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SaberSobreViver 11:

uma geometria fractal do EscreverEntreMundos:


Pois as literaturas do século XXI serão, em grande
medida, literaturas sem morada fixa.

Responsabilidade,
. _ conforme
l . demonstra esse ll.vro
persp1caz, nao exc Ul poder de entretenimento.
Frankfurter Rundschau I
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Ottmar Ette reivindica o salto resoluto em d. - I
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~creverEntreMundos
Reitor
Ricardo Marcelo Fonseca Ottmar Ette
Vice-Reitora
Gradeia Inês Bolzón de Muniz
Pró-Reitor de Extensão e Cultura
Leandro Franklin Gorsdorf
Diretor da Editora UFPR
Rodrigo Tadeu Gonçalves
Vice-Diretor da Editora UFPR
Hertz Wendel de Camargo
EscreverEntreMundos
Conselho Editorial que Aprovou este Livro
Adriano Nervo Codato
Literaturas sem morada fixa
Allan Valenza da Silveira
Cristina Gonçalves de Mendonça
David José de Andrade Silva (SaberSobreViver II)
Edison Luiz Almeida Tizzot
Everton Passos
Ida Chapava! Pimemel
Lauro de Brito de Almeida
Marcia Santos de Menezes
Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt
Maria Cristina Borba Braga
Naotake Fukushima
Sérgio Luiz Meister Berleze
Sérgio Said Staut Junior

~ UFPR
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Escrever EntreM u n dos


l.t!cr.tlllr.l~ ~c m mor.JCb fi xa

Coordenação Edito rial Ottmar Ette. EscreverEntreMundos


Rache:! C: ri srina !'avi m
Ed itoraçáo Elctrô nica
So~gctw Dcsign Edir ori:d
Conce pção d a Capa I
Tobias l'rafr 11 r I ~III~
Trad ução
Ro~.tni Umbach
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13ihli (Jtcc..íno: Andrea C.trcll in.l C roh s- <:RB íJ / I .jB·i

ISBN 978-85-8480- I 5 I -0
Ref. 9.36
Direitos desta edição reservados à
Editora UF PR
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Rua João Negrão, 280 - 2" andar- Centro
Tel. : (4 I ) .3.360-7489
800 I 0-200 - C uririba - Paraná - Brasil
edicora@u fpr.br- www.ediro ra.ufpr.br

I BEl
Associação Brasileira
das Editoras Univer sitá rias

201 8
Aos amigos
entre mundos

e ao meu irmão Gerhard


em memória

"Ítaca te presenteou com uma bela viagem.


Sem Ítaca não terias partido.
Agora não há mais nada para te dar.
E mesmo que rua aches pobre, Ítaca
Não te decepcionou.
Tornado sábio, com tal experiência
Compreendes já, o que Ítacas significam."
Konstantinos Kaváfis: Ítaca

"É diferente ser apátrida em casa e sê-lo em um país estrangeiro,


Ottmar Erre é catedrático de Letras Românicas onde podemos encontrar uma casa na condição de apátrida."
na Universidade de Potsdam, Alemanha, autor, lmre Kertész, Eu, um outro
naquele país, d e obras de referência sobre José
Martí e Roland Barthes. Coorden a atualmente a
edição crítica dos Diários de Viagem Americanos
"Frequentemente eu tinha nojo das pessoas que falavam com
de AJexander von Humboldt, a quem d ed icou
fluência a sua língua materna. Elas davam a impressão de que não
diversos estudos e a edição crítica de Kosmos
podiam pensar e sentir outra coisa além daquilo que sua língua tão
(2004) , que hoje serve de referência à edição
rápida e solicitamente lhes oferecia."
brasileira, em preparação. É autor, entre
Yoko Tawada, Talisman
diversas publicações téoricas programáricas, de
Literatura en movimiento. Espacio y dinámica de
una escritura transgresora defronteras entre Europa
Y América (Madrid, 2008). Integra desde 20 I O a
Academia Europaea, e desde 20 13 a Academia
de C iências de Berlim-Brandenburgo. Em
2014, passou a integrar a seleta galeria de
Membros Honorários da Modem Language
Association of America (MLA), ao lado de
personalidades como Umberto Eco, Gérard
Generre, Julia Kristevá e Tzvetan Todorov.
Sumário
~··
Passagem
EntreMundos Móveis:
Por uma Ciência (da Literatura) transareal 11
Volta para casa no estrangeiro, estrangeiro como pátria, volta ao que nunca existiu;
I
Nenhuma literatura sem fronteiras; Por uma poética do movimento; Mulri-inter-trans;
I
I Estudos transareais
I
P, s- A • • • T~S"
Um. Figurações
• p Ulisses e o Anjo da História:
\ I ,
s Sobre a imaginação vetorial da literatura da Shoah no contexto das
S G • • •1 c
\. I
1
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literaturas sem morada Hxa .................................... . 29
!:)
Literaturas do mundo e especialização móvel; Dialérica do Esclarecimento como dialética
:~: ""-s-- ' II • • • ,.\. ' S
da condição apátrida; Literaturas sem morada Hxa; Figuras da imaginação vetorial na
'- .... II 'P literatura da Shoah; Albert Cohen ou a prefiguração do campo; Emma Kann ou a escrita
no campo e a volta para casa no estrangeiro; Max Aub ou as listas do campo; Cécile
Wajsbrot, a pós-figuração do campo e as vozes presentificadas do passado

Dois. Simulações
Viagens na jaula dos meridianos:
Sobre a concepção de uma geometria fractal da literatura de viagem e da
simulação de uma escrita sem morada Hxa ......................... . 63
Rotação da terra e rotação do Eu: transregionalidade e transpersonalização; Onipresença
do Eu e multiplicidade das viagens; Ler, viver e saber sobre a vida; Portos, cidades e
movimentos; Mundos insulares e mundos-ilha: imaginação insular e escrita fractal; Os
caminhos do herói, o mundo na cabeça e o princípio de vida fractal; As vozes do herói, as
vozes na cabeça e uma transpersonali1.ação transmedial; As vozes do senhor, a simulação
da própria vida e o mistério da arte
I
I Três. Translações
I Com palavras do outro:
I
, s-ozdamar~ s"" p A tradução literária como EscreverEntreMundos ................. · . . . 103
P • O tradutor literário como ser pré-moderno; O tradutor literário como verdadeiro
\ I ' mentiroso; O tradutor literário como obra do outro; O tradutor literário como provocador;
S Tawada s O tradutor literário como alcoviteiro no Entre-Mundo
\. P I '- ~
Quatro. Relações
·:~' ""-s Wajsbrot 's Mundos insulares caribenhos:
' p
' II

st .Walcott -s/
' P Sobre a geometria fractal de um modelo literário insular . . . . . . . . . . . . . . .
Mundo-ilha e mundo insular; Limites-ilha e mise en abyme; Globalização acelerada e
arquipélago-ilha; Ante-ilhas e esferas de poder; Ilhas-cacos e ilhas-relações; "Velho Mundo"
121

:"Yo/ e "Novo Mundo": construções hemisféricas; Pesquisa transareal sobre o Caribe e lógica
relacional; Padrões fractais I: Casa-ilha e literatura-ilha; Padrões fractais II: ilha-campo e
ilha-dos-presos; Além da utopia: a dinâmica fractal do Caribe

.L
Sumário

Cinco. Incubações
Uma literatura nacional sem morada Hxa?
Ficções e fricções da literatura cubana no século XX 153
A volta de Ulisses .e do~:mjos da história; Lugar, nação e lín~u~ ~~r~i; ~~ ·~~:i~~~;o
.a.
transareal; Av~s mtgratonas no redemoinho da transculturação; Elementos fugazes e em
fuga no furacao do mundo de expressão americano; Inclusões e exclusões do territorial Passagem
e d~ testemunhal; Exclusões, dissoluções de fronteiras e interligações de uma literatura
nacional cubana sem morada fixa EntreMundos Móveis:
Seis. Oscilações Por uma Ciência (da Literatura) transareal
Escrita estrangeira EntreMundos:
Sobre a atualização translingual da literatura contemporânea em
língua alemã ............ . .................................... 177 Volta para casa no estrangeiro, estrangeiro
"So bre I'mguas estrangeiras
· ": Escrever em língua estrangeira· "Palavras com c "·
· ~ d · "n I • orpo . como pátria, volta ao que nunca existiu
C onrmua~? a escnta; r-e as mesmas estradas": Escrita entrelaçada; "No mínimo vinte
passaportes : EscreverEntreMundos
Um jovem está parado na Corniche, a famosa calçada à beira-mar da cidade
Sete. Confrontações portuária de Alexandria, e olha para o mar já encoberto pela profunda escuridão.
EntreMundos transareais das ArabAméricas: Crianças acenam para ele; e o rapaz responde com um gesto de familiaridade
Crônica de uma anunciada luta de culturas 201 fraternal, como se essa cena cotidiana pudesse se repetir a qualquer hora. Suas
~audações :Habe-americanas de um campo no Ca.ri~~;· ~· ~a~ i~~~. ~c· ~~~. ~i~;i~r~~a
mãos tocam e sentem a pedra grossa do muro da margem, carcomida pela água
ara?e~amencana; Chegada_ e padrões de movimento em um torniquete árabe~americano;
~romca d~ uma anunciada luta de culturas?; Linhas de conflito no contexto
salgada e, ainda assim, resistente. Ao mesmo tempo, às suas costas brame o barulho
arabe-~eru:~no: Luta dos sexos e luta das culturas?; O assassinato de Santiago Nasar pela do trânsito que, no entanto, escapa cada vez mais à sua percepção. O tempo e seu
~erspecnva _libanesa; Quatro vezes cem anos de estrangeirismo; EscreverEnrreMundos espaço estão suspensos.
arabe-amencanos Essa cena poderia estar se passando no Malecón, em Havana, ou na marginal
Oito.ln(tro)specções de San Agustín, na Flórida; nas antigas fortificações da catalá Sitges ou em
Viagem ao Reino dos Monos: Montevidéu, no Rio da Prata. Mas o jovem está naquela cidade fundada por
Experiências-limite de uma literatura "depois, da migração ............ . 233 Alexandre, o Grande, que alojou a mais mítica biblioteca do Ocidente e que hoje,
Os fil?~s da migração; No espaço do eco de vozes sem morada fixa; No espaço vetoria1 da décadas depois dessa cena, com seu novo nome de El-Iskandariya, tenta reatar-se
memona.~e ~ce_nd~ntes ~ d:S~endentes; Os filhos de Auschwitz; Aqui e lá; Uma literatura novamente com a grande tradição de uma metrópole cosmopolita. É uma noite

I
da expenencta-hmne;. Htstonas de sobrevivência da terra de ninguém; A mercadoria mediterrânea tépida, na metade dos anos 1960, e o jovem sabe que é iminente sua
contrabandeada (da) literatura; Então, renha esperança que 0 caminho seja longo
despedida, seu próprio exílio do Egito, que ele sofre pessoalmente, mas também
Nove. Configurações com sua família. O silêncio engana: o instante é um entremundos, uma virada
Seis Tes~ ~ar~ o Pro~~to_de uma Romanística como Ciência-Arquipélago .. 259 histórica está por vir.
A _Ro~antsttca ~~ma cJen.cta em rede, sua lógica é relacional; A criação de constelações O olhar vagueia uma última vez por sobre aquela baía que outrora era dominada
wm-wz~ ~ragm~tJcas e one~ta~as para o futuro é importante para a sobrevivência da pelo Farol de Alexandria, uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo. Aqui, no
Romamsnca
, • hoJe; A Romamsnca precisa estar ciente da sua d'IVI'd a soct·al e d esenvo 1ver passado, Euclides realizou vários daqueles experimentos que fundamentaram a
estrategJas para uma abertura . • democrática
. das suas áreas de co n h ectmento;
· A Romamsnca
' · 1
po d e se enten d er como ctencJa da vida· A Romanística d · d homônima Geometria Euclidiana- e com isso "toda a geometria padrão, - que
d a1 c d g1 bal I ' evena se enten er, no conrexro
a atu rase e o izaçáo ace erada como uma ciência · a1 1 · a1 cunhou os conceitos de espaço no Ocidente ao longo de séculos. Como que para
pensa e age auxiliando a confi ra ~ , d . .umve_rs e re acton , que
. . . ~ çao. e perspectivas de mvesngação transregionais, provar isso, a baía impele mar adentro sua bacia semicircular.
transnaciOnaJs e transareats; A mvestigação do Escre E M d b
Romanísrica a oportunidade de desenvolver uma cie·nci·a dvaer 'dntre undos a ~e. pa~a a No entanto, trata-se de épocas que parecem há muito desaparecidas, embora
. "d d d d fi · VI a acerca a convtvencta na
ainda continuem entranhadas nessa baía e provoquem o surgimento de um
d 1vers1 a e e e re e mu a tarefa da Filologia
espaço complexo de movimento entre as ondas, entre os mundos, entre as
Notas 273 culturas. Tempos atrás, o rei egípcio Faruq, com quem um membro da família
Bibliog;<dÍa. s~i~c~~~~d~ ...................... · · · · · · · · · · · · · · · · · · ·
........................................ 303 do jovem mantinha boas relações, foi deposto pelo primeiro presidente do Egito,

11
Passagem Passagem

Gamai Abd en-Nasser. Rapidamente, foram executadas reformas agranas e está tão estranhamente distante e relegado a segundo plano quanto naquela velha
estatizações, vencidos os conflitos militares que decidiram a Guerra de Suez contra fotografia, na qual os empregados domésticos egípcios apenas aparecem por acaso
Grã-Bretanha, França e Israel: entra em curso um processo de formação nacional, e bem à margem da imagem central do casamento de uma família judaica bem
com seus mecanismos de inclusão e exclusão, com o qual se quer catapultar o situada em Alexandria3 , André Aciman, há muito tempo vivendo em Nova York,
Egito de sua antiga dependência levantina e aparente independência pós-osmânica tentou descrever a especificidade da sensação de espaço de exilados no prefácio das
para a Modernidade, para uma outra Modernidade. O espaço permite liberar um Letters ofTramit (Cartas em trâmito), editadas por ele:
pedacinho do futuro, para outros. Com suas lembranças sempre sobrecarregadas, os exilados enxergam duplamente, sentem
Como logo a pressão cresce tanto sobre a população judaica, a família do duplamente, são duplos. Quando exilados veem um lugar, eles veem - ou entrevee~ -,um
jovem faz o mesmo que muitos outros e deixa o país: Saída do Egito. O mundo outro lugar por trás dele. Tudo carrega duas faces, tudo é deslocável, porque tudo ~ movei,
geometricamente agrupado na baía de Alexandria torna-se o mundo dentro da já que o exílio, como o amor, não é simplesmente urna conditio da dor, mas tambem uma
conditio do engano. 4
cabeça do Eu. Já amanhá ele terá se tornado- bem dentro do espírito de Stefan
Zweig- o "mundo de ontem" não apenas para o Eu. É noite, a madrugada chega. Em Out ofEgypt, as dinâmicas móveis já haviam ficado visíveis por trás dos locais,
Ao mesmo tempo, porém, o olhar do narrador em primeira pessoa sobre a lugares e espaços duplicados que a cada vez transformam novamente as estruturas
baía de Alexandria já está impregnado pelo porvir, pela emigração iminente e, sólidas em estruturações abertas, vetorizadas. Esboça-se um sistema móvel de
consequentemente, pela presença da lembrança futura de um mundo que começa coordenadas que permite o surgimento dos lugares a partir da experiência, dos
a desaparecer: espaços a partir do movimento, do passado a partir da vivência e do prese~te a
E quando eu tocava a áspera superfície úmida do muro, de repente eu sabia que nunca partir do processo de formação do futuro e o desenvolvimento de uma rede movei,
iria esquecer essa noite, que mesmo depois de muitos anos eu ainda iria me lembrar desse na qual - como com os empregados domésticos egípcios na fotografia amarelada
momento, desse vago anseio que me sobrevinha, enquanto eu ouvia o mar bater contra os -os movimentos (para o) do passado não são separáveis dos movimentos (para o)
penhascos imponentes abaixo da calçada à beira-mar e observava as crianças que dançavam do futuro. Tempo trazido pelo mar, como revela logo a primeira estr~fe do po~ma
em direção à orla em uma procissão lúdica. Eu queria estar lá de novo na noite seguinte e
na noite que se seguiria a esta, e também na subsequente, pois sentia a despedida doer de
"strandgut. El Iskandariya", do pequeno Ciclo de Alexandria de JoseF. A. Ohver
um modo indizível, porque sabia que nunca mais haveria uma noite como aquela, que eu na Baía de Alexandria:
nunca mais iria comer pastéis macios na calçada à beira-mar, à noite, nem naquele ano,
~em em qualquer outro ano;que eu nunca mais iria presenciar a beleza desconcertante e em um velho caixote de madeira boiando
Inesperada daquele instante em que, mesmo que apenas por um breve momento, eu ansiava
repentinamente por uma cidade, à qual eu sequer sabia ter amado. areia & peneirada pelo mar I 1 aluvião I mosaico
de fluxo I memória de areia I tarde
Exatamente um ano mais tarde, jurei, eu me sentaria ao ar livre, à noite - onde quer saindo do alto-falante
que fosse, na Europa ou na América do Norte- e olharia em direção ao Egito, como os 1 música de flautas [nai] 1 balançar de
muçulmanos se voltam para Meca durante suas orações, e me lembraria daquela noite e ondas ao cantor
daqueles pensamentos e daquele juramento.2 "que cantava para todos". 5

Nesta passagem de seu livro autobiográfico, publicado originalmente em 1994 A vetorizaçáo, esse armazenamento de padrões de movimento velhos (e ~té ~~s~o
sob o título Out ofEgypt (Saída do Egito}, André Aciman, nascido em Alexandria futuros) que reluzem em movimentos atuais e de novo se tornam expe_nen~tavets,
em 1951 e emigrado com sua família em 1965, primeiramente para a Itália, estende-se para muito além do que é individualmente expenenctado e
depois para a França e finalmente para os Estados Unidos da América, desenvolve mundanamente experienciável: A vetorizaçáo também abrange o campo ~a
essa cena inaugural da migração, na qual se cruzam os espaços e os tempos, os história coletiva, cujos padrões de movimento ela armazena no setor vetonal
contextos culturais, bem como os do ambiente natural, as lembranças do passado pós-euclidiano reiteradamente quebrado, descontinuado, d~ dinâmicas _fut~ras.
e as projeções para o futuro, em uma perenidade de futuro passado. O tempo não Sob os movimentos presentes - e para estes aponta o conceito de vetonzaçao -
está parado, não se detém: ele revela seu conhecimento de uma eternidade. É o os velhos movimentos tornam-se novamente perceptíveis, presencializados: eles
instante sem início, porém não atemporal, no qual o transitório e o transistórico estão bem guardados como movimentos no conhec.im,e~to da li~eratura. ,
se entrelaçam indissoluvelmente - mesmo que sempre ainda distinguíveis um do A vetorização na literatura recorre não apenas à htstona {colettva), mas tambem
outro. Alexandria: outrora, sempre. ao mito: àquele reservatório de mitos, cujos movimentos tradicionais e acu~ulados
Poucos anos depois da publicação de suas lembranças do tempo alexandrino, nas historicamente a literatura "traduz" novamente para fluxos de movimento
quais o mundo árabe, de modo semelhante ao que se vê em Konstantinos Kaváfls, atuais. Apenas dessa maneira são vetorialmente reconhecidos muitos padrões de

12 13
1'
I

Passagem
Passagem
Com isso, na fala de Dall'Abaco- que doravante se torna professor de grego do
movimento anteriores entre os deslocamentos de um protagonista. Assim, por narrador e também permanece como tal em Alexandria, quando seu aluno já há
exemplo, o êxodo do Egito ou a peregrinação de Ulisses emprestam ainda aos muito deixara o Egito e fizera do estrangeiro a sua casa- no fim das contas abrem-se
movimentos migratórios do século XX um potencial de sentido adicional, que três possibilidades que se desenvolvem na interação de todos esses ciclos de vida
carrega e condensa semanticamente até mesmo as coreografias mais simples. Não
escorraçados: o retorno para a (velha) pátria e com isso o retorno para uma terra
apenas as palavras sob as palavras ou os locais sob os locais, mas justamente os que há muito tempo se tornara estrangeira; o esforço para transformar o estrangeiro
movimentos sob os movimentos apontam para aquele conhecimento da vida
em (nova) pátria; e, finalmente, a tentativa de uma total desregulamentação
e de sobrevivência que a literatura reserva para seus leitores como um meio de espaço-temporal de pátria e casa. No texto-fragmento Beginnlosigkeit (O início
arm~enamento interativ~. 6 A literatura está intrinsecamente entrelaçada com
perdido) ( 1992), de Botho StrauB, caracterizado por constantes "derivações, alusões,
movimento e com os caminhos do conhecimento. 7 repetições, correspondências" 16, esta última configuração é colocada em cena com
. ~sim, ~m Out o[ Egypt, de An?.ré Aciman, não por acaso um migrante recurso ao poema "Ritorno" (Retorno), do poeta italiano Giorgio Caproni, no
ttaltano: ~:~nor Dali Abaco, fu~ido de sua cidade natal Siena nos tempos de
sentido de um regresso ao nunca antes existente:
~ussol.Ini , l~O:~ra ao ~rotagonista a figura de Ulisses em um momento no qual
ha mutto se Ini~Io~ o exodo judeu do Egito do século XX. A governanta do Estou novamente lá,
narrado.r em pnmeira pessoa, bela mas em pé de guerra com a história grega Onde nuca estive.
- uma JOVem persa que estudava dança na Espanha, "arribada em Alexandria" 9 Nada é diferente de quando não existia.
Sobre a mesa dividida ao meio, sobre o oleado
devido a circunstâncias infelizes e agora lá vivendo com um jornalista britânico
xadrez o copo,
que escreve para jornais em língua inglesa- logo lamenta esse Ulisses como se nele nunca algo havia.
ele fosse "um, cont~m~oraneo " so b re CUJO
· d esttno
· · ·
Inexphcado ·
ainda '. preciso
sena · Tudo permaneceu como
se ~r~~cupar 10· P01s VInte anos inteiros longe de casa, isso verdadeiramente "não" eu nunca havia deixado. 17
sena pouca coisà' 11 • Volta para casa no estrangeiro, estrangeiro como casa, volta ao que nunca exist~u:
P~rém, vinte a~os ..no estrangeiro parecem um lapso de tempo absolutamente para esta e outras configurações da imaginação vetorial, este livro apresenta vártos
razoavel para o Stenes, que não estivera mais na Itália desde o final dos anos exemplos inspirados a partir de diversos focos culturais, históricos e sociopolíticos:
de 1930. Ele decididamente desperta no narrador em primeira pessoa aquele O capítulo que segue, sob o signo de uma dialética do desterro, já apresentara
amor P~~ H~mero, ~ "autor mais brilhante da Antiguidade" 12 , bem como por claramente, ou então tornará audível com auxílio das vozes da literatura, que papel
seu her01 Uhsses, CUJa ~erva Euricleia o reconhecera pela cicatriz, "quando seu e função são atribuídos, por exemplo, à configuração do movimento de Ulisses.
:enhor, ~etornav~ para Itaca _após. ausência de vinte anos" 13 • Esse cenário (e a Sob o signo da literatura da Shoah encontra-se, além da figura do astucioso
nagnonse ass~ciada a ~le) nao rena de se tornar necessariamente a cena original Ulisses, também simultaneamente a configuração de movimento da condução,
da. representaçao da realtdade na literatura ocidental a partir da perspectiva de um que se forma a partir da cena inicialmente representada do olh~r sobre~ baía de
exilado, como a. esboçara literariamente, de forma mais impressionante do que Alexandria: Porque também o protagonista de Out of Egypt e conduzido pelo
todas que a segmram, a cena de abertura do primeiro capítulo de Mimesis, a obra anjo benjaminiano da história, que acaba na Itália, na França ~ finalme~te nos
fundamental de Erich Auerbach, originada no exílio de Istambul? 14 EUA. Em lugar do movimento em círculo de Ulisses surge aqui um movime~to
No que se refere ao retorno de Ulisses, aliás, Dall'Abaco alinha-se menos descontínuo, atravessado por quebras, que em um outro contexto tambem
com Ho~ero e Dante que com o poeta grego moderno nascido em Alexandria, se poderia designar com Botho StrauB como "um padrão de movimento de
, Kaváfis , para quem u1·Isses nao
Konstanttnos
. - rena· retornado a Penélope e a sua mudanças erráticas, sem rumo" 18 • No entanto, é decisivo o fato de que, como na
Ilha na~al ~ta~a, mas ao contrário, teria se decidido pela ilha da deusa Calipso e figura de movimento do anjo da história, o olhar permanece voltado para trás:
pela. propna Imortalidade · .n.!;Sim,
"- · Dall'Abaco, o exi·1ad o d a Itáha,
' · cita
· no hvro
· de aquele olhar transitório sobre a baía de Alexandria, medida pela geometria de
Acu~an, expulso do Egito, o poeta que escreve em grego moderno em Alexandria, Euclides, elevando-se para o atemporal da perda a ser presencializada sempre de
Kavafis, que coloca na boca de Calipso: novo. Neste olhar do conduzido (F:ortgerissenen) 19 que se tornou desterrado por
Por que rejeitar_ meu lar, se o estrangeiro é teu lar? lugares duplicados ainda transparece aquilo que o exilado "mais teme: Que os
Tua almejada ltaca terás, quando a ela renunciares. meus pés nunca estejam completamente firmes no chão, que ao mesmo tempo20o
[ ... ] chão debaixo de mim seja igualmente fraco, que o transplante não se integre" •
Teu lar é a casa de pedra do tempo, O olhar torna-se livre para uma literatura sem morada fixa, cujo espaço de
e assim és tu: almejas o que tu perdes. JS 21
experiências e terminologia não é marcada por nenhuma característica eufórica.

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Passagem Passagem

Nenhuma literatura sem fronteiras Especialmente porque, nos capítulos seguintes, a terminologia em
desenvolvimento acerca das literaturas sem morada fixa mostra e ultrapassa
Neste ponto, é importante prevenir e neutralizar da forma mais eficaz possível alguns demarcações literárias nacionais tanto quanto fronteiras entre nações, ela dinamiza
eventuais mal-entendidos, para alguns até mesmo evidentes. Especialmente diante sustentavelmente a concepção frequentemente estática de uma literatura de
do exemplo inicialmente escolhido de André Aciman, Out of Egypt, registre-se migração, que não mais encontra sua única condição na migração (biográfica)- e
de maneira inequívoca: o conceito de literatura sem morada fixa não deve ser que pode ser utilizada como desculpa confortável para expatriar textos classificados
equiparado ao conceito de "literatura de migração" ou (ainda mais estreitamente) ao como tais da circulação da literatura nacional como "estrangeira" ou como "não
de "literatura de exílio", nem ser retraduzido para este. Pois as dinâmicas transareais, completamente" alemã, respectivamente francesa, inglesa ou espanhola12 • Por
transculturais e translinguais apresentadas neste volume, sob o signo de um saltar outro lado, uma análise aprofundada das literaturas sem morada fixa problematiza
constante e interminável entre lugares e tempos, sociedades e culturas, colocam em uma concepção homogeneizadora de literatura mundial, justamente porque tal
foco uma literatura sem morada fixa, que- como concepção transversal- não se pesquisa consegue tornar visíveis limites e demarcações sempre novos - sem
funde completamente ou pode ser descrita adequadamente com categorias como dúvida transversais e transponíveis. Seria, portanto, outro grave mal-entendido,
"literatura nacional" ou "literatura de migração" nem como de "literatura mundial". se quiséssemos compreender as literaturas sem morada fixa como uma "literatura
Os fenômenos de deslocamento e heterotopia abordados neste volume, as sem limites". Porque o olhar sobre os fenômenos, transversalmente e além da
figurações de movimento distinguidas a seguir e ainda assim frequentemente literatura nacional, compreende-se justamente como não ilimitadamente
sobrepostas ou os processos de escrita estrangeira e continuidade da escrita dissolvente: nenhuma literatura sem fronteiras.
examinados mais detalhadamente, apontam para uma terminologia que, Consequentemente, também seria falacioso se quiséssemos situar culturalmente
transversalmente à distinção usual entre literatura nacional (da qual cuidam e atribuir às literaturas sem morada fixa um espaço claramente delimitado -
as ainda dominantes filologias nacionais) e literatura mundial (que constitui mesmo sendo este o third space, no sentido de Homi K. Bhabha. 23 O foco é um
um domínio da literatura comparada), configura um entremundos altamente EscreverEntreMundos que se movimenta para lá e para cá entre universos distintos.
complexo e estruturado por meio de várias demarcações e falhas. Sua existência Não se trata da ftxação de uma nova cartografia do literário com uma designação
há muito tempo não mais é uma "exceção" diante da qual a literatura nacional de novos espaços literários relacionada a isso, mas do surgimento de novos padrões
devesse ser compreendida como "regra" - mesmo que uma história da literatura de movimento transareais, translinguais e transculrurais que ultrapassam a distinção
de orientação nacional via de regra ignore as literaturas sem morada fixa e as entre literatura nacional e mundial, caracterizada pela insuficiência discursiva.
classifique com base em um corpus literário nacional. Antes, pelo contrário, as No foco do EscreverEntreMundos analisado neste livro por meio de exemplos
literaturas sem morada fixa, que devem ser compreendidas como plurais - como os mais variados possíveis estão, portanto, configurações dinâmicas, móveis, de
ainda deverá ser evidenciado - perpassam e cruzam a oposição entre literatura espaço e tempo, que se identificam como entremundos em trânsito, sobrepostos,
nacional e mundial, sem terem de se submeter à sua lógica excludente e exclusiva caracterizados por complexas linhas de delimitação. A ciência literária associada
- no sentido de um campo literário nacional. com esse procedimento compreende-se, nesse sentido móvel, como uma área do
Nisso existem maiores ou menores áreas de sobreposição e intercâmbio entre conhecimento interessada em vetorizações de proveniência variada e que atua
literaturas sem morada fixa de um lado, e literatura nacional e mundial de outro de forma transareal, cujas linhas de tradição por sua vez podem muito bem ser
lado, o que permite - como pode ser evidenciado pelo exemplo de Cuba - que relacionadas com uma ciência literária sem morada fixa. 24 A partir de quais linhas de
uma literatura nacional altamente tradicional possa ser focalizada a partir da tradição e evolução, porém, alimentam-se as próprias literaturas sem morada fixa?
perspectivística móvel de uma literatura sem morada fixa e apresentada como Sem dúvida, os feixes de tradição e formas de expressão das literaturas sem morada
tal. Consequentemente, não se trata de trazer a campo um conceito antônimo fixa não são menos plurais e diversos que aquelas formas de conhecimento da vida
(territorializável) de literatura nacional, mas de atender às mudanças geoculturais e da sobrevida (de modo algum apenas migratórios), que estão armazenados nelas
e biopolíticas e seus desdobramentos estéticos e literários, que não podem ser por sua respectiva vinculação específica com a vida. No decorrer dos capítulos
descritos e pensados adequadamente nem sob a perspectiva da literatura nacional, seguintes, que estão dispostos em forma espiral como no volume SaberSobre Viver I e
nem sob a da literatura mundial. Trata-se muito mais de um EscreverEntreMundos juntamente com o presente livro assumem a forma de uma hélice dupla ("o outrora da
que não é territorializável de forma duradoura (ou estabelecida) e que, no sentido promessa e o outrora da memória em espiral dupla entrelaçadà'25 ), foram estabelecidas
de Aciman, não "se integrou" de forma segura. Porém, é inquestionável que a prioridades temáticas que, aliás - como já no primeiro volume - permitirão uma
multiplicidade dessas formas muito diversas de literatura sem morada fixa tenha leitura separada dos estudos individuais. Dessa forma, o primeiro capítulo posterior
aumentado rapidamente no decorrer da segunda metade do século XX e continue a estas considerações - que podem ser lidas juntamente com o "ponto de partidà' do
crescendo no século XXI. primeiro volume- persegue o objetivo de, em continuação ao sexto e sétimo capítulos
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I
,L
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do volume anterior, elucidar as relações entre as literaturas sem morada fixa e a literárias nacionais e aos resultados da pesquisa regional, dos area studies, quanto
literatura da Shoah. A análise das (pré- e pós-) figurações do univers concentrationnaire seria permitido a uma ciência de orientação transdisciplinar negligenciar resultados
persegue aqui o objetivo de, por meio de duas figurações básicas da imaginação de pesquisa disciplinares e interdisciplinares.
vetorial, investigar a experiência traumática da Shoah para saber o que permanece de O sexto e sétimo capítulo reatam o spiritus vector do oitavo capítulo de
Auschwitz nas littératures sans domicile fixe. SaberSobre Viver I e agora têm como objetivo a exploração de uma prática de escrita
O segundo capítulo liga-se a questionamentos de uma literatura em movimento 26, translingual que ultrapassa áreas individuais e limites de língua (materna). Como
na medida em que as diversas linhas da tradição da literatura de viagem devem podem ser compreendidas práticas de escrita que, como traduções incessantes,
ser entendidas e apresentadas como parte fundamental de qualquer literatura oscilam, por exemplo, entre Turquia e Alemanha ou Japão e Alemanha? O escrever
sem morada fixa. Com isso, justamente os autores influenciados pelas vanguardas estrangeiro, o escrever continuado e o escrever entrelaçado evidenciam-se como
históricas sob o signo da intencional onipresença vanguardista assumem uma função formas de um EscreverEntreMundos avançado, que se serve, no caso de Yoko
importante, talvez até decisiva, na mediação de procedimentos e práticas de literatura Tawada e Emine Sevgi Ózdamar, de novos tipos de padrões de movimento fora da
de viagem. Pois é justamente a simulação de um escrever sem morada H.xa que, a língua materna, no horizonte transareal, portanto ultrapassando áreas individuais.
partir da prática autorreflexiva e em parte autoirônica, muito consciente de seus Se o oitavo capítulo expõe tais considerações por meio de modelos adicionais de
próprios procedimentos, desenvolve toda a gama de lugares, dimensões e padrões espaços de movimento transareais, os quais interrogam o spiritus vector por formas
de movimento da literatura de viagem, fornecendo-lhe novas funcionalidades. adicionais de vetorização, então o capítulo final procura, assumindo uma forma
O desejo das vanguardas e dos vanguardistas por onipresença, bem como a relacionada à agudização semelhante a uma tese do nono capítulo de SaberSobre Viver
caracterizadora multiplicidade de movimentos de viagens sobrepondo-se um ao /, assumir as consequências, a partir dos resultados teórico-literários bem como
outro, permitem o surgimento de espaços de movimento complexos, entrelaçados, culturais e históricos elaborados em ambos os volumes, para o desenvolvimento e
que devem ser atribuídos a uma geometria da cultura fractal, pós-euclidiana. Sem a atualização de uma disciplina especialmente atraente, promissora, mas atualmente
literatura de viagem e suas linhas da tradição traduzidas para os séculos XX e XXI, tão vulnerável: a romanística. De acordo com o panorama de questionamentos
faltariam às literaturas sem morada fixa componentes e conectores que, com toda aberto aqui, as partes separadas do livro organizam-se por abordagens literárias
a complexidade dos processos de intercâmbio inter- e transculturais, assegurassem específicas e simultaneamente distintas: suas perspectivações são, respectivamente,
justamente também a legibilidade e a compreensibilidade hermenêutica de padrões uma temática, referente à Shoah (Capítulo 1); uma monográfica, espec~fica de
de movimento. A estrutura da viagem, portanto, está inscrita em grande medida nas autor (Capítulo 2); uma de teoria da tradução (Capítulo 3); uma espe~tflca de
literaturas sem morada fixa. área, referente ao Caribe (Capítulo 4); uma filológica nacio~al (Capi~ulo 5);
Enquanto o terceiro capítulo - em interação com o quinto capítulo do uma estética da produção referente à escrita em línguas estrangeuas (Capt~~o 6);
primeiro volume- dedica-se com seriedade lúdica à tradução literária como forma uma intertextual, com característica transareal (Capítulo 7); uma de análise de
frequentemente não percebida ou, pelo menos em sua maior parte, subestimada movimento, referente aos filhos da migração (Capítulo 8); e uma especificamente
do EscreverEntreMundos e procura analisar processos tradutológicos intra-, teórica da especialidade (Capítulo 9). Com isso, pretendia-se dese~volver ~m~
inter- e translinguais em sua importância tanto para o mercado de literatura perspectivística a mais ampla (e variada) possível, também no que dtz respeitO a
quanto para as formas de escrita da produção literária atual, o quarto capítulo abordagem literária na análise das literaturas sem morada fixa.
continua com a dimensão fractal das formas de escrita da literatura de viagem, É óbvio que ambos os capítulos finais de SaberSobre Viver I e //, be~ c? mo
bem como com alguns dos desafios que foram discutidos no contexto de uma outros capítulos que estão ligados adicionalmente por seus marcadores opncos,
(concepção de) ciência globalizada e globalizante tratada no primeiro capítulo do podem ser lidos como promessa e como lembrança, em conjunto e em contraste.
primeiro volume. A questão colocada no quinto capítulo, da existência de uma Para além de um modo saltitante de ler, porém, cada capítulo também pode
literatura nacional cubana como literatura sem morada fixa, procura introjetar e ser explorado separadamente: é independente e simultaneamente integrado na
integrar, dentro do assim delimitado espaço de movimento de mundos insulares estrutura dupla delineada aqui.
caribenhos e mundos-ilhas, a especificidade das incubações literárias nacionais nas
literatures without a fixed abode. Com isso, enfoque nacional literário e prática de
pesquisa transareal não devem justamente ser apresentados como contrastes, mas
Por uma poética do movimento
como perspectivações mutuamente proveitosas. Pois de que outro modo se fariam
compreensíveis a transculturação e a formação nacional, tanto em sua natureza
Em um volume publicado no ano de 2003, Karl Schlõgel, a partir da perspectiva
relacional como em sua relação recíproca de inclusão e exclusão do territorial?
do historiador, insistiu na necessidade, diante do predomínio avassalador de
Uma ciência (literária) transareal pode renunciar tão pouco às linhas das tradições

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·..L
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tempo e cronologia, de novamente trazer à tona a dimensão do espaço na ciência e sua redução semântica ao espacial leva a deformações fundamentais, que não
da história. Já há muito tempo sugeria-se "que a espacialidade e a espacialização podem simplesmente ser omitidas, pois isso seria como se, na transposição de um
da história humana se tornará o ponto da reorganização, a nova configuração globo tridimensional para uma imagem cartográfica bidimensional, se quisesse
das velhas disciplinas- da geografia à semiótica, da história à arte, da literatura à descartar como irrelevante a supressão de uma dimensão e silenciar as problemáticas
política'' 27 . O apelo confiante de Schlõgel por uma volta ao espaço, um "Spatial inevitáveis da projeção cartográfica. A espacialização paga um preço ao desistir do
turn, enfim" 28 , parte do pressuposto de que não por último as mudanças radicais movimento. As passagens de Walter Benjamin- para mencionar aqui apenas um
de espaço e tempo no século XX, sob o signo da queda do Muro de Berlim e exemplo - não constroem somente espaços, mas configuram - exatamente como
da globalização progressiva, teriam contribuído para aquele "momentum", "que a obra Passagen- Wérk (Passagens) já mostra em seu título - espaços de movimento
coloca tudo nos novos trilhos de um spatial turn" 29 • É importante hoje, portanto, móveis. Eles formam entremundos que, com a inclusão dos passantes, funcionam
impulsionar uma volta ao espaço, à compreensão espacial? como mobiles.
Sem dúvida, a ocorrência de uma tal volta pode ser entendida não menos Se perguntarmos pelas consequências destas reflexões para o campo da
como reação bem fundada a todo aquele alarde publicitário que, sob o signo interpretação de textos literários, então é possível constatar inicialmente que no
da interconexão global, anunciava uma atrofia espacial, um desaparecimento século XX, diante dos desenvolvimentos históricos esboçados acima, migrações e
desenfreado do espaço, uma vez que a transferência mundial de dados no agora movimentos dos mais diversos tipos começam a se mover para o centro das atenções.
levaria a uma eliminação do espaço percebido como empecilho à comunicação. Especialmente os desdobramentos das literaturas sem morada fixa no século passado
Porém já na segunda metade dos anos 1980 esses tipos de simplificações fizeram com que todos os elementos e aspectos da produção literária começassem a
(e mistificações) foram confrontados, no contexto dos debates sobre o se mover de forma muito mais radical e duradoura do que anteriormente- sem que
pós-modernismo, com novas concepções de espaço às quais se pode recorrer isso já tivesse se espalhado em todo lugar. Estamos vivendo uma vetorizaçáo geral
facilmente- como no caso de Edward W. Soja30 - no momento presente. Mesmo de todas as relações (espaciais), abrangendo também estruturas literárias nacionais,
que, em parte, a tese unilateral do desaparecimento do espaço ainda possa à qual é importante reagir terminologicamente e em termos de teoria literária. Para
assombrar o espaço público: novo, o discurso do spatial turn certamente não é. a descrição dessa vetorização, porém, ainda carecemos de conceitos de movimento
Com bons motivos se poderia aflrmar, a partir da perspectiva arual, que na verificáveis que relacionem espaço e tempo entre si de forma complexa.
pós-modernidade os fundamentos temporais, os fundamentos histórico-cronológicos Por esse motivo, uma poética do movimento elaborada ainda não pode existir
do nosso pensamento e do nosso modo de processar a realidade, tão dominantes até o momento. Mas ela tem de ser impulsionada, uma vez que pode nos abrir a
na modernidade europeia, tornaram-se mais fracos, enquanto simultaneamente imaginação vetorial da escrita atual em toda sua complexidade e diversidade de
concepções e formas de pensamento espaciais, mas também padrões de percepção e figuras e tornar acessível o conhecimento de vida armazenado nos movimentos
modalidades de experiência ganharam nítida importância. Certamente, esse não é que se sobrepõem.
um processo que tenha sido dirigido de maneira uniforme nem tenha transcorrido Isso não significa que se teria de apregoar agora, depois do spatial turn, um
sem contradições. Todavia, as discussões dos anos oitenta e noventa foram vectorial turn. Trata-se antes de sensibilizar para formas e funções de movimento
~ determinadas essencialmente por questionamentos geoculturais e geopolíticos que de forma sustentável, para uma orientação mais forte das investigações científicas

f
- de forma alguma ficaram restritos ao cyberspace, mas produziram espacializações e que se dedicam a fenômenos literários e culturais. Para isso é necessário desenvolver
mapping.r sob o signo do pós-colonialismo, bem como do confronto de culturas. Não uma terminologia aguçada em processos altamente vetoriais, que é imprescindível
.

há pós-modernismo sem um remapeamento de linhas de contorno e de fronteira para a análise das literaturas sem morada fixa .
antes supostamente estáveis. Bem humorado, Karl Schlõgel indicou que o Baedeker* seria "a forma
Conceitos de espaço, assim me parece, há em número suficiente. O que, porém, básica dos estudos de área" 32: "area studies são a forma especializada, científica,
urgentemente nos falta é um vocabulário terminológico suficientemente preciso daquele conhecimento do mundo do qual milhões se apropriam ano após ano,
para o movimento, a dinâmica e a mobilidade. Poder-se-ia até mesmo falar de sempre atualizados até a última edição" 33 . "Um comprovante mais convincente
uma colonização dos movimentos por uma inundação de conceitos de espaço, que do interesse pelo mundo em que vivemos", continua Schlõgel, "quase não se
reduzem terminologicamente e fixam as dinâmicas e mobilidades sob o signo de [poderia] imaginar"34 • Tais comentários certamente não podem esconder o fato
um~ espacialização obsessiva, ao ignorarem diligentemente a dimensão do tempo. de que ao menos uma pesquisa regional entendida no sentido baedekeriano há
A pobreza de conceitos de movimento consequentemente corresponde uma muito tempo entrou em crise. As causas disso certamente são múltiplas, mas sem
redução espaço-temporal de processos de desenvolvimento e coreografias sobre dúvida podem ser relacionadas à questão que aqui nos ocupa sobre a reflexão
imagens espaciais estáticas e mental maps, que quase filtram o elemento dinâmico * O termo refere-se à série de guias de viagem originalmente publicados pelo editor alemão Karl Baedeker
- não raro com consequências fatais 31 • Dessa forma, a supressão de movimentos (1801-1859), ainda hoje publicados e mundialmente conhecidos. (N.T.)

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científica de movimento. Nessa perspectiva, portanto, seria permitido perguntar intralingual, que no sentido de Roman Jakobson se poderia denominar como
o que poderia compor futuramente os area studies, e o que comporia a pesquisa um rewording dentro de uma mesma língua, 37 uma tradução interlingual verte
regional para além do tipo Baedeker. Uma resposta o mais precisa possível a esta de uma para a outra língua, sendo ambas claramente distintas uma da outra e
questão, porém, pressupõe uma série de esclarecimentos terminológicos. permanecendo separadas. Por sua vez, das situações multilingual e interlingual
~ode s~r distinguida uma translinguaP 8 , pela qual se entende aqui um processo
Infindavel de constante cruzamento de línguas. Nisso, duas ou mais línguas
não são mais facilmente separáveis umas das outras, mas se interpenetram
Multi-inter-trans
mutuamente. Com referência à escrita literária, uma prática translingual
denominaria, consequentemente, o saltar para lá e para cá de um autor entre
*Disciplinas: Centros de pesquisa regional de feição tradicional estão fundamentados
diversas línguas, tanto no âmbito de sua obra completa quanto no interior de
multidisciplinarmente, por um lado, e interdisciplinarmente por outro lado: eles
um determinado texto único. Uma diferenciação terminológica e uma afinação
estão baseados, portanto, por um lado, em uma justaposição multidisciplinar de
apurada podem ser encontradas aqui -e também com referência a todas as outras
ciências individuais diversas e respectivamente ancoradas de modo disciplinar e,
definições conceituais propostas- nas respectivas análises dos capítulos seguintes.
por outro lado, em um diálogo interdisciplinar entre os respectivos representantes
Mídia: Paralelamente a isso, com vistas à constelação midiática, poderia ser feita
de determinadas disciplinas. Essa estrutura bastante estática, quase "disciplinada",
uma distinção entre uma situação multimedia/, na qual uma multiplicidade de
deveria ser completada por estruturações transdisciplinares, que não têm em vista
meios coexistem lado a lado, sem que resultem maiores superposições e áreas de
o intercâmbio interdisciplinar entre interlocutores firmemente ancorados por
cantata mútuas, e uma situação intennedial, na qual diversos meios correspondem
disciplinas, mas um constante cruzamento de disciplinas diferentes. Com isso é
e dialogam intensivamente uns com os outros, sem no entanto serem confiscados
óbvio que os desdobramentos e resultados dessa prática científica "nômade", no
de suas próprias diferenciações e seletividades. Em uma situação transmedial,
verdadeiro sentido transdisciplinar, devem ser verificadas e asseguradas de forma
contudo, perpassam e se cruzam meios diversos em um processo infindável de
disciplinar e interdisciplinar35• Dessa forma, as mais diversas áreas do conhecimento
constante movimento, cruzamento e "transmissão". Naturalmente, vale aqui, como
seriam dinamizadas e muito mais forte e flexivelmente fixadas umas às outras.
nas áreas de definições anteriormente mencionadas, que fenômenos multi-, inter- e
Na sequência, analogamente a essa demarcação terminológica, definições serão
transprocessuais não podem ser sempre "impecavelmente" separados uns dos outros,
introduzidas e transferidas para a lógica das respectivas áreas de pesquisa, as quais
nem no aspecto espacial, nem no temporal; o rigor e a transparência das definições
tornarão precisas as diferenciações há pouco sugeridas nos mais diversos níveis
aqui almejadas, no entanto, tem como objetivo justamente poder investigar esse
de análise, com auxílio dos três prefixos mencionados: "multi", "inter" e "trans".
tipo de zonas de sobreposições e interseções com maior resolução e precisão.
Culturas: Assim- também no presente volume-, tendo em vista a análise de
Tempos: De modo semelhante, também a dimensão do tempo poderia
fenômenos culturais, é necessário distinguir entre uma justaposição multicultural
ser estruturada terminologicamente em sua processualidade. Se os processos
de diversas culturas que, na perspectiva de espaço, se fixam em diversos bairros ou
multitemporais dizem respeito à justaposição de diversos níveis temporais que
zonas de uma cidade, por exemplo, e uma cooperação intercultural, que designa
existem independentemente uns dos outros, então os processos intertemporais
encontros de qualquer tipo entre os membros de culturas que, embora dialoguem,
devem denominar uma constante correspondência e comunicação mútuas entre

I ao fazê-lo não questionam seu pertencimento a uma determinada cultura ou


grupo cultural. O nível transcultural distingue-se então- no encadeamento crítico
dos trabalhos pioneiros do etnólogo e teórico cultural cubano Fernando Ortiz, do
ano de 1940, sobre transculturalidatP 6 - dos dois anteriores na medida em que
se trata aqui de práticas e movimentos que cruzam diferentes culturas: de um
diversos níveis temporais que não se misturam uns com os outros, nem se fundem
uns com os outros. Estruturações ou processos transtemporais relacionam-se
então com um cruzar incessante de níveis temporais diferentes, sendo que um
entrelaçamento de tempos desse tipo cria uma temporalidade muito própria,
que em sua transtemporalidade traz fortemente à tona justamente também
constante saltar entre as culturas, sem que se possa identificar uma relação estável
fenômenos transculturais ou translinguais. Em relação à dimensão do tempo e
e fixável com uma única cultura ou grupo cultural.
sua periodização, neste momento apenas podem ser apontadas as quatro fases da
, Línguas: N~ asp~ecto ling~ístico, em princípio se poderia distinguir, para
globalização acelerada39 , que são de maior relevância para a estruturação temporal
alem de uma sttuaçao monohngue, na qual a logosfera é dominada nitidamente
de processos econômicos, políticos e sociais, mas sobretudo também culturais, sob
por uma determinada língua, entre uma justaposição multilíngua/ de diversas
o signo do colonialismo e do pós-colonialismo. Os exemplos deste volume foram
línguas e espaços~ li~guíst~cos que apresentam pouca ou nenhuma sobreposição,
escolhidos de forma que as fases de globalização acelerada possam ser focadas,
~ um~ cooperaçao tnterhngual, na qual duas ou mais línguas comunicam-se
respectivamente, a partir de diferentes campos problemáticos e áreas.
Intensivamente umas com as outras. De que outro modo, em uma tradução
Espaços: Não é de surpreender, neste contexto, que seja permitido fazer,

22 23
Passagem Passagem

também com vistas às estruturas espaciais, uma distinção entre uma justaposição terminológico aqui proposto, pode-se compreender facilmente que dinâmicas em
multiespacial, de espaços altamente pobres de contato, e uma estrutura interespacia/, cada um dos níveis, por assim dizer, podem ser subdivididas, por exemplo, em
de espaços que se correspondem intensivamente uns com os outros, mas não se processos multi-, inter- e transnacionais.
fundem. Estruturações transespaciais, por sua vez, são marcadas por constantes Movimentos contribuem decisivamente para a constituição e semantização
travessias e cruzamentos de diversos tipos de espaço e, com isso, por um padrão de de espaços (de vida), já que a relacionalidade interna no interior de um
movimento que a seguir será definido terminologicamente de forma mais precisa. determinado espaço, em sua vinculação com uma relacionalidade externa que
Movimentos (de viagem): Partindo de uma análise de práticas de escrita literárias liga um determinado espaço com outros é da maior importância. Dessa forma
de viagem40 , cujos resultados frequentemente podem ser compreendidos como - para citar um exemplo concreto - só é possível compreender o Caribe em sua
textos friccionais, até mesmo oscilantes entre formas de escrita ficcionais e diccionais, especificidade, quando se inclui historicamente não apenas sua relacionalidade
diversas dimensões do relato de viagem podem inicialmente ser distinguidas umas interna de múltiplas comunicações entre as ilhas, mas também as dinâmicas
das outras- ao lado das três dimensões do espaço, as do tempo, da estrutura social, da relacionalidade externa com diversas potências (coloniais) europeias, suas
da imaginação, do espaço literário, das relações de gênero e do espaço cultural. possessões americanas, a África, os EUA, a China ou a Índia. Portanto, se um
Em um segundo passo, então, diversos locais altamente semantizados do relato espaço é caracterizado de forma essencial pelos movimentos a ele relacionados no
de viagem - especialmente despedida, apogeu, chegada e retorno - podem ser passado, no presente e (prospectivamente) no futuro, então a combinatória entre
distinguidos uns dos outros. Esses locais, por sua vez, estão incluídos em imagens de os cinco níveis aqui diferenciados uns dos outros é altamente significativa para os
movimento fundamentais - por exemplo, círculo, pêndulo, linha, estrela ou salto fenômenos políticos, culturais ou especificamente literários.
-, que estipulam e ajudam a marcar decisivamente os movimentos de compreensão Como uma combinação desse tipo pode resultar complexa, um primeiro
hermenêutica por parte do público leitor. Esses esclarecimentos, introduzidos há exemplo já é capaz de mostrar. No romance Die Brücke vom Goldenen Horn, de
vários anos, são de grande relevância justamente para a investigação do campo Emine Sevgi Üzdamar, que será analisado detalhadamente no sexto capítulo deste
altamente complexo do EscreverEntreMundos, já que eles permitem uma precisão volume, sobrepõem-se, por exemplo, as metrópoles Istambul e Berlim, de forma
espaço-temporal via de regra facilmente verificável de análises textuais. Mas como que, para a protagonista, resulta um movimento urbano translocal em um contexto
é possível tornar produtivo o modelo terminológico aqui apresentado em tanta transnacional e simultaneamente transareal, portanto ultrapassando tanto os limites
brevidade, para a configuração de uma ciência (literária) transareal? nacionais quanto os limites entre áreas diversas. Isso não é tudo: se observarmos os
movimentos da jovem senhora, muito importantes para a ação romanesca, entre
a parte europeia e a asiática de Istambul, então se apresenta uma viagem diária
pendular sobre o Bósforo, simultaneamente como movimento transcontinental que,
Estudos transareais
no entanto, permanece abaixo do nível nacional e mesmo regional. A dicotomia
de Istambul, por sua vez, corresponde à dicotomia de Berlim antes da queda do
Tentemos primeiramente agora- e esta é uma questão eminentemente importante
muro, de forma que a oscilação frequente entre as partes leste e oeste de Berlim,
para o desenvolvimento dos area studies -, após definirmos a precisão terminológica
em vista de pertencer a dois "estados da linha de frente" de "blocos" antagônicos a
das relações de cultura e língua, espaço e tempo, meio e disciplina, compreender
nível local, revela-se como movimento transnacional e transareal. Isso tem - como
os próprios movimentos no espaço com mais exatidão. Nesse caso, em primeiro

I lugar, cinco níveis diferentes devem ser distinguidos uns dos outros. Movimentos
em um nível translocal estabelecem-se entre espaços e locais urbanos ou rurais
com extensão limitada - no sentido das landscapes and cityscapes41 de Bharati
será mostrado no capítulo correspondente - consequências profundas para as
configurações espaciais e perceptivas no romance de Úzdamar.
Fiquemos mais um instante no nível translocal. É verdade que as relações
migratórias - e na sequência econômicas e sociais - entre um povoado em
Mukherjee -, enquanto que em um nível transregional situam-se movimentos
Chiapas e um bairro de Los Angeles se estabelecem em um contexto transnacional
entre determinados espaços paisagísticos e/ou culturais que, ou estão estabelecidos
e transareal, mas elas focalizam esses dois níveis a partir de um padrão de
abaixo da variante de uma nação - como Uckermark ou Hegau - ou localizam-se
movimento translocal, que simultaneamente é caracterizado como rural e urbano.
-como a assim chamada Dreyeckland, entre a Floresta Negra, Vogesen e o norte
Observando-se relações translocais comparáveis, por exemplo, entre exilados
da Suíça - como blocos claros entre os diversos estados nacionais. Transnacionais
cubanos em Miami e suas famílias cubanas de origem no Oriente de Cuba,
são movimentos que se verificam entre espaços nacionais diversos, entre estados
então se evidencia que já no nível translocal surge um padrão de movimento que
nacionais, enquanto movimentos transareais situam-se entre diferentes áreas- por
praticamente dá origem a um entremundos nos deslocamentos entre (os Estudos
exemplo, o Caribe ou o Leste Europeu -, e movimentos transcontinentais, entre
da) América do Norte e (os Estudos da) América Latina. Elas são essenciais para
diferentes continentes - como Ásia, África ou América. No contexto do modelo
a compreensão de ambas as áreas, mas por razões disciplinares permanecem
24 25
Passagem Passagem

frequentemente ocultas pelo fato de que, por causa de movimentos desse tipo, e, quando muito, consideram sua relação com a localização (europeia) da instituição.
aparece um espaço hemisférico do continente americano. No entanto - como procura mostrar o sétimo capítulo, por meio de romances de
A constituição de espaços regionais frequentemente ocorre- por exemplo, no Gabriel García Márquez e Elias Khoury- exatamente esses entremundos transareais
romance lm Grenzland, de Sherko Fatah- com auxílio de demarcações que- das ArabAméricas são de enorme interesse para uma ciência de ação transareal. O
como neste caso entre Irã, Iraque e Turquia- são constantemente perpassadas conhecimento armazenado na literatura pode muito bem servir como um corretivo
por um contrabandista. A violação de limites burla e solidifica simultaneamente de padrões disciplinares da percepção.
as demarcações de limites existentes41 , de modo que uma dialética complexa de O nível transcontinental, várias vezes já discutido, em compensação,
construção espacial é acionada por meio de padrões de movimento frequentemente transparece talvez de maneira mais nítida nos textos de Blaise Cendrars abordados
repetidos (ainda que proibidos no nosso exemplo). Também um exemplo no segundo capítulo, já que lá são abertas as dimensões da literatura de viagem,
da literatura francesa comprova essa dinâmica transregional de transgressão como que na gaiola dos meridianos, para uma escala global. As personagens
de limites: Os textos Beaune-la-Rolande e Mémorial de Cécile Wajsbrot (que (narradoras) oscilam incessantemente entre os continentes, sendo atribuída às
igualmente serão analisados no oitavo e também no primeiro capítulo) situam-se cidades portuárias, e respectivamente às estruturas insulares menores - e com
em um setting transregional, dentro do qual a paisagem de determinado campo isso a um nível translocal -, uma função relevante no interior de uma geometria
de trânsito ao sul de Paris e a região nos arredores de Auschwitz sempre tornam concebida de modo fractal. Europa e América, África e Ásia tornam-se pontos de
literalmente a se sobrepor. Essa sobreposição liga não apenas as viagens de trem orientação cardinal de um movimento hermenêutico, cuja transcontinentalidade
da narradora em primeira pessoa, mas também os trilhos que levam do campo de combina uma nomadização inconstante em escala global com a simulação de
internação e concentração na França ao campo de extermínio na atual Polônia. uma escrita sem morada fixa. Na interação transcontinental dos meridianos
O nível transnacional e o translocal são reunidos transregionalmen te em uma surge um entremundos descontinuado, que carrega inequivocamente os traços da
paisagem, cuja fisionomia leva diante dos olhos a sobrevivência da Shoah - e globalização francocêntrica sob o signo da ubiquidade da vanguarda. Porque em
com isso entende-se pelo menos um duplo significado, como genitivus obiectivus Cendrars todos os caminhos levam sempre de novo a Paris.
e como genitivus subiectivus. Transregionalidade, no sentido de uma ligação O presente volume empreende a tentativa de sondar a complexa co~binató~ia
entre duas paisagens, na verdade muito distantes uma da outra, e no entanto desses diferentes níveis e, ao lado da investigação das relações transarecus, tambem
tão próximas, torna-se aqui um procedimento literário eficaz: os padrões de descobrir os padrões de movimento transculturais, translinguais ou transtemporais
movimento transregionais transmitem nesses textos uma imagem bem mais com elas concatenados. O futuro dos area studies não está no Baedeker, mas em
vigorosa, como experiência espacial individual, muito mais familiar do que seria o uma abertura para os TransArea studies, que interligam a competência referente
caso em um nível transnacional nitidamente mais abstrato. à área com práticas de pesquisa transdisciplinares. As literaturas sem mo~ada
Relações transnacionais em um nível transareal e simultaneamente fixa, apenas percebidas à margem pelas filologias nacionais, oferecem para tsso,
transcontinental, mais uma vez, caracterizam os esforços políticos que, por com seu fascinante EscreverEntreMundos, um rico campo de confirmação e,
iniciativa do presidente de estado brasileiro, levaram à convocação de uma cúpula simultaneamente, um reservatório inesgotável de conhecimento (de vida). A
entre países latino-americanos e os estados da Liga Árabe, em Brasília, em maio tarefa da filologia é descobrir e preservar esse tesouro.
de 2005. Assim como as relações Sul-Sul transcontinentais e transnacionais são Por isso, uma orientação rransareal para as ciências literárias é da maior
o foco na esfera política, o nível transareal talvez seja ainda mais decisivo para as importância - e isso vale sobretudo também para disciplinas, i~oladas, como
relações culturais árabe-americanas a serem reforçadas. a Romanística ou a Anglística. Se quiséssemos - sem duvtda de forma
. Area ~tudies de feição tradicional tendem, nesses casos, a ignorar totalmente acentuadamente delineada - distinguir uma ciência literária transareal na
tcus movimentos transareais ou, pelo menos, a minimizar o seu significado. Pois interconexão das mais diversas disciplinas dos TransArea studies, de abordagens
padrões de movimento que ultrapassam a respectiva área familiar não raramente comparatistas tradicionais, então se poderia dizer que as mencionadas por último
parecem muito menos relevantes, supostamente, quando não afetam os centros quase se justapõem e comparam estaticamente umas com as outras as produções
na Europa ou nos EUA. A exclusão ampla das relações árabe-americanas oferece políticas, sociais, econômicas ou simbólicas de diversos países, enquanto uma
um bom exemplo disso. "Competências" de disciplinas frequentemente explicam ciência transregional está direcionada mais ao movimento, ao intercâmbio e aos
deficiências no padrão de percepção de ramos inteiros da pesquisa ou de centros de processos de transformação. Estudos transareais importam-se menos com espaços
pesquisa regionais. Ainda que as relações árabe-americanas estivessem tão presentes que com caminhos, menos com demarcações que com deslocamentos de limites,
nas literaturas da América Latina, elas não aparecem no radar dos estudos regionais menos com territórios que com relações e comunicações. Porque a época atual
ancorados apenas de forma disciplinar e, na melhor hipótese, interdisciplinar, que se é uma época da rede. Ela demanda concepções de ciência móveis e r_elacionais,
concentram- de modo semelhante ao Baedeker- totalmente em sua respectiva área transdisciplinares e rransareais e uma terminologia orientada pelo movimento.

