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Perigoso Reencontro

A Rekindled Passion

Penny Jordan

Na vida, as surpresas sempre acontecem!


Um encontro inesperado. O coração de Cathy bateu forte dentro do
peito. O destino lhe pregava uma peça. O que estaria fazendo Joss Bennett
naquele casamento? De repente todo o passado de Cathy voltou-lhe à
mente. Quanta paixão, quanto encantamento... Os dias na Cornualha
tinham sido mágicos inesquecíveis...
Mas o momento que vivia agora nada tinha de encantado. Precisava se
controlar. Joss na certa a reconheceria. E Cathy tinha medo. Medo de se
envolver de novo com o homem que a abandonara, o pai de sua filha!

Digitalização: Lerinha Silva,


complemento de págs: Déborah Dias,
Revisão: Cris Bailey,
Formatação: Rose
Copyright: PENNY JORDAN
Título original: A REKINDLED PASSION
Publicado originalmente em 1989
pela Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra
Tradução: Maria Fernanda Bitencourt Nabuco
Copyright para a língua portuguesa: 1990
Esta obra foi composta na EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Impressa na Divisão Gráfica da Editora Abril S.A.

CAPÍTULO I

— E então? Tudo pronto para o casamento, amanhã? A que horas ela


vai se casar?
Cathy respondeu à primeira pergunta do carteiro balançando a
cabeça negativamente e, com relação à segunda, informou:
— Às três e meia.
Ao apanhar a correspondência volumosa com um sorriso amistoso,
imaginava quanto tempo a filha levaria para vir de Londres. Sophy
concordara em chegar bem cedo para que pudessem bater um bom papo
e pôr as fofocas em dia antes de começarem os preparativos finais para
a festa do dia seguinte.
Não tinha sido nada fácil para Cathy arranjar toda a festa de
casamento da filha, já que moravam em cidades diferentes. Na verdade,
Sophy levava uma vida tão agitada, como decoradora de interiores, em
Londres, que a mãe e filha não se viam desde o anúncio do casamento,
no Natal, exceto por um breve fim de semana, logo após a Páscoa, em
que as duas foram passar uns dias na casa da família do noivo, no sul
da Inglaterra.
Cathy ficara muito nervosa, na ocasião, apesar de Sophy lhe garantir
que a família de John estava ansiosa para conhecê-la, mesmo já
sabendo de toda a verdade.
Tinha sido uma decisão muito difícil para Cathy, mas teve de
permitir que a filha contasse aos futuros sogros a sua história. Afinal, os
tempos eram outros e não havia por que esconder a verdade.
E, de fato, a visita fora ótima. Os pais de John — um simpático casal
de meia-idade — mostraram-se excelentes anfitriões e não se opuseram
ao casamento. John era o caçula dos quatro filhos e Mary Broderick
tinha pela família o mesmo carinho maternal que Cathy recebera da
mãe.
Sua mãe ficaria tão contente, ao ver a neta casando... Ela adorava a
menina, bem como o avô, e Cathy sentia muita saudade dos dois,
embora já houvessem se passado oito anos desde a morte de ambos,
num acidente de avião.
Eles tinham sido maravilhosos para ela e para Sophy; sempre muito
compreensivos, carinhosos e pacientes.
Sentada na cadeira da cozinha, Cathy sentiu as lágrimas escorrerem-
lhe pelo rosto e sorriu para si mesma. Aos trinta e sete anos, julgava-se
velha demais para esses ataques de sentimentalismo. Coisa de
adolescente, pensava, crítica. Mas Cathy tinha consciência de que, com
o casamento da filha, uma etapa muito especial de suas vidas estaria se
fechando.
Sophy casada... A idéia a fez rir e melhorou seu humor.
Aos dezenove anos, Sophy já era uma profissional de sucesso e
jurava que só pensaria em casamento quando se aproximasse dos
trinta. No entanto, agora, aos vinte, já mudara de idéia. E insistia num
casamento tradicional, na capela de sua cidadezinha natal, cercada por
todos aqueles que a viram crescer e pelas amigas com quem fora à
escola.
Sophy era uma jovem inteligente, preparada, independente e muito
madura. Cathy a amava muito e, desde o dia em que a filha deixara o lar
para ir cursar a universidade, lutava para respeitar sua liberdade, sem
se tornar uma mãe possessiva. No começo fora muito difícil para ambas,
mas, com o passar do tempo, mãe e filha se acostumaram com a
distância.
Apesar de se verem com menos freqüência, sempre arranjavam um
pretexto para se encontrarem, nos feriados e mesmo nos fins de semana,
apesar de Sophy estudar e morar em Londres. Só que de agora em
diante o relacionamento entre ambas teria de ser diferente. A partir do
dia seguinte, John passaria a ocupar o primeiro lugar no coração de
Sophy.
Cathy gostava do futuro genro. O rapaz era fino, educado e excelente
pessoa. Gostava da família dele, também, e apreciava o modo como seus
pais haviam criado os filhos. Porém, mais do que tudo, ficava satisfeita
com o carinho que dispensavam a Sophy.
Sophy era sensível e responsável até demais para sua idade; tudo o
que uma mãe poderia desejar de uma filha. Cathy considerava-se uma
pessoa de sorte, pois, apesar de ter sido vítima do preconceito de certas
pessoas, só recebera elogios da filha.
Pela janela da cozinha, podia observar os homens trabalhando lá
fora, espalhando as mesas e as cadeiras, erguendo o toldo que cobriria o
jardim. Então concluiu que aquela não era a melhor hora para sonhar
acordada. Ainda tinha muitos detalhes com que se preocupar.
Mais animada, correu os olhos pela correspondência. A maioria eram
cartões e telegramas para os noivos. Depois de separá-los, colocou-os
sobre a cômoda de pinho que herdara dos avós. O móvel tinha a
madeira escurecida pelo tempo e combinava com o estilo country da
cozinha de azulejos amarelos.
Morava ali, naquela casa, desde que nascera e fora criada ali, na
cidadezinha de Dales, Yorkshire. O povo do lugar era tido como severo e
pouco amigável, mas Cathy sabia por experiência própria que não era
verdade. Os moradores de Dales eram fechados, mas tinham um
coração terno e caloroso.
Sua família, os Seton, habitava a região há muito tempo e agora
estavam espalhados por diversas cidadezinhas da redondeza. Seu avô
fora fazendeiro e cultivava umas terras que há muito pertenciam à
família. Após sua morte, o pai de Cathy vendera a fazenda, pois, como
professor na Universidade de York, não tinha tempo para se dedicar ao
cultivo.
Cathy não chegara a cursar a universidade, embora tivesse
pretendido formar-se em pedagogia. Porém o destino se encarregara de
modificar seus planos.
Aos dezesseis anos, mal tendo terminado o segundo grau, fora passar
as férias de verão na Cornualha, na casa de uma tia-avó que acabara de
se aposentar. E fora durante esse mês de férias que...
Uma camioneta amassada parou diante da janela da cozinha,
espalhando pedregulho. A motorista, uma ruiva alta e dinâmica, saltou
do carro com disposição e correu em direção à porta dos fundos.
— Oi! Como vão as coisas por aqui? — perguntou, ofegante, ao
entrar. — A que horas Sophy deve chegar?
— Não tenho certeza, mas ela prometeu chegar o mais cedo possível
— afirmou Cathy, convidando a melhor amiga e sócia para sentar-se. —
Aceita um café?
Lucy Grainger e seu marido, um contador, haviam se mudado para
Dales há dez anos. Cathy e ela se conheceram acidentalmente, na saída
do correio.
Ao ver Cathy e Sophy juntas, Lucy cometera o mesmo engano que a
grande maioria das pessoas, julgando-as irmãs em vez de mãe e filha. O
engano era perfeitamente compreensível, pois Cathy era do tipo mignon,
aparentando quase dez anos menos do que tinha.
Quando Sophy lhe puxara o casaco e a chamara de mamãe, Cathy
olhara para Lucy, já esperando o espanto natural das pessoas. Porém,
Lucy sorrira e dissera apenas: "Oh, acho que dei um fora". O comentário
simpático viera acompanhado de um sorriso meigo e compreensivo que
fizera Cathy baixar as barreiras que normalmente erguia na presença de
estranhos. Em pouco tempo, ambas se tornaram amigas.
Há pouco mais de sete anos, logo após a morte dos pais de Cathy,
Lucy sugerira que juntassem suas habilidades culinárias e abrissem um
pequeno negócio; foi assim que teve início a microempresa que hoje
dirigiam, especializada em serviços de buffet para qualquer tipo de festa.
Diante da insistência de Sophy, Cathy acabara concordando, e, de
fato, não tinha do que se arrepender. O negócio progredira mais do que
poderiam imaginar, proporcionando-lhes uma maior independência
financeira e um novo interesse pela vida.
Durante toda a gravidez e a infância de Sophy, Cathy procurara levar
uma vida reclusa, evitando conhecer pessoas e lugares novos. Tudo pelo
medo da reação das pessoas diante de sua condição de mãe solteira.
Porém, com a ajuda de Sophy e de Lucy, via hoje que agira de maneira
completamente errada.
Sophy, que a conhecia bem, ao vê-la relutar diante da proposta
inicial de Lucy, a desafiara:
— Ora, vamos, mamãe. Sei muito bem por que não quer aceitar.
Você tem medo do que as pessoas vão dizer. Pois saiba que hoje em dia
essa sua vergonha está totalmente fora de moda.
O comentário fora um pouco rude, mas Sophy prosseguira:
— Ninguém mais, hoje em dia, se importa com essa história de filho
de mãe solteira. Eu mesma nunca me importei com isso — afirmara,
com um sorriso terno. — Você é a melhor mãe que alguém poderia ter.
Você, o vovô e a vovó me proporcionaram uma infância maravilhosa e
um mundo mais seguro do que da maioria das crianças que conheci.
Não me importo de não ter tido pai, acredite.
Sophy talvez não, mas ela se importava, concluía Cathy, agora, ao
servir o café para a amiga. Era uma culpa que traria consigo para
sempre.
— Está tudo sob controle com relação ao buffet — Lucy informou,
sempre prática. — Já contratei as garotas e elas ficaram de chegar
amanhã, logo cedo. E já lhes dei ordens para que não a deixem fazer
nada! Amanhã sua única preocupação será a de se transformar na mais
bonita mãe de noiva que esta cidade já viu. Finja que nem é sócia da
Removable Feasts.
Mãe da noiva...
Cathy sentia um nó no peito e um peso no coração. Havia um vazio
em seu íntimo, e uma vozinha interior lhe perguntava a todo instante: "E
o pai da noiva?" E o pai que sua filha jamais tivera?
— Telefonei para o Fleece e confirmei as reservas dos quartos. Acho
que a sra. Graves está adorando receber tantos hóspedes.
Lucy olhou pela janela e apreciou o gramado perfeito e os canteiros
floridos que sempre foram motivo de orgulho para os pais de Cathy.
Financeiramente, a morte deles a deixara segura, desde que não
esbanjasse dinheiro, mas, emocionalmente, fora uma perda irreparável.
Com a renda obtida com o buffet, Sophy e Lucy sempre a
incentivavam a cuidar um pouco melhor de si mesma, comprando
roupas novas, saindo de férias... Mas Cathy nunca seguira seus
conselhos, preferindo usar apenas jeans, camisetas e suéteres. Levava
uma vida simples e caseira; portanto, não precisava de roupas
elegantes. Quanto às férias... Não se sentiria bem em nenhum outro
lugar do mundo. Era ali em Dales, entre os amigos e a família, que
preferia passar as férias.
Sophy sempre lamentava não ter herdado os cabelos loiros da mãe e
seus traços delicados, mas, para Cathy, a beleza de Sophy era
incomparável. A garota puxara ao pai, tendo os cabelos bem pretos e
lisos, os traços marcantes e a pele clara. Era um tipo de beleza mais
vibrante, mas não menos feminina.
Na altura, ela também saíra ao pai. Sophy tinha um metro e setenta,
enquanto Cathy não chegava a um metro e sessenta. Apesar das
diferenças físicas, mãe e filha se davam muito bem, e Sophy dispensava
um cuidado quase maternal com relação à mãe. Porém sempre a
incentivava a tomar iniciativas próprias e ampliar seu círculo de
amizades.
Só Cathy, no entanto, sabia o quanto sofrera, ao olhar para a filha
pela primeira vez e ver refletidos em seu rostinho os traços marcantes do
homem que amara e que a abandonara.
Desde que tomara conhecimento da gravidez, Cathy fizera dois
juramentos: um, de que teria a criança mesmo sozinha; e outro, de que
jamais procuraria o pai do bebê. Principalmente depois que ficara
sabendo da verdade a respeito dele.
— Ei! Acorde! — Lucy exclamou, chamando-lhe a atenção e sorrindo.
— Me desculpe. Acho que estava sonhando.
Enrubescida, repreendeu-se por ter se deixado levar por aquelas
lembranças tristes do passado. Dentro de poucas horas Sophy chegaria,
e queria que aqueles últimos momentos juntas fossem maravilhosos;
uma recordação que ambas guardariam para sempre.
Gostava muito de John e tinha certeza de que ele seria um bom
marido para a filha. No entanto, ambos viviam e trabalhavam em
Londres, e, de agora em diante, toda vez que a filha viesse visitá-la,
traria, naturalmente, o marido. Portanto, aquela era a última
oportunidade que teriam de conversar sozinhas, como mãe e filha. Cathy
não queria de forma alguma estragar aqueles momentos tão preciosos
com recordações amargas.
— Bem, logo, logo estará tudo terminado — comentou Lucy, muito
alegre. — O resultado de seis meses de trabalho. Quero só ver quando
chegar a minha vez — brincou, despertando um sorriso na amiga. —
Felizmente, os meus filhos ainda são muito pequenos para pensar em
casamento. A que horas a florista vai chegar?
— Ela ficou de vir à tarde — disse Cathy, olhando o relógio da
cozinha. — Por falar nisso, tenho de ir buscar os morangos. É melhor
me apressar.
— Vou voltar mais tarde, trazendo o salmão e o resto das coisas —
Lucy prometeu, ao terminar o café. — Como é que você consegue manter
a calma e a organização? No seu lugar, acho que eu já estaria louca.
Cathy sorriu e preferiu não responder. Só quem já havia passado por
tudo o que passara poderia compreendê-la. Depois de ter sofrido tudo o
que sofrera, nada mais seria capaz de abalá-la e fazê-la perder o
autocontrole. Aprendera há muito como ocultar seus sentimentos e
proteger-se contra os outros. Fora a lição mais difícil de sua vida.

A manhã passou depressa. Apesar de sua organização, ainda havia


pequenos detalhes a serem cuidados e, depois de buscar os morangos,
Cathy constatou haver se atrasado meia hora com relação ao esquema
que planejara.
No caminho de volta, enquanto dirigia a pequena camioneta do
buffet, colou uma fita cassete de um cantor romântico no toca-fitas e
procurou relaxar, acompanhando a letra da música. E, no exato instante
em que entrara na garagem de casa, ele cantava: "...Se você está à
procura do amor..." Seu coração encolheu-se de dor e seus lábios se
comprimiram numa linha fina. Cathy repreendeu-se severamente. Não
estava mais na idade de se deixar emocionar por uma cançãozinha
romântica. Nem que estivesse de fato à procura do amor.
Depois do nascimento da filha, Cathy procurara apagar de vez
qualquer romance, em sua vida, recusando-se a pensar num namoro e,
menos ainda, num casamento.
Toda vez que sua mãe tocava no assunto, insinuando que saísse com
algum admirador, Cathy alegava que ninguém iria se interessar por ela.
Sua mãe protestava com veemência, dizendo que não havia do que se
envergonhar, pois qualquer homem que a amasse com sinceridade não
se importaria por ela ter uma filha.
Respirando fundo, Cathy desceu da camioneta e viu a porta da
cozinha se abrir. Sophy veio correndo recebê-la. Feliz, Cathy correu ao
encontro da filha e a abraçou.
— Oi, mamizinha — disse Sophy, emocionada, usando o apelido
carinhoso que inventara ainda quando criança.
Cathy deu um passo para trás e admirou a filha. Às vezes, ainda
custava a crer que uma garota tão bonita e brilhante pudesse ser sua
filha. Na véspera do casamento, a beleza de Sophy estava mais radiante
que nunca.
Ao vê-la usando sandálias de salto bem alto, Cathy sorriu e
comentou:
— Ainda bem que John também é alto.
— Ainda bem... — Sophy sorriu também e lançou um olhar maroto
para a mãe, ao comentar: — Nós nos damos muito bem. Em todos os
sentidos...
Sophy adorava provocá-la só para vê-la enrubescer. Era também
uma forma de deixar evidente que não trazia nenhum trauma ou
complexo por não ter tido pai.
— Não se preocupe, mamizinha — disse com carinho. — Se quer
saber, não estou grávida; pelo menos, por enquanto.
Houve um breve silêncio e, então, comovida, Cathy garantiu:
— Querida, você é a melhor coisa que aconteceu na minha vida.
E era verdade.
Há quase vinte e um anos, assustada e grávida, descobrira que o
homem que amava era na verdade casado e tinha um filho com a
esposa. Na época, Cathy achava que sua vida tinha terminado, que
jamais seria feliz. Mas, com a ajuda dos pais, tudo acabara bem e agora
se julgava mais feliz do que nunca. Nem por um instante se arrependera
de ter tido o bebê mesmo sendo solteira.
Desde que tivera Sophy, sua vida adquirira um novo colorido, a filha
já lhe proporcionara tantas alegrias... Seu nascimento fora um presente
de Deus. Sophy era uma moça educada, simpática, que encarava a vida
de frente. Jamais fugira a um desafio. E, com sua franqueza e simpatia,
cativava a todos. Agora, apaixonada e prestes a se casar, ainda teria
muitas alegrias pela frente.
Cathy sentia um orgulho profundo; mas um orgulho mesclado à
tristeza. Afinal, não fora a responsável pela atitude sadia que a filha
tinha perante a vida, uma vez que sempre se julgara culpada do que
acontecera. Sophy, porém, sempre otimista, nunca se deixara abater
pela opinião dos outros e tomara as rédeas do destino nas próprias
mãos, vencendo por seu próprio mérito.
— Vamos — disse Sophy. — Mostre-me o vestido que vai usar
amanhã. Mal posso esperar para ver a cara das pessoas quando
souberem que você é minha mãe.
Os olhos de Cathy encheram-se de lágrimas. Sophy sempre sentira
orgulho dela e a apoiava em todas as decisões. Como se tivesse
descoberto, desde criança, o quanto Cathy era frágil e vulnerável.
Cathy tocou o braço da filha e sorriu.
— É a você que todos vão prestar atenção — lembrou de modo
natural, alisando os cabelos de Sophy. Então franziu a testa e
acrescentou num tom tristonho: — Querida, lamento que seu pai não
esteja presente para levá-la ao altar. Eu...
Sophy abraçou-a e deu um passo para trás:
— Pois não lamente. Um homem como ele, que a fez passar por tudo
o que você passou, não merece ter esse privilégio. E, para ser franca, ele
jamais me fez falta. — Então, deu um sorriso e comentou: — Outro dia,
a mãe de John me perguntou se eu nunca pensava nele, se nunca tinha
tido a curiosidade de conhecê-lo.
— E o que você respondeu?
No íntimo, Cathy sempre temera que Sophy um dia resolvesse ir
procurar o pai. Seu temor era que Joss a rejeitasse da mesma forma que
a rejeitara.
— A verdade. Que, quando cresci, você me contou tudo o que tinha
acontecido: que se apaixonara por um moço que julgava desimpedido,
quando, depois, descobrira que ele era, na verdade, casado e pai de uma
criança. Que, seguindo o conselho dos meus avós, você preferiu nunca
contar-lhe a meu respeito, porque ele já tinha deixado evidente que não
queria nenhum tipo de compromisso com você. Além do que, um homem
que traíra a mulher e o filho só nos faria infelizes.
Cathy suspirou aliviada, admirada com a coragem da filha.
— Aliás — Sophy acrescentou —, esse meu pai só podia ser mesmo
um cafajeste, para ter feito o que fez com você e com a família. Vocês
sempre me deram todo o amor que eu necessitava, sempre me cercaram
de carinho e compreensão. — E, esticando os braços, segurou as mãos
de Cathy: — Eu sempre a admirei por ter resistido à tentação de ter
contado a ele que estava grávida, principalmente porque você o amava.
No meu coração e na minha vida não há lugar para ele. E nem poderia
ser de outra forma. Se há uma coisa que eu realmente lamento, é não
ter mais o vovô conosco para me levar até o altar.
Ambas se abraçaram comovidas. Mãe e filha sabiam que, sem a
ajuda dos pais de Cathy, jamais teriam vencido tantos obstáculos. Em
momento algum a haviam censurado por ter engravidado, mas sempre a
apoiaram e lhe fizeram ver que, para seu próprio bem, seria melhor
enterrar o passado.
— Acho que nós duas estamos precisando de uma garrafa de
champanhe gelado — Sophy sugeriu.
Cathy achou graça:
— A idéia até que não é má. Porém temos uma montanha de
morangos frescos esperando para serem limpos e lavados. — E, ao ver a
filha fazer cara de desânimo, lembrou com bom humor: — Não se
esqueça de que foi você mesma quem inventou essa festa no jardim, com
flores naturais e morangos com creme.
— Está bem, está bem, não precisa ficar me lembrando. Já estou
arrependida — brincou. — Vamos lavar os morangos.

