começo
e cabe ao homem dominar toda a violencia entrincheirada nos retiros Eo poeta anglo-saxo que enxerga para o mundo em geral o que o das
Indias Occidentais enxerga para a Africa de concreto.
de sua paixo.
Nenhuma raça detem o monopolio da beleza,
Aqui a unio impossivel
da inteligencia, da força, e existe
De esferas de existencia e real,
um lugar para todos no alto da gloria (.).
Aqui o passado eo futuro
Esse é o amago do poema de Césaire. Ao menosprezálo, africanos e soli¬ So conquistados, reconciliados.
dários de outras raças gritaram vivas que abafaram o senso comum e a razo. Onde a acao era de outra forma movimento

O trabalho do homem nao está concluido. Assim, o futuro do africano é con¬ Daquilo que apenas é movido
tinuar sem descobrir nada. Nenhuma raça detem o monopolio da beleza, da E que no possui fonte de movimento¬
inteligencia, da força e muito menos aqueles que possum a Negritude. Esta é
A concluso do sr. Eliot é a de “Encarnado”, a de Césaire, a de Negritude.
o que uma raça leva para o encontro comum, onde todos empenhar-seo para
construir o novo mundo da visio do poeta. Aviso do poeta nao é economica O Cahier aparecen en 1938, em Paris, um ano antes que os jacobinos
nem politica, é poética, sui generis, verdadera para si propria e que no precisa negros surgissem em Londres. O escritor deste livro tinha dado un passo à

de nenhuma outra verdade. Mas seria racismo dos mais vulgares nao enxergar frente no sentido de ressuscitar no a decadencia, mas a grandeza do povo

aqui uma encarnaçio poética da famosa frase de Marx A verdadera história das Indias Ocidentais. Todavia, como é obvio por todo o livro, e particu¬
da humanidade está para começar larmente nas últimas páginas, é a Africa e a emancipacao africana que ele
Partindo das afinidades estritamente poéticas de Césaire, devemos tem em mente.

voltar nossas faces, mesmo que com uma perda consideravel, para o nosso Hoje (e somente hoje podemos definir o que motivou essa preocupaço

com a Africa entre as guerras por parte do homem das Indias Occidentais. Ele

12 Em inglés: the extent of my boundless love, em frances: mon amour tyrannique". James sempre foi educado no padro do Ocidente. A sociedade das Indias Occidentais
traduziránico por sem fronteiras. Nos traduzimos por reinado, uma vez que a palavra confinou os negros a uma faixa muito estreita do territorio social. O primeiro
tirano, em grego, lingua da qual deriva, tyrannos significareil. (N. do I
passo para a sua liberdade era ir para o exterior. Antes que pudessem começar
Trata se, provavelmente, de uma modificacio da última frase do § 4° do Prefacio a Para
a se enxergar como um povo livre e independente tinham de livrar suas mentes
a Critica da economia politica de Marx. Com esta formacio social encerrasse, por isso, a

pré-história da sociedade humana. (N. do T.)


Baudelaire e Rimbaud, Rilke e D. H. Lawrence. Jean-Paul Sartre fez as mais belas apreciaçones
criticas da poesia de Cahier, mas suas explicaçones de como entendia a Negritude eram, por
15 Do poema de T. S. Eliot, "The Dry Salvages, um dos Four Quarters. (N. do T.)
vezes, desastrosas.

354
Apendice
Os jacobinos negros

do estigma de que qualquer cosa que viesse da Africa era inerentemente inferior palavras expressavam realidades. Muito antes de que quisquer outros territorios
dos impérios coloniais o fizessem, ele nao apenas levantou as palavras de ordem
e degradada. A estrada para a identidade nacional das Indias Occidentais
da independencia nacional e da Federaço dos territorios das Indias Occidentais
encontra se na Africa.
Britanicas, como deslocava se incansavelmente de ilha a illa mobilizando a
A comunidade nacional das Indias Occidentais camina constantemente para
opinio pública em geral, e o movimento trabalhista em particular, para apoiar
além da categorizacao racial. Depois de Ortiz, foi um outro branco das Indias suas palavras de ordem. Morreu en 1945. As ilhas nunca viram e nunca veriam
Occidentais que, no mesmo período, provou ser o maior politico da tradicio
algo ou algum como ele.
démocratica que essas ilhas já confeceram.
As massas das Indias Occidentais foram ainda mais longe que Cipriani. Em
Arthur Andrew Cipriani foi um crioulo francés da illa de Trinidad que 1937, ele iniciou uma greve entre os trabalhadores petroliferos de Trinidad, o
entrou para a vida pública como oficial no contingente das Indias Occidentais maior agrupamento proletario das Indias Occidentais. Assim como fogo em
durante a Primeira Grande Guerra. Foi no exercito que muitos dos soldados, rastro de polvora, a greve alastrou-se por toda a ilha, e depois de umailha a
uma mistura de homens de todas as illas das Indias Occidentais Britanicas, outra, terminando em um levante no outro extremo, na samaica, milares de
pela primeira vez, calçaram sapatos de verdade. Mas eles eram o produto de quilómetros distante. O governo colonial da Jamaica entro em colapso com¬
sua história peculiar. A rapidez com que se ajustaram às necessidades espiritual pletamente e dois lideres populares locais tiveram de assumir a responsabilidade
e material de uma guerra moderna espantos todos os observadores, do general de restaurar um tipo de ordem social. Os líderes do governo em Trinidad y

Allenby para baixo. Cipriani construiu uma reputacio para si por meio de sua Tobago salvaram suas administraçoes (mas ganharam a indignacio do go¬
verno imperial) ao expressarem apoio à revolta. O Governo britanico enviou
defesa militante do regimento contra todos os preconceitos, fossem oficiais
ou náo. Até o fim de sus dias falava sempre do recontecimento que haviam
uma comissio real, que recolheu inúmeras provas, descobriu atrocidades que
vinham acontecendo havia muito tempo e sez propostas que de modo algum
conquistado. Treinador de cavalos profissional, foi somente depois de muita
eram reacionárias ou pouco inteligentes. Como de costume, chegaram tarde e
persuasio que, ao voltar para casa apos a guerra, já com mais de quarenta anos,
nao foram rápidas o bastante. Se Cipriani tivesse sido o homem que fora dez
entro para a politica. Em pouco tempo projetouse como defensor da gente
anos antes, a autonomia, a Federacio e a recuperaçio economica, que tinha
comum ou, em sua propria expressio, “do homem de pés descalços”. Muito
defendido to tenazmente e por tanto tempo, poderiam ter sido entro postas
antes, esse homem branco já era recontecido como lider por centenas de mi¬
em prática. Mas o velho guerreiro já estava com quase setenta anos. Desistiu
hares de negros e antillanos. Um homem completamente destemido, nunca
das revoltas populares, que ele, mais do que ninguém, tinha preparado, e a
deixou o governo colonial em duvida quanto aquilo a que era frontalmente
oportunidade acabou perdida. Mas tinha destruido una senda e assentou, de
contrario. Todos os que ja haviam ouvido falar nele lembram se de sua mo uma vez por todas, que o povo das Antillas estava pronto para seguir as mais
erguida e de sua enunciato compassada: “Se levanto o dedo.... Contrario às
avançadas teorias de una liderança expansiva.
tremendas desigualdades, forçou o governo a capitular en relacio ao pagamento

de indenizacao trabalhista, à jornada de oito horas, à legislacao sindical e ou¬


tras instituiçones elementares da democracia. Ano apos ano, elegeuse prefeito III. Depois da Segunda Grande Guerra

da capital. Fez de seu mandato um centro de oposicio ao Escritorio Colonial


Cipriani tinha deixado para trás um Congresso Trabalhista do Caribe, o
Britanico e a todas as suas áreas de atuaço.
qual havia construido corretamente, dedicado à Federacao, à independencia
Cipriani sempre tratou o povo das Indias Occidentais como um povo mo¬
e à criacao de um campesinato instruído. Mas o que aconteceu à Cuba de
derno da atualidade. Declarouse socialista e, todos os dias, dentro e fora da
legislatura, atacava os capitalistas eo capitalismo. Uniu seu partido ao Partido
Que viria a ser formada no dia 3 de janeiro de 1958. A Federacio das Indias Occidentais con¬
Trabalhista Britanico e escrupulosamente manteve seus seguidores conscientes
tava com uma populacio de très milhones de pessos nas seguintes illas: Antigua, Barbados,
de seus privilegiose de suas responsabilidades como membros do movimento Dominica, Granada, Jamaica, Montserrat, St. Kitts-Nevis-Anguilla, Santa Lucia, So Vin-
cente, Tobago e Trinidad. (N. do T.)
trabalhista internacional. Cipriani era aquele tipo raro de politico a quem as
Os jacobinos negros Apendice

Castro é inerente a essas illas desafortunadas. En 1945, o Congresso, criacao Sir Robert assinalou que a participacao britanica no Mercado Comum

legitima das Indias Occidentais, juntourse à Federacio Mundial de Sindicatos, Europeu nao deveria constituirse em ameaça aos produtores de açucar na
Mas em 1948 esse orgáo bipartiu-se em Federacio Mundial dos Sindicatos do regio, contanto que as prioridades establecidas pelo acordo do acucar da
Oriente e Confederaço Internacional dos Sindicatos Livres do Ocidente. A Comunidade Britanica fossem preservadas.
diviso no ámbito internacional dividiu o Congresso Trabalhista do Caribe
O mesmo podia ser lido en qualquer jornal europeu em intervalos regu¬
e Cipriani perdeu o lugar de lider e inspirador de um movimento típico das
lares durante os últimos duzentos anos. Reportagens oficiais recentes sobre a
Indias Ocidentais. O Escritorio Colonial Britanico coloco a classe média
vida eo trabalho do lavrador suo mudadas para una linguagem notavelmente
negra sob suas asas. Isso gradualmente preencheu o Servico Civil e estableceu
as organizaces correlatas; eles assumiram o controle dos partidos politicos e, semelhante aquela dos agitadores no conformistas contra a escravido nas
com eles, do antigo sistema colonial. fazendas. Existem economistas e cientistas hoje nas Indias Ocidentais que acre¬
Eo que é este antigo sistema colonial? E a mais antiga reliquia ocidental ditam que o fato economico mais afortunado seria uma praga que destruisse
do século XVII ainda viva no mundo atual, cercada por todos os lados de uma completamente a cana-de-accar, forçando, desse modo, o surgimento de um
populaçio moderna. novo tipo de progresso economico.
As Indias Occidentais nunca foram um territorio colonial tradicional com Assim como tinha sido desde os primeiros dias da escravido, o poder fi¬
relaçones economicas e políticas claramente distintas entre duas culturas dife¬
nanceiro eo seu mecanismo esto hoje em dia interamente controlados pelas
rentes. A cultura nativa era inexistente. A civilizacao amerindia aborigine tinha
organizacies metropolitanas e seus agentes.
sido destruida. No decorrer dos anos, a populaçio trabalhista, escrava ou livre,
Uma populaçio to occidentalizada necessita de certas mercadorias,
incorporou, gradualmente, a lingua, os costumes, os objetivos e o ponto de
como potes, panelas, pratos, colheres, facas, papel, lapis, canetas, tecido,
vista de seus dominadores. Ela crescen regularmente em número até se tornar a
bicicletas, nibus para o transporte público, automóveise todos os elementos
esmagadora maioria da populacao total. A minoria governante, portanto, estava
básicos da civilizacao, os quais no so produzidos nas illas, sem se esque¬
na posicio de un pai que gera os filhos e no possui nenhuma defesa quanto
a ser substituido por eles. Só havia uma saida: buscar reforço no exterior. Esse cer dos Mercedes-Benzes, dos Bentleys, dos Jaguares e dos Lincolns. Nesse
inicio tem permanecido imutável até os dias de hoje. tipo de comercio, os elementos dominantes so os produtores e os bancos

A estrutura industrial dominante sempre foi o plantio da cana-de-açucar.


estrangeros. A característica mais reveladora e tambem a mais antiga desse
Pois por mais de duzentos años a industria acucareira tem cambaleado à beira comercio continua sendo a importacio em massa de comida, inclusive a de
do desastre, permanecendo viva por una interminável sucesso de auxilios de legumes frescos.
ultima hora, por meio de doaçones, concesses e quotas do poder ou dos poderes As poucas industrias de importancia, tais como a do petróleo e da bauxita,
metropolitanos.
esto totalmente nas más de firmas estrangeiras; e os politicos locis lideram
uma competicio feroz entre si para oferecer incentivos a firmas semelhantes

FUTURO AMARGODOS PRODUTORES DE ACCAR para que estas estableçam novas industrias ali e no em outro lugar.
De nosso correspondente Assim como acontece com as necessidades materiais, o mesmo se dá
com as necessidades intelectuais. Em todas as illas, os jornais diarios esto
Georgetown, 3 de setembro
interamente nas más de empresas estrangeiras. O radio e a televisio no
O presidente da Associacio Acucareira das Indias Occidentais Britanicas, fogem à regra.
sir Robert Kirkwood, declaro que os produtores de cana de acucar esta¬
vam enfrentando um futuro amargo e a situacio estava chegando a um

estádio onde a produçio de açucar de beterraba deveria ser restringida

para promover um maior mercado para os produtores de cana-de-açucar.


Ninguém ousaria dizer isso publicamente. Seria exilado do territorio.
Os jacobinos negros Apendice

variedades de comida, roupas, utensilios domésticos e artigos de luxo so


Em 1963, o antigo sistema colonial no era o que havia sido en 1863,
Em 1863, no era o que havia sido en 1763 ou em 1663. Os fundamentos apresentados como absolutamente essenciais à vida civilizada. Tudo isso é

apresentado para um povo que, em grandes áreas, ainda vive em condices


apontados acima, entretanto, no mudaram. Mas pela primeira vez o sistema
está ameaçado: no por fora, mas por dentro: no pelo comunismo, ou pelo pouco diferentes daquelas da escravido.
socialismo, mas pela pura e simples democracia parlamentar. O antigo sistema A grandiosa civilizacao materialista da minoria branca está agora fortalecida

colonial das Indias Occidentais no era democratico e no fora criado como tal. pela convergencia de classes médias formadas por pessoas de cor para fazer com
No consegue conviver com a democracia. Nas illas das Indias Ocidentais, o que os salarios e as remuneraçes produzam lucros. As vezes, um quarto da
antigo sistema coloniale a democracia suo incompatives. Um tem de sair. Essa populacao fica concentrada na capital, para onde as massas so irresistivelmente
é a lógica do desenvolvimento de cada um dos territorios das Indias Occidentais: atraídas pelo contraste entre o que veem e ouvem ea vida que levam. Esse foi o

de Cuba, da República Dominicana, do Haiti, das antigas colonias britanicas, pavio ao qual Castro ateou fogo. A tradico histórica e a educacao, no sentido
das antigas colonias francesas e, até mesmo, de Porto Rico, o primo pobre dos de promover a luta contra o passado nacional, no existem. A Historia como
ricos Estados Unidos. é ensinada é, como sempre foi, propaganda daqueles que, no importa quem
sejam, administram o antigo sistema colonial. O poder aqui é mais descarado
O erro supremo da política das Indias Occidentais é que o antigo sistema
que en qualquer outra parte do mundo. Das a brutalidade, a selvageria e até
colonial isolou de tal forma as classes dominantes da comunidade nacional que
somente a democracia parlamentar comum e simples, encoberta pelo sentimento
mesmo as crueldades pessoais dos regimes de Trujillo e de Duvalier e o poder

de identidade nacional, pode reconstruir as illas. da Revolucio Cubana.