26 27
r<l
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Passagem

A parte mais predominante do presente volume foi escrita durante meu ano
como bolsista no Instituto de Estudos Avançados de Berlim_ que começou com
um curso de verão na universidade, "outrora em Alexandria". Os rápidos avanços
do trabalho não teriam sido possíveis sem a atmosfera serena e inspiradora
e a descontraída insularidade do Instituto. Agradeço, de coração, a todos que
contribuíram para que esses meses movimentados e emocionantes se tornassem Um. Figurações
um desafio intelectual para mim.
Ulisses e o Anjo da História:
Ottmar Ette Berlim, 13 de julho de 2005 Sobre a imaginação vetorial da literatura da Shoah
no contexto das literaturas sem morada fixa

Literaturas do mundo e especialização móvel

Em ensaio publicado pela primeira vez em 1952, em uma publicação


comemorativa sobre o tema "literatura mundial", com o programático título
"Filologia da literatura mundial", Erich Auerbach, autor da obra fundamental
Mimesis - Dargestellte Wirklichkeit in der abendliindischen Literatur [Mimesis: a
representação da realidade na literatura ocidenta[j - surgida no exílio de Istambul
entre maio de 1942 e abril 1945 -, esboçou os contornos de uma filologia que,
após o fim da Segunda Guerra Mundial, deveria compreender a "profunda
mudança nas condições gerais de vida", "reconhecê-la em toda sua importâncià'
e tirar "as conclusões práticas do seu conhecimento" 43 • O emigrante judaico e
romanista alemão, que desde 1947lecionava em diversas universidades dos EUA,
estava preocupado com um desenvolvimento crítico do conceito goethiano de
literatura mundial, que havia sido forjado por seu criador - como Auerbach
muito bem sabia - não menos contra a concepção de literatura nacional que
se tornara dominante. A sentença de Goethe sobre a questão, datada de 31 de
janeiro de 1827, era paradigmática: ''A literatura nacional hoje já não significa
grande coisa, é chegada a época da literatura mundial, e todos devem trabalhar
no sentido de apressá-la."44 Não pode haver dúvida de que Erich Auerbach estava
preocupado justamente em dar sua contribuição para isso à luz das experiências
históricas de seu tempo.
Em perspectiva histórica, Auerbach estava ciente do fato de que a "época do
humanismo de Goethe" 45 perdurou apenas por um curto período e que havia
grandes, talvez irreconciliáveis diferenças entre o nível de conhecimentos de que
dispunha o autor de Fausto e aquele que a pesquisa havia desenvolvido até a metade
do século XX: "O que havia das literaturas do mundo, passadas e presentes, à
disposição de Goethe ao final de sua vida era muito em relação ao que se conhecia
sobre isso no tempo de seu nascimento; porém é muito pouco, comparado com
nosso repertório atual'' 46 •
Mas como uma filologia futura faria justiça a essa pressão sempre crescente
dos fatos, a esse nível de conhecimentos já enormemente ampliado no tempo de

28
29
··." 1

Um. Figurações Um. Figurações

51
Auerbach, se ela quisesse tratar daquilo que teve de reconhecer como a "história "ver em conjunto que até algo agora ainda não havido sido visto em conjunto" •
interna dos últimos milênios", seguindo sua exigência como "disciplina histórica": Uma especialização no que até agora ainda não foi pensado em conjunto (e não
"A história da humanidade que alcançou sua autoexpressáo" 4 '"'. Um imenso dilúvio apenas escrito em conjunto) requer, porém, com vista tanto aos assuntos quanto
de dados já havia agravado há muito tempo a pressão por especialização no campo aos métodos de sua investigação, um elevado grau de flexibilidade e, mais ainda,
das filologias: de mobilidade relacional e relacionadora.
Auerbach, nascido em 1892, em Berlim, e falecido nos EUA em 1957,
Quem não se limita de forma consequente a uma especialidade estreita c ao universo lamentava profundamente que justo aquilo "que épocas anteriores arriscavam, que
conceituai de um pequeno círculo de colegas, vive em um tumulto de exigências e impressões
a que é praticamente impossível atender. Ainda assim, é cada vez mais insatisfatório é determinar o lugar do homem no universo", já há muito se tornara "distante"
dedicar-se a apenas uma especialidade; quem hoje, por exemplo, quer ser um provençalisra e no âmbito da paisagem de pesquisa de seu tempo 52 • Assim, pode-se afirmar sem
não domina nada além das partes relevantes da linguística, da paleografia e da história, mal nenhum exagero que para o romanista era importante aspirar a uma consciência
chega a ser um bom especialista em Provença. 48 de mundo53 no sentido pleno, para cujo desenvolvimento a filologia da literatura
mundial concebida por ele deveria dar a sua contribuição. Por isso ele exigia
Com isso Erich Auerbach articulou o dilema central com o qual estavam e estão
programaticamente, no último parágrafo de seu artigo, uma filologia que não
confrontadas não somente as filologias, as ciências humanas e culturais, mas
deveria ficar limitada a especializações unilaterais (ou entendidas unilateralmente):
também, na mesma medida, as ciências naturais. Ele reconheceu, simultaneamente,
que apenas uma especialização em termos de disciplinas não seria suficiente Mas, de qualquer forma, nossa pátria filológica é a terra;, a nação não. a pod,e ser ~ais.
para resolver esse dilema, se a filologia não quisesse abdicar de partes extensas, Certamente a coisa mais valiosa e indispensável que o filologo herda amda sao a lmgua
socialmente relevantes, de sua função cognitiva. A necessidade de uma - como e a formação de sua nação; mas apenas na separação, na superação, isso se torna _efic~;
Sob circunstâncias diferentes, precisamos voltar ao que a formação pré-nacional medteval Ja
poderíamos dizer hoje- orientação transdisciplinar, que cruza diversas disciplinas possuía: ao reconhecimento de que o espírito não é nacional. s
4

e fronteiras entre disciplinas já se anuncia nessas articulações; e elas ao mesmo


tempo chamam a atenção para o fato de que a pressão por especialização, já no Torna-se impossível não ouvir, em tais passagens, o quanto a experiência do exílio,
tempo de Auerbach, na verdade era dupla. Porque ela obrigava, por um lado, da "separação", infundiu-se em concepções e pesquisas do cientis~a .. Sua obra
a pesquisar dentro das disciplinas que se diferenciavam ou - como Auerbach principal surgiu a partir da experiência da migração e somente teve e~Ito p~rque
formulou várias vezes- se ramificavam cada vez mais, e, por outro lado, insistia essa mudança forçada de lugar no universo abriu o olhar para a dtmensao de
em formas de especialização que se compelem, transversalmente às demarcações
b•
literatura relacionada ao mundo e ao mesmo tempo de am tto mun ta·
A d• 1 55
disciplinares, a ser reiteradamente especializadas. De que outra maneira o próprio Erich Auerbach sabia muito bem em que medida uma filologia concebida dessa
forma precisava se expor ao "tumulto de exigências e impressóes" invocado por. e~e,
56
Auerbach poderia ter enfrentado um empreendimento tão ousado, até mesmo
temerário e, no entanto, simultaneamente executado como algo natural·w como a mas estava simultaneamente consciente do fato de que se abster de tal redefintçao
investigação da "Representação da realidade na literatura ocidental"? transversal e transdisciplinar da tarefa da filologia, no fim das co~ta~, i~pl,.ica~ia
Especialização que, por isso - em continuação à "Filologia da literatura sua implosão, sua desistência não-criativa e seu mergulho na mstgntflcancta.
mundial" proposta por Auerbach -, deve ser compreendida como um conceito Pois a renúncia ao tumulto de exigências só podia incluir a renúncia a qualquer
móvel, como um conceito de movimento e não exclusivamente como "ramificação" exigência própria de atuar além dos limites cada vez mais estreitos da ~isciplin~
disciplinar e via de mão única disciplinada. Ou como formulou o cientista que e de explorar o lugar respectivo da pessoa no universo. Auerbach ,sentta-se aqut
trabalhava naquele tempo em Yale: "Trata-se, portanto, de especialização; mas não comprometido com "a inclinação apaixonada, que conduz um nu.~ero. mesm~
de especialização conforme as classificações tradicionais do tema, e sim adequada que ainda pequeno de jovens, mas excelente, por seu talento e ongtn~tdade,_ a
a cada assunto, e que por isso deve ser sempre redescoberta" 50 • atividade histórica intelectual e filológica": De seu "significado e futuro , ele nao
Desse modo, a especialização avança não apenas na metaforologia do "geral" queria duvidar57 • •
ao "particular", do "mais amplo" ao "mais estreito" ou até mesmo do "superficial" A importância, bem como a avaliação parcialmente errada, da tentativa
ao "pro fu n d"
o , mas pode executar os movimentos mais diversos enquanto estes de Auerbach de uma nova orientação da filologia, até agora nem de longe
forem adequados à construção específica do assunto e verificáveis em seu sistema engendrada em suas consequências, não pode, a partir da perspectiva atual, ser
discursivo. Portanto, especializações cientificamente criativas e inovadoras ignorada. Foi uma tentativa no campo da literatura e da cultura- certa~ente
são justamente aquelas que se movimentam transversalmente às "classificações compreensível sob a perspectiva norte-americana do pós-guerra- que partia ~e
tradicionais do tema". Porque criatividade científica pode ser descrita - conforme uma homogeneização planetária que aumentava rapid~~~nte, a qu:l pode,~ta
o investigador do cérebro Wolf Singer- justamente como aquela habilidade de tornar "Nossa terra, que é o mundo da literatura mundtal , cada vez menor e

30 31
Um. Figu rações Um. Figu rações

fazê-la perder "em diversidade" 58 • O autor de Mimesis sabia que estava de acordo Tais processos de movimento e interconexão, porém, não podem ser
com seus contemporâneos, bem como com a pesquisa contemporânea, quando simplesmenre atribuídos a uma literatura nacional ou à literatura mundial63 . Ao
expressava sua preocupação d e que um processo de desdiferenciaçáo g lobal poderia caráter singular- assim como à suposta singularidade e identidade esrárica- desse
nivelar e extinguir quaisquer diferenças culturais e processos de desen volvimento. tipo de terminologia devem ser justapostos (e às vezes também contrapostos)
O que aparecia como uma unificação d esejável para o utros, ele sentia como uma conceitos dinâmicos d e movimento. Dessa forma, na sequência não será abordada
ameaça fundamenral à diversidade cultural -e com isso também e especialmente uma filologia d a literatura mundial, mas um estudo relacional no conrexro de
à riqueza da literatura mundial. Pois, por "mil motivos que q ue rod os conhecem", uma filologia das literaturas do mundo. As literaturas do mundo, porém, não
"a vida das pessoas em rodo o p laneta" estaria se un ificando em rodo lugar sob o podem ser pensadas nem como uma soma de literaturas nacionais nem como
signo d as "formas d e vida modernas" 59 , originalmenre eman adas da Eu ropa e, no uma literatura mundial influenciad a unicamente por processos homogeneizantes.
fim d as contas, sempre as mesm as. Demarcações literárias nacionais, linguísticas ou disciplinares não devem ficar
Contudo, vida e formas de vida realm ente se aproximavam mutuamente e de despercebidas e tampouco ser ocultadas no estudo; todavia, as literaturas do
maneira inevitável em escala global? O m eio século passado desde a p ublicação mundo d evem ser pensadas em sua multidimensionalidade verorial como um
do ensaio pioneiro de Auerbach nos m ostro u em que m edida o processo de espaço fracral d escontinuado, quase pós-euclidiano64 • No contexto de uma
horr:~geneização, que conrinua observável, é acompa nhado, contrastado e geometria fractal das Literaturas do mundo, a ser esboçada, será importante ter em
deb1~1tado pelo desenvolvimenro conrrário de uma heterogeneização cultural . Esse vista, a partir da perspectiva trans regional, rransnacional e rransareal65 , menos
movtmenro duplo, altamenre complexo, há muito tempo tornou a o problema os limites e demarcações do que os caminhos e formas de comunicação, menos
d a convivência d as diferences culturas do mundo n a questão de sobrevivência a dimensão territorial do que a tmjetorial e vetorial. A partir de um ponto de
do século XXI. Hoje não precisamos d e forma alguma nos "acosrumar à ideia", vista assim clarificado, múltiplo e simultaneamente móvel, poderia ser possível
evoca~a não apenas por Auerbach, "de que em uma rerra uniformemente detectar a desdiferenciação em curso e novos processos de diferenciação de forma
orgamzada, somenre uma única cu ltura literária, até mesmo, em um período que, entre (e além do contraste com) homogeneização e heterogeneização, sejam
comparativamente curto, somenre poucas línguas literárias - e em breve talvez reco nhecidos os espaços criativos das literaturas do mu ndo em sua dimensão
apenas uma - [poderiam] restar vivas" 60 . Se essa análise realmenre correspondesse verorial. Então, as filologias poderiam contribuir, além da administração da
ao desenrolar dos aconrecimenros, enrão, sem dúvida, d e faro "a id eia d e literatura literatura, para a determinação do lugar e d a vida das pessoas no universo -
mundi~ -_em um senrido altamenre reduzido e distante do proposto po r Goethe naturalmente, em cooperação com outras ciências da vida.
- estana stmultaneamenre realizada e destruída"61 : A red ução ao si ngu lar teria
substituído a pluralidade concretamente experimentável.
Nesse ponto a perspectiva de Auerbach falha, pois diante do cená rio da atual Dialética do Esclarecimento como
qu~rca fase da globalização acelerada, é importante começar a atentar para a
dialética da condição apátrida
vaned~de e a c~mplexidade dos desdobramentos da produção literária em âmbito
mundtal, focaltzando nessa conjunrura sobretudo aqueles processos dinâmicos que
Não por acaso, Erich Auerbach completou suas reflexões sobre a "Filologia da
em grande parte permaneceram despercebidos ou foram considerados irrelevanres
literatura mundial" recorrendo a Hugo von Sankt Vikror com o tema d o exílio
e maruinais
o. · - are' agora b'1po 1ar e antagomsnca
.no âmbito da d'IStmçao ' · e ntre 1·lteratura
.
em sua Itgação com o conceito . de mun do: "mun dus tatus exr·t·m m est" 66 . E
mundtal e literatura nacional. Pois a questão da pluralidade a ser manrida d everia
basear-se - d e 1·lteraturas nacio nais pensa d a d e mane1ra deliberadamenre escolheu com o introdução ao que certamente é seu livro mais bem
. , não
. somenre
. n a concepçao ·
sucedido até hoje a lemb rança da figura de Ulisses, na qual lampej a - justamente
mats. estanca, CUJa processualidade é compreendida principalmenre com o história
a partir do ponto de vista do exílio de outrora em Istambul - um aurorretraro
(nact~n~), com andamento relativam ente autô nomo, e tratad a (e adm inistrada)
d o imigrante judeu. Pois na figura de U lisses incorpora-se a experiência de exílio
por dtsctplinas isoladas nela especializadas. Pelo conrrário diante de uma filo logia
· ' I , e' necessan· ·o c01npreender
' como errância em um espaço fractal, muitas vezes fragmentado - e ainda assim
d e gerenciam
. . ento
, . de tex t o 1move as ·mterconexoes-
um último pedacinho de esperança no regresso, no reconhecimento, cujo motivo
culturais e hteranas que se estendem transversalm enre aos lim ites da língua, da
nacionalidade ou das d'tsctp · 1m· as, que não são m ais adequadamenre represen ta d as é justamente o ferimento e a lesão, "A cicatriz de Ulisses" (esse é o título do
famoso primeiro capítulo de Mimesis). Erich Auerbach há muito já era experienre
por fi_lologias isoladas como processos d e movimenro fundamenral-complexos-
e sábio o suficiente para- bem no sentido do verso final do poema !thaka, de
e~pectalmenre q~ando se d edicam a uma única língua ou li teratura: trata-se de um
Konstantinos Kaváfis- compreender, "o que Ítacas significam"67 •
np? de co~plextdade que não pode ser decomposta em uma soma de parres62 ,
Quase ao mesmo tempo que as reflexões de Erich Auerbach sobre A representação
pots o movimento, o componente vetaria!, não pode ser "filtrado" a partir delas.

32 33
Um. Figurações Um. Figurações

da realidade na literatura ocidental, surgiu entre 1941 e 1944 A dia/ética do Arendt e transmitido a Adorno: "Nunca é um documento da cultura, sem ser
esclarecimento, de Max Horkheimer e Theodor W. Adorno, cuja tiragem inicial simultaneamente da barbárie. E assim como ele próprio não está livre de barbárie,
de 500 exemplares foi, ainda em 1944, distribuída pelos autores "a amigos, antes do mesmo modo não está o processo da tradição na qual ele caiu da cultura para
que esses "Philosophischen Fragmente" pudessem ser publicados pela primeira vez a barbárie" 80 •
em forma de livro, em 1947, pela editora de emigrantes Querido, de Amsterdam, A dia/ética do esclarecimento de Adorno e Horkheimer situa-se a si própria dentro
com o título deflnitivo68 • Mesmo para além de seu primeiro Excurso, .. Ulisses ou "do trabalho teórico de emigrantes al emães que, apesar d e H.cl . d a connnuou
1 er, am . "81 e
Mito e Esclarecimento", A dia/ética do esclarecimento é perpassada pelo movimento determina desse modo o espectro de uma leitura em que a Odisseia não se limita a ser um
82
das viagens do herói de Homero, cuja figura frequentemente surge onde menos dos "testemunhos representativos mais antigos da civilização ocidental-burguesà' • O
se teria esperado. Repetidamente, Ulisses avança com seus companheiros, caindo fio disposto pela Odisseia está enredado com a própria produção escrita dessas reflexões
sempre em novas aventuras, e se apresenta - como acontece, por exemplo, "em que se apresentam- exatamente como as teses de Benjamin- em forma de fragmento.
face das sereias"- como "alegoria premonitória da dialética do esclarecimento" 69 • A "proximidade interna do assunto com o destino da humanidade após duas guerras
A Odisseia, segundo Horkheimer e Adorno, daria "testemunho da dialética do mundiais" 83 influenciou não apenas a literatura, mas também a filologia, bem como a
esclarecimento" 70 e no fim das contas conteria, na divergência entre épica e mito, fllosofia; os filólogos, bem como os filósofos.
uma perda, já que o canto da "peregrinação de Ulisses" seria já uma "estilização Por isso, não é de se admirar que Horkheimer, nascido em 1895, filho de um
nostálgica daquilo que não se deixa mais cantar'' e o "herói das aventuras'' se fabricante judeu de Stuttgart, e Adorno, nascido em 1903, filho de um atacadista
revelaria justamente como "protótipo do indivíduo burguês, cujo conceito tem de vinhos judeu de Frankfurt am Main, ambos os quais, em momentos diferentes
origem naquela autoaflrmação unitária que encontra seu modelo mais antigo no após a tomada do poder por Hitler, deixaram a Alemanha e, passando por diferentes
herói errante" 71 • Assim se evidenciaria- e aqui poderiam ser encontrados paralelos estações intermediárias, alcançaram os Estados Unidos, tivessem escolhido, de
insuspeitados com a interpretação de Auerbach do poema épico de Homero - "o forma semelhante a Erich Auerbach, justamente a figura do movimento de Ulisses
cosmo venerável do mundo homérico pleno de sentido" como "obra da razão como ponto de referência emergente em constelações sempre novas. Porque essa
ordenadora, que destrói o mito graças precisamente à ordem racional na qual ela figura guarda em sua errância, todavia, ainda uma esperança: O "náufrago trêmulo
o reflete" 72 • antecipa o trabalho da bússolà', e "sua impotência, para a qual nenhum lugar do
" . "84
Essa estimulante nova interpretação e forma de leitura da figura do insidioso mar permanece desconhecido, visa ao mesmo tempo a destituição d as potencias ·
Ulisses, que provavelmente remonta "em primeira linha a Adorno" 7 3, é de grande Mesmo nessas formulações, na figura de Ulisses é criado um autorretrato duplo,
importância para nossas reflexões: Enquanto Auerbach lê a Odisseia de forma sem que este naturalmente se limite a um simples reflexo autobiográfico. Porque
complementar e contrastiva à Bíblia, Horkheimer e Adorno leem as aventuras de em Ulisses incorpora-se, para Horkheimer e Adorno, um "o saber em que consiste
Ulisses contra o pano de fundo do filme histórico-filosófico, que é aplicado, não sua identidade e que lhe possibilita sobreviver"8 S, de forma que ele é, com~
menos que a Escritura Sagrada, a "um contexto de história mundial e indicativo "sobrevivente que sabe", simultaneamente aquele "que se entrega de forma mrus
c ·d "86 A
de história mundial" 74 • Isso - bem como a exigência global dessa filosofia - é ousada à ameaça de morte, pela qual ele se torna firme e rorte para a v1 a ·
evidente desde o início fulminante do livro: "no sentido mais amplo do progresso figura de movimento do Ulisses que sabe é principalmente isso: uma figura de

I
do pensamento, o esclarecimento tem perseguido sempre o objetivo de livrar os sobrevivência maior que a vida, mítica, ligada ao "Velho. Mund~". . .
homens do medo e de investi-los na posição de senhores. Mas a terra totalmente O herói homérico representa não apenas um saber da vtda, porem atnda mats.u~
esclarecida resplandece sob o signo de uma calamidade triunfal" 7 s. SaberSobreViver: Um conhecimento da vida sobre si próprio, que se torna condtçao
Diante do cenário de uma situação histórico-filosófica e histórica, na qual "não prévia para uma sobrevivência na errância do exílio, sem desistir da exigência de
apenas o funcionamento, mas também o sentido da ciência se tornou questionável", contribuir decisivamente para o enfraquecimento dos poderes. Mas não é menos
exatamente como a "a infatigável autodestruição do esclarecimento" há muito decisivo que a "saudade da terra natal" 87 que libera as aventuras de Ulisses. Terra
88
estaria exposta à luz, os autores procuram analisar, em seu prefácio datado de "Los natal forma-se em associação com sedentariedade e propriedade permanente , mas
Angeles, California, maio de 1944"76 , no pensamento do próprio Iluminismo o para Horkheimer e Adorno ela não resulta nessa sedentariedade em oposição ao
"germe para a regressão", "que hoje tem lugar por toda parte" 77 • Seria devido a esse nomadismo. Pois: "Terra natal é a evasão." 89 E adiante: "A própria fala, a linguagem
fato que a humanidade "está se afundando em uma nova espécie de barbárie" 78 • em seu contraste com a canção mítica, a possibilidade de conservar na lembrança a
O trabalho de Horkheimer e Adorno sobre o mito 79 como trabalho de reversão desgraça que aconteceu é a lei da evasão homérica. Não é em vão que o herói que se
90
do Iluminismo em mitologia e da civilização em barbárie está próximo das evade sempre é introduzido novamente como aquele que narra."
linhas de pensamento benjaminianas, tais como se encontram, por exemplo, Como no evadir-se já está sempre contido um pedaço da evasão posterior,
em seu trabalho "Sobre o conceito de história", resgatado em 1941 por Hannah assim no movimento incessante está guardada a terra natal. A apresentação em

34 35
Um. Figurações Um. Figurações

si do horrível, "como se fosse destinado ao entretenimento", sempre deixaria A tradição dos oprimidos nos ensina que o "estado de exceção" no qual vivemos é a regra.
"simultaneamente emergir o horror" 91 que ela rememora. Na evasão é que uma Nós temos de chegar a um conceito de história que corresponda a ele. [...] O espanto sobre
terra natal se torna acessível novamente, o que no entanto não é um acesso o fato de que as coisas que vivenciamos "ainda" são possíveis no século vinte não é filosófico.
Ele não está no início de um conhecimento, a não ser o de que a ideia de história da qual ele
ao estado original, à proveniência e à terra natal "original". Só assim Ulisses, se origina não pode ser mantida. 96
'I designado e marcado por sua cicatriz, pode tornar-se o apátrida que volta para
casa e o que volta para casa apátrida: a incorporação de uma dialética da condição Mas se o conceito de uma história, que declara ser estado de exceção o que há
\ apátrida, no fim das contas, infindável. Ele se transforma no "modelo de uma muito se tornou a regra, deve ser alterado com vistas às abrangentes consequências
épica moderna da condição apátrida como alternativa à glorificação fascista de jurídicas, filosóficas e biopolíticas, que de acordo com Giorgio Agamben
desenraizamento como mitologia da terra natal", assim como o exílio se torna a caracterizam o estado de exceção de forma paradoxal como paradigma da
\ "conditio sine qua non da existência modernà' 92 • A partir da evasão surge uma terra governança na modernidade97 , então também uma história da literatura, que
natal que, portanto, antes não existiu. declara como estado de exceção tudo o que não cabe no esquema da literatura
Certamente a experiência do exílio do homo migrans9 3 é tão antiga como nacional considerado universal, consequentemente deve ser repensada e alterada
a própria humanidade e certamente a existência do homo sacer4 sempre foi o de maneira fundamental. Porque não "apenas'' no campo político, biopolítico e
núcleo de toda a experiência humana, da conditio humana. E ainda assim há bons econômico, mas também no cultural e especificamente literário, tornou-se regra
motivos para compreender a migração e a condição apátrida como especificidades há muito tempo no contexto mundial o que ainda é persistentemente descartado
da experiência de ser humano e do saber sobre a vida humana na modernidade. Aí como um estado de exceção e armazenado em gavetas conceituais criadas
seria possível recorrer inicialmente, em um sentido geral, a Friedrich Nierzsche, especificamente para isso: perseguição e exílio, diáspora e migração. O fato de
que em A gaia ciência associou a condição apátrida, principalmente com vistas à que a exceção tornou-se a regra e a condição apátrida, um ponto de referência de
modernidade europeia, com um desvanecimento dos ideais e uma ambicionada primeira ordem da vida, da leitura e da escrita, não por acaso transparece como
reavaliação de todos os valores. Para ele, o europeu não era separável do conhecimento em uma luz particularmente acentuada no contexto dos conflitos
migratório-apátrida: armados e dos regimes totalitários do século XX, do antissemitismo internacional
e da Shoah. O entendimento do fato de que terra natal- como se diz na Dia/ética
Não faltam entre os europeus de hoje aqueles que têm direito de chamar-se apátridas em
do esclarecimento - é evasão, não pode ser separado da intuição que Horkheimer
u~ sentido co~trastante e honorável, a eles especialmente seja expressamente recomendada
mmha sabedona secreta e gaya scienza! Porque a sua sorte é dura, sua esperança incerta, é formulou em 1944 da seguinte maneira: "na verdade, cada um poderia estar
uma façanha inventar-lhes um consolo, mas de que serve! Nós, crianças do futuro, como no campo" 98 • Ambos são processos epistemológicos devidos à percepção de
gostaríamos de estar em casa neste hoje!95 uma situação histórica, os quais se apresentam - no sentido benjaminiano -
inicialmente como uma "imagem", que "lampeja justamente no instante de sua
A expatriação a partir do hoje, a partir do presente, abre uma dimensão temporal
reconhecibilidade" 99 , respectivamente "lampeja no instante de um perigo" 100 • O
aqui, que poderia ser associada com a experiência de um tempo descontinuado,
fato de que esse "lampejo" ocorre em pensadores tão diferentes como Auerbach,
perpassado por rupturas, para o qual- nas palavras de Hugo von Sankt Viktor,
Adorno, Benjamin ou Horkheimer 101 quase no mesmo "instante", é igualmente
nascido na Saxônia e falecido em Paris- o mundo todo se tornou exílio. Como

I isso não valeria justamente para um continente que está sob o signo do mito de
uma migrante sequestrada e estuprada, da Europa que flcou apátrida?
. Po~ém, para o nosso questionamento é decisiva, a partir dessa perspectiva, aquela
dtaléttca da condição apátrida que, como um flo condutor, perpassa a Dia/ética
do esclarecimento de Horkheimer e Adorno e inconfundivelmente apadrinhou o
menos devido ao acaso que ao fato de que Walter Benjamin escolheu para a
história uma "imagem" que se tornou famosa, como convém justamente a uma
ainda não "remida humanidade" 102 • Pois na retomada de uma "imagem de Klee,
que se chama Angelus Novus" 103, ele observa:
O anjo da história deve parecer com isso. Ele tem a face voltada para o passado. Onde
surgimento deste livro- não de outra forma como no caso da Mimesis de Auerbach. uma cadeia de eventos aparece diante de nós, ~/e vê uma catástrofe única que amontoa
Ela remonta à experiência específica de uma época, de duas guerras mundiais, incessantemente destroços sobre destroços e os lança aos seus pés. Ele provavelmente gostaria
de flcar, acordar os mortos e reconstituir o que foi despedaçado. Mas uma tempestade sopra
mas sobretudo de um antissemitismo, que durante o nacional-socialismo acionou do Paraíso; ela flcou presa em suas asas e é tão forte que o anjo não consegue mais fechá-las.
a assim chamada "solução flnal" para a assim chamada "questão judaica", e no Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele volta as costas,
~~al Hor~eimer e Adorno procuraram ir a fundo em seu capítulo "flnal", com enquanto o amontoado de destroços diante dele cresce para o céu. O que nós chamamos de
exlto avaltado (e a ser avaliado) de formas diversas. Não tinha Walter Benjamin progresso, é esta tempestade. 104
declarado inequivocamente, na oitava de suas teses histórico-fllosóflcas- e meio
Como Adorno, Horkheimer e Auerbach, também Benjamin escolhe uma flgura
século antes de Giorgio Agamben:
de movimento, em que, ao seu anjo da história, sem dúvida, ao contrário de

36 37
Um. Figurações Um. Figurações

U lisses em seu caminho de volta, o camtn · h o ao paraíso oriain al, à terra natal, a ela d e ma n eira fun damental-complexa, caso se p retenda desenvolver um
está interposto e to rnou-se impossível. E ainda assim seu ~lhar se d esvia rão entendimento de escrita literá ria ad equado às literaturas do século XXI. Pois não
pouco dela q uanto o olhar do grego astuto. Ambas as fi guras são e mpurradas pode h aver dúvida d e que essas lite raturas devem ser comp reendidas e entendidas
para a frene~ por r~mpestades, ambas são vagantes que, ainda assim , possuem um cada vez m ais como literaturas sem morada fixa. As asas do anjo benjaminia no
ponto d e onentaçao. No e ntanto, se ainda é possível um último retorno à reia de continuam abertas, e a força da tempestade aumento u ainda mais. É possível
Penélope para o apátrida que volta para casa, por m eio do qual seus m ovimentos que n ão apenas o con ceito preced ente d e história, mas também o d e literatura e
descontinuados, variáveis, ainda podem se completar e m um círc ulo ao final, filologia n ão possam ser ma n tidos diante desse tipo de forças.
p ara o anjo d e Klee, em Benjamin e com os olhos d este, só h á 0 movimento
de um progresso ava nçando tempestuosam ente, que para 0 Angelus Novus se
torna um retrocesso sem volta em d ireção ao futuro, simul ta nea m e n te variável
Literaturas sem morada fixa
e todavi_a linear co:no. rua _de sentido ún ico. Acima de rudo , porém , essa figura
de m ov1mento esta d1ssoc1ada d a sua própria vontade, como H a nnah Arendt
D e ntro da rede de li teraturas do mundo, globalizada, porém d e forma alguma
en~arizava em su.~s refle~ões sobre poder e vio lên cia, que "o p rogresso da ciência" ig ualitá ria, mas caracterizada por fortes assimetrias, as literatu ras sem m orad a ftxa
rena se tornado quase tndependente do que nós queremos fazer" IU'i_ ocupa m um es paço cad a vez mais amplo e significativo. Ao final de um século que foi
As reflexões filológico-literárias mundiais de E rich Auerbac h, os fraam entos caracterizado p or uma dimensão anres nunca conhecida de m igrações dramáticas,
filosófico-críticos à ciência d e Max Horkheimer e Theodor W. Ador~o. bem ocorreram evoluções d evido a variadas expulsões por guerras, fome, catástrofes
como as reses filosófico-históricas e críticas ao progresso , d e Walte r Be njamin,
econ ómicas o u a mbientais, mas também por perseguições políticas, racistas
evidenciam em que medida a dimensão d a condição apátrida fez a c iê nc ia ava nçar
ou sexistas no contexto de infraestruturas aceleradas e transcontinentalmente
no m eio do século XX, de que manei ra fu ndamental a escrita e o pe nsamento,
am pliadas, evoluções q ue também transformaram aos poucos o mapping das
como a ~rópria vida, se alimentavam há m u ito a partir d e uma con d ição apátrida, literaturas do mundo na passagem para o século XXI e conrinuam transformando-o
que ha~1a se ,t.ornado a_ regra num contexto de guerras e expulsões e m massa cada acele rad amente. Siste mas de comunicação globais e mercados d e trabalho
vez m ats ~rue1s, d e an ttssemitismo e Sh oah. O fato de que a experiê n cia específica transnacio n ais, guerras religiosas fundamental istas e " limpeza" étnica, m ercados
da geraçao de autoras e autores como H an nah Arendt, V icto r Kle mperer ou d e capitais globalizados e aumento da fuga económica, além d e muitos outros
Werner Krauss continuo u quase de forma transgeracional desde o fin al do século fenôm enos aqui inumeráveis, contribuíram adicionalmenre para que não apenas
XX- o século das migrações- fragmentada em novas refl exões sob re pe rseauição
os a nrigos centros se tornassem visíveis e cultu ralmente ativos na periferia, mas
e exílio , migração e experiên cia de cam po e dentro d e h o rizo ntes socioc ulrurais
també m as antigas periferias, h á muito tempo, nos centros. A globalização d e
e histó ric~s modificados, está intimam ente associado justame nte com esses
d emoc racia e just iça- dife ren teme nte da globalização da "cala midade triunfal " d a
novos hon~ontes e. contextos d e vida h istóricos contemporân eos. A dialética qual falavam os a utores d a Dia/ética do esdarecimento106 - sem dúvida ainda tarda
do esclarecimento amda continua atua ndo também como dialé tica d a co ndição
a chegar na época da migração e interdependência 107 •
apátrida, Ulis,ses e o anjo da história de modo algu m d esapareceram, m es mo que Especial m en te as m etró poles torna ram-se focos de movimentos multi-, inter-
no final do seculo XX se constituam n ovas figuras de movime nto. Se terra natal e tra nsculturais, com o que devem ser entendidas fo rmas d e u ma justaposição
é evasão, então evadir-se é um caminho e muitos caminhos para fo rmar a terra cultural, de um in tercâ mbio realizado entre culturas n itida mente distintas
n atal, capturá-la em uma imagem (móvel). umas das o utras, co mo também d e uma nomadização que atravessa culturas de
Se _é possí~el co,~preender o estado de exceção com o regra e o campo como diversos tipos. Mesmo que tais tipos de fenômenos se cruzem e se sobreponham
paradtgma btopolmco da m odernidade, então a condição apátrida to rno u-se
mutu a m ente, é importante e indispensável , especialmente com vistas a um estudo
a experiênci_a maci_ça de uma vida sem m orada fi xa em uma época na qual a
d as literaturas do m u ndo, distinguir terminologicam en te esses m ovimentos
tempestade tmpulswnou o anjo benj aminiano d a história ainda mais p ara a frente
diversos d e "justaposição", "conjunção" e "confusão" cu ltural. Pois, de o utra
e pa~a longe do paraíso. Embora o esw do d o suposto estado d e exceção n o campo
form a, haveria o perigo - igualmente com vistas a metrópoles e a lite ra turas do
da ltteratura,
f; no
. , contexto ,da
. formação
. teo' r1·ca p os-co
' 1o n1a
· 1, traga ca d a vez ma1"s
m undo - não apenas d e unificar os movimentos opostos d e homogeneização e
para_ o oco, d1aspora. e exd1o, 1mgração e transmigração, ainda será um longo
heterogeneização cu lturais, mas de os subestima r em sua complexidade.
cammho ate que as literaturas da condição apátrida, o u melhor: das literaturas
Em todos esses processos deve-se levar em conta que o cranspassam ento
sem morada
. fixa • seJ·am compreend"d · n h ec1·d as como uma parte nao
I as e 1eco - 1nats
·
d as d emarcações p o líticas e culturais não raras vezes está conectado com o
marg1~al, per~fé:i~a das literaturas do mundo. Deve-se transformar n ão ape nas o
transpassamento inevitável de li mites linguísticos. Em retom ad a a H a nnah Arendt,
conceitO d e hlsto n a, mas também o conceito da (história da) literatura associado

38 39
'·' 1

Um. Figurações Um. Figurações

GiorgioAgamben chamou atenção para o fato de que é a ruptura da "concinuidade autores(as) e cientistas das mais diversas regiões da terra, que passam um período
entre pessoa e cidadão, entre natividade e nacionalidade, nascimento e povo", de tempo mais curto ou mais longo nos EUA ou vivem de modo contínuo em
mais fortemente observável no século XX e quantitativamente não mais passívd vários lados do Atlântico ou do Pacífico, dão um testemunho eloquente disso.
de negligência, que teria mergulhado em uma crise toda a "ficção relacionada Uma escrita sem morada fixa que se esquiva de demarcações nacionais- que
a origem" no contexto da moderna formação nacional 108 • Assim, refugiados, de fato não precisa de forma alguma questionar a existência de limites, mas, ao
apátridas e migrantes abalam aquela obviedade dos processos nacionais de contrário, frequentemente os multiplica- abre a concepção de literaturas nacionais
formação identitária que partem da "naturalidade" e "obviedade" de comunidades por meio da presença crescente de uma literatura que, de modo extremamente
(culturais, religiosas ou linguísticas) supostamente homogêneas. A literatura foi, e insatisfatório, muitas vezes se tem subsumido sob o conceito de "literatura de
é, de grande importância justamente na criação de comunidades imaginadas, bem migrantes". Em sua resenha, publicada em língua inglesa nos EUA, de uma
como em seu enfraquecimento discursivo. tradução espanhola do romance - premiado, entre outros, na Áustria com o
Há muito tempo a língua materna, para dentro da qual uma pessoa é Prêmio Ingeborg Bachmann 1991 - Das Leben ist eine Karawanserei (A vida é um
"nascida", não é mais obviamente equiparável com a língua que determinadas caravançarai), escrito em língua alemã pela autora que cresceu na Turquia, Emine
autoras e autores tornam a sua língua literária duradoura ou temporária. Pode-se Sevgi Ozdamar, o escritor espanhol de origem barcelonense Juan Goytisolo, que
imigrar em literaturas nacionais estrangeiras não menos que em outras nações, o hoje vive principalmente no espaço cultural árabe, enfatizava que teria já há
pertencimento a duas ou mais "literaturas nacionais'' ou a escrita em diferentes muitos anos chamado atenção para o fato de que logo uma parte significativa
idiomas sucessiva ou simultaneamente não são mais extraordinários do que a da literatura alemã seria escrita por turcos, da literatura francesa, por escritores
mudança de cidadania ou a conexão simultânea de várias nacionalidades. Há do Caribe ou de Maghreb, da literatura inglesa por indianos e paquistaneses 1 u.
muito tempo tais fenômenos não constituem mais casos excepcionais, mesmo Não há mais o que duvidar nesse fato hoje, mesmo que instituições de ciência e
que em várias regiões literárias do mundo tais fenômenos se evidenciem em de mídia "ensaiadas" de modo literário-nacional ainda gostem de descartar tais
diferentes graus, bem como em várias formas de expressão. Especialmente em evoluções como fenômenos marginais.
zonas de globalização concentrada, essa evolução surge de modo tão maciço que Consequentemente pode-se registrar hoje que a prognose de Goytisolo
a construção de espaços literários e culturais "nacionais" homogêneos parece concretizou-se em um período extremamente curto e que representa uma importante
não apenas antiquada, mas também como um ideologema renacionalizador - ainda que de forma alguma a única - realidade da escrita contemporânea no
consciente. O que isso significa, porém, em um mundo no qual a nação não pode início do século XXI. Línguas, segundo afirmou Emine Sevgi Ózdamar em uma
mais ser- no sentido de Erich Auerbach- a "terra natal fllológica" 109 ? entrevista concedida por ocasião da apresentação do Prêmio Kleist 2004, "são
Portanto, temos de lidar com evoluções que atribuem um significado como instrumentos, se faz música com elas, se pode alternar [entre elas] ." 112 Para
completamente novo ao conceito goethiano de "literatura mundial", um acrescentar logo em seguida: "Sinto alergia ao orgulho nacionalista. É suficiente
conceito que se localiza inconfundivelmente não só além do estado nacional, dizer: nasci aqui ou acolá. Mais nada. Em geral, dever-se-ia ter no mínimo vinte
mas além da literatura nacional, mesmo que esta continue dispondo de instâncias passaportes, pois não se sabe qual o próximo país a se inimizar com qual outro.
extremamente importantes de produção, reprodução, distribuição e recepção. Ou um passaporte internacional. Ou nenhum.'' 113
As literaturas do mundo perderam em sedentarismo e cada vez mais absorveram Em uma palestra na Casa das Culturas do Mundo (Haus der Kulturen der Welt
padrões de percepção, de escrita e de pensamento nomadizantes, que se ), em Berlim, a escritora Assia Djebar, nascida na Argélia, afirmou, com relação
encontram em constante movimento. A esse padrão de movimento mais diverso, a seu romance Les nuits de Strasbourg [Noites de Estrasburgo], produzido em 1997
quase de vetorização armazenadora de produção literária, corresponde, aliás, uma em língua francesa, na Louisiana, EUA, e que se encena em dois níveis temporais
mobilidade há algum tempo cada vez mais espacial e por vezes {inter- e trans-) na Estrasburgo franco-alemã da Alsácia:
cultural por parte da crítica literária e dos estudos literários. Nesse sentido, os
Sem local de origem, sem necessidade de uma origem: Pelo menos ao longo de vinte anos
EUA tornaram-se, o mais tardar desde a metade do século XX- como mostraram apreciei meu nomadismo, sentia-me bem - às vezes até mesmo realmente em casa - em
os exemplos anteriores - para os emigrados e imigrados pelos mais diversos Barcelona, Veneza, Freiburg im Breisgau ou na metrópole do norte da Europa, em Paris,
motivos, ainda que não o melting pot, mas sim - e não apenas no sentido da aonde eu cheguei, e que eu queria descobrir[ ... ]. Quando um homem ou uma mulher vem
famosa salad bowl - o mais importante meeting point e a plataforma das mais do sul para a Europa e escreve literatura europeia, isso aflnal é uma espécie de "exotismo"
invertido ... ou não? A contrapartida ou o equivalente à evasão "orientalista" do europeu
variadas evoluções na rede mundial das literaturas. Os Estados Unidos herdam, seria para nós o "ocidentalismo"- uma tentação: por que não? 114
assim, em determinados aspectos, o legado da França e sobretudo de Paris, que
havia sido- como Henri Michaux uma vez formulou- "a pátria daqueles que Por acaso é sinalizado aqui que a literatura europeia há muito não é mais achasse
não encontraram uma pátrià' 110 • O número enormemente elevado de intelectuais, gardée, o assunto só dos europeus. A constatação de Assia Djebar, de que sua "escrita
40 41
Um. Flgura~ões Um. FJgura~s

ansiava por outros lugares" 11 \ de forma alguma implica o desejo de ser literariamente as filologias não desenvolveram, até o momento, terminologias satisfatórias
territorializada de outra forma, mas de escrever uma literatura que não se deixa para atender fenômenos e evoluções que há muito possuem alta distribuição e
territorializar facilmente. Esse esforço que protesta contra as tradicionais linhas frequência dentro de um mercado literário internacional.
de demarcação é evidente, embora - ou justamente porque - sua escrita discute Nossa discussão acerca das considerações de Erich Auerbach sobre uma
intensivamente determinados espaços - por exemplo, o de Estrasburgo, evacuada filologia da literatura mundial deveria mostrar que uma oposição terminológica
pelas tropas francesas de setembro de 1939 até junho de 1940 - e com isso assume oriunda do século XIX entre "literatura nacional" e "literatura mundial" não
um tema que até agora foi amplamente omitido, tanto pela literatura francesa é mais suficiente para registrar fenômenos que, o mais tardar no contexto de
quanto pela alemã. Literaturas sem morada fixa, inclusive por esse motivo, não se totalitarismos, guerras e perseguições do século XX e especialmente da Shoah,
deixam evacuar facilmente, elas se movimentam transversalmente às tradicionais alteraram fundamentalmente a "normalidade'' das bases do pensamento e da
territorializações, herdadas do século XIX, das literaturas e filologias. escrita e tornaram a escrita migratória um fenômeno de massas internacional.
O desenvolvimento delineado por Goytisolo e praticado de uma forma muito Os limites das concepções existentes até então, que Auerbach anotou
própria por Djebar não por acaso ganhou impulso cada vez mais fone desde o final sismograficamente em seu esboço, levando em conta o contexto da sua própria
do século XX. Mas isso não deveria obscurecer o fato de que categorizações literárias experiência de vida, demandam terminologias modificadas e especializações
nacionais, mecanismos de atribuição e de exclusão nem desapareceram nem irão móveis, que podem atender à imaginação vetorial dos processos literários de
desaparecer num futuro previsível. O fato de que Emine Sevgi Ózdamar muitas escrita e às dimensões dinâmicas da produção artística em tantos níveis quanto
vezes não é associada à literatura turca na Turquia, José E A. Oliver por vezes não possível. O objetivo não é transferir a famosa frase de Goethe, de que "literatura
o é à espanhola na Espanha, nem Amin Maalouf à árabe em países árabes, chama nacional [ ... ] agora não [quer] dizer muito" e que seria chegada a "época da
atenção para a persistência dos horizontes de expectativa tradicionais "nacionais" ou literatura mundial" 116, às condições modificadas do final do século XX e início
"culturais próprios" do público leitor, mas sobretudo para dificuldades nitidamente do XXI, mas adequá-la de modo simultaneamente crítico e criativo. Está na hora
identificáveis justamente nas instâncias mediadoras de literatura. Especialmente de novamente relacionar as literaturas do mundo umas às outras à luz da quarta
aquelas autoras e autores que se pode atribuir às literaturas sem morada fixa são fase de globalização acelerada, colocá-las terminologicamente em movimento por
preferencialmente expostos a processos literários nacionais (e às vezes também meio da inclusão das literaturas sem morada fixa e, nisso, dar a máxima atenção às
estatais nacionais) de expatriação. Os exemplos disso são numerosos; poucos figuras de movimento dinâmicas, móveis no contexto de uma geometria fractal,
exemplos contrários, como o da autora Yoko Tawada, que publica tanto em língua descontinuada e quase pós-euclidiana das literaturas - que deverá ser esboçada
japonesa quanto alemã e foi condecorada muitas vezes com prêmios no Japão e nos capítulos seguintes deste livro. .
também na Alemanha, que antes confirmam a regra de exclusão mútua. Isso significa não apenas que no futuro nós deveremos dirigir nosso foco mats
Para quem não dispõe de uma morada fixa no território do supostamente intensamente a fenômenos de tradução e transmissão de todo tipo e, a partir
"próprio", muitas vezes é difícil escapar de tais mecanismos de exclusão. Porque desta perspectiva, focalizar, quase que a partir do movimento e de "forà', as

f
'
os atravessadores frequentes de fronteiras (culturais, respectivamente literárias),
que às vezes também são chamados de violadores de fronteiras, contrabandistas
ou espiões, como vagabundos, nômades ou mercenários, como bucaneiros,
instâncias - supostamente estabelecidas de maneira tão firme - de campos literários
(nacionais) individuais, mas simultaneamente também compreender as línguas
e territórios da literatura como espaços de migração e imigração para expressões
refugiados ou agentes duplos, desde sempre tiveram problemas, como habitantes de "língua estrangeira" e "cultura estrangeira", nos quais o "alheio" lampeja como
dos borderlands, para serem reconhecidos nos países em que momentaneamente parte do "próprio" sem todavia perder seu "alheamento" no "próprio". Objetiva-se
residiam. Por isso, não é de admirar que algo simultaneamente subversivo e principalmente investigar como tais elementos tornam-se familiares em outro lugar,
suspeito facilmente adira também às representantes e aos representantes de uma portanto deslocados de forma translocal, transnacional ou transareal, modificam e
literatura sem morada fixa- em contraste com as autoras e autores que à primeira enriquecem a língua (da literatura) receptora- totalmente no sentido das reflexões
vista podem ser atribuídos sem problema a uma única literatura nacional. de Walter Benjamin sobre a "tarefa do tradutor" 117 • Avaliar processos desse tipo
No entanto, hoje está cada vez mais difícil dispensar e desmembrar, como exclusivamente como sinais de homogeneização cultural ou hibridização, testemunha
"casos de exceção", a literatura de migração, bem como outras formas de literatura antes um empobrecimento conceituai. Uma tarefa importante das atuais filologias
sem morada fixa. Além disso, políticas culturais nacionais voltadas para o exterior deveria ser a de registrar com mais exatidão e sondar as dinâmicas, espaços criativos
e instituições culturais nacionais como o Goethe lnstitut ou o Instituto Cervantes e figuras de movimento entre ambos os polos.
também há muito reconheceram a chance de ganhar pontos, especialmente no O desdobramento das literaturas sem morada fixa, observável no século XX, fez
exterior, com a ajuda de "nômades" literários e de expor publicamente (e comprovar com que todos os elementos e aspectos da produção literária começassem a se mover
esteticamente de maneira convincente) a abertura da própria sociedade. Porém de forma muito mais radical e duradoura do que anteriormente - sem que isso já