CAPÍTULO II
— Que moça linda!
— Que vestido bonito!
— A decoração está maravilhosa!
Foram estes os comentários mais ouvidos por Cathy ao se postar nos
degraus da igreja ao lado dos noivos e dos familiares mais próximos de
John, após a cerimônia do casamento.
O sol de junho brilhava forte no céu bem azul enquanto uma brisa
morna tornava o clima ainda mais agradável. Cathy lembrava-se da
manhã fria e cinzenta em que o vigário celebrara uma missa em
memória de seus pais, dias depois do acidente aéreo...
Porém tratou logo de afastar aquelas lembranças tristes que, cedo ou
tarde, a fariam chorar. Nada poderia atrapalhar a alegria de Sophy no
dia de seu casamento.
E bastava olhar para a noiva para se constatar que ela estava mesmo
radiante.
Sob os olhares de Cathy, os noivos se deram as mãos e John deu um
beijo na testa da esposa. Em seguida, Sophy olhou à volta e comentou:
— Nossa! John, quem é aquele moreno ali à esquerda, acompanhado
da ruiva?
Todos voltaram-se na direção para a qual Sophy discretamente
apontara. Um casal estava de pé, separados ambos do resto dos
convidados, junto à porta da igreja.
Cathy olhou-os de relance e, em seguida, focalizou o homem alto e
moreno que chamara a atenção de Sophy. Seu coração saltou no peito.
O mundo todo parecia girar ao seu redor, enquanto sua garganta secava
como se não tivesse bebido água por vários dias. Não podia ser... "Não
aqui! Não hoje! Oh, Deus..."
A alguns metros de onde Cathy estava, John fingia sentir ciúmes, e
sua mãe comentava, achando graça:
— Não seja bobo, meu filho. Aquele é meu primo, Joss Bennett.
— É mesmo? Já ouvi falar no nome dele — respondeu Sophy. —
Engraçado, eu o imaginava bem mais velho.
— Mais ou menos da minha idade, você quer dizer — brincou Mary.
Cathy mal conseguia ouvir o que diziam. As palavras se
embaralhavam em seus ouvidos. Toda sua atenção estava voltada para
Joss, parado ao lado da coluna.
Quase vinte e dois anos tinham se passado... Confusa, sabia que
deveria agir com naturalidade, antes que alguém notasse sua surpresa,
porém como fingir indiferença ao ver ali na sua frente o mesmo homem
que a abandonara há tantos anos, deixando-a sozinha para criar a filha?
A filha que acabara de se casar!
A alguns passos dali, Mary explicava:
— Bem, claro que Joss é bem mais moço do que eu. Ele agora deve
estar com quarenta e dois ou quarenta e três anos.
— Mas não aparenta essa idade — Sophy comentou, admirada. —
Eu diria que ele tem uns trinta e poucos anos.
— Ei! — disse John, só para provocá-la. — Estou começando a ficar
preocupado. Acho que vou apresentá-lo a você.
Apesar do calor, do sol forte e dos sorrisos alegres dos convidados,
Cathy sentia-se só e gelada.
Teria sido mera coincidência que viessem a se reencontrar
exatamente no dia do casamento da filha? Ou...
Não, não. Só podia ser coincidência. Se, de alguma forma, Joss
tivesse descoberto que Sophy era sua filha, certamente não teria
esperado até que ela se casasse para só então se aproximar.
Aos poucos, o pavor inicial foi passando e Cathy respirou fundo,
embora ainda chocada, procurando disfarçar o tremor das mãos. Foi
apenas uma terrível coincidência, concluiu. Joss era primo da mãe de
John. Quem diria...
Ao sentir um toque de leve no braço, Cathy voltou-se e viu Sophy
fitá-la com ares de preocupação:
— Não está se sentindo bem, mamãe? Você ficou pálida e seu braço
está frio.
Todo o grupo voltou a atenção na sua direção. Aquele era o dia mais
importante da vida de Sophy, relembrou, e nada estragaria a felicidade
de sua filha. Nada nem ninguém.
Cathy percebeu que a mãe do noivo franzia a testa, percebendo seu
mal-estar. Um mal-estar que nada tinha a ver com a emoção do
casamento da filha.
— Lá dentro da igreja estava mais frio do que eu imaginava — disse,
forçando um sorriso.
O traje que escolhera para a ocasião era bem leve: um vestido preto
de bolinhas brancas, de mangas curtas, num modelo que lembrava os
anos vinte; blazer de seda branco e chapéu de seda branco debruado de
preto. Sophy, por sua vez, optara por um vestido jovem, cor de marfim, à
altura dos tornozelos. Segundo ela, o branco não combinaria com sua
pele tão clara.
Pele que herdara do pai, Cathy lembrou, lançando outro olhar
conturbado na direção do casal parado ao lado da coluna.
Eles continuavam de pé, um de frente para o outro, e Joss se curvava
na direção da ruiva enquanto ela removia algo de sua lapela. Ela era
quase da mesma altura que Sophy, e Joss não precisava abaixar a
cabeça para fitá-la. Na época em que ele a namorava...
Cathy sentiu o coração disparar quando lembranças do passado
voltaram a atormentá-la. Não havia como evitar; era mais forte do que
seu autocontrole. Recordou a primeira vez que se encontraram, nos
rochedos à beira-mar, perto daquela vila de pescadores na Cornualha. O
verão estava quentíssimo e havia espantado grande número de turistas.
Cathy havia saído para dar uma volta, mas fora surpreendida pela
chuva. De cabeça baixa, corria de volta para a casa da tia-avó quando
trombara com Joss.
Ele a segurara para que não caísse. Encabulada, erguera a cabeça
para se desculpar e se apaixonara no mesmo instante. Uma atitude
típica de uma garota de dezesseis anos.
Joss lhe parecera tão sofisticado e maduro... Afinal... já era um
homem... enquanto ela não passava de uma adolescente ingênua. Ele,
então, se oferecera para acompanhá-la de volta à casa da tia. No
caminho, conversaram um pouco mais e, apesar da chuva fria e do
vento intenso, Cathy desejara que sua tia morasse na outra extremidade
da vila, para que pudesse desfrutar por mais tempo da companhia
daquele moço simpático que tanto a impressionara.
Quando Joss lhe perguntara a idade, ela mentira, dizendo ter
dezenove, com medo de que ele a julgasse criança. E se vira obrigada a
mentir de novo quando ele lhe perguntara a respeito da escola. Embora
ainda estivesse no começo do segundo grau, contara que já se preparava
para prestar o vestibular.
Ao chegarem à casa de sua tia, Joss lhe pedira que marcasse um
novo encontro, e Cathy ficara radiante. Joss havia recebido uma bolsa
de estudos e viera fazer um estágio na Cornualha, a serviço na National
Trust. Estava hospedado numa pequena pensão de estudantes não
muito longe da casa da tia dela, e foi assim que tudo começou.
— Mamãe, o fotógrafo já está pronto.
A voz calma e positiva de Sophy trouxe-a de volta à realidade. Cathy
piscou várias vezes e a imagem daquele moço que a encantara
desapareceu, dando lugar à de um homem de meia-idade que, como
Sophy dissera, aparentava ser bem mais jovem. Um homem charmoso
que portava seu terno finíssimo com a mesma naturalidade com que
usara sua calça jeans durante a juventude.
A chegada do fotógrafo forneceu-lhe uma excelente desculpa para se
afastar e ficar sozinha. O choque de ter visto Joss ali na igreja roubara-
lhe as forças, deixando-a tonta.
Há muitos anos o enterrara em seu coração, feliz por jamais tê-lo
procurado, por necessidade ou por vontade. E, talvez por isso mesmo,
por causa da coincidência, ou da peça que o destino lhe pregara, o
impacto de tê-lo visto era ainda maior.
A ruiva devia ser sua esposa e, assim como Joss, aparentava menos
de quarenta anos. Abaixando a cabeça, Cathy tornou a olhá-la,
discretamente, reparando nos cabelos e na maquilagem impecáveis.
Suas roupas eram muito elegantes, com jeito de etiqueta famosa, e seu
queixo empinado lhe dava um ar petulante.
E o filho deles, onde estaria? Estranho nunca ter sabido se era um
menino ou uma menina. De qualquer forma, Sophy tinha um meio-
irmão ou irmã. Cathy sentiu uma pontada no peito. Novamente suas
mãos começaram a tremer, e temeu chamar a atenção dos convidados,
tal o seu abalo. Logo o fotógrafo a chamaria para as fotos ao lado dos
noivos, e, em seguida, haveria a recepção. Ia ser um longo dia...
O que aconteceria quando se encontrassem? Será que Joss a
reconheceria? E, se a reconhecesse, como será que iria tratá-la? Fingiria
que nunca a conhecera?
A última hipótese lhe parecia a mais provável.
E quanto a Sophy, ali tão alegre, sorrindo para o marido? Passaria o
resto da vida sem saber que o primo da sogra era seu pai?
Cathy estremeceu de medo, só imaginando o que poderia acontecer.
Se ao menos seus pais estivessem vivos, se ao menos tivesse alguém a
quem recorrer, em quem se apoiar...
Ao sentir um toque em seu ombro, pulou assustada, pousando uma
das mãos sobre o peito. Mas era apenas James Philips, médico local e
padrinho de Sophy.
— Você está bem? — ele perguntou, preocupado.
Fora com James que Sophy entrara na igreja. James sempre fora
amigo da família e gostava demais das duas. Era a ele que Cathy
recorria, quando precisava de um ombro amigo.
— Só um pouco comovida — revelou, sentindo os olhos rasos d'água.
— Mamãe, o fotógrafo me pediu para chamá-la — disse Sophy.
Cathy pediu licença a James e foi se juntar aos noivos. Só podia ser
um pesadelo, Cathy dizia a si mesma, ainda inconformada. Mas não era.
E, cedo ou tarde, teria de se deparar com Joss.
Cathy estremeceu e o fotógrafo franziu a testa. Normalmente, era a
noiva quem ficava trêmula, e não a mãe.
Quando a sessão de fotos terminou, Mary Broderick, que já havia
casado três filhas, voltou-se para Cathy e comentou:
— É terrível, não? A gente sabe que deveria ficar feliz por eles, mas,
ao mesmo tempo, se sente perdida... Mas não se preocupe, isso passa.
Mary Broderick tinha um cuidado quase maternal por Cathy.
— Gostaríamos que você viesse passar uns dias conosco, quando
puder — Mary disse. — Afinal, quase não tivemos oportunidade de nos
conhecermos melhor...
O convite era amável e sincero, mas Cathy mal conseguiu sorrir. O
momento que mais temia estava próximo e, intimamente, arrependia-se
por ter concordado com a fila de cumprimentos sugerida por Sophy, que
aconteceria no jardim de sua casa. Mas não havia como evitar aquilo,
ela e Joss teriam de trocar um aperto de mão.
O jardim da casa era motivo dos comentários elogiosos de todos: o
perfume das rosas, a grama bem aparada, as estreitas alamedas
cruzando o gramado... A brisa agitava suavemente o toldo branco e azul
estendido sobre o jardim.
A equipe contratada por Cathy e Lucy trabalhava de modo silencioso
e eficiente, circulando entre os convidados com bandejas de salgados e
drinques.
James deu o braço a Cathy e conduziu-a ao canto do jardim onde os
noivos e seus pais receberiam os cumprimentos. Momentos depois, os
convidados formaram uma fila e cumprimentaram as famílias,
desejando felicidade ao jovem casal.
Eram dezenas de pessoas: velhos amigos já quase da família,
estranhos, pessoas ligadas à família de John... Cathy cumprimentava a
todos com um sorriso automático, mal registrando o que ouvia ou dizia.
Foi quando ouviu Mary exclamar com carinho:
— Joss, meu querido! Ainda bem que você conseguiu chegar a
tempo...
Em seguida, Cathy ouviu a voz que jamais esquecera, a mesma voz
que lhe sussurrara palavras apaixonadas aos ouvidos, fazendo-a
estremecer de paixão e desejo.
— Ainda bem mesmo, Mary. Não perderia esse casamento por nada...
Sophy apertou-lhe a mão e fez um comentário engraçado que
provocou um sorriso charmosíssimo em Joss. Depois, foi a vez de John.
E, em seguida...
— Você não vai acreditar — disse John ao primo, voltando-se para
apresentá-lo —, mas Cathy é minha sogra.
O mundo parou de girar no exato momento em que ambos se
entreolharam, e Cathy notou, pela fisionomia dele, que Joss também se
surpreendeu ao vê-la.
— Cathy... — ele murmurou com voz rouca, e apertou-lhe a mão com
força.
Sem soltar-lhe a mão, Cathy observou-o melhor. Ele tinha
amadurecido e o jovem charmoso se transformara num homem
irresistível. Alto, moreno, forte, o rosto muito bem barbeado, pele
bronzeada, olhos cinzentos, iguaizinhos aos da filha.
Aos cabelos negros começavam a se misturar alguns fios brancos, o
que só contribuía para aumentar seu charme, e o corpo conservava a
mesma graça e elegância da juventude. Joss estava no auge de sua
beleza; bastava ver os olhares velados que as mulheres lhe dirigiam.
"Com o passar dos anos e o acúmulo de experiências, deve ter se
tornado um amante ainda melhor...", Cathy pensava.
Então, envergonhada com os próprios devaneios, sentiu os olhos se
encherem de lágrimas e começou a tremer. Temendo perder o controle,
encolheu o braço e olhou para a mulher que o acompanhava.
A mulher, já irritada com aquela intensa troca de olhares, quase
fuzilou-a com os olhos, e Cathy estendeu-lhe a mão.
— Sra. Bennett... — cumprimentou-a.
John esperou até que o primo se afastasse e voltou-se para Cathy.
— Ela não é a sra. Bennett, embora adorasse ser. É a secretária de
Joss.
Secretária... Cathy sentiu um gosto amargo na boca. Então ele
continuava o mesmo, constatou. Era o mesmo mentiroso e enganador
que a usara para trair a mulher. No entanto, quem o visse o julgava um
homem honesto e finíssimo.
"As aparências enganam", disse a si mesma.
Onde estariam a mulher e o filho dele? Um nó formou-se em sua
garganta no instante em que Cathy deixou de prestar a atenção à fila de
convidados para se recordar daquela triste tarde de setembro.
Apaixonada, como não tinha notícias dele havia mais de vinte e quatro
horas, resolvera ir à pensão onde ele se hospedava para tentar saber por
que Joss não comparecera ao encontro que haviam marcado.
Fora a zeladora quem lhe dera a notícia de que ele tinha partido:
— Ele voltou para a esposa e o filho — a mulher dissera, com certa
malícia. — Joss deixou um recado; disse que o namoro de vocês
terminou e para você não o procurar mais.
Até agora Cathy se recordara do olhar gélido e indiferente que a
zeladora lhe lançara e de como, apesar da indiferença, parecera se
divertir com a situação.
Ambos só haviam se encontrado duas vezes, não mais que isso.
Normalmente, Cathy e Joss preferiam se encontrar fora da cidade, num
rochedo à beira-mar.
Joss casado... Cathy mal podia acreditar. Ele ainda estava no último
ano da faculdade! Pelo pouco que haviam conversado, pudera perceber
que a família dele tinha dinheiro, mas jamais pudera imaginar que fosse
um rapaz casado. E pai de uma criança. Joss jamais se comportara de
modo estranho, jamais se furtara a comentar certos assuntos...
Cathy lembrava-se de que não conseguira conter as lágrimas, e a
zeladora rira de modo impiedoso, ao vê-la chorar.
— O que esperava? Ele estava apenas usando você, só isso. Chegou
mesmo a pensar que ele quisesse algum compromisso mais sério? Joss
me pediu para não lhe dar o endereço dele; portanto, não adianta pedir
— acrescentara, com ares de triunfo, fechando a porta em seguida.
Desolada, sem saber o que fazer, Cathy correra para o rochedo onde
sempre se encontravam. Não conseguia assimilar a notícia. Vinte e
quatro horas antes, haviam se abraçado, se beijado, ele murmurara
baixinho que a amava, que a queria. Cathy achara que havia uma
promessa de futuro naquela confissão. Porém...
Ao perceber que fora enganada, começara a tremer, com ódio da
própria ingenuidade. Havia se entregado a um homem já casado, pai de
uma criança, chefe de família. Por sorte, na ocasião, ainda não sabia
que ficara grávida.
A descoberta só aconteceria seis semanas depois de ter voltado para
casa. Mesmo abalada e desorientada, jamais escondera a verdade dos
pais. Eles, que a viam tão calada e tristonha desde que voltara das
férias, já imaginavam que a filha devia ter sofrido alguma decepção
amorosa. No entanto, jamais pensaram que houvesse algum outro
motivo mais sério para tanta tristeza. Fora então que Cathy começara a
ter enjôos terríveis.
Sem escolha, Cathy lhes contara toda sua história.
Seus pais foram maravilhosos. Ao invés de criticá-la, acolheram-na
com o mesmo carinho de antes e prometeram ajudá-la a criar o bebê.
Cathy jamais retornara à Cornualha. Não havia por que voltar. Sua
tia-avó, ansiando por mais atividades culturais e aborrecida com o calor
intenso da região durante o verão, vendera a casa e se mudara para
Londres, dizendo que a vida do campo não era para ela. Quanto a Joss,
Cathy nunca mais ouvira falar sobre ele. Até esse dia. Mas fora ótimo tê-
lo encontrado. A coincidência servira para tirá-la do mundo da fantasia
e fazê-la ver mais uma vez o tipo de homem que ele era na realidade: um
sujeito frio que, em vez de ter consigo a esposa, fazia-se acompanhar
pela secretária.
Não era de se admirar que ficasse tão chocado ao revê-la. Na certa
devia estar esperando a primeira oportunidade para se despedir e ir
embora da festa, sob qualquer pretexto.
Pensando nisso, Cathy olhou para a outra extremidade do jardim e o
viu junto a um grupo de convidados. Joss, porém, mantinha-se um
passo atrás dos demais, e a fitava. Seu olhar era tão intenso que, sem
perceber, Cathy deu um passo na direção dele.
— Cathy, as meninas estão esperando para servir o buffet — Lucy
avisou.
O chamado foi providencial. Cathy consultou o relógio e concordou.
— Está bem. É melhor fazermos os convidados se sentarem.
Sophy e John tinham optado por um almoço informal. Os convidados
ocupavam mesinhas redondas de quatro lugares, espalhadas pelo
gramado, enquanto uma mesa central, bem maior, era reservada para as
famílias dos noivos.
Enquanto James fazia as honras da festa e indicava os lugares aos
convidados, Cathy aproveitou para escapar e ir verificar o serviço da
equipe de garçons.
A comida estava excelente. Pena que Cathy quase não a provasse.
Atordoada, mal ouvia a conversa dos outros à mesa. John e Sophy
estavam mais eufóricos do que nunca.
Joss estava sentado a poucos metros dali, exatamente à sua frente. A
ruiva o tocava no braço de modo possessivo, toda vez que ele desviava a
atenção, e Cathy ficou satisfeita com a atitude petulante da moça. Joss
bem que merecia.
Durante todo o almoço, Cathy esteve consciente da tensão que
crescia em seu íntimo, provocando-lhe arrepios e dores de estômago.
Era impossível concentrar-se no que os outros diziam ao seu redor. Joss
era o único objeto de sua atenção.
Terminados a refeição e o brinde aos noivos, Sophy e John deixaram
a mesa para ir circular entre os convidados. Cathy aproveitou a ocasião
e pensou em escapar sorrateiramente. Porém, mal chegara a dar alguns
passos, Joss a deteve.
Cathy sentiu o coração disparar e um suor frio brotou-lhe na testa.
— Sua filha é uma moça linda — ele disse, bastante sério. — John é
um moço de sorte.
Cathy julgou os cumprimentos como simples frases feitas, palavras
de praxe. Não havia por que ficar tão nervosa; pelo jeito, ele não tinha
descoberto que Sophy era filha dele.
— James também — ele acrescentou, de modo amargo, contraindo a
fisionomia.
James... Ela virou a cabeça depressa, o pulso acelerado. James
estava a vários metros dali, conversando com Mary, mãe de John.
— Ah, Joss, você está aí? Já é hora de irmos, não acha? — A ruiva se
aproximou, dependurou-se no braço dele e lançou um olhar letal para
Cathy. — Você prometeu que não íamos demorar.
Cathy se surpreendeu com a falta de classe da moça, mas, por outro
lado, reconheceu que ela lhe prestava um favor. Quanto antes Joss fosse
embora, melhor.
Então, ensaiou seu melhor sorriso e disse, descontraída:
— Foi ótimo vocês terem vindo, obrigada. Agora, com licença.
E se afastou a passos rápidos, correndo para a cozinha.
Foi preciso mais de meia hora para que Cathy se convencesse de que
ambos haviam de fato ido embora, mas o choque tinha sido tão
devastador que já não lhe sobravam forças para aproveitar o resto da
festa.
Várias horas depois, quando o último convidado deixou a casa, Cathy
estava com uma dor de cabeça terrível e já dissera aos pais de John que
não iria ao jantar íntimo que haviam organizado no Fleece.
Sophy e John já haviam partido para a lua-de-mel de três semanas
no Caribe. Os noivos estavam felicíssimos, ao se despedirem e seguirem
para o aeroporto. E chegou a vez de os pais de John de despedirem:
— Ah, ao ver os filhos, a gente se recorda do passado, não é? — Mary
comentou.
Então, percebendo a gafe que cometera, desculpou-se,
absolutamente sem graça:
— Oh, Cathy, por favor, me perdoe, sim? Foi muito indelicado da
minha parte.
— Não se preocupe — Cathy afirmou. E, como visse uma expressão
de pena nos olhos de Mary, acrescentou: — Além disso, meu
relacionamento com o pai de Sophy foi tão importante que, para mim,
era como se fôssemos casados. Só mais tarde fiquei sabendo que ele já
era casado e tinha uma criança.
Mary Broderick mordeu o lábio inferior, apoiou-se no braço do
marido, maldizendo sua falta de tato. Por que tivera de abrir a boca?
Mesmo assim, não se conteve:
— Você... nunca o vê nem tem notícias dele? — perguntou, curiosa.
Cathy balançou a cabeça e mentiu:
— Não. Nunca. E nem quero.
Quando o casal Broderick saiu, as têmporas de Cathy latejavam,
seus pés doíam por causa dos saltos e sua única vontade era correr para
o quarto e atirar-se na cama, sem ver ninguém. Assim que tudo
terminasse, jurou a si mesma que dormiria sete dias seguidos.

CAPÍTULO III
Cathy, porém, não cumpriu o juramento. Na segunda-feira, logo pela
manhã, ela e Lucy voltaram ao trabalho.
O dia foi especialmente corrido, porque duas das ajudantes do buffet
haviam tirado folga, e Cathy se viu obrigada, na hora do almoço, a ir
pessoalmente fazer as entregas de camioneta.
À tarde, participou de uma reunião com uma senhora que pretendia
contratá-las para organizar um jantar pelo quadragésimo aniversário do
marido. No encontro, foram discutidos o menu, o número de convidados
e muitos outros detalhes. À noite, para sua sorte, Lucy se ofereceu para
ir substituí-la numa festa que dariam em York.
A semana passou depressa e, quando Cathy percebeu, já era sexta-
feira. Felizmente conseguira folgar no período da tarde. Sua casa estava
uma bagunça total e precisava de uma arrumação urgente. E depois,
tinha o jardim... O pessoal encarregado de armar o toldo fora o mais
cuidadoso possível, mas, mesmo assim, alguns canteiros necessitavam
de cuidados.
Logo após o almoço, pôs-se a trabalhar na casa com um vigor
extraordinário, fazendo uma faxina completíssima. Na verdade,
procurava se enganar com o trabalho, mas inconscientemente tentava
exaurir-se para não pensar mais em Joss e no choque que tivera ao vê-lo
na festa.
Às seis horas, já estava exausta, mas se recusou a parar. Ainda
havia todo o trabalho do jardim a ser feito e seria melhor aproveitar a
tarde longa do verão, quando o Sol se punha mais tarde.
Apesar de ter comido muito pouco na hora do almoço, Cathy não
sentia fome. Aliás, passara a semana toda com pouco apetite e notava
que as roupas começavam a ficar largas. Tinha uma facilidade incrível
para perder peso. Lucy também notara que Cathy emagrecera e havia
brincado dizendo que era saudade de Sophy. Mas não era a falta da filha
que a fizera perder peso, Cathy bem o sabia.
Às nove horas, com uma terrível dor nas costas e nas pernas,
reconheceu que já estava na hora de parar.
Ao se esticar, sentiu todos os músculos do corpo doerem e subiu
direto para o quarto. Depois da morte dos pais, modificara a decoração
do aposento deles para aliviar um pouco a dor da lembrança, porém não
fora capaz de se mudar para lá. Até agora, usava o mesmo quarto que
ocupara quando criança.
Depois de um banho bem refrescante, Cathy voltou para o quarto e
mirou-se no espelho. Os cabelos despenteados emolduravam-lhe o rosto
delicado e magro. Sua maior vontade, naquele momento, era ver
televisão deitada na cama, mas ainda tinha uns livros para arrumar
numa estante no andar térreo.
Mesmo cansada, vestiu uma roupa caseira e desceu para a saleta
aconchegante nos fundos da casa. O cômodo era pequeno, mas muito
bem decorado com poltronas floridas confortáveis e uma estante de
livros. Ela, quando criança, e Sophy haviam brincado muito ali.
Principalmente nos dias de chuva.
O cansaço e a ansiedade eram tais, que Cathy mal conseguia se
concentrar na tarefa de reorganizar os títulos na estante. A janela aberta
deixava entrar a brisa morna de verão que trazia consigo o perfume de
rosas.
Suas costas doíam. Se conseguisse pelo menos tirar um cochilo de
dez minutos... Não custava tentar.