Esse é o instrumento no qual todos os solistas das Indias Ocidentais,
As estatísticas de produçio e a contagem dos votos juntas indicam o
estrangeros ou nativos, realizam seus recitais. Tomemos as illas das Indias
camino mais seguro para nos enganarmos a respeito das Indias Occiden¬
Ocidentais Francesas de Martinica e Guadalupe. A administraço colonial
tais. Soma-se a isso, em boa medida, o antagonismo das raças. O povo das
declarou e agiu por intermédio de Vichy, as massas populares, por intermédio
Indias Occidentais surgiu no século XVII, dentro de um sistema sociale
da Resistencia. Uma vez que Vichy foi derrotado, as illas tornaram se, totalmen-
produtivo ocidentalizado. Os membros de cada um das tribos africanas
te, departamentos da França, ansiosas para serem assimiladas pela civilizatio
capturadas foram cuidadosamente separados uns dos outros para diminuir
francesa. Mas a máo administrativa de Paris, notoriamente pesada com relacio
a possibilidade de conspiraçones e acabaram, dessa maneira, obrigados a
às administraçones provinciais da propria França, é um peso esmagador sobre
dominar as linguas europeias, produtos altamente complexos de séculos
qualquer tentativa de mudar um antigo sistema colonial. Nos dias de hoje, as
de civilizado. Desde o começo, houve uma lacuna, que se tornou cada vez
massas da populacao, desiludidas, exigem a independencia. Seus estudantes,
mais ampla, entre as condices rudimentares da vida do escravo e a lingua em Paris, esto liderando a luta com sangue, coragem e fulgor, poderes de todos
que utilizava. Houve, desse modo, na sociedade das Indias Ocidentais, um
inerente antagonismo entre a consciencia das massas negras e a realidade aqueles que usam a lingua francesa.
O sistema britanico, diverso do francés, nao esmaga a demanda de uma
de suas vidas: inerente no sentido de que era com constancia produzido e
reproduzido no por agitadores, mas pelas proprias condices da sociedade identidade nacional. Em vez disso, ele a asfixia. Ele formou uma Federa¬
ço de suas colonias no Caribe. Mas o antigo sistema colonial consistia de
mesma. So os meios modernos de comunicaciorem massa que tem trans¬
economias insulares, cada qual com sua capital economica e financeira em
formado a essencia em existencia. Por uma insignificante quantia mensal,
Londres. Uma Federacio significava que o sentido da directo economica
as populaçones negras podem ouvir, pelo radio, as noticias do dr. Nrumah,
no seria mais da ilha para Londres, mas de ilha para illa. Entretanto, isso
de Jomo Kenyatta, do dr. Julius Banda, do Primeiro Ministro Nehru, dos
eventos e personalidades das Naçes Unidas e de todas as capitais do mun¬

do. Podem discutir sobre o que o Ocidente pensa do Oriente e vice versa. Durante a Segunda Grande Guerra, o Governo de Vichy, establecido pelo marechal
O cinema mostra atualidades e no raramente agua a imaginacio com Pétain en 1940, passou a controlar a França e suas colonias ate o final da guerra. En 1942,
obras primas da cinematografia mundial. A qualquer momento, todas as tornou se um instrumento nas más da Alemanha. (N. do T.)

360
Os jacobinos negros Apendice

envolvia a dissolucio do antigo sistema colonial. Os políticos das Indias da corrupto e dos despropósitos do seu regime, é o apoio americano que o

Ocidentais preferiram o colapso da Federacio. Duas das ilhas receberam mantem no poder: melhor Duvalier que outro Fidel Castro.

de fato a independencia. A Rainha da Inglaterra é a sua rainha. Recebem Tamanha quantidade de ignorancia e de falsidade tem circundado essas

visitas reais; suas legislaturas começam com oraçones; seus projetos de lei so illas por tantos séculos que verdades to obvias parecem soar como verdaderas
lidos très vezes; um cetro foi apresentado a cada una dessas filhas distantes revelaçones. Ao contrario da crença generalizada, os territorios carabas, tomados
pela Mae dos Parlamentos; seus cidados proeminentes podem receber um
como um todo, no esto irremediavelmente atolados na pobreza. Quando foi
sem numero de cartas como prefixo Sir antes de seus nomes. Isso, em
diretor da Universidade das Indias Occidentais na Jamaica, o professor Arthur
vez de diminuir, intensifica a batalla entre o velho sistema coloniale a
Lewis, antigo diretor da faculdade de Economia da Universidade de Manchester
democracia. Muito tempo antes de que a real independencia fosse conce¬
e, na época en que este livro foi escrito, em vias de dirigir a mesma faculdade
dida, um grande número de pessoas das classes médias, inclusive políticos, na Universidade de Princeton, tentou remover algumas tejas de aranha dos
queria que isso fosse adiado o máximo possivel. Sonhando com cruzeiros

em alto mare por causa das perspectivas de doaçes e empréstimos, voltam


olhos de seus companheiros das Indias Occidentais:
os olhos cheios de esperança e os pés de comicho para os Estados Unidos. Essa opinio de que as Indias Ocidentais podem levantar todo o capital
de que necessitam graças a seus proprios recursos está a ponto de chocar
O Caribe é agora um mar americano. Porto Rico é a sua vitrine. A

sociedade porto-riquenha tem o privilegio quase divino da livre entrada


muitas pessos, pois seus habitantes gostam de pensar que nossa comuni¬

nos Estados Unidos para os seus desempregados e os seus ambiciosos. Os


dade é pobre. Mas o fato é que pelo menos metade da populaçio mundial
é mais pobre do que nos. O padro de vida nas Indias Ocidentais é mais
Estados Unidos devolvem para o governo porto-riquenho todos os impostos
alto do que o padro de vida na India, na China e na maioria dos países
recollidos nas importaçones de ses principais produtos, tais como o rum e
os charutos. O dinheiro americano para investimentos e os financiamentos da Asia e da Africa. As Indias Ocidentais no so uma comunidade po¬

e concesses americanos deveriam criar o paraíso do Caribe. Mas, se os


bre; elas esto no patamar mais elevado da renda mundial. So capazes

Estados Unidos tivessem a densidade populacional de Porto Rico, com¬ de produzir os cinco ou seis por cento de recursos extras para manter se
assim da mesma forma que o Ceilao e Gana esto encontrando o dinheiro
portariam todas as pessoas do mundo. Porto Rico é apenas mais um das
ilhas das Indias Occidentais. de que precisam para o seu desenvolvimento por meio da cobrança de

impostos internos. No nos é necessario enviar nossos homens de Estado


Na República Dominicana, nao é preciso nem dizer que Trujillo aumen¬
tou seu poder com a ajuda dos fuzileiros navais norteamericanos e, durante pelo mundo para implorar ajuda. Se a ajuda nos é dada, que a aceitemos;
mais de um quarto de século de uma ditadura vergonosa, entendia se que ele mas no vamos nos sentar de braços cruzados e dizer que nada pode ser
apreciava a amizade de Washington. Antes da recente eleicio de seu sucessor, feito até que o resto do mundo, por sua generosidade de espirito, queira
o sr. Juan Bosch, os jornais franceses declararam num artigo que os membros nos fazer uma caridade.

da esquerda da República Dominicana (os nomes foram fornecidos) foram


Avia economica que tem de trilharé um longo camino no qual os sinais
deportados para Paris pela policia local, que foi assistida nessa operaçio por
de transito já foram colocados ha muito tempo. O sr. Juan Bosch começou
membros do FBI. Com a saida de Trujillo, Duvalier do Haiti tornase o rei no
sua campanha prometendo distribuir a terra confiscada dos lucros do bario
coroado do barbarismo latino-americano. Todo o mundo acredita que, apesar
da familia Trujillo. Seus partidarios rapidamente transformaram isso em:
Casa e terra para os dominicanos. No somente a demanda popular e os

1 Após a ditadura de Trujillo, na República Dominicana, ocorreram cleiges democraticas


em 1962, que levaram Juan Bosch ao poder. Foi deposto um ano mais tarde pela direita.
Em. 1965, estourou a guerra civil entre os apoiadores de Bosch e os contrarios a cle, ter¬
Conferencia de Estudos sobre o Desenvolvimento Economico em Paises Subdesenvolvidos,
minando com a intervenço norteamericana. Em 1966, a OEA supervisionou as elcices

no país. (N. do T.) 5 a 15 de agosto de 1957, Universidade das Indias Occidentais, Jamaica.

362 363
Os jacobinos negros Apendice

economistas modernos, mas as Comisses Reais Britanicas, durante os úl¬ Em Trinidad em 1957, antes que houvesse qualquer indicio de uma re¬

timos sessenta anos, tem indicado (com cautela, mas con bastante clareza) volucio em Cuba, o partido político governante repentinamente declarou,

que a saida do atoleiro para as Indias Ocidentais é abolir a contratacio de contrario à declaracio política com a qual ganhara a eleico, que durante

trabaladores nas plantages e substitui-los por camponeses proprietarios a guerra o governo britanico de sir Winston Churchill tinha se desfeito da

da propria terra. Os cientistas e os economistas indicam que uma industria propriedade de Trinidad e ela deveria ser devolvida. O que aconteceu foi

efetiva é possivel se baseada no uso científico e planejado da matéria prima um dos maiores eventos ocorridos na história das Indias Occidentais. O

produzida nas illas. Terei escrito em vo se no dexar claro que, de todos os povo atendeu a chamado. Assembleias de massa e protestos em massa,
um entusiasmo político do qual a ilha nunca tivera noticia, arrastaram a
povos negros do antigo sistema colonial, as massas das Indias Ocidentais so
as mais altamente experimentadas no modo de ser da civilizatio occidentale populaçao. O povo das Indias Ocidentais é uma communidade nacional presa
as mais receptivas às suas exigencias no século XX. Para se realizarem tergo as correntes do antigo sistema colonial. As classes médias nos observavam

com um pouco de incerteza mas com aprovacío cada vez maior. Os brancos
de acabar com os grilles do antigo sistema colonial.
locis no suo como os brancos de uma civilizacio estrangeira. Pertencem
No proponho mergular este apendice nas aguas turbulentas da contro¬
às Indias Occidentaise, com um instinto forte, pensam em si proprios dessa
versia a respeito de Cuba. Tenho escrito sobre as Indias Ocidentais em gerale
manera. Muitos deles discretamente revelaram sua simpatia para com a
Cuba é a mais típica de suas illas. Isso é o suficiente.
causa. O lider politico foi inflexivel ad exigir a devolucio de Trinidad:
Uma outra pergunta permanece sem resposta: a mais realista e significa¬
Acabarei com Chaguaramas ou ela acabará comigo, declarou, e suas
tiva de todas. Toussaint L'Ouverture e os escravos haitianos trouxeram para
palavras alçaram voo. Afirmava publicamente, em assembleias de massa de
o mundo muito mais do que a abolico da escravido. Quando os latino¬ muitos milares, que se o Departamento de Estado, apoiado pelo Escritorio
americanos viram que o pequeno e insignificante Haiti podia conquistare Colonial, continuasse se recusando a discutir a volta da ajuda, iria retirar
manter a independencia, começaram a pensar que deveriam ser capazes de Trinidad no somente da Federacio das Indias Ocidentais, mas, tambem,
fazer o mesmo. Pétion, o governante do Haiti, ajudou na recuperaço da da associacio britanica: ele iria establecer a independencia da ilha e todos

saude do enfermo e derrotado Bolivar: deu-lhe dinheiro, armas e uma prensa os tratados anteriores que entraram em vigor durante o regime colonial
tipográfica para auxilia-lo na campanha que culminou com a libertaçamo dos automaticamente se tornariam nulos e invalidos e, assim, iria negociar

Cinco Estados. O que acontecerá aquilo que Fidel Castro trouxe de novo com os americanos. Proibiu o uso do aeroporto de Trinidad aos avides

ao mundo, ninguém pode dizer. Mas o que está esperando para nascer nas militares. Num magnífico discurso, Da escravido a Chaguaramas, disse

Indias Occidentais, o que le surgiu do ventre en 1958 está para ser visto em que por séculos as Indias Ocidentais tinham sido bases militares das forças
outra parte das Indias Ocidentais, e no será tao incerto quanto atravesar o imperialistas de guerra, e estava na hora de acabar com isso. E a opinio

campo de batalla de inimigos poderosos. deste escritor (que foi redator do periódico do partido durante o período
crucial que na realidade foi a resposta da populaçio que levou o lider po¬
Tratarei a seguir de una parte das Indias Occidentais com a qual tenho tido
lítico to longe, em uma estrada to arriscada. A populacio demonstrou de
uma experiencia pessoal e intima, por meio dos escritores e do povo, durante os
forma simples que acreditava que os americanos deveriam desocupar a base
últimos cinco anos. Mas desta vez o povo primeiro, pois, se os ideologos volta-
e devolve-la ao povo. Isso foi ainda mais notável pelo fato de que o povo
ram seus olhares para o povo, o povo acompanhou os ideologos e a identidade
de Trinidad admitiu por sua propria vontade que a ilha nunca apreciou
nacional é uma realidade nacional.
tanta opulencia financeira quanto durante a guerra, quando os americanos

Venezuela, libertada por Bolivar em 5/7/1811; Nova Granada (Colombia), em 10/8/1819; 2 Eric Williams, na liderança do PNM (People's National Movement), levaria o país à inde¬
Equador, libertado por Sucre, comandante de uma das tropas de Bolivar, em 24/5/22; Peru, pendencia no dia 31 de agosto de 1962. (N. do T.)
libertado por San Martín, em 28/7/1821; Alto Peru (Bolivia), em 3/4/1825. (N. do T.) 23 Cidade situada na illa de Trinidad. (N. do T.)