42 43

.L
Um. Figurações Um. Figurações

tivesse se espalhado em todo lugar- e nós presenciássemos uma vetorização geral de Ulisses pode representar o fato de que isso não pode acontecer sem perda e
de todas as referências, abrangendo também estruturas literárias nacionais. Se na ferimento. Porque os processos complexos dos quais se fala aqui via de regra são de
pós-modernidade os fundamentos temporais de nosso pensar e escrever tornaram-se natureza mais dolorosa e, tendo em vista a Shoah, infinitamente mais tormentosa.
mais fracos em comparação com os da modernidade, mediante os quais concepções Dessa forma, a recepção e a apropriação do saber sobre {sobre)viver armazenado
e formas de pensar espaciais ganharam importância, então movimento e migração produz até mesmo de novo um saber sobre a vida que em sua dimensão biosófica pode
devem ser colocados em foco hoje como características decisivas das literaturas do -e nisso reside boa parte da efetiva força política da literatura- tornar-se socialmente
mundo. Mas uma poética do movimento elaborada ainda não está disponível. No disponível e eficaz. Uma reflexão mais intensiva sobre as literaturas sem morada fixa
entanto, ela precisa ser impulsionada, pois assim poderia abrir a imaginação vetorial no contexto das literaturas do mundo pode evidenciar que a partir delas podem se
da escrita atual em toda sua complexidade e diversidade de figuras. abrir para as filologias novos campos de atuação e novas áreas de conhecimento, que
A vetorização há muito não registra mais apenas os temas e conteúdos da podem ser desenvolvidos assim que uma disciplinação predominantemente estática
literatura, suas formas de apresentação e representação de movimento, mas de disciplinas filológicas for limitada em favor de formas de especialização móveis. Se
também a apropriação destas por meio dos mais diversos grupos de leitores em é possível compreender a atual fase de globalização acelerada com base na sequência
escala global. Isso mostra que não podemos mais territorializar nossas culturas de histórica de fases de aceleração e desaceleração anteriores e reconhecer a história
modo irrefletido - e isso de forma alguma é "apenas" um fenômeno de produções e, com isso, a configurabilidade dos fluxos de conhecimento nos sistemas atuais
simbólicas de fora da Europa, mais precisamente denominadas pós-coloniais- mas de conhecimento, poderia surgir uma nova compreensão dos processos literários e
temos de vetorizá-las e entendê-las como culturas em movimento. Os coeficientes culturais dentro de espaços de movimento fractalmente configurados, localizados
de movimento historicamente acumulados estão naturalmente inscritos nos além não apenas das dicotomias da literatura nacional e mundial de Goethe.
padrões de movimento atuais, e não raro abrem suas vias. Diante do cenário contemporâneo e existencial mundano do início do século XXI,
Com seus espaços e movimentos que se sobrepõem mutuamente, as literaturas as considerações aqui apresentadas querem dar uma contribuição filológica de
do mundo possibilitam observar e ao mesmo tempo testar criativamente, a partir orientação existencial científica na continuação crítica das reflexões desafiadoras de
de diversos pontos de vista, processos de inclusão e exclusão, tradições e quebras Erich Auerbach. Isso deverá ser feito a seguir com referência à literatura da Shoah.
de tradições, procedimentos multi-, inter- e transculturais. Elas transmitem uma
consciência de mundo que corresponde ao estado de nosso tempo e colocam à
disposição um saber sobre a vida, uma biosofia que desmascara o mapeamento
redutor em que blocos culturais homogêneos estão hostilmente contrapostos um ao Figuras da imaginação vetorial na literatura da Shoah
outro, sugerindo um "choque das civilizações" 118 , como ideologema de uma estratégia
hegemônica que constantemente insiste na continuação da política por outros meios. O desenvolvimento histórico e a evolução das literaturas sem morada permanente
Para Horkheimer e Adorno, justamente na figura de movimento do insidioso experienciou, com a literatura da Shoah- bem dentro do espírito do pensamento
migrante Ulisses incorporava-se não por acaso um "conhecimento no qual sua conjunto, em grande parte considerado tabu anteriormente, de antissemitismo,
identidade se constitui e que lhe permite sobreviver" 119 • Essa configuração de um Shoah e totalitarismo também do outro lado do nacional-socialismo 121 - , uma
saber sobre a sobrevivência que sob o signo da transmutação do Iluminismo em enorme aceleração no século XX, que até hoje representa uma das linhas de
violência totalitária tem de se redirecionar e absorver novos estratagemas, surge por tradição mais significativas das littératures sans domicile fixe, aliás, literaturas sin
meio dos movimentos que o "sobrevivente que sabe" 120 executa como aquele que residencia fija. Também a fundação do Estado de Israel e o projeto relacionado de
é impelido por potências estrangeiras e todavia familiares no interior do mundo uma reterritorialização quase global de modo algum enfraqueceram a importância
conhecido por Homero. Na hermenêutica dessas figuras de movimento dos dessas linhas de tradição 122 • Ao contrário, desde aquela época foram desencadeadas
migrantes está armazenado um saber sobre a sobrevivência (não necessariamente ondas adicionais tanto de imigração quanto de emigração no Oriente Médio,
associado à intenção do autor ou do qual este tenha consciência), que ainda cujas consequências são observáveis até hoje em todo o mundo.
hoje nos é acessível e pode ser apropriado fora do contexto original de seu Ao final do trabalho de Hannah Arendt sobre o univers concentrationnaire estava
surgimento. São justamente - essa é minha tese - as figuras de movimento desta o prognóstico de que se deveria temer que "os campos de concentração e câmaras
figura-movimento Ulisses que facilitam o processo de tradução e apropriação, de gás" 123 teriam permanência bem além do nacional-socialismo e de outros
uma vez que nelas se deposita um entrelaçamento de movimentos estruturado regimes totalitários do século XX: "Tal como no mundo de hoje encontram-se
itinerariamente em espaço e tempo, que pode ser compreendido como modelo tendências totalitárias em todos os lugares e não apenas em países governados
espacial de entendimento também em outros espaços e tempos e transferido totalitariamente, assim essa instituição central do totalitarismo poderia facilmente
. ' . que conhecemos."124
sobreviver à queda de todos os regimes totai1tar1os
como saber sobre a vida para a estruturação narrativa da própria vida. A cicatriz
44 45
Um. Figurações Um. Figurações

Na medida em que essa sobrevivência ao menos dos campos de concentração- como 1. Albert Cohen ou a prefiguração do campo
comprova um grande número de estudos atuais - através de todo o século XX até a
atualidade e nas mais diversas regiões do nosso planeta há muito se tornou realidade e o Vamos nos dedicar em primeiro lugar, com brevidade, a um pequeno texto de
próprio campo, por bons motivos, ainda que não inquestionáveis, pode ser designado Albert Cohen (1895-1981), até agora raramente pesquisado 130 • Com esse autor,
como "paradigma biopolítico da modernidade" 125 , pode-se compreender por que a difícil de classificar em muitos aspectos, nós certamente estamos lidando com
literatura da Shoah de longa data se tornou um fenômeno transgeracional, mas ao um dos notáveis escritores de língua francesa do século XX, o qual- originário
mesmo tempo também verdadeiramente transculrural e transistórico. A existência e de uma pequena ilha grega no Mar Jônico e criado no dialeto veneziano dos
os desafios dos campos de concentração não começaram nem terminaram com as judeus de Corfu - ainda possuía um passaporte otomano ao se mudar com seus
atrocidades desumanas de Auschwitz ou Buchenwald, Dachau ou Mauthausen. O pais para Marselha (mudança ocorrida por medo de novas perseguições), antes
univers concentrationnaire não terminou com a libertação desses campos. de adquirir a cidadania suíça após seus estudos em Genebra. Esta lhe possibilitou
Com a morte, a ser constatada nos próximos anos, dos últimos sobreviventes dos não apenas visitar sem problemas uma parte de sua família em Alexandria e
campos de concentração e extermínio nacional-socialistas, os debates atuais sobre trabalhar em Genebra, na Organização Internacional do Trabalho (OIT- Bureau
Holocausto e Shoah focalizaram cada vez mais o conceito do testemunho 126 • Além lnternational du Travai!), mas também, na condição de escritor de língua francesa,
disso, parece que nesse campo de problemas todos os eixos centrais de discussão e ser reconhecido como autor de Sola/ por um cônsul britânico em Bordeaux, fato
pesquisa do universo concentracionário se cruzam. O verso muito citado de Paul que possibilitou sua fuga diante dos alemães e sua entrada para a Inglaterra,
Celan "Ninguém testemunha para a testemunhà' tornou-se o ponto de referência após o que ele conseguiu, como diplomata em missão internacional, projetar e
para um debate sobre o acesso e legitimidade do relato testemunhal, que ainda estabelecer internacionalmente o passaporte para apátridas, conquista pela qual
está longe de um final, ainda que apenas provisório. A referência de Agamben ao ele não se orgulhava menos do que pelos romances escritos em outro idioma que
fato de que, sob o "ponto de vista histórico", nós sabemos hoje, "até o mínimo não sua língua materna, os quais assinava com o nome ao qual discretamente
detalhe", "como ocorreu a fase final da destruição em Auschwitz" 127 , é contrária à havia acrescentado um pequeno "h", por ocasião de sua naturalização na Suíça
131
sua própria referência aos dilemas fundamentais, que por sua vez se abrem para o (o morador de Genebra tornara-se cidadão de Mellingen, no cantão Aargau) •
que "fica de Auschwitz" e que se contrapõe a nós sempre de novo há mais de sessenta Sem dúvida, a experiência de vida desse criador de um passaporte para apátridas
anos: ''A impossibilidade de dar testemunho, a 'lacuna' que constitui a linguagem marcou sua obra literária. Pois currículos "internacionalizados" igualmente
humana, portanto, tem de desmoronar em si para que uma outra impossibilidade complexos- frequentemente em grotesco exagero- encontram-se também nas
do testemunho possa ocupar o seu lugar- o daquele que não tem linguagem." 128 figuras dos contos, peças teatrais e romances de Cohen. Não somente língua,
Sem qualquer dúvida "o dilema de Auschwitz"- como Agamben já enfatizava vestimenta ou fisionomia, mas principalmente o delineamento espacial das
em seu prefácio - é "o dilema do próprio conhecimento histórico: a não histórias de vida, que facilmente se transformam em relatos de viagem, tornam
coincidência de fatos e verdade, de afirmação e entendimento'' 129 • Mas justamente as figuras de Cohen legíveis de forma específica: Elas quase apresentam aos seus
aqui a literatura - e com ela a filologia - pode atestar um saber e saber sobre leitores, com a ajuda de seus movimentos no espaço, o mapa de sua personalidade
a sobrevivência para além do documental, que não lança mão e não depende - e de suas experiências históricas.
do gasoduto sobrecarregado entre fatos e verdade. Pois do outro lado do dilema Exatamente assim acontece com a "cena original" literária talvez decisiva para
apontado por Agamben, a análise das figuras de movimento pode lançar uma a escrita de Albert Cohen, que o escritor nascido em Corfu em 1972 configurou
luz totalmente diferente, nova, sobre a construção de discursos testemunhais na em seu livro ô vous, freres humains [Oh, vós, irmãos humanos]. Décadas antes, a
literatura da Shoah, uma vez que torna visíveis as dinâmicas que caracterizam as saber, poucos meses após 0 final da guerra em 1945, Cohen havia publicado essa
literaturas sem morada fixa. As figuras de movimento hermenêuticas introduzem cena já em duas partes na influente revista do exílio La France libre, sob o título
um modelo de entendimento espacializado que, em virtude da dimensão estética "Jour de mes dix ans"l3 2 ("Meu décimo aniversário"). A essa primeira configuração
desses textos, abre para as "impossibilidades de testemunho" uma função cognitiva literariamente convincente serão dedicadas as reflexões a seguir.
que, embora possa ser atravessada pelos dilemas do testemunho, não pode ser O texto, que ao contrário de publicações anteriores nessa revista não é assinado
impedida. A seguir, com base em quatro exemplos, deverão ser questionadas com o pseudônimo "Jean Mahan", mas com o nome do autor, está dividido em
diferentes figurações do campo em relação a uma imaginação vetorial, a qual um total de trinta e sete seções curtas cada qual provida com um título, cuja
poderia abrir-nos o acesso estético para o testemunho, que se localiza do outro primeira leva a manchete "Souvenir d'enfance", o que logo é concretizado como
lado de uma função exclusivamente referencial. As breves análises a seguir, "souvenir d'enfance juive"133 ("Lembrança de uma infância judaica"). Sem poder
consequentemente, partem da convicção de que no discurso testemunhal é analisar mais detalhadamente neste ponto a separação entre primeira e terceira
possível encontrar um processo de geração para as literaturas sem morada fixa. pessoa do singular, característica para este texto escrito no exílio inglês, registre-se,

46 47

L
Um. Figurações Um. Figurações

todavia, que não apenas o indivíduo isolado, ocupado com a escrita do que lembra simbolicamente o transporte para os campos de concentração, que também
e sentado diante de um espelho, nos é apresentado. Pelo contrário, a voz narrativa ameaçava os judeus de Marselha após a ocupação da Zone libre pelos alemães. O
cria a imagem de muitos judeus, que em seu décimo aniversário - como o Eu - local desse campo de concentração en miniature é, finalmente, a privada da estação,
se aproximam de um vendedor ambulante de removedor de manchas universal, aquele locus no qual o menino, em seu desespero, se tranca e que, como espaço
que após uma análise cuidadosa de sua aparência, expulsa o pequeno menino transitório, é extremamente inadequado para se proteger do mundo exterior que se
recém-chegado da escola de seu círculo de ouvintes: "Tu aí, tu és um judeu, o quê tornou ameaçador. O dedo indicador que expulsa da comunidade e com isso exclui
[... ], tu és um judeu sujo, tu és ganancioso, o quê, teu pai é membro da finança já atribuiu assim ao pequeno menino um lugar em campos de concentração (ainda
internacional, o quê, tu vens chegando e comes o pão dos franceses, o quê, mas virtuais), de cuja existência Cohen somente saberia no exílio inglês. O conhecimento
nós aqui, nós não amamos esses judeus sujos, isso é uma raça suja." 134 posterior do adulto que somente por pouco escapou dos campos de concentração
Não por acaso, essa cena-chave é dotada de uma dimensão não apenas e de extermínio é inserido assim na situação da criança de dez anos de idade. Sua
individual, mas ao mesmo tempo coletiva, uma vez que encontrou e encontra transformação em um judeu na Marselha do caso Dreyfus, todavia, configura o
sua expressão em representações sempre análogas, em textos de outros autores. caminho do povo judeu em sua errance- e prefigura o campo em uma projeção que
Pois também Alain Finkielkraut, nascido em 1949 na Paris do pós-guerra, oscila entre 1905 e 1945, entre tempo narrado e tempo da narrativa.
iniciou seu confronto autocrítica e por vezes provocativo com a autoimagem e Já no próprio texto a cena-chave é sempre mais uma vez "encenadà'. E
a construção identitária judaicas, recorrendo às Réflexions sur la question }uive [A rapidamente a recorrência das palavras acusatórias do vendedor ambulante - a
questão judaica], de Jean-Paul Sartre, com esse tipo de atribuição identitária vinda repetição, portanto- passa à representação: o menino encena com a ajuda de seus
de fora 135 : somente no olhar dos outros, somente no insulto, o juif imaginaire, o cinco dedos - que correspondem ao número de personagens do romance de Cohen
judeu imaginário, "nasce". E justamente assim também "Jour de mes dix ans", de - uma primeira representação para si mesmo, que transforma o local, o "camp de
Albert Cohen, esboça uma cena de nascimento, que transforma o menino, em seu concentration en miniature", em um espaço de autorreflexão e arte: o Eu deixa seus
décimo aniversário, em um judeu. A armadilha, delineada por Finkielkraut (que dedos dançarem da mesma maneira como o romancista deixa dançarem sempre
aliás foi um leitor atento de Albert Cohen), da "obrigação de pensar o judaísmo de novo os heróis de seu ciclo de romances. No próprio campo, o espaço da arte
em termos de Eu e de identidade" 136, se fecha. faz frente à insuportável errance no espaço exterior inimigo e torna-se, em face de
Sintomático é que a cena-chave da transformação forçada em um judeu ocorre na pensamentos suicidas emergentes, o fator decisivo da própria sobrevivência. Já a
rua, em público portanto, de modo que voz alguma se move em defesa da criança: prefiguração do campo, em Cohen, contém o trabalho artístico como expressão e
todos estão familiarizados da melhor forma com a propaganda antissemita e parecem meio para um impositivo desejo de sobrevivência e saber sobre a sobrevivência, que
ao menos endossá-la. Nesse espaço aberto não existe contradiscurso, o Eu está exposto criam para si, na ficção, seus próprios espaços de movimento e de criação.
sem proteção aos mecanismos de exclusão do agressor loiro. O plano de fundo Sem dúvida, o espaço interior transitório - quase um campo de transição
histórico desse evento, que constitui o cerne de "Jour de mes dix ans", publicado prefigurado - oferece apenas proteção provisória: depois que o menino é expulso
por ocasião do quinquagésimo aniversário de Albert Cohen, é inserido no texto e por uma mulher responsável pelo banheiro, que está irritada devido à sua longa
transmite uma imagem da atmosfera antissemita daquela Marselha que no ano de estadia na privada da estação, inicia-se um movimento sem rumo, que o narrador
1905 ainda se encontrava totalmente mergulhada no turbilhão do caso Dreyfus. O exagera historicamente e- como já ocorrera no caso do "Muro das Lamentações"-
vendedor de removedores de manchas seguro de si de forma alguma se esqueceu de transfere para uma história coletiva e recodiflca culturalmente. Os procedimentos
referir-se a isso em meio aos lugares comuns de seu discurso antissemita 137 • da vetorização são evidentes aqui. Novamente, a partir de uma pequena história,
Para o menino excluído da comunidade de forma totalmente inesperada começa há história: "Eu corria. Minhas andanças ancestrais haviam começado." 138 Para
agora uma "migração" que, após várias pausas, encontrará seu fim (provisório) aquele que se tornou definitivamente um juif errant, a escrita sobre os muros,
somente na última seção do conto, na casa dos pais. À aproximação ao círculo ao longo dos quais ele vagueia, agora torna-se legível pela primeira vez: "Morte
ao redor do vendedor ambulante segue o movimento contrário, que agora é aos judeus", Mort aux juifi! Justamente aqui começa a figura reversível colocada
decidida por estranhos e joga o menino de dez anos de idade da comunidade para habilidosamente em cena, como que en passant, que faz do expulso um escolhido,
a sociedade. O menino vagueia pelas ruas de Marselha, segue seus muros, que o qual, ao passar diante do espelho de um joalheiro, se reconhece em sentido real e
formam um primeiro muro das lamentações; e sem rumo, como um juif errant, dirige a si próprio uma saudação 139: o expulso tornou-se o "príncipe do exílio" 140•
ele atravessará a multidão indiferente. No final do texto e da errance, o escolhido expulso consequentemente retorna
Na seção imediatamente seguinte, "Un camp de concentration en miniature" à casa dos pais (e, portanto, ao abrigo cercado da história herdada): "Ó, gueto
("Um campo de concentração em miniaturà'), o Eu segue seu caminho para a doce e particular da minha infância mortà' 141 • À morte da infância seguiu-se o
estação, onde os trens- como muitas vezes sucede na obra de Cohen - representam nascimento de uma identidade judaica, adorada sob o signo de uma condição
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Um. Figurações Um. Figurações

de escolhido expulso. O retorno à casa dos pais, no entanto, ainda arredonda os A alta recorrência dos lexemas centrais "minha terra'' e "casa'', "estrangeira'' e
movimentos sem rumo do Eu e sua estadia no campo de concentração, em um "longe" enfatiza a perda, já sinalizada no título, da terra, de uma pátria, da qual
círculo que dá sentido à transformação do menino em um judeu. Em sua dialética separa não a natureza, mas a experiência histórica, não a distância espacial, mas
da condição apátrida, o retorno à casa, porém, ainda teve êxito para o Ulisses a distância afetiva, contraposta ao ódio e à raiva. A fenda daí resultante entre
judeu - e simultaneamente abriu-se-lhe um novo caminho: o da própria escrita. "em casa" e "minha terra" aparece como um processo de tornar-se estrangeiro
em uma escala quase planetária: Não há caminho que ainda poderia conduzir
para fora do exílio. A falta de rumo do movimento do Eu peregrino aponta para
uma condição apátrida que conduz a uma desterritorialização, para a qual - para
2. Emma Kann ou a escrita no campo recorrer à sentença de Hugo von Sankt Viktor citada ao final da obra de Auerbach
e a volta para casa no estrangeiro - "mundus totus exilium est" 144 • O fato de ter escapado para outro país não o torna
(ainda), de forma alguma, minha terra, mas provavelmente o ponto de partida de
Emma Kann, nascida em 1914 em Frankfurt am Main, que deixou a Alemanha uma errance, que acontece- como comprova a tríplice ênfase de "morros" e "mar"
poucos meses após seu exame final do ensino secundário como judia, em setembro - em uma abstrata, intercambiável paisagem do exílio.
de 1933, deambulou inicialmente pela Inglaterra e, a partir de 1936, pela Bélgica. O movimento em terras estrangeiras torna-se, nos poemas escritos em 1940 no
Em maio de 1940, fugiu para a França antes da invasão dos alemães à Bélgica; campo de Gurs, a determinação alheia do movimento 145 • Ao apátrida e sem rumo
ainda no verão do mesmo ano, foi internada por cerca de quatro sen1anas no junta-se temporariamente nesses poemas o desinteressado, que conduz o Eu, leva-o
campo de Gurs, localizado aos pés dos Pirineus, do qual ela ainda pôde sair a diante de si. A vastidão do mundo, como já aparece no poema Heimatlos, entra
tempo em razão da situação caótica que se seguiu à rendição francesa. Após sua em um contraste com a limitação espacial do campo: O estado de encampação do
fuga da França, em 1942, Kann passou por Casablanca e alcançou Havana, antes Eu conduz à criação de espaços de resistência, os quais encontram seu verda~eiro
de obter permissão para entrar nos Estados Unidos, em março de 1945, onde ela local {de refúgio) no corpo (Korper-Leib) do Eu oposto ..ao pensamento: Teu
viveu principalmente em Nova York e - desde 1948 - escreveu em inglês até sua nome não deve ir ao cérebro, I Lá ele só criaria dor" 146 • A perda de um espaço
volta para a Alemanha, no ano de 1981. Apenas com o regresso à Alemanha, ela de pátria segue a perda de uma temporalidade aberta tanto para o futuro quanto
retornou - com assinalou em 1986 - "de volta à minha língua materna" 142 • para o passado, como diz o poema escrito logo depois da libertação do campo, em
O caminho de vida de Emma Kann não pode ser separado de sua volumosa 1940 {tornada possível por causa do colapso da França), e publicado :penas em
obra lírica, de que até o momento foram publicados apenas trechos em poucos 2004, Frieden Im Krieg (A paz na guerra): "O ontem morreu. O amanha morreu. I
livros de poesia. Em seu poema Heimatlos (Apátrida), escrito no ano de sua fuga O olhar afugentou o pensar, I E entre morte e morte aproveitem I O que as horas
da Alemanha e publicado apenas décadas depois, a situação de exílio encontrou vão dar." 147
sua expressão literária pela primeira vez na lírica de Emma Kann: Também o poema com o característico título Der Vagabund, que- como Emma
Os morros estão próximos, e o mar está perto de mim, Kann informou em uma carta de 16 de outubro de 2003 - "possivelmente foi
escrito bem pouco tempo depois da libertação de Gurs" ~, enfat~za, na ~eg~nda
14
Mas minha terra está tão longe de mim.
Separam-me dela não apenas morros e mar, e na última estrofe, a falta da casa e da terra natal, sublmha a 1mportanc1a da
Por cima disso, eu passaria com prazer. paisagem que fascina 0 Eu, mas deixa reconhecer novamente um objetivo para
Separa-me dela uma garganta muito mais profunda, todos os movimentos:
Do que a terra conhece em sua rotação.
É o seu ódio e é a sua raiva, Não tenho uma casa, que comigo vá,
O que de minha terra me separa. E nenhuma, que em distância está.
Uma montanha alta, um campo verde,
Eu poderia ir para casa. Não é tão longe, Uma vista bonita são o meu mundo.
No mapa, ela não é tão distante. Mas um objetivo, a minha viagem tem:
Mas em casa, minha terra não está mais. A liberdade, que minha alma mantém. 149
Estrangeira sou para as pessoas de lá.
O mais tardar neste ponto, a dialética da condição apátrida após um processo
Estrangeira sou lá e estrangeira sou aqui de desterritorialização transformou-se no que se pode denominar, com boas
E em lugar algum sou conhecida;
razões, como uma escrita sem morada permanente. Fuga, deportação, internação,
E mesmo que eu ande por morros e mares,
Não encontro pátria alguma. 143 libertação e nova fuga _ desta vez não para a França, mas desta e da Europa

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Um. Figurações Um. Figurações

para o Novo Mundo -, deixam surgir, entre os poemas, um ttlnerano que, no Novamente, são as imagens de morros e mar, de terra e água, que aparecem
poema Auf dem Meer I (No mar 1), de três estrofes, datado no ano de 1942, inseridas em um ciclo natural da vida. Porém o aparentemente imutável está
compreende a travessia, o estar-presente do Eu no navio como um naufrágio do exposto a um processo de erosão, que é tão irreversível como a própria vida: A
"ontem" e do "amanh'"a , "fl utuan do atraves
' de sorte e azar " , totaI mente entregue desterritorialização da pátria em língua permite reconhecer que também a língua
a um movimento no qual já logo se "perde meu Eu no espaço" 1s0 • A flutuação materna está entrelaçada com The Land of My Childhood e não se encontra no
no mar e no cosmo, no universo de um mundo basicamente não habitável dos outro lado de tempo e espaço. O nome da autora aparece ao final do segundo
anecúmenos, encontra-se também novamente no poema Wir Lebten Einst Auf verso - como uma assinatura do tempo - colocada no passado da primeira pessoa
Einer Erde (Antigamente, nós morávamos em uma Terra), datado de 1941, no qual do singular: "ich kannte" [eu conhecia]. O retorno do Ulisses (feminino) é um
o mundo único está quebrado em pedaços. Assim, por exemplo, diz a segunda regresso para o estrangeiro e ainda mais: para o próprio como estrangeiro. A escrita
estrofe: de Emma Kann é a tentativa incessante e simultaneamente constante de seguir
a dialética da condição apátrida através de "camadas alteradas" e de lhe dar uma
Até que aquilo que nos uniu como terra,
Em pedaços caiu. A casca rachou.
expressão linguística, na qual a sobrevivência, a evasão se torna a única pátria
Agora flutuamos sobre cacos do mundo imaginável, a única vivenciável, a única escrevível.
Sozinhos ao longo do caminho do destino. 151

Também na lírica em língua inglesa escrita nos EUA, há- assim o título de um
poema datado de 1973 - The Land ofMy Childhood, "O país da minha infância", 3. Max Aub ou as listas do campo
um passado constantemente evocado, que em analogia ao poema Heimatlos,
inicialmente analisado, todavia não está mais onipresente como unidade geográfica, No centro da obra literária completa de MaxAub, nascido em 1903, em Paris, filho
como "caco do mundo", mas em sua dimensão afetiva: "Hatred andfiar are always de pai alemão e mãe francesa (os quais não mais praticavam a religião judaica de
present, I And one wrong step will set them free" 152• Um único movimento falso seus antepassados), que como "boche" teve de deixar a França como fugitivo com
pode liberar os movimentos (auto)destruidores e as feridas do passado, deixar sua família em 1914, mudando-se para Valência, está uma única palavra, ambígua,
saltar as velhas cicatrizes e quase inevitavelmente acionar de novo os padrões de mas no fim das contas sempre religada à experiência da Shoah: campo. Aub aprendeu
movimento individuais como coletivos e simultaneamente trans-históricos. catalão e espanhol e já cedo tornou esta última sua língua literária. Na Guerra Civil
Os poemas de Emma Kann são testemunho de um desejo de sobrevivência Espanhola 154 defendeu ativamente a República da Espanha nos níveis mais diversos.
que se adensa para um saber sobre a sobrevivência, na medida em que o próprio Após a sua fuga para a França, foi internado duas vezes - de 30 de maio até 30 de
movimento e mobilidade a partir de uma flutuação pode ser novamente conduzido novembro de 1940 e de 6 de setembro até 24 de novembro de 1941- no campo de
para um itinerário, para um retorno direcionado para casa. Naturalmente, concentração deLe Vernet d'Ariege 155 e, mais tarde, foi transferido em um cargueiro
porém, não é mais possível uma volta a um país distante da infância. Trata-se de gado para o campo de trabalho argelino de Djelfa, antes que, em 1942, sua fuga
muito mais de um regresso à língua, que se tornou estrangeira e, ainda assim, via Casablanca para o México (cuja cidadania adorou em 1955) fosse bem sucedida.
simultaneamente converte-se no local viviflcável, habitável, de uma terra apátrida. A ambiguidade desse conceito 156 , no qual se reflete a experiência do campo a partir
<? poema Heimkeh~ zur deutschen Sprache (Retorno à língua alemã) reflete, como de perspectivas sempre novas, abre um espaço de escrita que se forma no próprio
linguagem sobre a hngua, esse retorno ao estrangeiro: campo e, mais tarde, marca toda a escrita no exílio. O diário lírico de Aub, Diario
de Djelfo, enfatiza não somente o fato de que estes poemas foram escritos no campo
Se eu retorno para a língua alemã,
Não é a língua que eu conhecia,
de concentração de Djelfa, nos planaltos do Atlas 157 , mas quer esclarecer a todos os
Quando deixei este país. seus leitores que essa escrita era uma necessidade de sobrevivência para o próprio
Ainda palavras se amoldam em frases autor, já que de outro modo ele não teria conseguido suportar e resistir ao peso dessa
Como antigamente, como sempre. situação extrema. 158 A literatura e a escrita tornam-se assim a força que impede que
Mas as fontes, das quais as palavras emergem,
As invisíveis, se modificaram. o estado de exceção de uma situação tão extrema se aposse da pessoa e a arraste para
Velhas rochas ruíram. aquele "redemoinho", "que gira obcecado em torno de um centro sem rosto" 159 •
Açóes, sofrimento, pensamentos Simultaneamente, porém, essa escrita, longe de qualquer estetizaçáo, desenvolve
Criaram um novo cascalho. um mundo no qual o estado de exceçáo há muito se tornou a regra, o paradigma.
Chuva deságua.
.Águas tornam a subir
Toda a escrita de Max Aub pode ser compreendida como uma escrita a partir do
Através de camadas alteradas}S3 movimento, que paradoxalmente se concentra naquele ponto em que se encontra

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Um. Figurações Um. Figurações

o campo. Depois que o pedido de visto para uma viagem ao país em cuja capital Aub, de surgimento e imediato desaparecimento de figuras- deixa que se sigam
ele nasceu foi negado pelo cônsul da França no México em 9 de fevereiro de 1951, as fichas, destacadas ao acaso, dos internos do campo de concentração do sul da
o escritor exilado dirigiu-se, em uma carta aberta datada de 22 de fevereiro de França em junho de 1940. A partir deles, tornam-se visíveis, em estilo telegráfico,
1951, ao presidente francês de então, Vincent Auriol - não com um pedido de algumas trajetórias de vida e, mais ainda, os contornos de uma vida individual
auxílio, mas de justiça: sempre arrancada da rota que de outra maneira teria seguido. As atribuições
arbitrárias de identidade, mas também os "movimentos de viagem", deixam claro
Em março de 1940 fui preso, provavelmente em razão de uma denúncia anônima- como eu
soube mais tarde -, por ser comunista. Eu conheci campos de concentração - Paris, Vernet,
o quanto a dialética do esclarecimento, com seus totalitarismos, simultaneamente
Djelfa -, prisões - Marseille, Nizza, Algier -, fui levado sob algemas [ransversalmente desenvolve uma dialética da condição apátrida, que em nenhum outro lugar se
através de Toulouse, para então ser conduzido no companimenro de carga de um navio concentra mais fortemente do que no campo. Eis aqui apenas uns poucos excertos
de transporte de gado para o trabalho forçado no Saara e omras gcnrilezas que se havia da lista de Jacobo, a qual faz referência a outras listas:
reservado para antifascis[as. 160
julien Altmmm, relojoeiro, [rima e cinco anos de idade, francês, ameriormeme alemão. De
Decisivo para ele seria o fato de que ele ainda estaria sendo tratado sempre de acordo esrarura média, cabelos ralos, nariz comprido, olhos rajadas. 168
com flchas e listas que a polícia do regime de Vichy havia criado sobre ele: "Eu sei }erzy Karpaty. Sapateiro, húngaro. Pequeno, gordo, mas não mais [amo. Pernas tortas. De
[catamento fácil. Judeu. Um falastrão. Também ele não sabe por que está aqui, mas supõe
bem que estou registrado, e só isso conta, só isso vale." 161 Aub levanta acusações contra
que a polícia descobriu seu nome na lista de um comitê de amizade para imerbrigadistas
uma França que ainda permanece na continuidade de Vichy e dos "arquivos de uma húngaros. 16''
. rasc1sta
políc1a C • . no tempo de o pats
"162 . Es tar1a , con frontar-se com esse passado e de Ludwig Schumacher, químico, engenheiro químico, alemão. Jovem, alto, forte. Desde
distanciar-se da "forma monstruosa de compreender policialmente o mundo" 16-'. 1933 refugiado na França. Todos os papéis em ordem, registrado na Legião Estrangeira, fez
Max Aub teve de experienciar no próprio corpo, não só na Espanha franquista, recentemen[e o exame de saúde. 170
Gonzalo Rivera Torres, espanhol, resmungão. Nariz de corvo, cabelos pretos como corvo e
mas também na França republicana, que as velhas listas continuavam existindo e unhas pre[as como corvo. Mecânico. Um dos poucos que não reclamam. Comunista. Canta
ainda possuíam sua validade. Consequentemente, listas não podiam faltar também para passar o tempo. Seu desejo mais premente: conseguir uma gui[arra. Após sua libertação
em suas reflexões literárias sobre a experiência do campo. À escrita no campo, logo de um campo de concemração, ele estava havia apenas dois dias em Paris, e ali o pegaram de
novo. Ele sabe o que se deve fazer. m
se havia seguido uma escrita após o campo, que permanecia inequivocamente sob o
jan Wisniack, tcheco, rosto feio, com um só olho, pelo que se sabe sem profissão ou
signo do univers concentrationnaire e que atribuía uma função bem especial às listas. patrimônio, uma pessoa mal-humorada. Setenta e dois anos de idade. Viajava pelo mundo
Uma das representações literárias mais fascinantes que surgiram no século XX para vê-lo - em suas próprias palavras. m
sobre vida e sobrevivência no campo é, sem qualquer dúvida, o texto friccional 164 Franz Gutmann, supostameme luxemburguês, peleteiro. Denunciado por sua mulher como
escrito a partir da perspectiva do corvo Jacobo, Manuscrito Cuervo. Historia de Jacobo, alemão. Ele não queria concordar com o divórcio, embora ela tenha lhe colocado chifres. 173
Paul Marchand, pintor, belga. Amigo pessoal do rei Leopoldo III. Diz ele. Alto, gordo. Com
das Rabenmanuskript, que foi publicado pela primeira vez em 1952- portanto um essa amizade, que anuncia em wdos os lugares, ele não se torna popular junto às autoridades
ano após a carta aberra ao presidente francês- na própria revista de Aub (e escrita à oficiais, que a[ualmente acusam o soberano belga de traiçáo. 174
mão), Sala de espera, e apresentado em sua forma definitiva em 1955. 16 c; Ettore e Francesco Girardini, iralianos, irmãos gêmeos, gordos, pequenos, com barba, testa
Sem poder analisar mais uma vez, neste ponto, a estruturação literária altamente alta, óculos, um pouco como os anões da Branca de Neve. Ambos foram presos porque
não se tinha cem por cemo de certeza sobre qual era o suspeito. Um deles supostamente é
complexa (e insidiosa) do Rabenmanuskript, todavia devo enfatizar em que medida anarquista. Eles não dizem quem. 175
o relato do corvo sobre o mundo como campo de concentração serve-se de modo
bem consciente da metáfora do universo dos "concentracionários" e transforma Rostos são resgatados da anonimidade, destinos são focados por um instante,
o campo pura e simplesmente no local de concentração 166 de tudo que é humano antes que caiam de volta no amorfismo, no anonimato de uma estatística
(e com isso justamente também desumano): Pois, altamente concentrados, factual. O estratagema dessa lista consiste em evidenciar não apenas o absurdo e
os destinos humanos lampejam brevemente antes que essas trajetórias de vida aleatoriedade do alcance totalitário, mas simultaneamente a infinitude dessa lista,
desapareçam novamente na escuridão da história. Assim, no capítulo "Algunos já que esse catálogo poderia incluir cada um, também o leitor, em um movimento
hom bres, ("AIgumas pessoas") , certos concentracionários são resgatados do que- se observarmos as trajetórias de vida individuais dos internos- se estende
anonimato para o qual os haviam empurrado os horrores inomináveis do terror, de forma altamente distinta e descontinuada, ainda que no conjunto o faça de
da perseguição e do extermínio no contexto dos regimes totalitários do século XX. forma linear. É o movimento de uma história que arrasta tudo consigo, não
Logo no início do capítulo, o corvo Jacobo anota que no campo haveria cerca importa quão diferentes sejam os países de origem e os objetivos de vida dos
de 6.000 internos, dos quais a maioria não saberia por que eram mantidos presos detentos do campo nesse catálogo de vidas. O movimento e a perspectivística que
naquele local. 167 Em seguida, o narrador-corvo- em um procedimento, típico de se desenham aqui são comparáveis àquelas do anjo da história benjaminiano (que

54 55

··il
Um. Figurações Um. Figurações

ofusca o próprio fim da vida de Walter Benjamin), que arrastado de costas, em seu coletivo da occupation e collaboration na França, do trauma Vichy e da síndrome
movimento vê escombros sobre escombros se amontoando a seus pés: trajerórias Vichy, respectivamente. 182 Silke Segler-MeBner também apontou, em seu estudo,
de vida destruídas no redemoinho de uma história cuja dialérica conhece, como que se teria "lamentado oficialmente" os "mais de 70.000 concidadãos judeus que
única pátria, a evasão. Ao escritor não sobra tempo, como ao anjo, para acordar perderam a vida nos campos de concentração, [... ] apenas décadas depois" 183 •
os mortos e juntar novamente o que foi despedaçadoY·6 Pois ran1bém para ele a Em sua investigação, Geoffrey Hartman teria interpretado esse recalcamento,
evasão-ainda-em-tempo é a única pátria ainda imaginável em um mundo que em por outro lado, como autoproteção coletiva, que ainda persistiria cinquenta
grande parte se tornou o campo de concentração. Não é essa a verdadeira resposta anos depois dos acontecimentos, e que também muitos judeus franceses até hoje
para a pergunta: o que ainda resta de Auschwitz, o que persiste dos totalitarismos estariam sujeitos ao mesmo mecanismo. 184 Certamente é de discutir, não apenas
e das guerras, das perseguições e colaboracionismos do século XX? com vistas à situação francesa, a intensidade com que mecanismos de recalque
desse tipo se inserem na imagem homogeneizante condenável de uma "Europa
sem judeus" 185 • Cécile Wajsbrot tomou posição aqui, com toda clareza, a favor de
uma literatura que tem de enfrentar os desafios que contêm em si uma discussão
4. Cécile Wajsbrot, a pós-figuração do campo
a ser feita especificamente no campo da própria literatura sobre a ascensão do
e as vozes presentiflcadas do passado nacional-socialismo e das consequências desumanas do totalitarismo.
Em sua defesa em favor literatura, a autora francesa enfatizou que, em última
Em seu ensaio Pour la littérature (Pela literatura), publicado em 1999, Cécile .
an ál tse, ·
unicamente a obra contarta:· "L'oeuvre est ce qm· comr,e ,,~- '~ 86 . 1-,
not"s na
Wajsbrot, nascida em 1954, inequivocamente chamou atenção para a grande- e por
singularidade do que as escrituras da literatura desenvolvem como sua específica
longo tempo tão casualmente omitida na França - cesura na história do século XX,
vision du monde estaria a razão e a justificativa da literatura, a raison d'être des écrivains
que seria da maior importância, especialmente também para a literatura francesa:
[razão de ser dos escritores] como também a raison d'être de la littérature (razão de ser
Entre Balzac, Flaubert, o Breton do Primeiro Manifesto Surrealista e Robbe-Grillet abre-se um da literatura). 187 Com isso, porém, como me parece, é exigido da literatura - mas
abismo, aquele 1939-1945, o horror do nazismo, a primeira bomba atômica, o assassinato também para a literatura- a configuração estética de um saber sobre a vida que em
sistemático dos judeus da Europa e o silêncio ao redor; a Occupation na França, Vichy, a sua multidimensionalidade e polissemia desenvolve uma relação viva e socialmente
colaboração, e em seguida a limpeza, sobretudo no milieu literário e artístico, aquilo que se
permitia dizer e aquilo que se permitia silenciar, os que pagaram e os que continuaram como responsável com os mais diversos aspectos da vida e da sobrevivência 188•
antes, como se nada tivesse acomecido. 177 Para a autora, que que há anos viaja frequentemente entre Paris e Berlim, é de
importância decisiva o estudo desse período histórico que, nas reflexões aqui
A convergência com o diagnóstico de Max Aub, de 1951, é surpreendente, apesar apresentadas tornou-se o ponto de partida e de referência de uma linha da tradição
da grande distância temporal e de uma outra perspectivística: A França e seus que deve ser vista como fundamental para o desenvolvimento mundial das literaturas
intelectuais teriam se recusado, durante os anos cinquenta, sessenta e setenta- e, sem morada fixa. Pois o que se desenvolveu no contexto de ambas as guerras mundiais
no fundo, até a data atual- a encarar esse fato: "A sociedade francesa dos anos bem como da perseguição e assassinato dos judeus até a metade do século XX, é
cinquenta, sessenta e setenta - e se poderia estender tal postura até o momento caracterizador, inclusive na terminologia de exílio e diáspora, para essas literaturas
presente - decidiu-se por fechar os olhos e abrir uma nova página, passar para (e filologias) que emergiram fortalecidas no contexto da quarta fase de globalização
178
outra coisa" • Ao contrário do que ocorre nas literaturas de outros países, como acelerada desde a virada para o século XXI. Uma compreensão adequada das literaturas
Alemanha ou Rússia- onde não só as testemunhas imediatas, mas justamente sem morada fixa é tão pouco imaginável sem a reflexão da Shoah quanto uma redução
também os nascidos "na sombra da lembrança" ocupam-se desse período - na das literatures without a fixed abode unicamente a essa linha de tradição e ruptura.
literatura francesa se teria passado deliberadamente por cima do fato de que No sentido de sua poética orientada para a obra (conceituai) literária, foi apenas
nossa época nasceu da guerra e que tudo, inclusive os monuments aux morts, consequente o fato de que Cécile Wajsbrot não se limitou à forma do ensaio em
mas não justamente a literatura, se lembre desse fato 179 • Na literatura francesa, a sua procura por respostas à pergunta "o que resta de Auschwitz", mas também
investigação teria se iniciado somente agora: "Nossa cena original chama-se Vichy, recorreu a outros meios literários de narração e representação. No pequeno
e como toda cena original ela repousa na penumbra de um inconsciente, que volume Beaune-la-Rolande, publicado no ano de 2004 simultaneamente com seu
só espera poder esquecê-la." 180 Mas como em toda cena original - assim Cécile romance Le tour du /ac 189 , logo no primeiro parágrafo da primeira parte de um
Wajsbrot em dicção com tonalidades psicanalíticas- também aqui mecanismos total de cinco, a voz narrativa não deixa dúvida de que, a seguir, a aproximação ao
de recalcamento estariam em ação, um refoulement, que continuaria agindo até tema do campo e da perseguição aos judeus na França é caracterizada pelas mais
dentro da área de teoria da literatura. 181 diversas figuras de movimento, bem como por noções de tempo linear e cíclico:
Henry Rousso já havia falado, em seu importante livro sobre o processamento

56 67
Um. Figurações
Um. Figurações

O vazio ?a estrad~ alonga o silêncio das vielas, o domingo é o pior de rodos os dias e
inicia-se uma "longa viagem" 201 , que para a narradora em primeira pessoa ainda
este dommgo, o p10r de todos os domingos, a autoestrada Charrres-Orléans rornou-se a
a~toestrada Nantes-Bord~~· mas isso também já é rudo o que se modificou, e os anos não chegou ao final.
vao passando como os qmlometros, um como o outro, intragável, e a primavera muda e O entrelaçamento, desde o início reconhecível, de diversos níveis de tempo
se estende sem sombra para o verão, atrasa-se para o inverno, deixa-se a autoestrada e a (entre os dias de maio do ano de 1941 e os dias de maio que retornam ano após ano,
estrada estira-se bem em linha reta, corra uma paisagem monótona, rasa, impiedosam,ente
horizontal. 190 mais de meio século depois) e o entrelaçamento, não menos marcado, de diversos
movimentos de viagens recebem uma complexidade maior pelo fato de que o Eu
À impiedade do tempo que avança ano a ano, que ainda é reforçada em da voz narrativa é entremeado com a biografia da (figura da) autora. Assim, em um
sua inevitabilidade através do entrelaçamento dos ciclos semanais e anuais, registro no journal desse volume, datado de 12 de setembro de 1990, em Paris, lê-se:
corresponde a não menos inevitável horizontalidade de uma topografia sem ponto Eu nasci em 1954 - a guerra acabara havia nove anos. O marido de minha avó está morto,
de referência na terceira dimensão. O panorama torna-se paisagem de travessia, deportado para Auschwitz. Antes de chegar lá, ele havia passado um ano no campo de
local de um trânsito que se desenrola em direção ao sul sobre as autoestradas no Beaune-la-Rolande, nas proximidades de Pithiviers. Eu não conheci esse avô, mas a minha
congestionamento de férias. E, ainda assim, nessa paisagem de passagem como entre avó me contou fartamente - e provavelmente já bem cedo - sobre as câmaras de gás, os
campos, a prisão, a polícia, que veio para buscá-la com seus dois filhos, a ultrapassagem
linhas que se desbobinam, torna-se perceptível um outro trânsito, que aponta da linha de demarcação, tudo isso; e eu carrego essas imagens de um outro tempo, de uma
para um campo de travessia, o qual se move temporalmente cada vez mais para o outra vida, sem poder me livrar delas. 202
passado- e provavelmente já havia sido "usado" para os refugiados da Guerra Civil
Espanhola: Beaune-la-Rolande. Esse local recebe tudo sem mediação, "nada mais A narradora em primeira pessoa enreda a demarcação precisa de tempo e espaço
existe além de memória, lembrança, recordação" 191 • Logo, Beaune-la-Rolande é com o que é narrado por ela, sem que, no entanto, o Eu deva ser equiparado com
- como sugerem os discursos oficiais que se repetem a cada ano - nada além de a autora "real", externa ao texto -ainda que na sinopse se fale do "avô da autorà' 203
um - sabe-se lá quanto tempo ainda por existir - lieu de mémoire? e, em alusão ao nome da escritora francesa, se encontre a menção ao fato de que
A narradora em primeira pessoa está presa na desesperança de seu na Polônia não seria necessário explicar a alguém como pronunciar o nome da
0

estar-e~-tr~nsito
A 192 °
e simu 1taneamente Insenda
° o
em uma genealogia que a liga à narradora, que não é designada nominalmente no texto. 204 Afoccionalização da voz
sua ~vo. Ainda qu~ ela tenha perdido a voz da avó (la voix), dirige-se para o narrativa, desencadeada por meio da oscilação entre ficção e dicção, torna essa voz
caminho dela (sa vote) 193 : um caminho rumo à "sombra da memória", como estava portadora de um saber sobre a vida que é introduzido como o conhecimento sobre
indicado em Pour la littérature194 • Esse caminho é doloroso no nível individual uma vida cuja existência não pode mais ser diretamente testemunhada, senão por
como no coletivo e, em Beaune-la-Rolande, leva a narradora a ter dúvidas (e se meio da referência à avó: "uma vida que não é a minha, mas cuja sombra muda de
desesperar) quanto à questão de saber se na França, "neste país", de fato existe uma acordo com a hora" 205 • A literatura procura, com os meios que lhe estão disponíveis,
memória coletiva, uma mémoire collective para além das placas comemorativas. 195 investigar esse reino de sombras para além dos dias comemorativos oficiais.
O "voilà" 196 imaginário, talvez nunca pronunciado pela avó, desvela para a Logo, em razão de condições topográficas e climáticas que nos são apresentadas, o
narradora em primeira pessoa o compromisso de olhar com mais atenção para campo de concentração de Beaune-la-Rolande sobrepõe-se ao campo de extermínio
aquilo de que a maioria dos outros desvia o olhar, 197 mas sobretudo de seguir a de Auschwitz: "um pedaço da Europa Central, transplantado a cem quilômetros de
voz e. o c~i~~o da avó-~ o caminho do avô nunca conhecido, que, sob o regime distância de Paris" 206 • Auschwitz é partout et nulle part: a pós-figuração do campo
de VIchy, Inicialmente foi chamado por meio de um indefinido billet vert, para inicia-se como sobreposição espaço-temporal - ''Auschwitz não se encontra na
~~ s~quência ser transportado, internado, deportado e levado à morte. A procura Po1onia, e um Iocal 1n
A • ' . determtnaveI, que esta' em to do Iugar e em Iugar algum, 207 .
o '

Inicia, mas rapidamente se instala o não-saber e não-poder-mais-saber no texto: O lieu de mémoire, o local da memória, multiplicou-se na literatura; não é mais
"Do meu avô, nada sei, apenas que ele morreu em Auschwitz" 198 • As palavras que facilmente localizável, mas onipresente. Tudo entra em movimento, exime-se de
~vozes anônimas dos alto-falantes usavam para informar a prisão de seus maridos atribuições estáticas.
as mulheres que esperavam em frente ao quartel não podem mais ser reconstituídas Assim, não surpreende que o Eu se sinta mais próximo não dos sedentários
por meio ?: rememoração; ao contrário, devem ser ambiguamente construídas: (sédentaires), mas dos deportados, dos refugiados, dos migrantes, dos sans-papierr08 •
O que dtztam, exatamente? Eles irão partir, se irá levá-los, eles irão trabalhar A deportação do avô desconhecido, a viagem anual de avó e neta para o campo
em um campo, eles estão temporariamente presos, detidos, serão transportados, de Beaune-la-Rolande, a viagem da neta e narradora em primeira pessoa para
deportados, ~onc~ntrados;. que palavras usavam?" 199 A literatura captura todas Auschwitz, mas também para Krakau, Warschau ou Vilnus, as deportações,
essas vozes VIrtuats, mas simultaneamente tão reais 200 , e as transforma naquele migrações forçadas e viagens voluntárias combinam-se em figuras de movimento
entrelaçamento no qual a história se enreda e compõe o texto literário. Com isso, intermitentes, descontinuadas, que- caso não se receasse o trocadilho- se dirigiriam
a uma littérature sans-papiers. Não é em vão que se ligam, no registro de 7 de maio
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Um. Figurações Um. Figurações

de 1990, em Krakau, os preparativos da narradora em primeira pessoa, atormentada a distância congelada por meio do viajar, por meio do movimento no espaço. A
pela angústia, para a visita de Auschwitz com uma conversa com o poeta polonês definição, baseada em Rabelais, dos escritores como navigateurs du large mostra-os
Baranczak, que emigrou em 1981 para os EUA e se encontra então pela primeira vez sempre à procura do maior número possível (e polifônico) de vozes que, de outra
novamente na Polônia. A prefiguração do campo, que deixa o menino de dez anos forma, não (mais) nos seriam (tornadas) acessíveis. A pós-figuração do campo
de idade2°9 na Marseille de Albert Cohen experimentar um campo de concentração abre-nos, na prosa-som de Cécile Wajsbrot, acusticamente tão impressionante e
en miniature, liga-se, na pós-figuração do campo, com o destino dos migrantes ritmada, aquele espaço sensorial de recordação que simultaneamente nos aufere
na virada para o século XXI: "todos os refugiados, em Sangatte ou outro lugar, e um pedaço de futuro. A interprojeçáo acústica de voix e voies, que é apresentada
todos aqueles que são recusados, todos os curdos que desembarcaram em Fréjus, os de forma tão vigorosa em Beaune-la-Rolande, desenvolve sua força criativa
poloneses que são presos porque em um quarto apertado irrompeu um incêndio" 210• todavia também no cruzamento incessante dos graus de latitude e longitude do
As listas de mecanismos nacionais de exclusão são longas. nosso planeta, como Blaise Cendrars e seus(suas) heróis(ínas) nômades deverão
Aqui se ligam os padrões de movimento herdados da literatura da Shoah com a ilustrar no capítulo seguinte: as vozes e as trajetórias estão sempre estreitamente
imaginação vetorial de uma literatura que se alimenta de processos migratórios que entrelaçadas umas às outras.
se sobrepõem uns aos outros. O campo torna-se, em sua pós-figuração, o espelho A sonoridade, afinal, não pode ser separada da literatura e sua arte. A literatura
côncavo dos movimentos mundiais, que nele se cruzam e se sobrepõem em tempo (como a filologia) incorpora as vozes do passado e as torna novamente vivas ao
e espaço. Assim o univers concentrationnaire torna-se o paradigma biopolítico e transformá-las em uma parte essencial de seu saber sobre a vida e de seu saber
literário de uma escrita que se sabe na dialética da condição apátrida: impelida pelo sobre a sobrevivência. Com isso ela entra em uma relação simultaneamente
Angelus Novus de Benjamin, que não quer fechar os olhos, não pode fechá-los. complementar e rivalizante com os amplificadores e armazenadores de vozes, com
Mas justamente nesse não-fechar e não-concluir localiza-se a tarefa da literatura os alto-falantes e os gravadores, que têm um papel tão decisivo - como ainda
-e da filologia. Nós seguimos, nesse texto atravessado por migrações, o anjo de veremos - na segunda e última parte de Dan Yttck, de Cendrars. No final de
uma história que, entre a polonesa Kielce, que o avô outrora havia deixado por Beaune-la-Rolande, não é em vão que os "portadores-de-som" acústicos estão
causa dos pogroms locais, Paris, Beaune-la-Rolande, Compiegne e Auschwitz, mas no fim. Eles "fracassam em sua tarefa" 214 • Pois os "microfones, alto-falantes e
também Paris, Berlin-Wannsee, Warschau e Vilnius, segue um movimento que gravações" provavelmente irão "falhar por primeiro", uma vez que a velha gravação
se liga com os vetares de outras deportações, outras migrações, sem no entanto da oração fúnebre já mal pode ainda ser entendida, aquela "voz lancinante", que
poder se dispersar em um posterior fluxo de refugiados. sempre "emocionava às lágrimas" e "em vez dos nomes dos desaparecidos, recitava
Faz parte da tarefa da literatura e da filologia, consequentemente, de maneira os nomes dos campos, Auschwitz, Maidanek, Treblinka" 215 • Aquela voz, que um
bem fundamental, o empenho em tornar presentes as vozes do passado, as voix e dia pronunciara tão suavemente o nome do campo mencionado por último,
as voies, em re-presentar as vozes (não apenas dessa avó) e as trajetórias (não apenas transformou-se em um chiado, "o velho gravador, colocado junto ao microfone,
desse avô) e removê-las de um passado congelado, distante. Por isso não surpreende não nos ajuda mais" 216 • As fitas estão consumidas, pois "as vozes já há muito tempo
que em Beaune-la-Rolande é citada aquela passagem famosa do Capítulo 55 do emudeceram" 217 • Justamente aqui, neste ponto, evidencia-se o poder da literatura,
Quart Livre, de Rabelais, na qual Pantagruel, com seus companheiros em alto-mar sua arte de manter e de configurar essas vozes vivas e abertas, não apenas para as
nas extremidades do Oceano Ártico, subitamente ouve vozes que aterrorizam alguns trajetórias do passado, mas também para as do futuro.
dos viajantes. São - como sabemos - as vozes de uma batalha passada, de uma Da sobrevivência do campo na atualidade- e com isso da pátria de uma evasão
guerra passada, que estavam congeladas no frio do inverno ártico mas tornam a sempre apenas precária, provisória- surgem literaturas sem morada ftxa, as quais
descongelar na primavera e, portanto, tornam-se audíveis 211 • Nesse espaço-eco não se pode atribuir nem somente a uma literatura nacional, nem a uma que seja
espaço-temporal entre estar congelado e descongelar, entre emudecer e tornar-se de algum definida como literatura mundial. Na área intermediária entre uma
audível, estabelece-se a narrativa, situa-se e temporaliza-se o "tempo da literaturà' 212 : literatura nacional e uma global, há muito tempo estabeleceu-se uma littérature sans
domicile fixe, cuja imaginação é predominantemente vetorial. Beaune-la-Rolande
É a literatura que nos permite ir do congelamento ao descongelamento e mudar as estações,
é a li~eratura que t~rna audíveis para n6s as palavras dos combatentes, que já se acreditavam
marca, de forma discreta e ainda assim insistente, aquele ponto no qual um texto
perdtdas e que, deocadas em suspense, mais tarde, muito mais tarde serão ouvidas e editadas que constantemente salta para lá e para cá entre França, Alemanha e Polônia, foge
(estituées) por aqueles que, como escritores, sempre são também marinheiros do vasto ao paradigma nacional aparentemente tão evidente. E assim, não só as viagens da
mundo. 213 autora, mas os movimentos de sua escrita, unem a França com a Alemanha e a
Polônia de tal forma que liga entre si as literaturas desses países no contexto de uma
Tarefa da literatura- como da filologia- é o tornar-audível do que se acredita perdido
dialética da condição apátrida. Pois em pleno silêncio das ruas e vielas dominicais
há muito tempo, um trazer-para-a-audiência, que marca e simultaneamente supera
que marca o início e o flm de Beaune-la-Rolande, uma literatura que supera seu

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Um. Figurações

seden tarismo consegue estabelecer u ma pátria na evasão, q u e - bem ao sentido de


Erich Auerbach -localiza-se do ou tro lado da nação. A literatura d a Shoah encontra
seu caminho nas literaturas sem morada fixa, cuj a firmeza é testemunhada e criada
não por meio de um local, mas por meio de um m ovim enro , por m eio da própria
literatura- à procura dos locais e dos movimentos das pessoas no universo.
Dois. Simulaç ões
V iagen s n a jaula dos meridianos:
So bre a concep ção de uma geometria fractal
d a literatura d e viagem e da simulação de uma
escrita sem morad a fixa