Quando o sofisticado Jaguar entrou no caminho de pedregulho,


Cathy estava profundamente adormecida e nem ouviu o ruído dos
pneus.
O carro foi estacionado ao lado do dela. A porta do lado do motorista
se abriu e se fechou com um clique quase imperceptível. Joss aprumou
as costas e olhou para a casa.
A viagem desde Londres tinha sido cansativa, como o fora toda a
semana. Não passara um dia sequer sem pensar em Cathy. Planejara
deixar o escritório bem mais cedo, porém uma reunião extraordinária o
segurara até mais tarde.
Graças ao seu empenho e à sua garra, a companhia que herdara do
pai em péssimo estado, há anos, se transformara num negócio
respeitado e lucrativo, com clientes nos quatro cantos do país. Porém os
grandes contratos ainda requeriam sua presença e, mesmo sendo
proprietário, não podia se ausentar do escritório quando bem
entendesse.
Aproximando-se da porta dos fundos, bateu duas vezes. Não havia
campainha e, como ninguém respondesse às batidas, voltou-se para
observar o carro parado ao lado do dele.
O fato de o carro de Cathy estar ali não significava que ela
necessariamente estivesse em casa. Então, o movimento suave das
cortinas da janela da saleta chamou-lhe a atenção e Joss se aproximou,
curioso.
A saleta estava iluminada por um único abajur, colocado sobre a
escrivaninha. Havia folhas de papel soltas sobre o móvel, algumas das
quais a brisa tinha espalhado pelo chão. Cathy dormia, com a cabeça
recostada sobre a escrivaninha.
Joss olhou-a com mais atenção e quase perdeu o fôlego ao notar que
ela não usava aliança na mão esquerda. Como a porta estivesse aberta,
Joss entrou e, já na saleta, deteve-se ao ver uma foto num porta-retrato
de prata sobre o móvel. Sophy... a sua filha...
Nervoso, esticou um braço e tocou o ombro de Cathy, que,
assustada, abriu os olhos imediatamente.
Por um instante, Cathy julgou que ainda estivesse dormindo e
sonhando, mas, à medida que sua mente ia clareando, percebeu que
não se tratava de sonho. Joss estava ali ao seu lado, na saleta de sua
casa!
— Joss! O que você quer? O que veio fazer aqui? — Sentindo uma dor
terrível no pescoço, friccionou os músculos tensos e acrescentou: —
Como foi que conseguiu entrar?
Então, viu a porta aberta. A culpa fora dela.
Joss também olhou para a porta e franziu a testa, falando em tom de
censura:
— Qualquer um poderia ter entrado.
A repreensão a deixou indignada:
— Mas justo você tinha de entrar. O que veio fazer aqui?
A resposta dele desarmou-a:
— Acho que você já sabe por que vim. Quero conversar sobre sua
filha... nossa filha.
Joss deu uma ênfase toda especial à palavra "nossa", fitando-a
dentro dos olhos. Seu olhar intenso parecia penetrar-lhe a alma. Sua
expressão, porém, era de amargura e acusação. Mas quem era ele para
acusá-la?
Joss a pegara desprevenida, e Cathy procurou rapidamente erguer
suas defesas. Tensa, molhou os lábios com a ponta da língua e o
desafiou:
— Como assim? Nossa filha?
— Você sabe muito bem do que estou falando, Cathy.
Ela se moveu na cadeira e estremeceu. Mesmo assim, não se
intimidou:
— Acho que você enlouqueceu, Joss Bennett!
— Foi um choque, para mim, reencontrar você, na semana passada.
E depois, descobrir por acaso que... — Joss calou-se, sem completar o
pensamento. — Minha prima, mãe de John, me convidou para jantar,
domingo passado. Tivemos uma conversa muito... esclarecedora.
Aqueles olhos cinzentos, tão bonitos, prenderam os de Cathy com um
brilho estranho que a fez arrepiar-se de medo. Teve vontade de desviar o
olhar, fingindo não perceber que Joss mal conseguia conter a raiva.
Porém não conseguiu. Inquieta, umedeceu os lábios, torceu as mãos
sobre o colo e afirmou:
— Sophy é minha filha!
Cathy tornou a umedecer os lábios. Queria dizer-lhe mais coisas: que
estava enganado, que tirara uma conclusão errada, mas sua voz não
saía. Só conseguia encará-lo, muito pálida. Os olhos arregalados a
traíram.
Não entendia por que aquela hostilidade toda por parte de Joss.
Durante a festa do casamento, na semana anterior, temera pelo
confronto que poderia ter arruinado o momento mais importante da vida
de Sophy. Mas ele nem se dera conta da realidade... E agora...
— Não vejo sentido em desenterrar o passado — garantiu ela, num
tom amargo.
Joss limitou-se a encará-la como se nunca a tivesse visto. Seu olhar
era frio e impiedoso, os lábios contraídos numa linha fina.
Cathy concentrou-se neles e, de repente, viu-se transportada no
tempo. Como numa visão, sentiu aqueles lábios novamente, beijando-a
com paixão, excitando-a.
— A questão é que já perdi os vinte primeiros anos de vida da minha
filha — ele afirmou, destruindo a visão mágica que a transportara no
tempo. — E não pretendo perder os próximos vinte! Você não tinha o
direito de fazer isso, Cathy! — A fúria o fez alterar o tom de voz. — Tudo
bem: de repente você descobriu que já não me queria mais, que não
havia lugar para mim na sua vida, mas... — Então, ao vê-la cada vez
mais pálida, perguntou, preocupado: — Cathy, não está se sentindo
bem?
Os olhos verdes de Cathy, arregalados e opacos, pareciam
desproporcionais, no rosto miúdo. Joss percebeu que ela realmente não
estava bem e se aproximou mais. Sua expressão era de dor e desalento,
como se lhe tivesse caído um peso sobre os ombros.
— O que houve, Cathy? — ele insistiu.
Vendo o tremor incontrolável das mãos dela, Joss não pensou duas
vezes e segurou-as entre as suas, como para confortá-la.
Cathy murmurou algo incompreensível e levantou-se... para escapar
daquela situação. Afinal, o que Joss Bennett estava pretendendo? Por
que aquele fingimento todo que só a magoava ainda mais?
Suas pernas, trêmulas de medo e de cansaço, não suportaram seu
peso e Cathy acabou caindo sobre Joss. Ele a enlaçou pela cintura,
apoiando-a.
A camisa de seda que Joss vestia não se parecia em nada com as
camisetas e os suéteres surrados que costumava usar quando se
conheceram. O peito oculto sob o tecido, no entanto, mantinha a mesma
rigidez da juventude, o mesmo calor.
Confusa, exausta e sem compreender por que ele a acusava de
abandoná-lo, ouviu-o murmurar seu nome baixinho. Porém, como não
respondesse, Joss a levantou nos braços e carregou-a até outra
poltrona, perto da lareira.
— Você tem alguma bebida alcoólica em casa? — perguntou ele.
— Tenho, mas não quero.
— É, acho melhor não beber nada mesmo. Você precisa é de uma
refeição bem reforçada. Está muito magra, Cathy.
Para ela, já era demais. Ofendida, Cathy ergueu o rosto e o fuzilou
com o olhar:
— Posso não ter as curvas generosas da sua secretária, Joss, mas
isso não significa que eu esteja doente.
— Você não compreendeu, não foi isso que eu quis dizer. Você está
muito abalada e...
— Estou mesmo — ela garantiu, interrompendo-o. — E, por acaso,
não deveria estar? Você aparece aqui de surpresa, depois de tantos
anos, e quer falar sobre a minha filha. — Joss se retraiu, ao ouvi-la falar
da filha naquele tom possessivo. — Que bobagem é essa de que eu o
abandonei? Ambos sabemos que foi você que não me quis. Partiu sem
sequer se despedir, deixando apenas aquele recado que a zeladora da
pensão me deu e...
Ele, que ouvia tudo calado, não se conteve:
— Que recado? — perguntou, surpreso.
— Será que já nem se lembra do que falou? — ela indagou,
visivelmente magoada. — Pois eu me lembro, Joss. — E, com a voz
embargada, murmurou baixinho: — Às vezes, acho que jamais
esquecerei aquelas palavras tão rudes.
Como estivesse com a cabeça baixa, Cathy não o viu empalidecer e
franzir a testa, transtornado:
— Que recado foi esse, Cathy?
Ela o fitou e desviou o rosto, recitando, com voz fria e impessoal:
— "Diga a ela que está tudo acabado e que não me procure mais.
Não quero mais vê-la". Ela também me contou sobre sua esposa e seu
filho — acrescentou, já sem conseguir disfarçar a angústia.
— Não é possível... — Joss murmurou, soltando o corpo numa outra
poltrona à sua frente.
Seu murmúrio, tão sofrido, chamou a atenção de Cathy, que se virou
para fitá-lo. De repente, Joss parecia ter envelhecido dez anos. Havia
marcas de expressão em sua testa e ao redor dos olhos.
— O que eu disse é verdade, Joss — Cathy explicou, em voz baixa. —
Eu o amava e achava que você também me queria. Jamais poderia
imaginar que fosse casado.
— Mas eu não era! — ele garantiu, taxativo, assustando-a com sua
revolta. Então, balançou a cabeça de um lado para o outro, como se
quisesse clarear a mente confusa. — Eu me lembro como se fosse
ontem: fui chamado de volta para casa porque meu pai tinha adoecido;
ele havia tido um enfarte. Recebi o telefonema de madrugada e não tive
como avisá-la. Deixei, então, uma carta com meu nome completo,
endereço e telefone, pedindo-lhe que entrasse em contato comigo o
quanto antes. Era a única coisa que eu podia fazer naquele momento.
Como você não me telefonou, liguei para a zeladora. Ela me contou que
você havia estado lá, mas tinha dito que não pretendia mais me
procurar, que tudo não passara de um romance de férias.
Cathy o estudou com atenção e constatou que Joss estava sendo
sincero.
— Ela mentiu para nós dois! — exclamou, absolutamente pasma. —
Mas... por quê? Por que ela ia querer nos prejudicar?
Surpresa, Cathy viu quando o rosto de Joss ficou vermelho de ódio.
— Acho que já sei por quê — ele confessou, sem fitá-la. — Grace
sempre alugava quartos para os estagiários do National Trust, e meus
colegas logo me contaram que ela era famosa por oferecer seus "serviços
particulares" aos rapazes. Grace ainda era jovem e devia achar a
população masculina da cidade um tanto restrita.
Cathy ouvia sem dizer nada.
— A primeira vez que ela se aproximou de mim, fiquei meio perplexo.
Eu já tinha ouvido falar sobre sua reputação, mas confesso que não
acreditei. Então, aquela noite, quando ela apareceu no meu quarto... —
Joss deu de ombros. — Bem, digamos que ela tenha deixado bem claro
que estava disponível. Naquela época, reconheço que era muito mais
tímido do que hoje. Eu tinha acabado de conhecer você, Cathy, e acho
que não tive muito tato, na hora de recusar os favores dela.
— Você acha que ela mentiu para nós como forma de se vingar? —
Cathy perguntou.
— É a única explicação que encontro. Provavelmente nunca
saberemos a verdade, mas juro que lhe deixei uma carta.
Ela percebeu que Joss falava a verdade.
— E eu não era casado.
— E seu pai? — Cathy perguntou, procurando desviar um pouco o
assunto. — Ele...?
— Meu pai morreu e, do dia para a noite, me vi responsável pela
companhia. Passaram-se muitos meses, até que eu tivesse uns dias de
folga e pudesse voltar à Cornualha para procurá-la. A zeladora jurou
que não sabia de nada a seu respeito, e soube que sua tia tinha vendido
a casa e se mudado.
— Sim, é verdade. Ela voltou para Londres.
— Mas você sabia meu sobrenome — ele afirmou, contido. — Por que
não o colocou na certidão de nascimento de Sophy?
Então ele tinha visto a certidão!
— Pensei que você fosse casado — explicou, já cansada — e tivesse
outro filho. Eu... isto é, meus pais e eu achamos que não seria justo
registrá-la em seu nome, prejudicando sua esposa e seu filho. Você seria
chamado a atestar a paternidade dela.
— E em todos esses anos Sophy nunca perguntou meu nome? Nunca
pensou em ir me procurar?
Joss falava num tom tão sofrido que Cathy enrubesceu, sentindo-se
culpada.
— Não. Ela... Bem, meus pais e eu achamos que era melhor ela
não...
— Me conhecer — ele completou, com voz sofrida.
— Eu precisava protegê-la — Cathy alegou, na defensiva. — Você já
tinha me rejeitado, traído sua esposa e...
— Esposa! — Joss perdeu a calma. — Cathy, eu amava você!
A confissão pairou suspensa no ar. De repente, a sala pareceu ainda
menor e Cathy sentiu as palmas das mãos úmidas. As palavras de Joss
a tocaram fundo, mas ela tratou logo de se refazer. Afinal, não era mais
uma adolescente.
— Eu também amava você — afirmou com ponderação —, mas só
tinha dezesseis anos e...
— Dezesseis?
Ela gelou quando ele a interrompeu.
— Mas você me disse que tinha dezenove! Dezesseis anos! Meu Deus,
você era uma criança e eu engravidei você...
Joss parecia tão revoltado consigo próprio, tão horrorizado, que
Cathy instintivamente procurou consolá-lo:
— Você não sabia, Joss, não foi culpa sua. Menti quando nos
conhecemos. Eu era bem jovem, mas já não mais criança. Tinha idade
bastante para ter um bebê seu.
— Então, você admite que Sophy é minha filha — disse Joss, feliz
com a confirmação. — Sabe, eu mal pude acreditar, quando, depois de
alguns copos de vinho, Mary me contou a história de Sophy, de como
você havia sido abandonada pelo canalha que a engravidara... Você deve
ter sofrido muito...
E tinha mesmo, mas não da forma como ele imaginava; sofrera
porque o amava, e não porque ia ter um bebê.
— Nem tanto. Depois do choque inicial, meus pais foram
maravilhosos. Me apoiaram muito e me ajudaram a criar Sophy. Eles a
amavam mais que a tudo.
Ao vê-lo lançar-lhe um olhar sombrio e tristonho, tratou logo de
explicar:
— Ela teve uma infância muito feliz, Joss, cercada de carinho e
amor. Para ser franca, quando a tristeza me abatia, eu procurava me
animar, pensando que, embora não tivesse um pai ao seu lado, Sophy
era amada por três adultos que a adoravam...
O rosto dele se contraiu de dor, e Joss quase perdeu o controle
emocional, quando murmurou:
— Não admira que ela não quisesse me conhecer. Sophy deve me
odiar.
Ele engoliu em seco, passando as mãos pelos cabelos, e Cathy sentiu
uma pontada no coração quando viu seus olhos úmidos.
Quando Joss, comovido, baixou a cabeça, ela esticou o braço e
tocou-lhe os cabelos, negros como os da filha. Acariciou-os de modo
terno, deixando-se levar pela emoção. Então, caindo em si, afastou
depressa a mão.
— Me perdoe — ele pediu. — É que fiquei muito chocado com tudo o
que me contou. Passei a semana toda imaginando como seria este nosso
reencontro, pensando no que lhe diria, mas a realidade é muito diferente
do que imaginava.
— É verdade.
— Ouça — ele afirmou, bastante sério —, acho que nós dois
precisamos de tempo para pensarmos no que aconteceu conosco. Estou
hospedado na cidade e vou voltar para lá agora. Já é tarde. Posso
telefonar para nos vermos amanhã de novo? Há coisas que precisamos
discutir.
Que coisas?, ela teve vontade de perguntar, mas calou-se. Já podia
até adivinhar do que se tratava.
Sabia que, no fundo, ele não voltara por sua causa, mas, sim, por
causa da filha. Joss havia de querer que Sophy soubesse da verdade,
soubesse que a mãe lhe mentira a respeito dele. Não de propósito, claro,
já que ela mesma também não sabia da verdade. Só que, com isso, a
privara de um relacionamento com o pai.
Cathy tinha certeza de que Joss ia querer entrar em contato com a
filha, conversar com ela pessoalmente, explicar-lhe o que acontecera.
Mas, e depois? Será que Sophy a odiaria? Será que ficaria muito
ressentida com ela?
Joss levantou-se lentamente, com gestos cansados, e se dirigiu para
a porta. Ela o acompanhou automaticamente, mas, caindo em si,
deteve-se.
— Joss... — disse baixinho, fazendo-o voltar-se. — Sua esposa... —
Cathy não sabia como perguntar. Ele não era casado naquela época,
mas, agora, certamente devia ser. — Sua esposa sabe sobre Sophy?
Ele se calou por um instante e esclareceu:
— Não tenho esposa, Cathy. Fui casado durante poucos meses e me
divorciei em menos de um ano. Ela não queria filhos. Quanta ironia,
não?
Joss abriu a porta e Cathy o acompanhou, até o carro.
— Me desculpe se... aborreci você... — Joss disse, hesitante.
— Aborrecer, não. Fiquei chocada, isto sim. E muito triste, claro.
Mas o que houve entre nós pertence ao passado e, se fiquei triste, foi por
causa de Sophy, e não por algum motivo pessoal.
— Boa noite, Cathy.
— Boa noite, Joss.
Só depois que o carro de Joss sumiu na escuridão foi que Cathy se
perguntou por que fizera tanta questão de deixar claro que já não sentia
mais nada por ele. Afinal, Joss, em momento algum, dera a entender
que ainda nutria qualquer espécie de sentimento mais profundo por ela.
Fora Sophy que o fizera voltar, fora por causa da filha que Joss a
havia procurado.
Cathy não conseguia dormir. Deitada de costas, os olhos fixos no
teto, recordava cada palavra que haviam trocado, ainda inconformada
com a maldade da zeladora. Tantos desencontros, tantos enganos...
Porém, em vez de ódio e rancor, só sentia um medo muito grande de que
o aparecimento de Joss pudesse de alguma forma atrapalhar seu
relacionamento com a filha.
Não queria vê-lo, no dia seguinte. Nem a ele nem a ninguém. Queria
se esconder, fugir do pesadelo em que sua vida se transformara...
Cathy finalmente conseguiu dormir e sonhou com Joss. Sonhou que
se beijavam com paixão, revivendo o prazer que as carícias de Joss um
dia lhe despertaram...
No meio da noite, assustada, acordou com os olhos úmidos, o
coração acelerado. Os sonhos haviam aberto uma gaveta que ela
trancara há anos e a transformaram novamente numa garota ingênua
de dezesseis anos que se entregara ao namorado que amava. Ele fora o
primeiro e o único...
Comovida com as lembranças do passado, enterrou o rosto no
travesseiro e chorou como uma criança, ou melhor, como uma
adolescente diante de sua primeira decepção amorosa.

CAPÍTULO IV
Cathy estremeceu ao ouvir um carro estacionar em frente à sua casa.
Eram quase dez horas da manhã e, apesar de exausta, só conseguira
ficar na cama até as seis e meia.
O sono que tivera durante a madrugada não contribuíra em nada
para melhorar sua disposição. Seus sonhos agitados haviam trazido à
lembrança momentos e sensações do passado que ela preferia esquecer.
O choque do aparecimento inesperado de Joss em sua vida e o de ter
sabido que, na verdade, ele nunca a abandonara de modo frio e
insensível arruinaram-lhe o autocontrole. Sentia-se uma pilha de
nervos.
Aquele nervosismo todo era ridículo, dizia a si mesma; coisa de
adolescente ansiosa que aguarda pelo primeiro encontro com o
namorado. Mas Joss não viria vê-la porque estava interessado nela, e
sim, por causa de Sophy.
Cathy quis fugir quando ouviu passos fortes sobre o pedregulho, mas
logo relaxou ao ver a figura de James surgir na porta.
Fora sorte ter o fim de semana inteirinho livre, refletiu, ao recebê-lo.
Não ia ser nada fácil trabalhar naquele estado.
— Oi, Cathy. Eu estava passando por aqui e resolvi descer para
saber se você já teve notícias dos noivos — disse James, ao entrar na
cozinha.
— Sophy me telefonou, no começo da semana, para avisar que
tinham chegado bem e estavam se divertindo — ela explicou,
estendendo-lhe uma xícara de café.
— Não, obrigado — ele recusou. — Estou com muita pressa. —
Então observou-a com atenção e deu sua opinião sincera: — Cathy, você
tem exigido demais de si mesma. Procure diminuir seu ritmo de
trabalho, você não...
— Não é mais criança — ela completou, admirada com a própria
tristeza que a idéia lhe causou.
— Não era isso que eu ia dizer. Você anda muito fraca, tem
emagrecido bastante. Aconteceu alguma coisa? Está com algum
problema?
Ela mordeu o lábio inferior, desejando poder se abrir com o amigo,
mas não achava justo sobrecarregá-lo com suas lamúrias e dúvidas. Já
tinha idade bastante para saber lidar com os problemas sozinha e, se
não sabia, devia procurar a ajuda de um profissional.
— Ando um pouco triste. Sabe como é, depois que acaba a festa, vem
a depressão — afirmou, evitando encará-lo.
De repente, um outro carro estacionou na frente da casa e seu
coração disparou.
Cathy teve de novo vontade de fugir, correr, se esconder, mas nada
fez. Com o fôlego preso no peito e a garganta seca, apoiou-se na bancada
da cozinha e olhou pela janela.
Imersa em seus próprios pensamentos e emoções, Cathy não
percebia que James a estudava, curioso, a testa franzida de
preocupação.
Ela foi até a porta para recebê-lo e percebeu quando Joss ficou meio
aflito ao ver que estava acompanhada.
Cathy os apresentou consciente da súbita e infundada antipatia
surgida entre os dois. James devia estar se perguntando quem era Joss
e o que fazia ali àquela hora do dia. O mesmo devia estar fazendo Joss.
— James já estava de saída — disse Cathy, sem graça, procurando
quebrar aquele silêncio constrangedor.
E viu quando James ergueu a sobrancelha.
— É verdade — ele afirmou, ao passar por ela, tocando-lhe o ombro
de leve. — E não se esqueça do que eu falei, está bem, Cathy?
— O que foi que ele falou? — Joss quis saber, assim que o médico
deixou a casa e entrou no carro. — Que você não deveria me receber?
Que não tenho o direito de vir procurá-la?
Cathy, pasma, voltou-se para fitá-lo. O tom de desafio de Joss a
confundia. Na noite anterior, ele ficara tão chocado quanto ela, diante
da verdade; essa manhã, no entanto, estava diferente. Voltara a ser o
mesmo homem do dia do casamento de Sophy: distante, austero, com o
controle da situação.
— N... não é nada disso. Por que ele falaria assim?
Depois de uma breve pausa, Joss arriscou:
— Ele é seu amante, não é?
Cathy ficou perplexa:
— Claro que não! — garantiu com veemência. — James é meu
médico e padrinho de Sophy. — A ousadia de Joss a deixara furiosa. —
Se quer saber, o que ele disse não tem nada a ver com você.
— Ele é seu médico? Você não está doente, está?
— Não, não estou doente — Cathy negou, ainda surpresa com a
insinuação maldosa de que fossem amantes.
— Então, o que ele veio fazer aqui? — Joss quis saber, visivelmente
curioso e alterado. Cathy o olhou, assustada. — Você falou que ele é seu
médico, você não está doente. Então...
— James também é meu amigo — ela esclareceu, sem saber por quê.
Afinal, não lhe devia satisfação. — Ele apenas passou para ver como eu
estava. Só isso. — Bastou olhar para Joss, e Cathy percebeu que não
conseguira convencê-lo. Então, cansada de tantas perguntas e
suspeitas, resolveu esclarecer tudo de vez: — Se quer mesmo saber,
James acha que tenho exagerado no meu ritmo de trabalho, que tenho
emagrecido muito. Eu disse que era por causa do casamento de Sophy.
De certa forma, me considero uma mulher de sorte, pois, na minha ida-
de, a maioria das pessoas faz regime para emagrecer, enquanto eu...
— Aonde está querendo chegar? — ele perguntou, num tom ácido. —
Que já é uma senhora de meia-idade em plena menopausa? Ora, seja
razoável, Cathy. Você está com trinta e sete anos, mas não aparenta
mais do que vinte e seis. Parece até uma colega de Sophy, e não mãe
dela. — Joss correu os dedos pelos cabelos e deixou de lado o tom
inflexível. — Mal pude acreditar, quando a vi, a semana passada.
Cheguei a pensar que fosse alucinação... Por que você não se casou?
A pergunta pegou-a de surpresa. Pensara que Joss havia vindo para
conversarem sobre Sophy, e não sobre sua vida particular.
— N... não sei... — respondeu, evasiva, e, ao ver o olhar irônico que
Joss lhe dirigia, explicou: — Como sabe, não há muitos homens por aí
querendo assumir uma mulher com uma filha.
— Não?
Joss cobriu a distância que os separava com poucos passos e
bloqueou-lhe a passagem, prendendo-a entre ele e a parede. Cathy
quase entrou em pânico, perturbada com aquela proximidade. Quando
Joss lhe tocou o rosto de leve, ela se retraiu, fazendo-o encolher a mão.
— Você nunca se olhou no espelho, Cathy? Na semana passada,
durante a festa, havia no mínimo uma dúzia de homens devorando-a
com o olhar. Não é possível que você não tenha notado...
Assustada com a atitude dele, Cathy sentiu o rosto enrubescer. Os
olhos de Joss a fitavam, penetrantes, sensuais. Seus joelhos começaram
a tremer.
— Pode ser — concordou. — Mas duvido que estivessem pensando
em casamento. Não sou do tipo que gosta de romances passageiros —
afirmou, erguendo o queixo. — Além do que, minha vida particular não é
da sua conta. — Então, surpreendendo a si própria, perguntou: — Você
já contou à sua... secretária a respeito de Sophy?
Joss franziu as sobrancelhas negras, deu um passo para trás e
estudou-a.
— Não. Por que acha que eu deveria?
Ao perceber que ele se divertia com a situação, Cathy se censurou
por ter se mostrado ciumenta.
— É a mim que você pergunta? Acho que depende do tipo de...
relacionamento que há entre vocês.
— Vamos, diga logo o que tem em mente.
Ah... Pelo visto, Joss não gostava que vasculhassem sua vida
particular; no entanto, achava-se no direito de vir vasculhar a vida dela,
partindo para conclusões precipitadas e maldosas.
— É que na semana passada, na festa, me disseram que ela era a
futura sra. Bennett, e, neste caso, seria natural que você discutisse com
sua noiva a respeito de Sophy.
Ele lhe lançou um olhar tão gélido, que Cathy teve a impressão de
que a temperatura havia realmente baixada.
— Se está insinuando que ela é minha amante, fique sabendo que
está enganada. Nosso relacionamento é puramente profissional.
O ar de superioridade de Joss irritou-a e a fez revidar:
— E, por acaso, ela sabe disso?
Então, tendo dado vazão ao ódio, voltou a raciocinar com mais
clareza e percebeu o papel ridículo que fazia. "Meu Deus, o que houve
comigo?", perguntou-se, horrorizada. "Por que estou agindo desta
forma?" Não tinha o menor direito de querer saber da vida particular
dele.
— Me desculpe, sim? — pediu, encabulada, dando-lhe as costas. —
Não tenho nada a ver com sua vida particular.
— Mas, como boa mãe que é, quer ter certeza de que sua filha não
ficará exposta a más influências e companhias, certo? — O comentário
era sarcástico e veio acompanhado de um riso irônico. — Cathy, Sophy
já tem quase vinte e um anos. Não é mais criança, trata-se de uma
mulher adulta e casada.
Felizmente, Cathy havia lhe dado as costas. Joss entendera mal sua
preocupação, atribuindo sua curiosidade à preocupação maternal. Tanto
melhor.
— Sei que vocês são muito unidas e que você lhe dedica atenção
redobrada pelo fato de a menina não ter tido pai, mas chega uma hora
em que é preciso soltar os filhos para que aprendam a se defender
sozinhos. Se eu fosse você...
Se eu fosse você?! Aquilo já era demais! Revoltada, Cathy encarou
Joss sem tentar disfarçar as lágrimas:
— Mas não é, certo? — revidou, fechando os punhos. — Como ousa
entrar aqui na minha casa para vir me dizer como devo criar minha
filha? Quem você pensa que é para me criticar? Para seu governo, saiba
que não sou uma mãe possessiva nem preciso de sua ajuda para...
Porém, para seu desespero, a emoção roubou-lhe a fala e o choro
acabou por vencê-la. As lágrimas lhe corriam pelas faces e, furiosa
consigo e com Joss, Cathy as enxugou com o dorso das mãos. Por que
ele tinha de aparecer?
— Cathy... Oh, meu Deus, eu não quis magoar você...
— Não me toque! — ela advertiu, mas era tarde demais. Já estava
envolta por dois braços fortes e protetores que a obrigavam a recostar a
cabeça no peito másculo.
Cathy sentia o calor das mãos dele em suas costas, através do tecido
da blusa. Uma delas pousou em sua cintura, prestes a pressioná-la
contra ele, e imediatamente Cathy se retesou.
— Me solte — pediu com voz trêmula, ao se afastar. Era muito
perigoso ficar assim, tão próxima a Joss, aspirando-lhe a colônia, sendo
assaltada por recordações e sensações que há tempos não vivia. Seu
coração batia rápido, seus sentidos estavam aguçados; mais um pouco e
suas barreiras cairiam por terra.
Joss, porém, deu um passo à frente e tornou a abraçá-la. Suas mãos
se embrenharam nos cabelos de Cathy e ele lhe tocou o queixo de leve,
obrigando-a a fitá-lo.
— Olhe só para você — Joss murmurou, encantado. — Parece ter
descoberto a fonte da juventude. Parece uma garotinha, e não uma
mulher madura.
O medo a fez estremecer quando o viu aproximar o rosto do dela.
Joss, porém, vendo o pavor refletido nos olhos de Cathy, deteve-se,
temendo assustá-la ainda mais.
— O que houve, Cathy? Não está com medo de mim, está?
— N... não — afirmou, sendo sincera. Tinha medo de si mesma. —
Acontece que não estou acostumada a receber ordens de ninguém.
Agora, por favor, me solte.
Ele a soltou no mesmo instante, deu uns passos para trás e se
desculpou formalmente.
— Me desculpe. Acho que me deixei levar pela emoção.
Cathy ignorou o comentário.
— Você queria conversar a respeito de Sophy — lembrou-o. — Se
quiser vir até a sala de estar...
Assim era muito melhor, Joss concluiu. A frieza da voz dela deu-lhe a
entender que o que houvera entre os dois pertencia ao passado e que o
presente era diferente. Ela também estava diferente.
Em vez de levá-lo para a sala de estar, Cathy o conduziu para o
living, maior e mais formal, onde ela e Sophy raramente ficavam. Ali,
indicou-lhe uma poltrona de veludo próxima à lareira.
Joss aceitou o convite e sentou-se confortavelmente. Ele, com seu
impecável terno cinza, combinava muito melhor com o ambiente do que
Cathy, com sua blusa de algodão e calça jeans.
Ao se levantar, aquela manhã, Cathy fizera questão de não caprichar
na maquilagem nem na roupa. Penteara os cabelos e passara um batom
bem discreto. E fora melhor assim, pois nenhuma maquilagem resistiria
ao acesso de choro que tivera. Intimamente, lembrou-se dos sacrifícios
que um dia havia feito para impressioná-lo, quando se conheceram.
Passava horas diante do espelho, tentando parecer mais velha.
— Aceita um café? — perguntou-lhe, pondo um ponto final naquelas
lembranças.
— Não, obrigado. — E Joss foi direto ao assunto: — Cathy, quero
saber se você tem alguma objeção a que Sophy saiba quem eu sou e
tudo o que houve entre nós.
Apesar de já esperar pelo pedido, Cathy se assustou, como se tivesse
sido pega desprevenida. Depois de uma pausa, respirou fundo e relaxou
as mãos.
— Bem, o que posso dizer? Não tenho o direito de lhe negar isso.
— Mas preferiria que eu não me apresentasse, não é mesmo?
Preferiria que eu sumisse da vida de vocês?
Da vida de vocês. Então, ele não estava preocupado apenas com
Sophy? Cathy achava difícil decidir-se, pois, a bem da verdade, não seria
justo negar à filha o direito de conhecer o pai.
— Não sou eu quem tem de tomar esta decisão — afirmou, depois de
refletir sobre a questão. — Depois do que me contou ontem à noite, não
vejo por que Sophy não deva saber da verdade.
O olhar direto que ele lhe dirigia só tornava as coisas ainda mais
difíceis para Cathy:
— Você com certeza tem o endereço dela... A mãe de John...
— Me daria o endereço, se eu o pedisse. Mas não é isso que planejei.
Cathy, você acha mesmo que eu seria capaz de aparecer na casa dela,
sem ser anunciado, e ir dizendo: "Oi, Sophy, sou seu pai"? Ou será que
você preferiria que fosse assim? — insinuou, contraindo a fisionomia. —
Bem, acho que seria compreensível que você pensasse assim. Afinal,
depois de tantos mal-entendidos criados pela zeladora, não deve ter
muita consideração por mim.
— Você também tem o direito de sentir o mesmo com relação a mim
— ela ponderou com honestidade.
Mas Joss balançou a cabeça.
— Não, Cathy, eu não a culpo de modo algum. Se há algo... — Ele
suspirou. — Olhe, sei que tudo isso foi um choque para você, mas quero
que saiba que o choque não foi menor para mim. Depois de tantos anos,
saber que...
— Que tem uma filha — Cathy completou. — Sim, eu compreendo
que não deve ter sido fácil.
Cathy viu um brilho triste nos olhos dele e não conseguiu entender o
porquê.
— Eu ia pedir que você desse a notícia a Sophy por mim — ele disse,
num tom sério, pondo-se de pé. — Sei que é egoísmo da minha parte,
mas se você contasse a ela... — Joss deu um sorriso torto: — Não quero
chocá-la, entende?
— E prefere que eu conte.
Agitada, Cathy começou a andar de um lado para o outro, passando
as mãos pelos cabelos. De fato, Joss tinha razão: aquela seria a melhor
forma de revelar a verdade a Sophy. Com calma, seria capaz de explicar-
lhe exatamente tudo o que havia acontecido.
— Bem... eu teria de arranjar uma desculpa para ir visitá-los —
comentou. — Eles moram em Londres.
— Sim, eu sei. Também moro lá. Talvez você pudesse inventar umas
compras ou, quem sabe, dizer que precisa visitar uma amiga.
— Umas compras seriam o ideal. Sophy vive insistindo para que eu
gaste mais dinheiro comigo mesma. Poderia ir para passar um fim de
semana e... Preciso reservar um hotel...
— Deixe isso por minha conta — Joss afirmou. Então, como se
temesse pela resposta, indagou baixinho: — Quer dizer que concorda em
me prestar este favor?
Na verdade, Cathy preferia recusar-se a lhe prestar o favor, por mera
questão de autopreservação. Sabia que para tanto teria de revê-lo e
temia se deixar levar pelas lembranças do passado. Porém, ao fitá-lo, viu
tanta dor estampada em seus olhos cinzentos que engoliu o próprio
medo e acabou concordando:
— Está bem, concordo.
Um segundo depois Joss a abraçava com força, deixando-a quase
sem fôlego.
— Oh, Cathy... Cathy...
Joss murmurou seu nome com tanta emoção, enquanto afundava o
rosto em seus cabelos, que Cathy também se emocionou. Sensata,
punha-se no lugar dele e compreendia o que Joss devia estar sentindo
naquele instante. Fariam tudo por amor a Sophy.
— Como poderei lhe agradecer?
Ela se afastou e o olhou bem dentro dos olhos:
— Me prometendo que jamais fará qualquer coisa que possa magoá-
la.
— Eu prometo — ele afirmou, de maneira solene, e, numa atitude
inesperada, curvou-se para a frente, roçando os lábios nos dela.
Cathy ficou paralisada. O choque a fez arregalar os olhos e, um
segundo depois, Joss pressionava-lhe os lábios com mais força.
Imediatamente a chama do desejo se acendeu dentro de Cathy, mas,
antes que pudesse reagir, ele já havia se afastado.
— Obrigado, Cathy. Jamais esquecerei.
Ela também não.
Joss virou-se e caminhou em direção à janela.
— Sophy e John só voltarão do Caribe no sábado que vem — ela o
informou, com voz trêmula. — Depois, acho melhor dar-lhes um tempo
até que se acostumem à nova vida. Uma semana, quem sabe...
— Certo — ele concordou. — Então, combinaremos todos os
detalhes. Pretende ir a Londres de carro ou de trem?
Ela ainda não havia pensado nisso.
— Não sei... De trem, acho. Por que pergunta?
— É só você me informar a hora da chegada e mandarei alguém ir
buscá-la na estação.
Cathy ia protestar mas calou-se.
— Quer almoçar comigo?
O convite, tão súbito, deixou-a lisonjeada e a fez enrubescer.
— É... é muita gentileza sua, mas... acho que não... — gaguejou, sob
o olhar implacável de Joss.
— Algum problema, Cathy? — ele perguntou, em tom de desafio.
— Não, nenhum. Não precisa se sentir na obrigação de me levar para
almoçar, Joss. Já concordei em falar com Sophy e... além disso, tenho
muito serviço para...
— Sei...
Cathy não entendeu por que ele a olhava de maneira tão zangada.
Joss devia estar aliviado com sua recusa.
— Que tal jantarmos juntos, então? — ele insistiu. — Ou você já tem
compromisso?
Compromisso... Seus únicos compromissos eram profissionais.
— Não, não tenho. Como já disse, não levo esse tipo de vida.
Cathy não o viu estudá-la com um olhar curioso e cheio de pena.
— E então? Aceita o convite para jantar comigo hoje?
Mesmo sabendo que cometeria um erro, Cathy deixou o bom senso
de lado e aceitou:
— Se é o que você quer...
— Puxa, quanto entusiasmo! Mas não mereço mais do que isso.
Venho buscá-la às oito, está bem?
Apreensiva, ela assentiu, consultando o relógio. Aquela visita não
durara muito, mas tinha a sensação de que durara séculos. Joss deu-
lhe as costas e Cathy o acompanhou até a porta.
— Até mais tarde — Joss disse, ao se despedir.
— Até mais tarde...
Já arrependida, Cathy o viu sair.