364 365
Os jacobinos negros Apendice

estavam lá. Os Estados Unidos eram, indubitavelmente, a fonte em poten¬ dentais me asseguro que no ha nada de africano nas histórias de Reid. So

cial de ajuda economica e financeira. Mas a populacio estava disposta a as Indias Occidentais vestidas com roupas africanas. O que quer que seja, o

romance é um tour-de-force. Africano ou das Indias Ocidentais, isso reduz os


enfrentar quasquer sacrificios necessarios para ter a base de volta. Estava

pronta de fato para qualquer cosa, e a liderança política tinha que tomar problemas humanos dos países subdesenvolvidos a um denominador comum.
muito cuidado para no fazer ou dizer qualquer coisa que precipitasse uma A intensidade característica da nova orquestra das Indias Ocidentais nao é alta,
intervenço das massas rebeladas. contudo é bastante clara. Reid nao e indiferente a destino de suas persona¬

Talvez a mais contundente figura dessa poderosa revolta nacional tenha gens. As paixes políticas so intensas e encerradas em conflitos assassinos.
Mas Reid é imparcial como nenhum escritor europeu ou africano o é ou
sido sua concentracao no assunto nacional e seu descaso para con todos os

outros. No havia o menor traço de sentimento antiamericano; embora o poderia ser, assim como Garvey, Padmore, Césaire no eram nem poderiam
ser imparciais. A origem de sua imparcialidade aparece com muita clareza
Escritorio Colonial Britanico fosse retratado como o aliado do Departamento
no mais completo e universal dos escritores da escola das Indias Occidentais:
de Estado e a exigencia de independencia política estivesse bem encamina¬
da, no havia, do mesmo modo, nenhum traço de sentimento antibritanico. George Lamming, de Barbados.
No havia uma inclinaçio para o nao alinhamento, nem mesmo, apesar da Confinando nos estritamente aos nossos propósitos, devemos nos limitar
pressa pela independencia, para o anti-imperialismo. As massas populares de a mencionar apenas um episodio do mais recente de seus quatro vigoro¬
Trinidade Tobago consideravam a volta da base como o primeiro e elementar
sos romances.
estádio em sua busca da identidade nacional. Tenho certeza (tanto quanto Powell, um das personagens de Season of Adventure, é un assassino estu¬
qualquer outra pessoa a respeito desses assuntos de que estavam preparadas
prador, um criminoso membro da sociedade das Indias Occidentais. De repente,
para, se fosse necessario, lutar e morrer. Mas no estavam de modo algum quase no final do livro, o autor acrescenta très páginas intituladas “Nota do
envolvidas nas circunstancias comuns de uma luta contra uma base estran¬
Autor. Escrevendo na primeira pessoa, ele explica sobre Powell.
geira. No que as desconnecessem. Com certeza as confeciam. Mas tinham
tido uma longa experiencia en relaces internacionaise sabiam com preciso Até os dez anos de idade, Powelle eu vivemos juntos e recebíamos a mesma

o que queriam. Nas illas, a populaçio respondia da mesma forma, o que a aficio por parte de nossas mies. Powell me fazia sonhar, e eu vivi as suas

levava a crer que aquele era um assunto da conta das Indias Occidentais. A paixes. Tinhamos a mesma idade e frequentamos as mesmas séries na
entrevista coletiva do lider politico foi o programa de radio mais popular nas mesma escola primaria.

ilhas das Indias Occidentais. Era a volta dos anos de 1937-38. Livre é como E ento ocorreu a separacio. Consegui uma bolsa pública, com a qual
voce é desde o começo, e quando isso muda voce tem de agir, simplemente comecei a minha migraçio para um outro mundo, um mundo cujas raizes
agir, e quando estiver agindo dirá que é uma liberdade natural aquilo que o eram as mesmas, mas cujo estilo de vida era completamente diferente
faz agir. Embora a bandera britanica ainda tremulasse sobre eles, eram
daquel mundo que en confecera na infancia. Isso me concedeu um
livres em suas exigencias e demonstraces de protesto por Chaguaramas, mais
privilegio que fazia con que Powelle todo o tonelle ficassem trancados
livres do que poderiam ser por muito tempo. do lado de fora do meu futuro. Vivia perto de Powell e éramos una e
A identidade nacional das Indias Ocidentais pode ser mais facilmente carne. E contudo... contudo, esqueci o tonelle assim como os homens se
vislumbrada nos escritos dos seus autores. esquecem da guerra, e me liguei aquele mundo novo to recente e que
Vic Reid, da Jamaica, é o único romancista das Indias Ocidentais que era to leve comparado ao peso do que tinha sido antes. Instintivamente,

vive nas Indias Ocidentais. Essa é, provavelmente, a razo pela qual o cenario agarreime aquele novo privilégio; e, apesar de todo o meu esforço, no
dos seus romances é a Africa. Um africano que confece bem as Indias Oci¬ estou livre dele até hoje.
Acredito profundamente que o impulso insano que levou Powell a se
perder no crime foi em grande parte culpa minha. No poderei justifica¬
Season of Adventure, de George Lamming. a sua atitude colocando a culpa no ambiente; nem poderia justificar,

366
Os jacobinos negros Appendice

Ocidentaisessa suave reproduçio do modus operandi desse desembaraçado


devido à minha falta de firmeza moral, que ela seja atribuida a uma
consciencia estrangeira, rotulada de imperialista. Levarei para o tumulo jornalista, politico e Primeiro-Ministro.

a consciencia sim de que sou eu o responsavel pelo que aconteceu a O sr. Biwas é agora um homem de letras. Ele é convidado para una

meu irmo. reunio de literatos locais. O sr. Biswas deveria falar de Ella Wheeler Wilcox

no ponto máximo de seu discurso poético, mas, confundido pelo uisque,


Powell ainda vive em algum lugar no meu coraça, encoberto por um amor
fala sobre Lorca, Eliot, Auden. Cada membro do grupo deveria apresentar
duvidoso, por un estranho peso de arrependimento que no tem nome, e
um poema. Numa noite, depois de observar o ceu pela jancla, o sr. Biswas
pelo mais profundo sentimento de saudade. Porque nunca me senti como
uma parte honesta de qualquer cosa, desde que o mundo de nossa infancia
encontra seu tema.

me abandonou.
Ele escreveu à sua mae. Náo pensou em ritmo; nao usou duvidosas palavras
Isso é algo novo na volumosa literatura anticolonialista. O homem das Indias abstratas. Escreveu sobre chegar ao alto da colina, sobre olhar a terra negra
Occidentais dessa geraço assume plena responsabilidade por ellas. e rachada, as marcas da pá, os entales dos dentes do ancinho. Escreveu
sobre a viage que tinha feito muito tempo antes. Estava cansado: ela o
Vidia Naipaul de Trinidad faz o mesmo. Sua personagem, o sr. Biswas,
escreve seu primeiro artigo para um jornal.
coloco para descansar. Estava com fome; ela deu-The de comer. No tinha

para onde ir. Ela le deu as boas-vindas...


E um poemal o sr. Biswas anuncion. — Em prosa.
PAPAI VOITA PARA CASA NUM CAIXAO

Aultima viager do explorador norteamericano


— No tem título disse ele. E, como esperava, isso foi recebido com sa¬
Servida com gelo pelo sr. Biswas
tisfacto.

(.) Ha menos de um ano, papa, George Elmer Edman, o aclamado viajante Depois, cain no ridiculo. Imaginando se livre do que escrevera, aventurou se
em seu poema atrevidamente, chegando até a zombar um pouco de si mesmo.
e explorador, saiu de casa para explorar a Amazonia.
Mas, enquanto lia, suas más começaram a tremer e o papel a farfallar: e
Bem, tenho novidades, crianças.
quando falou da viagem engasgou. Começou a mudar de voz e a esfregar os
Papa está a camino de casa.
olhos. Mas prosseguiu, e sua emocio era tanta que, ao final, ninguém disse
Ontem ele passou por Trinidad.
Em um caixo. uma palavra...

Isso rende ao sr. Biswas, antigo trabalador agricola e encarregado de una Ele, que era das Indias Ocidentais, tinha feito papel de bobo ao imitar
pequena loja, um emprego na redaço desse jornal. o jornalismo norteamericano, Shakespeare, T. S. Eliot e Lorca. Tinha

O sr. Biswas escreveu uma carta de protesto. Levou duas semanas. Foram atingido a verdade quando escrevera sobre a infancia nas Indias Ocidentais,

oito páginas datilografadas. Depois de muito reescrevela, a carta se desenvolveu sua me e a paisagen das Indias Occidentais. Naipaul pertence às Indias do

num longo ensaio filosofico sobre a natureza do homem; seu filho vai a uma Oriente. O sr. Biswas, às do Ocidente. Mas o problema do homem natural
das Indias Occidentais é a criaço de políticos de ambas as raças, buscando
escola secundaria e juntos procuram citaçes de Shakespeare e encontram um
bom material em Medida por medida. Pode escapar a quem nao é das Indias

exige que se entregue a ele em troca do perdo. Indignada, conta ao irmo, que, apavorado,
suplica à irma para que consinta. (N. do T.)
No original "East Indian, termo usado primeiramente para designaro habitante da India
2 Drama de Shakespeare, representado na Corte de Jaime lem 1604, no qual ojovem Claudio e mais tarde o de todo o Sudeste Asiatico. (N. do T.)
é condenado à morte e sua irma Isabel intercede por ele junto a um dos governadores. Este

369
Os jacobinos negros Apendice

meios de evitar o ataque do antigo sistema colonialista. O oriental tem se de nos juntar novamente. Assim como todas as bananciras e pés de
tornado um occidental assim como todos os outros expatriados. café perto de Caridade. No é longe daqui, voce sabe. Um vento leve

chega e tudo sai do cho. Pois o solo e instável. Parece rico na superficie,
O último dos romancistas das Indias Ocidentais a ser mencionado aqui é
um dos mais estranhos ainda vivos. Começando em 1958, acabo de concluir mas é so. O que voce acha que dizen quando isto acontece: quando

um quartetto de romances. E originario da Guiana Inglesa, que faz parte as colheitas se acabam? Dio de ombros e dizen que as colheitas so
dispensáveis. No conseguem enxergar que somos nos, nosso sangue se
da América do Sul. Naquel país existem quase 25 mil quilómetros quadrados
de montanhas, platos, florestas, selvas, cerrados, as mais altas cachoeiras do esvaindo o tempo todo, no rio e no mar, en todo lugar, desonrando a

mundo, amerindios nativos, comunidades establecidas de escravos africanos arvor. Agora é a hora de criar uma nova resistencia, Sharon, voce e cu;

fugidos, a maior parte disso tudo continua sem ser explorada. Por quinze años só depende de nós, mesmo se nos ajoelharmos e nos arrastarmos para

vivendo nesse novo territorio, Wilson Harris trabalhou como agrimensor. E nos apoiar, antes de nos reergueros.

membro de uma sociedade típica das Indias Ocidentais com seiscentas mi¬
No há espaco aqui para lidar como poeta na tradicio literaria, ou com
pessos, que habitam uma pequena faixa costeira. Harris dá a palavra final
o cantor de cances. Na dança, na inovacío dos instrumentos musicas e no
sobre a concepcio que as Indias Occidentais tem de si mesmas no que concerne
canto das cantigas populares, sem rivais en qualquer parte do mundo, as massas
à identidade nacional:
populares nao esto por meio deles buscando una identidade nacional, e sim
Um jovem das Guianas, meio chines, meio negro, ao fugir da policia,
expressando uma. Os escritores das Indias Ocidentais descobriram as Indias
descobre que todas as geraçes anteriores, de holandeses, ingleses, fran¬
Occidentais e os seus habitantes, um povo da metade de nosso conturbado
ceses, capitalistas, escravos libertos e cativos e de brancos, eram todas
seculo, interessado na descoberta de si mesmo, determinado a descobrirse a si
de expatriados. mesmo, mas que no alimenta o odio e a malicia contra o estrangeiro, mesmo

diante do mais amargo passado imperialista. Para ser bem recebida no comité
...) Todos os espíritos incansáveis e obstinados de todas as eras (que
das nações, um nova nacio deve contribuir com algo de novo. De outro modo
se pensava tivessem sido embalsamados para sempre esto retornando
isso se torna uma mera conveniencia administrativa ou uma necessidade. As
para alojarse em nosso sangue. E temos de começar de novo a explora¬
Indias Occidentais trouxeram algo de novo.
ço de onde eles pararam. E temos de colher as sementes de novo onde
antes semeavam. De nada adianta reverenciar a mais podre das raízes Albion tambem ja foi
e o tronco das arvores que nascem no histórico solo arável. Existe um
colonia como a nossa...
mundo inteiro de ramos e de sensacies que perdemos e temos de reco¬
perturbada
meçar das raízes para cima, mesmo que isso nos pareça inútil. Osso,
Pelos canais espumosos, e pela superficie
tronco, carne, seiva, sangue e vasos, pulmoes, coraço, a terra do coraço, inútil
Sharon! Somos os primeiros pais em potencial que podem dominar a casa
De amarga discordia.
dos antepassados. Jovens demais? No sei. E muita responsabilidade? O Tudo termina em misericordia.
tempo dirá. Temos de encarar isso. Ou, caso contrario, será tarde demais Tao diferente daquilo que o coraço

para fazer con que tudo e todos parem de fuggire de cair. E ento nem queria.
todos os cavalos do Rei e nem todos os homens do Rei sero capazes

Palace of the Peacock, The Far Journey of Oudin, The Whole Armour, The Secret Ladder. 29 Parodia da cantiga infantil de Humpty Dumpty:
Humpty Dumpty sat on a wall.
Londres, Faber & Faber.
Humpty Dumpty had a great fall.
2 Hoje, República Cooperativa da Guiana. Alcanço a independencia en 1966, sob a lide
All the King's horse and all the Kings men
rança do Primeiro-Ministro Forbes Burnham. O país tornou se uma República en 1970,
Couldn't put Humpty Dumpty in his place again. (N. do T.)
e Burnham, seu Presidente. (N. do T.)

