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A VIDA E MORTE DA DEUSA NYX

Na região que hoje chamamos de Hélade, entre as primeiras tribos que dariam origem a
Atenas, havia um casal de agricultores muito humildes, mas que viviam em condições muito
dignas, tendo o bastante para se alimentar bem e viver de forma decente, ainda que tivessem
que trabalhar duro na sua pequena propriedade de subsistência. A mulher ficou grávida
quando já estava próxima de alcançar a menopausa, a notícia alegrou tanto o marido que ele
matou sua melhor ovelha e fez um banquete que, para pessoas humildes como eles, chegava a
ser suntuoso, convidaram todos os amigos que puderam e comeram em comemoração à
criança que estava para nascer. A criança nasceu prematura com oito meses e a mãe
lamentavelmente morreu durante o parto, que foi feito por uma famosa e respeitada parteira
da aldeia, que no entanto não conseguira evitar o sangramento exagerado e inesperado da
mulher. O pai chorou muito pela perda da mulher e jurou que cuidaria muito bem da criança,
que foi batizada apenas poucas horas após o parto, Nyx seria seu nome. Nyx cresceu rápido,
fisicamente mentalmente, com seis anos já sabia cozinhar e costurar perfeitamente, sempre
ajudava o pai na plantação e também comia bastante em todas refeições. Era uma menina alta
e vistosa, seus cabelos negros sempre cresciam muito rápido e no geral chegavam até próximo
do bumbum, ondulados e brilhantes por natureza, combinando perfeitamente com os olhos
ainda mais escuros, tinha um nariz um pouco grande, mas não havia uma só pessoa que não
dissesse que ele ficava perfeito naquele rosto agudo que ela tinha. Ela se tornava cada vez
mais o orgulho de seu pai a cada dia que se passava, era linda, prestativa, inteligente,
obediente, todos os vizinhos gostavam dela, costumavam chamá-la carinhosamente de
“Princesinha da Noite” por causa dos seus olhos negros que eram os mais profundos de toda a
aldeia, e que pareciam de fato um pedaço do céu quando era noite sem estrelas ou outros
astros que definem os destino dos homens na terra.