Mas o arrependimento maior viria depois, quando, por volta das seis
horas, abriu o guarda-roupa para escolher o que vestir. Embora fosse
uma pessoa simples, não poderia ir a um restaurante para jantar
usando uma blusa e calça jeans. Porém não tinham nenhum traje que
pudesse ser chamado de... glamoroso. Aliás, não tinha intenção de
parecer glamorosa aos olhos de Joss.
Olhando com mais atenção, viu uma caixa vermelha numa das
prateleiras e, franzindo a testa, tirou-a do armário.
No Natal passado, quando se recusara a ir à ceia na casa de Lucy
alegando não ter o que vestir, Lucy a presenteara com um vestido
dizendo-lhe que não tinha desculpa para não ir à festa.
Cathy acabara aceitando o convite, mas não fora com o vestido que
ganhara da amiga.
Insegura, pegou a caixa, colocou-a sobre a cama e abriu-a. Dobrado,
o modelo parecia simples e comum, sem nada de especial, mas, no
corpo, o vestido ficava lindo. Lembrou-se de que ficara zangadíssima
com a amiga por causa da escolha, mas Lucy insistira em que a roupa
combinava perfeitamente com ela.
Nesse caso, devia ser um lado de sua personalidade que ela própria
desconhecia, concluiu Cathy, ao erguer o vestido da caixa.
O modelo tinha decote careca na frente, rente ao pescoço, e era
praticamente sem costas. O jérsei preto, discretamente brilhante, lhe
aderia às curvas, deixando pouco à imaginação.
Mordendo o lábio inferior, Cathy continuou a observá-lo. O vestido
era, sem dúvida, muito sexy, sofisticado; enfim, tudo o que ela
normalmente evitava. O tipo de roupa que uma mulher escolhe para sair
com o namorado e para manter as outras mulheres afastadas de seu
homem.
Bem, de qualquer jeito, iria prová-lo.
Vários fins de semana trabalhando no jardim haviam lhe conferido
um ligeiro bronzeado bastante saudável. O vestido, exatamente como se
lembrava, era aderente e provocante. Ele lhe revelava uma faceta oculta,
sedutora, que insistia em esconder.
Aquele vestido era perfeito para uma mulher audaz e sensual, Cathy
pensava, não para alguém que levava uma vida celibatária e reclusa.
Porém, era o único que tinha adequado para a ocasião. Se não fosse
esse, teria de repetir o mesmo modelo formal que usara no casamento de
Sophy. E que Joss já conhecia, admitiu, odiando-se por isso.
Sem alternativa, acabou se conformando em usá-lo.
Bem feito, a culpa era toda dela. "Quem mandou aceitar o convite?",
perguntava-se. Afinal, ele só a convidara por obrigação, para mostrar o
quanto lhe era grato.
O problema era que reagia à presença dele como uma perfeita
adolescente de dezesseis anos, o que era ridículo. Ambos tinham se
transformado em adultos e só haviam se reencontrado por um acaso do
destino. A situação era difícil para os dois: Joss se desdobrava para
tratá-la com cortesia e educação, e ela deveria fazer o mesmo, agindo de
forma madura.
Porém seu coração parecia não ter preconceito de idade e pulava em
seu peito toda vez que pensava em Joss. E seu corpo reagia com tanto
vigor à lembrança dos momentos de prazer que um dia viveram que, a
toda hora, fazia-a enrubescer.
Incrível como tudo isso era um processo poderoso. Afinal, durante
anos vivera sozinha, conseguindo sufocar o desejo que vez por outra a
consumia, levando uma vida pacata e caseira, e agora...
Por outro lado, não era difícil explicar o que acontecia. Joss fora seu
primeiro e único amor, o pai de sua filha, motivo pelo qual havia se
imposto aquela vida celibatária. Portanto, não era de se estranhar que
reagisse daquela forma à presença dele.
Entretanto, nem por isso a situação deixava de ser embaraçosa.
Joss não era tolo e tampouco levara uma vida celibatária. Fora
casado, agora era divorciado... E havia aquela secretária que o
acompanhava a toda parte, com ares possessivos. Era evidente que a
moça alimentava esperanças de se tornar a sra. Bennett. Só ele não via
isso.
Quanto tempo levaria até que Joss percebesse que os tremores e a
ansiedade que se apoderavam dela quando o via eram frutos de um
sentimento maior e mais profundo?
Arrepiava-se só de pensar na reação dele... Poderia chegar à
conclusão de que ela estava usando Sophy com um pretexto para se
aproximar mais dele, para forçar uma intimidade...
O melhor a fazer seria evitar encontrá-lo. Excelente dedução. Porém
já havia aceitado o convite para jantar, aquela noite, e se comprometera
a ir a Londres falar com Sophy, o que implicaria mais um encontro.
"Ora, vamos", repreendeu-se, enquanto se aprontava. "Você é uma
mulher adulta e perfeitamente capaz de se controlar. Não precisa ficar
aparvalhada toda vez que se aproxima de Joss. Onde está seu
autocontrole?"
Mas o quê, afinal, sentia por Joss?, Cathy se perguntou, olhando
para a própria imagem refletida no espelho. Depois do choque inicial,
sentira um imenso alívio por não ter mais de odiá-lo. Agora, sentia-se
livre para... para... Amá-lo? Não, não podia ser.
Muitos anos haviam se passado, já não eram mais os dois
adolescentes apaixonados de antigamente. Ambos haviam mudado e
nem poderiam dizer que se conheciam. Não podia amá-lo. Estava apenas
transferindo para o homem que Joss se tornara a fixação que tivera pelo
rapaz que um dia amara.
Consciente de seu comportamento ridículo, Cathy chegou à
conclusão de que era hora de passar a agir de maneira mais racional.

CAPÍTULO V
E foi com a firme determinação de tirar Joss de seu coração que
Cathy abriu a porta para recebê-lo, minutos antes das oito horas.
Assim que o ouvira estacionar o carro, apanhara o xale preto de lã
que escolhera para combinar com o vestido e estava pronta para
acompanhá-lo.
Depois de trancar a porta de casa, caminhou com dificuldade pelo
pedregulho em direção ao carro de Joss. Raramente usava salto alto e
até já havia se esquecido do desconforto que aquelas sandálias podiam
trazer. Mas eram as únicas que combinavam com o vestido e,
conformada, Cathy prestava atenção aos pontos onde pisava.
Observando-a, Joss não conteve o riso.
— Nunca consegui entender por que as mulheres gostam de se
torturar com esses sapatos tão altos.
Estendendo o braço, ele amparou-a até o carro, onde Cathy se
recostou, aliviada, até que Joss destrancasse a porta. Porém ela notou
que, em vez de contornar o carro de volta para o lado do motorista, Joss
deteve-se olhando-a de cima a baixo. Cathy sentiu sua respiração
suspensa.
Há quanto tempo um homem não a olhava daquela forma? Há
quanto tempo não se interessava por um homem a ponto de querer
atrair-lhe a atenção? Lucy e Sophy viviam criticando-a por sua atitude
de desinteresse com relação ao sexo oposto, alegando que nem sequer
notava quando um deles a flertava. Mas era impossível não reparar no
modo como Joss a fitava. Completamente constrangida, não sabia o que
fazer.
O silêncio entre eles começava a se tornar embaraçoso e, por sorte,
passou pela rua naquele instante um caminhão barulhento, tirando-os
daquele torpor.
— Sinto muito que não tenha gostado das minhas sandálias, mas
eram as únicas que combinavam com o vestido. — Foi a única coisa que
Cathy encontrou para dizer.
Uma sombra cruzou o olhar de Joss no momento em que ele se
afastou:
— Isso quer dizer que não lhe sobra muito dinheiro para esses
supérfluos, não é Cathy? É... a vida deve ter sido muito difícil para você
e Sophy.
Cathy, sem graça, olhou para o chão:
— Financeiramente até que não foi tão difícil. Meus pais nos
sustentavam com todo conforto e, depois, quando morreram... Bem,
ficamos com o dinheiro do seguro.
Cathy calou-se. Era sempre difícil tocar naquele assunto. E, na certa,
Joss não estava nem um pouco interessado nos detalhes que ela teria
para lhe contar. Mas, ao erguer o rosto, Cathy assustou-se, ao ver que
ele permanecia exatamente no mesmo lugar.
— Eu já tinha me esquecido do quanto você é honesta — Joss
comentou, pensativo. — Acho melhor irmos indo. Reservei uma mesa
para nós no Roux. Me disseram que é muito bom.
Ao ouvir o nome do restaurante, Cathy ficou feliz por ter se decidido
a usar o vestido. O estabelecimento era novo, sofisticado e fora instalado
numa casa de campo a alguns quilômetros da cidade.
Pelo menos, do ponto de vista profissional, a noite poderia ser
bastante lucrativa. Ela e Lucy não tinham intenção de competir com o
cozinheiro trazido da França especialmente para o restaurante dos
irmãos Roux, mas era sempre interessante ver um menu diferente e
aproveitar alguma novidade.
Ela e Lucy faziam questão de oferecer, no Removable Feasts, alguns
pratos finíssimos, do tipo que as donas de casa nunca encontravam
tempo para preparar. Tinham até ficado sabendo que algumas mentiam
para os convidados, atribuindo a si mesmas a confecção dos pratos.
Joss abriu-lhe a porta do carro e ajudou-a a entrar. O simples
contato de suas mãos a fez estremecer. Ele percebeu sua reação e
perguntou:
— Está com frio?
Cathy balançou a cabeça em negativa e acomodou-se no banco de
passageiros, consciente de que enrubescera.
Joss entrou no carro, deu a partida e acelerou devagar.
Demonstrando um gosto musical refinado, colocou uma fita de música
clássica no toca-fitas, tornando o percurso extremamente agradável.
— Se não gostar desse tipo de música, posso desligar — Joss avisou,
mas ela protestou:
— Não, eu gosto muito.
Joss trocou de marcha e comentou de modo afável:
— Engraçado, nunca chegamos a discutir nossos gostos, não é?
A maciez da voz dele ameaçava a pouca segurança de Cathy.
— Nem foi preciso, não acha? Se bem me lembro, estávamos muito
mais interessados em nossas qualidades físicas do que nas intelectuais.
O comentário ácido soou indelicado aos seus próprios ouvidos. Cathy
sabia que estava apenas tentando se proteger, mas culpava-se por ter
sido grosseira.
— Não concordo — ele protestou. — Conversávamos bastante. Pelo
menos, eu falava. Hoje vejo que era um bocado egoísta, naquela época.
— E acrescentou entre dentes: — Em todos os sentidos... Nem fiquei
sabendo o seu sobrenome.
O comentário a fez baixar as defesas, e Cathy imediatamente
procurou confortá-lo:
— Não é verdade. Eu achava ótimo você falar bastante porque era
muito tímida e confesso que você me encabulava.
— É mesmo? — ele perguntou, verdadeiramente admirado. — Pois
disfarçava muito bem, porque nunca notei. Eu só conseguia pensar no
quanto estava apaixonado e queria que todos me vissem circular com a
garota mais bonita da cidade. Nunca tive a intenção de magoá-la,
Cathy...
— Eu sei — ela admitiu. E, como começassem a enveredar por um
terreno perigoso, acrescentou: — Mas isso tudo faz parte do passado.
Mudamos muito, nesses anos todos, ficamos adultos. O que passou,
passou.
— Está falando sério? — ele perguntou, num desafio. — Acha mesmo
que tudo passou? Afinal, temos uma filha linda como fruto do nosso
amor.
Aliviada, Cathy o viu estacionar na frente do restaurante, salvando-a
de uma resposta. Porém, assim que desligou o motor do carro, Joss
virou-se no banco e disse-lhe:
— Tem razão. É inútil ficarmos discutindo o que passou.
A refeição não a desapontara em absoluto; era tudo o que imaginara
e mais. O restaurante funcionava sob o sistema de buffet, onde os
clientes, caso quisessem, provavam de todos os pratos.
Terminado o jantar, o garçom informou-lhes que o café poderia ser
servido na pequena saleta anexa ou no salão, para os que preferissem
dançar ao som de um conjunto.
— O que você prefere? — Joss levantou-se e puxou-lhe a cadeira. —
A saleta ou o salão?
— A saleta — Cathy afirmou, sem vacilar. — Já passei da idade de
dançar.
No mesmo instante ele franziu a testa:
— Deve ser a quinta vez, esta noite, que você faz referência à sua
idade. Não entendo por quê. Acho que está querendo lembrar que já
passei dos quarenta. Cathy, você tem apenas trinta e sete anos; nem
chegou à idade que os franceses consideram ideal para as mulheres. No
entanto, fala como se fosse uma senhora idosa!
— Lembre-se de que não estamos na França — ela revidou, ao
levantar-se.
Será que ele realmente achava que estava à procura de elogios, cada
vez que tocava no assunto de idade? Sua única intenção era deixar-lhe
bem claro que já não eram mais adolescentes.
Embaraçada, caminhou em direção à saleta, mas Joss alcançou-a
antes que entrasse e, segurando-a pelo braço, conduziu-a com firmeza
ao salão.
— Você pode se considerar uma senhora de idade — ele comentou,
divertindo-se —, mas eu ainda me acho apto a desfrutar do prazer da
dança. Principalmente acompanhado de uma bela mulher.
Cathy sentiu-se ultrajada com a atitude dele e afastou-se, puxando o
braço:
— Não sou como as outras mulheres, Joss — afirmou, alterada. —
Não precisa ficar me elogiando nem fingir que me considera uma mulher
atraente.
Estavam parados a poucos metros da entrada do salão e, sem uma
palavra, ele tornou a segurá-la.
— O que a faz pensar que não a considero atraente? — perguntou, de
modo frio e impessoal.
Ela cerrou os lábios antes de responder:
— Agradeço o convite para o jantar; não precisa fazer mais nenhum
sacrifício.
— Sacrifício?! — Joss ergueu as mãos para o alto e segurou-lhe o
braço de novo. — Cathy, se aos trinta e sete anos está convencida de
que não é mais uma mulher atraente e sensual, deve me achar um
velho, com quarenta e dois!
— Não seja ridículo. Com os homens, é diferente.
— Hoje em dia, as coisas mudaram muito. E para melhor! Veja
quantas mulheres de quarenta, cinqüenta anos, continuam sedutoras:
Sophia Loren, Jane Fonda e tantas outras. Será que realmente se
considera uma velha ou usa a idade como pretexto para se esconder e se
furtar a certas coisas?
— Não sei do que você está falando — Cathy mentiu.
— Ah, não? Me diga uma coisa: quantos homens você conheceu
desde que teve Sophy?
Ela deu um suspiro, já farta daquela conversa:
— Isso não é da sua conta. Saiba que...
— Não, não é — ele interrompeu —, mas você ainda não me
respondeu. Acho que está deliberadamente tentando ocultar sua
sexualidade, fingindo a si mesma que não é mais desejável. Abra os
olhos, Cathy. Você é uma mulher jovem e bonita.
Joss tocou-lhe o queixo e forçou-a a encará-lo, mas ela resistiu.
Então ele foi mais claro:
— Será que não percebe o quanto está me fazendo sentir culpado?
Foi por minha culpa que você desenvolveu essa idéia ridícula de que é
indesejável? Foi por pensar que eu a rejeitei? Porque, se for...
Para ela, já era demais:
— Não foi por sua causa — mentiu de novo. — Não precisa se sentir
culpado. Satisfeito?
A noite rapidamente se transformava num pesadelo. Joss estava
forçando a situação, ignorando os sinais de alerta que ela emitia. Parecia
se comprazer em tocar em certos assuntos que Cathy preferia esquecer.
Ao ver que ele continuava a fitá-la com uma expressão de dúvida,
revidou num tom amargo:
— Você não acha que está sendo muito arrogante, Joss? Está certo,
não tive muitos namorados depois de você, mas não foi por sua causa.
Primeiro, Sophy era pequena e ocupava todo o meu tempo; depois...
Bem, sempre gostei de viver assim.
Ela viu que Joss a estudava com uma expressão estranha.
— Cathy — ele disse com voz rouca —, está tentando me dizer que
não houve mais ninguém na sua vida depois de mim?
Era tarde demais para fugir: caíra feito boba na armadilha. Cathy o
fitou com os olhos arregalados e, logo em seguida, desviou o olhar,
desejando poder mentir. Mas se sentiu incapaz.
— Ouça, não vejo por que discutirmos este assunto — disse, pondo-
se imediatamente na defensiva. — Estou cansada e gostaria de voltar
para casa. Tive um dia muito atarefado.
— Mas ainda não tomamos café — ele lembrou.
E, sem mais uma palavra, conduziu-a a uma das mesinhas discretas,
dispostas sob as sombras da folhagem que enfeitavam o salão.
O conjunto tocava uma valsa e diversos casais dançavam na pista, a
maioria bem mais jovens do que Cathy imaginara. Muitos, ali, não
deviam ter mais do que vinte e cinco anos.

O café veio acompanhado de uns chocolates caseiros deliciosos, mas


Cathy não se sentiu tentada. Aborrecia-se com o fato de Joss insistir em
tentar arrancar-lhe fatos e verdades que preferia guardar só para si.
Distraída, bebeu o café, e olhava para dentro da xícara vazia quando
o ouviu perguntar:
— Gostaria de dançar?
E, antes que pudesse recusar o convite, viu-o levantar-se e puxá-la
para a pista.
Era a primeira vez que dançavam juntos, e, por estar tensa e
ansiosa, Cathy tinha medo de se atrapalhar com os passos e acabar
pisando no pé dele. Porém, tão logo Joss a pegou nos braços, uma
espécie de magia os envolveu e, em poucos segundos, Cathy viu-se
deslizando graciosamente pela pista, seus passos perfeitamente
coordenados aos dele. Era como se sempre tivessem dançado juntos.
Cathy já havia dançado várias vezes, em diversas festas, com
diferentes parceiros, mas jamais experimentara algo parecido com a
deliciosa sensação que desfrutava nos braços de Joss. Com firmeza e
elegância, ele a conduzia pela pista, fazendo-a sentir-se uma deusa.
Sentir a mão quente e firme de Joss na curva de suas costas, expostas
pelo decote ousado do vestido, senti-lo pressioná-la contra o seu corpo
másculo, deixava-a extasiada.
Consciente do efeito que tinha sobre Cathy, Joss puxou-a para si de
tal modo que percebesse o quanto estava excitado, e divertiu-se ao vê-la
enrubescer, completamente encabulada.
— O que foi, Cathy? — murmurou-lhe junto ao ouvido. — Ainda não
está convencida de que é uma mulher extremamente desejável?
Cathy preferiu calar-se, não confiando em sua voz. Se gaguejasse,
iria morrer de vergonha. Seu corpo, no entanto, parecia responder por si
só àquela proximidade e uma onda de calor invadiu-a. Há poucos
instantes, exigia que ele a soltasse; agora, rezava para que a música não
terminasse para que Joss não reparasse no quanto estava perturbada,
já que o tecido colante do vestido revelava-lhe os mamilos intumescidos.
Se ele a afastasse agora...
Cathy começou a suar só de pensar no que aconteceria, mas, no
instante seguinte, insegura, imaginava se Joss não teria... se excitado
pensando em uma outra garota, só para demonstrar-lhe que tinha
razão.
Fazendo de tudo para controlar as emoções, Cathy assentiu, quando
a música seguinte começou e Joss lhe pediu que continuassem a
dançar.
No entanto, a tática não surtiu efeito, pois, terminada a canção, seu
corpo continuava a desejá-lo intensamente. Aflita, afastou-se, quando
ele a soltou, e deu-lhe as costas mais que depressa, se dirigindo à mesa.
Ao sentar-se, pegou imediatamente o xale e o colocou sobre os ombros,
puxando-o para a frente.
— Está com frio? — ele perguntou, solícito, ao vê-la se agasalhar.
— Um pouco. E cansada, também. Gostaria de voltar para casa, se
não se importa.
Por um momento, Cathy teve a impressão de ter visto um certo
desapontamento expresso no olhar dele e achou que Joss ia protestar.
Mas Joss disse, simplesmente:
— É melhor irmos mesmo... Tenho de acordar cedo amanhã para
resolver uma porção de problemas no escritório. Parto para a Alemanha
segunda-feira pela manhã, a negócios.
— Sua secretária vai com você? — ela perguntou, de ímpeto,
arrependendo-se no mesmo instante. Encabuladíssima, desculpou-se: —
Me perdoe.
— Não há motivo para se desculpar. Nem sempre ela me acompanha
em viagens ao exterior, mas, desta vez, vou levá-la comigo. Ela fala
alemão melhor do que eu.
"Eu estava certa", pensou Cathy, amargurada. "Era nela que Joss
pensava enquanto dançávamos. Não me admira que tenha concordado
tão depressa em irmos embora."