370
Os jacobinos negros

A paixo no se perdeu, mas interiorizouse. Toussaint tento alcança la e


por tentar pagou com a propria vida. Lacerada, retorcida, esticada até os limites
da agonia, inoculada com medicamentos toxicos, ela vive no Estado principia¬ BIBLIOGRAFIA
do por Fidel. Pertence ao homem das Indias Ocidentais. Por ela, Toussaint, o

primeiro e maior dos homens dessas Indias, pagou com a propria vida.

FONTES PRINCIPAIS (Manuscritas)

ARQUIVOS FRANCESE
Les Archives Nationales. Milhares de relatorios oficiais e correspondencias particulares
do período de 1789 a 1804. Foi a fonte principal da pesquisa.
Les Archives du Ministère de la Guerre. Vasta coleco de documentos: a correspondencia

de Leclerc e relatorios de sua equippe, e, entre otros, uma parte da correspondencia


de Toussaint (aprendida na guerra, etc.
Les Archives du Ministère des Colonies. Cartas de Sao Domingos e copias de cartas do
ministro dos funcionarios franceses das colonias
Les Archives du Ministère des Affaires Etrangères. Pequena e variada coleçio de docu¬

mentos, alguns de muita importancia.


La Bibliothèque Nationale. A seco de manuscritos conté très volumes da correspon¬
dencia entre Toussaint e Laveaux e dois volumes da de Sonthonax.

ARQUIVOS DE SKO DOMINGOS


La Mission du Général Hedouville, de A. Michel. Basejase na coleco do dr. Price Mars, a qual
contem manuscritos originais de importancia capital. Espera se que sejam publicados
The Public Record Office. Correspondencia original entre o secretario de Estado e os
funcionarios britanicos na Jamaica e documentos de assuntos externos (França),

ambos tambem sobre Sao Domingos.

ARQUIVOS BRITANICOS
Museu Britanico possui manuscritos dispersos sobre o tráfico de escravos e sobre as Indias
Occidentais. O autor no se deteve muito neles, pois so Les Archives Nationales deman¬
dariam muitos anos. Contudo otros autores o fizeram, facilitando he o trabalho.

FONTES PRINCIPAIS (Publicadas)


Os debates nas assembleias revolucionarias foram encontrados nos Le Moniteur da época.
A correspondencia de Napoleo.
A grande colecio de documentos relativos à história de Paris durante a Revolu¬
cao francesa, publicados sob os auspicios do Concelho Municipal de Paris. Alem de
fundamentais para o estudo da Revolucao, contem referencias à questo colonial, a Sao
Domingos, a Toussaint L'Ouverture etc. Os mais úteis sobre Sao Domingos so: La
Société des sacobins, de Aulard (6 vols.), Les clubs contre-Révolutionnaires, de Challamel
(1 vol.), Paris pendant la reaction thermidorienne et sous le Directoire, de Aulard (4 vols.)
c Paris sous le Consulat, de Aulard (4 vols.).
Os jacobinos negros Bibliografia

Alem desses, há o Recueil des actes du Directoire Exécutif, editado por Debidour e de Sonthonax e Konnie, pois no compreende, como qualquer escritor burgués, o

publicado sob a direco do Ministerio da Instructo Pública. que ocorre num período revolucionario.

Panfletos de caráter oficial ou semioficial publicados pelo Clube Massiac, Provincia Saintoyant, J.: La colonisation française pendant la période napoléonienne (1799-1815).
do Norte, Provincia Occidental, Provincia do Sul, Camara Agricola, Camara de Co¬ Paris, 1931.
mercio, Raymond, Vincent, Laveaux, deputados, mensageros, pessos, organizacies, Sannon, P.: Histoire de Toussaint-L'Ouverture. Imprimerie Aug. A. Heraux, 3 vols.
ensim, por todas aquelas pessos ou entidades que estiveram de alguma forma relacio- Port-au-Prince, Haiti, 1920-33. A melhor biografia sobre Toussaint.
nadas com os acontecimentos relatados neste livro. A enorme coleco da Bibliothèque Schölcher, V.: Vie de Toussaint-L’Ouverture. Paris, 1899. Schölcher foi um radical
Nationale e a modesta do Museu Britanico. frances do seculo XIX. Odiava a escravido e odiava Napoleo. Apesar de muitos
de scus comentarios, é confiavel. Nessa obra há muitos documentos originais com
BIBLIOGRAFIA ESPECIAL
extratos impressos,
Michel, Antoine. La Mission du général Hedouville a Saint-Domingue, Imprimerie La Vaissière, P. de: Saint-Domingue, 1629-1789. La société et la vie créoles sous l'Ancien
Presse" 618. Rue Dantes Destouches. Port au Prince, Haiti, 1929. Trabalho compe Régime. Paris, 1909. A melhor introduçio à revolucio; um otimo trabalho de
tente e imparcial baseado em documentos originais; fornece novas informacies e
pesquisa. Mas o leitor deve estar atento aos preconceitos aristocraticos do escritor.
serve para destruir alguns mitos.
Fortescue, sir John: History of the British Army. Vol. IV. Primeira e segunda partes.
A REVOLUCO FRANCESA
Londres, 1906. Relatorio completo da expedicio britanica onde o autor descreve a
No podemos entender a revolucio de Sao Domingos se no a relacionarmos
ligacio dos escravos com os seus senhores e acredita que a oferta de liberdade que com a francesa. A maior de todas as histórias da Revolucio Francesa é a de Michelet,
os britanicos ofreciam aos escravos, depois que estes cumprissem cinco anos de cujo pai conviveu com alguns de seus participantes. O autor chegou a examinar
servicos militares, equivalia à divisa francesa de liberdade imediata. Mas Fortescue
os registros da Municipalidade de Paris antes de eles serem destruidos durante a
no consegue entender por que, en 1798, Toussaint e Rigaud buscaram expulsar
Comuna de 1871.
os britanicos.
Outros quatro historiadores mais attualizados so: 1. Aulard, que nutre uma simpa¬
Lacroix, Pamphile de Mémoires pour servir a l’histoire de la Révolution de Saint-Do¬
tia pelos girondinos e por Danton e se concentra nos fatos politicos da Revolucio; 2.
mingue, 2 vols. Paris, 1819. Lacroix fez parte da expedicio de Leclerc e dispunha
Mathiez, que se inspira nos fatos da Revolucio Russa e contribui para a reabilitaçamo de
de informaçones de primeira mano. Trabalho indispensável, embora parcial.
Robespierre; 3. Jaurès, que escreveu o primeiro volume de sua Historia no começo do
Nemours, General A.: Histoire militaire de la Guerre d'Indépendance de Saint-Domingue.
século e terminoua antes da Revolucio de Outubro. Establece as bases economicas
2 vols. Paris 1925 e 1928. Da guerra de independencia até a rendicio de Toussaint.
da Revolucio Francesa. Demonstra, como um dos primeiros líderes trabalhistas da
Nemours é haitiano e admirador de Toussaint, mas bastante honesto.
Europa, uma simpatia pelos movimentos de massa; 4. Georges Lefebvre, cuja obra en
Poyen, coronel A. de: Histoire militaire de la Révolution de Saint-Domingue. Paris, 1899.
um volume sobre a Revolucio e sua série mimeografada de palestras na Sorbonne fazem
E a verso oficial francesa dos acontecimientos. O coronel no entende nem o plano
um julgamento equilibrado de todos os partidos, grupos e individuos na Revolucio.
ofensivo de Leclerc, nem o defensivo de Toussaint (ver a Histoire Militaire de Ne¬
Apos a Segunda Grande Guerra, Daniel Guérin, fortemente influenciado pelo
mours, vol. I, do cap. XIV ao XVI). Há muitas citaçes das cartas de Leclerc, mas
marxismo e pela decadencia da Revolucio Russa, produziu um estudo cujo centro é
afirma que o Governo francés nunca pretendeu restablecer a escravido. Apesar da
o conflito entre Robespierre e os varios movimentos de massa
falacia, é um escritor culto e cuidadoso e o seu livro é útil para o período posterior
A melhor obra em inglés continua sendo a de Kropotkin. Muitas obras surgiram
à morte de Leclerc, no tratado por Lacroix e nem por Nemours.
nos Estados Unidos e na Inglaterra, mas so de pouco valor. O historiador reacionario
O COMÉRCIO COLONIAL FRANCES geralmente fasha ao retratar um conflito quando dele emergen forças que perseguem
Deschamps, L.: Les colonies pendant la Révolution. Paris, 1898. objetivos inesperados. Em uma revolucio, os excessos so normais, quem no aceita

Gaston-Martin: L'Ere des Négriers, 1714-1774. Paris, 1931.


isso no aceita a revolucio e, consequentemente, no pode escrever historia.

Gaston-Martin e outros: La doctrine coloniale de la France en 1789 etc. Procurei sempre mostrar a influencia da Revolucio nos eventos e personalidades

Cahiers de la Révolution Française. Util, mas algunas vezes equivocado. de Sao Domingos. Citei Lefebvre e tentei mostrar a relacio, até ento inesperada,
Saintoyant, J.: La colonisation française pendant la Révolution (1789-1799). 2 vols. Paris, entre duas populacoes to distantes uma da outra e de origens to diferentes. Os
1930. Admirável e honesto estudo das colonias, sobretudo de Sao Domingos, da estudos dos acontecimentos, na França e em Sao Domingos, no tardario a desen¬
qual o autor, como frances, lamenta a perda. Subestima as dificuldades sobretudo terrar mais cosas.

374
Os jacobinos negros Bibliografia

SO DOMINGOS ANTES DA REVOLUCO (Historiae Geografia) SO DOMINGOS 1789-1804


Boissonade, P.: Saint-Domingue à la veille de la Révolution et la question de la representation Ardouin, B.: Etudes sur l’histoire d'Haiti, 6 Vols. Paris, 1853. Ardouin era mulato, odiava
aux Etats-Généraux. Paris, 1906. Toussainte odiava os franceses. Apesar de suprimir provas para no comprometer

Charlevoix, Père: Histoire de l'ile espagnole ou de Saint-Domingue. Amsterdam, 1733. os seus propósitos, esse livro é uma das fontes mais importantes para qualquer
Edwards, Bryan: A Historical Survey of the French Colony of San Domingo, etc. Londres, trabalho serio sobre a revolucio dominicana.
1796.
Garran-Coulon, J.: Débats entre les accusés et les accusateurs dans l'affaire des colonies.
6 Vols. Paris, 1798. Relatorio oficial dos julgamentos de Sonthonax e de Polverel.
D'Auberteuil, Hilliard: Considérations sur l'état présent. de Saint-Domingue. Paris,
Garran-Coulon, J.: Rapport sur les troubles de Saint-Domingue... 6 vols. Paris, 1799.
1776.
Relatorio oficial dos très primeiros anos da revolucio.
De Wimpffen, bario F.: Voyage à Saint-Domingue pendant les années 1788, 1789 et
Dalmas, M.: Histoire de la Revolution de Saint-Domingue, 2 vols. Paris, 1814.
1790. Paris, 1790. Livro de viager que merece ser lido, no apenas pela descrico
Justine, Placide: Histoire de l'ile d'Haiti. Paris, 1826.
que faz da colonia.
Madiou, T.: Histoire d'Haiti, 2 vols. Porto Principe, 1817.
Labat, Père: Nouveaux voyages aux iles de l'Amérique. Um contecido livro de viagens.
Lemmonier-Delafosse. Seconde campagne de Saint-Domingue. Havre, 1846. O escritor
Moreau de Saint-Méry: Description topographique, physique et politique de Saint-Domingue.
participou da campana.
2 vols. Philadelphia, 1797. Um modelo. Inteligente, mas cheio de preconceito.
Stoddard, T. Lothrop: The French Revolution in San Domingo. Boston e Nova York,
Ha muitos livros de memorias e de viagem, por exemplo, os de Ducocurioly, Descourtilz, 1914. A tese de Lothrop Stoddard é que os brancos se destruiram em Sao Domingos
Girod-Chantraus, do coronel Malenfant e de Malouet. Descourtilz (Voyage d'un a tentar preservar a purcza racial.
naturaliste, Paris, 1809) esteve aprisionado em Crète à Pierrot durante o cerco e pre¬ Métral, A.: Histoire de l'expédition des français à Saint-Domingue, sous le consulat de
servou algumas informaçones uteis. Napoléon Bonaparte. Paris, 1825. Com as memorias de Isaac Ouverture. Pelo fato
de terem sido escritas de memoria, contem muitos enganos, mas o seu testemunho
ABOLICAO DO TRAFICO BRITANICO DE ESCRAVOS
é útil en muitos aspectos.
Brougham, H.: The Colonial Policy of the European Powers. Edimburgo, 1803.
Clarkson, T.: Essay on the Impolicy of the African Slave Trade. Londres, 1788. O titulo BIOGRAFIAS DE TOUSSAINT LOUVERTURE
serve para explicaro livro. Existem poucas. As mais confecidas e uteis so:
Gragnon-Lacoste: Toussaint L'Ouverture. Paris, 1877. E uma apologia, mas preserva
Clarkson, T.: History of the Rise, Progress and Accomplishment of the Abolition of the

African Slave Trade. Londres, 1839. Os dois livros de Clarkson mostram que ele informaçones uteis
Waxman, P.: The Black Napoleon. Nova York, 1931. Superficial.
no tinha iluses quanto as bases economicas daqueles acontecimentos.
Saint-Remy: La vie de Toussaint L'Ouverture. Paris, 1850. O autor, mulato, odiava
Coupland, R.: Wilberforce, Londres, 1923.
Ouverture eo agride com insolencia. Très anos depois, tornouse mais moderado
Coupland, R.: The British Anti-Slavery Movement. Londres, 1933. Essas duas obras
e publicou as Memorias de Toussaint, uma apologia escrita para Bonaparte no
representam a visio oficial da escola de Oxford.
Fort de Joux, sobre as atividades anteriores à expedicio de Leclerc e durante ela.
Ragaz, L. F. The Fall of the Planter Class in the British Caribbean. Londres, 1928. Um Nemours, A.: Histoire de la captivité et de la mort de Toussaint-L'Ouverture. Paris, 1929.
grande trabalho de pesquisa de um intelectual norteamericano. Durante as guerras napoleonicas, Marcus Rainsford e James Stephen escreveram um
Wilberforce, R. I. e S.: Life of Wilberforce. Londres, 1838.
panegyrico sobre Toussaint em inglés. Em 1855, o reverendo J. R. Beard publicou uma
Historia parlamentar.
biografia de Toussaint na qual comprova ser ele um exemplo notável de sacerdote protestante
Debates parlamentares.
que se tornou revolucionario. Contudo, a sua obra é, no geral, bastante precisa.
Registro oficial dos debates parlamentares. Em 1935, The Black Consul, traduzido do russo por Anatoli Vinogrado, foi pu¬

blicado em Londres. Apesar de atestar no preficio que utilizou apenas fontes cuja
OS MULATOS
autenticidade era indiscutivel, confundiu mulatos e negros, fez Toussaint ir a Paris
Lebeau, A.: De la condition des gens de couleur libres sous l'Ancien Régime. Poitiers, 1903. com a delegacio mulata e deu educacao superior a Dessalines, em Paris, arruinando,
dessa forma, o principal ensinamento da revolucio. Alem disso, atesta que Biassou
OS ESCRAVOS escreven um notável artigo publicado em um panfleto, em Paris; transforma Vincent
Frossard, A.: La Cause des négres esclaves, 2 vols. Lyons, 1789. em mulato e na única vez que menciona Rigaud chama-o de mulato. Alem disso,
Peytraud, Lesclavage aux Antilles françaises avant 1789. Paris, 1897. perpetra violencias semelhantes contra a história francesa.