Rotação da terra e rotação d o Eu:


tra n sregionalidade e uanspe rsonalizaçáo

No livro Bourfinguer (De porto em porto), publicado em primeira edição no ano de


1948 pela ed itora Denod, o a utor, que veio ao mundo em 1887 como Frédéric
Louis Sauser, n a cidade suíça de La Chaux-de-Fonds, no Maciço de Jura, e faleceu
em 1961 co m o nome de Blaise Cendrars, em Paris, cid ade que escolheu para viver,
- u m começo e fim que certam ente já esboçaria sua "viagem da vid a" - ,reflete em
uma passagem extensa d e colo ração autobiográfica sobre a paixão da leitura e
sua p ró pria o bsessão d e "leitor inc urável d e livros" 218 • Em passagem com o título
de "Paris, Port-de-M er" [Paris, porto de mar], décim a prim eira e última pa rte,
d edicada às cidades d e Veneza, Nápoles, La C o runa, Bordeaux, Brest, Toulo n ,
Anvers, G ê nova, Rote rdã, Hambu rgo e à cap ital francesa, lê-se o seguinte: " D esde
m in h a m ais tenra idad e, d esd e que mam ãe m e ensin ou a ler, tinha necessidade de
min h a droga, d e minha d ose d iá ria, não importava a quantia, o m ais importante
é que fosse d e algo impresso!" 219 Mas a leitura há muito que não havia se to rnado
tão só um e ntorpecente necessário que demandava de seu dependente paciên cia,
220
perseverança, rodo ti po d e renúncia e, sobretudo, "capacidade de criar ilusão" ,
que, isso si m , o d istinguia enqua n to leitor. Graças à sua distintafoculté d'ilfusion,
a paixão pela leitura o fazia acred ita r m u ito mais no fato de que todo o globo
teria se torn ado u m a única pre nsa móvel, "como se a Terra, com seu movimen to
rotatório, n ão fosse o u tra coisa que não u ma prensa para imprimir" 221 •
H á uma u nião direta e ntre tais superposições d a rotação da Terra com a p rensa
rotatória e reflexões q ue não só associam, de forma indissolúvel, a leitura a un1 mundo
en q uanto imprensa g iga ntesca, mas tam bém o ler ao viajar. Busc.:'tln antes d e ruela
preven ir o eq u ívoco frequen te (até hoje) do viajar com o deslocamentO espacial:
O gran de ch arme de viajar não se baseia tanto no deslocamenro no espaço, mas mu ito mais
em tornar-se estrangeiro no tem po (se dépayser dam /e temps), co mo aconrece, por exemplo ,
ao nos descobrirmos, po r acaso e muito d e repente, entre canibais por conra de uma pane
no automóvel ou, graças a um desvio em nossa est rada através do d eserro, ao chegarmos de

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Dois. Simulações Dois. Simulações

forma abrupta à Idade Média. Com a leitura, assim acredito, não é diferente, tirando o fato acima do viajar ou da literatura de viagem, abre-se, dessa maneira, o horizonte mais
de que ela está à disposição de todos, sem perigo direto para o corpo e a vida, ao alcance
até mesmo de pessoas enfermas; e seu raio de alcance, que em comparação ao da viagem
diversificado para as metamorfoses do eu, um des-locamento no sentido de uma
expande-se ainda mais, no passado e no futuro, e acrescente-se a isso o seu dom inacreditávd transpersonalização que possibilita tanto ao viajante, quanto ao leitor, colocar de
de tornar possível colocarmo-nos na pele de uma outra pessoa sem muito esforço. 222 lado a persona usada em determinado lugar, a respectiva máscara portanto, e usar
uma outra. A onipresença planetária das des-localizações e de seus esboços vitais
Primeiro, vamos nos ater ao fato de que a viagem não se limita de forma alguma atrelados a isso inclui, no fundo, a potencialidade ilimitada dos des-locamentos
a um movimento delimitado pelas três dimensões do espaço, mas evidentemente através dos movimentos sobre o globo ou sobre a página do livro. Pois, sobre uma
inclui-se nele a quarta, a do tempo. Os exemplos escolhidos por Cendrars, bem Terra, cuja rotação a tornou imprensa rotativa, abrem-se constantemente novas
como a notável multiplicidade de seus escritos e formas de expressão ligados à páginas para a vida em movimento transregional e de amplitude mundial.
literatura de viagem, ao mesmo tempo deixam claro que viajar acarreta muito É claro que, nesse movimento, está sempre presente a Roda da Fortuna, "Roue
mais que uma série de dimensões complementares concernentes àquelas, des Choses" 231 , evocada várias vezes por Cendrars, e que volta e meia lança os
sobretudo, do espaço social, da imaginação, do espaço literário, das relações de seres humanos em novas situações de vida e de leitura. Porém, em sua totalidade
gênero literário e - não menos relevante - do espaço cultural, .:!.B mas também e em sua forma esférica, a Terra constantemente integra a diegese dos textos de
das relações biopolíticas e específicas de gênero. A comparação entre viajar e ler, Cendrars e, com isso, esse palco giratório sobre o qual o Eu se move em sua
acentuada na passagem acima, pressupõe não apenas os movimentos (do corpo conformação variada, que se modifica ao modo de um caleidoscópio: é preciso
ou do olho) observáveis entre as atividades, como enfatiza a capacidade da leitura que ele sempre volte a se reinventar. Não obstante, é doloroso o surgimento dos
de possibilitar viagens que se expandem muito mais, tanto para o passado quanto limites desse espaço global aos olhos daquele Eu múltiplo, que se coloca entre os
para o futuro, em contraposição aos movimentos físicos da viagem. Não é a "cidadãos livres do mundo" (/ibres citoyens du monde)232 • Já no ciclo de poemas Le
toa que, em seu Supplément au Vóyage de Bougainville [Suplemento à viagem de Panama ou les aventures de mes sept oncles [Panamá ou as aventuras de meus sete tios],
Bougainville], Denis Diderot havia feito dois companheiros debaterem sobre o lançado em 1918 na parisiense Éditions de la Sirene, lê-se o seguinte:
fato de o famoso viajante francês não ter sido antes um habitante assentado entre
as tábuas de sua casa flutuante (maison jlottante) 224 durante a circum-navegação, No meio do Atlântico não é melhor que em uma redação
Dou voltas na jaula do meridiano como um esquilo-vermelho
enquanto o leitor do famoso relato de viagem de Bougainville não era visto como
Só vejo um russo com uma cabeça simpática
o verdadeiro viajante, mesmo que- aparentemente parado sobre o assoalho de sua Para onde ir
casa de construção firme- ele tenha dado a volta ao mundo graças à sua leitura225 • Também ele não sabe onde deixar sua bagagem .
Aqui se poderia falar em paradoxo do viajante que, na sua forma mais elevada, é Em Leopoldville ou Sedjerah em Nazaré, no Sr. Junod ou meu velho amtgo Perl
o leitor- e um leitor do livro do mundo. 226 No Congo em Bessarábia na Samoa
No sentido da passagem retirada do capítulo "Paris, Port-de-Mer", a leitura Conheço todo o itinerário
oferece às leitoras e aos leitores o "dom inacreditável" - e sem muito custo -de Todos os trens e suas conexões
se colocar na pele de uma outra pessoa e de se transformar em um outro por O horário de chegada e partida
Todos os navios de passageiros todas as tarifas e todos os tributos
meio da já mencionada ''foculté d'illusion" 227 - que nessa passagem é contraposta É indifereme
de forma bastante consciente e tácita à faculdade medicinal, à "Faculté de Tenho endereços
médecine" 228 • É assim que, já no começo de suas anotações, tem-se a seguinte Vivendo de mendicância _
233
Volto da América a bordo do Volturno, por 35 Francos de New York para Roterda
afirmação do protagonista do livro Les Confessions de Dan Ytzck [A confissão de Dan
Ytzck], publicado pela primeira vez em separado, no ano de 1929- depois como Os biografemas salpicados no poema, que atrelam o eu lírico do texto
a segunda parte do romance Le Plan de l'Aiguille, publicado no mesmo ano, com comprometido com uma estética de vanguarda e quase sem pontuação - ao
o título Dan l'áck: "Eu amo partir. Passei a noite procurando por aquilo que eu escritor Blaise Cendrars e à atividade da escrita, tais biografemas unem, ao mesmo
gostaria de ter sido nos diversos países do mundo. Assim eu gostaria tanto de ter tempo, lugares e regiões do planeta que o escritor suíço- tornado cidadão francês
sido ... " 229.
em 1916 - (ainda) não podia ter conhecido a partir de suas próprias viagens. Os
A transposição para uma outra região, para um outro país (pays) da Terra, versos apontam uma variedade de paralelos com as passagens já citadas (assim
não só implica - como vimos - o deslocamento espacial e a possibilidade de como muitas outras) do Bourlinguer ou Dan Ytzck, porém diferem delas no fato de
um "se dépayser dans le temps" 230 , como também oferece a chance tanto de uma que, no Panama ou as aventuras de meus sete tios, a rotação da Terra relaciona-se aos
mudança completa da pessoa, quanto das circunstâncias concretas de sua vida. O movimentos de um Eu que, da mesma forma ininterrupto e sem saída- como um
transregional inclui uma modificação transpessoal. Para além das dimensões citadas

64 65

,,,L
Dois. Simulações Dois. Simulações

hamster -, afana-se em sua "gaiola dos meridianos" entre Europa e América, Ásia, do autor suíço de Jura, e que foi escrito em Paris em 1913. Ele começa com os
África e o Pacífico. Com isso, o sonho de onipresença global dos vanguardistas famosos versos livres:
sofreu um abalo, revelou-se, por um lado, uma concepção realizável graças a
Naquele tempo estava na minha adolescência
meios de transporte dos mais modernos, tais como trem, navios transatlânticos Mal tinha dezesseis anos e já não me lembrava mais de minha infância
ou avião; por outro, um pesadelo em que a rede de latitude e longitude lançada Estava a 16.000 milhas de distância do meu lugar de nascença
sobre nossa Terra torna-se uma grade, atrás da qual o Eu aprisionado fatalmente Estava em Moscou, na cidade das mil e três torres de igreja e das sete
gira em torno do próprio eixo - a par de todas as transpersonalizaçóes, rodas as estações de trem
E a mim não bastavam as sere estações de trem e as mil e três torres
trocas permanentes de máscaras teatrais. A rotação da Terra tornou-se a rotação Pois minha adolescência era naquela época tão ardente e maluca ~
de um Eu em volta de si mesmo, para o qual todo Any where out of the worltJll4 Que meu coração, de pedaço em pedaço, ardia como o templo de Efeso ou
[Qualquer lugar fora do mundo] baudelairiano permanece inalcançável. como a Praça Vermelha em Moscou
Quando o Sol se põe.
E meus olhos iluminavam caminhos antigos.
E eu já era um poeta tão mau
Onipresença do Eu e multiplicidade das viagens Que não era capaz de ir até o flm. 246

Entre o local de nascimento não mencionado do Eu e a Moscou mencionada duas


Poucos anos antes, Blaise Cendrars foi citado em um manifesto futurista de 29 de vezes abre-se aquela diferença que separa, não apenas no sentido espacial como
junho de 1913, assinado por seu amigo Guillaume Apollinaire e, com isso, admitido também temporal e " ... e relacionado ao mundo da vida, o lugar singular (liett) das
no círculo daqueles que respondiam pelo catálogo de exigências de L'Antitradition milhas plurais (/ieues). Essa pluralização dos lugares (e distâncias) pode fazer com
Futuristél- 35 • Em continuidade ao primeiro manifesto futurista publicado por E
que a capital russa não só apareça como lugar de chegada sobre uma linha pensada
T. Marinetti, no dia 20 de fevereiro de 1909 no jornal parisiense Le Figaro, não entre La Chaux-de-Fonds e Moscou, como transforma Moscou justamente no
se reivindicou no "Manifeste-synthese" 236 de Apollinaire apenas a ruptura com a
ponto de partida de movimentos sempre inconclusos, que - bem. n~ sentido
tradição, fundamental para toda vanguarda histórica, e a "opressão da história" 237 da poesia de um mauvais poete - não encontram um fim, um obJetivo certo.
-se levarmos em conta a Teoria da vanguarda238 , de Peter Bürger, texto que há Corresponde à transformação do lugar em lugares a multiplicação polissêmica
muito se tornou canônico -,mas, ao mesmo tempo, exigiu-se lá o "nomadismo da palavra em palavras, que procuram transformar esse processo de movimentos
épico investigação das cidades arte das viagens e do passeio" 2·'9 , bem como a e significações a se expandirem de forma inconclusa. Entretanto, ao fim do Prose
"intuição velocidade onipresença" 240 • Durante aqueles anos anteriores à eclosão du Transsibérien, todos os caminhos e interpretações podem encontrar somente
da Primeira Guerra Mundial, Blaise Cendrars, da mesma forma que Apollinaire,
um apeadeiro provisório em uma Paris caracterizada pela torre de marfim- e, por
o verdadeiro "líder e gerente da vanguarda parisiense" 241 , foi bastante atraído
conseguinte, com a conversão das 1003 torres de Moscou na cidade de uma torre,
por profecias programáticas de ruptura para com toda tradiçáo 2'12 e compelido a
a " Vil/e de la Tour unique du Grand Gibet et la R oue"247 . p ots
· a "vtagem
· " d e M o scou
envolver-se em polêmicas. Sob o signo do avanço tecnológico e da experiência com para Paris é um puro deslocamento, cuja descontinuidade assinala Paris co~o .o
meios de transporte modernos, tais como bondes ou metrôs, carros ou bicicletas, verdadeiro lugar da escrita do jovem suíço de dezesseis anos, vindo da provtncta
trens, navios transatlânticos ou aviões- todos os quais têm importância crucial de língua francesa.
nos escritos de Cendrars (também para além de sua afiliação aos vanguardistas Não que diante disso seja crucial que Freddy Sauser- já na infância bastante
históricos)- é que justamente a onipresença tornou-se código central da escrita de viajado - tenha feito, ou não, uma viagem entre 1904 e 1907 com o trem
vanguarda. Entretanto, a exigência tão difundida de onipresença nutria a ilusão de transiberiano para o extremo Oriente, durante sua estada na Rússia. Blaise Cendrars,
que "a distância espacial iria abolir-se" 243 • Isso teve repercussões sobretudo sobre
por muito tempo declarado por John dos Passos como "Homme du Transsibérien",
a vida prática dos artistas no círculo das vanguardas históricas: muitas biografias
respondeu à pergunta de Pierre Lazareff sobre isso: "O que isso te import~, com
de protagonistas extraordinários da arte de vanguarda (como as de Marinetti ou · dectstvo
· · o movtmen to
minha ajuda todos vocês embarcaram mesmo! "24s N ão e' mrus
Cendrars, Pablo Picasso ou Jusep Torres Campalans244 ) "são lidas como ata dessa
concreto e real do viajante no espaço que o movimento da leitura: pode-se transf~rir
experiência'' 245 • Também na lenda de Blaise como "aventureiro" reluz um legado o paradoxo do viajante também para a rota La Chaux-de-Fonds- Moscou- Parts.
de vanguardista.
De fato, a Prose du Transsibérien et la petite jeanne de France é um texto que
Da mesma forma se estabelece no contexto de um esboço biográfico até hoje move suas leitoras e seus leitores. Ele surgiu em trabalho conjunto com
vanguardista o poema Prose du Transsibérien et de la petite ]eanne de France [A Sonia Delaunay-249 e, como "primeiro livro simultâneo" (premier livre simultané,
prosa do Transiberiano e da pequena Joana de França], certamente o mais famoso fórmula propagada por ambos os artistas, da escrita e da pintura), não é um texto

66 67
Dois. Simulações Dois. Simulações

para folhear, é um poema para escalar. O texto, que muito rápido causou furor, foi como as rodas dos movimentos, também as personagens em movimento e os
desdobrado* em uma obra de arte de 200 centímetros de altura e 36 de largura, na vetares de muitas viagens se sobrepõem- e é exatamente nisso que consiste a arte
qual a inter e a transmedialidade se dão pelo atravessamento de escrita e pintura, da viagem cendrarsiana: Un voyage peut en cacher un autre! [Uma viagem pode
caligrafia e jogo de cores, demandando uma leitura que "começa no ponto mais esconder em si outra jornada!].
alto, com a ajuda de um banquinho, e termina bem embaixo, com a necessidade O agrupamento de todas essas viagens (da leitura), contudo, acontece naquele
de se ficar de joelhos" 250 • Nesse texto, o movimento, por consequência, inscreve-se Eu que, por meio delas, tornou-se um Eu múltiplo, até mesmo transpessoal em sua
não só pela temática como pela estética da recepção, de modo que não se deve onipresença. O polimorfismo [ Vielgestaltigkeit] desse Eu - não confundi-lo com o
relacionar a simultaneidade251 da obra de arte - uma demanda recorrente escritor real Blaise Cendrars - é recarregado do lido e do vivido, de biografemas e
também de outros vanguardistas - tão somente à textualidade iconográfica, à anagnosias, através dos quais, de suas imbricações indissolúveis, surge ao mesmo
inseparabilidade de texto e imagem, de texto visual e imagem textuaL Trata-se tempo uma poética e uma anagnóstica da vida, da arte e da vida enquanto arte vinda
muito mais daquela interação "simultânea" que une, de um lado, a dimensão da do movimento. E, com isso, a lenda até hoje viva de Blaise Cendrars, o aventurier.
estética da produção à da recepção e, de outro, a criação complexa de uma obra
de arte total- que não por acaso é dedicada aos músicos desde a edição posterior,
de 1919 -àquelas práticas de leitura corporais extremas, exigidas a uma audiência
Ler, viver e saber sobre a vida
que se alonga ou se ajoelha. Sem dúvida: a Prose du Transsibérien é um texto
de movimento que demanda ginástica e, com seus parâmetros vanguardistas,
Em novembro de 1913, Blaise Cendrars publicou na revista berlinense Der Stunn
revolucionou os hábitos de leitura e, com isso, de viagem.
alguns apontamentos sobre seu poema Prosa sobre o trem transiberiano, saído no
O quanto esse poema se baseia ele mesmo em processos de leitura dos mais
mesmo ano. Neles dedica-se justamente à ligação entre vida e literatura:
variados não só o demonstra a multiplicidade de referências e alusões literárias
explícitas - que transformam um espaço intraliterário bastante complexo em A literatura é parte da vida. Não é algo "separado" dela. Não escrevo porque é minha
horizonte de referência - como também é evidência disso a metáfora da leitura profissão. Vida não é uma profissão. Por isso que não há artistas. Organismos vivos não
trabalham. [... ] Não há especializações. Não sou literato. Aponto o dedo para ambiciosos e
que volta sempre a emergir. Dessa forma, poucos versos antes da invocação final carreiristas. [... ]Toda vida é só um poema, movimento. E eu sou apenas uma palavra, um
a Paris, as mais diversas percepções sensoriais convergem na decifração de uma verbo, uma profundidade, no sentido mais selvagem, místico e vivo. 253
textualidade polissêmica:
Eliminar a separação entre literatura e vida é uma demanda desde o começo
Reconheço todos os países de olhos fechados pelo cheiro
constitutiva para as vanguardas históricas e que se di reei o na contra a autonomização
E reconheço todos os trens pelo barulho que fazem
Os trens da Europa viajam em quatro tempos enquanto os da Ásia em cinco da arte perante a vida. Isso promove a quebra com a diferenciação e especialização
ou sete tempos surgidas ao longo da história e procura tornar a literatura uma parte da práxis
Outros vão em surdina são de canções de ninar vital tanto de seus produtores quanto receptores. A vontade do autodidata
E alguns que com o som monótono de suas rodas me recordam a prosa
Blaise Cendrars de viver a (própria) literatura inscreve-se, por conseguinte, nas
pesada de Maererlinck
Eu decifrei rodos os textos confusos das rodas e reuni os elementos dispersos estéticas e poéticas da vanguarda de seu tempo. Por outro lado, na equiparação
de uma beleza violenta de vida e poesia, aponta para um vínculo especial com o movimento, mouvement,
Que eu possuo fundamental e característico para sua poética. A viagem, com seu movimento a
E que me força. 252
abranger as mais diversas dimensões, torna-se aquela estrutura fundamental da
A onipresença do Eu, bem como a polissemia forçada e forçante das rodas unem-se, écriture cendrarsienne, que permite a práxis vital e de escrita como que fluírem,
aí, a uma decifração textual que alimenta a viagem aparentemente linear do trem mesclando-se. Com isso, procura superar aquela velha inimizade da qual fala
transiberiano, muitas outras viagens para outras partes da Ásia ou para o México, Hans Blumenberg:
para as Ilhas Fiji ou Java, Madrid, Estocolmo ou Timbuctu. Todos os pontos do Enrre os livros e a realidade impôs-se uma velha inimizade. O escrito deslizou para o lugar da
globo parecem ser alcançáveis e se unem uns aos outros: viagens se multiplicam realidade, com a função de impor-lhe uma rubrica definitiva de supérflua. A tradição escrita
com outras viagens, leituras se sobrepõem a outras leituras, e é permanente a e, por fim, impressa acaba sempre por se tornar a autenticidade débil da experiência. Há
como que a arrogância dos livros, pelo mero fator quantitativo que possuem de, após cerro
expansão da diegese com sua reunião de elementos dispersos mundo afora. Assim tempo da cultura escrita, passar a forte impressão de já conterem rudo e de ser inócuo olhar
mais uma vez para a extensão da vida, que de toda forma é curta demais, e perceber o que se
* O poema tem literalmente a forma sanfonada, como um folder imenso. Em alemão "auseinanderfalren" tomou e levou de conhecimento. 2 ~ 4
é abrir o folder, desdobrá-lo. (N.T.)

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Dois. Simulações Dois. Simulações

É a ex-periência* como praxts de uma vida colocada em movimento, como Na interação entre viver e escrever, ler e viajar, surge em Blaise Cendrars uma
escrita, a partir da qual a relação entre o mundo dos livros e o mundo-livro podem literatura que se pode conceber como parte da vida, talvez, mais ainda, como um
ganhar uma nova perspectiva em Cendrars. A ligação ínrima entre viver, ler e reservatório bem específico de saber sobre a vida. Assim, o saber sobre a vida deve ser
escrever manifesta-se em Cendrars na posição central de um conceito de vida compreendido aqui como uma ligação complexa e de alto dinamismo e variabilidade
enquanto viagem, de uma vida de movimento, cuja profundidade pode-se ganhar entre um saber da vida e o saber que a vida tem de si mesma, entre um saber para
do "selvagem", "místico", "vivo" e não perecer em uma profissão especializada. A a vida e um saber na vida, de forma que é possível conceber o saber sobre a vida
velha inimizade entre o mundo dos livros e o mundo (e quem dera o mundo fosse simultaneamente como componente, condição e práxis ou implementação mesmo
um livro), que se abre para os mais diversos movimentos, de forma alguma é, com da vida. 261 Desse modo, o saber sobre a vida pode ser entendido tanto como ideia
isso, suspensa- como a passagem seguinte de Bourlinguer quer mostrar: modelar quanto apropriação descritiva de viver. Para além disso, no contexto multi,
inter e transcultural, une-se ao conceito de saber sobre a vida a capacidade de poder
Eu lamento o incêndio da biblioteca em Alexandria e também o da rorre dos livros no ao mesmo tempo pensar e agir conforme as diferentes lógicas correspondentes. Com
México, faltam-me tais resmas, e, no entanto, sempre que vou a uma das maiores bibliotecas
do mundo, à Biblioteca Nacional de Paris, à Britânica em Londres, à Biblioteca do Czar isso, o saber sobre a vida não se ganha somente pelas experiências concretas, em
em São Petersburgo ou à Biblioteca Real em Berlim, à Carnegie em New York, a Library contextos diretos da vida (como, por exemplo, ao viajar), mas também pelas formas
ofCongress em Washington ou à Livraria Don Pedrom [sic] no Rio de Janeiro,[ ... ] penso mais diversas de apropriação de bens simbólicos, como arte e literatura, também
contra minha vontade nas necrópoles da Mesopotâmia, por cujas ruínas imensuráveis meios de comunicação de massa e cultura do dia-a-dia e, assim, pelos processos de
eu vaguei e cujas camadas sobrepostas de tijolos, adensadas de caracteres, ficavam muito
próximas umas às outras e firmes, assim como se dispõem os livros nas estantes das salas
leitura e de decifração dos mais variados. Partir de tais reflexões de modo algum leva
de leitura gigantescas de nossas bibliotecas contemporâneas, por onde em algum momento à afirmação de que literatura tem sempre ao seu dispor um tipo de "saber sobre a
ninguém mais irá passar e cujo catálogo não se poderá mais arualizar, tão grande o número vida mais elevado"; trata-se muito mais da convicção de que ela é capaz de encenar,
de novas publicações.256 de forma condensada e a depender dos diferentes repertórios, os saberes sobre e para
a vida e, com isso, é também capaz de experimentar.
Nessa longa passagem surge um percurso que une umas às outras as grandes
A literatura não pressupõe por si só um saber disciplinar ou especializado, a não
bibliotecas do mundo europeu ou fora da Europa. Porém paralisa-se o movimento
ser que a entendamos como aquela configuração de acervos de saber especializados
nas grandes salas de leitura, nas quais livros sobre livros se amontoam e se tornam
em não revelar uma única especialização qualquer. Como mídia de armazenamento
cidades dos mortos, que parecem suplantar e trancar a vida do lado de fora. Como
de saber da vida, saber viver, a literatura não depende de uma coerência discursiva
o prisioneiro liberto ou os que se tornaram escravos de uma paixão, os leitores
dos seus acervos de saber - diferentemente da filosofia -; pelo contrário: ela pode
mergulhados nesse mundo correm o risco de não poderem mais se adaptar à vida:
intensificar as contradições, incoerências e quebras entre lógicas diferentes e torná-las
"e vida em liberdade parece-lhes uma coisa estranha" 257 • Junto de muitos outros
úteis para si e para seu público leitor. Parece-me ser justamente esse aspecto o que é
tipos de leitores, o antiquário parisiense Chadenat incorpora, talvez da forma mais
decisivo para a tentativa de Blaise Cendrars, outrora desenvolvida pela vanguarda,
perfeita, a figura de um leitor que se amalgama com sua própria biblioteca258 , de um
de abolir a oposição entre vida e literatura. Pois a vida das pessoas no mundo é
leitor que construiu para si um mundo próprio feito de livros e, assim, tornou-se
marcada pelas contradições e pela colisão das mais diferentes lógicas:
alheio ao livro do mundo. Seguindo os passos de Rémy de Gourmont, a quem
admirou por toda a vida, o Eu poético criado por Blaise Cendrars avista nos tesouros O mundo é um complexo monstruoso. Ele é feito dos piores exemplares de nossos
amontoados pelos bouquinistes nos cais da cidade portuária de Paris "uma biblioteca semelhantes, das doutrinas difundidas por aí, das ideologias generalizadas e contagiantes,
das formas mais diversas do fazer coro, as quais cada indivíduo tem de ficar co~b~tendo.
ao ar livre" (une bibliotheque en plein air)2 59 : "Mas quantos livros, insano, quantos
Como é possível ser 0 coração das pessoas um campo de batalha? Por que exiStlf essas
livros nos cais! Paris, o porto de além-mar, abre-se para os livros." 260 Assim é que contradições íntimas e inevitáveis que há em nós, que nós mesmos somos?
262

a cidade portuária no Sena - e não a sua Bibliotheque Nationale - torna-se uma


biblioteca na qual é possível se mover, uma biblioteca que não excluiu a vida, mas a A batalha que ocorre no próprio ser humano é aquela entre ideologias e doutrinas
assimilou. Nos cais do Sena, nos quais os navios de Londres atracam, entrecruzam-se antagonistas, que - como se pode ver nesse texto escrito após a experiência da
viver, ler e escrever de uma forma tão específica para Blaise Cendrars que, para o primeira metade do século XX- se propagam como um contágio e palpitam sobre
viajante literário provindo das margens do mundo francófono, a capital da França sua única e exclusiva pretensão de validade. O ser humano não é um mero lugar
-assim como em seu Prose du Transsibérien- acaba por se tornar sempre o centro de colisão entre diferentes ortodoxias, ele se compõe das oposições inevitáveis,
inconteste, como que "natural", de todos os movimentos de viagem. constitui-se de contradições.
Tal interpretação discursiva do ser humano lança luz sobre uma práxis literária
* A palavra Erfohrung, experiência, contém o radical defahren, viajar. No português, a noção de movimento que almeja solapar as fronteiras entre literatura e vida, e que de modo algum pretende
se dá com o prefixo "ex", de sair, ir para fora. (N. T.)

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Dois. Simulações Dois. Simulações

transmitir ou revelar com isso uma ideologia ou doxa determinadas - que seria a não surge no singular de uma lógica, uma perspectiva, mas pressupõe a contradição,
das vanguardas históricas. A especificidade daquele saber sobre a vida que os escritos as contradições. Assim é que se explica o que Claude Leroy bem caracterizou como
de Blaise Cendrars desenvolveram em mais de meio século consiste na modificação "une volonté de foire littérature de tout' 268 : na vontade de transformar tudo em
incansável dos lugares da escrita e das perspectivas tomadas respectivamente, persiste literatura manifesta-se o desejo não menos forte de levar a literatura de volta à vida,
na mobilidade instável das referências culturais e discursivas colocadas em cena. de transformar a création em action libertadora, sem subjugá-la a uma desambiguação,
Desse modo, a literatura torna-se um saber sobre a vida traduzido e, ao mesmo a uma limitação de sua força explosiva polissêmica. Na sua filiação dinâmica do
tempo, posto em prática em formas estéticas de expressão, cujos elementos dispersos inventado [Eifundene] e encontrado [Gifimdene], no seu entrecruzamento de ficção
marcam, por seu turno, a vida do escritor e, ao mesmo tempo, a imagem que esse e dicção, o Eu das onze partes de Bottrlinguer é, com isso, a forma de expressão e
autor projeta de sua própria vida com a forma literária. A literatura tornou-se em ajuntamento de uma fricdonalicúuú? 69 , na qual o Eu se submete a um exame constante
Cendrars condição de uma vida na qual movimentos topográficos e literários, mas da alteridade (das alteridades) de seu Ego, com todas as suas contradições. Da oscilação
também o ato de viajar e o de ler, mal podem separar-se e o entrelaçamento de ininterrupta entre vida e literatura, e nas personagens de movimento presentes no
vivido e lido converge para a lenda de uma vida. Justamente porque o autor de texto que, por consequência, devem ser investigadas mais de perto, originam-se as
Prose du Transsibérien compreende a literatura como parte de sua vida é que lhe multiplicações transpessoais do alter ego de Freddy Sauser, vulgo Blaise Cendrars.
foi permitido não se sentir obrigado a diferenciar o vivenciado do apropriado pela
leitura através da forma documental (e meticulosa).*
Por consequência, o escritor continuou trabalhando sem interrupção em sua
Portos, cidades e movimentos
própria lenda. Assim é que, por exemplo, ao fazer o retrato de seu já mencionado
Chadenat que, mais patético que Dom Quixote em sua luta com os moinhos de
As onze partes de Bourlinguer, distintas umas das outras em extensão, são dedicadas
vento, 263 havia se confrontado com milhares e milhares de livros, interrompe-o para
a onze cidades portuárias e, desse modo, permitem reconhecer movimentos
inserir de início seu autorretrato (inconfundível) como escritor, "que na solidão de
de viagem de natureza bem variada. Pode-se relacionar a cada texto pelo menos
um quarto mobiliado deixa os cinco dedos de sua mão esquerda deslizarem pelas
uma figura de movimento 270 basilar, para fins hermenêuticos. Na primeira parte
tecias de sua máquina de escrever" 264 • A referência inequívoca à amputação trágica do volume, Veneza é o ponto de partida de uma viagem (histórica) de volta ao
. 265 em serem brode 1915, após um ferimento grave durante a
de seu braço di reito
mundo, que começa com o Eu olhando da janela para a água da laguna e com a
ofensiva das tropas francesas em Champagne, apresenta um procedimento dentre
retrospectiva de um cenário de 1653 atrelada a esse olhar: a bordo de um navio há
vários outros, com o qual Cendrars acabava sempre por tentar conferir autenticidade
pouco zarpando para Esmirna, descobre-se um passageiro clandestino de quatorze
e pretensão de verdade ao que era relatado por ele- para imediatamente depois
anos de idade; mas em vez de ser penalizado e retirado do navio, começa para ele
voltar a lançar sobre tal pretensão um distanciamento irânico: "Mas eu juro que
uma viagem não só para o Oriente Médio, como também para o Extremo Oriente,
não estou exagerando, ou quase ... " 266 Essa contradição leva o Eu a desenvolver, em
já que um inglês bem posicionado o assume para si. E assim começou para ele uma
seguida, uma reflexão sobre a inseparabilidade de vida e contradição:
viagem pela vida, que ficaria para trás como a da obra de toda uma vida (l'oeuvre de
Não há vida sem contradição. O coração, o corpo, a alma, o espírito, a respiração, tudo sa vie) 271 , um relato de viagem, a Storia do Mogor [História do Mogol]. Dessa forma, ·
pode se encontrar em contradição correlativa num indivíduo ou no mesmo indivíduo, uma vida transformou-se em um texto e regressou à Europa- um prelúdio de fato
até quando ele é. cabe~a ~ur;,. pois a inteligência é comraditó~ia à natureza profunda do bem-sucedido para uma coletânea de textos de um viajante europeu.
ser humano. A vtda nao. e logtca, a arte do retrato, a perspectiva, a criação do escritor, a
se~elhan~. [:.:] Nunca trem os reconhecer outros vestígios de vida - seja ela do planeta ou Agora não é possível adentrar a estrutura paratextual concebida para o livro,
a vtda. do mdt~tduo - 9ue não o que se eleva à consciência como vestígios da escrita. Pés com seus motes ordenados segundo preceitos da tradição vanguardista, seus
de galmha, rabiscos. Nao me fale nada sobre bela linguagem, sobre estilo e gramática. Aí o subtítulos e dedicatórias. Entretanto, se logo salta aos olhos do leitor uma outra
escrever não é devaneio (songe), nem invencionice (mensonge). É ames poesia. E com isso,
estrutura circular que, dessa vez, atinge todo o livro, é porque a primeira frase da
criação. E por consequência, ação. E só o agir liberta. Do contrário há um curto-circuito, o
universo arde em chamas e tudo retrocede à noite do espírito. 2C•7 primeira parte é idêntica à última da décima primeira e última parte: "Me calo
tranquilo", ]e ne souffle mot. 272 Em meio a essa tranquilidade, e saindo dela, é que
Os vestígios da vida emergem como vestígios da escrita, na qual se incluem na mesma Bourlinguer se constitui como um livro fascinante de viagem, cuja estrutura básica
proporção inteligência e afetos, corporeidade e espiritualidade do ser humano. A vida sem dúvida alguma é circular. Por isso não é de se surpreender que as datações
apontadas ao fim do livro reproduzam, por si só, um movimento de viagem, que
* Pouco ames, "vivido" e "lido" foram traduzidos de Gelebte(m) e Gelese(m); aqui, entretanto, os termos vai se arredondando até formar um círculo: "Aix-en-Provence I 20 aout 1946 I 3
empregados em alemão foram Erlebte(n) e Erlesene(n), de erleben, vivenciar, e de erlesen, um jogo de palavras février- 13 aout 19471 Monte-Cario 1 15 aout 1947 I Aix-en-Provence I 3 septembre
que contém lesen (Jer), mas que significa apropriar-se de algo pela leirura ou, como adjetivo, requintado. (N. T.)

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Dois. Simulações Dois. Simulações

I 26 oct.- 31 déc. 1947" 273 [Aix-en-Provence I 20 de agosto de 1946 I 3 de fevereiro beaucoup" ou "ltóyager beaucoup") 274 e, ao mesmo tempo, permite reconhecer que
- 13 de agosto de 1947 I Monte-Cario I 15 de agosto de 1947 I Aix-en-Provence I esses deslocamentos não ocorrem só "contra o vento e o mar" 275 , mas se encaixam
3 de setembro I 26 out. - 31 dez. 1947], fazendo com que, ao mesmo tempo, um sobretudo em um modelo de movimento no qual a questão não é alcançar um
ciclo anual se complete com a última data. De modo semelhante ao movimento determinado objetivo, mas- e associado à semântica da avenrura276 - o movimento
reconhecível já no título da Prose du Transsibérien et de la petite jeanne de France, como tal. O verbo bourlinguer não subentende nem um objetivo da viagem em curso
que aponta para a França e se encerra em Paris, também em Bourlinguer todos os (e por isso interminável), nem uma morada fixa do viajante, cujos movimentos de
movimentos no plano textual conduzem para a segunda pátria de Freddy Sauser, viagem e "navegações" se distinguem sobretudo por sua abundância e alta frequência.
mais exatamente para Paris, cuja posição destacada fica dessa forma mais uma vez Esse viajar sem destino cria as figuras de movimento das mais confusas, em
em evidência nos escritos do autor nascido na Suíça. geral geradoras dos acasos, nas quais o movimento de viagem torna-se uma
A segunda parte, dedicada a Nápoles, não só é encenada desde o começo como finalidade em si mesma. Entretanto, isso não significa que a multiplicidade de
viagem para a infância do Eu, como recorre à temática do clandestino e impõe à movimentos dos mais diversos não possa ser atribuída de novo a uma figura
viagem linear de navio, de Alexandria para Nápoles, a continuação, almejada pelo superior de movimento. Uma delas se afigura explicitamente em uma passagem
jovem em seu recôndito, para Nova York, que, depois da "direção de escape" para tomada da sétima parte, dedicada à cidade portuária de Antuérpia:
o leste, agora torna acessível o escape para o oeste, para regiões fora da Europa.
Mas é aí que reside a beleza de um porto: no fato de um na~io - uma vez que dei~a o molhe
Mas o menino é encontrado e desembarcado em Nápoles, onde começa para
- poder carregar alguém para todos os lados, para os annpod~s ou em uma v~agem pelo
ele uma fase marcante da vida, que volta sempre a aparecer nas partes seguintes. planeta, antes de o levar de volta ao clarão de seu farol, que bnlha :orno uma lampada no
Com isso, já se delineiam as figuras de movimento identificadas em Bourlinguer: círculo familiar, como uma lanterna, estampada no alto com um numero de casa, ou uma
junto do círculo e da linha (que não aparecem nunca como padrão contínuo, mas garrafa de conhaque sem data. 277
sempre interrompido), podem-se reconhecer, como outras figuras de movimento
É a estrutura circular em constante aparição que confere sentido ao perambular
hermenêuticas, sobretudo a estrela - como na parte onze, com seus movimentos
do viajante pelo mundo, sem que os movimentos de viagem encontrem seu á~ice
sempre a voltar para Paris- ou o pêndulo entre espaços e ten1pos diversos.
em um retorno para casa de fato. Cada porto não representa uma nova parnda.
A última figura de movimento mencionada se manifesta na parte mais longa, dedicada
Não há continente que não tenha sido afetado nessa viagem incessante por sobre
à cidade ponuária de Gênova, ao que a viagem de navio ocorrida aparentemente de
o planeta, de modo que sempre decorre disso a impressão de onipresença g~obal.
forma linear, a bordo de um navio grego, sempre tem o contraponto da "quebrà' pelas
E no entanto todos os caminhos levam de volta à Europa. Todos os onze titulos
reminiscências do Eu voltadas a Nápoles, de forma que, no nível da diegese, decorre
dados às cidades portuárias se situam no Velho Mundo, de modo que se atribui,
um movimento pendular próprio entre diversos espaços e níveis temporais. Na terceira
em respectivo, uma cidade à Alemanha, Bélgica, Holanda e Espanha, enquanto
e antepenúltima parte do volume, ao contrário, os movimentos do Eu en1 La Coruiia
três portos ficam na Itália. É a França, porém, que predomi.?a, com quat~o das
e Roterdã se estabelecem no entre-espaço de uma estadia breve entre duas viagens de
onze cidades portuárias, até porque em "Paris, Port-de-Mer se fecha o ctrculo
navio dentro das respectivas cidades, nas quais se cruzam espaços sociais, culturais e
dos círculos. A França e principalmente sua capital, Paris, tornaram-se para 0
artístico-literários muito diferentes, antes de a continuação da viagem impedir todas
viajante do mundo da fronteira suíça a "pátria daqueles que não .encont~a~am
as outras experiências em terra. As cidades portuárias parecem-se, portanto, com
pátria alguma" 278 , como formulou uma vez Henri Michaux em senndo genenco.
ilhas exploradas durante o embarcadouro pelo Eu e seus compagnons de route, que se
A estrutura circular é, desde a primeira fase da globalização acelerada, ~quela
alternam a cada vez, sem que tais cidades percam seu caráter de espaços de passagem.
figura de movimento que deu seu sentido às viagens dos grandes descobndores
Se examinada como que de forma transversal a estrutura circular que se insinua
europeus. E seria assim mesmo que o próprio Colombo - chegado ao mundo
em todo o livro, percebe-se que ocorre junto do círculo e linha, pêndulo e estrela,
insular das Antilhas, antes desconhecido para ele- jamais tivesse sido nomeado
também um salto entre as respectivas cidades, que só num primeiro momento
parecem enfileiradas de modo desconexo. Pois submete-se à disposição contextuai Almirante dos Mares pelos reis católicos, não retornasse à Europa, nem fosse
existente no mesmo livro uma concatenação intratextual múltipla e com indicações estilizado como protótipo do descobridor europeu pelas gerações futuras. Desde
o início do processo de globalização na Europa e sua continuidade nas diversas
explícitas de outros escritos de Cendrars referentes às cidades portuárias individuais,
fases seguintes, só o retorno confere sentido à viagem. Face à inscrição das figuras
que de forma alguma emergem só nas partes dedicadas a elas. Incluem-se, muito
de movimento- à primeira vista sem rumo- em uma história de descoberta e
mais, em um sistema de coordenadas complexo e multidimensional, no qual se
colonização europeias, não é de surpreender o fato de que os nomes e ~s relatos de
sobrepõem viagens e movimentos de viagem dos mais diversos e que voltam sempre
viajantes europeus, desde Marco Polo até o século XX, cruzem todo o hvro desde a
a se romper. O título conceituai escolhido por Cendrars (provindo do jargão de
marinheiros) já insinua a multiplicação daqueles movimentos de viagem ("Naviguer primeira página e sempre voltem a elucidar a expansão colonial do Velho Mundo.

74 75

JL
Dois. Simulações Dois. Simulações

Elas são componentes essenciais do espaço literário espalhados em Bourlinguer- E para afinar com essa oração baudelairiana, que se encontra em um livro de bordo
E onde ele pede perdão dia após dia por ter mentido para seus companheiros ao
cujo início, com a tematização de um relato europeu desconhecido de viagem, é
indicar-lhes um ponto de referência falso
bastante intencional. Blaise Cendrars se insere, conscientemente, em uma história Para que não pudessem encontrar sua rora284
(e concepção de história) bem especificamente europeia.
O modelo básico circular criado por Cendrars com inegável centramento na A beau mentir qui vient de loin! [Uma bela mentira que vem de longe.1 A estrutura
França e em Paris, e que acompanha a expansão colonial, pode ser reconhecido circular do retorno ao ponto de partida - como quer mostrar o poema "Paris'' na
em muitos outros textos do escritor suíço não apenas francófono, como também primeira parte do Feuilles de route, batizada com o nome do navio "Fonnose"- no
francófilo. Os poemas de sua primeira viagem pelo Brasil, iniciada em 12 de fevereiro fundo nunca é de fato abandonada. Dentro da história europeia da descoberta,
de 1924 a bordo do navio Le Fonnose, contêm uma multiplicidade de referências ela é compatível com a estrutura espacial de um arquipélago, em sua forma de
implícitas e explícitas a descobridores europeus. Não poderia faltar aí um "poema leitmotiv como ele aparece nos escritos de Cendrars. Logo na sequência do livro
em prosà' dedicado ao famoso "descobridoe' do Brasil, Pedro Álvares Cabral, e que de bordo de Cendrars, pouco depois de "Paris", vem o poema "Iles" (Ilhas):
Cendrars tirou do Voyage dans les provinces de Saint-Paul et de Sainte-Catherine ( 1851) Ilhas
(Viagem às províncias de São Paulo e Santa Catarina), de Auguste de Saint-Hilaire, Ilhas
como uma espécie de pirataria textual, uma colagem com indecência cubista: Ilhas onde nunca se pisa em terra
Ilhas onde nunca se desembarca
O português Pedro Alvarez Cabral partiu de Lisboa Ilhas cobertas de vegetação
No ano de 1500 Ilhas agachadas como onças
Para ir às Índias Orientais Ilhas mudas
Ventos contrários o levaram para oeste e o Brasil foi descoberro 27'> Ilhas imóveis
Ilhas inesquecíveis e sem nome
O poema pertence ao livro de poesia Feuilles de routel- 80 [Páginas de estrada], Jogo meus sapatos ao mar pois queria muito ir até vocês285
publicado em partes primeiro em setembro de 1924 (ou seja, poucas semanas
Visto com tanta frequência no autor de L'Ore Rhu7ri- 86 [Rum], justamente o fantasma
depois de seu retorno à França). Ele nos apresenta um "descobridor" português
da ilha inabitada, toda ela pertencente à natureza, sem nome e abandonada a si
que encontrou o que não havia procurado e que, como um bourlingueur, por
mesma, projeta-se aí pela perspectiva de bordo de um descobridor, talvez mais ainda
assim dizer, e levado por vents contraíres, "ventos contrários", teve de informar
de um aventureiro, que quer abandonar o navio que o transporta em segurança e
seu rei em Lisboa da descoberta daquele país que Blaise Cendrars, mais de
ser o primeiro a pisar a ilha. Esse grande sonho da aproximação a um arquipélago
quatro séculos depois, proclamou sua "terra da utopia". A estrutura do livro de
inabitado, que surge para o viajante e o atrai, realiza-se não para Blaise Cendrars, e
poesia não deixa dúvidas de que a viagem para o Brasil e 0 retorno para a França
sim muito mais para um outro alter ego desse bour/ingueur. Dan Yack.
estão em primeiro plano, porém não as experiências brasileiras, conquanto tão
importantes28 1 para Cendrars. Ainda assim, muito poucos poemas são alocados
na segunda parte da coleção intitulada "São Paulo". É com razão que Maria Teresa
de Freitas aponta, diante disso, para o fato de que as viagens de ida e volta, que Mundos insulares e mundos-ilha:
possuem uma extensão similar, abarquem um círculo quase vazio, fato esse que, imaginação insular e escrita fractal

, ante toda confrontação com o país e seus círculos artísticos fascinantes, evidencia
ser o Brasil para Cendrars s~bretudo área de projeçáo e lugar da lida consigo
mesmo282 • É certo
representam mutto

para
. que as
. .
. Feuzlles
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com sua n~ratlvtda~e tao proeminente como um todo a anta de forma evidente
d' un e aventure" ' mas
- e essa aven tura da escrità' ,
' sucesso
p estron d oso, que,
A bordo do Green-Star, que havia zarpado em 4 de março de 1905 da Tasmânia
em direção ao Palo Sul, está pendurado um globo iluminado por várias lâmpadas.
Um homem chama a atenção de três de seus companheiros de viagem para uma
série de ilhas ali designadas e puxa sua pistola:
so o t~t o r ouro], acabou por estabelecer durante muito tempo a imagem Esta é a minha Browning. Cuidado. Cada um de nós irá dar um tiro nessa região, aí o Sr.
de Bla.1se Deene nos dirá se o país atingido é habitado ou habitável, e iremos aceitar sua opinião
" r'h . h como
Cendrars r 1 um b aventureiro d a 1·tteratura. 0 poema d ed.Icad o ao para ocupar a ilha mais confortável, com a condição de que seja despovoada. [... ] O que
genoves, ._,, rtston e
.r . .._,oeom ' elucida tao
.. somente o que a estrutura d e to d o o
os senhores acham da ideia? Não esqueçam de que rodos os países conhecidos e a Europa
volume de poesi~ sinaliza: ~ Feuilles de route é 0 livro de bordo lírico de um poeta encontram-se do outro lado, na sombra, de forma que não haverá perigo algum de que a
que escreve a partir do movimento e não se atém à verdade fática. Sob 0 signo de acertem. 287
Baudelaire, as falsificações de Colombo e Cendrars se mesc1am:

78 77
Dois. Simulações Dois. Simulações

Ainda assim, o desaparecimento do velho e conhecido mundo é aparente. O entre 1917 e 1929, mas também entre o Novo e o Velho Mundo 292 - ainda assim
plano de Dan Yack de determinar de uma forma bastante inconvencional uma mantém-se o argumento de que no centro de ambas as partes do romance residem
ilha inabitada, na qual o capitão Deene desembarcaria o multimilionário e estruturas insulares. Sendo assim, em "Le Plan de l'Aiguille" trata-se sobretudo da
aventureiro junto com Arkadie Goischman, André Lamont e Ivan Sabakoff, teme ilha de Struge, que Dan Yack abandona como único sobrevivente, bem como do
um projeto fadado a um fracasso lamentável. Pois Goischman, sem experiência Port-Déception, a partir de onde o homem de negócios e aventureiro constrói
como atirador, a quem é indiferente a ilha que iria acertar, desde que espatifasse a seu próprio império global da baleia, que só desaparece do mapa no contexto da
Terra288 , atirou através do globo terrestre e acertou outro alvo: "Sua bala perfurou guerra, da Grande Guerre. Em "Les confessions de Dan Yack" voltamos a topar com
Paris. Percebe a trinca (craquelure)? A capa protetora saltou, agora só é legível ' ... uma ilha montanhosa, aquela parte indicada no Plan de l'Aiguille como o maciço
ris'. Isso é tudo que sobrou de Paris" 289 • do Mont Blanc, - que Cendrars conhecia desde 1920 das filmagens de La Roue
Ainda que o tiro subsequente e proposital de André Lamont tenha rompido [A roda], filme de Abel Gance -, e em cujo isolamento glacial seu protagonista
o fio de seda com o qual o globo ainda se mantinha pendurado, de modo que se retira de forma tão radical quanto antes, nas ilhas costeiras da região antártica.
o desejo de Goischmann de remover a Terra se realizasse, já o primeiro tiro foi Além disso, é possível distinguir em ambas as partes do romance ainda outras
certeiro, ele perfurou, na parte de trás, exatamente a capital da ile de France, estruturas insulares significativas. A exemplo do mundo insular da Nova Zelândia,
que na segunda parte do romance de Cendrars volta a surgir ao fim de todas as que sob o prisma retrospectivo do Eu no fronte, lutando contra as tropas alemãs,
'T: d , [
viagens 290 • Paris é atingida, o nome da cidade no globo destruído, e mesmo assim aparece como " pays ae J
1en re terra da ternura,] como "iles rortunees
c , "293 [ilh as

esse golpe do acaso, de início surpreendente, faz sentido: o que resta de Paris é afortunadas], onde não só inúmeros rebanhos bovinos povoam as encostas verdes,
o riso [ris]. A primeira sílaba do nome, "Pa", desaparece, indicando de maneira como também colonizadores jovens se retiram aos campos solitários ou às ilhas dos
bastante autobiográfica a relação complexa de Cendrars com o pai e alude à bem-aventurados e vivem só para si mesmos294 :
consumação de um parricídio simbólico. Pode ser que a intenção de Dan Yack
Por consequência, a mentalidade desses neozelandeses é de várias formas insular, porque
de determinar o lugar da luta pela sobrevivência através da simbologia de um tiro todo par se isola dentro de sua felicidade pessoal, porque roda fazenda é uma robinsonada
de pistola tenha sido impedida também por suas vítimas vindouras: porém suas na solidão dos prados e porque as ilhas gêmeas, que emergem como um oásis duplo, de
apostas (paris), que ele tomou como missão para si e para sua própria vida, não modo algum se abrem para os visitantes, mas se fecham e se opõem, ferozes, contra roda e
qualquer imigração..!'1'\
foram em vão. Pois, diferente dos três artistas sem ganha-pão, atraídos por ele em
São Petersburgo por dinheiro, já no começo da primeira parte do romance, "Le A dimensão global da Primeira Guerra Mundial também se percebe nessas regiões
Plan de l'Aiguille", o excêntrico Dan Yack não perdeu a vida na ilha inabitada de muito distantes do campo de batalha europeu e se integra ao processo de uma
Struge, localizada no Oceano Antártico - o nome provém da real ilha Sturge; ela globalização que se fortalece. Entretanto, aí também se mostra "um certo aspecto
ganha uma corruptela típica do estilo de Cendrars. Impõe-se aí a sua vontade moderno que a vida assume mais e mais em todas as regiões do globo terrestre
imprescindível de sobrevivência, como também seu saber(sobre)viver calculado (globe) e, em especial, naqueles lugares que são os mais distantes dos centros,
com frieza. Ele sobrevive à aventura, passa no teste e, com heroísmo, pode ir ao onde esse aspecto moderno de uniformidade e grandeza é impulsionado dia após
encontro de novos desafios, novos conflitos homicidas - como seu criador Blaise dià' 296 • Isso não obstante o arquipélago da Nova Zelândia ser, mais que outras
Cendrars e suas experiências na Primeira Guerra Mundial. regiões da Terra, protegido dessas transformações mundiais a se delinearem com
Como aquele que inúmeras vezes ressurgiu da morte, Dan Yack, em "Le Púm evidência na esteira da modernidade, um fato que se deve à situação insular de
de l'Aiguille"- trata-se aí de um sonho do Eu 291 que aparece na segunda parte do múltiplas facetas, a despeito de todas as relações transcontinentais.
romance, "Les confessions de Dan Ytzck" [As confissões de Dan Yack] - pode voltar É como leitmotiv - e de maneira obsessiva - que ilhas sempre voltam a se
sempre a inventar para si mesmo uma nova vida. As mudanças transcontinentais cristalizar no pensamento e na escrita de Blaise Cendrars. Qual função se atribui
e transregionais de lugar criam o espaço para aquelas transpersonalizações cujo
a essas ilhas? É só para a vontade do protagonista de Cendrars que elas se isolam
vestígio registramos no começo desde capítulo. A sucessão de transpersonalizações
e permanecem desertas, se possível protegidas de toda sorte de contato com o
e ressurreições com suas identidades novas mas sempre antigas, facilmente
estrangeiro e- como poderíamos formular em vista do Port-Déception- com
reconhecíveis quando observadas com mais exatidão, o faz partir de São as mulheres? Ou é sobretudo para a imensa vontade de viver de seus heróis, que,
Petersburgo para todo o globo, do hemisfério norte ao sul, e de volta a Paris, o assim como Dan Yack, enfiam-se pela chuva de bombas inimigas adentro: "Se eu
que de certa forma expande em escala global a rota do Prose du Transsibérien et de . de morrer, tu do bem, mas eu quero vtver
ttver . "297~.
la petite ]eanne de France.
A onipresença de estruturas insulares, tanto na obra lírica quanto narrativa de
Mesmo não sendo possível esmiuçar aqui a igualmente complexa e contraditória Blaise Cendrars, sugere buscar os motivos para sua existência não só em meros
referenciação de Dan Ytzck- cujo surgimento Cendrars não só estabelece como sendo
78 79