Ao chegarem de volta à casa de Cathy, pairava uma tensão


constrangedora entre ambos. Apesar de seu pedido para que a deixasse
na rua, Joss fez questão de entrar com o carro e estacioná-lo em frente à
porta da sala.
— Não precisa ficar com medo, Cathy — ele disse, depois de desligar
o motor e virar-se no banco. — Não vou atacá-la.
A ironia com que Joss falara a fez revidar:
— Nunca me ocorreu isso.
— Ah, claro! Você não se julga atraente o bastante para provocar os
homens, não é?
Quando Joss tornou a virar-se de frente, Cathy percebeu que agia de
forma ridícula e se desculpou:
— Me perdoe, sim? É que foi tudo um choque para mim e...
Joss estendeu os braços e segurou-lhe as mãos.
— Eu também lhe peço desculpas. Aqui estou eu, um homem
maduro, de quarenta e dois anos, me comportando como um tolo
imaturo. Não sei o que aconteceu comigo.
— Não gostaria de entrar para tomar alguma coisa? — ela o
convidou, num impulso.
— Boa idéia; ainda temos uns assuntos para discutir. Não quero que
se sinta pressionada a agir como mensageira entre mim e Sophy. Se
você não quiser...
— Nem pense nisso — Cathy respondeu logo, para tranqüilizá-lo. —
Nestas circunstâncias, acho que sou a pessoa certa para lhe falar.
— Porque ela pode não acreditar em mim, não é? — Joss insinuou,
tristonho. — Pudera, não seria de se admirar...
Juntos, entraram em casa e foram direto para a cozinha, onde Cathy
prepararia um café, Joss recusara um uísque. Vê-lo ali em sua própria
cozinha, preenchendo o vazio deixado pela ausência de seus pais e de
Sophy, fez Cathy se emocionar. Então, ocorreu-lhe uma idéia:
— Se você estiver interessado, tenho uns álbuns de fotografias de
Sophy.
Ura sorriso terno iluminou a fisionomia de Joss.
— Eu adoraria vê-los.
— Vou buscá-los. Você pode vê-los na sala enquanto preparo o café.
Ao passar depressa por ele, Cathy não notou o risinho divertido que
Joss deu ao vê-la evitar cuidadosamente roçá-lo.
Os álbuns estavam no andar de cima, no quarto que pertencera a
seus pais. Cathy apanhou-os e os levou para a sala, onde Joss sentara-
se para vê-los. Seu pai era um apaixonado por fotografia e deixara um
imenso registro da infância e adolescência da neta, da mesma forma que
fizera com a filha.
Cathy voltou para a cozinha e preparou o café. Joss estava tão
entretido com os álbuns, que nem notou a entrada dela na sala com
uma bandeja nas mãos.
De trás da cadeira dele, Cathy podia ver as fotos da filha: Sophy de
rabo-de-cavalo, sem os dentinhos da frente, montada em sua primeira
bicicleta; Sophy de macacão de lã vermelho tricotado pela avó,
abraçando um boneco de neve...
— Sophy é muito parecida com você — disse, sorridente.
Joss pousou o álbum no colo e voltou-se para fitá-la:
— E, ainda assim, você foi capaz de amá-la?
O comentário pegou-a desprevenida e, por um momento, Cathy não
soube o que dizer. Será que Joss havia percebido que ela nunca chegara
a odiá-lo? Sua primeira reação, ao dar à luz e ver que a menina era a
cara do pai, fora de pura alegria.
— Há uma foto de vocês duas juntas que está linda — ele comentou,
voltando para o início do álbum. — Que idade Sophy tinha aqui?
Era uma foto que seu pai tirara dela logo depois de Cathy sair da
maternidade. Sophy tinha dez dias. Cathy estava sentada junto a um
canteiro de rosas.
— Ela estava com dez dias...
Incrível como uma simples foto conseguia transportá-la no tempo e
trazer as mesmas emoções do passado: a alegria e o orgulho de chegar
em casa com a filha nos braços, a preocupação com relação ao futuro da
menina, sua solidão e o desejo de que Joss estivesse ali ao seu lado.
— E você era uma criança... — ele murmurou, revoltado, fechando o
álbum depressa. — Eu fui um crápula! Se alguém fizesse com Sophy o
que fiz com você... Cathy, o que seu pai pensava de mim?
— Papai era um homem carinhoso, compreensivo. Fazia todo o
possível para me facilitar a situação. Me lembro que, um dia, após
conversarmos sobre algo que me atormentava, ele refletiu e me disse que
todos nós, de vez em quando, temos atitudes das quais nos
arrependemos mais tarde, nos envergonhamos... E me convenceu de que
eu não devia procurá-lo.
— Então, você queria me procurar?
— É... cheguei a pensar nisso, sim. Estava apavorada e amava você.
Ou, pelo menos, pensava que amava — Cathy emendou depressa. —
Acho que, naquela época, ainda nem sabia o que era o amor, mas papai
me fez ver que, se eu o procurasse, iria prejudicar sua família. Por fim,
me convenci de que ele tinha razão. Papai me mostrou que a questão
envolvia muito mais coisas, além dos meus próprios sentimentos.
— Ele pareceu que foi um homem muito ponderado.
— Foi mesmo. Ele e mamãe nos amavam demais. Por isso, não fique
se sentindo tão mal, Joss — disse-lhe com sinceridade, tocando-lhe o
braço de leve. — Eles foram maravilhosos para nós duas, e papai até se
aposentou mais cedo para poder ficar mais tempo com a neta. Sophy
nunca sentiu falta...
— ...do pai — ele completou. — Não, tenho certeza de que não. Na
verdade, pelo que você me diz, foi até melhor, para ela, não ter me
conhecido. Sophy teve uma mãe devotada, avós carinhosos que lhe
deram tudo o que precisava: carinho, conforto, segurança... Tenho
certeza de que ela não deve ter sentido minha falta. — Joss falava com
tanta revolta, que Cathy contornou a cadeira e o fitou, surpresa.
— Mas, e eu, Cathy? — Joss prosseguiu com amargura. — Eu não
tive a mesma sorte que ela. Não há nada no mundo que possa
compensar o que deixamos de compartilhar. Eu daria tudo o que tenho
para ter estado ao lado de Sophy durante sua infância.
— Mas você era livre para se casar, ter filhos...
— Sim, era. Infelizmente, as coisas não saíram como planejei. Minha
esposa alegava que não havia espaço para filhos em sua vida e, quando
a pressionei para termos um bebê, ela preferiu pedir o divórcio.
— Mas você poderia ter se casado de novo!
Joss riu com ironia:
— É assim que você me vê? Como um homem insensível que, depois
de ter passado por uma experiência tão dolorosa quanto o divórcio, parte
com a maior facilidade para um segundo casamento? Aliás, você não foi
a única a carregar certos traumas do nosso relacionamento, sabia? —
confidenciou. — Levei muito tempo, até superar o choque de ter sido
abandonado por você, a garota que mais amei. Quando me senti inteiro
novamente, já estava com trinta anos, uma idade difícil, em que se
começa a pensar com mais seriedade sobre o futuro.
Cathy ouvia aquelas revelações com a maior atenção. Joss
prosseguiu:
— E foi pensando no meu futuro que me casei. E cometi o maior erro
da minha vida. Um erro que não pretendo repetir. — De pé, pôs o álbum
sobre a mesa. — Se não se importa, acho que vou dispensar o café.
Tenho de acordar muito cedo amanhã.
Cathy o acompanhou até a porta.
— Obrigada pelo... passeio. Foi muito agradável — afirmou, ao vê-lo
virar-se de frente para ela.
A luz da rua acentuava os ângulos do rosto de Joss, dando-lhe uma
aparência sombria e misteriosa, mas não menos atraente.
— Agradável? Ora, não minta, Cathy. Você odiou os momentos que
passamos juntos.
Ele se afastou e Cathy permaneceu parada na porta, vendo-o entrar
no carro e instantes depois sumir na distância. Incrível que um homem
tão experiente como Joss não tivesse percebido a verdade: adorara
aquele passeio, adorara a companhia dele. Nunca, nem na mais remota
fantasia, imaginara que um dia sairia para jantar com Joss...
Suspirando, Cathy fechou a porta, apagou a luz da sala e foi para a
cozinha tomar um café. E lá ficou, perdida nos próprios pensamentos.
CAPÍTULO VI
Antes de voltar para Londres, Joss despediu-se de Cathy por
telefone. Os dias passaram voando.
No sábado à noite, Sophy ligou para a mãe e ficou muito feliz quando
soube que ela a visitaria no próximo fim de semana.
— Venha na sexta, mamizinha, embora não dê para você ficar no
nosso apartamento, que só tem um quarto, quero muito falar com você
— a garota disse. — Estou morrendo de saudades. No sábado podemos
sair juntas.
— Não se preocupe, meu amor — Cathy a tranqüilizou. — Ficarei
num hotel e pode me esperar: na sexta-feira estou aí em Londres com
você!
Os dias que antecederam a viagem de Cathy a Londres foram muito
atribulados.
Na quarta-feira, o pneu furou, na volta para casa, e ela foi obrigada a
tirar tudo de dentro do carro para poder trocar o pneu.
Quinta-feira pela manhã houve um corte na energia elétrica, justo
quando preparava e congelava uns pratos que costumavam ter de
reserva. E à noite, logo antes que saísse de casa com os pratos e o
equipamento para uma festa de bodas de prata, uma de suas auxiliares
telefonou dizendo que não estava se sentindo bem e não poderia
trabalhar aquela noite.
Mais que depressa, Cathy telefonou para todas as outras auxiliares
que contratava em caráter temporário, mas não conseguiu ninguém
para substituir a garota doente. Porém, como Lucy teria de trabalhar
dobrado durante o fim de semana, Cathy recusou sua oferta de ajuda e
fez tudo sozinha, contando apenas com duas ajudantes para servir o
banquete.
Felizmente, tudo correu bem, mas o relógio já marcava quatro horas
da manhã, quando, afinal, Cathy conseguiu deitar-se.
O ruído estridente do despertador, marcando mais de dez horas da
manhã, a fez esticar o braço, resmungando, para tentar desligá-lo.
Então, Cathy lembrou-se de que era dia de viajar!
Assustada, sentou-se na cama e correu para o banheiro, onde tomou
um banho gelado na esperança de espantar o sono.
O dia estava quente e ensolarado, e o único traje apropriado para a
viagem a Londres era o vestido que usara no casamento de Sophy. Por
sorte, o modelo era clássico e próprio para ser usado em qualquer
ocasião.
Sem tempo para perder, tomou uma xícara de café bem quente e
voltou para o quarto, onde pôs meia dúzia de peças de roupa numa
valise. Se, ao chegar a Londres, notasse que havia esquecido algo, seria
obrigada a comprá-lo por lá mesmo.
Exausta e acalorada, chegou à estação poucos minutos antes de o
trem partir. Mais aliviada, afundou-se no assento da cabine confortável,
bendizendo a hora em que se dera ao luxo de reservá-la com
antecedência. O trem estava lotado. Ao observar o movimento dos
últimos passageiros a embarcarem, reconheceu intimamente que o
motivo principal de seu nervosismo não era o fato de ter acordado
atrasada, mas, sim, a expectativa de rever Joss.
Enquanto o trem ia lentamente saindo da estação, Cathy ensaiava a
melhor maneira de falar com Sophy. Ela ficaria chocada, naturalmente,
mas se sentiria orgulhosa por ser filha de um homem tão bonito e
charmoso. Com o tempo, a figura do pai se tornaria querida de Sophy,
pois ela veria que Joss a amava e era digno de seu carinho.
Sim, Sophy ficaria encantada. Mas um pouco triste também, ao
pensar nos anos e nas alegrias que poderia ter compartilhado com o pai.
Cathy sentia-se bastante insegura. Os laços que a uniam à filha já
não eram tão fortes como antigamente. Mas o que poderia esperar? Que
a garota ficasse para sempre dependente dela?
Não tinha cabimento, bem o sabia. Sophy tinha vida própria e agora
se casara.
Mas o que Cathy temia mesmo era ficar de lado na relação que se
iniciara entre Joss e a filha.
A lógica tentava falar mais alto que a emoção e dizia-lhe que era
perfeitamente compreensível que Sophy e Joss quisessem se conhecer;
afinal, eram pai e filha. Porém, morando em Londres... com certeza ele a
veria com mais freqüência...
Sentindo o coração apertado de ciúme, Cathy fechou os olhos e
recostou a cabeça contra o vidro da cabine.
Era ridículo, mas tinha de admitir a si mesma que sentia ciúme da
intimidade natural que brotaria entre os dois.
Com a garganta seca, abriu os olhos, ao ver uma moça se aproximar
com um carrinho, oferecendo bebidas e sanduíches. Depois de escolher
um sanduíche de queijo — não tivera tempo de comer nada antes de sair
—, desembrulhou-o e começou a comê-lo devagar. Porém logo percebeu
não estar com o mínimo apetite, e o deixou de lado.
Aborrecida, disse a si própria que precisava parar de pensar em Joss
com tanta insistência. Era um absurdo desperdiçar tempo e energia com
aquela idéia fixa. Só porque ele havia dito que sua vida amorosa não
fora exatamente feliz e só porque a criticara por não se considerar
atraente não significava que...
Não significava o quê?, perguntou-se. Que a achava atraente e
desejava que as coisas tivessem sido diferentes? Seria tão tola a ponto
de acreditar nisso? Já tinha idade e maturidade bastante para entender
que o fato de ele lamentar o passado e de querer estreitar o
relacionamento com a filha não significava que pretendesse incluí-la
também.
À medida que o trem se aproximava de Londres, dizia-lhe a voz do
bom senso que já era tempo de deixar de acreditar em bobagens
românticas e ficar sonhando acordada. E sentiu-se mal só de pensar na
figura patética em que se transformaria, caso começasse a crer que
milagres de fato existiam e que Joss continuava a amá-la como há vinte
anos.
Bastara vê-lo para que a chama do amor se reacendesse em seu
peito. Justo ela, que se considerava até então uma pessoa equilibrada e
experiente, com perfeito domínio sobre suas emoções. De uma hora para
outra, via-se transformada numa verdadeira adolescente deslumbrada
com o primeiro namorado. Porém achava delicioso poder reviver aquelas
emoções fortes da juventude: o coração disparado, as mãos trêmulas e
úmidas de suor, o desejo aquecendo-lhe o sangue...
Assim que o trem parou na estação de St. Pancras, diversos
passageiros levantaram-se para pegar suas bagagens. Cathy apanhou
sua valise e acidentalmente seu olhar cruzou com o de um executivo
elegante que viajava no banco oposto.
O executivo lhe dirigiu um sorriso simpático, mas Cathy, já
enrubescida, apressou-se em deixar a cabine. Já no corredor do trem,
lembrou-se do que Sophy lhe dissera, uma ocasião: "Toda vez que um
homem demonstra interesse, você fica toda sem jeito e fecha a
fisionomia. Até parece casada".
Cathy protestara, mas, agora, ao descer do trem, reconhecia ser
verdade o que Sophy dissera.
— É como se você se sentisse obrigada a negar sua própria
sensualidade — Sophy comentara, com uma franqueza que Cathy, por
sua educação mais fechada, achava desconcertante.
Ela insistira em desmenti-la, mas Sophy a olhara, pensativa, e
acrescentara:
— Acho que é porque eu nasci fora de um casamento... e você se
julga culpada de algo, como se quisesse punir-se.
Sophy chegara bem perto da verdade, Cathy admitia. De fato,
carregava consigo um terrível sentimento de culpa por ter sido mãe
solteira. E mais ainda por ter tido um bebê de um homem casado. O
remorso e a culpa sempre a haviam acompanhado, sim, ora mais
brandos, ora implacáveis, como dois eternos guardiães a lhe cobrar um
preço caro pela sua paixão do passado. Remoía-se ao pensar que fora
seu egoísmo, seu desejo quase cego de entregar-se a Joss, que a fizera
engravidar.
Mas o tempo logo a fizera ver que todo erro tem seu preço, e então
optara por uma vida reclusa, na qual não havia espaço nem
oportunidades para que tudo acontecesse de novo. Depois do
nascimento de Sophy, só havia duas prioridades para Cathy: a
estabilidade emocional e a financeira, para ela e a filha.
Era preciso reconhecer que as pessoas tinham razão, quando diziam
que ela praticamente enterrara a sexualidade. Fora uma decisão
consciente e deliberada que surtira o efeito desejado: afastar de vez
qualquer relacionamento amoroso. Pelo menos até o fim de semana
passado...
Cathy parou de repente, aturdida e indiferente à irritação dos demais
passageiros, que quase a atropelaram. Mas as noites de insônia que
tivera desde que reencontrara Joss lhe mostravam com clareza que, ao
contrário do que imaginara, não era indiferente aos prazeres do sexo.
Sua sexualidade fora enterrada, mas não morta.
Encaixava-se na categoria da maioria das mulheres que, se por um
lado não se sentiam atraídas por muitos homens, nutriam uma atração
profunda por um homem em especial.
Finalmente, ao perceber que atrapalhava o fluxo de passageiros,
afastou-se para um canto e olhou à volta. Joss tinha dito que mandaria
alguém vir buscá-la e Cathy começou a procurar por sua secretária
ruiva.
Distraída, surpreendeu-se, ao ver um motorista uniformizado
aproximar-se e tocá-la de leve no braço. O moço, pelo visto, não tinha
tido dificuldade em reconhecê-la.
— Srta. Seton?
Cathy o cumprimentou e o motorista logo apanhou sua valise,
conduzindo-a ao Jaguar de Joss, que ela já conhecia.
Como o trânsito estivesse difícil — pelo menos para ela, que vinha de
uma cidade bem menor —, preferiu não conversar com o motorista,
temendo distraí-lo.
Cathy só conhecia o centro de Londres. A única vez que viera
conhecer o apartamento de Sophy e John, num bairro residencial novo
perto do cais, John a apanhara na estação, de carro. Portanto, sentia-se
a própria caipira na cidade grande.
O motorista entrou numa rua estreita, de prédios tão altos que
chegou a dar-lhe uma certa aflição, e foi com alívio que Cathy o viu
entrar numa pracinha tranqüila logo adiante.
O bairro devia ser muito elegante, pois a praça era cercada por casas
altas de estilo vitoriano. Cada qual abrigava na garagem um carro
caríssimo.
Ao seguirem por uma lateral da praça, Cathy notou que as casas
tinham todas uma plaquinha dourada perto da porta, o que significava
que estavam sendo usadas comercialmente, no momento. Mas só
quando o motorista entrou numa pequena passagem arborizada de uma
delas foi que Cathy percebeu que ali era o escritório de Joss. Não
poderia imaginar que estivesse instalado numa casa tão elegante.
Porém, reconsiderando, deveria saber que Joss não era do tipo que
aprovasse edifícios altíssimos, com esquadrias de alumínio e vidros ray-
ban. Desde jovem, sempre fora defensor das tradições.
O motorista contornou o carro e veio abrir-lhe a porta. Cathy
agradeceu e olhou ao redor. Algo em Londres a deixava insegura. Talvez
fosse o tamanho da cidade. Ou, quem sabe, sua insegurança não tivesse
nada a ver com Londres, mas, sim, com Joss.
— Por aqui, senhorita — o motorista disse, indicando-lhe o caminho.
Cathy não estava acostumada a ser tratada daquela forma, como se
fosse uma peça de cristal frágil. "Frágil e feminina", pensou,
censurando-se em seguida.
O motorista tirou do bolso uma chave e abriu a porta dos fundos,
impecavelmente pintada de branco. Assim como a da frente, esta
também tinha uma bandeira de vitral colorido acima do batente.
Ao contrário do que Cathy imaginara, a porta não dava acesso a um
corredor acarpetado, desses que se vêem em todo escritório, mas, sim, a
um pequeno hall cuja decoração era bastante residencial.
Os carpetes, em azul forte, estavam num lance da escada que levava
ao andar superior.
— Por aqui, senhorita — disse o motorista, conduzindo-a a um
pequeno elevador. — O sr. Bennett me pediu que a levasse direto para
cima.
Para cima, onde?, ela se indagou, assim que o elevador parou.
Cathy desceu e viu-se num outro hall, este bem maior, com uma
belíssima janela em arco com vistas para a praça arborizada. Por ali
entravam ar e claridade para iluminar a escada.
No hall só se abria uma porta, a qual foi aberta pelo motorista, que,
respeitosamente, lhe deu passagem.
Com passos incertos, Cathy entrou numa sala elegantíssima, mas
que, decisivamente, não seria de escritório. Era, sim, um living
maravilhoso e confortável, com uma lareira e uma das paredes
totalmente forrada por uma estante imensa, repleta de livros.
Segundos depois de ter admirado o ambiente, Cathy voltou-se para
trás, mas o motorista já havia desaparecido. Pouco à vontade, olhou ao
redor e caminhou até a janela. Aquele era o andar superior da casa e, lá
embaixo, podia ver as pessoas transitando pelas laterais da praça.
Na sala onde estava havia duas portas. Cathy, já ansiosa, imaginava
onde elas dariam e onde estaria Joss.
Porém, momentos depois, enquanto olhava pela janela, ouviu uma
das portas se abrir e voltou-se:
— Sinto muito não ter vindo recebê-la antes — Joss disse, logo ao
entrar. — O telefonema foi mais longo do que imaginei. Aceita um café
ou prefere que eu lhe mostre seu quarto antes?
Seu quarto?, Cathy o fitou e reuniu forças para perguntar:
— V... vou ficar hospedada aqui?
— Tentei fazer-lhe uma reserva, mas os melhores hotéis já estavam
lotados. Sabe como é, há muitos turistas, nesta época do ano. Tenho um
quarto de hóspedes aqui em casa e pensei que... Bem, mas se você não
quiser, posso arranjar um outro lugar.
Joss estava tão próximo, e a observava tão atentamente, que ela teve
a impressão de estar sendo testada, embora não soubesse em que nem
por quê.
Pensando bem, não havia motivo para não querer ficar hospedada na
casa dele. Afinal, Joss não tentaria seduzi-la ou algo parecido. Muito
pelo contrário, deixara claro que concordava com ela quando dizia que o
que houvera entre os dois pertencia ao passado.
— O quarto tem banheiro privativo e...
— Tem certeza de que não vou incomodá-lo? — Cathy perguntou,
recordando-se do modo possessivo como a secretária costumava se
pendurar no braço dele.
Joss franziu a testa, intrigado com a pergunta:
— E por que iria? Fui eu que a convidei para vir, lembra-se?
— Sim, eu sei, mas só para falar a Sophy e apresentá-los. Vou me
encontrar com ela hoje. Acho que será uma boa oportunidade para
contar-lhe tudo e, quem sabe, amanhã eu consiga trazê-la para visitá-lo.
— Isso se ela quiser me ver.
Cathy passara a semana toda tentando imaginar qual seria a reação
de sua filha ao saber da verdade, e não tinha dúvidas: Sophy ia querer
encontrá-lo. Dessa vez, como pai, e não como primo de sua sogra. Cathy
teve vontade de dar-lhe sua opinião, mas as palavras ficaram presas em
sua garganta. Era como se inconscientemente quisesse mantê-lo
naquela incerteza. Será que o ciúme que sentia dos dois era tão grande
assim?
— Você deve estar com fome. Já é um pouco tarde para almoçar e
então pensei que poderíamos ir tomar um chá em algum lugar. No Ritz,
por exemplo.
Cathy já estava prestes a declinar o convite. Ele com certeza estava
apenas tentando ser gentil. Mas Joss logo acrescentou:
— É algo que sempre tive vontade de fazer. Mas um homem precisa
de uma companhia feminina para entrar em certos lugares sem atrair
olhares curiosos.
Num ímpeto, Cathy quase lhe disse que não era preciso ter esperado
por ela; devia haver pelo menos uma dúzia de garotas ansiosas por uma
oportunidade de passar uma tarde na companhia dele. Porém,
reconsiderando, preferiu calar-se e sorrir.
— Aceito o convite. Vou me encontrar com Sophy às oito. Ela pensa
que vou passar a tarde fazendo compras e combinou de me levar para
conhecer algum restaurante amanhã à noite.
— Bem, nesse caso, espero que ela concorde em vir me visitar
amanhã à tarde para depois vocês três irem jantar.
— Você... deve estar ocupado no escritório — disse, subitamente
constrangida por estarem ali sozinhos.
— Nada que não possa esperar.
— Deve ser muito prático, para você, morar aqui, logo acima dos
escritórios.
— Sim, é prático, mas um tanto pequeno. É apenas um lugar para
dormir e comer. Só que já cheguei a uma altura da vida em que sinto
falta de um lar. — Num gesto charmoso, enfiou as mãos nos bolsos da
calça, sob o paletó. — Na verdade, estou pensando em me mudar para o
campo. Comprei uma propriedade em Dorset, uma fazenda com a casa
principal e a de alguns caseiros que moram nas terras. Graças à
tecnologia moderna e aos computadores, poderei morar lá e estar em
contato constante com os escritórios, sem ter de vir a Londres todos os
dias.
— E você não vai sentir saudade daqui?
— Não. Agora, não. Aliás, você poderia ir lá comigo, qualquer dia, e
me ajudar com a decoração da casa.
Cathy ficou parada, fitando-o, certa de que ele estava, mais uma vez,
tentando ser gentil.
— Bem, tenho certeza de que Sophy ficará feliz em ajudá-lo; afinal,
essa é a profissão dela. Se você visse o apartamento deles...
Joss suspirou, desanimado. Cathy se afastou sem ousar fitá-lo. Toda
vez que olhava para aqueles olhos tão brilhantes, sentia os joelhos
fraquejarem.
— A... acho melhor eu ir me aprontar, já que vamos ao Ritz.
— O quarto fica por aqui — Joss informou, ao cruzar a sala e abrir
uma das portas, que levava a um pequeno corredor. Em seguida, abriu
uma outra porta e pediu que Cathy entrasse.
Era um escritório amplo, com uma cama de casal, um guarda-roupa,
uma poltrona e uma escrivaninha. A decoração era em tons azuis. Cathy
notou que todos os móveis e objetos eram finos, caros, mas faltava um
toque pessoal à decoração. Era como um quarto de hotel. Não era a
primeira vez que Cathy sentia pena de Joss.
— O banheiro é aqui — ele informou, abrindo outra porta. — A outra
porta que você viu no corredor é a do meu quarto. A copa-cozinha fica
do outro lado da sala.
A valise dela já havia sido trazida e Joss consultou o relógio.
— Nos encontramos daqui a dez minutos, está bem?
Cathy concordou e Joss a deixou só.
Mais aliviada, ela caminhou pelo quarto. Jamais poderia ter
imaginado que ficaria hospedada na casa de Joss, refletiu, sentindo o
coração bater mais forte. No entanto, reconhecia que o arranjo fora mais
conveniente para todos. Porém, não devia entregar-se a fantasias
românticas, imaginando que houvesse por trás daquele gesto qualquer
intenção oculta.
Mirando-se no espelho, constatou que a maquilagem continuava
intacta, e, tirando a bolsa de toalete de dentro da valise, rumou para o
banheiro, que, amplo e muito bem iluminado, tinha os azulejos nos
mesmos tons da decoração do quarto. Porém, de novo, sentia ali uma
certa frieza. Parecia um desses banheiros suntuosos expostos em lojas
de decoração.
Enquanto penteava os cabelos, lembrou-se da expressão tristonha de
Joss ao explicar-lhe que não tinha um lar...
Após pentear-se, ajeitou as mangas do vestido, passou mais um
pouco de batom e arrumou melhor os cabelos com os dedos. Já estava
na hora de modernizar aquele penteado, pensou, tentando ajeitar as
ondas douradas.
Seu tempo estava esgotado. Apressada, pegou o casaco de sobre a
cama e foi direto para a sala. Ao abrir a porta, ouviu-o conversar com
alguém, mas já era tarde demais para recuar.
— Tem certeza de que não pode cuidar disso por mim? — ele
perguntava.
Cathy entrou e deparou com a figura pouco simpática da secretária
ruiva.
— Creio que não, Joss. Como sabe, Mac Phillips prefere tratar
pessoalmente com você.
Ao ouvi-la, Joss virou-se em direção à porta. A testa dele estava
franzida e sua expressão era de contrariedade.
— Cathy, sinto muito, mas surgiu um imprevisto e não poderei
acompanhá-la ao Ritz.
Cathy já passara por muitas situações difíceis na vida e aprendera a
disfarçar seus sentimentos. Com voz fria e firme, assegurou-lhe que não
havia com que se preocupar.
Lucille, a secretária, havia se postado atrás de Joss e sorria para
Cathy de modo triunfante. "Ela está com ciúme de mim", pensou,
contendo a vontade de rir. "Se soubesse da verdade..."
Joss despediu-se, desculpando-se mais uma vez, e as deixou
sozinhas.
— Não fique muito entusiasmada com o convite dele para tomar chá
no Ritz, ouviu? — alertou-a Lucille, lançando-lhe um olhar malicioso. —
Joss faz a mesma coisa com todas. E ele só a hospedou aqui porque não
teve outra saída. Você praticamente se convidou, não é, meu bem?
Cathy, que antes se sentia intimidada pela elegância da ruiva,
começou a sentir-se ultrajada.
— Foi isso que ele lhe disse? Que eu me convidei para ficar aqui?
Lucille ficou vermelha de raiva.
— N... não exatamente, mas é óbvio que o convite não partiria dele.
Ao que tudo indicava, Lucille não sabia o verdadeiro motivo de sua
visita, e Cathy ficou radiante. Joss e a secretária não eram tão íntimos
quanto Lucille queria fazer crer. Só uma mulher insegura partiria para
aquelas táticas, já tão antigas e que só denunciavam sua própria
insegurança.
— Não vou demorar mais do que meia hora e, quem sabe, depois
ainda possamos... — disse Joss, ao entrar na sala com uma pasta na
mão.
Porém a secretária logo o interrompeu:
— Oh, Joss, eu me esqueci de dizer que os dados para o contrato da
Harwood já estão à sua disposição. Você disse que queria dar uma
olhada nos papéis o quanto antes.
— Não se preocupe, Joss — assegurou Cathy, muito tranqüila. —
Tenho umas compras para fazer.
— Quanto tempo você vai demorar? — ele perguntou.
— Não sei. Umas duas horas, talvez.
Confuso e visivelmente contrariado, Joss entregou-lhe as chaves da
casa e, meio relutante, desceu para o escritório. Cathy pensou ter visto
uma expressão sombria em seus olhos, mas disse a si mesma que era
apenas impressão.