376
Os jacobinos negros

Césaire, Aimé. Toussaint L'Overture, présence africaine. Biografia escrita pelo poeta,
dramaturgo e politico da Martinica. Traballo competente que proporciona um bom
retrato de Toussainte da revolucio de Sao Domingos. Creio, contudo, que a esta faltam
CRONOLOGIA
o ardore o brilho que caracterizam as demais obras de Césaire.

1215: Sáo Domingos de Gusmo funda a ordem dos dominicanos.


1492: Colombo descobre a América. Em sua primeira viagem chega ao Haiti (La
Española) no dia 5/12. Chegada a Cuba c Porto Rico. Funda o Forte Navidad
em La Española depois do naufragio da Santa Maria
1496: Bartolomeu, irmo de Colombo, funda a cidade de Sao Domingos, a primeira
do Novo Mundo.
Vasco da Gama chega às Indias. Tercera viagem de Colombo: chegada a Trinidad.
1502: Quarta viager de Colombo. Descoberta da Martinica.
1503: E fundada a Casa da Contratacio em Sevilha, para regular o comercio com as
colonias
1504: E atribuido un mapa a Américo Vespicio, no qual se afirma que as terras
descobertas fazem parte de um Novo Mundo. Martin Walseemiller publica
um mapa en que essas terras so denominadas “Terras de Américo.
1505: Juan de Esquivel: conquista da Jamaica
Ponce de León explora Porto Rico e O campo realiza o recontecimento das
costas de Cuba,

1513: Balboa descobre o Pacífico.


1524: Carlos V cria o Conselho das Indias.
1534: Ignacio de Loyola funda a Compania de Jesus.
1542: Carlos V promulga uma série de leis para a protego dos indios, devido às
denuncias do frei Bartolomeu de Las Casas.

1544: E criado o vice-reino do Peru.


156: Carlos V abdica en favor do filho, Felipe II.
7: Implantatio do Tribunal do Santo Oficio na América.
1580: Uniao das Coroas Ibéricas. Felipe Il anexa os territorios americanos aos seus Estados.
1593: So establecidos os Estados-Gerais, na França

1598: Felipe III sobe ao trono espanhol.


1605: Filipe II, rei de Espanha, ordena a destruicio das vilas de Puerto Plata, Bayajá
« La Laguna, para impedir o contrabando. Os espanhois passam para a parte
oriental da illa de Sao Domingos.
1607: Fundacio da primeira colonia inglesa na América: Virginia.
1620: Viagem dos padres peregrinos no Mayflower.
1639: O Papa probe a escravido do indio.
1651: Ato de Navegaçao (Inglaterra).

379
Os jacobinos negros Cronologia

1654: A Espanha toma a illa de Tortuga, ao norte de La Española (ou Hispaniola, 1800: Napoleo e eleito Primeiro-Consul por dez anos.
1801: So Domingos proclama uma Constituiçio e a illa se torna provincia auto¬
de acordo com os historiadores ingleses). Tortuga servia de abrigo a piratas que
contrabandeavam carne defumada ou boucan; por essa razo, eram chamados
noma da França. Toussaint toma posse, de fato, da parte espanhola. Toussaint
de bucaneiros. proclama uma Constituiçamo.
1664: A Compagnie des Indes Occidentales, no reinado de Luis XIV, passa a admi¬ 1802: Napoleo tornase Consul vitalicio. Bonaparte envia uma armada para Sao
nistrar todas as colonias francesas na América. Domingos. Leclerc, general de Napoleo, alcança a vitoria. Toussaint se entrega
1665: Os franceses se establecem em Tortuga. e élevado para a França.
1670: Luis XIV autoriza o tráfico negreiro da Africa para as colonias. 1803: Toussaint morre em Forte Joux, perto de Pontarlier, aos 27 de abril. Rochambeau,
1697: Os franceses se estabelecem em Saint Domingue, parte da Hispaniola cedida sucessor de Leclerc, capitula diante de Jean-Jacques Dessalines e Alexandre Sabes
pelos espanhois de acordo como Tratado de Ryswick. Pétion.
1743: Nascimento de Toussaint. 1804: Código Civil. Napoleo proclama se Imperador (18/5) e é coroado (2/12) pelo
756: Guerra dos Sete Anos. Papa Pio VII em Nossa Senhora de Paris. Dessalines proclama a independencia
776. 4 de julho, independencia dos Estados Unidos da América. do Haiti (1/1) e, em setembro, proclama se Imperador Jacques I.

1758: Suplicio de Mackandal, lider negro que utilizava o vodu, em Sao Domingos. 1804-1855: Império.
1789-92: Inconfidencia Minera. Revolucio Francesa. 1805: Napoleo tornase Rei da Italia.
1789-91; Assembleia Constituinte na França. 1806: Morte de Dessalines. O país se divide em dois: o Norte é comandado por Henri
1789: Estados-Gerais (5/5); O Tercero Estado é proclamado Assembleia Nacional Christophe eo Sul, por Pétion

(17/6) e Constituinte (9/7); Queda da Bastilha (14/7); Direitos do Homeme 1807: Leclerc proclama a República. Christophe designa-se Presidente perpétuo.

do Cidado (26/8); Terror (vero de 1789). Repercusso em Sao Domingos da Matança dos brancos.
Revolucio Francesa. Revolta dos brancos no Haiti.

1791: Fuga do Rei para Varennes (217); proclamacao (3/9) e dissolucio (29/9) da 1811: Christophe assume a coroa.
Assembleia Constituinte. 1812: Campana e retirada da Russia.
1791: Governo girondino. A Assembleia Constituinte establece a igualdade de direitos 1813: Vitoria de Bolivar em Caracas.

em Sao Domingos. Revolta e morte de Boukman. Rebelio dos escravos no Sul 1814: Abdicaço de Bonaparte. Volta de Luis XVIII.
e no lado Occidental 1815: Napoleo volta do exilio em Elba e retoma o poder (1/3); Governo dos Cem
1791-92: Assemblea Legislativa. Dias; nova abdicago (2276), nova volta de Luis (24/6).

1792: Suspenso do Rei e dissolucio da Assembleia. 1820: Independencia de Santo Domingo (República Dominicana). Christophe suicida-
1792-1795: Convenco (20/9/92). se com uma bala de prata, apos ser derribado por can-Pierre Boyer, sucessor

1792: Proclamacao da República (21/9); Calendario Republicano (229). de Pétion no Sul.


1793: O Rei é guillotinado (21/1); Insurreico na Vendeia; Comité de Salvacao Pública 1821: Independencia da Venezuela e do Peru.
(6/4); Assassinato de Marat (13/7); Robespierre no Comité (277); Ditadura 1822: Boyer, Presidente do Haiti, reunifica a illa. Independencia do Brasile do Equador.

(10/10); Execucio da Rainha (16/10). Reaço dos latifundiarios brancos em Sao 1825: Independencia da Bolivia. Boyer fazos franceses reconhecerem a independencia
Domingos contra a Convencio. A Convencio nomia Toussaint L'Ouverture do Haiti.

general da República. Desembarque dos britanicos. Supresso da escravido 1843: Exilio de Boyer.
en todos os territorios tranceses. 1849: Reinado de Faustin I (Faustin Elie Soulouque).

1794: Execucio de Danton (5/4); Execucio de Robespierre e fim do Terror (28/7) 1859: Exilio de Faustin.
1795-1804: Diretório (31/10/95) 1859-1867: Governo presidencial de Fabre Geffrard.

1795: Santo Domingo (a parte espanhola) é cedida à França. 1878-1888: Lysius Salomon.
1797: Condenaçio de Babeuf (21/5); golpe de Estado do general Augerau (4/9). 1889-1896: Florvil Hyppolite.
1798: Toussaint derrota os britanicos. 1898: Independencia de Cuba.
1799: 18 de Brummario, golpe de Napoleo (9/11) 1904: Emenda Platt.
1799-1804: Consulado, na França. 1915-1934: Intervenço norteamericana (28/7/15).
1799: Consules: Sieyes, Roger Ducos e Napoleo Bonaparte (10/11). 1930: Inicio do primeiro governo de Trujillo na República Dominicana.


Os jacobinos negros

1940: Governo de Vichy, na França.


1941: Fim do controle financeiro do Haiti pelos EUA.

1947: Independencia da India.


INDICE ONOMASTICO E REMISSIO
1957: Independencia de Gana. Governo de François Duvalier, no Haiti, alcunado
Papa Doc. Governou por meio de sangrenta repressa; utilizando se do vodu
e de una guarda pessaal: os tontons macoutes.
1958: E formada a Federacio das Indias Occidentais.
1959: Fidel Castro tornase Primeiro Ministro em Cuba.
1960: Independencia do Congo. francés, representante do socialismo
1961: Independencia da Tanganica.
utopico igualitario. 179, 180
1962: Bosch assume o poder na República Dominicana. Independencia de Trinidad. Agé, general 177, 235, 259,260, 271,282 Balcarres, duque de 195, 199
1964: Independencia de Malawi. Baldwin, Stanley primeiro conde Baldwin
Ailhaud, M. 120
1966: Independencia da Guiana.
Ainsi parla l'oncle (Mars) 347 de Bewdley (1867-1947), Primeiro¬
1971: Morte de François Duvalier. Seu filho, Jean-Claude (Baby Doc), tornase
Albermarle, lorde 104 Ministro britanico (1923-9 e 1935-7
Presidente (22/4).
Alexandre I (1777-1825), Imperador da sua reacio à greve geral de 1926 (com
1986: Jean-Claude Duvalier foge do Haiti. O general Henri Namphy assume o governo uma lei contraria aos sindicatos con¬
Russia, derrotou as tropas invasoras de
interino.
Napoleo em 1812, na famosa Gran¬ tribui para a abdicaçamo de Eduardo
1988: O professor Leslie Manigat é eleito Presidente, mas é expulso ao tentar demover
de Guerra Patriotica. Empenhouse VII dez anos depois. 246, 258
o general Namphy do posto. O general Prosper Avril assume a Presidencia por
em uma campanha contra a França, Banda, Hastings Kamuzu, politico africano
meio de um novo golpe.
invadindo a por duas vezes, e foi o nascido provavelmente em 1902. Era
1990: Avril impe estado de sitio. Depois de varias manifestages, Avril é obrigado a médico e tornou se lider de um movi¬
principal responsavel pela restauracano
fugir do país. O presidente da Suprema Corte, Ertha Pascal-Trouillot, assume mento nacionalista. Assumiu o cargo
dos Bourbons ao trono francés. 248
o governo interino. Jean Bertrand Aristide é eleito Presidente do Haiti. de Primeiro-Ministro da Niassalandia,
Allenby, Edmund Henry Hynman, princi¬
1991: Aristide é derribado por um golpe de Estado. Inicio de sangrenta repressio.
ro visconde de (1861-1936), foi um gene¬ levando a à independencia como nome
1994: Aristide retorna a poder
de Malavi, en 1964. Foi Presidente de
1995: René Préval é eleito Presidente do Haiti. ral de campo britanico que na Primeira
Grande Guerra invadiu a Palestina e pos 1966 a 1994. Em 1971, declaronse
Presidente vitalicio. Em 1993, devido
sim à resistencia turca (1918). Mais tarde
serviu como alto comissario britanico
a um plebiscito imposto por presses
internacionais, o titulo vitalicio foi su¬
no Egito e no Sudio (191925). 356
Allix, comandante 326
primido e nas eleiges de 1994 perden
Amigo dos Negros (clube) 64, 67, 69, 70 o cargo. 352, 360
Baptiste, Pierre 33, 234, 326
76, 77, 78, 79, 80, 82, 99, 115, 116,
Barnave, Antoine-Pierre-Joseph-Marie
117, 118
(1761-1793), célebre orador da Assem¬
Antonieta, Maria (1755-1793), Rainha da
bleia Constituinte. De tendencia
França (1774-93), esposa de Luis XVI,
monarquico-constitucional, tento
julgada pela Revolucio, foi decapitada
salvaro Rei apos a fuga para Varennes.
na guillotina. 121,128
Morreu na guillotina. Era antiescrava

gista e participou do Comité sobre as


Colonias. 78, 79, 81, 85, 86, 87, 105,
113, 117, 120, 187
Babeuf, François-Noël de (1760-1797), co¬
Baudière, M. de 73
necido como Gracchus, revolucionario

383
Os jacobinos negros Cronologia

Beauchamp, Alphonse de (1767-1832), ao poder, governa durante cem dias e¬ Escocia e da Irlanda que, a romper. Churchill, sir Winston Spenser (1874
publicista e historiador frances. Par¬ derrotado em Waterloo. Morre no exilio como Parlamento em 1642, de¬ 1965), Primeiro Ministro britanico
ticipou da conspiraço que levaria à de Santa Helena. 12, 15, 16, 26, 176, sencadeou a Primeira Guerra Civil. (1940-5 e 1951-5), um dos principais

queda de Robespierre. 15 215, 216, 218, 219, 220, 221, 222 estadistas durante a Segunda Grande
Rendeuse em 1646. Ao fugir, no
Beauharnais, madame de 240 223, 233, 235, 240, 241, 243, 244, ano seguinte, provocou a Segunda Guerra. 365

Beauvais, oficial 101, 102, 103, 106, 111, Cipriani, Arthur Andrew (1875-1945), capi¬
247, 248, 249, 250, 251, 252, 256, Guerra Civil, na qual foi derrotado
113, 129, 134, 136, 143, 146, 147, 257, 258, 259, 261, 266, 267, 268, por Cromwell. Foi condenado à morte tamo que serviu no regimento das Indias