:.t
'1

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pré-requisitos e casualidades de ordem conteudística ou temática. Antes de mais três artistas de São Petersburgo, é separada de modo radical do continente, ainda
nada, vale assegurar que, ao contrário de continentes, que apontam para massas de que periodicamente se veja envolta não por água, mas por massas de gelo. Em
terra contínuas tanto em sentido etimológico quanto topográfico, que via de regra meio ao inabitado, ela forma um espaço vital precário que, em sua completude e
dispõem de uma rede ininterrupta de caminhos, as ilhas têm a ver com fragmentos insularidade, chama atenção para aquela totalidade que se deve à ilha escolhida
descontínuos, "extraídos" dos continentes, por assim dizer. De modo geral, ilhas com certa casualidade: Struge é uma ilha-mundo, um mundo fechado em si
apresentam uma área cercada de água, de forma que não se pode chegar a elas por mesmo com seu próprio sentido, sua obstinação*. 303
terra. Sua estrutura interna própria está atrelada a infraestruturas continentais tão Essa qualidade é partilhada com o Port-Déception, onde Dan Yack criou um
somente por uma descontinuidade fundamental, que pressupõe a troca de meios de mundo-ilha construído somente por sua imaginação, com empenho incansável e
transporte e de tráfego. Essa descontinuidade da massa de terra e da comunicação vontade inaudita de aplicação, a "terra da utopia" e, ao mesmo tempo, de pesadelo:
caracteriza as ilhas como estruturas fragmentárias, "quebradas", ante os continentes. trata-se do mundo ordenado dos homens, de um ''folanstério sem mulheres" 304 ,
Em publicação de 1977, o matemático Benoit B. Mandelbrot procurou colocar que, sem dúvida, sofre um primeiro abalo decisivo quando do surgimento muito
uma geometria fractal da natureza lado a lado com a geometria euclidiana. Ela mais casual do outro na forma de uma mulher bonita e, ao mesmo tempo, grávida.
não excluiria formas irregulares que surgissem na natureza, mas seria o esboço Diferente de Struge, o que há aí é uma ilha da indústria da baleia, que é ligada ao
de uma "morfologia do 'amorfo'" 298 • Mandelbrot recorreu várias vezes às ilhas mundo todo por suas frotas com portos e, dessa forma, está no centro das redes
para esclarecer o que se entende pelo conceito de "fractal" criado por ele299 • No de comunicação, que são recortes globais. Na sua fase florescente, Port-Déception
exemplo de sua famosa pergunta "qual o comprimento da costa britânica?", chama não é apenas um ilha-mundo fechada em si mesma, mas também ponto central de
atenção para o fato de que uma determinação precisa dele não é possível, já que comutação na rede de um arquipélago, mundo ilha, global (e globalizado).
isso dependeria dos procedimentos de medição usados devidamente e do grau A despeito de todas as diferenças de ambas as variantes de ilhas, que apresentam
de observação de baías, sub-baías ou sub-sub-baías3°0 , Por causa da circunstância uma multiplicidade de paralelos e são envoltas pelo isolamento de um espaço
notória de as dimensões integrais não serem mais suficientes para a compreensão avesso ao ser humano, elas se projetam para o Maciço do Monte Branco e, com
e medição dessa realidade na natureza, Mandelbrot introduziu as dimensões não isso, para o continente (europeu) -isso na segunda parte de Dan láck- como
integrais fractais, ou seja, quebradas, para além da geometria euclidiana "clássica". já se deduz do título da primeira parte, "Le Plan de tA.iguille". A partir de uma
Na descrição das qualidades de fractais, em vários sentidos é decisivo para cabana isolada, localizada bem no alto do vale em meio a um deserto de gelo,
nosso questionamento o fenômeno da autossimilaridade. A superfície de cristais Dan Yack não dita suas vontades para os homens a ele subalternos, mas seu texto
ou proteínas- como ressalta o biocientista Friedrich Cramer- pode decompor-se para uma secretária sentada na distante Paris. No lugar da máquina de escrever,
"continuamente em fragmentos autossimilares"3° 1, de modo a tornar-se "cada tantas vezes colocada em cena, entra uma máquina acústica, cuja sonoridade, ao
vez mais sulcada e elevada" 302 • Esse aspecto da autossimilaridade, ligado a uma ser transmitida para um texto literário, volta a se perder- um fenômeno bastante
estruturalidade fragmentária, é de grande importância não só para a epistemologia, significativo com o qual ainda iremos nos confrontar. Aí também se sobrepõem
como também para a poetologia e estética. estruturas de espaço e tempo das mais diversas: as ilhas antárticas (talvez
Seria po~sível comparar a autossimilaridade do padrão fractal, no sentido da sonhadas) se entrelaçam, se transpassam em alternância; a terra de ninguém na
antropologia estrutural de um Claude Lévi-Strauss, com um modele réduit ou, no batalha de trincheiras da Primeira Guerra Mundial ou a experiência amorosa com
âmbito dos estudos literários, tanto mais com o mise en abyme que originalmente a ninfeta andrógina Mireille na Paris do pós-guerra. Corresponde à pretensão de
remonta a uma reflexão de André Gides. Com o auxílio de tais teoremas e totalidade do escrever e ditar, na qual se mesclam mais uma vez o vivido e o lido
conceitos, direciona-se o foco nas partes de estruturas- como de uma proteína, - como o diário de Mireille -, mas também o dito e o escrito, uma insularidade
de uma transmissão oral ou de um texto narrativo literário - nas quais estão ambivalente que responde ao mesmo tempo por isolamento e comunicação no
contidas a estrutura geral em forma reduzida- e com isso também a si própria. espaço transcontinental.
Da mesma forma no âmbito de fenômenos culturais ou específicos da literatura, A projeção de um arquipélago sobre o continente- a se depreender da sucessão
deparamo-nos com estruturas quebradas fractais que se caracterizam em todos os de ambas as partes do romance - chama atenção para o fato de que é possível
níveis por uma autossimilaridade fundamental. Mas como tais reflexões podem voltar a encontrar a ilha como padrão fractal também em Bourlinguer, no exemplo
ter uma relação com o que poderíamos designar como sendo a imaginação insular das cidades portuárias já analisadas. Elas surgem como ilhas, cada qual com sua
ou, ao mesmo tempo, vetorial de Blaise Cendrars? obstinação, seu sentido próprio, totalmente separadas do interior que lhes é estranho
As ilhas nos textos do escritor de língua francesa formam como que padrões * O autor usa a expressão Eigensinn - que, entre outras acepções, recebe a de obstinação - separada por
fractais a partir dos quais as estruturas gerais e as estruturações abertas de sua obra hífen, Eigen-Sinn, de modo que se produz uma ambivalência: há tanto a ideia de obstinação, quase como
podem ser compreendidas. A ilha de Struge, na qual Dan Yack se instala com os qualidade negativa, quanto a de sentido próprio, ou seja, sem a necessidade do mundo externo. (N.T.)

ao 81
Dois. Simulações Dois. Simulações

e relacionadas ao mar de forma ambivalente, a superfície do inabitado que elas As heterotopias da escrita de Cendrars ignoram a separação entre fatualidade
unem e separam. As cidades portuárias formam as estações de transmissão de um ou ficcionalidade de uma viagem, já que viajar e ler, viver e escrever há muito não
arquipélago global, cujas ilhas, embora integradas entre si em processos frequentes se deixam separar um do outro em uma poética, que, além do mais, distanciou-se
de troca, compõem uma rede de relações que de modo algum é contínua, mas cada vez mais da órbita da vanguarda histórica depois do fim da Primeira Guerra
com frequência interrompida, dentro de um espaço descontínuo, não euclidiano. Mundial. Essa longa despedida de uma estética da ruptura, como podemos
A partir dessa insularidade, estabelecem-se padrões fractais, portanto fraturados de observar em escritores tão díspares quanto Jorge Luis Borges, Albert Cohen ou
múltiplas maneiras e, ao mesmo tempo, autossimilares, nos quais nem rodas as ilhas Max Aub, contém, assim como eles, menos uma renúncia aos procedimentos
se comunicam a toda hora com as outras, mas antes cada parte desse arquipélago literários da vanguarda histórica, e muito mais a demanda por uma quebra para
global está ligado direta ou indiretamente a algum outro, em algum momento. com a tradição. O friccionai de uma tal écriture une-se com o fractal de uma
As viagens empreendidas nas partes de Bourlinguer, que em hipótese alguma são concepção de mundo em que o alvo pode ser tanto uma ilha da Antártica quanto
isoladas, mas operam de modo sempre fragmentário, mostram que entre as diversas Paris. Não para menos, o capitão pergunta: "Percebe a trinca?" 305 Há muito que o
cidades portuárias subsistem frações múltiplas no espaço e no tempo, bem como mundo acabou por ganhar trincas, falhas e fraturas ao longo de sua continuidade
no espaço social, literário e cultural. Assim como as próprias cidades portuárias, os e curvatura. É um mundo que não obedece mais à geometria euclidiana, mas está
textos dedicados a elas são ilhas que não almejam inserir-se em uma continuidade marcado por descontinuidades de todo tipo.
constituída de qualquer forma. Une i/e peut en cacher une autre!* Dentro desse mundo pós-euclidiano e fractal parece que o escritor está sempre
Esse padrão fractal esclarece a diegese global característica do conjunto da obra prestes a se deslocar de uma ilha a outra. Cendrars contribuiu muito para que
de Blaise Cendrars, dentro da qual as ilhas e as cidades portuárias se sobrepõem sua imagem pública se aproximasse da de um bourlingueur literário, de um autor
umas às outras de modo transregional e transpessoal, da mesma forma que os sem morada fixa, de um escritor que nunca se sente em casa em lugar algum e
protagonistas e as personagens do Eu, tanto os solitários heroicos quanto as está sempre com o pé na estrada. É assim que se pode entender a lenda, cultivada
personagens femininas andróginas, sedutoras irresistíveis. As relações dentro de por ele mesmo, enquanto simulação de uma escrita sem morada fixa: um viajar
um determinado nível espaço-temporal são tão fracionadas quanto as que ocorrem incessante na gaiola dos meridianos.
entre os diversos níveis: os padrões de movimento da escrita de Cendrars se inserem E mesmo assim vimos que a França, sobretudo Paris, tem lugar especial no
em um espaço-tempo atravessado por quebras múltiplas. As personagens do Eu mundo de Cendrars, seja em sua biografia, seja em sua literatura. Diferente das
se desenrolam em uma história contínua de desenvolvimento e formação com tão concepções grandiloquentes de governos franceses, cujo discurso do projeto
pouca intensidade quanto as experiências da guerra, que são onipresentes no sentido grandioso de "Paris, Port-de-Mer" é tomado periodicamente por jornais populares
mais profundo: enquanto experiências amorosas obsessivas elas atravessam todos e citado com deleite por Cendrars na parte homônima de Bourlinguer, a capital
os tempos, todos os espaços e surgem onde não são esperadas. O mundo literário francesa há muito que havia se tornado cidade portuária para o autor de Dan
de Blaise Cendrars é marcado por um estilo fractal, no qual descontinuidade e l'áck. As docas dos bouquinistes não perdem em nada para a de Nápoles ou
autossemelhança unem tudo e em quebra constante. Suas personagens (quando Gênova, de Antuérpia ou Roterdã, como também para a de Nova York ou Santos.
solitárias) estão sempre se entretecendo cada uma em seu caminho, porém em Para Cendrars, Paris tornou-se ilha principal e ilha-mundo de um mundo-ilha,
uma rede de dimensão global. arquipélago, tanto global quanto fractal, no qual o viajar só pode acontecer no ler
É justamente nisso que a dimensão especificamente transcontinental e e o ler só no viver, se o ler - diferente do antiquário Chadenat - não prescinde
transregional da concepção de mundo e do saber da vida em Cendrars está atrelada. do viajar, do escrever a partir do movimento. Para Cendrars, o que importa é
Nã?. se dev: entende~ tal característica de transre ionalidade como conceito estar-a-caminho, não a chegada, como fórmula em seu poema We dangereuse, na
estanco ' senao
. de movtmento·· nao- se trata d e uma relação
g entre entt'd ad es fitxas terceira parte, dedicada à viagem de volta, de seus Feuilles de route:
com frontetras flxas
. ' mas dos cam · h
tn os sempre novos sobre os quais · certas reg10es
·-
se cruzam edse ltgam a outras ' a par de to d as as nao-stncrontct
- . · ·dad es. As rorças
c Talvez hoje eu seja o homem mais feliz do mundo
1 Possuo tudo que não cobiço
propu saras essas conexões móveis são em especial o viajar e o ler, cujas dinâmicas E a única coisa que me prende na vida se aproxima de mim com aquela
se fortalecem
. . mutuamente
, - com o vtmos.
· N-ao se trata d a armaçao- ngt' 'da d os rotação das hélices do navio
mendtanos, arras de cujas grades o Eu gira como um hamster em sua redinha, mas E talvez terei perdido tudo se chego ao destino 306
dos deslocamentos
. . e extravios
. em permanente, osctlaçao
· - que tornam tam b'em o
conceito de vtda um conceito de movimento. Felicidade com o movimento, escrever sem motivo307 , viajar sem chegada- Freddy
Sauser, ou Blaise Cendrars, é ao mesmo tempo insulano e nômade e encontrou na
* Uma ilha pode ocultar outra! (N.T.) literatura- não no cinema, na música, na pintura- a mídia, o meio, para um saber

82 83
I
Dois. Simulações Dois. Simulações

sobre a vida, no qual o paradoxo sobre o viajante torna-se fértil de uma maneira - como a isotopia irradiada por ela - dentro de um horizonte sociocultural, cujo
inovadora e, por seu turno, paradoxal, que segue ao mesmo tempo várias lógicas: desdobramento se conecta, no mesmo texto, à experiência de época de uma
a favor de uma literatura na qual o viajar sem destino convida a um ler sem fim. modernidade a se acelerar constantemente. Tal desdobramento se nota em uma
Pois se há um destino no viver e viajar, no ler e escrever de Blaise Cendrars, ele é o descrição do herói de Cendrars:
do estar-a-caminho - mais ainda, o estar de partida para o regresso.
A modernidade (modemite) colocou tudo em questão.
Com sua necessidade de precisão, velocidade, energia, fragmentação do tempo e expansão
no espaço, nossa época não só modifica a perspectiva da paisagem contemporânea de
maneira fundamental, como exige do indivíduo força de vontade, virtuosidade e técnica,
Os caminhos do herói, o mundo na com os quais modifica fundamentalmente também sua sensibilidade, sua psique, seu modo
cabeça e o princípio de vida fractal de ser, pensar e agir, sua linguagem, enfim. Resumindo: modifica toda sua vida. 313

Não é só para Dan Yack e seu criador Blaise Cendrars, mas também para a
Em sua Priere d'inserer para a edição de Dan Ytuk de 1946 pelas Editions de
experiência contemporânea, que um movimento a girar, constante, em volta de
la Tour, Jacques-Henry Lévesque observou que Blaise Cendrars seria um dos
si, além das personagens de movimento impelidas e aceleradas por ele em todos
raros escritores contemporâneos que sabe criar heróis. -~ 08 Em seu romance L'Or,
os níveis da vida e do romance, são decisivos em termos poetológicos e filosóficos.
Cendrars não teria só ressuscitado (ressuscite') a figura histórica do General Suter,
Embora não se possa equalizar o romance com a vida, ele possibilita, por outro lado,
como também dado vida (donné la vie) a personagens tão memoráveis como
com auxílio da representação do que é ativo, de tudo que se desprende e se move,
Moravigne e Dan Yack309 • Ainda segundo Lévesque, é justo a figura deste último
assimilar um saber sobre uma vida que é mais que um saber sobre a vida de uma
que desafia constantemente a "absurdidade da existência"3 10 , que leva ao fascínio:
personagem romanesca, que antes de tudo é planejada. É por isso que os caminhos
Mas nada é capaz de seguir esse herói falacioso no caminho que ele enveredou. Os artistas: o do herói de Cendrars não indicam apenas personagens que se movem em escala
músico Lamont, o escritor Goischmann e o escultor vibrante Ivan Sabakoff. todos morrem, global e que são relacionadas a uma figura determinada ou ao próprio escritor, eles
impotentes, em meio a uma natureza mais forte que eles, uma natureza onírica. Mireille, a esboçam muito mais uma imagem artística e complexa de mundo que, no espaço de
garota admirável do Sul, morre da mesma forma, não importa 0 quanto a ternura de Dan
Yack faça por ela. Esse homem que enfrenta a vida considera-se prisioneiro de seu amor, surgimento de Dan Ytzck, havia se estabelecido ainda no campo magnético de estéticas
porém se exorciza em plena solidão ao mergulhar nas profundezas de suas recordações, vanguardistas, afastando-se delas cada vez mais e libertando um olhar aguçado sobre
enquanto grava "O pequeno caderno de Mireil/e'' em seu ditafone. De coração liberto, como processos de vida e de significação sob o signo de uma dinamização crescente de
quando aruava, Dan Yack irá se voltar às pessoas: ele adora uma criança que possui os olhos todos os âmbitos da vida, tanto individual quanto coletiva. Dan Yack não é figura
de Hedwiga, cujo amor perdido outrora o lançara em todas aquelas avenruras ..m
de artista: sua escrita e seus escritos são muito mais caminhos, e seus caminhos são
Já foram pincelados nesse breve resumo tanto os caminhos quanto as vozes com sua obra- isso também no âmbito transmidiático. Por isso é significativo que os
os quais almejamos nos confrontar com mais intensidade a partir de agora. Após heróis de Blaise Cendrars tenham algo de errático, nômade: eles se movem em um
a síntese do enredo de ambas as partes do romance, passa ao centro das atenções "mundo em pedaços" 31 4, um mundo de fragmentos, cujas constelações volta e meia
o percurso (voie) de Dan Yack, esse "herói do absoluto". 0 caminho do "velho" se modificam e se relacionam umas às outras com reciprocidade.
mundo para o "~ovo". e de volta_ à Europa, onde ele progride para um herói da Mas de que maneira "Le Plan de l'Aiguille" e "Les Confessions de Dan Ytzck"
G~antfe Guerre, vt~encta o ~renes1 .da vitória de Paris e se apaixona por sua lolita se relacionam? Para melhor compreendermos a junção de ambas as partes do
Muetlle- o que nao podena ser diferente_ esse caminho 0 conduz como que de romance, à primeira vista tão diversas e opostas, pode nos ajudar um excerto
volta para o insulamento após a morte de sua amada, para a solidão insular dos curto de um texto que Blaise Cendrars publicou em abril de 1946, na revista
alpes mo~~anhosos, ~nde as reflexõe~. e (auto)experiências da segunda parte do Diogene. Ele foi escrito por ocasião da primeira publicação conjunta de "Le Plan
romance,_ Les confesstons de Dan láck , se estabelecem em maior proporção. de tAiguil/e" e "Les Confessions de Dan Ytzck" 315 sob o título definitivo de Dan l'áck
Em vtsta do entrelaçamento exposto antes do movimento transregional (Editions de la Tour):
e tran~pessoal, não é de se admirar que Cendrars, em 1929, tenha formulado
O mundo é minha concepção. Em Dan ~ck quis internalizar essa visão do espírito, o que é
o se~utn~e em ~m texto para a revista Tous /es livres, poucas semanas antes da uma concepção pessimista; para depois externá-la, o que é uma ação otimista.
pubhcaçao de Le Plan de l'Aiguille": "Só a fórmula do romance já permite Daí advém a divisão em duas partes de meu romance: a primeira parte de fora para. dentro
desenvolver o car~ter ativo de acontecimentos e personagens contemporâneos como sujeito de Le P/an de l'Aiguille, a segunda parte de dentro para fora como objeto das
Conftssions de Dan ~ck. Sístole, diástole: ambos os polos da existência; outside-in, inside-out:
que, na ~er~ad:, s~ alcançam todo seu significado a partir do movimento"312 •
ambos os tempos do movimento mecânico, contrair, soltar: a respiração do universo, o
Essa signtficancia, que segundo Cendrars provém do movimento, se estabelece princípio da vida: o ser humano. Dan Yack, com suas personagens. 316

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.,
Dois. Simulações Dois. Simulações

No começo dessa passagem há uma alusão ao Mundo como vontade e representação, - "Dan Yack, com suas personagens" 318 - tornam-se presentes e, ao mesmo
de Schopenhauer, o que instaura uma dimensão filosófica na qual a vontade do Eu tempo, audíveis. As estruturas insulares se sobrepõem em sua autossimilaridade
se destaca já quando começa a segunda frase. A construção, talvez melhor ainda, a em espaço e tempo de tal modo que, na ilha, na montanha, as ilhas "exteriores",
concepção de dois movimentos contrários e, ao mesmo tempo, indispensáveis um "dispersas" pelo mundo, tanto as antárticas quanto das cidades portuárias, são
ao outro propõe associar o conjunto do romance à elucidação do princípio vital e, tão presentes quando essa insularidade "para dentro" encontra a sua continuação
com isso, colocar a vida e o ser humano no centro do texto literário. Entretanto, o primeiro no Chalet, depois também nas estruturas insulares de corpo e cabeça. O
próprio Dan Yack acaba por tornar-se personificação do ser humano por excelência, próprio corpo se torna ilha e, no corpo, volta a cabeça, que congrega em si todo o
de modo que a fórmula escolhida por Cendrars (Dan Ytzck, avec sesfigures) é habilidosa mundo (inventado e experimentado) com todas as suas personagens.
por deixar em aberto se, com isso, se trata das personagens que o "acompanham"; Que o corpo masculino de Dan Yack se isole e se estruture como uma ilha,
das personagens retóricas de seu discurso; das personagens como que coreográficas que em termos territoriais não está ligada a nada e em continuidade com nenhum
de um protagonista, que afinal está presente em todas as personagens, ou - como continente - e em total sentido etimológico -, isso já está indicado no começo
poderíamos dizer a partir da perspectiva aqui escolhida- se daquelas personagens do romance. Na primeira cena, o inglês excêntrico, não só embriagado, como
de movimento que caracterizam o caminho de Dan Yack do começo da primeira enganado e desamparado, abandona aquele lugar em São Petersburgo no qual os
parte até o fim da segunda (ou seja, entre São Petersburgo e Paris por assim dizer). ricos e belos fazem suas festas, vibrando, "o corpo todo suando em bicas"319 • Ele mal
O movimento, no pensamento de Cendras, está atrelado à vida. se mantinha em pé e entoava "com um pequeno falsete" rodo o seu rosário:" .. . et
Não "só "um saber sobre a vida, mas o princípio da vida por excelência está no benedictus fructus ventris tui ... I A-a-a-men!'320 De saída fica evidente: a sua amada
centro da concepção geral do romance, no sentido do demiurgo do romance. A Hedwiga o havia abandonado por causa de outro homem, de quem esperava um
vontade e a representação de Blaise Cendrars se direcionam, por conseguinte, à bebê. Em seu bilhete de despedida, ela não deixa dúvidas da paternidade da criança:
forma singular (l'homme) em meio à pluralidade de suas personagens, a fim de ir ao "Estou certa de que a criança que trago em mim é dele" 321 • O fruto abençoado no
encalço da vida e do princípio da vida. A singularidade de um herói excepcional, que, corpo de Hedwiga não provém da ligação com o corpo de Dan Yack. A segurança
em sua Priere d'insérer bastante apropriada à vontade e às representações de Blaise com que Hedwiga o afirma dá indícios da segurança com que Dan Yack, ao fim
Cendrars, Lévesque caracteriza como "Ce grand vivant" 31 [Esse grande vivente],
ê de suas "Confessions", relata não ter tido em momento algum nenhuma ligação
transforma-se na totalidade do ser humano como um todo; une vie torna-se la vie, carnal com Mireille: ao longo dos sete anos de convívio com a jovem atraente, não
cujo princípio deve se revelar bem cirurgicamente- isso se comprova pelas metáforas teria ousado tocá-la e nunca a teria enganado. 322 O amor carnal consumado com
do corpo. No local de sua operação, também Blaise Cendrars poderia ter dito como índias, no Chile - amparado em intensificadores indígenas do prazer -, permanece
Gustave Flaubert: "Dan Ytzck, c'est moi". E, como no caso de Madame Bovary, seria rudimentar, pois almeja não a unificação, mas a produção transitória de prazer e a
injusto com Dan ~ck chegar à conclusão de que se trata de um r01nance acima de dominação masculina, sem produzir descendentes. Dan Yack está sempre buscando
tudo autobiográfico. o "próprio" filho, que ele encontra, ao fim do romance, em uma última tentativa
No contexto da friccionalidade desse esboço de romance, as personagens de muito longe de toda produção sexual, de toda e qualquer relação com mulheres:
Dan Yack apontam principalmente para o ser humano, no sentido de seu criador: pela adoção de um jovem de rua, como que um nascimento vindo da cabeça sob
Ecce homo. Diante de tal pano de fundo, a onipresença de estruturas insulares eliminação de todo corpo feminino - e, com isso, também essa porção renovada de
no roma~c~ rece~e uma semântica e significância complementares que de forma um mundo na cabeça, de um mundo sem morada Hxa. Dan Yack continua isolado
alguma hm1t~-se a coloração nietzschiana da "ilha" nos alpes montanhosos. Pois e separado, fora da ligação desejada com aquela Hedwiga que carrega em seu corpo
~ e.strutur~ Insul~res vão além de um nível meramente espacial de significado e o fruto, o testemunho e a concepção de um outro homem.
Indicam multo mrus aquele saber da vida que, em Dan Yack, o artista do viver e do Só com essa experiência da perda, expatriação e exílio que ele tem através de
sobreviver, torna-se um saber refletido conscientemente do sobreviver, continuar Hedwiga é que começam as viagens aventureiras de Dan Yack, que sempre volta
vivendo, do renascer e de um viver-de-novo. a se confrontar com mulheres grávidas, que carregam filhos de outros homens -
O plano de construção do romance de Cendrars fica bem evidente através da até mesmo na ilha remota de Porr-Déception. Deixar o lugar de prazeres em São
e~trutu:a insular do Chalet. Aí estão presentes com bastante especificidade todas as Petersburgo representa a expatriação da high society acostumada ao luxo no período
dtmensoes do romance em uma configuração* fractal, na medida em que a cabana anterior à guerra, ao mesmo tempo que evidencia como o exílio da vida de um
para onde Dan Yack se retira após a morre de sua amada Mireille se transforma em privilegiado torna-se, na sequência, privilégio consciente de uma vida no exílio,
uma câmara de eco enorme, na qual as vozes de todas as personagens do romance no ser lançado para fora, na vida e viagem sem morada Hxa. No entrecruzamento
* O autor usa a palavra em alemão Konfiguration da seguinte forma: Kon-Figuration. Ele destacou a palavra apenas esboçado aqui de ilha e exílio·u3, a ex-ile de um corpo, que se tornou ele
Figur que o vocábulo contém: personagem, em alemão. (N. T.) mesmo ilha-mundo, reflete-se na concepção faltante, na falta do Hlho sonhado.
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'I
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Ao fim do romance, só resta ao artista do sobreviver, Dan Yack, o caminho para o estão dimensionadas globalmente. O papel ativo do gramofone, cuja presença
orfanato parisiense, e assegurar sobretudo sua continuidade futura: perpassa todo o romance quase como um basso continuo, faz surgir, desde
a primeira frase, uma imagem sonora que traz à consciência a ligação entre a
No orfanato havia muitos orfãozinhos russos. Peguei um pequeno jovem de onze anos, um literatura e os sons - e com isso a dimensão fonotextual do romance.
tanto pálido, triste, com olhos parecidos aos da Hedwiga. Ele se chama Nicolas.
Vou chamá-lo de Dan Yack, como eu. Nessa passagem inicial já se pode reconhecer uma diferença muito importante
Vou ensiná-lo a rir. para o romance Dan Ytzck bem como para seu herói: aquela entre a voz humana
Vou fazê-lo rir. imediata e sua reprodução com a ajuda de aparelhos técnicos que, graças à
E para começar já vamos correr os três juntos, de quatro, por sobre o parquete, eu, meu filho industrialização e à produção em massa, podem armazenar, conservar e reproduzir
e o pequeno coelho cor-de-rosa, em minha casa enorme e vazia ... ·~ 24
música e vozes ("sem corpo") praticamente em todo o mundo. Apenas dois
Essas frases finais do romance não só lançam luz sobre a substituição, para Dan Yack, meses após a invenção do fonógrafo de Edison, foi fundada a Edison Speaking
dentro da relação triangulada de mãe, pai e filho- de mulher como parturiente pela Phonograph Company, em 1877, e o primeiro toca-discos produzido em série
adoção e como companheira de brincadeiras pelo coelho cor-de-rosa -, conforme seguiu-se, então, em 1890 327 : novas técnicas de gravação e reprodução surgiram,
indica o fato de a personagem de Hedwiga estar sempre presente no pensamento e logo seriam usadas no desenvolvimento do filme sonoro 328 como os primeiros
de Dan Yack e na origem russa escolhida conscientemente por ele, enfim: mesmo circuitos compostos de mídia cultural e industrial. E como seria, se fosse adicionada
nos olhos da criança adorada. O apartamento vazio de Paris alude ao fato de que uma trilha sonora ao volume visual da literatura? A invenção do fonógrafo
o Eu-narrador Dan Yack, estando em Paris, situou o fantasma da ilha inabitada permitiu que a fonotextualidade 329 aparecesse em um contexto totalmente novo
na forma do domicílio vazio e o explicou como sendo morada temporária de de viabilidade inter e transmedial. Tais possibilidades de criação de novos sistemas
uma vida que, ao fim, é sem morada. Aí ele tentará conduzir uma vida isolada de mídia acabaram por 'sugar' formalmente o escritor e promissor cineasta Blaise
como outra de suas personagens. Quem é que sobrevive nessa ilha-morada ainda Cendrars, tal como se dava com os casais que dançavam em seu incipit.
vazia no coração da Ile de France: as ilhas se sobrepõem infinitamente em sua De fato, as relações de som-texto e, portanto, as relações inter e transmediais
autossimilaridade e, como padrão fractal, são onipresentes. São sempre ligadas ao entre voz e escrita surgem em um texto anteposto quase como lema em "Les
insulamento de Dan Yack, que possibilita mais a sobrevivência que a convivência confessions de Dan Ytzck", mas não tomado de Ovídio, e sim certificado com as
de fato. Como slogan, Cendrars escolhe com cuidado uma passagem do Ars iniciais "B.C.", o qual é da maior importância para a interpretação de todo o
amatoria, de Ovídio, que acentua a oscilação peculiar entre amor e sofrimento, romance: "Quando as páginas de um livro serão audíveis? Ao trabalho, pobres poetas
entre viver em dois e a perda na convivência sempre almejada e, ao flm, impossível: que somos. Esta segunda parte foi falada ao ditafone; ela não foi escrita. Que pena que
"Nec sine te nec tecum I vivere possum'525 • Eis o princípio de vida fractal, observável não se ouça a voz de Dan Ytzck entre essas páginas'SJ 30 •
em todos os níveis, que pertence ao herói de Cendrars. Mas como é criado esse Se a segunda parte de Dan Ytzck realmente não foi escrita- como também
entre-espaço do nec-nec e como torná-lo comunicativo e habitável? havia sido dito na primeira edição de "Les Confessions de Dan Ytzck" - e sim
ditada ("entierement dicté au D!CTAPHONE' 331 ), é algo que certamente pode ser
colocado em dúvida, apesar de todos os protestos do autor332 • É claro, no entanto,
que toda a segunda parte está preocupada não só com a perda da mulher-criança
As vozes do herói, as vozes na cabeça e Mireille, mas com a perda da voz (e da corporeidade de uma respiration chaude):
uma transpersonalização transmedial Nem a voz de Dan Yack é audível "entre essas páginas", nem a voz de seu mestre é
perceptível, pois - seguindo o paratexto citado - teria utilizado um ditafone para
A abertura do primeiro capítulo de "Le plan de l'Aiguille"- e, portanto, de todo o o registro do texto.
romance- já não deixa dúvida de que o mundo sonoro é de importância decisiva Com isso, porém, estamos lidando desde o início em "Les Confessions de Dan
para o mundo romanesco em Dan Ytzck: Ytzck" - em nome de uma perda múltipla - com diferentes vozes. Por um lado,
Uma melodia retumbante do gramofone. há a voz do herói no nível de estar-feito do texto, que a partir das letras do livro
Movido pelos ventiladores do teto, o toca-discos arrastou os casais, torceu-os e jogou-os de acabado não pode mais ser retraduzida de volta a uma imagem sonora. E por
volta, deslizante e vertiginosamente. As vozes de todos os países da terra., os hinos de todas outro lado, há a voz do autor, também perdida, que alegadamente ditou seu texto.
as nações do mundo ressoavam. 326
A estas duas vozes, sem dúvida, adiciona-se pelo menos uma terceira, ou seja, a
Não só os caminhos do herói, também as vozes daquela sociedade internacional que - pelo menos internamente ao romance - foi gravada em um fonograma
exclusiva, que se reúne em São Petersburgo para arrebatadoras festas de arromba, durante a gravação e, como uma voz "sem corpo" do aparelho, serviu como um
modelo sonoro para a ex-crita.

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...l
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Se "Le Plan de l'Aiguille" estava subdividido em um total de trinta e cinco corpo-corporal, e na sua forma externa é independente do tipo e objeto (medial)
capítulos ou seçóes, então "Les Confessions de Dan Ytzck" é quase mecanicamente da gravação, armazenando tudo em um suporte sonoro acusticamente perceptível
formado por um total de nove fonogramas numerados (rouleaux)·H·\ que por e reproduzível. Isso permite uma nova escuta em que, na voz duplicada de Dan
seu turno, em sua imagem escrita, são subdivididos, datados ou oticamente Yack, como que se torna audível a ausência da voz de Mireille ("Eu deveria ter
categorizados por outros meios textuais de escrita. Na segunda parte de Dan ~ck, conseguido esse aparelho quando Mireille ainda estava doente. [ ... ]Com a ajuda
consequentemente, podem ser distinguidos diferentes níveis de comunicação- ou desse aparelho, ela poderia ter falado." 336) O próprio ditafone produz sons que
melhor, espaços de comunicação - com suas respectivas relações {inter e trans) Dan Yack percebe muito bem e chamam a atenção para o fato de que nesse nível
mediais. Ao mesmo tempo, eles são apresentados em sua dissociação e pensados não se trata, de modo algum, de uma "via unidirecional, comunicativa (no sentido
esteticamente em conjunto. Tendo em vista a materialidade das formas da troca, de reprodução "fiel, em qualidade high fidelity). O ditafone tem sua vida própria
a personagem do romance, Dan Yack, se comunica, em um primeiro espaço de (também acústica) desde o início: "O aparelho ronrona". 33i Um relacionamento
interação, com seu ditafone, que recebe sua voz (e sua respiração) e com o qual íntimo entre os dois se estabelece especialmente quando Dan Yack sente como
se liga em uma relação quase íntima. Para ele, o ditafone é o ponto de contato e perturbadora sua própria voz (corporal): "Minha voz me perturba. Eu coloco meu
aparelho de gravação e, portanto, um parceiro de diálogo e um aparelho técnico ao ditafone sobre meus joelhos e falo com ele suavemente, muito suavemente, como
mesmo tempo. Dan Yack não recita apenas seus próprios pensamentos e fantasmas, se fosse no ouvido., 338
que pode ouvir novamente, se desejar; ele também grava certos sons, como os da Quando Dan Yack escuta suas gravações feitas anteriormente, o dispositivo
chuva, que mais tarde reproduz com a ajuda do ditafone, para "preencher" o vazio não permite, de modo algum, ouvir a "própria, voz, mas uma voz desacoplada,
do interior do seu chalé com os sons e ruídos do espaço exterior. como que sem corpo- e precisamente alterada por sua não corporeidade- uma
Seria fácil associar o esforço de Blaise Cendrars para expor uma variedade de sons voz com a qual ele pode entrar em uma relação distante e, sobretudo, dialógica.
em seu romance com aquele esforço quase simultâneo do filme de Béla Baláz, Der Dan Yack provavelmente não chama a atenção aqui para o estranhamento ou
Geist des Films, de 1930, para tornar audível o que anteriormente fora ignorado: a estranheza de sua própria voz no sentido de Slavoj Zizek, que falava de uma
"lacuna intransponível'' (unbridgeable gap) entre o corpo humano e sua voz, ao
O filme sonoro descobrirá nosso ambiente acústico. As vozes das coisas, a linguagem íntima
da natureza. Tudo o que ainda fala fora do diálogo humano, ainda nos fala na grande
contrário de todas as noções tradicionais de uma complementaridade harmônica
conversa da vida e de modo contínuo afeta profundamente nosso pensamento e sentimento. entre "visão, e "som" 339 • Talvez o desconforto com a própria voz deva ser procurado
Desde o bramido das ondas, o barulho da fábrica até a melodia monótona da chuva de justamente na presença excessiva do próprio corpo nela, o que conduz Dan Yack
outono nos vidros escuros das janelas e o rangido do assoalho na sala solitária. Poetas líricos aos braços e ouvidos do ditafone. Pois é a distância criada por meio disso que
sensíveis descreveram frequentemente essas vozes significativas que nos acompanham ... O
filme sonoro nos permitirá ouvir mais profundamente. Ele nos ensinará a ler a partitura da lhe permite inscrever a morte de Mireille no silêncio, que por sua vez representa
orquestra polifônica da vida.33oi a morte e, portanto, permite tocar uma acústica paradoxal do emudecido, do
afônico, semelhante a uma voz fontasmagórica distante:
Nesse sentido, Blaise Cendrars é poeta e sonoplasta ao mesmo tempo. Além
da alteração da voz produzida pelo corpo-corporal com sua oralidade fictícia A voz de Mireille.
.. .A voz de seu senhor...
e da transformação de um ruído de fundo "natural" em um mundo sonoro

,d
Como posso dizer que Mireille está morta? Não quero esquecer nada.
tecnicamente reproduzível, há ainda uma terceira transposição medial, na medida Mas como eu posso dizer isso? 340
em que o personagem do romance toma em mãos o journal intime [diário íntimo]
de sua amada, o "Petit cahier de Mireille", - como Jacques-Henry Lévesque Assim, o silêncio dos mortos forma o fundo acústico de tudo o que é falado, tudo
enfatizou na citação de abertura- e o recita. Essa "duplicação" certamente tem que é escrito acusticamente. A dimensão material dessa comunicação encontra
um caráter experimental e poetológico: sua expressão concreta não apenas nos aspectos que acabamos de discutir, mas
também no fato de que o próprio fonograma aparece em sua materialidade, em
Eu faço o aparelho funcionar de trás para a frente. Pressiono um botão e logo ouço minha
voz sair pelo cone. Estou ocupado lendo em voz alta o pequeno folheto de Mireille, e o seu caráter como artefato. Ele pode ter defeitos devido a uma ruptura mecânica
aparelho grava. Dessa forma, ouço-me duas vezes, primeiro quando dito e, em segundo ou a um defeito técnico que distorcem a gravação da voz do falante. Mas o
lugar, quando o aparelho repete o que acabei de ditar. 335 rouleau também pode se tornar o portador de uma mensagem, já que Dan Yack
junta a uma remessa de gravações um cheque à sua secretária, que ele enrola na
Com isso, um texto escrito, que internamente ao romance é alógrafo, ou
cavidade desse portador produzido industrialmente. O suporte sonoro gravado
seja, não foi escrito pelo protagonista masculino, é transformado em uma
por meio da interação entre Dan Yack e seu ditafone torna-se, consequentemente,
gravação acústica em um suporte sonoro com a ajuda da voz masculina de seu
em múltiplos sentidos, um veículo para mensagens: Por um lado, ele armazena

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os modelos acústicos que a secretária empregada por Dan Yack, que é sempre de um texto datilografado. No decorrer dessa cadeia de comunicação, tanto a
reiteradamente interpelada de maneira direta em suas gravações, tem de digitar, corporeidade da voz - e suas transformações - como também a corporeidade do
mas também contém mensagens adicionais, que são possíveis graças ao envio manuscrito são perdidas através da transformação para a escrita à máquina quase
postal dos meios de armazenamento. "anônimà' - embora em itálico no romance - da jovem dactylo parisiense. Essa
A partir dessas reflexões, flca claro que o espaço de comunicação entre Dan dupla perda de dimensão corporal é parcialmente compensada pelo fato de que a
Yack e seu ditafone, por sua vez, está vinculado - embora de forma alguma secretária é com frequência abordada explicitamente como destinatária de Dan Yack
exclusivamente- a uma relação utilizadora de diversas formas de comunicação e recebe um cheque do inglês rico para comprar roupas femininas ou perfumes de
entre Dan Yack e sua secretária. Entre ambos se estabelece um segundo espaço sua escolha. Mas esse movimento contrário à sua desincorporação não impede que o
de comunicação. A interpelada frequentemente como Mademoiselle transforma resultado final da escrita ou da impressão do livro seja caracterizado por uma perda
as reflexões orais de Dan Yack e o diário de Mireille, recitado por ele, de uma radical, que o texto introdutório já citado lembra a cada leitor. O apelo "Pauvres
gravação acústica em um documento escrito, em que aliás também são marcados poetes, travaillons" 343 [Pobres poetas, trabalhemos] é dirigido não apenas aos colegas
ou sugeridos sons - ou um incompreensível "rumor da língua" -, por exemplo, escritores, mas também ao público leitor.
com a ajuda de linhas pontilhadas. Se analisarmos a conexão dos dois espaços de Justamente nesse nível, no entanto, junta-se um quarto espaço de comunicação,
comunicação que são estabelecidos com o auxílio dos suportes sonoros enviados que se estabelece no sentido de uma troca entre o autor real e o público leitor
pelo correio, mais precisamente no nível interno do texto, descobrimos, em real. Como o suporte sonoro permite a conexão entre o primeiro e o segundo
primeiro lugar, que o "Petit cahier" atribuído a Mireille representa a simulação de espaço de comunicação, a secretária parisiense forma uma estação retransmissora
umjournal intime, no qual Mireille, de acordo com o gênero, entra em um espaço crucial na cadeia de comunicação inter e transmedial: mediante a criação do texto
próprio de comunicação consigo mesma por escrito, o que serve essencialmente escrito, sua transcrição permite uma relação não só entre a personagem do autor
à autocompreensão da personagem do romance de Cendrars. Poder-se-ia falar interno ao texto e os possíveis personagens leitores internos ao texto, mas, em
aqui de um terceiro espaço de comunicação predisposto, que internamente ao um nível externo ao texto, abre a conexão entre o autor real e o público leitor
texto é anterior a todos os outros e forma uma espécie de livro de vida, que real, que torna fértil a reflexão paratextual da perda de voz e corporeidade para
abrange d~sde~a primeira. infância até a morte próxima de Mireille. A esse espaço o próprio processo de leitura. A formação desse quarto espaço de comunicação
de com~m~çao ~tecedido do journal intime de Mireille, no entanto, ligam-se revela-se uma continuação lógica dos processos de descorporificação observáveis
desde o. IniCIO do Rouleau deux bis"341 [rolo dois bis] as palavras de Dan Yack, no segundo círculo. Na medida em que a voz do herói é conservada no suporte
que se Impõem sobre as de Mireille ou com elas se misturam. Essa adaptação escrito e absorvida no texto escrito, ela está perdida como voz - com seu tom
vocal do "Petit cahier" de Mireille caracteriza a forma de apresentação deste específico, seu timbre, sua acentuação, mas também com sua respiração -, bem
terceiro espaço de comunicação, o qual é marcado de modo reconhecível até a como a voz do autor e a voz descorporiflcada da recitação. Se o romance Dan
numeração dos suportes sonoros: a voz feminina permanece audível in absentia Yack tivesse sido realmente ditado de forma análoga a essa no quarto espaço de
sob a voz masculina. Porque logo no início desse livreco ( Cahier), ela é quem comunicação - como afirmado no paratexto -, a presença de corpo e voz na
canta uma serenata de aniversário para o pai: "Petit papa, c'est auiourd'hui ta transposição medial para o suporte de escrita e impressão seria irrecuperavelmente
fl-e.,!i-e"342 [Papaizm
.. h h . , "./
o, OJe e teu aniversário]. Especialmente na sonorização dessas ocultada. Consequentemente, o texto estaria, assim, desprovido de voz?
passagens -e: po~t~~o, na _dimensão textual sonora e fonográfica - o processo de A falta da dimensão acústica da literatura, que geralmente é ignorada - e
transperso~a:tzaçao e meqUlvocamente marcado. Esta transpersonalização e uma também raramente refletida na teoria literária -, é chamada à consciência
transmedialidade fugaz, quase centrífuga, que não possui uma morada medial do público leitor em "Les Conftssions de Dan Yack", repetidamente e nas mais
flxa, correspondem uma à outra ou se correspondem entre si. diversas formas. A eliminação da presença do corpo na escrita pela invenção e
Como essas transições transmediais podem ser descritas com mais detalhes? O aplicação da tipografia e a supressão da voz pela transição para a leitura solitária e
meio utilizado no journal intime de Mireille é a escrita, mais precisamente: a escrita silenciosa na modernidade europeia são tacitamente lembradas dessa maneira em
à mão. Essa écriture manuscrita é transformada em uma língua falada por Dan Yack Dan Ytzck e tematizadas como um manque grave. Ao mesmo tempo, no entanto,
através de uma leitura solitária, mas não silenciosa, em que a "voz feminina" que na passagem introdutória assinada com B.C. É esboçada a possibilidade de uma
aparece na caligrafia do "Petit cahier" é transferida, devido à verbalização e, portanto, futura produção de "páginas sonoras", ou seja, de páginas de livro audíveis. Seu
à corp~riflcação at~avés de Dan Yack, em uma voz masculina, que é registrada desenvolvimento, no entanto, não é encaminhado aos engenheiros de som ou a
pelo dttafone e, assim, convertida em uma voz talvez "descorporiflcada", mas não um novo Edison, mas principalmente aos próprios poetas, entre os quais o próprio
assexual. O suporte sonoro enviado a Paris é digitado lá por uma secretária, que Eu- "Pauvres poetes, travaillons"- também se inclui. Especialmente os poetas e
traduz a recitação masculina do manuscrito feminino para a transcrição feminina sua arte da lírica, que desde o início decorre da música, são responsáveis pela
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recuperação de uma dimensão acústica ou acustomotora da literatura, ou seja, que sobre essas perdas que surgem por causa da redução a vozes descorporificadas e
inclui som e música, mas também respiração e ritmo 344 • Eles são chamados a fazer a supressão do corpo-corporal pela escrita. No terceiro espaço de comunicação,
ressoar a{s) voz{es) na cabeça, no corpo do leitor. essa escrita que oculta os entrelaçamentos do corpo e do corporal no sentido de
Mesmo que a voz de Dan Yack "entre as páginas" do romance não seja ouvida Helmuth Plessner348 , é ampliada pela presença de uma escrita à mão e, portanto,
à maneira de um texto sonoro, um fonotexto no sentido mais estrito (em que os corporal no journal intime de Mireille; por sua vez, ela é aberta fonotextualmente,
sons e a escrita, a textualidade e a expressão tonal se conectam entre si de forma uma vez que na imanência do texto Dan Yack, ao ler em voz alta o "Petit cahier",
inseparável), ainda assim não pode haver dúvidas de que a dimensão fonotextual incorpora a escrita (à mão) de sua amada, por assim dizer.
é onipresente no Dan Yack de Cendrars, como já vimos. Poder-se-ia falar aqui- O quarto espaço de comunicação, que é mantido como que no limiar entre
analogamente à arte linguística de outro escritor suíço - de uma "Ohralidade" as instâncias de comunicação imanentes e externas ao texto, devido à localização
de sua escrita345 - ou também do escritor como Autoh r.* Esta dimensão é de paratextual de "B.C.", parece ser moldado inteiramente pela escrita da comunicação
importância central para o primeiro espaço de comunicação, na medida em que literária. No entanto, pela tematização da perda de voz e corpo (sonoro), ele
o trabalho de escritor de Dan Yack com o ditafone se desenvolve em um nível também abre uma dimensão fonotextual, cuja concretização está agora nas mãos
puramente fonotextual, e o inglês utiliza as possibilidades técnicas específicas do (e ouvidos) de um público leitor que se conscientiza sobre a redução sensual e
aparelho de gravação tanto para a sua écriture à haute voix, como também para a estética de uma comunicação literária exclusivamente visual. Assim, o texto
configuração da sua vida solitária no chalé em sua ilha de montanha. Poder-se-ia escrito está diante dos olhos das leitoras e leitores como uma partitura, que exige
falar aqui de uma prática de escrita naquele sentido (prazeroso), como Roland uma lecture vocale, uma entoação, não importando se ela é expressa em uma voz
Barthes o desdobrou no final deLe plaisir du texte, para o qual abriu a dimensão interior ou uma corporificação em voz alta: "Quando as páginas de um livro serão
especificamente acustomotora e, assim, exigiu a presença do corpo-corporal - que audíveis?'' 349 Aqui, em uma espécie de interpretação performativa- e emulando
será retomada - para o texto, que constitui a condição decisiva para a superação Dan Yack- o leitor poderia se tornar o porta-voz do texto escrito.
consciente da textualidade prevalecente: Enquanto o "Petit cahier" como forma de escrita autobiográfica baseia-se no
"pacto autobiográfico", no sentido de Philippe Lejeune350 , havendo também um
Se fosse possível imag.inar uma estética do prazer textual, então ela teria que incluir a escrita pacto autobiográfico nos dois primeiros espaços de comunicação ligados um ao
em voz alta. Essa escnta vocal (que de modo algum é mencionada) já não é praticada, mas
outro por meio dos suportes sonoros entre Dan Yack e sua secretária (e ouvinte)
é certamente o que Artaud recomendou e Sollers exige. Vamos falar sobre isso como se
existisse.346 parisiense, na medida em que a jovem senhora identifica o Eu com a voz de
seu senhor e empregador, não há um pacto autobiográfico no quarto espaço
O desenvolvimento de uma estética sonora a partir da voz, que também poderia comunicativo, mas um pacto romanesco de tipo friccionai. Assim, uma análise do
ser chamada de estética fonotextual, não remonta, em vão, às vanguardas texto, por exemplo, em relação às datas já mencionadas, mostra inequivocamente
históricas para as quais Barthes menciona representativamente Antonio Artaud, que há referências autobiográficas, mas que o Dan Yack imanente ao texto não
já que exatamente em seu ambiente imediato, mas também durante as primeiras deve, de forma alguma, ser equiparado e identificado com o Blaise Cendrars
décadas do século XX, em geral, as artes do discurso voltaram a surgir fortalecidas externo ao texto. De fato, não se trata de Les confessions de Blaise Cendrars, mas
e tornaram-se conscientes347 • O período de escrita de Dan Ytzck, entre 1917 e 1929, de Dan Yack, em que, com vistas ao protagonista, se poderia falar realmente de
marcou- como já indicado- o processo de uma lenta despedida do esc ri to r suíço da uma confissão de ouvido (gravada por dispositivos de armazenamento de som).
vanguarda histórica, com cujos gesto e autoexpressão, no entanto, ele permaneceu O estudo dos diferentes espaços de comunicação em "Les confessions de Dan
em grande parte comprometido. Assim, o primeiro espaço de comunicação Ytzck" tentou provar que eles são caracterizados por constelações fonotextuais e
representa ao mesmo tempo a fertilização dos potenciais das artes discursivas autobiográficas respectivamente diferentes e, portanto, têm uma autonomia
de vanguarda, bem como a utilização de todas as possibilidades criativas que a relativa, mas ao mesmo tempo são ligados uns aos outros pela voz de Dan Yack.
obra de arte oferece na época da sua reprodutibilidade técnica - e especialmente Os caminhos dessa voz do herói, que a partir da sua ilha alpina no maciço de
acústica. Pois não em vão foram também esses os anos de desenvolvimento do Mont Blanc se lembra de sua vida passada, seu exílio da high society internacional e
filme sonoro, cujo avanço espetacular (embora não incontestável) fez com que a suas habilidades de sobrevivência nas ilhas mais diversas, não se vinculam em uma
impressão de livros parecesse uma arte muda, uma arte sem trilha sonora. vida contínua, mas adicionam-se formando um padrão caracterizado por uma
O segundo espaço de comunicação, localizado entre a voz armazenada em multiplicidade de fraturas dentro das quais a voz possui relações muito diferentes
suportes sonoros em uma linguagem oral fictícia e sua transmissão datilografada com o corpo. A descontinuidade e a fragmentação desses caminhos da voz não
por uma secretária, desenvolve a dimensão fonotextual no sentido de conscientizar se referem apenas às diferentes traduções inter e transmediais aqui esboçadas, mas
* Em ambas as palavras encontra·se o termo "Ohr" (ouvido). (N.T.) também à violência que está subjacente a essas transformações. Pois a recitação

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Dois. Simulações Dois. Simulações

unificadora dos espaços e dos tempos distintos feita por Dan Yack evidencia-se O modo de escrever de uma écriture à haute voix que desde o início se distingue
como o ditado de uma voz corporal que se torna como que descorporiflcada - e grava - fragmentário, perpassado de catacreses, conta a história de um
pela gravação, mas ao mesmo tempo, através do seu ditado, coloca o corpo encontro casual erótico que é interrompido pelo Eu masculino exatamente no
da secretária em movimento. Seus dedos, por sua vez, não deixam sua própria instante da aproximação dos corpos provocada pela mulher. Porque o olhar do
escrita à mão, mas são apagados pela escrita à máquina que eles produzem. Eu cai não apenas sobre partes isoladas do corpo feminino nu, mas também
As descontinuidades e quebras multiplicadas que caracterizam o caminho e as sobre a corneta aberta de um gramofone Pathé que se lhe oferece e sobre aquele
vozes, bem como o caminho das vozes do herói, originam um padrão fractal - e cachorrinho famoso que na vitrine ouve His Master's Vóice vinda da corneta de
não apenas fragmentário - de uma escrita colocada em cena internamente ao um gramofone e - já desde 1902 funcionando como marca de uma grande firma
texto, que, justamente também em relação à integração de diferentes sentidos e de discos353 - a reconhece como ''A voz de seu senhor". A infidelidade erótica
percepções sensoriais na literatura, fica totalmente sob o signo da fonotextualidade iminente, consequentemente, concorre de modo muito próximo com a fidelidade
e do nomadismo transmedial. do cachorrinho e com a High Fidelity do gramofone, que arrasta rudo em seu
feitiço. A corneta aberta, em uma metonímia medial, quase toma o lugar da boca
levemente aberta da bela desconhecida: A comunicação direta e eroticamente
carregada de bouche à oreille é interrompida.
As vozes do senhor, a simulação da O Eu apenas queria ouvir melhor as palavras da transeunte tentadora,
própria vida e o mistério da arte mas casualmente vê a marca da fidelidade sonora de uma grande empresa da
indústria musical que se desenvolvia rapidamente naquela época. A escuta do
O Rouleau un de "Les Conftssions de Dan láck" começa, após um ruído da cachorrinho está inconfundivelmente associada à obediência354 , mas aparece nesse
gravação, sinalizado por meio de pontinhos, e uma primeira datação em "Le Plan cenário simultaneamente em sua ligação com a servidão. Porque a relação de
del'Aiguille, le2Jjanvier 1925" [Plan de l'Aiguille, 21 de janeiro de 1925]- por dependência expressada em His Master's Vóice, que encontrou sua crítica talvez
meio da qual é enfatizada a relação inicialmente intratextual e posteriormente mais afiada no veemente antifonocentrismo de Jacques Derrida, na medida em
cotextual com a primeira parte do romance, "Le Plan de l'Aiguil/e" -, com as que o pós-estruturalista francês imaginava perceber inevitavelmente o poder da
lembranças de Dan Yack, da "época talvez mais bela da minha vida" 351 • O Eu autoridade atrás da voz próxima, liga não apenas a escuta com a obediência, mas
segue uma mulher jovem que lhe havia sinalizado seu interesse erótico por meio também com a servidão (erótica).
de sinais inequívocos em plena rua até que o movimento de ambos encontra um

r
O Eu masculino, porém, renuncia a essa dependência erótica que se anuncia ao
fim ao mesmo tempo surpreendente como abrupto diante de uma vitrine: fugir da voz da mulher e se refugiar na loja de uma firma de discos, onde os fones
J:. ~ulher que me arrasta atrás de si para repentinamente diante de uma vitrine, e quando me de ouvido (Kopjhorer) protegem o jovem senhor (e obcecado- KopfHiirer) das
mdmo sobre ela para entender melhor o que ela me diz, meus olhos, que olham por sobre palavras da atraente desconhecida, da mesma forma que uma vez Ulisses soube se
seus ombros, por sobre seu pescoço, por sobre sua nuca nua, caem sobre um gramofone proteger dos sons tentadores ao entrar no território das sereias. O olhar sobre a belle
meio aberto: His Masters Vóice, A voz de seu senhor. inconnue através do vidro da vitrine, ao contrário, não é perigoso, já que a oferecida
Eu retorno.
corporalidade da mulher, há pouco ainda tão tentadora, agora moveu-se para uma
A mulher me segue.
distância que, pelo sensoriamento remoto do olho, não pode mais tornar-se perigosa
Sim, é mesmo, de qual senhor? Qual voz? O pequeno Foxterrier lhe obedece; mas Pepita?
Um pouco adiante vou até a Pathé. Estou aqui todos os dias. Eu coloco um franco no
para o Eu. Uma vez que ele resiste, resignando-se a uma percepção apenas visual,
a~arelho,. e seguro os fones nos meus ouvidos. Os aparelhos ressoam, ressoam, ressoam não à tentação de passar para o outro lado da vitrine e ainda mais uma vez chegar à
set o que. Eu presto ~tenção à melodia do vizinho. Meus olhos caem sobre a mulher, que proximidade sedutora do corpo e da voz, também o olhar da mulher se apaga como
ag~ra P:Uou !a _fora ,dt~te da vitrine da Pathé. Eu sempre me sento junto ao aparelho que um farol de carro desligado: 0 Eu mudou de lado e passou da voz ancorada ao corpo
esta mats proxtmo a vitrine, pois eu amo olhar a avenida e simultaneamente ouvir o meu
disco. desejável para a voz desacoplada, sem corpo, dos aparelhos de som e fonogramas. E
A mulher se afasta, ela escorrega, escorrega, se volta. Sua face, desligada como um farol. com essa mudança, o Eu que dita essa passagem desloca-se do lado do cachorrinho
Lembro-me hoje que ela provavelmente deixou cair algo ao afastar-se. Por que eu não corri para o lado do Master, cuja voz sem corpo tem uma relação hierárquica com o
atrás dela para erguê-lo e levá-lo para ela? Lembro-me de como ela ergueu seu olhar para destinatário, portanto com a secretária, com os ouvintes e obedientes, mas não
mim. Ela tinha olhos grandes. Mas o seu olhar era ...
subservientes em razão da falta de corporalidade. O Eu não está submetido às vozes,
... P~nsava frequentemente e~ tantas coisas. O que está acontecendo? Eu amo partir. Passei
ao contrário, exerce domínio (e se domina) sobre a voz.
a n?tte procur~do por aqmlo que eu gostaria de ter sido nos diversos países do mundo. No segundo fragmento do primeiro ditado, que se segue, o movimento que estava
Asstm eu gostana tanto de ter sido ... 352 submetido ao encontro casual com a bela desconhecida é novamente retomado. O