CAPÍTULO VII
Por pura teimosia, Cathy estendeu o passeio por mais tempo do que
planejara. Sentada num simpático café que encontrara numa rua calma,
preferiu fazer hora e ler uma revista a voltar à casa de Joss e correr o
risco de encontrar-se pela segunda vez com Lucille. Não queria de novo
ser alvo de seus comentários maldosos. Era melhor estender o passeio e
depois ir direto para a casa de Sophy e John.
Procurando aproveitar ao máximo sua curta estada na capital,
continuou a ver vitrines, foi conhecer um novo shopping-center e,
cansada, sentou-se em outro café para descansar e saborear um
cappuccino. Em seguida, pegou um táxi e foi para a casa da filha.
Cathy já conhecia o apartamento que Sophy e John haviam
comprado, mas tornou a ficar admirada com a beleza do bairro e dos
prédios baixos construídos no local.
O apartamento de Sophy e John ficava num conjunto de prédios que
dividiam uma ala de lazer em comum, com quadras de esportes e até
uma piscina. Na mesma rua do conjunto havia diversas lojas, uma
farmácia, um mercado bem simples e uma padaria.
Sophy a recebeu eufórica, com um abraço bem forte. Ela e John
estavam bronzeados, alegres, e Cathy reconheceu que jamais vira a filha
tão feliz.
— Acho que cheguei um pouco cedo...
— Ora, imagine, mamãe. Vamos tomar um vinho branco. Pensamos
em pedir o jantar de um dos restaurantes mais próximos, mas não
sabíamos o que você prefere.
— No momento, não estou com fome — Cathy afirmou, pegando o
copo de vinho que John lhe servira. Mãe e filha foram para o terraço,
que dava vista para o rio.
— Onde você está hospedada? — Sophy perguntou, enquanto John
se dirigia à cozinha.
Cathy abaixou o rosto e respirou fundo. Ensaiara aquela cena um
milhão de vezes, a semana inteira, e, agora, no entanto, não sabia como
começar. Por fim, decidiu ser o mais breve e objetiva possível.
— Estou hospedada na casa de Joss Bennett — disse, da maneira
mais casual que pôde.
Sophy ficou pasma:
— O primo da minha sogra?! — exclamou, boquiaberta. — Mas,
mam...
— Sophy, minha filha, há algo que preciso lhe contar — Cathy
afirmou, baixinho, tocando-lhe o braço de leve. — Joss Bennett é seu
pai.
Ao ver a filha empalidecer, Cathy mordeu o lábio inferior, mas,
embora quisesse muito abraçá-la, naquele momento, deixou que John
se aproximasse e amparasse a esposa em seus braços.
— Sinto muito. Sei que é um choque para você, mas não havia outro
modo de lhe contar a verdade.
— Joss é meu pai... Mas você tinha dito que meu pai era um homem
casado, com família...
— Sim, eu sei; era o que eu também pensava. — Confusa, Cathy
respirou fundo e sugeriu: — Acho que fica mais fácil se eu começar do
começo.
Sempre num tom contido, Cathy explicou-lhe toda a verdade e,
principalmente, o mal-entendido provocado pela zeladora da pensão
onde Joss morava na época.
— Então, essa moça mentiu para vocês dois de propósito, só para
separá-los... Como ela pôde fazer isso?
— Essa moça não sabia que eu estava grávida — Cathy esclareceu.
— Nem eu mesma sabia, naquela época. Para mim foi um choque
descobrir toda a verdade, depois de tantos anos. E pensar que
poderíamos ter formado uma família tão feliz...
— Imagino como deve ter sido difícil para você, mamizinha — Sophy
concordou. — E suponho que, se Joss... isto é, meu pai... — Sophy se
confundia com as palavras, mas Cathy notou que ela aceitava muito
bem o fato de ser filha de Joss. — Se meu pai não tivesse aparecido no
casamento, você jamais saberia o que de fato acontecera.
— Provavelmente. Ele me procurou no fim de semana seguinte ao
seu casamento, porque deduzira que era seu pai, através de uma
conversa que teve com Mary. Joss achava que eu a havia escondido dele
propositadamente, e foi assim que toda a verdade veio à tona. — Cathy
segurou as mãos da filha: — Ele quer encontrá-la, Sophy, para conhecê-
la melhor. Eu prometi que lhe falaria primeiro e que, depois de
conversarmos, lhe pediria que concordasse em vê-lo. Joss não quer
forçá-la a nada.
Pelo canto dos olhos, Cathy viu quando Sophy lançou um olhar
inquiridor para o marido e John lhe apertou a mão num gesto de
consolo e consentimento.
— E você, mamãe? Não se importaria se eu o encontrasse?
— Claro que não, meu bem. — Cathy forçou um sorriso.
— Ele é seu pai, e me sinto culpada por tê-la privado da convivência
com ele todos esses anos...
E estava realmente sendo sincera.
— Mas você não sabia!... — Sophy disse depressa, tranqüilizando-a.
— Fez o que achou melhor.
— Ele gostaria que você fosse à casa dele amanhã. Assim, terão
oportunidade de conversar mais à vontade.
Ficava cada vez mais difícil para Cathy manter as emoções sob
controle.
— Acho que ele preferiu não me procurar, temendo aborrecê-la. —
Sophy, então, calou-se, imersa em seus próprios pensamentos. Depois,
seus olhos brilharam de modo malicioso. — Não seria maravilhoso se
vocês dois voltassem a se apaixonar e...
— Isso é praticamente impossível, Sophy — Cathy interrompeu,
secamente. Aliás, o fez de modo tão abrupto que Sophy até franziu a
testa.
— Você ainda o odeia, mamãe? Sei que ele a magoou muito, mas não
foi culpa dele e...
Odiá-lo? Jamais chegara a odiá-lo.
— Claro que não — garantiu com veemência. — Bem, acho que
exagerei um pouco, na minha reação. Entendo que foi apenas uma
brincadeira sua. Seria muito embaraçoso, para seu pai e para mim, se
de repente as pessoas resolvessem querer nos unir.
Sophy continuava com a testa franzida.
— Embaraçoso? Por quê? Vocês dois são livres e maiores de idade;
que mal haveria em se unirem? A menos que não queira que as pessoas
saibam que ele é meu pai...
Cathy ainda não havia pensado nisso. Se Joss estava disposto a
assumir a filha publicamente, todos ficariam sabendo que um dia
haviam se amado. Como iria se sentir, sabendo que a família de John
ficaria a par da verdade? E suas amigas...
— Sophy, já estou com trinta e sete anos. Joss, naturalmente, ficaria
magoado, se as pessoas começassem a achar que há algum vínculo
amoroso entre nós.
— O quê?! — Sophy exclamou, indignada. — Por Deus, mamãe, você
está com trinta e sete, mas fala como se tivesse cento e vinte! De
qualquer forma, a idade não importa. O que conta é a pessoa, é o que se
tem por dentro. Vocês, um dia, já se amaram.
— Achávamos que aquilo era amor — Cathy corrigiu. — Tinha
apenas dezesseis anos e ele era pouco mais velho do que eu. Podíamos
nos julgar perdidamente apaixonados, mas não éramos maduros e
experientes o bastante para sabermos o que é o amor. — E tratou logo
de desviar o assunto: — Bem, fico feliz que tudo isso tenha acontecido e
que você finalmente tenha oportunidade de conhecer seu pai, embora
um pouco tarde. Mas o seu relacionamento com ele terá de ser separado
do relacionamento que nós duas temos.
— Então, vou ser como esses filhos de pais separados, jogada de
mão em mão como um pacote incômodo — Sophy comentou com ironia,
sem intenção de magoá-la. — Pelo menos, quando criança, não tive de
passar por essa experiência. — Então, vendo o jeito retraído de Cathy,
abraçou-a com muito carinho. — Ah, me desculpe, mamãezinha. Tive
uma infância maravilhosa e, se você está pensando que eu a culpo por
meu pai não ter feito parte da minha vida, tire esta bobagem da cabeça.
— Depois de uma pausa, refletindo sobre a reação de Cathy, achou
melhor confirmar: — Tem certeza de que não se importa se eu me
encontrar com ele?
Importar... Claro que se importava.
— Claro que não — mentiu. — É natural que vocês dois queiram se
conhecer melhor.
O resto da noite transcorreu muito bem, e John se esforçou para
tornar o encontro o mais agradável possível.
— Espere só até minha mãe saber disso — comentou, quando Sophy
perguntou a Cathy, pela enésima vez, se de fato não se importava que
ela procurasse o pai.
Horas mais tarde, quando ia embora, Cathy combinou para que
todos os dois fossem ao apartamento de Joss à tarde seguinte.
— Vou levá-la até lá — ofereceu-se John, apanhando a chave do
carro.
— Não precisa se incomodar, John. Prefiro pegar um táxi.
Enquanto John telefonava para o ponto, Sophy murmurou:
— Acho que ainda não assimilei bem o que você me disse. Foi como
quando me contaram que Papai Noel não existe. Só que ao contrário.

CAPÍTULO VIII
No táxi, Cathy imaginava como Joss teria passado a noite. Com
certeza, pensando em Sophy, imaginando qual a reação dela ao saber de
tudo. De repente, ficou ansiosa para estar ao lado dele e assegurar-lhe
que tudo estava bem.
E, de tão ansiosa, até deixou de lado seu temor de parecer
inconveniente. No momento, sua maior preocupação era dar-lhe as boas
notícias e dizer-lhe que não havia por que se preocupar.
A emoção era tanta que até abafava aquele medo que a perseguia de
que o relacionamento entre Joss e Sophy viesse a interferir em sua
relação com a filha.
Quando o motorista parou em frente à casa de Joss, Cathy olhou
para o andar superior, mas não viu luzes. Será que ele tinha saído? Que
absurdo, ficar desapontada! Afinal, a notícia poderia perfeitamente
esperar até amanhã seguinte. Então, por que aquela súbita sensação de
que fora... traída?
Depois de pagar o táxi, desceu do carro e foi para a entrada dos
fundos. Felizmente, a luz estava acesa, pois já estava cansada de ouvir
falar nos casos mais horripilantes das cidades grandes e dos perigos de
se sair à noite sozinha.
Dispensando o elevador, preferiu subir pela escada. Porém
arrependeu-se da escolha ao chegar lá em cima ofegante. Ao entrar no
living escuro, concluiu que Joss havia de fato saído e acendeu as luzes,
pondo o casaco sobre uma poltrona.
Será que ele havia ido jantar com Lucille? Odiava-se por continuar
alimentando aquele ciúme infundado e descabido, mas não havia como
evitar. Tentando se distrair, achou melhor fazer um chá.
Não podia esperar por ele acordada, dizia a si mesma, inconformada,
ao encher a chaleira de água.
A decoração da cozinha, toda em azul e cinza, lhe pareceu fria e
triste. Certamente não escolheria aquelas cores, se a cozinha fosse dela,
pensava, reparando no desenho dos ladrilhos.
E, distraída, não ouviu a porta se abrir. Quando Joss a chamou,
baixinho, Cathy pulou de susto.
— Nossa! Que susto! — exclamou, com uma das mãos sobre o peito.
— Pensei que você tivesse saído.
— Você está bem? — ele perguntou, preocupado.
— Bem? — ela redargüiu, sem saber direito o que Joss queria dizer.
— Está ofegante, parece que correu uns dez quilômetros. Londres é
uma cidade perigosa para uma mulher sozinha, à noite. Aconteceu
alguma coisa?
— Fiquei cansada porque subi pela escada — justificou-se. Mas Joss
continuou a olhá-la, com aquele ar de pai bravo que a deixava irritada.
— Por que você não voltou para casa esta tarde?
Cathy procurou ganhar tempo antes de responder. Não queria
revelar-lhe o motivo verdadeiro.
— Eu... não quis,incomodá-lo. Pensei que pudesse estar às voltas
com os negócios. Já chega ter de me receber aqui todos estes dias.
— Não seja ridícula! — ele exclamou, ainda mais bravo. — Você sabe
que a recebo com o máximo prazer. — Houve uma breve pausa e então
Joss acrescentou: — Não lhe ocorreu que eu estivesse preocupado com
sua demora?
Realmente isto nem lhe passara pela mente. Estava acostumada a
viver e morar sozinha e a não dar satisfação de seus horários a
ninguém.
— Você se preocupa demais.
— É mesmo? — ele indagou, num tom quase rude. — E se tivesse lhe
acontecido alguma coisa? E se tivesse mudado de idéia e resolvido voltar
para casa? Seja razoável, Cathy, combinamos que voltaria para cá.
— Sou uma mulher adulta, Joss — alegou, com um sorriso frio nos
lábios —, e não estou acostumada a dar satisfações dos meus atos a
ninguém. Sinto muito se o deixei... ansioso.
— Ansioso? — O olhar que Joss lhe dirigiu a assustou. Numa fração
de segundo, ele se aproximou e segurou-a pelos braços. — Diabos,
Cathy, fiquei quase maluco!
Cathy mal conseguia respirar, de tanto medo. Não de que ele a
machucasse, mas de que seu corpo a traísse, revelando o quanto o
desejava, o quanto aquele perfume a perturbava, o quanto aquela
proximidade a torturava.
Vendo-a assustada, ele a soltou e fitou-a, muito pálido.
— Me desculpe — murmurou, revoltado consigo próprio. — Eu
machuquei você? Tinha esquecido de como é frágil, delicada...
Os dedos dele se fecharam ao redor dos pulsos de Cathy como se os
medissem. Ela sentiu a pele arder sob seu toque. Confusa, puxou os
braços. A tensão entre ambos era quase palpável.
A apreensão e o desejo a consumiam, deixando-a cada vez mais
aturdida. Por quanto tempo conseguiria manter o auto-controle?
— Sinto muito que tenha se preocupado por minha causa; não era
preciso. Sou adulta e perfeitamente capaz de tomar conta de mim
mesma.
Ao vê-lo contrair ainda mais a fisionomia, Cathy percebeu que
escolhera as palavras erradas. Joss segurou-a com mais força:
— Pois saiba que não é tão auto-suficiente quanto se diz. Há certas
coisas que exigem a participação de um parceiro. Como esta...
Cathy percebeu que ele ia beijá-la, mas não teve como evitar. E não
quis evitar. Imóvel, viu-o curvar-se e beijar-lhe a boca.
Um misto de dor, raiva e alívio emanava de Joss, destruindo as
defesas de Cathy, que lhe acariciou o rosto anguloso, sentindo a pele
áspera se aquecer sob seus dedos.
Uma vez, há muito tempo, tocara-o daquela mesma forma, com
dedos trêmulos e frios, contornando-lhe os lábios numa exploração
perigosa e excitante para uma garota que jamais tocara ninguém...
Achava-o tão másculo, forte, adulto...
Ele lhe mordiscara a pontinha dos dedos, fazendo-a tremer de prazer
e excitação, e lhe descortinara um mundo novo e maravilhoso.
Imersa nas recordações do passado, ao cair em si, percebeu que
tinha os olhos molhados de lágrimas. Nos tempos de juventude, Joss a
beijava com tanta ternura, mas agora seu beijo mais parecia um castigo.
Ao senti-la afastar as mãos que tocavam seu rosto, Joss segurou-lhe
os pulsos e beijou-lhe as palmas das mãos, acariciando-as com lábios
macios.
Cathy, que havia fechado os olhos, ao perceber que seria beijada,
tornou a abri-los e admirou-lhe os cílios negros, em contraste com a pele
do rosto. Joss nunca lhe parecera tão vulnerável quanto naquele
momento.
Um instante depois, foi a vez dele de abrir os olhos para fitá-la. E
assustou-se ao ver que Cathy estava prestes a chorar.
— Me desculpe, acho que machuquei você... Me perdoe, não tive a
intenção. É que fiquei tão desesperado com sua demora...
Cathy livrou as mãos e deu um passo para trás.
— Nós todos estamos passando por momentos muito delicados e
estamos emocionados — ela murmurou. — É comum as pessoas agirem
de modo inesperado em períodos assim, fazendo e dizendo coisas que
normalmente não fariam e não diriam. Você não me machucou. Eu
poderia ter me afastado, rejeitado seu beijo.
— Mas não fez nada disso. Por quê?
Cathy sentiu que aquele era o momento certo para esclarecer certas
coisas entre eles.
— Porque acho normal que, depois de tanto tempo distantes,
fiquemos... curiosos em relação ao outro, uma vez que já fomos tão
íntimos. É que, quase sempre, há certas barreiras que impedem as
pessoas de saciar essa curiosidade, numa situação destas; ou um dos
dois já é casado, ou está envolvido num outro relacionamento. Não é o
nosso caso, em particular, e, mesmo sabendo que não poderíamos
reviver o passado, acho que nos deixamos levar pela emoção.
— E, com isso, deixei meus instintos falarem mais alto e me
comportei como se estivéssemos no passado e eu tivesse todo o direito
de beijá-la — Joss completou, com raiva.
Não fora isso que ela quisera dizer. Só queria explicar-lhe que não
confundiria as coisas nem os motivos que o levaram a beijá-la. Não
tinha intenção de embaraçá-lo, alimentando ilusões românticas.
Cathy explicou seu ponto de vista o mais depressa que pôde, quase
tropeçando nas palavras, mantendo sempre o olhar baixo. Quando,
finalmente, o fitou, viu uma expressão amarga nos olhos de Joss e, num
gesto inconsciente, deu mais um passo para trás.
— Cathy, você é muito... altruísta, não? Talvez esteja querendo me
alertar para que me mantenha afastado, pois não há lugar para mim na
sua vida.
Não era uma pergunta, mas, sim, uma afirmação. O modo como ele a
fitava, parecendo mergulhar em sua alma, deixava-a trêmula.
— Neste caso, você tem de aprender a dominar seu corpo para que
ele entre em sintonia com seu cérebro — Joss acrescentou, de modo
quase rude, abaixando os olhos até pousá-los nos seios dela.
Cathy não pôde conter a reação involuntária e sentiu os mamilos se
enrijecerem. Intimamente, reconheceu que ele tinha razão e odiou-se por
ser tão fraca.
— Já é tarde — alegou. — Acho que vou para a cama. — Abaixando o
rosto, passou por Joss e deteve-se ao chegar perto da porta. — Sophy
ficou encantada, quando soube que é sua filha. A princípio, ficou meio
surpresa, o que é natural, mas, depois que expliquei o que houve... Ela e
John vêm amanhã. Sophy comentou o quanto a família de John ficaria
surpresa e me lembrei de que ainda não discutimos o assunto. Isto é,
não sei se você quer que todos saibam da verdade.
— Não me importa que o mundo todo saiba que Sophy é minha filha
— ele afirmou, de modo categórico. — Por que deveria?
Seu olhar era de desafio, e Cathy engoliu em seco.
— Bem, não sei. Mas, esta tarde, percebi que Lucille ainda não sabe
o verdadeiro motivo da minha vinda a Londres.
— Não, ela não sabe. Não me importa mesmo que todos saibam que
Sophy é minha filha, mas preferi não comentar isso com ninguém, antes
de saber a opinião dela. Com o tempo, Lucille e todos os que trabalham
comigo ficarão sabendo da verdade.
— Engraçado... pensei que o relacionamento de vocês fosse muito
mais... íntimo.
"Oh, meu Deus, o que fui dizer!", repreendeu-se, arrependida. Não
era de admirar que Joss a olhasse daquela forma.
— Você pensou o quê?
— Bem, não que o assunto seja da minha conta — gaguejou,
reconhecendo que era tarde demais para voltar atrás —, mas, já que
Lucille um dia será madrasta de Sophy...
— Madrasta? Onde, diabos, você arranjou essa idéia? Já falei que
não durmo com Lucille, nunca dormi nem pretendo dormir. Muito
menos casar-me com ela! Para ser franco — acrescentou, mudando de
tom —, não dormi com nenhuma mulher, desde que me separei da
minha ex-esposa. Aprecio seu esforço em me manter afastado da sua
vida. De fato, aposto como adoraria me ver casado com Lucille; só que
eu não adoraria me ver casado com ela!
Calada, Cathy abriu a porta e correu para o quarto, atirando-se na
enorme cama de casal. Só que, ao invés de chorar, dessa vez, sorriu,
radiante. Então, Joss não tinha nada mesmo com Lucille... Que
maravilha...
Nem era preciso consultar seu coração para saber por que a notícia a
deixara tão feliz. Agora já não tinha mais dúvidas de seus sentimentos
com relação a Joss: amava-o com a mesma intensidade de quando tinha
dezesseis anos!
Só que, infelizmente, esse amor não era correspondido.
CAPÍTULO IX
Sophy e o marido ficaram de chegar por volta das duas horas e,
depois que John telefonou dizendo que já estavam a caminho, Cathy
comentou com Joss:
— Acho que seria melhor eu e John deixarmos vocês a sós, quando
ela chegar. Nossa presença pode inibi-los.
Para Cathy seria um ato heróico que a faria sofrer muito, porém
achava mais honesto, de sua parte, para com pai e filha, se não
presenciasse a conversa que teriam. Ambos precisavam ficar à vontade,
sem temer magoá-la.
— Vou convidar John para dar um passeio por Londres.
— Se é assim que prefere — ele resmungou, contrariado. Afinal, ele
não ia querê-la por perto, não é?, pensava Cathy.
Já cumprira sua parte no trato, falando a Sophy, e Joss certamente
preferia conversar com a filha em particular.
Porém, ao invés de demonstrar-se grato, Joss agia como quem se
sente traído. Ele lhe dera as costas e lançava um olhar desolado pela
janela.
— Por favor, Cathy fique — ele pediu, afinal, sem ousar encará-la. —
Tenho muito medo de fazer ou falar algo errado. — Então, correndo os
dedos pelos cabelos, voltou-se para ela, demonstrando toda sua
insegurança. — Preciso de você aqui comigo.
Joss precisava dela?
— Ambos precisamos de você aqui — ele acrescentou, baixinho. —
Você é o único elo real entre mim e Sophy, a única ponte que nos une.
— Mas você é o pai dela.
— Sou um estranho — ele corrigiu.
Sua fisionomia estava contraída pela revolta e pela dor. Mesmo
sabendo que era a única responsável pelo fato de Sophy não tê-lo
conhecido antes, Cathy sentiu que não poderia recusar-lhe o pedido. E,
na verdade, queria estar presente ao encontro, presenciar aquele
momento tão importante.
— Nunca senti tanto medo em toda minha vida — Joss confessou, de
modo tocante. — Como foi que você lhe revelou a verdade? Qual foi a
reação dela?
Ao ouvi-lo tão ansioso, Cathy sentiu uma pontada no coração. Era
ridículo o ciúme que ela vinha sentindo.
— Sophy ficou surpresa, é natural — apressou-se em dizer. — Mas,
depois, alegrou-se e disse que queria muito vê-lo.
Joss continuava inseguro e Cathy teve pena dele. Então, tocou-lhe o
braço de leve e tranqüilizou-o:
— Não tenha medo, nossa filha não vai rejeitá-lo, Joss. Lembre-se de
que o momento também é muito delicado para ela.
— Não é bem assim — Joss alegou, com um sorriso irônico — Ela é
minha filha e eu já a amo. Sophy, no entanto, pode não sentir o mesmo
por mim. Nem sempre o amor é retribuído.
Seria uma indireta para que não tivesse nenhuma esperança com
relação a ele? Confusa, Cathy ia retirando a mão ainda pousada no
braço de Joss, mas ele a impediu.
— Ainda não tive chance de lhe agradecer por tudo o que fez, Cathy,
nem de lhe pedir perdão por ontem à noite. Acho que exagerei.
Joss curvou-se para a frente e ela pensou que seria beijada no rosto,
numa demonstração de amizade, mas, surpreendendo-a, ele lhe segurou
o rosto e a fez encará-lo.
— Posso beijá-la? — pediu baixinho, os lábios próximos aos dela. —
Para dar sorte.
Se fosse outra pessoa, Cathy teria recusado o pedido com um sorriso
ameno, mas com Joss era diferente... Não conseguia reagir de modo
sensato, quanto estavam próximos. Então, assentiu, e abriu suavemente
os lábios.
O desejo falou mais alto que a razão e Cathy colou seu corpo ao dele,
deliciando-se com o contato. Joss abraçou-a, puxando-a para si com
tanta força que lhe dificultou a respiração. Ao mesmo tempo, suas mãos
fortes e quentes deslizaram pelas costas dela, aprofundando o beijo.
Cathy esticou os braços e entrelaçou os dedos nos cabelos macios de
Joss. Trêmula, entregue ao prazer, remexeu-se de modo lânguido em
seus braços, inconsciente da deliciosa tortura a que o submetia.
Joss, excitadíssimo, gemeu baixinho e insinuou uma das coxas entre
as dela, enquanto lhe pousava as mãos nos quadris, incentivando-a no
movimento sensual.
Ao perceber o quanto ele estava excitado e, mais ainda, que ela era a
causa de tanta excitação, Cathy afastou-se uns centímetros e o olhou,
confusa. Vendo o brilho intenso daqueles olhos que tanto amava,
abaixou o rosto, encabulada.
— Você me olhou do mesmo jeito da primeira vez que a toquei aqui
— ele lembrou, com voz rouca, ao deslizar-lhe uma das mãos pelo
contorno do seio. — Você se lembra daquele dia, Cathy?
Ela se afastou um pouco. Claro que ela se lembrava... Fora no
penhasco, abrigados do vento atrás de uma rocha, que ele a iniciara nos
mistérios de seu próprio corpo. Com infinita calma, Joss tocara seus
seios, fazendo-a delirar de prazer, em seus braços. Sem pressa, ele a
beijara e abraçara bem apertado, acalmando-a, para só mais tarde
tornar a tocá-la com mais intimidade. Cathy estremeceu, ao se lembrar
da primeira vez que Joss lhe erguera o suéter e lhe abrira o sutiã. As
mãos quentes em seus seios a fizeram gemer. Ele, então, desabotoara a
camisa que usava e a puxara para si.
Fora naquela mesma tarde que, pela primeira vez, Joss lhe beijara os
seios, levando-a ao delírio.
As lembranças traziam ao presente as sensações do passado,
deixando-a encabuladíssima.
— Cathy...
Ela o ouviu chamá-la e percebeu a urgência contida em sua voz. Joss
esticou o braço para tocá-la, mas Cathy esquivou-se, procurando evitar
qualquer contato. Porém seus movimentos eram incertos, e a mão dele
acabou roçando-lhe o seio, que imediatamente intumesceu.
— Cathy...
— Sophy e John vão chegar daqui a pouco... Acho que vou fazer um
café, talvez eles queiram uma xícara. Isso ajuda a quebrar o gelo e...
Cathy sabia que gaguejava, mas não se importou. O que mais queria
era manter-se distante de Joss. Se ele comentasse a reação que tivera
quando a tocara, morreria de vergonha.
Porém, se ela ainda se julgava, de certa forma, parecida com uma
garota de dezesseis anos, Joss já não era mais um rapaz de vinte e um.
— O que houve? — ele perguntou, estranhando seu comportamento.
— Você não está embaraçada por causa disso, não é?
Por que ele tinha de perguntar? Será que não dava para perceber?
Cathy lançou-lhe um olhar agoniado que dizia mais do que mil palavras.
— Mas não deveria estar. Sinto-me lisonjeado, ao vê-la excitada com
meus carinhos. Eu também estava excitado, como você.
Cathy não estava acostumada a conversar tão abertamente sobre
assuntos dessa natureza, o que só a deixava cada vez mais
constrangida.
— Para ser sincero, ainda estou — Joss acrescentou, com um sorriso
divertido e malicioso, como se a convidasse a compartilhar aquele
momento de descontração. — E, para ser mais sincero ainda, não há
nada que eu deseje mais do que levá-la para a cama e descobrir se seus
seios continuam tão lindos como quando...
Assim já era demais; Cathy respirou fundo e reuniu forças para dizer
o que pensava:
— Joss, já se passaram muitos anos. Já não sou mais a mesma.
Depois que tive o bebê...
— Cathy, por favor, eu...
A campainha da porta os interrompeu.
— Devem ser eles. — Cathy riu baixinho, enxugando as mãos,
úmidas de suor. — Eu... É melhor você ir recebê-los.