Com dez anos, já sabia fazer cerâmica perfeitamente, conhecia as técnicas de irrigação,
conseguia andar à cavalo mesmo nos cavalos mais arredios, era um prodígio em qualquer
atividade que tomasse à mão, sempre sorridente, sempre satisfeita, um primor de menina; no
entanto seu maior talento se mostrava na arte, gostava de brincar com lama e barro quando
não tinha o que fazer, um dia um proprietário vizinho a viu moldando uma ovelhinha com terra
úmida e lhe disse que aquela brincadeira parecia muito promissora e que a menina podia ser
uma ótima escultora. Depois do pai ficar sabendo do possível talento da filha, apoiou-a nessas
atividades, primeiro pediu que Nyx fizesse uma escultura qualquer com uma porção de argila
que ele deu. Deixou-a só para concluir o trabalho e voltou poucas horas depois, a criança tinha
esculpido a si mesma, não era uma escultura renascentista, não era a obra de um
Michelangelo e nem de um Rodin, no entanto era uma figura humana com proporções quase
fiéis, e em que os traços dela podiam ser facilmente distinguidos, ainda que de forma um tanto
caricata, uma estatueta de um palmo de altura e feita em duas horas. O pai ficou animado, Nyx
poderia conseguir trocar seus trabalhos de arte por produtos com outros aldeões, não havia
dinheiro naquele lugar, mas as pessoas naturalmente faziam trocas de excedentes como em
qualquer lugar em não se encontra moeda. A jovenzinha gostava além de brincar de esculpir
nos seus tempos livres, que não eram nem escassos e nem abundantes, de brincar com as
outras crianças, era bem sociável e gostava de correr atrás dos outros e fazer todos aqueles
tipos de brincadeiras bobas porém sinceramente alegres que as crianças gostam de fazer entre
si. Tinha muitos amigos e muitos admiradores desde pequena, teve seu primeiro beijo com
oito anos com um rapazinho órfão que trabalhava para um agricultor que abundava mais de
propriedades que seu pai, sabia que pelo menos oito meninos da tribo eram apaixonados por
ela, e, por isso, começava a criar em si mesma um certo orgulho, gostava de si mesma. Ela e
seu pai conseguiram mais terras com o passar dos meses, seu pai conseguiu trocar seus
trabalhos de artesanato com gente de outras aldeias, ele começava a se aproveitar de práticas
comerciais que não eram comuns naquele lugarzinho pacato, não deixava de ser um visionário
por isso. Aos doze, Nyx já chegava na idade de se casar, seu pai, nada severo e muito liberal,
permitiu que ela escolhesse com quem se casaria. Foram pelo menos trinta candidatos à
pequena terra deles, entre os pretendentes havia homens de todas as idades, desde oito, até
oitenta anos, literalmente. Cada um se apresentou de forma respeitosa e formal diante da
menina, explicando as origens familiares, a ocupação, os feitos, os bens e as intenções. Nyx se
interessou por um rapaz de vinte anos que era filho de um proprietário um pouco mais rico
que seu pai, esse rapaz era baixo para sua idade, bem encorpado, com cabelos loiros e
cacheados, trabalhava na fazenda do pai e dizia ser um exímio cavaleiro. É difícil dizer se
escolheu aquele rapaz, chamado Hércules, por causa da aparência ou das outras qualidades, é
mais possível que tenha sido pela primeira opção, mas está é uma dúvida que nem Nyx
poderia responder completamente consciente da sua resposta. Talvez também tenha sido pela
forma como Hércules a olhava, seus olhos ardiam com um desejo intenso como se estivessem
prestes a explodir, se ele explodisse, se jogaria nos braços dela e diria coisas de amor, não só
naquele momento, mas nos poucos encontros que tiveram antes. Hércules era um dos
habitantes que menos contato havia tido com Nyx, pois seu pai era severo e não lhe deixava
quase nenhum tempo livre, ele não a conhecia bem, mas muitas vezes a observara de longe
enquanto os dois trabalhavam, cada um do seu lado, de uma terra a outra havia considerável
distância, contudo podiam ver a silhueta reduzida um do outro, às vezes. Chegaram antes a se
encontrar algumas vezes em comemorações e eventos comunitários, então conversavam
timidamente e trocavam olhares inocentes, desde sempre havia existido simpatia de um para
o outro, Hércules era um pouco tímido, e mesmo que Nyx fosse muito mais nova que ele, era
ela quem tinha a iniciativa e puxava assunto.

Se casaram apenas duas semanas depois e se lançaram à noite de núpcias, inflamada,


apaixonada e ardente; enquanto eles enlouqueciam sobre a cama primitiva em que trocavam
as mais lascivas carícias e contatos, os pais negociavam de serem sócios.