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Dois. Simulações Dois. Simulações

ir-se embora (mm a/ler), que chancelou o rompimento da relação que se iniciava sabe invocar imagens não apenas hipotipóticas, mas também sonoras na cabeça
e seu contrato erótico na verdade já fechado, é relacionado aos movimentos e de seus leitores - e especialmente ao remeter para suas condições e limitações
múltiplas viagens do Eu- os quais investigamos mais detalhadamente na primeira midiáticas. A trilha sonora do livro silencioso é executada na própria cabeça da
parte deste capítulo. Esses movimentos mundiais, porém, estão acoplados com leitora e do leitor. Por isso a constante tematizaçáo de efeitos de interligação e
possibilidades de vida e trajetórias de vida respectivamente diferentes e não percepções simultâneas que perpassam o romance em toda sua extensão. O poeta
conectadas entre si: Em cada país do mundo, em cada uma das ilhas em que e romancista torna-se um técnico de som para um público leitor que, com o filme
o protagonista morou, se lhe apresentam- como uma vez ao Ulisses errante e sonoro, havia recentemente conhecido um sistema de interconexão midiático da
perseguido- outras possibilidades de existência. Em cada lugar, uma máscara de arte que ainda estava no início de sua marcha triunfal através do século XX. O
papel diferente, uma outra persona se impõe ao viajante: Essa transpersonalização, surgimento de Dan Ytzck ocorre nos anos das esperanças, mas logo também das
a constante mudança das máscaras e personalidades, está ligada a um movimento decepções, que ligavam Cendrars à nova mídia do filme. Assim, o romance pode
infindável que- como vimos - teve sua partida na cena inicial da primeira parte ser lido também como poética midiática imanente sob a aparência de um texto
do romance. Por meio da cena inicial da segunda parte do romance são agora em muitos aspectos friccionai, oscilante entre ficção e dicção.
introduzidas as sequências comunicativas dessa ex-ile, dessa situação insular. Na Diante do cenário desses circuitos midiáticos e interligações explica-se a
superposição de ambos os incipit é demonstrada essa insularização multiplicada: importância do efeito de eco com o qual Dan Yack joga de modo experimental.
Pois no mundo insular fractal de um Eu exilado, expatriado, toda comunicação, Assim, ele se dirige diretamente à sua secretária e lhe esclarece a diferença entre
também a literária, está perpassada pela perda do corpo e da corporeidade. Nela gramofone e ditafone: "Se a Senhora ama o gramofone, então vou lhe providenciar
é inevitavelmente registrada não apenas a escrita à máquina da dactylo, mas o envio dos discos mais novos à la mode, mas o que acha desse aparelho,
também a voz sem corpo do ditador, a ser enviada separadamente do corpo, em Mademoiselle? Para mim o ditafone é um aparelho que reaviva todos os ecos" 355 •
fonogramas. A estrutura espacial autossemelhante, fractal, de um mundo insular Blaise Cendrars poderia ter afirmado isso cenamente também acerca da literatura,
descontinuado é mantida na consciência, em Dan Ytzck, e transposta para a já que ela incluía e possibilitava também a ele todos os possíveis efeitos de interligações
descontinuidade da literatura transmedial, que atravessa diferentes mídias, com -tanto no campo intratexrual e cotexrual como no intenextual. Dan Yack sem dúvida
suas quebras entre escrita e voz, entre ótica e acústica. Certamente, o apito dos mostra à sua distante Mademoiselle, tomando como exemplo a frase francesa '']e vous
trens no vale abaixo lembra a Dan Yack sempre de novo que o trem de volta, a aime" dita por ele, todas as variações e possibilidades técnicas da aceleração e distorção
retirada para Paris, é uma possibilidade para ele. Não haverá, porém, um retorno de sua gravação356 • Atrás da distorção e dissimulação dessa frase torna-se audível o
desse Ulisses à mulher amada por ele e ao trabalho textual e têxtil dela- como o amor e atrás da pessoa da secretária, a figura - ou uma das muitas figuras- da mulher
final do romance já mostrou. A ele só resta o retorno árido a um país estrangeiro: amada, porém não mais acessível. Direcionado autobiograficamente: no centro
a um apartamento vazio, com uma criança órfã adorada originária do exterior e vazio dessa escrita sem morada fixa encontra-se o trauma (e fantasma) da mulher
que o contempla com os olhos do amor perdido. amada que morreu e não pode mais ser recuperada para a vida. O rastro de Hélene
E, no entanto, nessa dupla perda reluz a utopia de uma literatura que, da Kleinmann, que morreu em um incêndio no quarto em São Petersburgo em 1907,
mesma forma, se encontra e se recria em seu mundo insular fractal, como em conduz - como formulou Maria Teresa de Freitas - "através de todo o labirinto" das
seu pendular transmedial incessante entre diversos meios de som e de escrita, obras de Cendrars-3 57 - e suas cinzas ficaram preservadas no pseudônimo escolhido por
em se~pre novos papéis e rouleaux. Dan láck é um livro da mais alta qualidade Cendrars-3 58 • Blaise-Cendr-Ars, este nome do criador de uma arre-de-cinzas-brilhantes,
sensonal, o qual comprova maior sensibilidade justamente no campo acústico. ponanto, capta vozes que há muito estão silenciadas e que nenhum rádio, por mais
Seria difícil comprovar uma dominância de olho ou ouvido, sensação facial moderno que seja, seria capaz de receber:
ou auditiva no romance de Cendrars; em vez disso, ambos os campos estão
]e vous aime!, deixo-o dizer. Depois deixo o aparelho repetir isso em reprodução acelerada,
entrelaçados de forma complexa em seu respectivo sentido próprio. Em Dan Ytzck, então retardada: "J'v'zaime!" e "JJJJJJJJeeeeeeeeuíulínluíulv
a literatura se estabelece exatamente na interseção, quase no ponto surdo entre a ououououououououzzzzzzzzzzzzzz.êeeeeeeeeeeeeeeeeeeemmmmmmmmmmmmmmmeu!" 3 ~ 9
onipresença do gramofone e aquela de fonógrafo e ditafone: entre a possibilidade
de acessar um material previamente armazenado - seja em gravações em disco de Sem dúvida: Esse ditafone também armazena vozes do além, cria um espaço
vinil ou, por vezes, também em cenas acústicas da maior violência- ou (como no de eco no qual as vozes do amor e da morte há muito tempo passadas (aliás,
caso do ditafone) criar pessoalmente uma trilha sonora e interagir com ela. da morta ainda amada) podem se tornar audíveis novamente. Assim, são vozes
Nesse jogo que atravessa diversos meios, cabe à literatura um papel central, fantasmas que em sua distorção são transpostas aqui em uma imagem escrita,
porque tradutor. Ela possibilita - como no caso da morte de Mireille - que fonotextualmente quase obriga sugestivamente o público leitor a movimentar
simultaneamente dizer e não dizer a perda (da voz): Ela é o meio silencioso que suas próprias ferramentas de fala e fazer ressoar uma imagem sonora própria desse

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Dois. Simulações Dois. Simulações

fragmento por certo mais conhecido e popular de uma linguagem do amor. da jovem mulher, pelo seu corpo-ser, sua corporalidade convulsiva, estremecida,
Em Dan Yack, a linguagem do amor está ligada indissoluvelmente com visualmente menos perceptível, e não apenas pelo seu corpo-ter, sua beleza
a linguagem da morte. Essa fusão (sempre precária, até "explosiva,) de Eros e feminina semelhante a objeto, fácil de colocar na imagem. Os close-ups óticos de
Tanatos também vale para a lolita Mireille (seu nome indica sua procedência Lefauché são completados consequentemente por meio de close-ups corporais que
francesa sulina), cuja morte Dan Yack lamenta- e todavia ajudou a causar de iluminam implacavelmente e colocam em cena não mais apenas a linguagem,
alguma maneira não exatamente comprovável. A ascensão de Mireilles a estrela mas sobretudo as manifestações do corpo. Mireille cai, por assim dizer, em um
de filme, a heroína das salas de cinema, apoiada financeiramente pelo inglês estrangulamento midiático de Lafauché, que a acossa diante da câmera ligada: Ela
rico, é bem sucedida sob os auspícios do diretor Lefauché, cujo nome descritivo se torna uma estrela que, no entanto, se apaga rapidamente, queima no foco de
sem dúvida não sugere nada de bom. Por mais que possamos fazer uma réplica uma arte impiedosa.
crítica, mesmo irritada, de Abel Gance e seu projeto de filme no maciço de Mont O louvor inescrupuloso e simultaneamente de mudança de gênero do diretor
Blanc, para além dessa biografia da vida de Cendrars, é muito mais importante para sua atriz dilacerada em seu sofrimento- '"Cest tres bien, mon petit, tres bien
para o nosso assunto seguir mais de perto, na mulher-menina e figura-artista ainsi!" 363 [Muito bem, minha pequena, está muito bem assim!] -já aponta com
Mireille, o processo da transpersonalizaçáo no meio fílmico. Pois, não por acaso, antecedência aquela constelação que irá trazer para Mireille em seu próximo e
ela desempenha o papel de uma mulher criada artificialmente (e assim também simultaneamente último filme a morte há muito anunciada e representada.
falando artificialmente360) na filmagem de L'Evefuture (naturalmente ainda muda), Pois a filmagem de Gribouille, realizada por sugestão de Dan Yack, vai exigir
de Villiers de l'Isle-Adams, oriunda do ano de 1886. Todos os outros envolvidos de Mireille não apenas uma transpersonalizaçáo extrema, mas também uma
no filme, conforme Mireille em seu diário sobre sua atuaçáo como atriz, transexualizaçáo, uma mudança de sexo que lhe é inerente e consequentemente
dilacera seu íntimo (andrógino). Mireille confidenciará apenas ao seu diário que
tinham visto como eu lutava, repetia centenas de vezes não uma cena dramática, mas apenm o desde sua infância sempre quis ser um menino e, nesse desejo secreto, se vê agora
a"anjo de um gesto simples ou de um movimento adotado, sim, menos ainda que isso, ou seja,
ensaiava um simples pulsar, por exemplo, o inicio de um primeiro movimento das pálpebrm ou de perscrutada e simultaneamente exposta publicamente diante do olho da câmera
u'?"' primeira dilatação das pupilas, à qual eu habilmente adiantava uma lágrima, para a partir pelo seu "grande", por Dan Yack364 • No final de seu diário encontra-se, assim,
dw~ formatar um olhar (eu sofri esse martlrio mês após mês, pois tive que interromper minha a repetida confissão de ser uma filie manquée, uma "menina perdida''365 - e a
respzração, diminuir minha circulação sanguinea, todos os meus sentidos, para atuar pálida como morte, o emudecimento, o silêncio sugerido no texto escrito por meio de uma
cadtJ_ver, inanimada, sem sentimento, enquanto durava a comtituição da mulher artificial e sem
a mmha doença cardiaca e esta desintegração mais intima, que me atingiu pouco a pouco, eu linha pontilhada, o barulho do ditafone. MireUle seguiu a voz de seu senhor-
nunca teria podido alcançar essa alienação completa da minha personalidade, essa neutralização e criador de uma femme artificiei/e; e com a voz de seu senhor que lhe trará a
de todo o meu ser, essa insensibilidade latente, essa prefiguração de uma espécie de morte mística, morte, o fonograma para. A arte de movimento do filme estagnou. O movimento
que eu consegui incorporar na tela), e tudo isso para o público em todas as capitais do mundo, transexual que tão frequentemente alucinava o próprio Dan Yack ao ver-se no
que transformou esse filme em um triunfo. 361
papel de uma secretária ou condutora de bonde, desferiu em Mireille, na figura
O triunfo do filme e da atriz logo se revelará um triunfo e uma crônica de uma de Dan Yack, o golpe mortal. Ela não conseguiu sobreviver à mediatização de seu
morte anunciada, já que o processo de transpersonalizaçáo de Mireille em uma mais profundo corpo-corporal.
mulher artificial roubou todas as forças da atriz e consumiu todas as suas energias. Ao contrário de Dan Yack. Ele compartilha com seu criador Blaise Cendrars
A prefiguração e - mais ainda - simulação de uma morte mística converte-se na uma imaginação insular e vetorial366 que nunca descansa, mas pode encontrar seu
vida e transforma-se em uma vida para a morte, à qual Mireille, tornada atriz de retorno- como em Bourlinguer- apenas em movimento. Por isso, não surpreende
sua própria vida, não consegue mais escapar. Lefauché- um obcecado como quase que a estética e poética desenvolvidas por ele - que de forma alguma se limitam
todas as figuras artísticas de Cendrars- interpreta e explora implacavelmente e de a teatro e filme - repousem sobre o movimento. Assim, em seu diário, Mireille
maneira sádica o corpo-corporal de sua atriz: anotou uma declaração - e, portanto, a voz - de seu senhor: '"O equilíbrio está
no movimento', dizia ele, 'se você não se movimenta, então você posa. Nisso está
Ele ~onseguiu espremer lágrimas de mim, fazer-me de"amar verdadeiras lágrimas, que ele
preczsava para seus close-ups. Assim que ele descobriu essa habilidade, ele a explorou ao excesso.
tudo. Nisso está todo o segredo do cinemà"367• A inatividade é pose, artificial e
Logo minhas lágrimas jd não eram suficientes para ele, ele precisava de um choro, um soluço, falsa: movimento, porém, é o segredo da arte.
uma convulsão nervosa de choro. Ele conseguiu uma exaustão interna completa de todo o meu Essa estética vetorial, no entanto, é obtida - como Meirelle aprende de seu mestre
ser, uma profont/4 desola;áo. 362 - não do métier ou de uma determinada escola ou corrente, mas simplesmente da
vida: "Ele havia observado exatamente todos os sentimentos, todas as formas de
Uma lágrima facilmente visualizável já há muito não é mais suficiente: É
expressão das pessoas na vida cotidiana."368 A vie courante- e nessa fórmula se infiltra
inconfundível que o diretor masculino aqui se interesse especialmente pelo corpo
inesperadamente o movimento - em seu significado vetorial, que salva todos os

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Dois. Simulações

l movimentos do passado, bem como os do presente, está no centro da arre de Cendrars.


Nesse tecido vivo, mas complexamente intrincado, a di mensão fono tex:rual não deve
, l<'
. -
; ·• ,:;;
·.·

I ser ignorada, já que a literatura, para Cendrars, é claramente um espaço-eco em que


os caminhos e as vozes, as voix e as voies, refletem-se acusticamente-36 9 • A estética de
\.......
~.
,•1
._. ·,
Cendrars é ancorada programaticameme na vida e, mais ainda, em um conhecimento
de vida que está consciente de sua complexidade sensual e medial e sabe que - ao Três. Translações
menos para o próprio escritor e autohr swço - sempre é simul taneamente também Com palavras do outro:
um conhecimento de sobrevivência. A interpenetração de biografem as e lendas, os
frutos da leitura e as experiências da própria vida, podem p rovar em que m edida Blaise
A tradução literária como EscreverEntreMundos
Cendrars vive a literatura, especialmente no poder de sua simulação. A revogação
vanguardista de uma separação de arre e vida torna-se, no pensamen to e na escrita de
Cendrars, o ponto de partida de uma prática artística que relaciona seus movimentos O trad u to r literá rio com o ser pré-moderno
num espaço insular, fracta!, com os movimentos entre os gêneros, como os sexos,
mas sobretudo entre os meios de comunicação. Em rodos esses níveis, a simulação Em nossos tem pos pós-modernos em ocaso, o tradutor detém algo que outros
de uma escrita sem morada fixa é o verdadeiro segredo da arre desse Blaise Cendrars
que se encontra sempre em movimento. A inarividade só pode significar uma coisa
nesse tipo de arte: o emudecimento, o silêncio, a morre. O u a "comunhão com a
morte" (in dependentemente se com ou sem voz fantasma), em úl tim a instância, não é
produtores de cultura há muito parecem ter perdido: um original. Se deixarmos
de lado o interessante caso da aurotradução, esse original é para ele o outro pura e
simplesmente, cujas palavras ele é chamado ou contratado para verter ao próprio,
à própria língua. O tradutor literário ou a traduto ra literária - e somente deles se
3
mesmo ainda e sempre uma "comunhão com a proliferação da vida"370 ? Dan Yack de tratará neste capítulo - lida, ao menos à primeira vista, com algo à sua frente que é
Blaise Cendrars pode provar, como Bourlinguer, graças a um m odo de escrever fractal e claramente defi n ido, com cujas fo rmas artísticas precedenres de expressão se deve
friccionai, que as vozes da morre - como as vozes dos m orros - estão sempre presentes procurar uma d iscussão produtiva. Isso trad icionalmente alinha o tradutor no
na vida ou ao menos permanecem audíveis. Justamente nisso, porém , está o segredo grupo d e rodos aqueles que, como cantores de ópera, pianistas de concerto, arares
de sua arre - e da vida. ou maes tros, d esempenham uma arividade artÍstica pós-criadora. O rrad uror
literário, contudo, se diferencia destes, por não aparecer, ao contrário deles, sob o
holofote público, permanecendo ao invés disso geralmente no oculro. Não é à toa
que a arividade da tradução evoca um trabalho solitário à escrivaninha, por vezes
até mes mo de madrugada, se for concedido ao tradutor literário persegui r durante
o d ia com uma "profissão ga nha-pão" mais bem remu nerada. Financeiramen te, a
situação do trad utor literário rende a ser ruim: ele mal gan ha um terço daquilo que
há m uito seus colegas profissio nalizados, os tradutores e intérpretes de lingu agens
específicas, podem reivindicar pela sua arividade. Consequentemente, a maioria
dos traduto res literários rem, já em razão da necessidade de garantir a segurança
financeira, uma profissão que assegure sua subsistência.
Na verdade, no decorrer das t'd timas décadas o tradutor literário entrou de
manei ra mais sólida na consciência pública, aspecto para o qual talvez também
sirva de testemun ho o faro de que a parti r dos anos sessenta - ao menos no
espaço de língua alemã - seu nome não vem mais aparecendo (quando mu ito)
em letras pequenas na quarta página, decorando em vez disso a terceira página em
letras um pouco maiores e, com isso, aproximando-se do nome do auto r como
parte da fo lha de rosto. Conw do, o aumento do interesse no tradutor e em sua
arividade não deve nos enga nar sobre o faro de que, apesar de rodos os prêmios,
bolsas e condecorações que foram concedidos nas últimas décadas, especialmente
também nos países de língua alemã, a imagem e a prática da profissão de trad utor

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Três. Translações Três. Translações

literário quase não mudaram (isto é: melhoraram). Será, então, que só nos resta nosso tempo de mídias conectadas em níveis diversos: a entrevista cuidadosamente
desaconselhar pessoas jovens de fazerem da tradução literária a sua profissão? encenada midiaticamente. A tradução dessas mediações facilmente consumíveis,
Curt Meyer-Clason, certamente um dos mais conhecidos tradutores da contudo, via de regra não é realizada por artistas da tradução.
Alemanha, há poucos anos denominou a tradução literária de um "ofício" sobre o Mas onde ficaram os tradutores literários dessas estrelas? "No caminho"
qual não haveria consenso entre os artífices e provavelmente nunca haverá. Além certamente seria aqui não somente uma resposta cínica, mas também
disso, segundo ele se trataria de um "negócio que como ganha-pão é questionável insuficientemente refletida. Contudo, a atividade da tradução há muito se
e, por isso - ao menos na República Federal da Alemanha - goza de pouca transformou em algo natural num grau tão alto, que sua percepção consciente, no
reputação"371 : palavras duras de um tradutor que nos países de língua germânica sentido proposto pelos formalistas russos, já necessita de desautomatização. Pois
fez um trabalho excelente de mediação das literaturas e culturas românicas e que a tradução literária está demasiadamente integrada à rede dos nossos processos de
pôde vivenciar, ao longo de uma vida profissional rica em experiências, todos os tradução cotidianos, de modo que muitas vezes um esforço se faz necessário para
altos e baixos da selva das resenhas e da crítica372 • Na verdade, vivemos, assim reconhecê-la em seu valor fundamental e, ao mesmo tempo, excepcional.
ouvimos em todo lugar, no "século da tradução" 373 , mas o tradutor literário, Processos de tradução intralingual determinam nosso cotidiano. Não importa
um dos protagonistas desse tipo de século, não saiu de seu papel de figurante. se, por exemplo, na universidades dos "novos estados"* nós traduzirmos o
Ele ainda permanece em sua posição marginal como "trabalhador doméstico, termo "trabalho final" para "trabalho de conclusão" ou vice-versa, se vertermos
com necessidade de proteçáo" 374 • De forma um pouco acentuada, poderíamos neologismos como "meta de reforma 201 O" ou "redução de vagas" em formulações
enumerar os diferentes lugares da escrita dentro do nosso mercado de literatura menos eufemísticas ou, ainda, se traduzirmos nossas experiências cotidianas
atual e constatar que o escritor parece escrever com corpo e alma (poderia se dizer em jargão corporativo: sempre fazemos uso de uma técnica cultural que nos foi
também: com pé e cabeça); o estudioso da literatura por vezes com o cérebro; ensinada sem compaixão desde os tempos de escola. Fomos criados para reproduzir
o resenhista, geralmente a partir da cintura; certo polemista visto erroneamente os pensamentos dos outros "com palavras próprias" 375; caso não adorássemos essas
como o papa da literatura, com a barriga; o tradutor, porém, o faz com os pés, técnicas de tradução intralinguais reiteradamente treinadas, já na escola se nos
pois é ele que muitas vezes refaz com mais cuidado os caminhos de "seu" autor e imputava termos "somente copiado". A técnica cultural de tradução intralingual,
os trilha com passos recriadores. na forma que Jakobson denominou de rewordin(76 , está de tal forma automatizada
Sem dúvida, processos de tradução definem tanto o final do século XX como em nós que acaba sendo fácil, após a virada linguística e a filosofia da linguagem
o início do XXI numa medida até então desconhecida e intensificam com isso as da passagem do século, compreender o papel fundamental de tais processos
redes de comunicação que, apesar de todas as assimetrias evidentes e já sinalizadas, de translação para a constituição de subjetividade. Somos seres constituídos por
são de cunho global. Globalização acelerada, intercâmbio global e hibridização palavras dos outros.
cultural não são - como as experiências e pesquisas das últimas décadas mostram - Justamente porque os processos de tradução intralinguais (estabelecidos dentro
somente chavões; ao invés disso, tornaram-se uma experiência há muito cotidiana da mesma língua), mas também os intersemióticos - ou seja, as "traduções,
de uma parte considerável da humanidade. Processos culturais de massa, redes de entre diferentes sistemas de signos na selva de nossos sinais de trânsito, placas
informação transnacionais, transmissões de alcance global- tudo isso, sem tradução, de alerta, painéis de propaganda, programas do Windows e assim por diante, às
praticamente não seria imaginável. O que hoje se escreve em Londres, Catânia ou quais estamos acostumados -, tornaram-se pura e simplesmente a técnica cultural
perto de Aracataca, talvez amanhá já esteja à disposição do público leitor japonês fundamental, não atribuímos um valor significativo a esse tipo de translação.
assim como certos livros - por exemplo, alguns romances do cubano Miguel Todos nós aprendemos o ofício da tradução desde a primeira infância.
Barnet - aparecem em tradução alemã antes da publicação no idioma original. A tradução, consequentemente, é - como mesmo um tradutor famoso como
Dessa perspectiva, o tradutor literário realmente parece não passar de uma pequena Curt Meyer-Clason afirma - "apenas" um ofício? Fritz Nies, o criador do curso
engrenagem dentro de um mercado de cultura lucrativo, mundialmente conectado, superior de "Tradução literária, em Düsseldorf (uma novidade dentro da paisagem
no qual os escritores chegam mesmo a se tornar estrelas, mas não raramente também universitária, ao menos nos países de língua alemã), teve de se posicionar diante
são simples impulsionadores de complexas estratégias de marketing transmidiáticas. dessa pergunta ao implementar o curso, porém foi obrigado a dar uma resposta
As escritoras e os escritores há muito já não reclamam mais dessa situação. Em vez afirmativa, caso não quisesse solapar até a base desse curso pioneiro já de início.
disso, aproveitam os novos espaços das mídias de massa ou da indústria cultural Ao responder à pergunta se "tradução literária" seria ensinável, ele no entanto
pesada - da adaptação teatral até a encenação em forma de ópera, do audiolivro admitiu que não seria possível produzir tradutores com talento tanto quanto
até a versão cinematográfica - oferecem aos seus potenciais criativos. Umberto não se poderia formar maestros ou atares geniais3n. O curso, nesse meio tempo,
Eco, Michel Butor, Patrick Chamoiseau e, à frente de todos, Jorge Luis Borges, * Ou seja, os estados que, antes da reunificação da Alemanha, faziam parte da República Democrática
tornaram-se verdadeiros artistas daquela forma que talvez melhor corresponda ao Alemã. (N.T.)

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Três. Translações Três. Translações

pode olhar para trás e ver uma trajetória exitosa de vários anos; e ainda assim em ser 0 contra-argumento para a afirmação de Voltaire, do "último dos escritores
ele pode fornecer aos futuros tradutores literários- assim me parece- somente felizes" 379 • E ainda assim, apesar do toda fidelidade, o tradutor literário não goza
ferramentas de preferência abrangentes. Isso é muito, mas certamente não tudo. de uma boa reputação. Ele, por acaso, é um hipócrita? Não, o tradutor excelente
Atares, pianistas, maestros- por boas razões o tradutor literário é comparado a é muito mais um exímio mentiroso.
essas figuras artísticas: Ele sem dúvida nenhuma é mais que artífice.
Se a tradução literária fosse um ofício, certamente os estudantes mais aplicados
seriam os melhores tradutores. Se ela fosse uma ciência, então seus mestres, sem O tradutor literário como verdadeiro mentiroso
dúvida, deveriam ser os melhores tradutores. Se deixarmos de lado as exceções
que confirmam a regra, então nem os pesquisadores mais inteligentes nem os Como se sabe, pelos séculos afora, os tradutores em geral não gozavam d~ . .u~a
estudantes mais engajados são os melhores tradutores ou as melhores tradutoras. reputação muito boa: traduttore, traditore - uma fórmula fixa na consciencia
Com isso, os tradutores literários devem ser elevados ao grau de escritores e coletiva que - segundo as palavras chistosas de Roman Jakobson - tampouco
artistas? Sem dúvida também o são, mas somente na medida em que são artífices e pode ser traduzida sem perdas para outros idiomas. ,
pesquisadores. Pois os poetas mais geniais de forma alguma são os tradutores mais Na relação entre "Novo" e "Velho" Mundo, os processos de traduçao e os
capazes - e também aqui Wieland, George ou Rilke talvez confirmem a regra. problemas de tradução têm, naturalmente, um papeI cent ral nao , so' para os que
A tradução literária é, pois, uma atividade criativa sui generis. O lugar em que ela são levados à margem do continente americano. Não é possível confiar, por
por via de regra é executada é a escrivaninha, que se assemelha tanto à do artífice exemplo, em Hernán Cortés, quando ele "traduz" as palavras de Moctezuma
e do pesquisador quanto à do escritor. Com o primeiro, talvez compartilhe as em seus relatórios, suas Cartas de relación para Carlos V. e acaba se tornando
ferramentas à disposição - enciclopédias, coleções de mapas, dicionários -; com o um verdadeiro ventríloquo, ao colocar na boca do representante do ~urro uma
segundo, os passeios à biblioteca com maior ou menor frequência; e com o terceiro, justificação de seus próprios planos e objetivos. Um significado ainda mais extenso,
por fim, as aparições em público, indispensáveis até mesmo para um Marcel contudo, tem aquela mulher que não foi somente a amante, mas sobretudo a
Proust. O tradutor literário assume uma posição que se localiza entre aquelas duas intérprete do conquistador espanhol e que apoiou massivame~te se~s plano~ ~e
separações fundamentais que aconteceram na segunda metade do século XVIII: o conquista. A Malinche3 80 por muito tempo se tornou a corponficaçao da traiç~o
divórcio entre artisan e artiste, por um lado, e entre sciences e lettres, por outro. Sua (também sexual) da população indígena do Novo Mundo. Em su~ figura,, cuJa
profissão pode até ser honrosa: nem por isso o tradutor literário chega a ser um posição central é encenada reiteradamente em diversos documentos Iconog~cos
honnête homme, no sentido em voga no século XVII francês. -por exemplo, aqueles do Códice Florentino-, se concretiza de forma ~eculiar a
É bem possível que se acompanhe essas explanações de crescente preocupação: s " ·· "
imagem da tradutora como imagem da trai·dora3St . ua traiçao sere fena menos
se no começo (ao menos à primeira vista) expatriei o tradutor da pós-modernidade, à tradução do que ao traduzido, cujos segredos ela revelou para aquele ho,mem
agora bloqueio-lhe a entrada até mesmo na modernidade. Mas, talvez seja com o qual teve um relacionamento. Malinche é a intérprete, a lengua, a lmgua
exatamente isso, apesar de toda a sua profissionalização incipiente, que lhe dificulta no ouvido do tão brutal quanto insidioso conquistador Cortés. .
a posição dentro de nossa sociedade caracterizada por redes globais: no fim das A relação entre tradução e desejo será tratada mais detalhadamente em segmda;
contas, pertencer a uma configuração de saberes que não apresenta somente traços mas a formação tradicional das lendas em torno da figura de Malin~he já most~a que
pré-pós-modernos, mas também pré-modernos. Nisso também o equipamento a tradução intercultural pode ser entendida como traição do propno. Malmche,
multimidial da escrivaninha do tradutor não altera nada de fundamental. Será que em todos os casos, parece ter forneci"do a C artes,
' na visa
· ·o I·ndígena , traduções boas
é possível encontrar no "estar de través" dessa configuração de saber pré-moderna com más intenções. Sem sua traduttrice traditrice Cortés, o homem de pod~r que
um ímpeto secreto por uma tentativa forçada de substituir o tradutor literário pensava friamente, teria tido dificuldades maiores em reconhecer os obstaculos
por computadores e, com isso, experiências hermenêuticas-interpretativas inter e culturalmente condicionados de seus inimigos e em derrotar o reino dos Astecas
transculturais pela acumulação de dados digitalizados? De fato, com isso- se esse dentro de um prazo curtíssimo. Desde o início da conquista europeia no Novo
projeto tivesse êxito -, um saldo sociocultural pré-moderno estaria "liquidado". Mundo, as traduções interlinguais e interculturais se encontravam, isso podemos
Mas disso ainda estamos muito longe. Talvez seja possível ver sob um novo ângulo constatar, sob o signo da traição. Tzvetan Todorov concluiu acertadamente .que
a sutil repreensão de Werner Krauss, de que a única tradução literal do século aqui a compreensão estava a serviço da destruição382 , uma conexão que devena se
XVIII francês tenha sido aquela de Voltaire, que com sua versão do Júlio César de repetir com frequência no decorrer da história da América.. . . .
Shakespeare, só teria desejado comprovar "que a fidelidade da tradução infringiria Não é difícil encontrar exemplos de tradutores que se apropnavam de seus ongmais.
todas as regras do gosto francês. Uma tradução, portanto, que questionava o Assim, por exemplo, 0 apoiado r anglo-americano da escravidão J· S. Thrasher
princípio da tradução" 378 • Os tradutores de nossos dias se esforçam, todos eles,

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Três. Translações Três. Translações

utilizou com êxito sua tradução do ensaio de Alexander von Humboldt sobre a de recorrer a vocábulos que estão à disposição do leitor ou do receptor. Para poder
ilha de Cuba, escrito primordialmente em francês, para transformar o abolicionista estar à altura de sua tarefa, o tradutor precisa, pois, fazer uso de uma mentira
convicto em amigo do comércio de escravos e, com isso, instrumentalizá-lo para seus estrutural. Se o tradutor (como também seu leitor) não estiver consciente desse
próprios interesses, d.irecionados aos estados sulistas nos Estados Unidos. 383 Nem fato, então a mentira estrutural inversamente fará uso de sua tradução.
mesmo os Lusíadas de Camões estiveram seguros contra esse tipo de deturpação, De forma alguma quer se dizer com isso que se esteja diante de um simples
pois o tradutor escocês William Julius Mickle, irritado com a história da expansão "equívoco" por parte do tradutor. No caso do equívoco, trata-se de uma convicção
europeia de Raynal, se apropriou deles para transformar o poeta português em do tradutor que pode ser examinada intersubjetivamente e, possivelmente,
apologeta do colonialismo (britânico), em sua influente tradução. 384 O próprio eliminada. O tradutor acredita no seu equívoco, considera-o "certo" e "verdadeiro"
Raynal, que por sua ve:z. costumava ser bastante inescrupuloso com traduções, foi de modo ingênuo e errôneo. Enquanto o equívoco reside na ignorância, a mentira
absorvido e hispanizado com benevolência sob a capa da tradução pelo Iluminismo se apoia num excesso de conhecimento que, contudo, não é diretamente revelado
espanhol.385 Em todos esses casos, a "traição" ao original tem como alvo o leitor, ao ouvinte ou leitor. Disso se poderia deduzir que um bom tradutor tem de ser
que deve ser convencido do ponto de vista não do traduzido, mas sim do tradutor. um mentiroso, preferencialmente convincente.
No lugar da voz do outro entra a voz do tradutor, um processo que se pode muito Com isso, o traduttore literário não é nem um traidor que trai conscientemente o
bem denominar como uma forma avançada de ventriloquismo escrito e que se deve que é traduzido por ele, nem um falsificador que faz uso dessa traição para enganar
entender como variante especialmente perigosa de "mediação" intercultural. seu receptor, nem aquele que permanece no erro, ficando transtornado por isso. O
Embora o número de exemplos desse tipo de tradução motivada por interesses mentiroso habilidoso é muito mais aquele tradutor que conhece o melhor possível
e até mesmo com fins propagandísticos seja alto, ainda assim sem dúvida se tanto os contextos socioculturais da língua de panida como também os da língua
pode sempre contrapor, com razão, o número muito mais elevado de traduções de destino, usando esse conhecimento duplo para construir pontes entre as duas
comprometidas com o original, a fim de expor as deturpações intencionais como culturas- mesmo sendo pontes mnemônicas. Mas pontes não penencem nem a uma
descaminhos. Contudo, o desconfono com a tradução permanece: o tradutor se nem a outra terra firme; em ve:z. disso formam um setor próprio, que é um espaço
torna um falsificador nos casos mencionados, a quem não importa a cultura e o vetorial da transição e do transitório. O bom tradutor literário tem conhecimento
universo intelectual do outro, mas sim a disseminação do próprio ou das próprias da ambiguidade de um processo de tradução intercultural e está consciente do
ideias sob nomes prestigiosos, alheios- também isso um jogo intencional com as fato de que traduções, no contexto de suas inserções socioculturais em processo de
palavras do outro. O original a ser traduzido se transforma em simples pretexto do transformação, são formações tão passageiras, transitórias como as formas de leitura
próprio texto. Tanto traição como falsificação, nos casos mencionados, são enganos historicamente variáveis, cujos horizontes se transformam ininterruptamente.386
astuciosos que, por meio do abuso do nome alheio de um autor, tem como objetivo Se o tradutor, porém, tiver conhecimento desses condicionamentos de seu fazer
obter determinado efeito junto ao público leitor. É facilmente possível refutá-las por e se não acreditar ingenuamente poder contorná-los, então estará em condições,
meio do original- no caso de Humboldt, até mesmo pelo próprio autor. Mas como partindo de uma perspectiva inter ou mesmo transcultural, oscilando igualmente
ficam aquelas formas de "traição" tradutória que não resultam das más intenções de entre posições culturais diferentes, de fazer com que seu texto de referência venha a
tradutores habilidosos (ou das boas intenções de traduções inabilidosos)? falar de uma nova maneira. Ele então estará habilitado não somente a reconhecer e
A .tradução de outros contextos culturais sempre está ligada a um tipo de trazer à tona a mentira estrutural que fundamenta seu fazer, mas também a fazer uso
mentua estrutural que vai se tornando tanto maior quanto mais as culturas postas ainda mais ativo dela e a produzir um novo processo epistemológico, mais fecundo.
em contato por meio da tradução estiverem separadas uma das outra. Poderia se A participação de Italo Calvino na tradução de seus próprios textos aponta para essa
falar, usando o termo benjaminiano, também de uma "mendacidade objetiva", da direção e, ao mesmo tempo, deixa claro que a maior fidelidade ao original pode
qual tradutor e tradução não conseguem se esquivar. Se tentamos, por exemplo, residir em continuar a escrevê-lo de forma criativa.
traduzir as noções de crença de povos pré-colombianos para as línguas europeias, De maior relevância para o nosso questionamento é o fato de que traduções
caracterizadas por discursos e noções de pensamento judaico-cristãos, não é iluminam o texto original a partir de perspectivas inter e transculturais bem
possível evitar trazer à baila contextos "religiosos" de experiência e de significados diversas, trazendo a lume níveis de significado que facilmente teriam permanecido
completamente diferentes. Nesse caso, a língua determina o escopo de ação dos encobertos dentro de um horizonte monolíngue e monocultural. Dentro de um
movimentos de pensamento respectivamente possíveis, não menos no que diz mercado de literatura ao mesmo tempo globalizado e globalizante, no qual cabem
respeito ao efeito da tradução. Já o termo "religioso" insere os conceitos e as noções a sem mudanças ao nome do autor funções centrais de classificação e interpretação,
serem traduzidos em contextos e horizontes discursivas completamente diferentes, flcam abertas ao auctor justamente aqui possibilidades bem específicas de formação
um processo que é inevitável, uma vez que o significado de qualquer signo surge de relevos semânticos.
somente por meio de processos de tradução intralingual que necessariamente têm Disso, por outro lado, poderiam resultar formas bem específicas de interação
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Três. Translações Três. Translações

e legitimação na confluência de autor e tradutor, original e tradução. Assim, o meio da mentira estrutural em forma de acentuações diversas, mas ao mesmo
tradutor francês de II castello dei destini incrociati [O castelo dos destinos cruzados] só tempo trazem a lume verdades que sem o ato da tradução teriam ficado sem ser
estava disposto a assinar a tradução que Calvino fez e continuou a escrever se o autor ditas ou desenvolvidas. Se tornamos a ler, tendo como fundo as discussões em
italiano aparecesse ele mesmo na folha de rosto como fiador não somente do original língua alemã, o tomo finíssimo escrito por Roland Barthes, fica claro que no nível
traduzido, mas também da tradução. 387 Desse modo, a autotradução se transforma histórico literário se esconde também nele a exigência de um recomeço que na
não somente numa autointerpretação, porém mais ainda numa réécriture no nível série de textos posteriores do teórico francês da cultura e do signo rapidamente
interlingual e translingual, portanto oscilando interminavelmente entre as diferentes toma forma. Aqui se revela a proximidade do traduzir não somente à leitura, mas
línguas. Delimitações exatas entre escrita e tradução aqui já não são mais adequadas. à forma específica de uma leitura do estudo literário. 388 Justamente essa forma de
Pois onde, nesse caso, deveria se fazer tal delimitação entre écriture e traduction? leitura, porém, insere na imagem o primordialmente "impensado".
Certamente é legítimo perguntar se o caso específico da autotradução pode exigir A tradução boa não é nem traição nem engano, mas paradoxalmente uma
inteiramente que nosso entendimento da tradução literária (no qual autor e tradutor, mentira que revela outras verdades ou as verdades do outro. Ela é uma ponte
em regra, não são idênticos) mude. Isso está atrelado à questão sobre o público que fornece ao leitor como caminhante uma terra firme entre dois mundos, mas
leitor; pois a problemática de tradução delineada aqui exige, ao menos no caso ideal, sem fazer de conta que é terra firme e, como isso, territorializável. E ela simboliza
um leitor ativo que consiga reconhecer e aproveitar o excesso de conhecimento que um EscreverEntreMundos que não pode ser claramente atrelado e atribuído nem a
a tradução bem sucedida lhe proporciona. Reconhecidamente, às vezes também uma nem a outra margem. Tradução se estabelece entre as culturas, mas também
uma tradução ruim ou insatisfatória feita com as melhores intenções pode revelar entre produção e recepção, dito de outra forma: ela passa por cima delas, fecha-as
essa mentira estrutural ao leitor e estimulá-lo ou mesmo forçá-lo ao trabalho próprio rapidamente. A boa tradução, por isso - bem com os bons Estudos Literários
de interpretação e, com isso, de tradução. Mencionemos, neste caso, como exemplo -, também é necessariamente autorreferencial, concretizando o que a folha de
somente a tradução de Le degré zero de l'écriture, de Roland Barthes, que não está rosto promete: a saber, que ao autor se juntou um segundo fiador e auctor que se
comprometida com o original, mas sim com o contexto linguístico de destino, identifica simultaneamente como leitor e escritor.
publicada com o título alemão de Am Nullpunkt der Literatur (No ponto zero da Note-se bem: ao contrário dos Estudos Literários a tradução literária deveria
literatura). Trata-se claramente de um equívoco do tradutor (ou mesmo da editora, - se não perseguir objetivos prioritariamente acadêmicos - renunciar a notas de
que na definição do título sempre tem uma palavra de peso), pois em Banhes o rodapé e comentários. Seu texto deve falar por si mesmo, explicar a si mesmo
termo écriture, naquele momento, estava explicitamente direcionado contra o de e não propagar o conhecimento do "que se juntou". O conhecimento da
li~érature. Inversamente, a conversa sobre o ponto zero da literatura se refere àquelas tradução é discreto e sensual, o dos Estudos Literários, ao mesmo tempo sóbrio
discussões sobre a assim chamada "literatura da hora zero", conduzidas com grande e espalhafatoso. Aqui novamente tocamos na configuração de conhecimento
veemência no pós-guerra, na Alemanha Ocidental. A diferença, com isso, guia específica do traduzir. Tradução novamente se revela como um tanto-quanto
nosso olhar para um clima de recepção completamente diferente, a um horizonte que, paradoxalmente, está atrelado a um nem-nem, uma figura de pensamento
d~ expectativa totalmente diverso ao da primeira publicação em forma de livro que oscilante que já havia marcado a posição profissional do tradutor como autor e
~ J 0V~m Barthes tinha que encontrar na Alemanha e encontrou. E justamente essa copista, como simultaneamente nem autor, nem copista.
tlummação nova, surpreendente e não previsível pelo autor permite uma formação As verdades armazenadas no texto original- e é possível entender literatura como
de r~levo e um contraste com o original francês mais acentuados, que por meio do aquele depósito gigante no qual rodo conhecimento de vida (e de conhecimento de
desvto pela tradução nos surge como que à contraluz intercultural. sobrevivência) entrou- são desenvolvidas por meio de mentiras estruturais, para as
Nã~ haveria então o perigo de congelar o original em sua presença de sentido quais (ao contrário do equívoco individual, da falsificação ou da tradução) não há
mon~lmgual, de certo modo solidificá-lo contrastivamente por meio da escrita e sujeito, não há autor individual. O texto que está sendo traduzido só pode comportar
reduzt-lo a um significado? De modo algum, enquanto não deixarmos de levar em palavras da língua de destino aquilo que é pensável nela ou que, ao menos, se
em consideração a energia produtiva de um misreading intencional ou "cometido encontra nos limites do pensável. A mentira estrutural representa aquele preço que
sem perceber". Mesmo tratando-se, no caso de "Ponto zero da literatura", a cultura que está traduzindo tem de pagar, se ela quiser estender conscientemente
de um equívoco individual, de um erro de tradução evidente, ele indica que suas próprias possibilidades de pensamento e, com isso, suas formas filosóficas,
~ambém o original, em sua polissemia, é diversamente acentuável e que, com literárias, artísticas de expressão. Com isso, o alvo da tradução literária é a língua de
tss~,. tampouco ocu~~ o lugar da verdade em seu ser-assim aparentemente destino, sem se fundir com ela, testando novas possibilidades da literatura nacional,
estanco enquanto ongmal, em vez disso contém e coloca à disposição verdades. sem se converter nesta e desaparecer nela sem deixar vestígios. A literatura traduzida
A descontextualização e a recontextualização, que necessariamente acompanham ou a literatura de tradução é, com isso, uma literatura sem morada fixa? Ela é pelo
todo processo de tradução, trazem essas verdades impiedosamente à tona por menos- assim poderia se formular uma primeira resposta a esse questionamento- a
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Três. Translações Três. Translações

prática de um EscreverEntreMundos que não permite ser apropriada nem fixada de agravadas, como uma escrita que procura estabelecer um Entre-Mundo como
modo literário nacional. Desse ponto de vista, o tradutor se representa como um Contra-Mundo, especialmente porque não pode ser atribuída a uma única língua
contrabandista cuja pátria é a fronteira e cuja morada Hxa é o movimento. Um bom -e seja essa a de um autor. Tanto o texto de referência direto como o modelo de
contrabandista, porém, precisar saber fingir: ele diz as palavras do outro de modo sua transformação e apropriação estão definidos, somente o lugar da escrita, com
diferente, ele mente sem parar, recriando as verdades do outro e transformando-as a referência autobiográfica a um hotel, é conspicuamente transitório: o hotel é
em outras verdades. Ele é o verdadeiro mentiroso. refúgio em tempos conturbados, mas não uma morada fixa. A escrita recebe aqui
seu mais forte impulso de seu mais forte estreitamento.
Esse conhecimento ilumina de forma esclarecedora Pierre Menard, autor dei
Quijote, também de Borges, um texto que - como já constatava George Steine~91
O tradutor literário como obra do outro
-é de máxima importância, especialmente também para a teoria da tradução. Aqui
as condições do "estreitamento" são intensificadas mais uma vez, pois o resultado
O tradutor literário tem um compromisso não só com a exatidão e a fidelidade
da escrita será - assim quer parecer - o já escrito, o grande romance da literatura
em relação ao original, mas também com o original como tal. De certa maneira,
espanhola, obra do outro e com as palavras do outro, que há muito foi entregue
o tradutor é um ser de seu autor, do outro. O tradutor de Shakespeare continua
para impressão e publicada. Mas por que escrever o Quijote do Cervantes mais uma
a escrever a obra {e não o texto) do grande dramaturgo, é a obra de seu autor. Se
va? O resultado do processo de escrita está definido, não reside na aproximação o
há estudiosos da literatura, para os quais - como Julian Barnes389 formulou de
mais possível, mas sim na identidade com o texto de referência, do qual somente a
modo um pouco vingativo- o autor há muito falecido ainda paga "uma porção de
diferença, em toda sua violência, pode ser liberada e tornada visível num processo de
contas de gás", então também há tradutores de literatura que recebem participação
desautomatização. O narrador nos mostra como uma passagem textUal idêntica -
de lucros daquele autor, com o qual se sentem especialmente comprometidos.
justamente em relação a verdade, história e realidade- no Don Quijote de Cervantes
Editoras e ministérios são, nesses casos e nesse sentido, somente as instâncias
pode significar algo completamente diferente do que na recriação idêntica ao
responsáveis pelo pagamento dos valores indicados pelo autor a serem feitos ao
"original", deduzindo sua qualidade de diferença dos contextos modificados:
tradutor ou ao estudioso. Não é à toa que os direitos do autor se estendem à
tradução. A fórmula sutil usada na tradução de Calvino "traduit par ... et l'auteur" A história como Mãe da verdade; a ideia é surpreendente. Menard, o contemporâneo de
(traduzido por... e pelo autor) poderia ser estendida a toda boa tradução literária. William James, define a História não como elucidação da realidade, mas como sua origem.
A verdade histórica para ele não é aquilo que aconteceu; ela é aquilo que aconteceu de
Translação é mediação. Não deveríamos, porém, reduzi-la a uma bipolaridade acordo com nosso juízo. 392
de original e tradução, de língua de partida e de destino. Mediação translatória
não é uma via de mão única de uma língua a outra, de uma cultura a outra, mas Aqui não se questiona ludicamente somente uma filosofia norteadalogocentricamente
deve ser entendida como um espaço em si, um lugar próprio do escrever que num conceito de verdade, mas ao mesmo tempo se mina de modo fractal a estática
num sentido paradoxal cria Entre-Mundos pela escrita. Quando ao final do conto do original e do processo de leitura por meio da junção no mesmo e idêntico texto do
T/on, Uqbar, Orbis Tertius, de Jorge Luis Borges, o mundo de Tlõn irrompe na que em princípio está espacial e temporalmente separado. Origem e destino parecem
"realidade", o narrador em primeira pessoa se retrai a esse espaço da tradução. Este variantes transformáveis, entre as quais se estabelece uma escrita que se submete às
é o último parágrafo desse texto fantasticamente narrado: mais rigorosas limitações, as quais provavelmente questionam a subjetividade do
escritor, mas não sua escrita. Desse modo, o Quijote começa a oscilar entre o mundo
Então, contudo, terão desaparecido deste planeta o inglês e o francês e mesmo o espanhol.
O mundo será Tlõn. Não me preocupo com isso, eu revejo nos dias tranquilos do hotel de dos heróis de Cervantes e o mundo do Pierre Menard de Borges.
Adrogué uma tradução quevediana, um pouco indecisa de Urn Burial de Browne (que não Certamente, Pierre Menard não é- e George Steiner talvez não tenha levado
penso publicar).390 isso suficientemente em consideração - tradutor; porém, ele radicaliza, do nosso
ponto de vista, somente a posição do narrador em primeira pessoa que está
Aqui a tradução parece um refúgio, um último recuo possível de um mundo
traduzindo e que, ao final de Tlon, Uqbar, Orbis Tertius, se confia a uma escrita
que saiu dos eixos, do qual as línguas mundiais tradicionais em breve terão
que é tradução, mas não necessariamente mediação e por isso também não precisa
desaparecido, terão sido transformadas em "tlon". Para que então ainda traduzir
ser impressa. Sem dúvida, geralmente o tradutor literário dedicado à mediação,
entre duas línguas condenadas à morte como o inglês e o espanhol? Se a tradução
mesmo que seu desejo nem sempre se realize, ambiciona a publicação de sua
fosse somente mediação, tal ação seria absurda. Contudo, se interpretamos essa
tradução. Somente com a publicação o processo de mediação ganha peso, mas
passagem como posicionamento a favor de uma escrita continuada apesar de
isso não pode nos enganar sobre o processo de escrita precedente. Quase não há
ameaça externa, então a tradução surge como escrita sob condições intertextuais
uma escrita que receie tanto a expressão individual, pessoal, daquele que escreve

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Três. Translações Três. Translações

quanto a do tradutor literário. Se ele traduz - e essa é a regra - autoras e autores de jogo, circundam artisticamente os limites do escrevível; a tradução literária, por~m,
diversos de épocas diferentes, então sua voz não pode ser audível do mesmo modo, é aquela forma de escrita que pesquisa e testa os limites do pensável e do escrevivel
com o mesmo tom nos diversos autores. Ele precisa dispor de diversas formas e num diálogo inter e rransculrural. A tarefa do tradutor não é tanto a de um artista da
facetas de escrita literária, de modos diversos de escrita, transformando-se, com palavra, muito menos a de um malabarista, quanto a de uma pessoa que, escrevendo,
isso, num camaleão do mercado literário, que não pode mostrar sua posição por testa, sim, às vezes coloca sob uma prova de resistência, o material literário de um
meio da cor, mas sim, por vezes, transformando-se em autor com um manto de outro, cuja obra ele é. Desse modo, a tradução é a obra do outro às margens do
invisibilidade que não deve aparecer. Aqui o tradutor literário se assemelha ao próprio, sim, no próprio, sem que se possa delimitar claramente os limites entre o
ator, que pode conferir seu traço pessoal aos diferentes papeis, mas sem permitir próprio e o outro. Também o tradutor pode afirmar sobre si:]e est um autre.
que se fundam um com o outro. Isso só permite duas possibilidades: ele tem que
nos surpreender constantemente ou sempre desempenhar o mesmo papel. Para
as duas variantes do tradutor literário, há exemplos brilhantes; muitos exemplos, O tradutor literário como provocador
contudo, também podem ser arrolados para aqueles tradutores cujas traduções
sempre soam iguais, mesmo quando nos apresentam textos de séculos diferentes Tampouco me parece possível estabelecer delimitações estáveis ~ntre poeta e t~d~tor,
-parecidas às vozes sempre iguais de alguns leitores de audiolivros que imprimem por um lado, e entre tradutor e pesquisador, por outro. Espec1alm:nte nos úlo~os
aos textos mais diversos a mesma entonação, o mesmo ritmo e melodia frasal. anos, as ligações entre tradução e pesquisa se multiplicaram e intensificaram. Porem,
O tradutor literário oscila como obra do outro não somente entre (ao menos) de forma alguma a tradução como ciência se limita aos assim chamados estudos da
duas culturas e contextos diversos, mas em sua escrita também entre ficção e dicção. tradução. Embora os estudos da tradução academicamente determinados tenham
Como um (mau) ator que se identifica demais com seu papel, ele pode adicionar sido até agora predominantemente, de faro quase exclusivamente, definidos como
novos elementos ao texto a ser traduzido, um fenômeno que- como relatam revisores linguística aplicada, está mais do que na hora de entendê-los e praticá-los, num
e editores experientes- de forma alguma acontece raramente393 • Pertencente ao setor sentido complementar, tam bem , . ap1.Icad os. 394
, como Es tudos L"lterarios .. , .
da ficção, a tradução literária ainda assim permanece presa ao diccional, tem que se O potencial até agora não utilizado de conhecimentos relevantes e ~ttl~~vei~
orientar nele e é testada por meio dele. Porém, a história da tradução literária conhece em questões de Estudos Literários acerca de tradutores e traduções ltte~ari~ e
exemplos suficientes, tanto para modos de escrita do tradutor mais intensamente imenso. Se a literatura é uma forma gigante de processamento, apropnaçao e
friccionais - ou mesmo ficcionais - como também o modo da recriação poética armazenamento artísticos de saber- ou de depósitos de saber-, a literatura de
(Nachdichtung), que até os nossos dias não perdeu nada de seu prestígio mais alto tradução certamente o é numa medida não menor, por vezes até mesmo ai~da
em relação à tradução literária. Nesse caso é permitido ao tradutor como autor mais potenciada. A tradução como tal é uma ciência, certamente não em sentido
tirar seu manto de invisibilidade. Como modo de escrita ficcional, diccional ou comum, mas em relação a um tipo de saber que fundamenta seu fazer de modo:
friccionai, contudo, a tradução literária sempre está comprometida com a dinâmica em maior ou menor grau, difuso e que até agora praticamente ainda. nã?. fot
de um Entre-Mundo próprio que apresenta todas as características de uma oficina reconhecido em sua relevância específica quanto a questões de Esrud~s Lt.terartos.
de escrita, de um laboratório da écriture, assim como da littérature. O tradutor sabe que sua atividade de tradução não se limita a um texto msendo entre
Dessa perspectiva, é possível compreender a tradução literária como continuação .
duas capas d e lIvro, mas que se refcere tamb'em a do1s· contextos culturais,diferentes .que
interlingual do pastiche intralingual e, com isso, como uma forma literária · d d d b di
sao relaciona os um com o outro e mo o em reto, sensual e imbwdo de senodo.
'
sob condições intertextuais e interculturais acirradas. De modo semelhante ao Com isso, tradução é prioritariamente um complexo processo hermenêutico .que,
pastiche, a boa tradução detém certa (por vezes até mesmo irânica) distância ao por sua vez, pode395 ser decodificado hermeneuticamente e que nos fornece valiosas
original, ao falar também de seus outros lados, ao fazer outros elementos do texto informações não somente sobre o texto traduzido, mas também sobre o contexto
soarem. A mentira ou a ficção, mas não o equívoco ou a falsificação, detêm essa em que se está produzindo e também recebendo o texto. Tradução se baseia numa
distância que mantém em movimento o texto em processo de tradução na sua compreensão precedente e tem, ao mesmo tempo, como alvo uma compreen~ã~ ~tura
relação com o texto traduzido. Justamente porque a tradução quer mediar entre pelo público leitor e delimita em seu movimento conclições concretas e possibilidades
culturas diferentes, ela precisa permanecer em movimento constante e não pode de compreensão inter e transcultural per se. Justamente onde o. co~tex~o cultu~
se fundir com a cultura de destino, tem de transformar o caráter do outro em um de saída e de chegada é oculto a tradução nos fornece valiosas mclicaçoes: A nao
outro inserido no próprio. Se não tiver êxito nisso, então não fará uma contribuição - d o contexto cu1 tura1' que gera o texto, Por exemplo, pode ser avaliada
cons1"deraçao , . sob
inovadora para sua própria cultura e não a mudará, não a transformará. · d a ·•mago1og1a,
· por exemp1o, com refcere.. nc•·a aos heteroestereottpos nela
a perspectiva
Podemos arriscar a seguinte tese: a f.tlosofia é a ciência que processa a área do expressos; a não consideração declarada do contexto de destino, por outro lado, nos
pensável; a literatura, aquele depósito interativo de formas de expressão que, à maneira