CAPÍTULO X
Eram dez horas da noite; Sophy e John haviam acabado de ir
embora. Em vez de saírem para jantar fora, Cathy fora para a cozinha e
preparara um lanche leve com salada e omelete. Não queria quebrar o
clima agradável de camaradagem e entendimento que brotara entre
Sophy e Joss.
John a acompanhara até a cozinha para ajudá-la e Cathy, que já
gostava do genro, ficou encantada quando ele lhe disse:
— Você está sendo maravilhosa. No seu lugar, não sei se eu
conseguiria ser tão generoso e desprendido.
— É difícil conter o ciúme — ela admitiu —, mas os dois têm o direito
de se conhecerem e de se amarem. Em parte, sinto-me culpada por não
ter me empenhado em procurá-lo. Talvez, se...
— Não deve se sentir assim, e não pense que Sophy culpa você por
alguma coisa. Ainda hoje, quando vínhamos para cá, ela comentou que
gostaria de ser tão boa mãe para os nossos filhos quanto você foi para
ela.
— Fui boa mãe, sim, mas Sophy não teve pai.
— Mas teve um avô maravilhoso, e Sophy é uma das pessoas mais
seguras e bem ajustadas que conheço. Ela é sábia, nunca julga as
pessoas sem conhecê-las, está sempre procurando o lado bom das
coisas e sei que ela aprendeu isso com você.
Fora com lágrimas nos olhos que Cathy vira Sophy abraçar o pai com
todo carinho, antes de sair, deixando-o muito emocionado também.
Depois, ela a puxara pelo braço, até o corredor, e murmurara:
— Mamizinha, você é demais! Eu te amo mais que tudo, e não sei
como lhe agradecer por tudo o que fez e por ter me deixado conhecer
papai.
— Não havia como evitar — Cathy dissera, num tom amargo. Mas
Sophy balançara a cabeça.
— Havia, sim. Joss... Papai me disse que, sem sua permissão, não
teria tentado se aproximar de mim. Ele convidou John e a mim para
passarmos um fim de semana na casa de campo e nós aceitamos. Ele
vai convidá-la também. Você vai, não é? Preciso que você esteja lá...
O apelo tocara-lhe o coração, e Cathy havia concordado.
Agora que Sophy e John haviam acabado de sair, Sophy sentia-se
nas nuvens, e não era para menos. Afinal, não era todo dia que alguém
descobria que tinha um pai tão maravilhoso quanto Joss.
Cathy estava cansada, mas Joss parecia exausto. Ela se ofereceu
para lhe preparar um prato mais reforçado, mas Joss recusou.
— Não estou com apetite nenhum — ele confessou. — Este foi o
segundo acontecimento mais traumático da minha vida.
Cathy ficou curiosa de saber qual fora o primeiro, julgando que tinha
sido o divórcio. Mas, para sua surpresa, ele revelou:
— O primeiro foi ter perdido você.
Dito isso, esticou os braços, segurou-lhe as mãos e sentou-se no
sofá. Recostou-se e procurou relaxar. Vestido com aquelas roupas mais
informais, Joss parecia quase o mesmo que há vinte anos.
— Fique, Cathy — ele pediu, emocionado, sempre de olhos fechados,
ao sentir que ela tentava se afastar.
— Joss, eu...
— Só quero aconchego. Preciso abraçar alguém, Cathy. Só hoje
percebi como minha vida é vazia.
Foi o amargor de suas palavras que a tocou. Joss se esforçava para
ocultar a própria dor e aquilo a comovia.
Ver Sophy, estar com ela, fizera-o perceber quantas coisas haviam
perdido, quantos momentos preciosos haviam deixado de compartilhar
durante a infância dela. Porém Cathy agora sabia que ninguém era
culpado e, mais relaxada, deixou que ele a pusesse sentada em seu colo
e a abraçasse com força, repousando em seu ombro.
— É tão bom abraçá-la assim...
Ela também gostava e se sentia bem ali, em seu colo. Melhor do que
imaginara. Cada vez que enchia os pulmões, sentia o coração dele bater
com força contra o seu, fazendo-a lembrar-se daquele precioso momento
em que juntos haviam gerado uma filha. Aquela era uma lembrança
sensual e perigosa para alguém já tão excitado.
Joss, no entanto, parecia não notar sua tensão. Continuava de olhos
fechados, e sua respiração se tornara mais calma, mais ritmada, como
se estivesse dormindo.
Dormindo... Cathy afastou-se com jeitinho e constatou que ele de
fato havia adormecido. Cathy não reprimiu um sorriso.
Com cuidado, tentou levantar-se do colo dele, mas os braços de Joss
estavam entrelaçados às suas costas e ela não podia soltá-los sem
acordá-lo. Ao senti-la remexer-se, Joss resmungou qualquer coisa e
apertou-a com mais força, sem despertar. Cathy o viu dormir tão
tranqüilo que teve pena de acordá-lo. Joss precisava descansar.
Então, posicionou-se melhor, ajeitou-se de modo mais confortável e
lançou-lhe os braços ao redor do pescoço. Mas o movimento suave e
constante do peito dele, subindo e descendo, tinha um efeito hipnótico
sobre ela e, em poucos minutos, Cathy sentiu as pálpebras pesadas de
sono.
A princípio, ainda relutou e tentou abri-las, mas, depois, também
entregou-se ao sono.

Os primeiros clarões da manhã, penetrando pela cortina aberta, a


despertaram. Cathy piscou várias vezes e esticou-se. Ou, pelo menos,
tentou esticar-se, sem o conseguir: os braços de Joss continuavam a
prendê-la, mas os dois agora estavam deitados no sofá. Como isso tinha
acontecido? Não sé lembrava.
Cathy então procurou levantar-se. Joss afundou o rosto na curva de
seu pescoço e abriu os olhos.
— Cathy?
Sua voz era de admiração.
— Solte-me, Joss — ela pediu. — Acabamos adormecendo.
— Sem dúvida — ele afirmou, consultando o relógio. — Quatro horas
da manhã. Venha para a cama comigo, Cathy — sugeriu num tom
suave, pressionando o corpo contra o dela.
O pedido, tão terno e carinhoso, não deveria tê-la surpreendido, mas
a surpreendeu.
Encabulada, sentia a pele arder. Joss não estava brincando; o pedido
fora bastante sério e só Deus sabia o quanto ela estava tentada a
atendê-lo. Porém não se julgava pronta para um romance de uma noite
só.
— Venha para a cama comigo — ele repetiu, fazendo-a vibrar por
dentro. — Eu te quero tanto...
— Não, não quer — Cathy afirmou, categórica, afastando-se dele. —
Você pensa que me quer por causa de tudo o que houve; você passou
por um verdadeiro trauma emocional. Mas não seria bom; nós dois nos
arrependeríamos, depois.
Cathy preferia não fitá-lo, mas não teve outra saída.
— Será? — ele perguntou, mudando completamente de tom. — Acho
que você está certa. Aliás, você, hoje em dia, é muito sensata,
ponderada. A Cathy que conheci era bem diferente, não?
— Era, sim — ela concordou. — E veja só o que aconteceu àquela
Cathy.
Era uma indireta de mau gosto, mas Joss a magoara, com aquela
insinuação irônica, fazendo-a lembrar-se de detalhes que lutava para
esquecer, fazendo-a lembrar-se de que já não era mais uma garotinha e
que já passara da idade de fazer amor com alguém movida apenas pelo
desejo.
E havia, ainda, um outro empecilho que Cathy hesitava em
mencionar, mas que não poderia esquecer: nunca usara qualquer tipo
de anticoncepcional e atravessava seu período fértil do mês.
Confusa, tentou imaginar-se dizendo a Sophy que estava grávida de
Joss e reconheceu que a idéia não lhe desagradava. Na verdade,
adoraria ter um filho dele. Aos dezesseis tinha sido bem diferente, pois
nem pensara na possibilidade de engravidar, quando se entregara a
Joss, mas agora...
Joss quebrou o silêncio, trazendo-a de volta ao presente:
— Quanto a você, não sei, mas acho que não vale a pena continuar
dormindo. Sou sócio de um clube a poucas quadras daqui e prefiro ir
dar um bom mergulho. Quer ir comigo?
— Não, obrigada. Vou arrumar as malas e me preparar para pegar o
trem mais cedo.
Ele contraiu os maxilares, fez cara de quem não gostou, mas não
insistiu.
— Se é assim que prefere...
Não, não era. Cathy preferia correr para os braços dele e deixar que
Joss a levasse para a cama. Queria fazer amor com ele porque o amava,
mas seu bom senso a impedia de seguir aquele impulso. Não tinha o
direito de sobrecarregá-lo com seu amor e com uma responsabilidade
que Joss poderia não estar disposto a assumir.
— Sim, é assim... que eu prefiro — ela disse, titubeante.
— É mais seguro... Você se tornou muito cautelosa, não?
— A vida me ensinou — Cathy revidou, magoada com o sarcasmo
dele.
Cansada e com sono, levou uma das mãos às têmporas, que
latejavam terrivelmente.
— Talvez você tenha razão. Quem sabe seja melhor nos
distanciarmos um pouco. Mas você virá para minha casa de campo,
daqui a dois fins de semana, não é?
— Sophy quer que eu vá, mas, se você prefere ficar sozinho com
eles...
— Por que você sempre acha que não quero sua companhia, Cathy?
Joss falava num tom irritado, e Cathy desviou o rosto.
— Trauma do passado, acho — ele mesmo respondeu. — Bem, nós
dois temos de aprender a conviver com isso. Eu gostaria muito que você
fosse conosco; ainda vai levar algum tempo, até que Sophy e eu
fiquemos completamente à vontade um com o outro. Ela protege muito
você, sabia? Mesmo agora que já sabe de toda a verdade, acho que, no
fundo, Sophy ainda me vê como o insensível que um dia engravidou
uma garota de dezesseis anos.
Cathy não sabia o que dizer e procurou aliviá-lo da culpa:
— É imaginação tua. Ela te adora. Sophy sabe que eu menti para
você, ao dizer que tomava pílula.
— Espero que seja imaginação mesmo... Você aceita o convite para ir
conosco?
— Primeiro preciso ver se minha sócia pode me substituir de novo. É
melhor você me dar o endereço; assim, poderei ir de carro sozinha.
— Não. Pode deixar que eu vou buscá-la.
— Não precisa, posso muito bem ir de carro.
— Sim, eu sei que pode, mas nunca tive chance de mimar aqueles
que me são caros; portanto, me dê esse prazer, está bem? Deixe-me
mimá-la um pouco, Cathy, para compensar por todas as vezes em que
não estive por perto quando você precisou.
Mimá-la? Cathy sentiu uma emoção muito forte, que quase a levou
às lágrimas. Será que ele falava sério? Mas por que mimá-la? Era a
Sophy que Joss deveria querer agradar. A menos que... pretendesse
ganhar o amor da filha agradando a mãe.
Mas não, Joss não era desse tipo. Sua honestidade e franqueza
sempre a haviam impressionado. Joss sempre fora um homem direto,
aberto, e nada do que fazia tinha segundas intenções.
— Bem, já que não quer dormir comigo nem me acompanhar num
mergulho, será que gostaria ao menos de tomar um café?
Como resistir a um convite tão terno? Cathy sorriu e brincou:
— Está bem. Mas vamos esperar um pouco. Não tenho apetite tão
cedo.
— Tenho uma idéia melhor: já que não pudemos tomar chá no Ritz,
que tal um brunch no Plaza?
— Um brunch?
— É, um café da manhã bem reforçado.
Concluindo que estaria mais segura num ambiente movimentado,
Cathy concordou e correu para o quarto antes que Joss a convencesse
de mais alguma coisa...

CAPÍTULO XI
O telefone estava tocando, quando Cathy abriu a porta da frente de
sua casa. Ansiosa, pôs a valise no chão e correu para atendê-lo, mas
ficou desapontada ao constatar que era Sophy.
Quem esperava que fosse? Joss? Recordou-se do beijo ardente que
haviam trocado antes que subisse ao trem e dos acenos de Joss, até que
a perdesse de vista. Apesar de seus protestos, ele fizera questão de
acompanhá-la à estação e ficara lhe fazendo companhia até o momento
da partida.
"Cuidado, garota", advertia o bom senso, "cuidado para não se
machucar." Tão logo acabasse a novidade e Sophy consolidasse seu
relacionamento com Joss, tudo voltaria ao normal e o entusiasmo por
parte dele também esfriaria.
— Ah, então, já está em casa — disse Sophy, com voz divertida. —
Telefonei para Joss e ele me disse que você já tinha voltado para casa.
Acho que nunca vou conseguir me acostumar a chamá-lo de pai! —
brincou. E acrescentou, sem retomar fôlego: — Oh, mamizinha, tudo
aconteceu tão depressa que custa-me crer que seja mesmo verdade.
Você deve estar sentindo o mesmo que eu. Depois de tantos anos,
descobrir que ele realmente a amava... Joss não tirou os olhos de cima
de você, no sábado!
— Ora, não seja ridícula, filha.
Conhecendo-a bem, Cathy já imaginava as conclusões a que a filha
devia estar chegando e achou melhor tirar-lhe as ilusões:
— Sophy, não quero que fique imaginando coisas. Joss e eu somos
apenas...
— Apenas duas pessoas que se amam e que um dia tiveram uma
filha juntos — Sophy completou, divertindo-se com a conversa. Porém,
ao ouvir o silêncio do outro lado da linha, achou melhor desculpar-se: —
Desculpe, mamãe, é que... Bem, Joss me parece uma pessoa tão só... E
foi ele quem a convidou para se hospedar lá na casa dele.
— Porque não conseguiu reserva no hotel — Cathy a lembrou.
— Então, quer dizer que não sente mais nada por ele? Nem um
ligeiro entusiasmo?
Cathy ia protestar, mas reconsiderou. Não havia por que mentir para
a filha.
— Claro que sinto, mas, Sophy, estamos atravessando momentos
difíceis e delicados. Não podemos levar a sério as coisas que se dizem ou
que se fazem, em tempos assim. Mais tarde, quando conseguirmos
analisar os acontecimentos com mais calma, com um distanciamento
maior...
Enquanto conversava com a filha, Cathy tentava racionalizar os
sentimentos de Joss.
O desejo que ele alegava ter por ela não era fruto do amor, mas do
remorso, do choque, da dor e de mil outros sentimentos que nada
tinham a ver com o que sentira ao revê-lo. Os sentimentos de Joss não
eram iguais aos dela. Nem poderiam ser. Se ele voltasse a se apaixonar,
seria por uma mulher bem mais jovem, uma moça bonita e charmosa...
— Bem, você vai conosco para a casa de campo, não vai? — Sophy
quis saber.
— Se você insiste...
— Insisto, sim. Tudo o que aconteceu foi muito bonito, emocionante,
mas, às vezes, ainda tenho a impressão de estar sonhando. Tenho de
abandonar a antiga imagem que fazia do meu pai e substituí-la pela
imagem de Joss. Acho que o convívio maior com ele vai me ajudar
muito.
Ambas ainda conversaram durante alguns minutos e, satisfeita por
saber que a filha estava tão feliz, Cathy despediu-se e desligou. Sabia
que deveria telefonar para Lucy, mas sentia-se tão cansada...
Ao afundar-se numa cadeira, resmungou baixinho, ao olhar através
da janela e ver que o gramado precisava ser aparado. Como a grama
havia crescido tão depressa? Sophy sempre falava que deveriam arranjar
um jardineiro, mas Cathy adorava cuidar pessoalmente das plantas.
Ficou pensando no assunto e concluiu que umas horas de trabalho
árduo a ajudariam a se distrair, deixando de lado as fantasias
adolescentes a que se entregara ultimamente.

Ao contrário do que pensava, Cathy teve uma quinzena das mais


agitadas.
Lucy ficara acamada, vítima de uma virose, e Cathy foi obrigada a
trabalhar dobrado, cumprindo sua parte e a da sócia. Além disso,
encarregou-se de levar as crianças para a escola, todas as manhãs, e de
ir buscá-las no final da tarde, já que o marido de Lucy não poderia
deixar o escritório.
Surpresa, Cathy descobriu que estava gostando da experiência de
voltar a ser "mãe" e, à saída da escola, sempre notava que havia outras
mulheres na sua faixa etária, grávidas.
Aliás, já tinha lido uma reportagem a esse respeito. A mulher
moderna preferia ter filhos mais tarde, depois de já ter se estabelecido
na carreira. Desta forma, já realizada profissionalmente, tinha mais
tempo para dedicar à família e mais maturidade para criar os filhos.
O buffet só havia recebido dois pedidos para o fim de semana que
passaria da casa de campo de Joss, mas Cathy os cancelara ainda na
quarta-feira, quando percebera que Lucy ainda não estaria recuperada e
pronta para cumpri-los durante sua ausência. Felizmente, os clientes
foram compreensivos e souberam entender o motivo do cancelamento.
Joss tinha combinado que viria buscá-la no dia seguinte, sexta-feira,
à tarde, e Sophy iria telefonar a qualquer momento para combinar os
detalhes da viagem.
Terminando de tirar as compras do carro, Cathy levou os pacotes
para a cozinha e suspirou, exausta, quando o telefone tocou. Como
imaginara, era Sophy, entusiasmadíssima.
— Você nem imagina o que aconteceu! — Sophy exclamou, depois de
haverem combinado os detalhes. — Lembra-se daquela moça que estava
com Joss na festa do meu casamento? A secretária dele, lembra? Pois
Joss a despediu.
— Despediu?
— Exatamente. Foi ele quem me contou.
Joss tinha despedido Lucille! Não havia uma explicação lógica para o
seu coração ter disparado ao saber da notícia, mas o fato era que Cathy
ficara radiante.
E, horas mais tarde, já na cama, custava-lhe pegar no sono, qual
criança pequena na véspera de Natal. Estava superfeliz porque,
finalmente, no dia seguinte, tornariam a se encontrar e teriam todo um
fim de semana juntos pela frente. Um fim de semana que prometia ser
inesquecível!
A ansiedade era tanta que Cathy acordou bem mais cedo do que
planejara.
Às dez da manhã, já tinha arrumado a mala e feito as unhas. Joss
não dissera ao certo a que horas viria, mas haviam combinado se
encontrar depois do almoço.
Cathy planejara usar, na viagem, um conjunto de saia pregueada e
blusa em malha de algodão, duas das várias peças de roupa que
comprara desde que voltara de Londres.
Uma hora depois, a casa já estava arrumada, e Cathy não tinha mais
nada para fazer a não ser esperar por Joss. Porém, ainda era muito
cedo, na certa, ele não viria antes das duas horas, e, pensando bem, o
canteiro das rosas precisava ser revolvido.
Suspirando, voltou para o quarto e vestiu o velho short desbotado e
uma camiseta de alças que sempre usava para trabalhar no jardim. O
sol estava forte e seria uma boa oportunidade para melhorar seu
bronzeado.
Menos de meia hora depois de ter começado a jardinar, suando em
bicas, Cathy parou o serviço e foi até a cozinha, onde bebeu um copo de
água gelada e prendeu os cabelos num rabo-de-cavalo com uma fita que
encontrou na gaveta do armário.
Felizmente não havia ninguém ali para vê-la, pensou, ao reparar no
par de tênis, no short sujo de terra e na camiseta suada.
Já refeita e mais descansada, voltou para terminar o canteiro. Só
faltava um pedaço pequeno, junto ao qual Cathy se ajoelhou, de costas
para a rua. Foi quando Joss chegou.
Estacionando o carro na rua, desceu e ficou a observá-la. Entretida
no que fazia, Cathy não se deu conta da presença dele.
Exausta, resolveu dar o trabalho por encerrado e ergueu-se, virando-
se para trás.
Não! Não podia ser! Joss?! Mas deviam ser, no máximo, onze horas!
Seu desejo era sair correndo e esconder-se, mas seus pés pareciam
colados ao chão. Sempre sorrindo, Joss veio ao seu encontro.
Ele estava muito elegante, com uma camisa branca impecável, de
algodão, e calça jeans novíssima.
Cathy queria morrer, de tanta vergonha, ao imaginar o que Joss
devia estar achando de sua aparência terrível: o rosto suado, a camiseta
justa colada ao corpo, os cabelos despenteados...
— Você deve estar com calor — ele comentou.
— Estou mesmo — ela garantiu. E o acusou: — Você chegou
adiantado.
— Pois é... O dia está tão agradável... Achei que seria melhor sairmos
mais cedo e almoçarmos no caminho.
— Engraçado, achei que quisesse ir o mais depressa possível para
poder passar mais tempo na companhia de Sophy.
O tom acusatório de Cathy o fez franzir a testa.
— Seria excelente, mas Sophy e John só irão nos encontrar à noite,
pois só poderão sair de Londres no final da tarde, depois do trabalho.
Cathy já ia dizer que, nesse caso, não precisava ter vindo buscá-la
tão cedo, porém, refletindo melhor, percebeu que estava se portando de
modo infantil e... revelador. Então, ensaiou um sorriso e foi sincera:
— Bem, como pode ver, eu não o esperava tão cedo. Se me der
licença, vou subir e tomar um banho rápido.
Seu rosto estava corado por causa do sol forte e Cathy odiou o
contraste gritante entre sua deselegância e a aparência impecável de
Joss. Não que pretendesse impressioná-lo, mas assim já era demais. Por
que resolvera trabalhar no jardim justo nesse dia? Teria sido melhor ter
ficado assistindo televisão.
Ele esticou o braço para tocá-la e automaticamente Cathy se retraiu,
se afastando.
— O que foi? — Joss perguntou, sério.
O que foi? Uma pergunta típica de um homem; será que Joss não
percebia seu constrangimento? Lá estava, toda suada, com aquele rabo-
de-cavalo ridículo, todo desfeito, com aquelas roupas velhas, e ele ainda
perguntava: o que foi?
— Não me diga que ficou constrangida por eu tê-la encontrado
assim... A Cathy que conheci não se importava nem um pouco.
A gentileza do tom com que ele falava a desarmou, mas Cathy
percebeu e reagiu, brava:
— Isso foi há mais de vinte anos!
— E que diferença isso faz? Para mim, não mudou nada.
Cathy já estava farta. Não tinha disposição para continuar com
aquela conversa, que só contribuía para deixá-la cada vez mais
insegura. Revoltada, virou-se depressa e acabou tropeçando nas
ferramentas que deixara no chão.
Foi Joss quem a amparou, segurando-a pela cintura. Suas mãos
tocavam-lhe a pele do ventre, exposta pela camiseta curta. Cathy sentiu
os joelhos fraquejarem e uma súbita onda de calor deixou-a afogueada.
Constrangida, tentou afastar-se, mas Joss a manteve imóvel.
— Joss, por favor, solte-me. Estou suada, com a roupa toda suja...
Em resposta, ele lhe tocou a testa molhada de suor com a ponta dos
dedos. O modo com Joss a olhava a fez estremecer.
Não era possível, só podia estar imaginando coisas, disse a si mesma,
analisando a expressão do olhar que Joss lhe dirigia. Não era possível
que ele a desejasse. Não ali, com aquelas roupas!
— Desejo-a assim mesmo — Joss afirmou, respondendo à pergunta
que lera em seus olhos. — Você é uma mulher de carne e osso, Cathy, e
não uma boneca sempre impecável. E você está me deixando maluco...
Cathy o fitava boquiaberta.
Joss, então, se aproximou mais e beijou-a no pescoço de modo lento,
provando-lhe o gosto salgado da pele úmida de suor. Ela estremeceu e
ele comprimiu com mais força os lábios contra sua pele, mordiscando-a
de leve.
Sua camiseta de alças tinha uma série de botõezinhos na frente, os
quais ela nunca abria. Joss, no entanto, já havia desabotoado metade
deles e afastava o tecido para poder tocá-la. E vê-la, Cathy constatou.
Por que não pensara em pôr o sutiã?, perguntou-se, encabulada. E
procurou fugir. No entanto, Joss não a soltou. Fascinado com sua
beleza, acomodou-a nos braços, comprimindo-lhe os quadris contra os
seus com uma das mãos enquanto, com a outra, abria de vez os botões
da camiseta.
A tensão tornou-se insuportável, e Cathy lhe suplicou:
— Não, por favor, não me olhe assim...
— Por que não? Você é linda.
— Não! — ela gritou, atormentada com aquela insistência.
— Claro que é — Joss afirmou. — Mais bonita hoje do que quando
era adolescente. — E acariciou-lhe os seios com calma, admirando-os.
Então, curioso, perguntou, comprimindo-a contra si: — Você
amamentou Sophy no peito?
A pergunta deixou-a ainda mais constrangida e Cathy ficou muito
vermelha.
— Amamentei, sim... E foi lindo — ela respondeu, com carinho.
De repente Joss começou a tremer. Cathy o fitou e viu o rosto dele se
crispar de dor.
Esquecendo-se de que estava com a camiseta aberta, ela o segurou
pela camisa, assustadíssima.
— Joss, o que houve?! Alguma coisa errada?!
— Alguma coisa errada? Está tudo errado! Tudo o que deveríamos ter
compartilhado, tantos momentos preciosos... Você teria um outro bebê?
— perguntou, surpreendendo-a mais uma vez.
Outro bebê?! A pergunta a deixou atônita.
— Se eu fosse casada — explicou —, ou me envolvesse num
relacionamento estável com um homem que me amasse, talvez eu
tivesse outro filho. Mas, como não é o caso...
Então, ao cair em si e perceber que continuava nos braços dele com
os seios totalmente expostos, tentou fechar a camiseta. Joss, porém, foi
mais rápido e tornou a afastar o tecido, tocando-lhe de leve os mamilos.
— Preciso entrar e tomar um banho.
— Ainda não — Joss murmurou, com a voz rouca de paixão. —
Ainda não, Cathy. Deixe-me tocá-la mais um pouco.
Ela sabia que deveria protestar, mas as palavras ficaram presas na
garganta. Limitou-se a se apoiar nos braços dele, enquanto Joss a
tocava, despertando-lhe sensações maravilhosas que a deixavam
extasiada.
Queria que ele a beijasse, ansiava por sentir-lhe os lábios úmidos e
quentes em seus seios, mas, ao mesmo tempo, temia perder o controle e
implorar-lhe que fizesse amor com ela.
Finalmente Joss a soltou, confessando:
— É melhor parar... senão vou acabar me descontrolando.
Aquelas palavras a fizeram recuperar o senso da realidade e Cathy
ergueu o rosto, ansiosa para lhe pedir que continuasse a acariciá-la.
Não pôde. Fechou a camiseta e disse:
— Vou tomar um banho..
— Acho melhor eu esperá-la aqui fora. É mais seguro para nós dois.