Nyx foi morar na casa do pai de Hércules, visitava o pai todos os dias, eram quase vizinhos
mesmo, não havia desculpa para não fazê-lo. Daqueles doze anos até sua formação como
adulta, Nyx cresceu de forma acelerada e alcançou uma surpreendente exuberância física, não
era simplesmente bonita, pois não era tão incrivelmente bela no sentido literal da palavra, sua
exuberância se tratava mais de uma espécie de imponência das formas perfeitamente
equilibradas que se distribuíam por seu enorme corpo e principalmente por seus olhos
noturnos, um tanto grandes, que fascinavam com um incomum mistério qualquer um que os
fitasse mesmo que por um único instante. Além disso, Nyx parecia incansável, com o passar
das décadas pode-se constatar que ela, além de manter sempre uma juventude admirável em
suas feições, nunca nem engordava nem emagrecia, mantendo sempre o seu corpo esbelto.
De fato, mesmo aos quarenta anos ainda parecia ter vinte e cinto, com suas formas sempre
elevadas e rígidas, saudável como uma rocha, tinha tudo que se poderia pedir aos deuses.
No entanto, mesmo que Nyx parecesse ser perfeita em todos os sentido, havia algo que ela
desejava mais do que tudo, um segredo que nunca havia escondido de ninguém e deixava sua
alma ávida desde sua infância: queria ser mãe. Um filho era o que mais desejava, era fiel e
queria que seu forte Hércules lhe desse um fruto, uma continuação de sua linhagem, ela tinha
muita estima por si mesma e não podia aceitar que sua existência se apagasse de vez após a
morte, não, queria um descendente. Mas todos esses esforços do casal foram em vã, em
dezoito anos de casada, Nyx não engravidou, mesmo tento apelado tantas vezes em orações à
Grande Deusa Gaia e ter mesmo realizado várias mandingas e simpatias primordiais que
evocariam a fertilidade. Já desesperada chegou à conclusão de que a culpa era toda de
Hércules, que ele era incompetente demais para conseguir dá-la uma criança, isso fez com que
começasse a antipatizar com o marido, até odiá-lo, então passou a traí-lo com toda a
frequência, acreditando que assim conseguiria que outro lhe engravidasse. Cinco anos de
libertinagem bem debaixo do nariz do marido, ela era discreta, ele era um sonso e confiava
cegamente na esposa, o próprio Hércules se sentia muito frustrado por não ter nenhum
descendente, mas não podia imaginar as consequência de revolta que o mesmo mal causava a
sua esposa. Nada de filho, Nyx então terminou de se desesperar chegando à conclusão de ela
era estéril e incapaz de gerar um filho, essa conclusão parecia completamente lógica e
verdadeira, especialmente quando se lembrava da dificuldade com a qual havia sido ela
mesma concebida. Toda a inteligência excepcional, a beleza, a saúde, o talento artístico e a
riqueza das duas famílias unidas que cada vez mais, de forma muito acelerada, crescia com a
excelente administração de Hércules(que já estava à frente dos negócios, e o apoio dela, que
inegavelmente era uma mulher formidável), tudo isso parecia não ter nenhum valor a ela,
absolutamente nada. Teria trocado todas essas graças por um rebento, uma criança que saísse
de seu ventre, mesmo que fosse coxo, mirrado, imbecil, ainda assim valeria mais para Nyx do
que todo o resto, ela não suportava olhar tantas mulheres que andavam com seus filhos,
amamentavam, pais que ensinavam suas crianças a trabalhar, era uma pena terrível ver. Cada
pequeno que passava diante de seus olhos, mesmo que de longe, era um visão insuportável e
odiosa, despertava-lhe as piores emoções e tornava sua vida amarga e infeliz, sentia inveja,
uma inveja insuportável de todos. Observava como até as mulheres mais pobres, mais
estúpidas e feias tinham seus menininhos e menininhas, todas aquelas que lhe pareciam
dignas talvez até mesmo de desprezo, absolutamente todas tinham filhos, as velhas
horrorosas, as mães solteiras, sem exceções. Então... Então por que ela, que era melhor que
qualquer uma daquelas fracassadas, não podia ter seu filho? Por que logo ela, Nyx, que tinha
um sangue muito mais altivo e nobre que qualquer outras, cujas qualidades fariam a melhor
diferença na terra, por que logo ela era seca como a terra de um deserto do Egito? Por que?
Essa ideia a mergulhava em um mar horrendo de rancor e inveja, seu olhar se tornou uma
praga, pois não podia deixar de olhar um rapazinho sem pensar: “Que ele morra, que a mãe
dele sofra por não ter nenhum pedacinho seu deixado no mundo”.

Essa inveja corroeu sua alma, aquela menina alegre, doce, simpática e muito amável foi se
transformando em uma invejosa recalcada, que desejava mal a todos, infeliz, grossa, antipática
e... estéril de bons sentimentos. Essa transformação infeliz não aconteceu de um dia para o
outro, mas através dos anos, até antes de completar trinta anos, Nyx ainda era feliz e uma boa
pessoa, ainda que ficasse magoada por não ter ainda um filho, ainda era querida por todos e
mantinha o apelido carinho de Princesinha da Noite. Quando a esperança foi se desvanecendo,
a infelicidade a inveja foram envenenando-a de forma mais acelerada e vil, até que com a
certeza da esterilidade, tudo que havia de bom em seu coração foi enterrado junto com a
esperança de uma criança.