158, 174, 188, 208, 213, 250 e decapitado en 1649. 127, 128 Occidentais Britanicas. 356, 357, 358
269, 272, 274, 275, 276, 277, 278,
Belair, Charles 234, 235, 260, 282, 295, 279, 286, 288, 290, 292, 293, 295, Carlos V (1500-1558) dos Habsburgos Clairveaux, general 217, 220, 235, 267,
298, 300, 306, 317, 323, 324 297, 299, 308, 309, 310, 322, 323, governou os dominios austríacos e ale¬ 272, 282, 302, 314, 315, 319, 320,
Belair, Sanite 236, 314 324, 328, 329, 330, 331, 338, 339 maes (na época da Reforma), receben 321, 322, 324, 333, 335, 336
Bellay, deputado 138, 139 Borde, Jules 153 de herança o trono espanhol (e, conse¬
Clarkson, Thomas (1760-1846), um dos
Belloc, Hilaire (1870-1953), escritor inglés Bosch, Juan 362, 363 quentemente, a América espanhola) e foi primeiros propagandistas do abolicio¬
de origen francesa, autor de um poema Boudet, general 251, 271, 273, 274, 278, eleito Imperador do Sacro Império. 19 nismo. 64, 80, 133, 207
comico muito famoso: “The Bad Child's 281, 282, 284, 286, 287, 288, 295, Casa Calvo 151, 162 Coison, padre 275, 276
Book of Beasts (1896). 223, 323 315,320 Castro, Fidel (1927) 344, 346, 348, Colbert, M. 57
Besse, Martial 181 Boukman (alto-sacerdote) 91, 92, 100, 323 358, 361, 363, 364, 372 Colombo, Cristóvo (1451-1506), explora¬
Bassou (escravo) 98, 99, 101, 107, 108, Bourdon, deputado 180, 181, 182 Césaire, Aimé, poeta da Martinica, nascido dor italiano que, a servico da Espana,

109, 111, 124, 125, 129, 131, 132, Boyer, general 251, 284, 293, 313, 325 em 25/6/1913, esteve ligado ao Surrea¬ descobrir a América en 1492. Realizon
142, 233 Brandicourt, oficial 130 lismo, escreveu o poema La Mort de très expedices a esse continente sem que

Blanchelande, Governador de 85, 89, 92 nunca subesse tratarse de um novo


Brissot de Warville, Jacques-Pierre (1754 Toussaint Louverture e sua principal aço
93, 95, 99, 104, 114, 126 politica è o Movimento da Negritude mundo. 19, 20, 235
1793), lider dos girondinos, burgueses
Blanetty (deputado) 118 moderados que se opunham aos jaco¬ Entre suas obras, mencionamos: Cahier, Condorcet, Marie-Jean-Antoine Nicolas
Bodin, M. 290 d'un retour au pays natal, 1939, poesia, de Caritat, marques de (1743-1794),
binos, democratas radicis. Fundou a
Bolivar, Simo (1782-1830), generale liber¬ Les armes miraculeuses. Le roi Christophe, advogado e filosofo frances do Ilumi¬
Sociedade Amigos dos Negros, ins
tador americano, nascido em Caracas na pirada no movimento antiescravista 1964, dramas; Une saison au Congo, nismo eum dos maiores ideologos da¬
Venezuela e morto em Santa Marta, na britanico. 64, 76, 120, 136 1965, tragédia. 352, 353, 354, 355, 367 Revolucio. 64, 67, 76
Colombia. Os seus exercitos libertaram Brossard, M. 175 Chalmers, John 132, 133 Cromwell, Oliver (1599-1658), revolucioná¬
cinco Estados sul-americanos do domi¬ Brux, ministro 209, 308 Chancy (sobrino de Toussaint) 234 rio inglés que viria a se tornar Lorde Pro-
nio espanhol. 348, 364 Bruley (funcionario) 169 Chanlatte, comandante 125, 131, 159,276 tetor de seu país, da Escocia e da Irlanda.

Bonaparte, Josefina (1763-1814), imperatriz Brunet, general 303 Chavannes, oficial 80, 81, 233 Recusou a coroa e abriu camino para
da França (1804-1809), esposa de Na¬ Bulle, M 110 Christophe, Ferdinand 315 a nova classe dominante, a burguesia.
polemo , como qual se casou em 1796. Christophe, Henri (1767-1820), nomeouse Deu impulso à Revolucio Gloriosa, à
Antes dele, foi casada com Alexandre de Americana e à Francesa. 127, 128
presidente em 1807 e rei em 1811. Foi
Beauharnais. Napoleo anulou o casa¬ derrubado por Boyer em 1820. Aparece Cuyler, general 133
mento em 1809, devido à infertilidade Cassarelli (ajudante de campo) 329 como personagem no romance de Alejo
que foi imputada a ella. 240 Cahier d'en retour au pays natal (ver tam¬ Carpentier El Reino de este Mundo. 33,
Bonaparte, Napoleo (1769-1821), general bé Césaire) 352, 355 88, 131, 144, 171, 177, 236, 244, 245,
de brigada (1796), Primeiro-Consul Cambon, deputado 139 246, 253, 254,262, 267, 269, 270, 271 D'Anglas, Boissy 169
(1799), Consul vitalicio (1802) e Im¬ Danton, George-Jacques (1759-1794),
Camboulas, deputado 138 273,278, 279, 281,282, 283,284,290
perador (1804) da França. Abdicou em Candy (funcionario) 124 293, 296,297, 301, 302, 304, 307, 311, um dos maiores estadistas e oradores

Fontainebleau (1814) e retirouse para Caradeau, marques de 89, 102, 103, 106 312, 314, 315, 317, 318, 319, 322, 324, da revolucio. Promoveu o Tribunal
a illa de Elba. No ano seguinte, volta Carlos (1600-1649), rei da Inglaterra, da 335, 336, 338, 346 Revolucionario e participou da Junta


Os jacobinos negros Cronologia

de Salvacío Pública. Devido às suas Dufay, deputado 138 and other Observations (1917) e The Grant, James 135

posices de direita, foi acusado por Dugua, general 251, 287, 292, 308, 32 Wasteland (1922), os Four Quartets Green, John Richard (1837-1883), histo¬

Robespierre durante o Terrore acabou Dumas, general 182, 247 (1935-42), poesia, ea sua tragédia Mur¬ riador inglés. Escreven a Historia do
sendo executado. 85, 140, 157, 186 Dumourier, Charles-François du Périer der in the Cathedral (1935), construída povo inglés. 16
D'Arsy, Gouy. (1739-1823), general frances que parti¬ nos moldes da tragédia clásica grega. Gregorio, padre Henri-Baptiste (1750
D'Auberteuil, Hilliard 3 cipou do Clube dos Jacobinos. Conquis¬ Em 1948, ganhou o Premio Nobel em 1831), defensor da greja Constitu¬

Debelle, general 272, 278, 281,283,286, cional, ou seja, da nacionalizado da


tou vitorias importantes para a França e literatura. 355, 369
287, 308, 314 depois desertou para os austríacos. 137 Engels, Friedrich (1820-1895), filosofo e te¬ greja Católica Romana, na revolucio.
Debuisson 153 Dundas, Henri 62, 133, 134, 135, 142, 143, rico socialista. Aliouse a Marx a partir 64,67, 76, 79, 82, 140,226, 309, 328

De Chapuzet, M. 52, 53 158, 187, 198, 199, 249 de um encontro em 1844, em Paris
Guadet, Marguerite Elie (1758-1794),
De Guérin, M. Chapuzet, ver De Du Tertre, padre 31 Colaborou com ele inclusive no Mani¬ lider dos girondinos e deputado da
Chapuset 53 Duvalier, François (1907-1971), ditador festo Comunistae em Capital. 185,258 Convenco Nacional. 114, 117
Delahaye, M. 181, 18 Guibert, comandante 283
do Haiti (1957-71). Médico, foi eleito
De Peynier, governador 71, 340 Presidente em 1957 e, a ser reeleito Guy, comandante 153
Derance, Lamour 281, 306 en 1961, declaronse Presidente vitali¬
Deschamps, M. 74 cio. Era confecido como Papa Doce Ferrari (ajudante de campo) 303
Descheaux, cidado 232 usou o vodu para instaurarum regime Feuillants (clube) 86, 113, 114, 117, 119
Desfourneaux, general 172, 173, 174,278, de terror. Apos a sua morte, seu filho,
Harcourt, Sr. 210
Fontanges, cidado 232
281, 283, 290, 308 Hardy, general 278, 279, 281, 290, 292,
Jean-Claude Duvalier, nascido en
Forbes (funcionario) 18.
Desparbes, comandante 120, 123 293, 297, 301, 314
1951, tornouse Presidente vitalicio
Fortescue, str. 143, 157, 199
Dessalines, general 12, 88, 107, 129, 131 Harris, Wilson (1921), escritor da Repú¬
e ficou contecido como Baby Doc.
Fortier, cidado 23 blica Cooperativa da Guiana, demons¬
144, 145, 155, 163, 175, 204, 214, Em 1986, foi forçado a dexaro paíse
Fouché, M. 233, 247 tra em suas obras uma preocupacio
215, 216, 217, 218, 221, 223, 235,
buscou asilo na França. 361, 362, 363 François, Jean 98, 99, 101, 107, 108, 109,
253, 257, 260, 262, 263, 265, 267, com a aceitaço da realidade como
110, 111, 124, 125, 128, 129, 131, 142,
268, 269, 271, 272, 273, 274, 275, força opressora e decadencia cultural.
144, 148, 150, 220 Entre suas obras destacam se (além das
281, 282, 284, 285, 286, 287, 288,

289, 291, 292, 295, 297, 299, 301, Eden, Anthony (1895-1977), estadista mencionadas por James), The Infinite
302, 303, 304, 305, 307, 311, 312, britanico que renuncion devido à Rehearsal, Carnival, Companion at the
314, 317, 319, 320, 321, 324, 325, politica conciliatoria de Chamberlain Day and Nighte Black Marsden. 370
327, 331, 334, 335, 336, 337, 338, en relacio ao Eixo. Retorno durante Galbaud, governador 126, 127 Hédouville, general 189, 190, 191, 193,
o governo de Churchill e tornouse Garran-Coulon, M. 181
339, 346 194, 195, 196, 197, 200, 201, 202,
Garvey, Marcus Mosiah, lider negro 203, 204, 205, 206, 207, 208, 209,
Dessources (colonista) 154, 155, 1911 Primeiro Ministro en 1955. Foi um
nascido em St. Ann, na Jamaica, em 215, 217, 219, 229, 233, 237, 238,
De Vaissière, Pierre 27, 52 dos principais articuladores para a for¬
maça das Naces Unidas. Promove¬ 1887, e morto em Londres, en 1940
D'Hermona, marqués 125, 130, 131, 239, 243, 293
132, 142 intervenço armada na crise do canal Fundou o jornal The Negro World, Henin, M. 290
Diderot, Denis (1713-1784), filosofo e lite¬ de Suez en 1956.246 cujas palavras de ordem cram Um so Hispaniola 19
rato frances que, junto com d'Alembert, Eliot, Thomas Stears) (1888-1965), Deus, um so objetivo, um so destino”. Hoare, si Samuel John Gurney, primeiro
Em 1917, fundo a UNIA, Associacio visconde de Templewood (1880
dirigiu a Enciclopédia, 37, 186 poeta nascido en St. Louis nos Estados
Dieudonné, oficial 146, 147, 153, 233 Unidos. Mudou se para Londres em Universal para o Aprimoramento do 1959), diplomata britanico que ne¬

Don Garcia, governador 125 1914, onde adotou o anglo-catolicismo. Negro. 349, 350, 352, 367 gociou o acordo de cesso da Etiopia
Ducos, Roger (1747-1816), advogado e Esteve ligado aos jornais the Egoist Giraud, comissario 165, 171 para a Italia en 1935. 246
deputado na Convencio que votava (1917-30) e Criterion (1922-39). Entre Girondinos 114, 120, 121, 136, 137, 307 Hollingsworth, John 210
com a Montana. 118 suas obras, destacam se os Prufrock Gouly, deputado 169 Hugues, Victor 141, 157

386

-
Os jacobinos negros Cronologia

Humbert, general 251, 278, 281, 283,314 Coney Island. Foi ele quem, pela pri¬ Lafayette, Marie-Joseph-Paul-Yves-Roch¬ 156, 157, 158, 159, 160, 161, 162, 163,

Hyacinth (escravo) 111 meira vez recebeu a alcuna de Grande Gilbert du Motier, marqués de (1757. 164, 165, 166, 167, 168, 180, 194,

esperança branca. 350 1834), general e político francés. 203, 230, 233, 238, 239, 251
Johnson, Dr. 61 Participou da guerra de independencia Leblanc, comissario 165, 171

Johnson, Arthur John (Jack) (1878-1946), norteamericana. Em 1789 fez parte Leborgne, comissario 172
Ireton, Sr. esposa de Henry Breton (1611- filo de pai escravo, foi o primeiro negro do Partido Realista Liberal. 85 Leclerc, general Victor Emmanuel (17.