CAPÍTULO XII
Cathy e Joss pararam para almoçar ao norte de Cotswolds, numa
cidadezinha pacata cujas casas, em sua maioria, eram feitas de pedra.
Lá ficaram conversando por um bom tempo. Depois seguiram
viagem. Já passava das sete horas da noite quando Joss avisou que se
aproximavam de sua propriedade.
— O vilarejo é pequeno. Encontrei estas terras por puro acaso. A
casa principal fica ao lado de uma capelinha antiga, construída antes da
era vitoriana.
Dez minutos mais tarde, entravam na alameda florida que levava à
casa de Joss. Cathy desceu o vidro do carro para respirar o ar puro e
perfumado.
— Quando eu me mudar definitivamente para cá, acho que vou
arrumar um cachorro — Joss comentou, ao cruzarem um pórtico sem
portões. — Você gosta de cachorros, Cathy?
— Gosto. Sophy, também.
— Chegamos.
A casa era mais antiga e maior do que Cathy imaginara e ficava em
meio a um gramado tão crescido que mal dava para se ter uma idéia de
como era antigamente.
— A casa ficou vazia uns dois anos, antes que eu a comprasse.
Venha, lá dentro está melhor do que imagina.
De fato, lá dentro os trabalhos de reforma e restauração já haviam
começado.
— Mandei trocar todos os canos e a instalação elétrica — disse Joss,
ao seguirem por um corredor com paredes revestidas de madeira. —
Também troquei as peças e os azulejos da cozinha e dos banheiros, e só.
Uma das salas já está quase pronta. Venha.
Cathy admirou o ambiente, com um belíssimo assoalho de tacos
escuros, mas não gostou da decoração pobre e inadequada. A janela
dava vista para um pequeno jardim cercado, na lateral da casa, que,
exatamente como o gramado da frente, estava em péssimo estado de
conservação. O sol do verão custava a se pôr e, mesmo já sendo início de
noite, seus últimos raios avermelhados inundavam o jardim.
— Quantos quartos tem a casa? — ela quis saber.
— Sete quartos e quatro banheiros. No andar de baixo temos uma
saleta, a sala de jantar, um estúdio, esta sala onde estamos e a cozinha.
Já vou lhe mostrar os outros cômodos, mas, se não se incomoda, tenho
de checar os recados na secretária eletrônica primeiro.
— Talvez eu possa preparar um drinque para nós — Cathy sugeriu,
temendo incomodá-lo.
— Ótima idéia. As bebidas estão na cozinha; fique à vontade.
A cozinha tinha sido redecorada com armários de carvalho; a um
canto, ficava o fogão original, de tijolos aparentes, muito bem
conservado. O piso havia sido substituído por outro, mais moderno, em
tons de terracota, e Cathy ficou encantada com a cerâmica.
Procurando dar tempo para que Joss checasse os recados à vontade,
preparou calmamente dois drinques e os colocou numa bandeja.
Ao entrar na sala, encontrou-o de pé, de costas para a janela,
tamborilando os dedos na guarda de uma das cadeiras, com ar
preocupado.
— Aconteceu alguma coisa?
— Sim. Sophy e John não vão poder vir nos encontrar. — Então, ao
vê-la pálida e apreensiva, esclareceu depressa: — Não houve nada de
grave, mas é que o chefe de John pediu-lhes que o ajudassem a
recepcionar uns clientes americanos durante o fim de semana, e ele não
teve como recusar. John tentou entrar em contato comigo, no escritório,
mas eu já havia saído.
Cathy, cansada, tremeu, só de pensar na viagem de volta, mas
ensaiou um sorriso:
— Ainda bem que não cheguei a desfazer a mala, não é? Se
voltarmos direto, acho que chegarei em casa por volta...
— Você precisa voltar ainda hoje? — Joss perguntou, friccionando os
ombros como se estivessem doloridos.
Cathy reconheceu que seria muito egoísmo, de sua parte, obrigá-lo a
levá-la de volta. Ele estava visivelmente cansado e a viagem era longa.
— Não, não.
— Ótimo. Então, vamos nos sentar e planejar nosso fim de semana
enquanto saboreamos nossos drinques.
— Fim de semana? Mas, Joss, não vou mais poder ficar aqui até
domingo...
— Por que não?
— B...bem... isto é... não tenho um motivo especial, mas você
certamente não vai querer que eu fique. Quer dizer, eu só vim porque
Sophy e John estariam aqui.
— E agora eles não estarão, mas você está. — Então, Joss pensou
uns segundos e sugeriu: — Você poderia me ajudar a cuidar do jardim.
Com sua prática e o meu cortador de grama...
Cathy achou graça:
— Você precisa é de uma serra elétrica, isso sim! Como foi que o
jardim chegou a esse estado?
— Não faço a menor idéia — Joss comentou, brincalhão. — Acho que
é o que as pessoas chamam de natureza, não? De qualquer forma,
contratei uma firma para remodelá-lo durante o outono.
— Ótima idéia. O espaço é maravilhoso. O que pretende fazer?
Recuperar o estilo Tudor original?
— Foi o que pensei. Talvez você pudesse me ajudar; jardinagem não é
o meu forte.
Encantada com o convite, Cathy aceitou-o sem demonstrar muito
entusiasmo, dizendo a si mesma que não deveria se envolver demais.
Joss consultou o relógio:
— Reservei uma mesa para nós num restaurante próximo. Disse que
estaríamos lá por volta das oito e meia.
— Poderíamos jantar aqui mesmo.
— De jeito nenhum. Os pratos estão todos no freezer. Além do que,
ambos estamos cansados e sem disposição para preparar o jantar.
Cathy ficou impressionada com a sensibilidade dele, pois não estava
acostumada a ter ninguém para mimá-la e poupá-la. Feliz daquela que
Joss escolhesse para esposa... Ele era um homem quase perfeito: forte
mas sensível, carinhoso sem ser fraco, másculo mas não agressivo.
— Bem, vou tirar minha mala do carro e trocar de roupa — disse.
— Pode deixar que eu a trago para você, Cathy — ele pediu, num
tom carinhoso —, se você tiver alguma roupa de seda, por favor, vista-a
para mim, está bem?
De seda... Cathy só havia trazido uma blusa de seda cor de creme.
Usá-la para ele?, perguntou-se, sentindo um friozinho no estômago.

Quando Cathy desceu a escada, Joss a olhou, encantado.


— Você está linda — afirmou, assim que ela se aproximou, roçando
uma das mãos bem de leve em seu seio. — Mas ficaria muito melhor se
não estivesse usando isto — acrescentou, enganchando o dedo na alça
do sutiã. — Tire-o, Cathy.
Ela arregalou os olhos, espantada.
— N...não. Não posso sair assim.
— Pode, sim — ele garantiu, e, antes que ela pudesse protestar,
começou a desabotoar-lhe a blusa, alcançando o fecho às costas.
Mais um segundo e... Movida pelo desespero, ela se afastou:
— Está bem, está bem, mas eu mesma tiro.
— Tem certeza de que não quer minha ajuda? — Joss perguntou, ao
vê-la subir a escada depressa, em direção ao quarto.
A blusa tinha umas pregas nos ombros, e um observador casual não
notaria que ela não usava sutiã, mas Joss não era um observador
casual. "Que pedido mais absurdo!", ela pensou, diante do espelho,
procurando ajeitar as pregas na frente.
Incrível como seu comportamento se modificara, desde que
reencontrara Joss. Suas barreiras ficavam cada vez mais frágeis.
Indecisa diante do espelho, reconheceu que aquela seria uma
excelente oportunidade para dizer a Joss que não pretendia se tornar
sua amante! Mas, ao ouvi-lo chamá-la lá de baixo, sua resolução caiu
por terra. Afinal, que mal havia em passar um fim de semana agradável
em companhia do pai de sua filha?

CAPÍTULO XIII
A idéia de jantarem fora tinha sido ótima, e o restaurante, apesar de
pequeno, era excelente. Acatando a sugestão do chef, Joss havia pedido
uma salada leve, suflê de queijo com batatas e arroz com legumes.
— Mmmm... estava uma delícia! — ela exclamou, ao comer o último
bocado de suflê.
— Você sempre teve bom apetite — Joss comentou, satisfeito de que
ela tivesse gostado da comida.
— Eu sei que, na minha idade, a maioria das mulheres já começa a
desenvolver uma certa tendência para engordar, mas...
— Cathy, já estou cansado de ouvi-la referir-se à sua idade dessa
forma. Você é uma mulher bonita e atraente, e, a meu ver, está na flor
da idade.
Ela enrubesceu e limpou os lábios no guardanapo. Durante o jantar,
a conversa tinha girado em torno dos mais diversos assuntos, sem, no
entanto, enveredar para um campo pessoal, e com isso Cathy havia
baixado suas defesas.
— Você não acredita no que digo, não é?
— É natural que os homens se sintam mais atraídos por uma moça
na faixa dos vinte do que por uma mulher de...
— Trinta? Que bobagem! Claro que há homens da minha idade, e até
mais velhos, que gostam de circular por aí ao lado de garotas bem mais
novas, mas me sentirei insultado, se me compararem a um desses,
Cathy. Sou um homem bem equilibrado e não preciso desse tipo de
coisa para agradar ao meu ego, para me sentir seguro. A juventude,
embora atraente, é um período difícil, na vida das pessoas. As jovens de
vinte anos, mesmo sendo mais bonitas aos olhos de certos homens, são
às vezes vazias e egoístas. Eu, com mais de quarenta, prefiro a com-
panhia de uma mulher madura, que tenha os mesmos gostos, a mesma
experiência de vida...
Houve uma pausa pesada, e Cathy procurava encontrar algo que
pudesse dizer. Então, resolveu arriscar:
— Sophy me contou que Lucille não está mais trabalhando para você
— comentou, como quem não quer nada.
— É verdade. — Joss olhou-a bem dentro dos olhos e explicou: —
Achei que seria melhor para ela. Nosso relacionamento profissional era
excelente, mas, de uns tempos para cá, Lucille começou a... se apegar a
mim. Como não posso retribuir esse tipo de sentimento, achei que seria
melhor afastá-la do escritório para impedir que se envolvesse demais e
viesse a sofrer depois. Nunca fomos amantes, Cathy. — A última frase
foi dita tão baixinho que ela quase não a ouviu.
— Você já me disse isso antes.
— Mas você não acredita, não é?
— Eu acredito, mas não entendo por que você se sentiu obrigado a
vir me dar explicações.
Pronto; mais uma vez, falara demais! Ele a fitou, surpreso:
— Engraçado, até nisso nós dois mudamos. Naquela época, não
precisávamos de explicações. — Joss segurou-lhe a mão esquerda sobre
a mesa. — Bastava que nos olhássemos, nos tocássemos e... Cathy,
quero que se case comigo.
Ela ficou completamente pasma. Jamais poderia esperar que ele a
pedisse em casamento. E, percebendo sua surpresa, Joss franziu a
testa.
— Me desculpe se assustei você, mas achei que já tinha adivinhado
minhas intenções.
— Eu pensei que você me quisesse apenas como amante. Achei que
talvez você estivesse com saudade dos velhos tempos e...
— Quisesse reviver o passado — ele completou, com um sorriso
sarcástico. — Você certamente subestima minha inteligência. Sou um
homem bem-sucedido nos negócios mas muito só. Você é a mãe da
minha única filha, e nestas últimas semanas ficou provado que nos
damos muito bem. Acho que poderíamos ter um relacionamento mais
sólido e durável, que nos traria mais estabilidade e segurança até o fim
dos nossos dias.
— "Envelheça ao meu lado" — Cathy comentou, citando a letra de
uma canção.
Como podia ser tão tola? Não era uma mulher atraente que Joss via
nela, mas, sim, um seguro para uma velhice tranqüila.
— Se me lembro bem, a letra continua assim: "O melhor ainda está
por vir". É exatamente o que penso, Cathy. Poderíamos vir morar aqui e
tornar nossas vidas muito mais agradáveis, fazendo companhia um ao
outro. Não se esqueça de que temos uma filha e logo virão os netos.
— Sophy é uma moça casada e tem sua própria vida — Cathy
alegou.
O que mais a magoava era que, entre tantas razões que Joss
apontava para pedi-la em casamento, nenhuma incluía o amor.
— Pense bem, Cathy. Sei que a peguei de surpresa, mas a idéia não
me sai da cabeça desde aquele fim de semana em que conversamos e
soubemos da verdade.
— Pensei que você tivesse dito que não pretendia mais se casar,
depois do divórcio.
— Não. Eu disse que não pretendia mais cometer o mesmo erro, e
casar com você certamente não seria um erro. Eu a ajudaria com a
reforma do jardim — acrescentou, bem-humorado — e até compraria um
cortador de grama novinho.
Ela não pôde conter um riso.
— Não sei... Tenho minha casa, minha sociedade com Lucy.
— Eu sei, e pensei em tudo isso, acredite.
No íntimo, Cathy, já sabia que sua resposta seria não. Não poderia
casar-se com ele, por mais prático que o arranjo lhe parecesse. E disse:
— Não. Sinto muito, Joss, mas não posso me casar com você.
Mesmo ali, na penumbra do restaurante, ela viu uma sombra triste
cruzar o olhar de Joss. Mas fazer o quê? Viver para sempre com um
homem que não a amava era impossível.
— Talvez você tenha razão... — Joss sussurrou.
— Sem amor, não vale a pena casar.
— Concordo — ele afirmou.
Cathy sentiu uma pontada no coração. Era como se uma parte dela
esperasse que Joss rebatesse seu argumento e declarasse que a amava.
Mas seria esperar demais. Qualquer mulher, na sua idade, se
conformaria com o tipo de relacionamento que ele lhe propunha, sem se
apegar a qualquer fantasia adolescente envolvendo o amor. A paixão
acabava, com o tempo; a amizade e o companheirismo ficavam. Mas
Cathy queria tudo o que nunca tivera: amizade, companheirismo e
amor.
O percurso de volta para a casa de Joss, após o jantar, foi feito em
silêncio. Cathy, ansiosa, já se perguntava se agira bem, não aceitando a
proposta de Joss. Afinal, não se podia ter tudo, neste mundo...
Mas era tarde demais para voltar atrás, disse a si mesma. Será que o
que estava sentindo agora era por culpa da proximidade que o interior
do carro lhes proporcionava? Bastava mexer o braço de leve para
encostá-lo em Joss. Disfarçadamente, olhou-o com o canto dos olhos e
notou-lhe, no perfil determinado, másculo, os lábios que tantas vezes
beijaram os seus.
Excitada, remexeu-se no banco, ao sentir aquela onda de calor já
familiar aquecer-lhe o sangue.
Pensando em tudo o que Joss poderia lhe proporcionar, na vida que
poderiam ter, se ele a amasse, não conteve um arrepio involuntário.
— Está com frio? — Joss perguntou ligando o ar quente.
— Um pouco...
Será que Joss não percebia o quanto estava tentada a aceitar seu
pedido? Não notava o quanto a perturbava, cada vez que se
aproximavam? Estranho que a tivesse pedido em casamento sem apelar
para seu maior trunfo: o magnetismo indisfarçável que exercia sobre ela.
Mas, afinal, o que esperava que ele fizesse? Que a beijasse
apaixonadamente assim que entrassem no carro? Que implorasse para
que mudasse de idéia?
Confusa e cansada, Cathy fechou os olhos e esperou até que
chegassem em casa.
— Acho que vou dormir — disse, logo depois que entraram.
Não havia por que prolongar aquele constrangimento. Joss,
certamente, mal via a hora de ficar só.
— Só um minuto, sim? — ele pediu, de modo abrupto. — Há algo que
quero lhe dar. Eu esperava entregá-lo em outras circunstâncias, mas, já
que o comprei pensando em você...
Ele se desculpou, foi até o estúdio e voltou segundos depois, tenso.
Então, entregou-lhe uma caixinha de veludo. Não era preciso ser
adivinho para saber que ali havia um anel. Cathy, no entanto, viu-se
paralisada.
— Abra — ele pediu. — Eu o comprei há mais de vinte anos,
pensando em você. Quando voltei à Cornualha, depois da morte do meu
pai, levei-o comigo, decidido a pedi-la em casamento. Quando a zeladora
me contou tudo aquilo, tive vontade de jogá-lo no mar, mas não fui
capaz...
— Você o guardou todos esses anos...
— Simplesmente não consegui me desfazer dele. Eu esperava poder
colocá-lo no seu dedo esta noite.
As lágrimas ameaçavam escorrer-lhe pelas faces e, temendo dar um
vexame, ela agarrou a caixinha com força e subiu para o quarto.
Precisava de tempo para pensar.
Joss não a seguiu, e, depois de enxugar as lágrimas, Cathy abriu a
caixinha. Era um anel delicado, que Cathy adorou, logo à primeira vista.
A safira central — sua pedra favorita — era circundada por pequenos
brilhantinhos. Encantada, tirou-o da caixa e o colocou no dedo anular
esquerdo. Cabia direitinho.
Arrependida e triste, Cathy deixou que as lágrimas lhe corressem
livremente pelo rosto. Com mãos trêmulas, tirou o anel e tornou a
guardá-lo. Um objeto tão pequeno, tão simples, mas quanto significado
guardava...
Logo pela manhã, teria uma conversa bem franca com Joss, ela lhe
explicaria por que recusara o pedido e confessaria seu amor. E caso ele
ainda a quisesse, concordaria com o casamento.
Ele tinha toda a razão: poderiam construir um relacionamento sólido,
duradouro, até o fim de seus dias.
Cathy despiu-se e tomou um banho quente, mas, já deitada, não
conseguiu dormir. Estava agitadíssima. O relógio da capelinha ali perto
bateu uma hora, duas horas, e nada de sono.
Consciente de que era inútil continuar deitada, vestiu o robe e rumou
para o quarto de Joss. Se ele estivesse acordado, conversaria agora
mesmo.
A porta estava entreaberta, e a luz do abajur, acesa. Cathy bateu de
leve e entrou. Ao vê-la, Joss deixou de lado o livro que lia na cama,
apoiado nos travesseiros.
— Podemos conversar?
Ele assentiu, muito sério, e, afastando-se para a direita, indicou-lhe
que sentasse ao seu lado.
— Sente-se aqui.
Ela lhe obedeceu e sentou-se na cama.
— Ouça, se teme que tente pressioná-la através de Sophy...
Cathy a interrompeu tocando-lhe de leve o braço. Joss tinha o torso
nu e seus dedos roçaram de leve nos pelinhos macios. Ela respirou
fundo e o encarou:
— Se não for tarde demais, gostaria de voltar atrás e aceitar seu
pedido.
Joss ficou encantado e, por um segundo, Cathy chegou a pensar que
nunca quisera de fato casar-se com ela e até ficara aliviado com sua
recusa. Porém, no instante seguinte, ele se aprumou na cama, deixando
que o lençol lhe escorregasse abaixo da cintura. Cathy, confusa, sem
saber o que fazer, constatou que ele estava nu, sob as cobertas.
— Posso perguntar por que mudou de idéia?
Cathy o olhou de modo confuso, tristonha, e sentiu que sua coragem
começava a abandoná-la. Felizmente, Joss segurou-lhe um dos pulsos e
sussurrou baixinho:
— Cathy, estou me controlando para não deitá-la aqui e possuí-la já.
Mas, como sei que você não está precavida, eu...
Deixando a cautela e as frases ensaiadas de lado, Cathy mostrou-lhe
a caixinha que trouxera consigo:
— Foi o anel que me fez mudar de idéia.
— O anel? Mas... por quê? Ele não é tão valioso assim. Até pensei em
lhe comprar um outro e...
— Para mim, ele tem muito valor, porque... — Mas não conseguiu
completar a frase. A emoção embargava-lhe a voz. — Ainda quer se
casar comigo?
— Venho querendo me casar com você há, pelo menos, vinte anos e
não mudaria de idéia em apenas duas horas, não acha? — Suas
palavras a tocaram fundo e Cathy ergueu o rosto, fitando-o com um
sorriso nos lábios. — Venha cá.
O anel caiu no chão no momento em que Joss a puxou para si e
calou-lhe as dúvidas com um beijo apaixonado. Eles já haviam se
beijado antes, de diversas formas: com paixão, com a timidez típica dos
adolescentes, com desejo, mas esse beijo era diferente de todos os
outros. Era um selo de compromisso.
Cathy estremeceu, convencida de que agora não haveria volta.
Estavam comprometidos para sempre. Mesmo assim, tentou afastar-se,
mas Joss não a soltava. Ela insistiu, empurrando-o de leve, e ele
afrouxou os braços.
— O que foi? — perguntou, afastando-lhe os cabelos caídos na testa.
— Ouça, Cathy quero muito fazer amor com você, mas se preferir
esperar...
Ela balançou a cabeça, negando com veemência.
— Há algo que preciso lhe dizer...
— Depois — ele interrompeu. — No momento, quero fazer algo que
venho desejando fazer há também, pelo menos, vinte anos...
Cathy fechou os olhos quando o sentiu erguer-lhe os cabelos e beijar-
lhe a nuca delicadamente.
— Joss, eu...
— Psss — ele sussurrou, afastando-lhe o robe para acariciar-lhe os
seios por sobre o algodão fino da camisola.
Cathy perdeu o controle e segurou-lhe o rosto entre as mãos. Depois
esgueirou-se sob o lençol e o abraçou.
— Cathy, Cathy, faz tanto tempo...
Torturada pelo desejo, ela se ergueu um pouco e devagar despiu a
camisola, num gesto provocativo.
— Oh, Cathy...
Ele afundou o rosto entre seus dedos e os beijou, provando-os com
sua língua macia. Cathy pendeu o pescoço para trás, murmurando seu
nome baixinho.
— Era isto que você queria, Cathy? É assim que você gosta?
Ela respondia com murmúrios roucos que o deixavam cada vez mais
excitado. Era maravilhoso senti-la ali em seus braços, livre de qualquer
constrangimento, mais mulher do que nunca.
— Você é linda... — Então lhe sugou os seios com voracidade.
— Assim você me enlouquece, Joss...
— Eu quero enlouquecer você.
E Cathy se entregou de vez à volúpia e o acariciou de modo íntimo,
submetendo-o a uma sublime tortura.
— Oh, Cathy, se soubesse quanto tempo sonhei com este momento,
quantas noites de insônia sofri, rolando na cama, sem conseguir tirá-la
da idéia... Eu te amo, te amo...
— Então, faça amor comigo, Joss. Não suporto mais esta espera.
Faça amor comigo...
Joss então, sussurrando-lhe palavras carinhosas, possuiu-a com
calma, apreciando cada momento da relação. Agora, mais maduro e
experiente, proporcionou a ela todo o tempo do mundo para que
atingisse o êxtase. E só se preocupou com o próprio prazer depois de
satisfazê-la.

Um pouco mais de um ano depois que haviam se amado, naquele fim


de semana em que Joss a pedira em casamento, Cathy olhava para ele
de pé, próximo à janela, com o filhinho de três meses nos braços. A sala
estava cheia de convidados.
— O batizado foi lindo — Mary comentou —, e Joshua se comportou
muito bem. — Então, lançou um olhar úmido em direção a Sophy e
John. — Sei que eles querem esperar mais um pouco para terem um
bebê, mas confesso que estou ansiosa para ter mais um netinho. Cathy,
você está ótima.
— Sim. Tive uma gravidez muito tranqüila, embora Joss insistisse em
me tratar como se eu estivesse doente. A segunda gravidez é bem mais
fácil do que a primeira.
Comovida, tornou a admirar a cena que se tornara sua favorita nos
últimos três meses: Joss com o bebê no colo, todo sorridente. A
princípio, ao descobrir-se grávida, temera pela reação de Sophy, mas a
filha ficara absolutamente encantada com a notícia de que teria um
irmãozinho.
Na verdade, a vinda de Joshua modificara a vida de todos para
melhor. Principalmente a de Cathy, ajudando-a a superar de vez o
preconceito de que, aos trinta e sete anos, a mulher deveria se portar
como uma senhora, e não como um ser humano em plena flor da idade.
Ao se surpreender sendo observada pela esposa, Joss aproximou-se
discretamente e murmurou-lhe ao ouvido:
— Cuidado com esses olhares, sra. Bennett, ou já se esqueceu de
como foi que tudo terminou da última vez que me fitou com esses olhos?
— Sabe de uma coisa? Acho que um filho único pode se tornar uma
criança problemática, egoísta.
— Nem pense nisso. Já quase morri de apreensão, com sua gravidez.
— Ora, que bobagem... As mulheres de quarenta, hoje em dia, não se
preocupam com esse tipo de coisa. Além do que, tenho apenas trinta e
oito!
— Ah, é? E o que houve com aquela provecta senhora de trinta e
sete?
— Abandonei-a desde que o reencontrei.

FIM

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