Em manto de frustração dedicou sua vida a partir dos trinta e cinco a estudar as propriedades
das ervas que podia encontrar na natureza, se tornou uma espécie de bruxa, não, de fato se
tornou uma bruxa. Primeiro buscou conhecer curas através das ervas e das poções, tentou
criar uma cura para a própria esterilidade, como falhou, voltou ao caminho ao qual a inveja lhe
conduzia. O que é a inveja se não o sentimento de, ou ter a alegria que os outros tem, ou
impor seu sofrimento a eles? Sabendo que não poderia afinal ter o bem que cobiçava e que
suas vizinhas tinham, um filho, então se viu obrigada a seguir definitivamente a segunda
opção, tendo seu maior prazer no sofrimento dos outros, em vê-los reduzidos à mesma
miséria em que ela se encontrava. Não se contentou em desejar o mal, seguiu a carreira de
bruxa com muito empenho e descobriu como criar venenos e entorpecentes muito eficazes.
Não conseguia, por mais inteligente e perspicaz que fosse, descobrir a cura da sua esterilidade
(e deve-se admitir que seria admirável que conseguisse levando em conta que Nyx vivia antes
do século X a.C), no entanto os seus venenos e poções más eram perfeitas, testava os venenos
em pequenos animais, galinhas e coelhos. Quando achou ter criado um mais forte, testou-o
uma ovelha da propriedade do marido, o bicho morreu em poucos minutos, e Nyx, ainda não
contente, tratou de oferecer a carne da ovelha para uma jovem da aldeia que atualmente
estava grávida, dizendo que era um presente em homenagem à agraciada gravidez. E todos
pensavam que as pesquisas de Nyx, suas idas à floresta, seu recolhimento solitário e
misterioso no celeiro que fazia de liberdade eram no intuito de descobrir de remédios
naturais, o que não era de todo mentira, já que ela havia realmente descoberto poções
entorpecentes para dor e outras que combatiam o sintoma da febre e constipação. Por seus
estranhos costumes e a grosseria que passou a levar nos lábios a todo momento, seu nome de
Princesinha da Noite não demorou para se transformar em Bruxa da Noite. A grávida, seu
marido e o primogênito adoeceram após comer a carne da ovelha envenenada, morreram
algumas noites depois sofrendo com muita febre; Nyx recebeu a notícia e se fez de muito
triste, enquanto por dentro sorria e gargalhava de felicidade, a sua fórmula mortal funcionava
bem mesmo em pequenas doses distribuídas na carne de um animal.

Nyx praticamente enlouqueceu, a frustração e a inveja destruíram toda a sua sanidade e o seu
equilíbrio mental; à noite saiu escondida pela aldeia, envenenava os animais, as plantações,
distribuía a sua toxina por toda a parte, tornou-se uma secreta semeadora de morte e doença,
fazia esse trabalho mau com o mais completo cuidado e silêncio, sem ser percebida,
deslizando como uma sombra na escuridão. Naturalmente, as pessoas começaram a ficar
doentes na tribo de Nyx, um surto terrível de febres terríveis que terminavam em morte
assolou aquele povo, que ficou assombrado e queimou muitos animais em sacrifício à deusa
Gaia, acreditando que talvez aquilo fosse uma praga por terem deixado a fé um tanto de lado.
A moléstia continuou se espalhando, muitos morriam, outros ficavam gravemente enfermos e
chegavam perto de perderem a vida, alguns de menos azar apenas passavam mal, vomitavam,
ficavam um pouco febris. O desespero corria solto naquela vila, o que os habitantes
começaram a perceber de estranho é que só havia duas famílias que não haviam sido atingidas
pela misteriosa epidemia, essas eram a família de Nyx e a de Hércules. Com tal observação,
chegaram à conclusão de que um dos membros dessa famílias seria o causador da epidemia,
não tiveram que pensar muito para perceber que só a Bruxa seria capaz de criar algo assim. O
fato é que naqueles dias terríveis de tragédia e miséria, ela era a única em toda a comunidade
que parecia sempre bem-humorada, feliz, rindo pelos cantos, ela não podia conter a felicidade
que sentia em ver a desgraça que se abatia sobre todos de quem tinha inveja, já sequer
precisava sentir inveja, os filhos das outras morriam junto com suas mães e suas famílias
inteiras. Os sorrisinhos pelos cantos de Nyx não deixaram que houvesse outra suspeita de
culpa. Uma multidão foi até sua casa e exigiu que ela se explicasse, Nyx teve a chance de
negar, mas a desconsideração que tinha pela sua própria vida infeliz e o prazer que sentia em
ver o desgosto e o sofrimento daquelas pessoas havia sido tão grande que admitiu seu crime
às gargalhadas. Hércules ficou horrorizado ao descobrir e não se opôs quando condenaram
Nyx a beber do próprio veneno (não sem antes ser violentamente linchada pela multidão, mas
não até a morte). Ela bebeu rindo, e suas últimas palavras quando já agonizava foram:

- Que vocês todos vivam, mas que vivam vidas tão infelizes e miseráveis que sejam forçados a
invejar os mortos, eu estarei morta, invejem-me, desgraçados.

E morreu.

Do outro lado da vida tudo era diferente, era sua primeira vida e morte, não conhecia nada do
lugar onde foi atirada, sua esclera branca agora era amarela e formava uma combinação
assombrosa com a pupila negra. Era o Abismo dos Condenados, o local onde os espíritos
condenados pelos próprios maus sentimentos, fraqueza e ignorância acabam, Nyx se arrastava
naquele mar de gente caída, sentia-se fraca e angustiada, como se ainda sentisse a dor do
veneno destruindo o seu organismo. Se desesperou completamente, não tinha fé na vida após
a morte desde que se tornara amarga em seu infeliz coração não-materno. Ficou se arrastando
por um tempo, completamente confusa, a dor sumia aos poucos e era substituída por um
tormento novo, era uma tristeza profunda que dilacerava sua alma completamente, gelava-a
com os piores sentimentos que podem prover da felicidade, era uma tristeza que a esfriava
por dentro e fazia com que se sentisse a mais desafortunada entre todos aqueles miseráveis
que encontravam naquele abominável abismo. Não podia explicar sua tristeza, não era como
quando estava viva, não sofria por inveja dos outros, ao contrário, tinha inveja dos outros por
ver que por maior que o sofrimento deles fosse grande, não podia se comparar ao dela. Nyx
não sentia nada além daquela tristeza, nem alegria, nem medo, nem raiva, aquele era o
sentimento inerente a ela. Porém, o sentimento de inveja já era inerente a Nyx desde sua vida,
não era diferente agora, tudo que ela queria era dividir aquela angústia com os outros
espíritos que se encontravam com ela, por isso ela lançou um braço de energia de seu corpo e
puxou para si um infeliz que se encontrava colado nela, ele foi absorvido pelo seu corpo como
o pó que se dissolve na água. Foi nesse instante que Nyx percebeu sua habilidade, sentiu um
prazer imenso com aquele ato, ficando um pouco aliviada da sua tristeza. Repetiu o processo
com mais vinte e poucos condenados e já sentiu que a tristeza sumia completamente, não se
sentia mal, se sentia poderosa e como se não tivesse nada a invejar, como se fosse a mais feliz
das criaturas. A cada espírito que absorvia, se sentia mais forte e segura de si, não à toa, pois
os poderes de cada um de suas vítimas se tornavam seus, ela devorava suas forças e sua
energia.
Se teletransportou de lá, estava aprendendo fácil a viver no mundo dos mortos. Foi parar em
um local conhecido como Rochosa Aldeia, já não mais existente nos dias de hoje. O motivo:
Nyx viu lá os espíritos felizes, diferentemente dos do Abismo, isso provocou em seu coração
novamente aquela tristeza devastadora de antes, e, invejando a felicidade dos habitantes da
aldeia, ela massacrou um a um com seu poder. Já tinha consciência do que acontecia quando
fazia aquelas absorções, sabia que as presas se tornavam parte dela e suas habilidades,
conhecimentos e um pouco de suas emoções também passavam a ser dela, porém a vida e a
consciência deles desaparecia realmente além do véu eterno da morte, tendo apenas seus
atributos preservados. Testou suas novas armas recém-adquiridas, viu que já podia atirar fogo,
controlar a terra, criar miragens simples; ficou muito feliz e foi para outro lugar. O processo se
repetiu, Nyx varreu muitas cidadezinhas do mapa, pois cada vez que via uma pessoa feliz,
sentia inveja, e então a absorvia, cobiçando absorver aquela felicidade para si mesmo. De fato,
funcionava, mas era só ver outra que de novo a inveja e a tristeza a tomavam novamente por
assalto, assim ela cobiçava toda a felicidade do mundo e não aceitava que ninguém mais
estivesse bem além dela, essa cobiça doentia causou muitas centenas de mortes. Além de
invejar a felicidade, ela também invejava quando via outros espíritos mais fortes que ela, como
isso até aquele momento não tinha acontecido, por ela ser extremamente forte, ainda não
sabia disso, porém descobriu quando foi até o Círculo da Luxúria, foi lá que tudo mudou.
Felicidade e força, tudo que Nyx cobiçava para si, apenas duas coisas, mas que ela desejava
infinitamente e de forma insatisfazível