1651), que ajudou a levar Carlos la a ganhar o titulo de campeo mundial Lamartinière, Marie-Jeanne 286 1802), cunhado de Bonaparte que,

julgamento. 127 dos pesos pesados. Como Jim Jeffries, o Lamartinière, oficial 259, 260, 271, 2, com 25 mil homens, desembarcou
Isabel (1533 e 1603), rainha da Inglaterra, campeo da época, nao quisesse enfren¬ 282,285, 286, 287,291, 292, 297,307 em Sao Domingos para reintroduzir a
filha de Henrique VIIIe Ana Bolena, talo, ele lutou contra Tommy Burnse Lambert, M. 104 escravido na colonia. Enviou Toussaint
sucede no trono a Maria Tudor. 143 derrotou o na Australia, en 1908. Mas Lameth, Charles de 72, 73, 78, 79 para a França como prisionero. Morreu
o seu titulo só foi recontecido quando, Lamming, George (1927), escritor de vitimado pela febre amarela, que daria
finalmente, derrotou im Jeffries, em Barbados, professor na Universidade cabo de 22 mil de seus homens. 250,

Las Vegas, en 1910. 350 das Indias Occidentais. Escreven In 251, 252, 267,268, 269, 270, 271, 272,

Jacobino (clube) 87, 123, 144, 169, 17. Jorge III. Georg Wilhelm Friedrich (17 the Castle of My Skin (1953), The Ini¬ 274,275, 276, 277,278, 279, 281,282,

Jaurès, Jean Louis (1859-1914), politico 1820), monarca britanico que tambem grants, Of Age and Innocence, Season of 283,284, 285, 286, 287, 288, 289, 290,

e filosofo frances, autor da Historia governou Hanover. Foi senhor de um Adventure, romance bastante pessoal 292,293,294,295, 296,297,298,299,

socialista da Revolucio Francesa. Hoi, vasto império durante a Guerra dos que se passa na illa ficticia de San 302,303,304, 306, 307, 308, 309, 310,

tambem lider do Partido Socialis¬ Sete Anos, mas perdeu a colonia norte¬ Cristobal, e Natives of my Person. Acre¬ 314, 315, 316, 318, 319, 320, 321, 322,

ta Frances e fundador do jornal americana. 197 ditava que a lingua era un fenómeno 323, 324, 325,328,329, 332, 336, 337
L'Humanité, 12, 58, 87, 116 Jumecourt, Humus de 102 de colonizaco e procurou estimular Leclerc, Paulina (Maria Paulina Bonaparte)

Jawaharal Nehru (1889-1964), primeiro as linguas nativas. (N. do T.) 367 (1780-1825), cassou se como general
chese do Estado livre da India, de 1947 Leclerc em 1801. Tornou se viva em
La Platière, Sr. Jean-Marie Roland de
a 64. Tornou se um nacionalista apos (1734-1793), um dos lideres dos giron¬ 1802 e, no ano seguinte, casouse com
o massacre britanico em Amritsar Kenyatta, Jomo (1889-1978), Kenyatta e dinos, cuja carrera foi dirigida pela sua o principe Camilo Borghese. 252,320

(1919). Foi lider do Congresso Nacio¬ um nome modificado do termo suahili muller, 11 Ledogin, general 301
nal Indiano. Esteve ligado a Gandhie La Platière, Sr. Jeanne-Marie Roland de Le Jeune (proprietario 36, 37, 65, 99, 115
Taaja Keny, Luz do Quenia Foi um
casouse com sua filha Indira. Apesar de dos principais expoentes na luta pela (1754-1793), esposa de Jean-Marie. Il Lemmonier-Defosse, oficial 297, 327, 333

pacifista, foi obrigado a usar de violencia independencia do Quenia. Nascido Laplume, coronel 147, 188, 271, 273,282, Lenin, Vladimir Ilich Ulianov (Nicolai
durante as crises envolvendo o Paquis¬ Kamau wa Nengi, adotou o nome 314, 323, 325 (1870-1924), fundador e lider do
to e a Cachemira e a tomar Goa de Partido Bolchevique que comandou
Jomo Kenyatta en 1938 o publicaro Laporte (oficial) 331
Portugal en 1962. Tornouse Primeiro¬ livro Facing Mount Kenya. Em 1964. Las Casas, frei Bartolomeu de (1474-1566), a Revolucio de Outubro (1917). Foi

Ministro quando a India alcanço a sua tornou-se Presidente do país, que contecido como o protetor dos in o principal lider da Revolucio Russa.

independencia en 1947.360 poucos anos antes havia conseguido dios. Do México, escreveu para Carlos 137, 258, 259, 261, 262, 342
Jeanot (lider de escravos) 98, 99 a independencia. 350, 351, 352, 360 V: la falta mais da metade da gente dos Léopard (navio) 80, 82
Jefferson, Thomas (1743-1826), tercero Kerverseau, general 174, 272, 325 naturais, por causa das humilhacese Levasseur, deputado 139
Presidente dos Estados Unidos (1801 Kirkwood, sir Robert 358 dos maus tratos recebidos. 19 Lewis, Arthur 363
09) e um dos fundadores do Partido Laval, Pierre (1883-1945), Primeiro¬ Libertas, Bayou de 95, 175
Republicano. 185, 207, 348 Ministro frances (1931-2 e 1935-6) Libertas, Sr. Bayou de 95
Jeffries, Jim (1875-1953), apontado como o lider do governo de Vichy (1942) e Lincoln, Abraham (1809-1865), estadista
maior peso pesado branco de todos o¬ Lacroix, Pamphile de 101, 138, 139,218,236, colaboracionista, 246, 258 norteamericano, cuja eleico para
tempos. Conquistou o titulo en 1899 251, 281, 282, 284, 287, 289, 290, 291, Laveaux, governador 124, 125, 129, 135, Presidente, em 1859, pelos aboli¬
depois de derrotar Bob Fitzsimmons em 292, 293, 297,299, 304, 315, 332, 340 141, 142, 145, 146, 147, 150, 153, 155, cionistas, apontou para a Guerra
Os jacobinos negros Cronologia

de Secesso. Foi reeleito en 1864 M tos, tendo sido a figura dominante na Aliouse à Alemanha en 1939 e levou
assassinado um ano depois. 265 construcano da Associacio Internacional o seu pais à guerra no ano seguinte. Foi
London Gazette 209 Macaulay, Thomas Babington, bargo de dos Trabaladores (I Internacional). demitido pelo Rei Vitorio Emmanuel III
Lorca, Federico García (1898-1936), poe¬ (1800-1859), historiador e politico Escreven, entre varias obras, O Capital em 1943, mas manteve o poder no Norte
ta, dramaturgo e musico espanhol, inglés. Autor de Historia da Inglaterra eo Manifesto do Partido Comunista, com da Italia até 1945, quando foi morto. 246
aluno do grande Manuel de Falla. e Ensaios históricos e biográficos, 16 F. Engels. 112, 185, 258, 354
Lorca foi um dos maiores poetas do Macaya, comandante 295 Massiac (clube) 75, 78, 84, 85
século XX. Morreu assassinado por Maceo (soldado) 347 Mauduit, de M. 80, 80
soldados fascistas no inicio da Guerra
Madion (historiador) 254 Maurepas, general 236, 260, 267, 27
Naipaul, Vidiadhar Surajprasad (1932).
Civil Espanhola. Entre suas obras, escritor de Trinidad, autor de A Bend
Magny, oficial 291, 292, 297,298 278, 281, 282, 283, 284, 290, 291,
destacam se os El Romancero Gitano in The Rivere The enigma of Arrival a
Magon 284 304, 307, 308, 314, 317, 319, 326
Poemas del Cante fondo e destacamos Novel. 368, 36
Maitland, general 188, 191, 193, 194, 195. Mauviel, bispo 272, 339
Llanto Para Ignacio Sanchez Mejias. Napoleo: ver Bonaparte, Napoleo.
196, 197, 198, 199,201,207,209,210, Mayard, Constantin 346
entre as peças: La Casa de Bernarda Nazimbo (escravo) 55
211, 212, 217, 220, 231, 249, 256 Mazard, capita 326
Alba, Yerma e Bodas de Sangre. 369 Nehr: ver Jawahartal (o nome de familia
Malenfant (funcionario) 250, 251 Mboya, Thomas Joseph (1930-1969), lider
Ouverture, Isaac 276 hindu o primeiro).
Malouet, Pierre Victor, bario de (1740 político no Quenia, onde ocupou
L’Ouverture, Paul 96, 144, 191, 234, 272, krumah, Kame, lider do pan-africa¬
1814), politico francés, membro da varios postos de importancia. Era
282, 298,314 nismo em Gana. Poi eleito Primeiro¬
Assembleia Constituinte de orienta¬ apontado como sucessor de Kenyatta,
Ouverture, Placide 276 Ministro en 1957, quando a Costa
ço monarquico-constitucional. 85 mas foi assassinado en 1969. 352
Ouverture, Rose 234 do Ouro conseguir a sua indepen¬
Manginat, Comandante 204 Michel, Pierre 161, 162, 163, 165, 214,
Luis XIV (1638-1715), rei da França, gover¬ dencia do dominio britanico, e eleito
Marat, Jean-Paul (1743-1793), politico 215, 219,250
nou de 1643 até a sua morte, no mais presidente em 1960, depois de procla¬
francés, jornalista e médico. Foi um dos Michelet, Jules (1798-1874), historiador
longo reinado da historia de su pais. mada a republica. 350, 351, 360
lideres da faccio radical Montagnard. Foi frances, autor de Historia da França
Transferiu uma opulenta Corte para Noel, chefe 144
assassinado por uma jovem girondina. 85 Historia da Revolucio. 12
Versales. Era contecido como Rei Nogérée, Gaston de 256
Marbois, Barbé de 70, 71, 180, 182 Millet, delegado 115, 116
Sole foi uma das principais figuras de Nully, tenente coronel 130
Mars, Jean Price, médico nascido no dia Mills, deputado 138
absolutismo da Idade Moderna. 25, 42 Nyerere, Julius Kambarage (1922
15 de outubro de 1876. Foi o funda¬ Mirabeau, Honoré-Gabriel Riquet, con¬ lider do movimento nacionalista
Luis XVI, (rei da França) (1754-1793.
dor, junto con otros, da Sociedade de de (1749-1791), politico e orador
convocou os Estados Gerais em 1789 de Tanganica, tornouse Primeiro¬
mas no den andamento às reformas Haitiana de Historiae Geografia. 34 frances, advogava a monarquia cons¬ Ministro apos a independencia em

deliberadas, o que levou à Revolucio. Marti, José Julián (1853-1895), poeta na¬ titucional. 64, 65, 67, 69, 77, 79, 186
(1961) e presidente um ano depois.
Morreu na guillotina. 69, 82, 84, 85, cionale martir de Cuba. Eo simbolo Mirbeck, comissario 106, 113 Em 1964, edificou a República da
87, 102, 128 da luta pela independencia. Em 1895. Moise, general 131, 144, 171, 177, 203,
Tanzania, unificando Tanganicae
Lumumba, Patrice Energy (1925-1961), uma luta liderada por el resultaria 204, 205, 206, 215, 220, 234, 236,
Zanzibar, da qual foi presidente entre
nasceu em Katako no Congo, en 1958 na guerra hispano-americana, a qua¬ 244, 252, 253, 254, 255, 257, 259. 1964 e 1985. 352
funcouo MC (Movimento Nacional culmino como establecimento da 260, 261, 262, 267, 268, 269, 277,

Gongoles); no mesmo ano, levou par¬ República Cubana en 1898. 347 282, 325
lá o Congresso Pan-Africano e tornou¬ Marx, Karl (1818-1883), filosofo, econo¬ Moniteur (jornal) 114, 181, 211
se Primeiro Ministro da Republica do mista e politico revolucionario alemá, Montanha (ala esquerda dos jacobinos) Ogé, M. 76, 80, 81, 82, 103, 134, 233
Congo no dia 23/6/1960. No dia 30 fundador do comunismo científico 113, 114, 137, 168 Ortiz, Fernando (1881-1969), escritor bastante

seguinte, o pais tornouse independente criador do materialismo dialetico e his¬ Morte, Capois 333 prolifico. Escreven sobre o tabaco, o acu¬
Foi aprisionado por Mobutu no dia le de tórico que revolucionou a filosofia. Foi Murat, M. 233 car, o follore, a dança e a musica folclori¬
dezembro e assassinado pouco depois: ativo organizador do movimento opera¬ Mussolini, Benito (1883-1945) o Primeiro¬ ca. Em suas obras, aparece pela primeira
12/1/1961.352 Ministro italiano de 1922 a 1943. vez o termo afro cubano”. 348, 356
rio europeu nos sus primeiros momen¬
Cronologia
Os jacobinos negros

Richelieu, Armand Jean du Plessis, duque Roux, Jacques (m. em 1794), lider dos ex¬
Médicas; iniciou a Guerra do Pelopo¬ tremistas democraticos Enragés. 59, 168
de (1713-1642), cardeale ministro de
neso; ordenou a construco do l'arte¬
Luis XIII, foi um dos maiores estadis¬
Pacot, oficial 130 non; protegen as artes e em sua época
tas franceses eum dos impulsionadores
Padmore, George (1901-1959), personificava a tragédia grega florescet. 185
da criaçamo do imperio colonial frances,
a liberdade no Caribe e na Africa. Em Perrot, Treasurer 161, 162, 164 Saint-Leger, comissario 106, 110, 113
que inclusa Sao Domingos. 42
1927, ingressou no Partido Comunista, Pétion de Villeneuve, Jérôme (1756-1794), Saint-Méry, Médéric Louis-Elie Moreau
Richepanse, general 308, 309, 310, 311,
dos Estados Unidose en 1957 tornou¬ politico moderado, foi prefeito de Paris de (1750-1819), político e historiador
312, 313, 317, 318,320
se conselheiro para Assuntos Africanos e, mais tarde, tornouse inimigo de nascido na Martinica, foi o fundador
Robespierre e dos jacobinos. 64, 67,
Rigaud, oficial 89, 101, 104, 106, 111
do Presidente Nrumah, em Gana. do Circulo de Filadelfia. 43, 44, 82
129, 134, 143, 146, 147, 157, 158,
A respeito dele diz o proprio C. R. I. 79, 104, 214,268, 276, 288, 289, 293, Sannon, M. Paulus 213
160, 165, 169, 170, 171, 172, 173.
James: E impossivel comprender o de¬ 314,319, 321, 322,324, 335, 346,364 Sans-Souci, comandante 293, 295
174, 175, 182, 187, 188, 189, 190,
senvolvimento da revolucano na Costa do Pinchinat, oficial 101, 105, 106, 111, 113,
191, 193, 194, 196, 197, 202, 204, Savary, Prefeito 134, 303
134, 158, 161, 172, 173, 174, 190 Season of Adventure (Lamming) 366, 367
Ouro, a qual transformouse em Gana, 207, 208, 209, 211, 212, 213, 214
a menos que se perceba que, desde o Pitt, William, Pitt, o Jovem (1759. Shakespeare, William (1564-1616), dra¬
215, 216, 217, 218, 219, 221, 228
começo, o homen que esteve por trás 1806), Primeiro-Ministro britanico maturgo inglés, autor de 36 peças,
233, 268, 271, 276, 281, 293, 319,
dela era Padmore. 350, 351, 352, 367 (1783-1801 e 1804-6) que promulgou dois poemas longos e 154 sonetos. E
Page, agente 121, 169 a Lei de Unio entre a Irlanda e a Gra¬ considerado um dos maiores poetas
Robespierre, Maximilien (1758-1794), ad¬
Pageot, comandante 162 Bretanha em 1800. 62, 63, 64, 132, de todos os tempos. 368, 369
vogado e politico frances, foi deputado
Pageot, madame 321 133, 140, 143 Smith, Adam (1723-1790), politico e cco¬
do Tercero Estado aos Estados-Gerais.
Paine, Thomas (1737-1809), politico e Plaisir, Mars 329 nomista escocès. Eo mais importante
Impos o Terror por meio da Junta de
pensador, cujos escritos influenciaram Polvere, comissario 120, 127, 129, 130, teorico do liberalismo economico, cujos
Salvacao Pública, 83, 113, 114, 118,
a revolucio americana. Foi um dos 135, 136, 144 fundamentos assentou em seu livro Da
137, 140, 165, 168, 169, 186, 261
maiores defensores dos Direitos do Ho Pralotto (soldado) 89, 105, 111 riqueza das naces (1776). 62, 63
Rochambeau, general 175, 268, 272, 278,
mem e da Revolucio Francesa 185, 207 Smith, Samedi 306
280, 281, 285, 287, 290, 291, 292,
Panier, Jean 306 Sonthonax, comissario 120, 123, 124,
302, 319, 323, 324, 325, 326, 327,
Paparer, J.B. 144 125, 126, 127, 128, 129, 135, 136,
331,332, 333, 334,335, 336, 337,340
Pascal, comissario 176, 177, 178, 230, Raimond, comissario 75, 76, 83, 165, 141, 144, 165, 166, 167, 168, 169, 170,
Roland, M.: ver La Platière
244,250 171, 175, 176, 177, 178, 1179, 181, 215, 171,172, 1773, 174, 175, 176, 177, 178,
Roland, madame: ver La Platière 179,180, 181, 182, 187, 188, 189, 194,
Patriotas (clube) 75, 80, 88, 89, 99, 102, 219, 225, 267
Romaine (profetiza) 111 203, 206, 254, 256, 262, 306
104, 111, 112, 113, 117, 118, 180 Ramel, general 236, 315
Roume, comissario 106, 112, 113, 12
Paulo 1 (1754-1801), Imperador da Russia, Raynal, padre Guillaume Thomas Fran¬ Os Suiços (quilombolas) 102, 103,
127, 165, 174, 175, 181, 190, 200,
filo de Catarina II e de Pedro III, çois (1713-1796), historiadore filosofo 104, 106
206, 208, 209, 211, 219, 220, 221,
ascenden ao trono em 1796, onde francés, combateu a politica de im¬ Sylla, comandante 209
223, 224, 225, 238, 239, 250, 251,
permanecen ate o dia em que foi as¬ posicio da cultura europea, o clero
254,255
sassinado devido a una conspiraço e a Inquisica. 88, 96, 164, 186, 230
Rousseau, Jean-Jacques, (1712-1778), filó¬
na corte. Foi um fervoroso combatente Reid, Vic, um dos escritores que, ao lado do