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Três. Translações
Três. Translações

permite diversos esclarecimentos em questões de história da mentalidade. com as margens (não somente fora da Europa) da România. A provocação (aliás
Como no campo da análise de textos e obras literários não é possível deduzir salutar), a qual a tradução literária representa para os Estudos Literários, não pode
diretamente esse tipo de informação da tradução, necessita-se para isso de uma ser "remediadà' com estudos tradutológicos de orientação exclusivamente linguística,
interpretação cuidadosa, com o auxílio de aspectos históricos, sociológicos, da aos quais a interpretação do texto pudesse servir de vade-mécum. Sua provocação
história das ideias e das mentalidades. Desse modo, é possível entender - para demanda uma configuração de saber mais adequada à tradução literária, tal como
mencionar somente um exemplo - aquelas abreviações que Alain-René Lesage pode ser desenvolvida especialmente por uma filologia orientada aos estudos culturais.
fez no romance picaresco espanhol Gusmán de A/forache, de Mateo Alemán,
traduzido por ele, e que se referiam sobretudo às "moralités superjlues", somente
tendo como fundo a primeira fase do Iluminismo, a qual tinha que se sentir O tradutor literário como alcoviteiro no Entre-Mundo
incomodada com o jogo didático do texto espanhol alternando entre consejos e
consejas, em vista do panorama das posições iluministas em processo de fixação. Numa análise muito elucidativa, Peter V. Zima chamou atenção para o fato de
Que a atividade de tradução de Lesage tenha se conectado com a própria écriture que é possível identificar duas posições fundamentais dentro de uma história
de um romance picaresco que possibilitou ao seu autor introduzir discussões da teoria da tradução. Com isso, ele pôde comprovar de maneira contundente
"filosóficas" no lugar de "didáticas", dinamizando com isso a sequência do enredo, que a concepção de que textos poderiam ser traduzidos para a língua de destino
quase não parece surpreendente sob essa perspectiva. A produção de Gil Blas de "sem perdas significativas" pode ser posta em relação dialética396 com a afirmação
Santillane, desse ponto de vista, parece somente a continuação autoral de uma aparentemente contrária de que a unicidade de obras artísticas nã~ p~r~ite a
tradução que necessariamente conduziu da dimensão interlingual à intercultural tradução para uma mídia estranha. A "ideia racionalista da eqmvalencia de
e, embora tenha mantido o romance picaresco em sua diegese espanhola, apenas signos e a ideia romântica da intraduzibilidade" deveriam "ser compreendidas
usou esta para mostrar de modo mais claro por meio dela os problemas da França como dois lados de uma moeda", os quais jamais poderiam ser vistos ao mesmo
coetânea. Não esqueçamos quanto a isso que são justamente as abreviações e as tempo, mas que sempre deveriam ser pensados conjuntamente. 397 A avaliaç.ão
supressões de uma tradução que permitem ter acessos esclarecedores ao respectivo diversa de significado e significante, de forma e conteúdo, que se harmoniza
horizonte de compreensão da cultura de destino, pois elas marcam as lacunas e, com essas duas posições fundamentais, não pode, a meu ver, ser pensada em
mais ainda, os espaços indeterminados do diálogo intercultural que caracteriza a conjunto nem solucionada de modo meramente terminológico por meio de uma
respectiva tradução e que, ao mesmo tempo, esta tenta estimular ou acelerar. diferenciação entre equivalência e analogia - construtiva e convincente do .PO~to
A tradução literária é e continua sendo uma provocação dos Estudos Literários. de vista tradutológico, como bem postula Judith Macheiner - em que o pnmeuo
No trabalho cotidiano de ensino, ela geralmente é excluída das disciplinas; acaba termo se define como igualdade de conteúdo e o segundo, pelo contrário, como
sendo utilizada às escondidas, pois só desviaria os estudantes da discussão concreta igualdade das formas linguísticas. 398 • Pois um dos problemas não abarcados por
do texto original, na língua original. Desse modo não é somente a configuração esse caminho é o problema da dimensão inter e transcultural e, portanto, de
de saber da tradução literária que até hoje provoca; é também seu papel como que modo equivalência e analogia devem ser relacionadas a contextos históricos,
entremetteuse, como atividade que se insere entre eu e o outro, entre áreas próprias sociais ou artísticos diferentes no campo magnético multipolar das culturas. ,
e de outra cultura e que- com ou sem manto de invisibilidade- parece impedir o O desconforto com essa perspectiva, que, no fim das contas, remonta a
olhar imediato sobre o outro, sobre a outra cultura. Somente quando percebermos diferenciação entre signifiant e signifié feita por Saussure, só pode ser abordado
que esse olhar imperturbado, desanuviado, imediato é uma ilusão que nos engana se adicionarmos pelo menos uma linha divisória que se estenda ~ransversal.mente
sobre os filtros e os processos de tradução naturais e por isso não percebidos, se a isso. A diferenciação feita por Benjamin entre intenção do dtto (lntentto~ des
tornará reconhecível que a energia inovadora a ser usada tanto no ensino quanto Meinens) e forma de dizer (Art des Meinens) parece-me corresponder de modo Ideal
na pesquisa existe na provocação da tradução literária aos Estudos Literários. a esse tipo de necessidade epistemológica.399 Com a introdução dessa diferenciação,
A conscientizaçáo de processos tradutoriamente específicos de apropriação e o teórico da cultura encarou o fato de que um objeto dito por diversas línguas pode
interpretação inter e transcultural pode, consequentemente, nos auxiliar de modo ser o mesmo, 400 mas que as diversas línguas se diferenciam fundamentalmente umas
decisivo na reconstrução tanto dos contextos culturais históricos respectivos como das outras no modo de dizer, na medida em que - assim poderíamos interpretar
das formas de ver e das práticas que em cenas momentos históricos regulamentavam A

Benjamin - o termo alemão "Brol' em oposição ao termo fran ces paz~ ,~ta
(( ,)J I

a relação e a ligação entre diferentes culturas. Nisso, relações interculturais intensivas inserido num contexto cultural completamente diferente, numa ou~ra his~or~a,
como por exemplo entre a Itália e a França durante o Renascimento podem ser como em outras semânticas e práticas. Epistemologicamente, a diferenciaçao
tão expressivas como processos de tradução culturais que não aconteceram, como introduzida por Benjamin significa para nós o salto da Linguística (em grande parte
por muito tempo eles caracterizavam a ligação do espaço cultural de língua alemã
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Três. Translações Três. Translações

também dos Estudos Literários e da Literatura Comparada, com uma orientação Mesmo sendo possível ver com ceticismo a observação apodítica de Walter
tradicional) em direção a uma filologia401 aberta para os estudos culturais. Nisso não Benjamin de que a obra literária, visual ou musical não estaria dirigida a um
permanece, assim parece-me, nem a necessidade de adorar a ideia de línguas que público ("Pois nenhum poema se dirige a um leitor, nenhuma imagem a um
se complementam mutuamente, pensada de forma quase teológica por Benjamin espectador, nenhuma sinfonia a um público ouvinte" 404 ), ainda assim podemos
e também apreciada de forma cabalística por Borges, que apontam ambos para a afirmar categoricamente que o tradutor em consonância com sua atividade de
totalidade de uma língua primordial no fim das contas perdida e também para "alcoviteiro diligente" sempre se dirige a um público. Em seu texto, contudo, o
um núcleo essencial não traduzível; nem há motivo para concordar com a tese da outro emerge de duas formas: como desejado e como desejoso.
intraduzibilidade por princípio de criações existentes numa única língua, com base A tradução literária não é somente a fala "em outras palavras", mas também a
no conhecimento de uma inserção cultural diferente dos termos "Brot" e "pain", que fala com as palavras do outro. O outro, porém, está na situação de comunicação do
só aparentemente equivaleriam um ao outro. A conclusão apresentada por Walter alcoviteiro para o autor como o leitor. O tradutor fala em outras palavras, as palavras
Benjamin antes nos faz focar no fato de que a mediação da tradução não acontece do outro que (bem no sentido do poema inicial de Fleurs du mal de Baudelaire)
no vácuo, direta e imediatamente, mas que uma série de filtros culturalmente também é o hypocrite lecteur do autor, mon semblable, - mon frere. O tradutor literário
determinados se interpõe, os quais equilibram o processo de tradução em si tanto em não joga somente com as palavras do autor (talvez há muito morto), mas também
relação à cultura de saída quanto à de chegada. Dito opticamente, não focamos mais com aquelas de seu (possivelmente também futuro) leitor e é também nesse sentido
no resultado, mas no processo de tradução intercultural e interlingual precedente. transtemporal um ator central de um EscreverEntreMundos. Nesse Entre-Mundo,
Isso, porém, destrói a ilusão de imediatismo, muito vezes considerado incômodo, e a tradução opera não somente na diferença cultural do outro, mas também na
pode ter um efeito doloroso no espectador separado, por causa disso, do "original". identidade cultural própria. O leitor- como semblable e.frere do tradutor- também
Como quer que avaliemos tal aspecto, o objeto do nosso desejo hermenêutico está fala na tradução, ele está presente nela.
fora do alcance de nosso acesso direto, imediato. Isso levanta uma série de problemas filológicos e narratológicos que até agora
Em suas Maximen und Rejlexionen [Máximas e reflexões], Goethe elucidou o praticamente não 405 foram reconhecidos como tais. Pois a situação de comunicação
trabalho do tradutor de maneira tanto cética como cheio de humor: "Tradutores específica de uma tradução literária é muito mais complexa do que possa parecer
devem ser vistos como alcoviteiros atarefados que nos exaltam uma bela semivelada num primeiro momento. Por vezes, a forma de tradução paratextualmente
como altamente amável: eles despertam uma inclinação irresistível pelo original" 402 • mencionada na folha de rosto se concretiza em forma de posfácios, prefácios, notas
Nosso desejo, assim podemos interpretar a Goethe, dirige-se à bela, ao original, ou notas de rodapé adicionados à tradução. Às instâncias narrativas do original
porém a atividade de tradutor nos deixa dolorosamente claro que não dispomos se juntam outras, o que pode ser comprovado especialmente na figura do leitor
de acesso direto a ela. Qualquer transparência é ilusória, enreda-se no obstáculo implícito. Mesmo se for possível identificá-la e defini-la analiticamente a partir
do véu. Em lugar de uma comunicação imediata com a bela, surge aquela com o do texto original como também da tradução, ainda assim surge na tradução um
tradutor, que como bom alcoviteiro nos exalta verbosamente o objeto de nosso segundo leitor implícito, ao qual o texto se dirige. Já por meio da escolha da língua
desejo. Em lugar de experiência direta, quase corporal, surge a mediação verbal, de destino, esse segundo leitor implícito no texto se torna reconhecível como
na qual o alcoviteiro fala com o sujeito do desejo nas palavras dele, para excitar instância "participante" (mitsprechende). A escolha de determinadas expressões e
paradoxalmente sua inclinação ao original. No princípio da tradução está o formulações pode, por exemplo, indicar se o tradutor é oriundo de um espaço
~esejo. pelo outro, ao qual a tradução, como alcoviteira e ponte, conduz, mas cultural suíço ou do leste da Alemanha ou se ele se apropriou de uma determinada
Impedmdo ao mesmo tempo uma comunicação imediata, direta. Isso transforma competência linguística, também pode chamar nossa atenção para que figura
a. tradução em um escândalo e o tradutor em seu representante. Nesse tipo de implícita de leitor o texto se dirige prioritariamente: elementos e colorações
VIsão tradicional, ele só permanece no meio e obstrui: excita, sem ele mesmo dialetais conscientemente inseridos, utilização da gíria ga/ 06 da Berlim Oriental
satisfazer. A dimensão desejosa, erótica, da tradução literária é evidente. ou a linguagem do meio específico de Freiburg - além das estruturas frásicas de
A tradução, porém, isso nossas reflexões deveriam ter mostrado, não é uma estilo - podem muito bem evocar figuras de leitor visadas que certamente não
substituição. Tradução literária não é uma simples procura por equivalências nem estavam presentes no texto original. As formações tanto das instâncias narrativas
ginástica linguística, mas sim a tentativa de continuar a escrita de uma criação quanto da área de experiência passível de hipóstase do autor implícito, em parte,
original no contexto de uma outra cultura ou de um outro tempo e de fazer se transformam de maneira tão fundamental, que sobre a rede de comunicação da
falar de outro modo, com outras palavras. Nessa tentativa da continuação da publicação original praticamente se constrói uma segunda rede de comunicação
escrita poderia residir a base para a observação do poeta e tradutor Erich Fried, que, como um véu - para retomar a imagem de Goethe -, encobre a bela e, ao
que - respondendo a algumas críticas a suas traduções de Shakespeare - reforçou mesmo tempo, descobre o habilidoso EscreverEntreMundos do alcoviteiro. Com
sugestivamente que uma tradução jamais estaria pronta. 403 uma boa tradução, isso não é desfavorável ao nosso desejo, antes mais estimulante,

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Três. Translações

uma vez que a tradução libera dimensões da comunicação que ao leitor "somente"
do original tiveram que necessariamente permanecer desconhecidas, mas que
agora permitem reconhecer novas facetas de significado. O tradutor literário
capaz nos mostra a bela (ao menos) numa luz dupla, a de sua cultura de saída
e a da respectiva cultura de chegada. Uma análise comparativa de traduções das
Alemanhas Oriental e Ocidental, sem dúvida, poderia mostrar quão diferente Quatro. Relações
essa luz e suas projeções podem ser- e isso sem falar das diferentes competências Mundos insulares caribenhos:
linguísticas de cada tradutor individual. Tradução literária aqui se torna a mais
Sobre a geometria fractal de um
criativa forma de recepção ativa, torna-se adoção e apropriação interpretativas de
artefatos estéticos cujas transições para a escrita criativa não são fixas. modelo literário insular
Nesse contexto, é interessante e elucidativo observar a confluência das
duas redes de comunicação que acabaram de ser mencionadas em textos que
- não somente por conta de certas biografias autorais - participam de duas ou Mundo-ilha e mundo insular
mais línguas e culturas e que estão perpassadas por processos de tradução tanto
ininterruptas como intermináveis. Esses textos translinguais e transculturais, que Ao final de seu Chaos und Ordnung {Caos e ordem), publicado espirituosamente
oscilam407 continuamente entre diferentes línguas e culturas de autoras e autores na Insel Verlag (editora ilha), em formato de livro de bolso, pela primeira vez em
como Emine Sevgi Czdamar, Yoko Tawada ou José F. A. Oliver, serão examinados 1993, uma reflexão muito interessante sobre Die Komplexe Struktur des Lebendigen
mais detalhadamente nos capítulos seguintes. Textos dessas autoras e desses autores (A complexa estrutura dos seres vivos), ligando ciência e literatura de forma muito
mostram, por conta de suas características translinguais numa convincente concisão próxima, o biocientista Friedrich Cramer inseriu um pequeno capítulo com o
estética, que a proximidade do EscreverEntreMundos da tradução literária à escrita título de "Nós habitantes da ilha- sobre a bela vida nos arquipélagos"409 • Nele, o
sem morada fixa de forma alguma é de natureza aleatória e que a análise de literaturas por muitos anos diretor do Instituto Max-Planck de Medicina Experimental em
sem morada fixa não pode negligenciar o confronto com a tradução literária. Gõttingen tentou comparar, numa estrutura de círculo que se fecha, todo o seu
Em processos de tradução interculturais e transculturais, interlinguais e translinguais livro e a vida {moderna) por completo com a existência em uma ilha, na verdade,
- não somente no sentido de Walter Benjamin - uma certa imposição de alteridade, todo um mundo de ilhas:
até mesmo de estranheza, é inevitável e certamente também imprescindível. O
tradutor diz as palavras do outro, da mesma forma como seu texto é dito pelas Nós vivemos num mundo insular em ilhas da ordem, em ilhas das leis físicas, em ilhas das
ideias, em ilhas da confiança. Nó; vivemos em nossas ilhas[ ... ]. É possível que haja outras
palavras do outro. Como instância de mediação cultural ele é responsável para que ilhas- todo um arquipélago. Nessas outras dimensões, talvez a ordem seja de outra na~reza,
essas palavras não sejam unicamente aquelas do autor (histórico) nem aquelas do leitor nós temos que aceitá-la com igualdade de direitos, já que agora conhecemos a pluraltdade
(visado): em seu texto mesmo deve surgir uma relação tensa, um intercâmbio entre desse mundo. 410
dois polos. O tradutor literário é a obra do outro e, com isso, servidor (e agente duplo)
de dois senhores. Justamente isso faz sua posição ser tão importante, difícil e, por isso, A metaforicidade da ilha tem o objetivo de apresentar uma situação existencial,
elucidativa. Tradução literária é, ao mesmo tempo, trabalho de artesão, arte literária e na qual impera uma ordem é iluminada em todos seus detalhes e consequên~ias
interpretação filológica. Ela própria se abre, por sua vez, às possibilidades não somente numa ilha bem específica. Ao mesmo tempo, contudo, quer ~ostrar ~ue extste
de análises linguísticas, mas também literárias, sobretudo quando a última se encontra uma consciência (de mundo) para 0 fato de que pode haver e ha outras tlhas com
fundamentada de forma semiótico-cultural. outros tipos de ordem, que seguem lógicas fundamental~ent~ diferentes, n~o
Em outras palavras: o tr~dutor literário incorpora o outro em nós e ocupa a subordinadas, mas sim com igualdade de direitos. Nisso, Fnednch Cramer sabta
força de uma configuração de saber que muitas vezes transcorre transversalmente estar em consonância com Immanuel Kant, que numa das fundamentações talvez
aos limites correntes das disciplinas acadêmicas e, com isso, apresenta um mais famosas da Modernidade filosófica, em sua Critica da razão pura, no começo
perftl genuinamente transdisciplinar. Também nesse sentido ela incorpora de suas exposições sobre "Phaenomina e Noumena" (fenômenos e númenos)
um EscreverEntreMundos cujo padrão básico é relacionalidade potenciada. enfatizara que "Agora não somente percorremos o domínio do entendimento
Os Estudos Literários fariam bem se orientassem seu trabalho nessas outras puro, examinando cuidadosamente cada parte dele, mas também o medimos e
delimitações e se levassem a sério a tradução como desafio filológico e literário. O determinamos o lugar de cada coisa nele"411 • E ele completou:
que resta aos Estudos Literário/'08 assim compreendidos, se eles mesmos, no fim Este domínio, porém, é uma ilha fechada pela natureza mesmo dentro de limites imutáveis.
das contas, são alcoviteiros criativos que procuram aumentar o prazer no texto.
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Quatro. Relações Quatro. Relações

É a terra da verdade (um nome sedutor), circundada por um vasto e tempestuoso oceano, que Limites-ilha e mise en abyme
é a verdadeira sede da ilusão, onde nevoeiro espesso e muito gelo, em pomo de liquefazer-se
dão a falsa impressão de novas terras [... ]:m
Em sua palestra de dois de março de 1977, no College de France, Roland Banhes
A metaforologia da ilha está- em Kant evidentemente em sua variante nórdica enfatizou o imaginário espacialmente Hxo dos processos deHnitórios, tendo em
rodeada por névoas e gelo- profundamente arraigada no pensamento ocidental, vista a figura da clôture, da reclusão: "É o sentido de 'definir': traçar limites,
naquelas tradições de pensamento e concepções de uma Europa cujo próprio nome fronteiras. Clausura = definição do território e, portanto, da identidade de seu/
deve sua origem a uma mulher sequestrada da costa da Ásia Menor- e com isso de seus ocupantes" 413 •
um continente-, abduzida violentamente por Zeus em forma de touro e levada a Mesmo que nessa passagem o semiólogo francês não estivesse tratando
uma ilha (mesmo não sendo esta situada no Mar Báltico, mas no Mediterrâneo). prioritariamente de ilhas, mas sim de outros espaços encerrados em si, como
As duas citações, portanto, se inscrevem num imaginário milenar do Ocidente- e o mosteiro ou um prédio burguês de vários andares, ainda assim a referência à
que não será exposto aqui -, mas também chamam a atenção para uma diferença territorialidade fundada em delimitações- finis- de toda definição racional, à
essencial. Pois enquanto o filósofo de Kõnigsberg posiciona sua ilha como sua criação de um espaço claramente delimitado e separado do outro, é valiosa para
"terra da verdade", imutável em seus limites, literalmente isolada, no meio de um nossas reflexões. Como na "terra da verdade" de lmmanuel Kant, cria-se em
mar (Báltico) que somente produz imagens de aparência e de mentira, Cramer termos definidores o encerramento de uma estrutura insular, que, no fim das
cria a imagem de um mundo insular, dentro do qual a ilha do próprio, da própria contas, também diz respeito aos habitantes ou ocupantes desse território, pois ou
ordem, encontra-se numa relação de pluralidade com outras ilhas, que obedecem se atribui a eles uma identidade marcada por limites espaciais, ou eles mesmos
respectivamente a seus próprios sistemas de sentido. se sentem pertencentes a uma identidade comum por meio do território. Eles
Com isso, estabelece-se urna estrutura de significado de ilha que é, no mínimo, estão envolvidos nesse processo definidor de inclusão, delimitação, exclusão
dupla. Por um lado, ela pode representar urna reclusão que leva ao isolamento em e desconstrução do limite, estão sujeitos a ele na mesma medida que a terra
relação ao outro., mas por outro lado também a consciência de uma relacionalidade definitivamente isolada, a ilha com seus habitantes. O encerramento (clotüre) do
diversamente conectada com o outro. Por um lado, ela é, em sua previsibilidade insular está aqui relacionado à questão do poder definidor e, mais ainda, à questão
provida de limites aparentemente fixos, a ilha como um mundo separado do do poder exercido sobre os insulanos ou pelos próprios insulanos. Estes são, desde
outro, na qual se materializa e territorializa imaginariamente uma lógica, como sempre, importantes pontos de partida para reflexões geográficas, e também para
na Utopia de Thomas Morus, ambientada no Caribe. E por outro lado, é aquele constelações internas de poder.
lugar que se sabe ser um de muitos fragmentos, arrancado, amputado e, ainda Dediquemo-nos primeiramente, porém, àqueles problemas que surgem no
assim, diversamente conectado com um continente, cuja etimologia se refere processo de definição e fixação de limites, com vistas a ilhas. Pois o olhar sobre o
continuamente ao que "está relacionado": seja como o continens das partes da terra mapa sugere, justamente no caso de ilhas, uma limitação clara, que somente no
ligadas umas às outras do "Velho Mundo" - Europa, Ásia e África -, seja como primeiro olhar - como diria Kant - está "fechada pela natureza mesmo dentro de
continente, conexo em si, formador de uma massa de terra contínua, como a limites imutáveis" 414 • Como, no entanto, é possível medir esses limites naturais
América e a Austrália o formam. A história da ilha, que semanticamente funciona na natureza?
como uma figura reversível, por um lado consequentemente abarca em sua Em sua extensa e influente tentativa, publicada pela primeira vez em 1977, de
tradição ocidental a ilha como Ilha-Mundo, na qual se espacializa uma totalidade pelo menos completar, onde não foi possível substituir, a geometria de Euclides
em se~ encerramento, para imediatamente se diferenciar, no seu espaço interno, com uma nova geometria fractal da natureza, o matemático francês Beno1t B.
em dtversos espaços parciais paisagísticos, climáticos ou culturais. Por outro Mandelbrot recorreu ao exemplo das ilhas, facilmente compreensível, para ilustrar
lado, contudo, a ilha se mostra também como parte de um mundo insular que o termo "fractal". Com sua pergunta supostamente tão simples sobre a extensão da
r~pre~enta o fragmentário, o estilhaçado, o mosaico, caracterizado pelas diversas costa britânica, Mandelbrot conseguiu mostrar com toda clareza as consequências
hgaçoes e constelações internas. Nisso é evidente que tal mundo insular mesmo da problemática levantada por ele, usando o exemplo de uma medida de linhas
se transforme novamente em um mundo de ilhas encerradas em si e, com isso, costeiras que somente no primeiro momento parece simples:
numa Ilha-Mundo ou que possa se entender como arquipélago que se comunica A extensão de uma linha litorânea se revela como um termo indefinível, que escorrega
com outros espaços. As duas linhas de interpretação podem consequentemente se pelos dedos quando queremos segurá·lo. Todos os métodos de medição, por fim, levam à
sobrepor mutuamente e assim criar as condições para um oscilar semântico, do conclusão que a extensão de uma típica linha litorânea é muito grande e assim mal definida,
qual qualquer discussão sobre ilhas deve ter consciência. que o melhor seria considerá-la infinita. 415

Que limite, porém, forma uma linha litorânea insular que é infinitamente extensa?

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Quatro. Relações Quatro. Relações

Fica imediatamente claro que a extensão de uma costa - mesmo utilizando os podem, ao mesmo tempo, ser compreendidas pela infinitude, baseada em sua
mais diversos métodos de medição, discutidos por Mandelbrot -, para dizer autossemelhança. Assim a contemplação de limites de ilhas novamente nos remete
de maneira simples, depende da exatidão de escala com a qual examinamos ao caráter duplo da ilha, no sentido de fragmentação e totalidade, de estruturação
determinada costa, excluindo ou incluindo baías, sub-baías, sub-sub-baías. fragmentária, "estilhaçada", e de uma mise en abyme que conduz ao infinito e que
Dimensões clássicas, com números inteiros, já não são mais suficientes para a tem como alvo o alcance de cada vez mais totalidades novas. A ilha, assim se pode
descrição e o levantamento científico dessa realidade, de modo que Mandelbrot dizer, oscila consequentemente entre sua separação de um mundo coerente e sua
que introduziu por consequência lógica dimensões fractais, portanto racionais, totalidade que se diferencia cada vez mais, como um mundo próprio. Que essa
exclui números inteiros. Pois a geometria euclidiana não é mais suficiente para base dada pelo espaço natural tenha consequências espaço-culturais específicas,
explicar os fenômenos examinados por Mandelbrot. forma uma das teses centrais de partida deste capítulo.
Para a descrição das características dos fractais, uma categoria central e Agora seria possível argumentar que se poderia comparar as delimitações
especialmente relevante no questionamento abordado no presente tomo é a terrestres de países que não constituem ilhas com linhas costeiras insulares,
autossemelhança.416 Mandelbrot, que por sua vez imprimiu uma estrutura fractal e até mesmo igualá-las a estas. De fato, também esses limites territoriais, que
a seu livro e enfatizou sua "conexão por toda vida com essa terra [dos fractais]" 417, não raramente seguem as curvas e formas de rios ou cadeias de montanhas, têm
indicou em seu epílogo "O caminho aos fractais" que as consequências da uma natureza fractal, de modo que não surpreende que países como Espanha e
autossemelhança para ele mesmo estavam "cheias de surpresas excepcionais'', Portugal ou Bélgica e Holanda declarem diversamente a extensão de suas fronteiras
que o teriam ajudado essencialmente "a compreender a fábrica da natureza" 418 • respectivamente comuns. Mandelbrot já havia indicado esse interessante fenômeno,
A autossemelhança dos fractais, que fica visível de forma quase plástica num expressando a suposição de que os países menores declaram respectivamente os
percurso de linhas costeiras vistas em diferentes graus de "ampliação", representa dados de seus limites físicos com um aumento de até 20 por cento, porque a
uma característica que - como a estrutura do livro de Mandelbrot já poderia escala escolhida por eles se orienta, por assim dizer, com base em relações de
sugerir - de forma alguma flca restrita à "fábrica da natureza". Trata-se de um grandeza de espaços pequenos. Desse modo, indicações de extensão territorial
fenômeno que também podemos comprovar em diferentes culturas e que que diferem substancialmente nas enciclopédias dos respectivos Estados limítrofes
podemos conectar na área da Antropologia com o modele reduit, no sentido de não revelam somente que "um país pequeno (Portugal) mede suas fronteiras mais
Claude Lévi-Strauss, ou na área dos Estudos Literários com a mise en abyme, que cuidadosamente que seu vizinho grande" 421 , mas também que o conceito de
terminologicamente remonta a André Gide. Esses termos devem ser entendidos- extensão de forma alguma é tão "objetivo" como parece ser: "Inevitavelmente o
dito de forma simplificada- como partes de uma estrutura que contêm a estrutura contemplador se imiscui na definição" 422 • Até mesmo definições matematicamente
completa- e com isso também a si próprias- de forma reduzida, representando justificadas e compreensíveis territorializam, consequentemente, em dependência
consequentemente a chave para a compreensão da totalidade. Também neste caso do respectivo observador.
temos à nossa frente uma relação fractal caracterizada por uma autossemelhança Não deve nos interessar aqui a calculabilidade matemática desse tipo de
fundamental, à qual aliás podem ser atribuídas funções bem diversas. delimitação, mas sim a importante diferenciação, para as reflexões seguintes,
Diante desse quadro, a afirmação de Mandelbrot tem mais impacto, ao dizer entre ilhas-limite/limites de ilha e limites da terra firme. Ao contrário dos limites
que em face da "irregularidade e do estilhaçamento" de muitos fenômenos da terrestres (nacionais), trata-se, no caso dos limites exteriores das ilhas, de limiares
natureza não poderia ser o caso de assumir "simplesmente um grau maior de entre terra e água e, portanto, de uma descontinuidade fundamental que força,
complexidade diante de Euclides"419 • Trata-se muito mais de algo diferente: entre outras coisas, uma troca de veículos em movimentos que atravessam tais
fronteiras: As ruas de uma ilha não a abandonam, não conduzem (continuamente)
A existência de tais formas nos desafla a estudar aquilo que Euclides deixa de lado como
"amorfo", nos conduz à morfologia do "amorfo". [... ] Respondendo a isso, desenvolveremos
para fora da respectiva ilha. Se o fazem, então continentalizam o mundo insular,
uma nova geometria da natureza e comprovaremos sua utilidade em diferentes campos. assim como as Cayos ou Keys no extremo sul da Flórida foram, no sentido literal
Essa nova geometria descreve muitas das formas irregulares e estilhaçadas à nossa volta - e da palavra, "conectadas" (angeschlossen) por meio de estradas, com consequências
nomeadamente uma família de flguras que denominaremos fractais. Os fractais mais úteis de grande impacto. Essa descontinuidade ao mesmo tempo elementar e midiática
contêm o acaso tanto em suas regularidades como em suas irregularidades. 420
forma um pré-requisito essencial para a semântica dupla da ilha e para aquele
As reflexões de Mandelbrot sobre o caráter irregular, "amorfo", das linhas costeiras movimento oscilante entre fragmentariedade e totalidade, entre ilha-mundo e
chamam igualmente nossa atenção para a natureza dupla das ilhas- entendidas mundo insular. Ela transforma aquela dimensão fractal, que pensa conjuntamente
como fragmentos não coerentes de linhas costeiras que se fecham. Ilhas se a fenda e a autossemelhança, de modo fundamental na imagem da ilha, em uma
caracterizam pela fragmentação diversa, irregular, de suas dimensões fractais e experiência existencial mundana e cultural cotidiana.

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Quatro. Relações Quatro. Relações

Globalização acelerada e arquipélago-ilha e de forma alguma complementares, a situação das Antilhas, como também a
das colônias ibéricas em terra firme, seria completamente diferente, por causa
Num ensaio, publicado pela primeira vez em 1976, o teórico brasileiro da cultura da produção de açúcar, tabaco, algodão e outros produtos coloniais: "uma
Darcy Ribeiro abordou a questão de se a América Latina, de fato, existe. Ele partiu pequena ilha do Caribe era mais importante para a lnglaterrra, do ponto de vista
primeiramente da situação geográfica e constatou uma tensão que é elucidativa econômico, do que as 13 colônias matrizes dos Estados Unidos" 425 •
para a nossa discussão acerca do continental e do insular: Também para Galeano a situação de arquipélago, consequentemente, significava
o mesmo que dependência externa extrema e falta de um desenvolvimento de forças
No plano geográfico é notória a unidade da América Latina como fruto de sua continuidade
continental. A esta base fisica, porém, não corresponde uma estrutura sociopolítica unificada
internas, dirigidas à implantação de estruturas autônomas, dentro da fracturación
e nem mesmo uma coexistência ativa e interatuante. Toda a vastidão continental se rompe em observada por ele. De fato, seria possível defender a tese de que foi o papel de destaque
nacionalidades singulares, algumas ddas bem pouco viáveis como quadro dentro do qual um povo de diferentes ilhas caribenhas, especialmente durante a primeira e a segunda fase de
possa realizar suas potencialidades. Eferivamente, a unidade geográfica jamais funcionou aqui como globalização acelerada (ou seja, após a assim chamada "descobenà' por Cristóbal Colón,
fator de unificação porque as distintas implantações coloniais das quais nasceram as sociedades
latino-americanas coexistiram sem conviver, ao longo dos séculos. Cada wna delas se relacionava
aliás Colombo, e também na segunda metade do século XVIII), que condicionou
diret:amente como a metrópole colonial. Ainda hoje, nós, latino-americanos, vivemos como se a relacionalidade externa altamente desenvolvida das grandes e pequenas Antilhas.
fôssemos um arquipélago de ilhas que se comunicam por mar e pelo ar e que, com mais frequência, Em oposição a isso, a relacionalidade interna desse mundo insular - não menos em
voltam-se para fora, para os grandes centtos econômicos mundiais, do que para dentro. As próprias decorrência do pertencimento a diferentes impérios coloniais e das delimitações
fronteiras latino-americanas, correndo ao longo da cordilheira desértica, ou da selva impenetrávd,
coloniais entre os respectivos domínios resultantes disso - foi massivamente
isolam mais do que comunicam e raramente possibilitam uma convivência imensa.423
negligenciada, impedida ou até mesmo conscientemente tolhida.
Se não levarmos em conta que o termo culturalmente definido América Latina não No contexto dessas reflexões, certamente é supérfluo abordar detalhadamente o
se presta a uma terminologia geográfica, que mesmo América do Sul certamente fundamento comum daqueles desenvolvimentos em parte contínuos, em parte de
não pode ser denominada uma unidade continental, mas subcontinental e que, transcurso intempestivo, os quais caracterizaram o Caribe muito além de todas as
por fim, não fica claro que lugar o antropólogo brasileiro está disposto a conceder delimitações políticas e de processos de hibridização culturais altamente diversos,
ao mundo insular caribenho em vista da América Latina, a situação de arquipélago desde sua entrada num contexto econômico globalizado e globalizante. Como etapas
das nações continentais latino-americanas exposta aqui é elucidativa em vários essenciais e características estruturais de um arquipélago de ilhas que obedecem ao
aspectos. Por um lado, ela, com todo direito, chama atenção para a continuidade mesmo tempo a regras do jogo comuns e que diferem umas das outras podem valer: a
secular de uma relacionalidade externa orientada às necessidades dos respectivos história da conquista que, dependendo da ilha, transcorreu de forma bem diferente,
impérios coloniais; por outro, essa situação de arquipélago é interpretada como com expulsão ou genocídio da população indígena; a transição de uma economia
impedimento massivo de uma relacionalidade interna objetiva; e, por fim, extrativista precária, incluindo a deponação violenta de escravos indígenas de ilhas
as fronteiras que transcorrem por anecúmenas, ou seja, cordilheiras ou selvas vizinhas, para uma economia agrícola, orientada cada vez mais ao açúcar e baseada
"inabitadas", são consideradas altamente adversas à comunicação, de modo que na exploração implacável de escravos africanos levados de maneira violenta para a
a América Latina do século XX, cuja existência real Ribeiro aborda nesse ensaio América, com a integração necessária proporcionada pelas estruturas construídas às
muito respeitado, é entendida como um espaço multiplamente fragmentado, que pressas e constantemente otimizadas do Black Atlantic; a mecanização, intensificação
obedeceria a uma lógica insular negativamente estigmatizada. e industrialização cada vez maior de estruturaS econômicas coloniais complementares,
Poucos anos antes, o ensaísta uruguaio Eduardo Galeano apresentou uma análise com sua substituição progressiva de escravos por trabalhadores contratados,
comparável, embora consideravelmente mais ampla, em seu ensaio As veias abertas predominantemente indianos, chineses ou malaios, boias-frias e coolies ; assim como
da América Latina, publicado em 1971 e muito discutido ao longo da década de um desenvolvimento altamente diverso de movimentos de independência desde a
1970 e em parte ainda nos anos 1980, que identifica no desenvolvimento contrário conquista da independência de Haiti no ano de 1804 que transformou toda a região
de relacionalidade interna e externa o motivo principal para o desenvolvimento do Caribe até hoje na região global politicamente, por certo, mais heterogênea. A
econômico tão diverso das antigas colônias anglo-saxãs e ibéricas: pluralidade de ordens e lógicas em parte contrárias, que em si mesmas são já são
altamente híbridas, pode ser considerada, assim, como característica estrutural
Esta é também a chave que explica a expansão dos Estados Unidos comunidade nacional
fundamental de um grupo de ilhas que geográfica, cultural e politicamente se desintegra
e o fracionamento da América Latina: nossos centros de produção não estavam conectados
entre si, porém formavam um leque com o vértice muito longe. 424 em várias regiões parciais que se sobrepõem e ao mesmo tempo estão multiplamente
conectadas. Um grupo de ilhas que desde o início foi muito mais que um espaço de
Enquanto a agricultura nas colônias anglo-saxãs da América tinha uma paleta trânsito entre Europa e América, entre o norte e o sul dos hemisférios. Pois foi ele que,
de produtos a oferecer, comparável aos produtos agrários do centro imperial na verdade, criou esse hemisfério.

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Quatro. Rela9Õfi
Quatro. Rela9Ões

A fusão cartográfica das duas partes (ou ilhas) da América, primeiramente não
Ante-ilhas e esferas de poder
ligadas uma à outra por nenhum istmo concatenador, por meio do efeito de um nome
O par de oposição entre "Velho" e "Novo Mundo" certamente ainda não caracteriza que de modo extremamente significativo juntou o continente, abriu a possibilidade
a visão europeia da América nas escritas de Colombo - que até sua morte estava de um pensar hemisférico que, do século XVI até hoje, coloca em perspectiva de
sabidamente convicto de ter chegado pelo caminho do Ocidente à Índia, à China e forma bem diversa o assim chamado "Novo Mundo". Decisivo para isso, porém, me
ao Cipango de Marco Polo -, mas sim a partir daquele momento em que o florentino parece ser o fato que a perspectivação do "Novo Mundo" pelos europeus foi feita
Américo Vespúcio começou a falar de um mundus novus. Assim ele escreve em sua respectivamente a partir de ilhas. A primeira expedição de Colombo se encontrava,
famosa carta a Lorenzo di Pier Francesco de' Mediei (Lourenço de Médici), que logo como também as expedições seguintes, sob o signo das ilhas: Ele utilizava as Ilhas
circulou em forma de muitas cópias e traduções na Europa: Canárias, onde a repressão dos Guanches naquele momento ainda não havia sido
concluída, como posto e ponto de partida estrategicamente localizado, e parou -
Nos últimos dias, relatei detalhadamente da minha viagem de volta daquelas novas regiões [ab
por causa de uma famosa mudança de curso a sudoeste, desencadeada pelo voo dos
novis illis regionibus] que exploramos e descobrimos com a frota às custas e a serviço de Sua Alteza
o Rei de Portugal (de onde agora lhes escrevo) e que poderia se denominar de um novo mundo pássaros visto por ele em 7 de outubro de 1492 - não na costa de um continente,
[novum mundum appeUare licet], uma va. que os velho não tinham conhecimento dessas regiões mas sim nas ante-ilhas já esperadas por ele em frente à massa de terra da Ásia, das
e cuja existência a todos que ouvem dela é algo completamente novo [novissima n?s]. Pois de fato quais imediatamente tomou posse. Partindo dessas ante-ilhas, as Antilhas- que na
isso excede às concepções das pessoas de nossa Antiguidade [opinionem nostrontm antiquontm
acedit] em muito, na medida em que a grande maioria deles acreditava que não haveria qualquer
expansão espanhola logo se tornaram contra-ilhas das Canárias -, teve início uma
terra firma ao sul do Equador, mas somente o mar, o qual chamavam de Atlântico; e mesmo política de poder transatlântico e transcontinental, que desde o começo era baseada
que alguns poucos afirmassem que haveria terra firme lá, assim explicavam, no entanto, com em ilhas, que contou com as velhas conexões insulares até sua queda definitiva, no
muitos argumentos que essa terra não seria habitável. Mas que essa sua concepção é errônea e não século XIX, e que conservou um caráter fundamentalmente insular.
corresponde de forma alguma à verdade, essa minha última viagem marítima comprovou, pois eu
encontrei naquelas latitudes meridionais um continente, colonizado mais densamente com povos Essa perspectiva insular mostra o primeiro mapa, desenhado por Juan de
e animais que nossa Europa ou Ásia e África, e além disso um clima que é mais ameno e agradável la Cosa em 1500 com toda clareza desejável. As ilhas, com seus contornos em
que em qualquer outra região do mundo que nos é conhecida, como ainda ouvireis mais abaixo. parte impressionantemente precisos, mas em parte também mais inventadas que
J..:í colocarei no papel em toda concisão os principais pontos dos acontecimentos e todas as coisas descobertas, fazem surgir a imagem de um espaço circuncaribenho, cujas linhas
dignas de relato que eu vi e ouvi nesse novo mundo [in hoc novo mundo] .426
costeiras irregulares abrem espaço suficiente para um continente concatenado. Os
Não pretendo de forma alguma intervir, neste momento, na discussão que sempre Açores e as Ilhas do Cabo Verde igualmente desenhados, mas sobretudo as Ilhas
volta a arder e que esquenta os ânimos sobre até que ponto o viajante florentino podia de Sotavento e as Ilhas de Barlavento, indicam elas próprias uma lógica insular de
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desenvolver uma consciência de ter encontrado uma região do mundo separada de exploração, conquista e apropriação espaciais que deixa claro que mesmo sem um I·

modo definidor e definitivo (e isso significa territorialmente) da Ásia. Trata-se nisso de conhecimento seguro sobre a existência de um "Novo Mundo" naquele momento
uma questão que ninguém menos que Alexander von Humboldt negou decisivamente pôde surgir um pensar hemisférico, dentro do qual o mundo insular caribenho teve
no estudo, no melhor dos casos conhecido injustamente somente por especialistas, de um papel decisivo, definidor e, com isso, demarcador de limites territoriais. Já no
seu _Exam_en critique, uma vez que tanto Colombo como Vespúcio "até suas mortes Tratado de Tordesilhas, assinado entre as potências ibéricas em 1494, os fundamentos
[tenam] I~ente a firme convicção de [terem] tocado diferentes pontos da terra de uma divisão do mundo em esferas de poder e influência, naquele momento
firme daAsia''427. É muito bem conhecido que foi com base em erros e mal-entendidos ainda não reconhecíveis em suas dimensões, estavam definidos; um mapping não só
qu: 0 jov~~ geógrafo Martin Waldseemüller, em 1507, sugeriu em sua Cosmographiae mental, mas também militar e político que começa a tomar forma cartograficamente
unzversalts tntroductio o primeiro nome do viaJ"ante italiano como denominaça~o para no esboço arrojado e ao mesmo tempo baseado nas próprias experiências de Juan
0 "novo" continente quase inventado por este e o colocou em seu mapa-múndi. de la Cosa. Como em Colombo e Vespúcio, mas agora em contornos cartográficos
Em 1940, Stefan Zweig, a quem esse "Novo Mundo"- em delimitação a um (seu) que se assemelham a esboços geopolíticos, aqui se distingue espacialmente aquele
"mundo de ontem'' -veio a se tornar destino, sutilmente chamou a atenção sobre em intercâmbio entre conhecimento de topos, de experiência e horizonte de expectativa
que medida a unidade da América, desse Mundus Novus, penetrou paulatinamente (predeterminados) que- como também o próximo exemplo ilustrará- iria perpassar
~a consciência europeia só por meio dessa denominação. Zweig destacou a união todas as concepções (europeias) do "Novo Mundo". O continente americano é
linguístico-discursivamente redigida e, por fim, cartográfico-territorialmente pensado pelos europeus desde o início de modo transcontinental. A "invenção da
ancorada das "ilhas" das duas Américas, reforçando não sem uma nota de ironia, América'' 429 é uma invenção transcontinental.
como "Mercator, o rei dos cartógrafos", no ano de 1538, desenhou "todo o continente No mapa de Juan de la Cosa impressiona não somente a enorme extensão já
como uma unidade em seu mapa-múndi" e escreveu "o nome América sobre as duas distintiva das linhas costeiras insulares nele desenhadas, mas também todo o
partes, AME sobre o norte e RICA sobre o sul"428. intercâmbio entre mundo insular e continente. Essa relação central se evidencia não
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Quatro. Relações Quatro. Relações

menos em outros dois esboços cartográficos, introduzidos no códice do veneziano


Alessandro Zorzi e que retomam um relato de viagem escrito por Barrolomé Colón,
no ano de 1506, em cujo centro pode-se facilmente identificar algumas das ilhas
antilhanas indicadas por nomes - além de "spagnola" e "guadalupa" também uma
ilha dos "canibali" 430 • Enquanto no extremo leste da imagem a Península Ibérica e
a África, com sua ilhas antepostas, são reconhecíveis, a massa de terra localizada no
extremo oeste com o nome de "Ásià' alcança até o espaço do Norte d a China. Bem
no final do extremo sul da imagem, onde se distinguem as linhas costeiras de Paria,
pode-se reconhecer facilmente, além disso, a denominação d e "Mondo Novo".
Aqui não nos interessa tanto que o "Novo Mundo" pode ser pensado a partir de
uma perspectiva europeia, sem desmembrá-lo necessariamente da Ásia, mas muito
mais a conclusão de que são as ilhas a partir das quais os continentes, que permanecem
desconhecidos aos europeus, são pensados. Pois são as ilhas que estão no verdadeiro
centro e que configuram um "novo mnndo", encontrado e inventado para a Europa.
Nesse "novo mundo", porém, projeta-se uma lógica insular que, no fim das contas,
ainda aparece naquelas análises de Eduardo Galeano e Darcy Ribeiro, na quais se
enfatiza a situação de arquipélago da América ibérica e a relacionalidade interna
"negligenciadà' por lá, com consequências tão sérias. A "invenção" e a configuração do
"Novo Mundo" se deu pelo espaço insular caribenho e não é pensável - especialmente
também como construção hemisférica - sem este, em seu desenvolvimento.

Ilhas-cacos e ilhas- relações

Vamos resumir: No começo era a ilha - ao menos na visão dos europeus. Os já


mencionados, mas também outros mapas, mostram isso co m toda clareza . Porém,
à primeira vista, o olhar sobre as obras cartográficas engana: Uma ilha não é uma
formação estática, fixa, mas deve sim ser compreendida vetorialmente como um
lugar, no qual se cruzam e sobrepõem os movimentos historicam ente ac umu lados
os mais diversos, um campo de forças, no qual esses movimentos são e permanecem
armazenados. Com isso, uma ilha pode ser definida (e territorializada) como um
lugar de movimento, cujos modelos e vetares móveis, historicamente armazenados
permanecem constantemente acessíveis.
No seu primeiro aparecimento na América, os espanhóis dispunham d e vastas
experiências com ilhas. Sua intimidade com estruturas insulares como espaços de
trânsito e de movimento possibilitou o desenvolvimento de uma lógica insular
que representou um pré-requisito fundamental para a conquista tão ráp ida d a
terra firme, não no sentido da apropriação de extensas áreas terrestres, mas da
ocupação e da proteção posterior ou do abastecimento d e centros singulares.
Independentemente da rápida construção posterior de uma esrrutura econô mica Excerto do mapa de Juan de la Cosa ( 1500)
colonial centrada na plantação de cana-de-açúcar no C aribe, pode-se por isso falar
com bons motivos de uma política de expansão " insulinodependente", a qua l
tinha por objetivo a implementação de ilhas-poder ligadas à respectiva m erró pole.

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Quatro. Relações Quatro. Relações

A "insulinà', "injetadà' no corpo colonial a ser construído, levou como está condenado a contradizer a si mesmo" 437 • Pois Walcott escolheu para a poesia,
consequência lógica ao fortalecimento de uma relacionalidade externa, enquanto a de um modo característico não só para ele, uma metaforicidade insular que tem
ligação interna de portos e centros de poder com a "área" permaneceu rudimentar. por alvo um movimento entre ilha e continente, mais exatamente: uma ruptura
Também isso fortaleceu o fato de que essas ilhas-poder e esses mundos insulares como fragmento: "Poesia é uma ilha que se rompe do continente" 438 • O poeta,
justamente não se caracterizassem no continente por meio de territorialidade consequentemente, é um insulano solitário. Poucas linhas antes disso, Derek
coerente- ou seja, continental-, mas sim por meio de uma condição vetorial. Nisso contrapusera a essa metaforicidade de movimento do fragmento a imagem mais
me parece importante reforçar que os vetares como que insularmente armazenados estática de uma totalidade que deveria ser reconstruída e refeita:
não se assentam dentro de uma geometria contínua, por assim dizer euclidiana,
Se um vaso quebra, e o amor, o qual junta os fragmentos, é mais forte que aquele amor
mas sim dentro de um espaço multiplamente fragmentado, caracterizado por que assumiu sua simetria como dada quando ainda estava inteiro. A cola que gruda os
um grande número de saltos e descontinuidades. Não somente linhas costeiras, fragmentos é a vedação da forma original. Um amor desse tipo junta nossos fragmentos
mas também movimentos podem ser compreendidos no sentido de padrões431 africanos e asiáticos, aquelas peças quebradas de herança, cuja restauração deixa cicatrizes
fractais. Os padrões de movimento armazenados se assentam consequentemente brancas. Essa coleção de fragmentos é o cuidado e a dor das Antilhas, e quando as peças
são díspares e não querem combinar, então contêm uma dor maior ainda que sua formação
numa geometria fractal não somente da natureza, mas mais ainda da cultura e, original, aqueles ícones e vasos sagrados que desde sempre ocuparam seus lugares de tradição.
com isso, dentro de um espaço que numa perspectiva euclidiana ficaria amorfo, Arte antilhana é a restauração de nossas hist6rias destroçadas, de nossos cacos de palavras,
na visão de uma geometria fractal -ou de uma geometria quântica -, porém de nosso arquipélago, que se tornou sinônimo daqueles fragmentos que foram quebrados
mostra padrões de signiflcado específicos. Assim, o insular-incoerente se torna do continente. 439
uma característica de um continente geograficamente coerente. Que padrões de O arquipélago das Antilhas surge nesse esboço poético de uma paisagem da
significado se distinguem aqui? teoria como coleção de cacos e fragmentos que originam de seus continentes
"Transições de periodicidade no caos"432 , como são utilizadas na natureza para "primordiais", no que a África e a Ásia- e paralelamente também as culturas
a descrição de estruturas fundamentalmente complexas 433 dos organismos vivos, do Mediterrâneo e da Europa440 - estão inclusas. Assim o fragmento se encontra
permitem uma visão nova da rede de relações espaço-temporais dentro de um numa conexão estreita com uma totalidade global, no melhor dos casos até
mundo insular, no qual é possível compreender as posições isoladas das ilhas como mesmo se torna sua presença condensada. Ao mesmo tempo, porém, a imagem
sobreposições434 múltiplas e ligações de padrões de movimentos diferenciados do vaso quebrado indica uma unidade e totalidade primordial, mas perdida
um do outro. Eles possibilitam não somente uma compreensão posterior de posteriormente que poderia ser reconstituída num ato de restauração. Essa imagem
movimentos históricos, mas também de movimentos futuros- o que não significa poderia facilmente ser comparada- incluindo a força unificadora do amor- com
sua predição. O aparentemente estático e territorializado se torna interpretável a fala de Walter Benjamin sobre o vaso quebrado de uma língua primordialmente
como padrão de movimento fundamentalmente complexo, no que cada posição, comum a todos os seres humanos, cuja reconstituição translatória é a tarefa de um
cada ilha obtém uma história vetorial própria e relevância para movimentos e
tradutor esforçado em manter a diferença:
desenvolvimentos futuros. Cada ilha dispõe de seu sentido próprio, que sem uma
análise relacional do mundo insular naturalmente não pode ser identificado. Assim como cacos de um vaso que, para poderem ser juntados, devem seguir um ao outro
nos mínimos detalhes, mas não devendo se assemelhar assim, desse modo, no lugar de se
Por ocasião do recebimento do Prêmio Nobel de Literatura, em sete de dezembro
fazer semelhante ao sentido do original, a tradução deve muito mais com ~or e em ca~a
de 1992, Derek Walcott se exasperou, com razão, por causa da autorrepresentaçáo detalhe reproduzir (ahhilden) o modo de julgamento dele (dessen Art des Memens) na pr6pna
;r~ turística das ilhas caribenhas, que estariam se perdendo na "repetição extrema das língua, para assim fazer reconhecíveis a ambos como cacos, como fragmentos de um vaso,
mesmas imagens do servir que não permitem diferenciar uma ilha da outra"435 • Ao como fragmentos de uma língua maior. 441
contrário disso, seria necessário desenvolver uma memória específica para cada ilha:
A terminologia da restauração, da reconstituição, de Derek Walcott inequivocamente
Cada uma das Antilhas, cada uma das ilhas é um esforço por mem6ria; cada espírito, cada contém a concepção de uma condição original, primordial, à qual- mesmo que com
biografia racista culmina em perda da mem6ria e névoa. Partes da luz solar passam pela cicatrizes - é possível retornar outra vez. A proximidade com a utopia de Benjamin
névoa e arco-íris repentinos, arcs-en-ciel. Esse é o esforço, o trabalho da imaginação antilhana
que faz ressuscitar seus deuses de bambu frase por frase. 436 de uma "língua maior" é óbvia.
Dessa perspectiva, Derek Walcott poderia ser entendido antes como um
A tarefa resultante disso para a literatura e a arte é a reconstrução de uma história representante do mundo insular, no qual a ilha se torna a agregação do mundo
respectivamente única, que de outro modo se dissolveria em névoa amorfa. inteiro. Mesmo que em sua concepção de arquipélago sempre haja uma diversidade
Talvez valha para o próprio Walcott o que ele escreveu com vistas a algumas que nunca poderá se dissolver no homogêneo, fica evidente que a cada ilha como
interpretações do poeta Saint-John Perse, admirado por ele: "O gênio caribenho fragmento, como "caco" de um vaso quebrado, sempre corresponde um lugar

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Quatro. Relações
Quatro. Relações

ft.xo, estático, a partir do qual pode se juntar uma imagem completa. Mas isso não "Velho Mundo" e "Novo Mundo":
seria o caminho "de volta" para o coerente, para o continente? construções hemisféricas
Ao contrário de um mundo insular esboçado desse modo, dentro do qual
se distingue uma relação privilegiada entre o "caco" e o "vaso", entre ilha e No nível epistemológico e discursivo, a diferenciação entre "Velho Mundo''
continente, o mundo insular de Edouard Glissant não está direcionado à relação e "Novo Mundo" regulou o intercâmbio assimétrico de saber e bens materiais
histórico-genealógica com um "original", mas desenvolve uma "poética da relação", como a implementação de biopolíticas que- como o deslocamento da população
a qual coloca no centro das reflexões as relações recíprocas mutáveis e móveis no além indígena em retiros, a introdução de escravos negros ou a política de imigração
do "essencial". Nisso ele não contrapõe442 somente o esboço de uma "identité-relation" colonialmente monitorada - estavam claramente direcionadas aos interesses do
móvel a uma concepção de identidade territorialmente arraigada, mas desenvolve, "Velho Mundo" e especialmente das potências ibéricas. A diferenciação categorial
ao mais tardar desde o seu influente livro Le discours antillais, publicado em 1981, entre "Velho" e "Novo Mundo" abarcou nisso todos os aspectos e campos do
conscientemente uma compreensão relacional do mundo insular caribenho: saber, da concepção de um continente que partia da Europa em missões e de
sua integração em um único contexto da história da salvação, passando pelo
Mas o que realmente são as Antilhas? Uma multirrelaçáo. Todos nós o sentimos, o expressamos desenvolvimento de concepções jurídicas próprias a regiões e povos fora da
todos sob todas formas ocultas e caricaturais possíveis ou o negamos veementemente. Mas
percebemos muito bem que esse mar com todas suas ilhas finalmente descobertas está em nós. Europa, até a geognosia e a geologia, cuja concepção de que, no caso da América,
O Mar da Antilhas não é o lago dos Estados Unidos. É o estuário das Américas.'1'13 se trata de um mundo "mais novo", de desenvolvimento ainda não tão avançado
e - como o Orinoco e o Amazonas mostraram - de um mundo que surgiu mais
Essa complexidade (multi) relacional está relacionada em consequência lógica à tarde das águas, imperou até grande parte do século XlX. A "disputa sobre o Novo
pluralidade das Américas, no além de uma potência hegemônica imperial que há Mundo" 445 , que se estendeu por séculos, comprava o poder de efeito, mas também
muito reduziu semanticamente o nome de América aos EUA. Na metáfora do a polêmica dessa separação discursiva, cuja força estruturadora, não somente na
estuário- que, geomorfologicamente, por certo não pode ser mantida - surge "velha Europa" de ainda hoje, de forma alguma foi completamente rompida.
além disso uma ideia geográfica que já se mostra extremamente clara no mapa de Com a concepção do pan-americanismo de cunho bolivariano, surgida no
Juan de la Cosa, do ano de 1500: um mar das Antilhas, alimentado pelos rios das contexto dos movimentos de independência, retomando em parte expectativas
massas terrestres circuncaribenhas ao redor e que se abre para o oceano Atlântico. dessacralizadas e da história da salvação como também certas concepções do
Identidades fixadas, no entanto, assim Glissant esclarece em sua Poétique de la Iluminismo hispânico-colonial e especialmente novo-hispano, desenvolveu-se no
relation, deveriam ser postas em movimento por concepções que radicalizam o início do século XlX uma construção hemisférica que agora deveria estar orientanda
rizomático desenvolvido filosoficamente por Gilles Deleuze e Félix Guattari. Pois, primordialmente aos interesses do "Novo Mundo" e que deveria neutralizar as
de acordo com Glissant, cada identidade relacional deveria ser "pensada até o fim" potências coloniais europeias como fatores de poder na América. Em sua "resposta
em sua relação com o outro. 444 de um sul-americano a um senhor desta ilha" (Contestación de um Americano
Para nosso questionamento, naturalmente é decisivo que o mundo insular das Meridional a un caballero de esta is/a), datada de 6 de setembro de 1815 em Kingston,
Antilhas em sua multirrelacionalidade, no sentido de Glissant, se abre para todo que entrou na história do continente sob a denominação de "Carta de Jamaica"
o hemisfério - e justamente não no sentido do American Hemisphere. Mesmo que como um dos documentos mais famosos da independência, Simón Bolívar iniciou
o poeta e crítico cultural, oriundo de Guadalupe, tenha sempre se ocupado bem sua argumentação indicando "os conhecimentos limitados que eu tenho de uma
mais, em seus escritos, da parte românica do "novo mundo", ainda assim se reforça 446
terra tão imensa, diversa e desconheci'da como o N ovo Mun do"·
com isso a necessidade de uma perspectivação hemisférica do Caribe - levando Esse "Novo Mundo", que Bolívar sucessivamente também denominou de
em conta uma perspectivação caribenha do hemisfério. Pois o Caribe, ao qual "hemisfério" 447 ou "novo hemisfério" (nuevo hemisfério) 448 , deveria ser livre em
pertence não somente o mundo das ilhas, mas também o das costas continentais sua totalidade, pois isso exige "o equilíbrio do mundo"449 e mesmo a situação de
circuncaribenhas, sempre foi uma ponte entre a América do Norte e a América do interesse de uma Europa orientada ao comércio. Esclarecedor, evidentemente, é
Sul, no sentido do espaço natural como cultural. Mas como seria possível pensar que Bolívar a partir da perspectiva insular jamaicana também colocou em cena
inovadoramente, além do já exposto aqui, sobre a relação entre aquele mundo de o "Novo Mundo" mesmo como ilha, pois é "uma pequena espécie humana
ilhas, das quais de longe a maior- a ilha de Cuba- não pertence às dez maiores ilhas para si" 450 , que habita "um mundo para si" 451 , o qual está "rodeado por extensos
dessa terra, e todo o hemisfério? Ou, de outro modo: quais são as possibilidades mares" 452 • Essa insularização, ou melhor, "caribização", pelo menos da parte ibérica
existentes de não se continuar a isolar o Caribe, no sentido de um viés de estudos do hemisfério, evidentemente é limitada, uma vez que Bolívar vislumbra no istmo
regionais, ou mesmo de estilhaçá-lo em fragmentos de disciplinas isoladas, mas de da América Central, que toma uma posição grandiosa entre os dois grandes mares,
pensá-lo inovadoramente no sentido de uma pesquisa de conexão transareal?