No Círculo da Luxúria, viu a felicidade nos olhos daqueles que entregavam à prática que dá
nome ao círculo, estavam tão excitados, tão cheios de prazer, ver tanta gente tão bem a
deixou tão triste quanto nunca estivera, nem no Abismo dos Condenados, então atirou-se à
caçada, absorvendo um a um para satisfazer sua inveja e ficar bem. Sabendo da catastrófica
invasão, Lilith, a deusa da luxúria e do prazer, rainha da carne e da escuridão, mestra suprema
na arte de se utilizar o corpo para as delícias do sexo, foi até a intrusa. Quando Nyx viu Lilith,
viu tanto poder nela que sentiu inveja e desejou absorvê-la a qualquer custo, Lilith porém
lançou sobre ela um encantamento, e Nyx, devagar, se acalmou.

- O que você fez? – Nyx perguntou, respirando aceleradamente.

- Te libertei. Sente inveja, não é? Bem, você matou muitos dos meus cidadãos, mas mesmo
assim, se quiser, eu posso te ensinar a controlar esse sentimento desprezível e alcançar uma
vida de prazer e satisfação aqui no Círculo da Luxúria. Você nunca mais se sentirá mal quando
ver alguém feliz, nunca mais vai precisar roubar e cobiçar os bens dos outros, nunca mais. Meu
nome é Lilith, e o seu?

- Sou Nyx. – Falou timidamente e fascinada com o poder daquela deusa tão linda, cuja
aparência divina não pode ser descrita de forma justa por nenhum escritor nem que ele tenha
todo o vocabulário conhecido pela humanidade.

- Daqui em diante você é Nyx, a Deusa da Noite, assim como a noite cobre o céu iluminado
pelo Sol, você e sua inveja, que transborda em cada poro de seu corpo, cobrem a felicidade da
humanidade e espalham sofrimento pelo mundo. Sua cobiça sumirá, mas seu título não
poderá ser outro, Deusa da Noite, o que você já fez já está feito e não pode ser mudado.
- Entendido, só me fale o que devo fazer, é horrível, eu sofro demais invejando os outros, você
não imaginaria o quanto! – Nyx falou quase chorando, se apercebendo do quanto era e fora
infeliz.

- Oh, não chore. A noite tem suas estrelas que brilham e iluminam a terra, você terá sua
própria luz, será feliz e não precisará mais querer nada dos outros. Não me conte nada, eu sei
de tudo, leio sua alma como se lê um livro aberto, conheço cada um dos seus sentimentos,
cada trauma e cada tristeza, te conheço profundamente mesmo antes de te conhecer, esse é o
meu poder, confie em mim e te mostrarei o caminho.

- Confiarei.

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