da Revolucio Francesa. Suspeita se que George Lamminge outros, ajudaram a


sofo suico, autor de verbetes sobre eco¬ ácito, Publio Cornélio (n. 54-56 d. C., m.
nomia e musica para a Enciclopédia de 120 d. C.), historiador latino e consul no
seu assassinato estivesse relacionado formar a identidade caraba. 367
Diderot. Escreven, entre otras cosas, o
com os entendimentos que travava Repartimientos 19 governo de Nerva. Autor de Anais. 16
como Primeiro-Consul da França. 248 Rebell, Jean François (1747-1807), politico Discurso sobre a origem eos fundamentos Talleyrand, ministro (Charles Maurice
da designaldade entre os homens (1755 de Talleyrand-Périgord) (1754-1838),
Péricles (499-429 a. C.), estadista e orador frances que participou da reaçamo do Ter-
e do contrato social (1757). 67, 186, 207
teniense, um homem que foi toda midore do Diretório de 1796 a 99.84 estadista frances que se notabilizou
Rouvrai, M. de 104
uma era. Vence Xerxes nas Guerras Rey, comissario 172, 173, 174

393
Os jacobinos negros

pela capacidad de adaptaçamo politica. Villeneuve, Marie 173


Trabalhou durante o regime dos dois Vincent, coronel 187, 204, 206, 215,
Napoleones e tambem durante a restau¬ 216, 219, 220, 230, 238, 239, 243.
raço monarquica. 209, 233 244, 245, 246, 248, 249, 250, 251.
Télémaque, César 269, 270 255, 262
BIOGRAFIA DO AUTOR
Touzard, M. de 104 Voltaire, François Marie Arouet, vulgo
Trotski, Leon (Ley Davidovitch Bronstein) (1694-1778), pensadore literato fran¬
(1879-1940). Lider revolucionario ces da era do lluminismo. Autor de

soviético que, perseguido por Stalin, Candido, foi grande escritor en todos
entre otros motivos por advogar os estilos. 67, 207 Cyril Lionel Robert James nasceu em Trinidad, em 4 de janeiro de 1901.
revolucio mundial, exilouse em 1929.
Filho de professor, teve o privilegio de una educaçao acima da média dos seus
Morreu assassinado no México. 137,
258, 259, 342
conterraneos do inicio do século.
Trujillo Molina, Rafael Leonidas (1891 Wellington, Arthur Wellesley, primeiro Era um jovem estudioso e chegou a ser um esportista bem sucedido. Jogava
-1961), presidente da República Do¬ duque de (1769-1852), um dos ge¬ criquete e a essa modalidade esteve ligada sua atividade prosissional como corres¬
minicana de 1930 a 1938 e de 1942 a nerais que na Batalla de Waterloo pondente do Manchester Guardian, quando se mudou para o Reino Unido en 1932.
1952. Alcançou o poder através de um derrotaram Napoleo. Victor Hugo
A paixo pelo criquete é relatada por James em um dos sus livros mais célebres,
golpe de Estado e establece uma san- na segunda parte de Os Miserveis
Beyond a Boundary (Além de um limite), publicado en 1963. Sua vasta produçio
grenta represso que durou 31 anos até escreve que Waterloo foi uma batalla

ser assassinado en 1961, sucesso que de primeira vencida por um general de literaria inclui ainda ficcao, teoria politica, filosofia, história, crítica esportiva.
levou o país às elices. 361, 362, 363 segunda. 188 Avida do autor de Os jacobinos negros foi bastante influenciada pela politica.
Tucidides (471-395 a. C.), o mais célebre White, John 188
Na Inglaterra, ligou-se ao Independent Labour Partye em seguida identificou-
historiador grego ao lado de Hero¬ Wilberforce, William (1759-1833), esta¬
se com as posices da IV Internacional dirigida por Leon Trotski. Da sua
doto. Autor da Historia de Guerra do dista inglés que se empenhou na cam¬

Peloponeso, da qual foi testemunha. 16 panha pela abolico da escravatura, o adeso ao marxismo resultaram obras como Os jacobinos negros e a história da

que ocorreu en 1807. 63, 133, 207 III Internacional intitulada World Revolution 1917-1937.
Williams, Eric (1911-1981), como fun¬
En 1938, C. L. R. James mudou se para os Estados Unidos, onde partici¬
dador do PNM (1956) levaria o país
Vailliére, comandante 295 pou de discusses sobre o problema da discriminacao racial naquel país, uma
à independencia no dia 31 de agosto
extraordinaria antecipacio dos acontecimentos que se realizariam nos anos
Varlet, Jacques 168 de 1962. Governou Trindad de 1962
60. Com base nessa experiencia, escreveu en 1948 o folheto The Revolutionary
Vasquez, padre 148 até a sua morte em 1981. 365 (N.T.)
Vaublanc, Vicent Marie Vienot, conde Williamson, governador 133, 135, 142, Answer to the Negro Problem in the USA.
de (1756-1845), um dos lideres de
A partir da década de 1950, James passou a encarar o nacionalismo
reacao realista, 28, 85, 113, 117, 118, Wimpffen, Felix, bario de Wimpffen¬
africano como uma solucio para a questo do negro. Sobre essa temática
169, 180, 181, 182, 183, 189, 202,206 Berneburg (1744-1814), general fran¬
escreveu os livros Party Politics in the West Indies (1962) e Nkrumah and
Vergniaud, Pierre-Victurien (1753-1793), ces que em 1792 defenden Thionville
orador da Assembleia Legislativa que contra os Prussianos. Aderiua Terce¬
the Ghana Revolution (1977). Entre 1958 e 1962 promoveu uma série de

fez parte da faccao girondina. 114, 117 debates politicos que visavam establecer a identidade do homem das Indias
ro Estado. 31, 44, 55, 65, 88
Vernet, general 130, 235, 295 Occidentais, dos quais participaram escritores como George Lamming, Vidia
Villare Joyeuse, almirante 181, 182,
Naipaule Wilson Harris.
263,269

Villate, comandante 158, 160, 268, 276 Young, Arthur 62 Após o fracasso do nacionalismo negro na Africa, James deixou a politica.
Morreu em 1989, em sua terra natal.
Os jacobinos negros

Os jacobinos negros é o principal trabalho de C. L. R. James e, embora pouco LANCAMENTOS DA BOITEMPO


contecido no Brasil e nunca antes publicado em lingua portuguesa, tem para

a cultura nacional uma enorme relevancia. Está entre as grandes obras sobre a

questo do negro que marcaram a cultura do século XX: Cassa Grande e Senzala

de Gilberto Freire, The Soul of Black Folk, de W. E. B. Dubois, Les Damnés de la


terre, de Frantz Fanon, The Autobiography of Malcolm X, de Malcolm Xe Alex
Caio Prado Junior
Haley. Entretanto, entre esses o livro de James é o que dá a explicacao mais LIBERNARDO PERICAS

coerente e de conjunto da realidade social do povo negro, a partir do alvorecer Orelha de Bernardo Ricupero
Quarta capa de Carlos Guillerme Mota e Lincoln Secco
do capitalismo. Escrita en 1938, no auge do nazismo e da predominancia em

todo o mundo das teorias de supremacia da raça branca, esta obra desmitifica A legalizado da classe operaria
todas aquelas leis ao mostrar a funcio economica e histórica da escravido e a BERNARD EDELMAN

funcio social da opresso dos negros. E um verdadero tratado sobre a questo


Traduc de Marcus Orione
Orella de Marcus Orione
do negro e, graças a seu rigor científico, nenhum livro sobre o tema conseguiu
até hoje supera-lo. Michael Löw
FABIO MASCAROQUERIDO
Prefacio de Isabel Loureiro
Orelha de Marcelo Ridenti

Reivindicacio dos direitos da muler


MARY WOLLSTONECRAF
Traduca de lvania Pocino Mota
Prefacio de Maria Lygia Quartim de Moraes
Orella de Diana Assunçio

sujet incómodo
SAVON ZEE
Traducamo de Luigi Barichello
Orelha de Gabriel Tupinambá

COLECOTINTA VERMELHA

Por que gritamos golpe:


IANAJINKINGS, KM DORIAE MULO CETO (ORGS.)
Apresentacio de Ivana Jinking
Quarta capa de Luiza Erundina e Boaventura de Sousa Santos

COLAO MARKENGELS

Anti-Dühring, a revolucio da ciencia


segundo o senhor Eugen Dühring
FRIDRICH ENGELS
Traduçio de Nélio Schneider
Apresentacio de José Paulo Netto

Orelha de Camilla Moreno

S
COLECAOESTADO DE SITIO Estacao Perdido
CHINAMIÉVILLE
Coordenaçio de Paulo Arantes Traducao de José Baltazar Percira Junior e Fabio Fernandes
A nova razo do mundo Orella de Fausto Fawcett
PIERRE DARDOTE CHRISTIAN LAVAL
Traduc de Mariana Echala¬
SELO BARRICADA
Orella de Nilton Ota
Conselho editorial Gilberto Maringoni, Luiz Ge, Rafael Campos Rocha e Ronaldo Bressane
Quarta capa de Jorge Novoa
Canone gráfico, v. II
COLECAO MARKISMO ELITERATURA RUSS KICK (ORG.)
Coordenaçamo de Leandro Konder Traduca de Alzira Allegro e Flavio Aguiar

Revolta e melancolia
MICHAEL LOYE ROBERT SAYRE SEL BOITATA
Traduc de Nair Fonseca
Monstro Rosa
Orella de Marcelo Ridenti
OLGADE DIOS
Traduca de Thaisa Burani
COLAO MUNDO DO TRABALHO
Coordenaçamo de Ricardo Antunes Passaro Amarelo

OLGADE DIOS
A teoria da alienaçio em Marx Traduca de Thaisa Burani
SAN MAROS
Traduçio de Nélio Schneider
Apresentacio de Maria Orlanda Pinass
Orella de Ricardo Antunes

Genero e trabatho no Brasile na France


ALICE RANGEL DE PAIVA ABREU, HELEN HIRATAE
MARIA ROSA LOMBARDI (ORGS.)
Traducao de Carol de Paula
Prefacio de Tatau Godinho
Orcha de Renata Goncalves
Quarta capa de Miriam Nobre

COLECO CLASSICOS BOITEMPO

Tempos dificeis
CHARLES DICKENS

Traduca de José Baltazar Pereira Junior


Orella de Daniel Pugli¬
Illustraces de Harry French

LITERATURA

Cabo de guerra
VON BENEDIT
Orella de Bernardo Kucinski

-
O projeto no vingou e Toussaint termino sua vida
tragicamente. Mas a independencia do Haiti se forma¬

lizou em 1803, depois que os ex-escravos derrotaram

tropas francesas, inglesas e espanholas. O heroismo

dos combatentes negros e a habilidade militar de seus

comandantes fizeram do Haiti a primeira colonia liberta

da opresso estrangeira na América Latina.


Mas os africanos e os negros crioulos no puderam escapar

de certos condicionamentos históricos que os condenaram

ao atraso e aos regimes tiránicos até os dias de hoje. Tendo

destruido a produçio acucareira, os ex-escravos se dedi¬

caram a una agricultura de subsistencia, o que os isolou

das possibilidades de desenvolvimento, no contexto da

economia mundial.
A isto acresce a quarentena odiosa a que o Haiti foi

submetido pelo pecado original” de ter nascido de una

rebelio de escravos, quando o regime escravista ainde

era florescente nos Estados Unidos, no Brasille em Cuba

Para escrever este ensaio, C. L. R. James se apoiou soli¬

damente em fontes historiográficas abundantes e seguras

e soube elaborar um texto fluente e cativante. O que torna

este Os jacobinos negros um livro precioso no só para

estudiosos especializados mas tambem para todos os que

desejam confecer a Historia a fim de entender melhor

mundo en que vivem.


Este livro foi composto em Adobe Garamond, Jacob Gorende
11/14, e reimpresso em papel Avena 70 gime pela
Intergraf, para a Boitempo, em agosto de 2016,
com tirage de 800 exemplares.

Você também pode gostar