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Quatro. Relações Quatro. Relações

o futuro "empório do universo" (emporio dei universo) 453 que com o auxílio das "as nações românticas do continente e as ilhas dolorosas do mar"458 • A doutrina
conexões do canal a ser criado terá um papel central entre Europa, América e Ásia. hemisférica dominante em todo o século XX acabou sendo definida a partir daí não
Consequentemente, em nenhum outro lugar poderia ficar a futura "capital do insularmente, mas sim de modo continental, consequentemente a partir de uma
mundo" (la capital de la tierra) 454 • Desse ponto em diante, surge a visão da Jamaica massa de terra coerente de uma grande nação e seu poder econômico ubiquitário.
esboçada a partir de um hemisfério centrado continentalmente nas quatro partes O elemento de caráter insular literalmente só surgiu na estratégia militar dos EUA
do mundo (cuatro partes del globo) 455 e, com isso, numa perspectivística global, na medida em que- desde os esboços impactantes de um "império dos mares"
característica do pensamento pan-americano de Bolívar. do American Seapower - o foco era poder alocar o mais rapidamente possível
Pensado não menos globalmente - e ao mesmo tempo de modo hegemônico "ilhas" artificiais, e com isso móveis, em forma de navios de combate e, mais tarde,
-, porém, são os esboços dos hemisférios que se originam poucos anos mais tarde de porta-aviões como bases militares diante das costas de qualquer país, para a
do Norte do continente. O esboço da doutrina de Monroe, a expectativa de colocação em prática de uma reivindicação de poder primeiramente continental,
salvação do Manifost Destiny, assim como o peso territorial, político e econômico mas já na sequência global. A técnica de ilha da política de expansão espanhola,
em crescimento dos EUA no continente americano em geral marcam a formação com isso, foi ao mesmo tempo continuada e tecnologicamente superada: desde
de um outro pan-americanismo, que vai se desenvolvendo ao longo do século a terceira fase da globalização acelerada, ao final do século XIX, as reivindicações
XIX, de um Panamericanism, que certamente também queria limitar a posição hegemônicas dos EUA se baseiam na criação de ilhas "próprias" em meio a um
de poder da Europa, mas que ao mesmo tempo estava muito conscientemente a "Mare Americanum", que em breve seria de tamanho global.
serviço dos interesses da (futura) potência hegemônica dos EUA. Essa construção
e a compreensão que a fundamenta, dos hemisférios no sentido de esferas de
influência e domínio, sem dúvida poderia se atrelar à divisão do mundo entre
Pesquisa transareal sobre o Caribe e lógica relacional
as potências ibéricas no Tratado de Tordesilhas. Decisivo foi o fato de que o
centro de poder que dominava o continente foi transferido para o "hemisfério
Diante desse cenário, é necessário desenvolver, no contexto da atual quarta fase
ocidental", uma exigência que foi posta em prática, na intervenção exitosa dos
de globalização acelerada, conceitos que se estabeleçam entre um nível local ou
EUA em 1898, na guerra cubano-espanhola e com a eliminação militar definitiva
nacional, por um lado, e um nível universal, planetário, por outro, e que ao mesmo
da Espanha como potência colonial no Caribe e nas Filipinas. Bem cedo o
tempo evitem cimentar econômica e intelectualmente oposições territorializadas
senador estadunidense e secretário de estado William H. Seward esboçara esse
simplistas e estáticas entre os EUA ou Canadá e os países da América Latina e do
desenvolvimento como "profeta de um imperialismo comercial de dimensões
Caribe. Nisso certamente é preciso concordar com o conceito de uma filologia
globais" 456, declarando o Caribe, e também o México - cuja capital, de acordo
da literatura universal, apresentado por Erich Auerbach em 1952, de acordo com
com Seward, poderia se tornar um dia a "sede de um futuro império americano" 457
o qual "nossa pátria filológica [é] a terra; a nação não pode mais sê-lo"459 • Porém
-,em zona de influência direta dos EUA.
me parece necessário desenvolver níveis de intermediação entre o conceito de
Ao mesmo tempo, ftxou-se ao longo do século XIX a bipartição do hemisfério
literatura nacional, há algum tempo questionado, mas de facto ainda dominante,
americano e a apropriação semântica crescente do termo América pelos Estados
e uma literatura universal de extensão global, assim como também é necessário
Unidos. Enquanto o Sul ibérico parecia mais e mais atrasado na perspectiva
introduzir escoramentos entre uma historiografia ou uma análise social orientada
europeia, os EUA incorporavam- como talvez o exemplo de Alexis de Tocqueville
nacionalmente e uma análise, certamente muito promissora, da "formação de
possa ilustrar - cada vez mais intensamente o modelo para desenvolvimentos
uma sociedade mundial" (Verweltgesellschaftung) 460 , escoramentos esses que
futuros (tanto positivos como negativos) no, mais do que nunca, "Velho Mundo".
correspondem à orientação transareal- definida e esboçada nas reflexões iniciais
Também nos países latino-americanos logo se estabeleceram concepções de um
deste livro. Para o desenvolvimento transdisciplinar desse tipo de viés, porém,
hemisfério bipartido, cada vez mais evidentemente sob o domínio dos EUA.
parece-me que o Caribe é especialmente apropriado.
A bipartição evidente do continente ocasionada pelo desenvolvimento
Para uma construção nova, a ser impulsionada justamente também por
divergente impediu permanentemente vieses de pensamento hemisférico de
parte latino-americana, do objeto de pesquisa América, tudo isso num primeiro
cunho igualitário. Desse modo, a fala sobre o American Hemisphere permaneceu
momento significaria que uma nova perspectivação hemisférica do "Novo Mundo",
marcada por um discurso imperial, por todo o século XX. Nisso, tampouco
muito embora precise estar consciente do sobrepeso econômico e político dos
mudou algo o esboço de caráter claramente caribenho de Nuestra América de José
EUA, não pode reproduzi-lo no nível da pesquisa. Sobretudo, seria importante
M~í, ~ue tinha como objetivo, na continuação de Bolívar, a construção de um
conectar uma relacionalidade interna entre as diversas regiões do continente
eqUilíbno global, para o qual pedia, na imagem final do ensaio de mesmo nome
americano - consequentemente interamericano, entre as diferentes Américas -
de 1891, como que a bênção das culturas indígenas para "a nova América", para

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Quatro. Relações Quatro. Relações

com uma relacionalidade externa que não recaísse em dependências e hierarquias conceitos de relacionalidade ou mobilidade cultural, a fim de representar o Caribe
historicamente amontoadas ou que até mesmo precisasse pensar, a partir de urna como espaço de movimento, abarcável não mais por meio de um padrão espacial
visão (externa) europeia irrefletida, a América sempre a partir da Europa. Nisso (euclidiano) contínuo, mas sim por meio de uma geometria e uma concepção
deveriam ser consideradas autonomame~te de modo mais intenso do que até agora fractal, a qual leva em consideração as situações de espaço, tempo e movimento
o foram as conexões entre a América e a Mrica, assim como entre a América e a Ásia. descontínuas, caracterizadas por múltiplas rupturas e rejeições. 462 Não se trata
No sentido da área de pesquisa da perspectivística no âmbito dos estudos transareais da construção de um (novo) território, mais sim da concepção de um espaço
e transregionais, trata-se, nessa conexão mundial, muito menos de uma nova vetorial pensado de modo quântico-geométrico, dentro do qual os padrões de
territorialização do que de uma dinamização de conceitos de espaço com o objetivo movimento historicamente acumulados são acessíveis a qualquer momento e no
de obter um foco maior dos movimentos entre as diversas areas e regiões. Isso vale qual aparecem os velhos padrões de movimento "debaixo" dos novos movimentos.
não menos para os movimentos e processos divergentes entre as próprias Américas, Desse modo, esse espaço vetorial aparece como um depósito de movimentos que
relações essas que se enfeixam de modo especial justamente no espaço do Caribe. Pois se não podem mais ser explicados somente por meio de concepções de espaço-tempo
queremos falar, com bons motivos como Günther Maihold, de "zonas de globalização tradicionais, funcionando, em vez disso, ao mesmo tempo no sentido de padrões
461
condensada'' , então o Caribe sem dúvida penence a elas desde a primeira fàse fractais e de redes quebradas de modo quântico-geométrico. As ciências naturais
de globalização acelerada como zona de padrões de movimentos multiplamente são capazes de nos mostrar como os mesmos objetos podem ser pensados e
condensados. Em nenhum outro lugar manifestou-se tão efetivamente, por um espaço perspectivados de diversos modos por meio de lógicas diferentes e formações
de tempo tão extenso, o poder e a violência globalizantes por pane dos diversos "centros teóricas - aquém ou além de Euclides e Newton.
imperiais" (Mutterliinder) europeus, como no mundo insular do Caribe. No Caribe, nem tudo está conectado com tudo ao mesmo tempo, mas tudo
Nisso é preciso prioritariamente roubar a estática de conceitos antagonistas de se cruza e está em contara com tudo em algum momento - seja esporadicamente
espaço e dinamizá-los, sendo que uma separação orientada de modo transareal ou a longo prazo. Esses saltos em espaço e tempo, essas irregularidades espaciais e
e transregional dos interesses específicos e das perspectivações da Europa (que as simultaneidades do assíncrono especificamente relacionadas ao desenvolvimento
por motivos históricos caracterizaram as pesquisas até agora) não pode produzir fazem a diferença na estruturação fundamental-complexa do espaço caribenho: não
uma negação das assimetrias e dependências formadas historicamente. Contudo, se trata tanto- como sugeriu Antonio Benítez Rojo463 - da estruturação caótica do
Estudos Literários com um viés transareal, por exemplo, não direcionariam seu Caribe, mas sim da estruturação dinâmica e viva464 que oscila entre caos e cosmos.
foco prioritariamente a processos da literatura universal oriundos da Europa nem O espaço caribenho oferece grande número de exemplos de como uma
a desenvolvimentos da literatura latino-americana ou de uma literatura nacional ciência orientada em moldes disciplinares pode gerar equívocos desastrosos em
específica, mas sim a movimentos que transcorrem transversalmente a esses níveis decorrência de suas delimitações e isolamentos. O complexo intercâmbio de
de referência. Trata-se menos de espaços que de caminhos, menos de delimitações fatores geopolíticos, geoculturais e biopolíticos que o espaço caribenho apresenta
q~e. d~ deslocamentos ou transgressões de limites. Com isso, construções em forma altamente condensada, pode ser iluminado pelo foco limitado
dtsctplmares de objeto não devem ser desintegradas, mas sim recombinadas umas proporcionado pelas disciplinas isoladas somente de um modo insatisfatório.
com as outras de modo que o objeto que delas surge, além dos tradicionais Area Trata-se, desse modo, de uma construção transareal do hemisfério americano,
Studies, seja mais que a soma de resultados disciplinares isolados. na qual não se separem o "Norte" do "Sul" e tampouco se releguem aspectos
A tarefa de uma pesquisa sobre a América, concebida de forma translocal indo-americanos, afro-americanos, ibero ou anglo-americanos, no processo de
tr~nsregional, transnacional, transareal e transcontinental, residiria em questiona; sua pesquisa. Pesquisas transareais precisam conectar a lógica da especialização
cnvos .regionalizados de pensamento a partir · d e um vtes · ' comparatista
· e constante de disciplinas isoladas com a metodologia de um diálogo interdisciplinar,
cond~u a conexões que perpassam regiões isoladas, uma vez que competências sobretudo, porém, com esboços e metodologias transdisciplinares, a fim de poder
especificamente latino-americanas devem progredir de modo transdisciplinar no trabalhar contextos hemisféricas, além de modelos de pensamento e experiência
seu desenvolvimento. Não a contraposição, por exemplo, das Américas latina e definidos regional, nacional e internacionalmente. Nesse sentido, os estudos
anglófo.. na: mas SI~
· o Sistema
· fu n d amental-complexo (e por isso não redutível
transareais se baseiam sempre na formação de lógicas móveis relacionais, que por
a sequenctas causats) de efeitos mútuos e intercâmbios dentro de um continente sua vez contêm lógicas que valem singular ou particularmente com seu respectivo
caract r· d h.b ·d· 1
e tza opor 1 n tsmocu turaldeveriaestarnocentro.Odesenvolvimentode sentido próprio ou obstinação (Eigen-Sinn).
~mfen~endiment~ adequado.do Caribe sem a inclusão transareal e transdisciplinar Em foco estão, portanto, não tanto processos estáveis de desterritorialização
a ndta e da Chma da Áfnca Oct·d ai ~ .1 , . .
fi ' ent , parece tao 1 usono quanto a tentativa e reterritorialização, mas muito mais os movimentos oscilantes entre diferentes
requ~n~emente feita de iluminar ou mesmo abarcar o espaço caribenho a partir de regiões e áreas. Processos de migração de dimensões dramáticas, que caracterizam
uma umca perspectiva (naci al) 1 a1 p · , ,
on cu tur . or Isso, e necessario desenvolver novos o Caribe há séculos, desde as "migrações" dos caraíbas até o surgimento em massa
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Quatro. Relações Quatro. Relações

dos boat-people, não devem ser compreendidos somente como processos lineares, experiências que integram a base das literaturas caribenhas, em cujas histórias
mas sim em seus complexos efeitos mútuos e como transferência de conhecimento o exílio voluntário ou forçado, mas também a relação tensa de a-isla-miento e
entre diferentes regiões e continentes. Além de estruturas bilaterais e binominais, desterritorialização têm um papel decisivo.
não se encontraria em primeiro plano a assunção de identidades estáveis, Mesmo a literatura nacional caribenha, em questões de instituições certamente
mas sim a formação de configurações identitárias móveis: um pensar além de a mais rica em tradições, está caracterizada desde sua ascensão no século XIX por
identidades e além de modelos de espaços recentradores - como ainda o influente um movimento constante de seus protagonistas: entre Cuba e México em José Maria
Eloge de la créolité, publicado em 1989 por Jean Bernabé, Patrick Chamoseau e Heredia, entre Cuba e Espanha em Gertrudis Gómez de Avellaneda, entre Cuba e
Raphael Confiant, com seu "olhar para o caos dessa nova humanidade que nós EUA em Cirilo Villaverde. A marginalização insular de um Julián del Casal ou de uma
representamos" 465 , desenvolveu-, o qual está mais do que na hora de aplicar. Juana Borrero se encontra em oposição aos muitos exílios de José Maró na Espanha,
Num quadro como esse, a Literatura como depósito interativo de conhecimento México, Guatemala, Venezuela e nos EUA, um "percurso" que chama a atenção,
da vida teria grande importância, na medida em que dentro desse sistema como nos exemplos citados anteriormente, mais uma vez à dimensão hemisférica
fundamental-complexo- ao contrário das ciências- as contradições não precisam certamente não só da literatura cubana. Algo semelhante poderia se dizer, já bem
ser escondidas num truque de mágica ou mesmo eliminadas. Por isso, na sequência no começo, também da literatura dominicana, porto-riquenha ou haitiana. Trata-se
o foco recairá sobre esboços literários. Antes disso, porém, fique indicado que de literaturas sem morada flxa468 , nas quais o isolamento se encontra numa relação
estudos que se ocupam com a visão latino-americana dos estadunidenses ou com paradoxal com a errance. Também neste caso um olhar sobre o respectivo mapa de
a visão estadunidense dos latino-americanos não devem, no sentido apresentado ilhas sugeriria somente uma territorialidade que na realidade justamente não se reduz
aqui, ser compreendidos como estudos com orientação nem transarea1 nem ao espaço só aparentemente estável dentro das fronteiras das ilhas.
hemisférica, pois eles se atêm muito mais a estruturas binárias, contribuindo para A dimensão fractal, multiplamente quebrada dessas fronteiras de ilhas tem,
maior consolidação de antagonismos infrutíferos (e suficientemente conhecidos). graças a sua autossemelhança- como vimos- uma referência direta às técnicas
Em oposição a isso, reside no desenvolvimento de novos conceitos transareais e e aos métodos da mise en abyme em textos narrativos do Caribe, geralmente nos
transregionais um potencial de futuro significativo para uma pesquisa corporativa mais extensos, mas em parte também nos mais curtos. Mas como esse método,
inovadora, além das formas tradicionais dos Area Studies ou da pesquisa regional. que por um lado pode ser comparado a "bonecas russas" e por outro com técnicas
sutis de entrelaçamento, é implementado nas literaturas? Há especificidades
temáticas, estéticas ou teóricas para o espaço caribenho?
Se vemos as literaturas caribenhas como literaturas sem morada fixa que, seguindo
Padrões fractais 1: Casa-ilha e literatura-ilha
Chris Bongie, surgiram da tensão entre isolamento e banimento, então não deve
surpreender que a temática da casa tenha uma enorme importância. Sua limitação e
Num extenso estudo, publicado em 1998, com o título de Islands and Exiles e
relativa conclusão, mas também a possibilidade de uma subdivisão interna múltipla
dialogando com a colocação de George Lamming de que não haveria para o estudo
que faz o espaço da casa se tornar um mundo próprio configuram características
do exílio uma geografia mais adequada que a ilha466 , Chris Bongie descreveu
que fazem da casa o modelo predestinado de uma situação insular e de uma escrita
aquela ambivalência do insular, à qual, com outro foco, já chegamos diversas
estabelecida nela mesma. De um modo quase ideal, uma pintura de Reinaldo Funes
vezes no transcorrer de nossas reflexões, da seguinte maneira:
- que não à toa tem o título de is/a (ilha} -incorpora essa concepção, pois nela
A ilha forma uma figura que pode e deve ser lida em mais do que um só modo: por um praticamente toda a ilha é tomada por uma casa complexa, construída de modo
lado como o absolutamente particular, um espaço completo em si e consequentemente uma confuso e com múltiplas subdivisões, que parece ser ao mesmo tempo canteiro de
metáfora ideal para uma identidade unida e homogeneizada no sentido tradicional; e por
obra, moradia e torre de Babel.469 Mas não somente as artes plásticas, também as
outro lado, como fragmento, como parte de um todo maior do qual está exilado e com
0 qual está conectado- num ato de completude (a jamais ser completa), o que sempre literaturas do Caribe conhecem exemplos diversos e poliglotas para estruturas de
representa ao mesmo tempo um ex-is/e, uma perda do particular. A ilha é por isso lugar casas-ilhas altamente autossemelhantes, das quais algumas serão analisadas muito
de uma identidade dupla- fechada e aberta- e essa duplicidade medeia perfeitamente as brevemente, já que formam padrões fractais no sentido de Mandelbrot.
ambivalências de identidade crioula que já esclareci. 467
Um bom exemplo para um espaço multiplamente entretecido em si, dentro do
A ilha como materialização de identidades fechadas ou abertas ou - como qual a casa obtém a função de uma mise en abyme de toda a estrUtura espacial do
Edouard Glissant formulou- de identité-racine e identité-relation chama a atenção romance, é Traversée de la Mangrove de Maryse Condé, em que a ordenação do espaço
para a semântica ambivalente da ilha como isolamento e exílio, por um lado, se encontra em relação estreita com toda a estrUtura do romance. No centro "fora
e como abertura e relacionalidade por outro. De fato, isolamento e exílio são do lugar" desse romance da autora de Guadalupe se encontra a casa multiplamente
subdividida do protagonista (que ao flnal está na parte interior de seu caixão), uma
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Quatro. Relações Quatro. Relações

casa que se repartia num interior e num exterior, ocupando uma posição excêntrica Essa passagem já indica em alta densidade as interligações de espaço-tempo sobrepostas
em oposição ao microcosmo da aldeia de Riviere au Sei. Isso, contudo, não é tudo: insularmente no modele reduit que caracterizam de modo inconfundível o romance
essa aldeia está ligada a Petit Bourg, um pequeno lugar de centralidade mais elevada, de Nailpaul. Mr. Biswas se torna um caminhante inconstante entre casas que não
que por sua vez está direcionado a Pointe-à-Pitre, que por outro lado está integrado pertencem a ele, mas sempre a outros, onde não consegue encontrar urna verdadeira
na estrutura bicarneral da ilha de Guadalupe, a qual se abre para as Antilhas francesas morada nem se sentir em casa, desde que sua mãe, seus irmãos e ele próprio foram
e a Guiana, depois para o mundo insular caribenho, com Cuba e Haiti, para as linhas expulsos do modesto lar, depois da morte de seu pai. Assim se desenvolve sua vida
costeiras circuncaribenhas da terra fume da América do Sul e da América do Norte diante dos olhos do público leitor, como uma vida sem morada fixa, caracterizada por
(Tierra firme e Louisiana), para o continente americano em sua dimensão hemisférica, trocas constantes de lugar, que se inserem num longa história de migração.
para a Europa e especialmente para o "centro imperial" (Mutterland) França, e por fim A estrutura de mise en abyme da casa naturalmente faz parte dos imóveis quase
também para a África e a Índia.470 inalienáveis da literatura caribenha: Também no conto Tourment d'amour de
Não faltam exemplos expressivos e esteticamente bem sucedidos de uma formação Gisele Pineau, as estruturações que se sobrepõem estão ligadas a uma casa-ilha,
parecida de estruturas espaciais nas literaturas caribenhas, ricas em espaços e tempos mais exatamente: no próprio "projeto" descrito inicialmente pela jovem narradora
que se sobrepõem e que se subdividem multiplamente um no outro. A casa tem um em primeira pessoa, de publicar "pela primeira vez um álbum sobre as cabanas
papel central, que marca a vida não só de urna pessoa, mas de todo um grupo social, crioulas de minha ilha" 472 • Por trás da repartição clássica em narrativa moldura
também no romance A House for Mr. Biswas, publicado primeiramente em 1961, e narrativa interior, ambas conectadas por um encontro casual, esconde-se uma
pelo escritor Vidiadhar Surajprasad Naipaul, nascido em Trinidad. Observada em complexa interligação de espaço e tempo, na qual a história de Guadalupe de
termos sociológicos, a obra trata da proto-classe média de origem indiana, lutando meados do século XIX até o final do século XX é narrada por meio de uma
por ascensão social, da qual o próprio autor provém. Já na primeira parte do prólogo, sequência de cabanas e casas que começa com a menção a um projeto de álbum
fica claro não somente o papel de protagonista dessa casa na Sikkirn Street, em St. com fotografias de toda espécie de cases créoles.
James, Port-of-Spain, mas também em toda a estrutura espacial desse romance. Uma Sem poder entrar em detalhes especificamente narrativos neste ponto, é preciso
casa para Mr. Biswas apresenta, desde o começo, espaços interiores domésticos que se reforçar que as rupturas e as interseções que surgem entre mídias de imagem e de
sobrepõem na lembrança das personagens, mas também esboça a migração passada escrita, entre escritura, oraliture e oralidade, situadas dentro de uma genealogia
da família que emigrou da Índia, assim como a futura migração para a Inglaterra. Lá cunhada por mulheres, partem de uma cabana com mais de cem anos que-
Anand, o filho de Mr. Biswas, iniciará estudos graças às renúncias de seu pai, uma "como um morcego febril colado a uma proeminência de montanha" - reúne em
constelação que aliás também apresenta paralelos autobiográficos com a própria si vida e morte numa "visão excitante e mórbidà' 473 • Liberdade de movimento,
carreira de Naipaul. A estrutura de sobreposição espaço-temporal, arraigada dentro ausência de movimento e deportação das diversas personagens se sobrepõem de
da estrutura de referência americana-indiana-europeia em Trinidad, é desenvolvida modo complexo nas poucas páginas do conto, mas ao final são alinhadas de tal
amorosamente já no começo do romance, antes de ser retornada de forma irânica modo pela autora - que em sua própria história de vida cresceu entre Paris e
e bem pensada pela última vez. no capítulo final ''A casà' e no epílogo. A situação Guadalupe-, que nesse "dia da grande revelação" 474 surge a fotografia (literária)
insular de um mundo fechado em si e ao mesmo tempo diferenciado para Mr. de uma história multiplamente fragmentada, na qual a casa-ilha isolada torna-se
Biswas, é "incorporadà' de modo impressionante na casa do jornalista moribundo, fragmento de um mundo a ser completado pelo público ouvinte e leitor. Desse
mas ainda não desesperançoso: modo, enfeixa-se na case créole uma história fractal, cujas rupturas e lascas, cujos
mundos insulares e mundos-ilha esboçam de forma condensada o entendimento
V:ia a casa como sua própria, embora estivesse fora do alcance por anos, onerada com a
htpoteca. E nesses meses de doença e desespero sempre o impressionou o milagre de viver na de uma região que não está limitada somente a si, mas que pode ser pensada
sua própria casa, a audácia que havia nisso: passar por seu próprio portão de jardim, recusar unicamente de modo transareal numa escala global (globalizada).
a e~trada a qualquer um, se assim o quisesse, fechar suas janelas e portas toda noite, não Um último exemplo de padrão fractal concretizado numa casa no Caribe
ouvtr outros ruídos que não fossem de sua família, ir de quarto em quarto e passear no seu apresenta o romance Dans la maison du pere, publicado no ano de 2000 pela
pátio, de acordo com seu livre arbítrio, em lugar de estar condenado como antes a retrair-se
em um quarto superlotado - superlotado com as irmãs de Shama e seus maridos e filhos - escritora haitiana Yanick Lahens. Já no início dessa casa do pai, os contrastes
numa ou noutra das casas do senhor Tulsi, tão logo chegasse em casa. Quando era criança, entre vista exterior e pátio interno, entre cultura europeia de massa e cultura
~udava-se de uma casa desconhecida à outra; e desde seu casamento tinha a sensação de popular haitiana, entre domínio corporal importado e conhecimento corporal
nao ter morado em nenhum outro lugar que não fosse nas casas do senhor Tulsi, na casa
herdado pela tradição se chocam brusca e irreconciliavelmente. No cenário inicial
Han~man em Arwacas, na .casa de madeira apodrecida em Shorthills, na casa desajeitada
de ,ct~ento. em Port-of-Spam. E agora se encontrava no fim em sua própria casa, em sua do romance, que se acelera e finalmente culmina num ato de violência, surge a
propna meta parcela de terra, em em seu próprio quinhão de terra. Que ele tivesse sido imagem emocionada e emocionante de toda uma vida, na qual passado, presente
responsável por isso, parecia-lhe incompreensível nesses últimos meses. 471 e futuro dessa cena, datada precisamente em 22 de janeiro de 1942, se sobrepõem,
142 143

....
Quatro. Relações
Quatro. Relações

acerca da qual o narrador em primeira pessoa relata: "Diante dessa imagem não há sua longa e dolorosa experiência de perseguição, exílio e desterritorialização, mas
um começo. A imagem é central. Forma o centro da minha vida. Resume o antes falou também de três gerações de autores haitianos, das quais a última numa
e já ilumina o depois.[ ... ] Eu nasci dessa imagem. Pariu-me uma segunda vez, do porcentagem nada pequena já escreve numa langue étrangere, ou seja, que não
modo com também eu a pari. 475 escreveria mais na língua materna478 • Com isso, no entanto, seria absolutamente
479
Na metaforicidade dupla do nascimento da parturiente e da parida desaparece necessário "repensar o conceito de literatura nacional e da herança cultural" :
uma origem primordial num intercâmbio de níveis temporais que perpassam e A primeira geração do exílio e os migrantes das gerações posteriores vão romper a problemática
espelham um ao outro, sem que a história individual e coletiva desapareça. Como de uma literatura nacional. Podemos nos perguntar hoje: O que é uma literatura nacional,
480
no caso de Vidiadhar Surajprasad Naipaul, a imagem da casa, com sua potência de considerada a partir da literatura haitiana?
tornar simultâneo o assíncrono, atravessa todo o romance; como no caso de Giséle
Os capítulos seguintes vão se posicionar, no contexto das literaturas sem morada
Pineau, surge e ressurge a história multiplamente fragmentada de uma vida e de
Hxa, justamente diante dessas perguntas sobre as relações entre literatura nacional
uma ilha a partir de uma única imagem que incorporou muitas outras imagens
e literatura universal, sobre migração e tradução uanslingual. Antes, no entanto,
em si; e como no caso de Maryse Condoé, a casa multiplamente subdividida se
é preciso analisar um outro padrão fractal, surpreendente apenas à primeira vista:
ab~e para um espaço insular que por sua vez está aberto, através da migração (das
o padrão da ilha como campo de prisioneiros.
nugrações) do protagonista do romance e sua conexão sempre frágil de domínio
corporal e conhecimento corporal, para o mundo- e não menos a imagem daquela
outra, frequentemente sonhada e ainda assim estranha, ilha de Manhattan:
Padrões fractais II: ilha-campo e ilha-dos-presos
Durante todos esses anos eu dancei sob todos os céus da terra e numa bela noite de dezembro
armei minha barraca em Manhattan, grudada nos sonhos loucos de pianista de Jazz. para
nun~ mais. desarmá-la. Ao !ongo da minha ilha, muitas vezes ansiei por sua luz, pela O ensaísta e escritor de romances cubano Antonio Benítez Rojo, em suas
a~dá~1a cheuosa de seus crepusculos, pelos palmares que dançam sob seu céu torcido, pelos abordagens muitas vezes inovadoras, faz da plantação o centro de sua interpretação
dias mundados de sol no quais a terra tem olhos de goiaba, pelos seus homens e mulheres
do desenvolvimento não somente econômico e político, mas também cultural e
arrasadores,. pela seca ~e Gonaives, por sua força, por seu céu e suas paisagens dilacer~das.
Essa necessidade era tao forte como quando o corpo pede por alimento, por ar ou agua. político-identitário do Caribe. Sem uma consideração central da estrutura básica da
Nesses momentos muitas vezes engolia minha solidão, goela abaixo e mais fundo, para lá, plantación, assim a tese defendida do começo ao fim em La is/a que se repite (A ilha
onde as sedosas horas matinais da infância já tinham se aninhado. 476 que se repete), uma compreensão do caribenho481 não seria absolutamente possível.
A matriz estrutural da plantação está no centro do ciclo de poemas El Central,
Nesse desfecho de romance, não se requenta a imagem - desgastada muitas
com a data de maio de 1970 na plantação de cana-de-açúcar "Manuel Sanguily"
vezes também nas literaturas caribenhas - de uma nostalgia insular, mas sim o
e publicado pela primeira vez em 1981, no exílio, de autoria do cubano Reinaldo
conhecimento de vida de uma dançarina, aberto a um último espaço isolado e
Arenas. Nesse texto, de um escritor que Hcou internacionalmente famoso sobretudo
solitário, que também já estava presente na cena inicial. Trata-se do corpo do si,
por causa de seus romances e de sua autobiografia Antes que anochezca (Antes que
aquele corpo-ilha que pede por seus víveres e que cria seu próprio mundo interior
anoiteça), publicada postumamente, cristaliza-se a interligação espaço-temporal
e seu entre-mundo. O corpo sabe dos vícios e dos anseios, sobre os quais não
na transtemporalidade, onde constantemente se sobrepõem de modo recíproco
se ~alavam na casa. Essa incorporação da ilha, que já se distinguia na imagem da
o trabalho forçado dos índios subjugados e maltratados até a morte, o trabalho
~an~ p~turiente, pode ser relacionada existencialmente e em questões de teoria
escravo dos negros deportados da África e chicoteados, utilizados como "combustível
hter~na aquela relação diversas vezes mencionada entre ilha e exílio, que para
humano" 482 colonial e o trabalho penal dos jovens homens oprimidos política e
Yamck Lahens marca a posição dos escritores haitianos. Pois estes se encontram
sexualmente e explorados nas plantações de açúcar. Saídas parecem não existir. São
Entre ~'Ancrage et la Fuite'tt77 , entre ancoragem e fuga, no espaço interior infinito de
sempre "mãos escravas" (manos esclavas) 483 que impulsionam a história de Cuba, da
uma literatura- não somente no sentido espacial e sociopolítico, mas sobretudo
conquista e catequização cristã até a construção do "primer territorio libre de América"
t~bém no sentido cultural, linguístico e de literatura nacional - que não dispõe
e a expansão do socialismo fidelista. Porém, também o precursor supostamente
mats de uma morada Hxa. Será que nesse caso as literaturas caribenhas como a
haitiana ou cubana nao .. po d enam
· ter um carater
, de modelo para desenvolvimentos ideológico da fase contemporânea da história cubana sabe - mesmo diante de todas
futuros na escala transareal e global? as festas e paradas realizadas pelos respectivos detentores de poder - explicar isso:
LahA resposta d a escntora
· h attt~a
·· a tal pergunta foi afirmativa. Desse modo, Yanick Meu caro,
ens reforçou, numa entrevista conduzida em março de 2002, em Berlim, não por trás de todas essas festas públicas. Por trás de todas paradas, todos os hinos, por trás do
somente que a 1·tteratura h atttana
·· tem "uma extensão de vantagem, por causa de agitar de bandeiras e das glorificações. Por trás de todas essas cerimônias oficiais se oculta

144 146

l
Quatro. Relações
Quatro. Relações

uma intenção de aumentar teu coeficiente de produção e exploração. em toda a literatura caribenha-insular, mas com frequência está representada
Isso Karl Marx me disse, antes de, curvando-se graciosamente e com um sorriso monstruoso, especialmente em Cuba, onde a partir da costa faróis visíveis sinalizam a presença
apressadamente marchar atrás dos uniformes dos soldados-criança que formavam a de uma guarda costeira, a qual protege a fronteira-água-terra mais dos habitantes da
retaguarda.484
ilha que de inim igos de fora. Especialmente ao final do século XX e início do século
~a plantação de açúcar, todas as outras formas de campo, nos qua is pesso~s XXI não raramente foram e são representados - como em Dime algo sobre Cubtt191
sao amontoadas, torturadas e exploradas, estão copresentes em sua ass incron ia (1998) d e Jesús Díaz. - conflitos armados nessa fronteira e "cerca" tão disputada.
transtemporal: chegando até aqueles campos de reeducação da revolução, para Mas também a presença cotidiana da "situação de presos" parece continuamente
os quais a novela Arturo, la estrela mds bril!ante (Arturo, a estrela mais brilhante) - como por exemplo em Otm vez el mar (I 982), de Reinaldo Arenas, ou em Cafl
representa verdadeiramente o testemunho esteticamente mais convincente em sua Nostalgia (1997), de Zoé Valdés - tan to em sua vigilância brutal como em sua
friccionalidade, em toda a obra do autor cubano: monitoraçã.o su til. Especialmente no romance mencionado por último, foco interior
e exterior, "passado" e "presente" se alternam tão habilidosamente, que se destaca
Arturo pensou: se em algum momento os chefes, os o utros, tivessem ramado a decisão uma on ipresença q ue ul trapassa limites não só espaciais, mas também temporais de
de que todos deveriam ser executados, então rodos teriam deixado com roda a ca lma do
uma C u ba ret ratada como ilha-de-presos. Também na pintura, é possível encontrar
mundo que suas mãos fossem amarradas, então rodos teriam passeado com roda a ca~ma
do mundo pelo campo, teriam ficado parados após a co rrespondente ordem, e rodos. t~n~m com relativa frequência a ilha como campo ou como ilha-prisão, assim por exemplo
- sem protestar e sem qualquer consciência tão típica dos animais - caído em sdenc!O, nas pinturas de Raúl de Zárate, que apresentam obsessivamente a ilha como campo
todos, todos, todos fora ele, pois ele se rebelaria, testemunha ria contra rodo esse horror, corn su as cercas e seus ara.mes:192
c?mun~caria isso tudo a alguém, a muitos, ao mundo, nem que fosse só ~ uma pessoa que
Com o quer que avaliemos os desenvolvimentos políticos na Cuba
ainda tivesse mantido incorruptível sua habilidade de pensar a realidade.'1"s
verdadeiramente pós-revolucionária: Em face de uma linha costeira que não pode
O campo se tornou modele reduit, mise en abyme de uma ilha, cujas estruturas de absolutamente ser "definida com segurança", que não somente a partir do viés da
campo historicamente acum uladas se sobrepõem m utuamen te. Quase nenhuma matemática fractal com a utilização de métodos convencionais se aproxima do
outra ilha, quase nenhum outro lugar parece mais aprop riado do que C uba para infinito, mas tampouco é praticamente defi nível, há muito que a balsa se tornou
melhor ilustrar as interligações transcontinenrais, transculturais e rransistóricas metáfo ra-teoria de roda a ilha: Cuba como La balsa perpetua493 , com a "balsa
do campo. Pois nessa ilha a população indígena foi exterminada não somente perpétua". Ai n da antes do surgimento massivo de boat people cubanos, Reinaldo
no começo do domínio colonial espanhol, por meio de trabalho forçado e da Arenas- que aliás com seu romance El portero (1989) também apresentou um
escravidão factual; aqui fo ram erguidos, ao final do período colo nial -::- aind a an tes texto-exe mplo altam ente exitoso de padrão fractal da casa (ainda que nesse caso na
da construção dos famigeradas concentration camps dos ingleses na África do Sul ex-ilha e il ha-exílio de Manhattan) - sonhara que a ilha poderia se afastar de seu
186
- também os primeiros campos de concentração (campos de concentraciones): pedestal territorial e atracar em outros continentes, outros países- naturalmente,
487
D.esse modo, o campo como "paradigma biopolítico da Modernidade" está sem que no fim das contas fosse possível do seu ponto de vista mudar ou evitar o
49 4
estreitamente ligado à guerra colonial e consequentemente ao colonial ism o, uma destino, por conta de sua siruação histórica, irremediavelmente trágica, da ilha.
pro.blemática à qual até agora se dedicou muito pouca atenção. Pois como também Em vista dessa longa, dolorosa e complexa relação entre ilha e campo não pode
a .história longa e até hoje repetidamente modernizada técnica de uso de impressões surpreender que recentemente tivesse início um novo capítulo na história dessa funesta
dr~itais488 para a identificação de potenciais criminosos, muitas das p ráticas "restadas" conexão, quando os EUA decidiram, no contexto de sua ~Wzr on Tenvr, construir em
pnmeiramenre nas colônias ou em outros territórios dependentes acabaram G uantánamo um campo de detenção para rodos aqueles prisioneiros de gue~ra dos
entrando cedo ou tarde, com forma e função modificadas, nos centros im periais quais se suspeitava que tivessem algwna ligaç.'i.o com o Talibã ou com redes anvas de
(Mutteridnder) econômicos. Não foi em vão que H annah Arendt chamou atenção terrorismo. Em seu estudo, publicado em 2003, que analisa o estado de exceção como
em su~ reflexões sobre poder e violência ao fato de que já na "era do imperialismo" paradigma de governo na Modernidade, o filósofo italiano Giorgio J\,oamben focou
se s~bra muito bem de um "efeito bumerangue" que 0 domínio sobre outros povos na dimensão jurídica, filosófica e biopolítica desse desenvolvimento:
podra ter para o próprio país: a saber que "a tirania ( Gewaltherrschajt) instaurada em
O sign ificado imed iatamente biopolírico do estado de emergência como ~srru~ura
ou_tros países acabaria por ter um impacto na população do centro imperial" 489 . A primordial, na qual o direito po r meio de sua própria revogação incorpora cm SI ? VIVO,
açao brutal do polícia dos Estados Unidos contra os estudantes que p rotestavam em se revela com toda clareza com a "Military Order" decretada pelo presidente dos Estados
Berkeley significou para a filósofa dos elementos e das origens do totalitarismo um Un idos, no dia 13 de novembro de 200 I, e que autoriza a "indefinite detention" e também
exemplo convincente para esse "fenômeno bumerangue"490 há muito conhecido. processos por m eio de "MiLitary Commissiom" (que não podem ser confundidas com os
tribunais militares, previstos pelas leis de guerra) contra não-cidadãos suspeitos de estarem
Se o cam po se torna matriz estrutural da ilha, enrão a ilha também pode ser
envolvidos em arividadcs rerrorisras:•?S
pensada em sua totalidade como campo ou prisão. Tal semantização da ilha existe

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Quatro. Relações Quatro. Relações

Naturalmente, vale a pena pensar não somente sobre a onipresença do campo não fez com que os processos fossem transferidos para o continente: ilhas são mais
na Modernidade e o surgimento assustadoramente periódico, atrelado a isso, do apropriadas- e não somente por causa de sua descontinuidade infraestrutural-
estado de emergência, mas também refletir sobre a especificidade espaço-temporal para a criação de espaços livres de direito e para a vigilância eficiente de prisioneiros.
desse campo concreto. Pois esses cerca de 700 prisioneiros, 496 oriundos de mais Não menos assustador é o quanto esse estado de emergência, no fim das contas
de 40 países e detidos por anos, que perderam não somente seus direitos civis, separado somente de modo aparente do continente, se inscreve naquele paradigma
mas também seu status de prisioneiros de guerra e a proteção da Convenção de do campo que atravessa a história {certamente não somente) de Cuba de forma
Genebra, são mantidos isolados individualmente em gaiolas de arame de cinco transtemporal, em diversas constelações históricas, como um padrão fractal.
metros quadrados por tempo indeterminado, num campo que se encontra dentro Também a ilha como campo, como microcosmo de um mundo-ilha, é uma parte
da base militar de Guantánamo Bay, em Cuba, construído primeiramente para o daquele mundo insular cuja relacionalidade externa deve ser nosso foco final.
abastecimento das forças armadas. Que a base militar americana surgiu por meio
da intervenção dos Estados Unidos justamente naquela guerra colonial, durante a
qual os primeiros campos de conccntracioncs foram construídos, pode-se entender Além da utopia: a dinâmica fractal do Caribe
com uma astúcia curiosa da História.
O campo de detenção Camp Delta, que internacionalmente há muito alcançou Ainda haveriam ui to a dizer sobre a multirrelacionalidade do mundo insular caribenho
triste celebridade, forma consequentemente uma ilha dentro de uma ilha sobre uma e sobre sua relação como o poder - especialmente com vistas às configurações
ilha que é parte do mundo insular caribenho, mas que também é parte da rede das internas de poder e sua relação estrutural com a (aplicação de) violência. Porém um
forças armadas americanas. Antes disso, Guantánamo Bay já esteve mundo afora estudo próprio, sem dúvida, também mereceriam os piratas, corsários e bucaneiros,
nas manchetes como campo de recepção e estação de triagem, não pela última que por um intervalo de tempo surpreendentemente longo incorporam de modo
v~, também para boat pcople haitianos, porém o Camp Delta inaugura uma nova impressionante, em seus espaços de domínio baseados em ilhas situadas além do
qualidade, na medida em que pode ser entendido como uma ilha livre de direitos territorial em sentido estrito, as transições oscilantes entre estruturas498 acráticas e
(rcchtsfrcic), na qual nem o direito americano nem o internacional incidem- e desde encráticas, entre um estar-fora-do-poder e um estar-dentro-do-poder. Eles talvc:z
o início da administração do local pelos EUA, tampouco o cubano. Que em vista tenham utilizado de forma mais consequente os pré-requisitos espaço-naturais
de práticas de campo, que mesmo com a melhor das intenções já não podem mais para o desenvolvimento de sua lógica-ilha própria, condicionada também pela
ser diferenciadas de refinados métodos de tortura, surgissem há muito também "territorialidade móvel'' de seus navios. O mundo insular criado por eles se
efeitos retroativos- no sentido do mencionado "efeito bumerangue" - sobre os movimentou impressionantemente entre caos e periodicidade.
direitos civis e sobre a liberdade nos Estados Unidos mesmos {e muito além deles), Em oposição a esse sistema flexível, a anexação do Caribe à infraestrutura europeia
é evidente e necessita de uma discussão acirrada, especialmente em vista de uma feita pelos espanhóis e a formação daquilo que veio a ser denominado499 de Black
"ordem mundial" ainda a ser criada no verdadeiro sentido. 497 Atlantic se revela como um maquinário enorme e pesado baseado500 em não contados
Na terra jurídica de ninguém de Camp Delta, em Guantánamo Bay, temos baterias, escritórios, fortificações, portos, canais, quartéis, igrejas, depósitos, armazéns,
consequentemente uma misc cn abymc da relação entre ilha e campo, com uma marinheiros molhes, soldados, torres de controle, armas, caminhos, estaleiros e
sucessão de relações autossemelhantes que, paradoxalmente como estado de instituições de impostos. Esse sistema não só fez com que o Caribe, como nenhuma
exceção - se acreditamos em Giorgio Agamben -, não representam um acidente outra região da terra, tivesse sido atingido pela primeira fase da globalização acelerada
da história, sendo sim de natureza paradigmática. Ao isolamento jurídico dessa com tamanho impacto e brutalidade, mas também fez com que ele f~sse posto, em
prisão corresponde uma situação insular espacialmente extraterritorial em contato com as mais diversas regiões do globo de forma cada vez m~s s~~entavel.
oposição à dos EUA continentais, revogando-se nela o direito militar - em outras Provavelmente para nenhuma outra região da terra foram ideadas b10políncas por
situações válido em Guantánamo Bay, que no caso do Camp Delta, foi dividido poderes externos, por um intervalo de tempo tão longo, adaptadas tanto às condições
num campo de quatro partes (de acordo com a disposição de cooperação dos espaço-naturais como espaço-culturais de um mundo-ilha.
prisioneiros). Que tenha sido necessário criar e construir um tribunal especial Constatar isso não significa compreender o Caribe como meta-arquipélago que
para esse estado de exceção jurídico, talvez sirva de comprovação para uma coerção como tal possui a virtude de não dispor de fronteiras nem de um centro501 • Pois a
quase inerente ao ato de territorializar até mesmo a terra jurídica de ninguém, na globalização inicial, demorada e que transcorreu em diversas fases, não implicou
qual, de acordo com os planos atuais, também os defensores públicos ainda são somente uma multiconexão, mas também uma multiplicação de fronteiras, o que
indicados pelo Pentágono, com o auxílio de um edifício de direito "normal". O teve um impacto tanto no setor político quanto no econômico e levou à diversidade
grande interesse midiático nessa prisão a leste de Cuba provavelmente contribuiu linguística existente no espaço caribenho de hoje. Talvez pudéssemos falar de
de modo substancial para sua aparente normalização arquitetônica, mas até agora

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Quatro. Relações Quatro. Relações

modo mais adequado de uma simultânea dissolução (Entgrenzzmg) e multiplicação insular me parece ininterrupta para todo o continente americano, tanto no campo
de fronteiras, um desenvolvimento que tem continuidade ainda hoje com uma da música como no da literatura, mas também muito além disso. O Caribe forma
velocidade não diminuída, por exemplo, no setor cultural e literário nos níveis uma area que certamente não pode ser vencida no campo científico somente com
transareal, transcontinental e translingual. Pois há muito tempo que a literatura cubana os meios dos Area Studies tradicionais.
não é mais escrita "somente" em espanhol, a literatura haitiana não mais "somente" O mundo insular caribenho, como Ana Pizarro reforçou em sua introdução
em francês ou .français créole. A literatura cubana escrita nos EUA, mas também na a uma exitosa coletânea, está em constante movimento e é caracterizado por
América do Sul, África do Sul, Espanha, Alemanha ou em outros lugares se utiliza constantes remodelações:
de várias línguas, assim como a literatura haitiana, que encontrou uma contra-costa
Se culturas não rcpresenram formações fixas, mas sim processos, emão essa constatação
(Gegenküste) continental-americana bastante producente com o Canadá. se mostra em grande parte evidenre numa aproximação ao Caribe. Lá os elememos em
Há muitos argumentos a favor da tese de Antonio Benítez Rojo, segundo a qual movimenro, os rompimenros, hibridizaçóes, mudanças radicais, as configurações em
"a literatura cubana é a literatura mais universal" 502 • Mas isso não significa que "a" consranre esrrururaçáo, desestruturação e reestruturação esboçam uma dinâmica, que
literatura caribenha, se é que ela existe no singular, seja praticamente universal, anunciam seu brilho e ao mesmo tempo sua dilaceração. ~ 03
com seus limites dissolvidos, mas sim que seus limites mudaram: estes no total Esses movimentos constantes e ao mesmo tempo descontinuados se inserem
certamente se tornaram- e os exemplos acima mostram que isso de forma alguma em literaturas altamente vetoriais, que contêm uma diversidade de movimento
é o caso em todos os lugares- mais permeáveis, ao mesmo se multiplicaram. enquanto depósito de conhecimento de vida acumulado, representando -
A tradicional (e desgastada) fala da unidade e diversidade do Caribe como "da" juntamente com ritmo e rítmica - provavelmente a principal característica das
literatura caribenha certamente não está errada, mas não dá conta de tudo, uma vez literaturas caribenhas. Reduzir isso às especificidades de uma literatura periférica
que o Caribe e as literaturas caribenhas formam um sistema complexo-fundamental, "desviante" significa recair no velho e até hoje observável equívoco de um purismo
baseado em interligações, sobreposições e autossemelhanças que comprovam a desqualificado, como atacado por Derek Walcott em seu pronunciamento na
geometria espaço-natural e espaço-cultural do Caribe como fractal. Ao lado do entrega do Prêmio Nobel de 1992:
discurso "euclidiano" da unidade e diversidade, por isso, deveria se desenvolver
um discurso fractal e uma formação teórica, fundada nos Estudos Culturais, Esses purisras olham para esse ripo de cerimônias como os gramáticos olh~ para um.~ialero,
cidades para províncias e impérios para colônias. Uma lembrança que anseta pela uma? co~
que esteja à altura dos saltos e das descontinuidades, das sobreposições e das
o cenrro, um membro que ainda lembra do corpo do qual foi arrancado, comparavel as
incoerências do Caribe e de seus fenômenos culturais e especificamente literários. pernas de bambu de um deus. Em outras palavras: esse é o modo como ainda se olha para 0
A isolação é somente parte da insularização, que abarca de modo cada vez mais Caribe , como se fosse ilegítimo • desraigado , uma mescla de passeio público.
d 504[... ] Como se
intenso todos os desenvolvimentos caribenhos em cultura, arte e literatura: pois a se tratasse de fragmentos e ecos de pessoas reais, não original e desagrega o.
insularização significa também uma relacionalidade multiplamente rompi da dentro
Seria fácil comprovar por meio de um grande número de exemplos a constituição
de um espaço em nenhum aspecto homogêneo que está, em questões vetoriais,
vetorial das literaturas caribenhas e sua habilidade, que sempre torna a impressionar,
altamente "carregado". Denominar tal sistema como complexo-fundamental
de dar conjuntamente espaço e tempo a lógicas e direções de movi~entos cul~s
significa, no fim das contas, que uma análise isolada de respectivas literaturas
diversos. Porém o mundo insular do Caribe não é somente wna pa~sagem de teona
(nacionais) insulares deve levar em consideração respectivamente as conexões
para a prática literária, mas também para a prática teórica não raramen~e conectada
transnacionais e transareais, que se sobrepõem, como transculturais e translinguais.
de modo muito estreito com esta. Se quisermos compreender o Canbe - com~
Mas para análises com esse foco são necessárias abordagens transdisciplinares.
aconteceu frequentemente - como laboratório, então deveríamos acrescentar que ha
Aqui a diferenciação já introduzida entre relacionalidade interna e externa -
muito já não se trata mais de um laboratório, no qual um conhecimento extern~e~te
que naturalmente se sobrepõem multiplamente - me parece indica~ uma di~eção
acumulado é transformado em arranjos experimentais específicos e em exph~çoes
analítica importante e correta. As referências a diferentes regiões da Mrica, à India
posteriores, mas o que tem aplicação é um conhecimento em alto grau, produztdo no
ou à China representariam uma relacionalidade externa, enquanto as redes, que
próprio Caribe e extremamente multiforme. Pois os mundos insulares carib,enhos ~ão
se formam a partir de um foco hemisférico de pesquisa, por exemplo, entre os
produzem e exportam somente açúcar, frutas e matérias primas, mas tambem teonas.
respectivos grupos étnicos tanto num nível caribenho como americano-coo tinental,
Há muito tempo que o Caribe se tornou um espaço de alta densidade na produção
representam um fenômeno que poderia ser descrito como relacionalidade interna.
teórica cultural e literária. Há algum tempo conceitos teóricos de Anto~io Benítez
Dentro do Black Atlantic, o mundo insular caribenho, por exemplo, forma, com
Rojo, Aimé Césaire, Patrick Chamoiseau, Raphael Conflant, Rene Depestre,
vistas à repartição dos escravos deportados da África desde o ano de 1518, um
Frantz Fanon, Roberto Fernández Retamar, Edouard Glissant, Stuart Hall, George
entreposto decisivo entre uma relacionalidade externa e interna. Até hoje, a
Lamming, Iván de la Nuez, Gustavo Pérez-Firmat ou Derek Walcott excederam em
relevância hemisférica- ainda que certamente não a dominância- desse mundo

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Quatro. Relações

muito o campo de influência do Caribe, transformando o mundo insular do Caribe,


no sentido duplo, em uma paisagem da teoria505 • A região do Caribe pertence hoje ·~~·
aos mais importantes exportadores de teoria cultural e literária- ao lado de vários
outros (supostamente típicos) produtos de exportação, que ao contrário destes têm )I~
de corresponder exclusivamente às condições de mercado ditadas externamente.
Para isso deve ter contribuído essencialmente a habilidade e a necessidade de pensar Cinco. Incubações
e viver em diferentes lógicas de maneira mais ou menos simultânea. Uma literatura nacional sem morada Hxa?
Sintomático para as formações de teoria no espaço caribenho é o fato de que
também nessa área frequentemente é possível observar uma simultaneidade do
Ficções e fricções da literatura
assíncrono, na medida em que as ilhas da teoria geram seu campo de reflexão cubana no século XX
com certa autonomia, dependendo da peculiaridade dos respectivos pontos de
referência histórico-literários ou metodológicos. Desse modo, desenvolveu-se, por
exemplo, o pensamento de créolité no espaço francófono meio século depois dos A volta de Ulisses e dos anjos da história
debates sobre o criollismo no Caribe hispanófono, desenvolvendo-se, no entanto,
num ambiente teórico cunhado inequivocamente pelo pós-estruturalismo e pelos 11.- Boot. Partimos às 11 horas. Passamos (4) por Maisí e vemos os fogos de artifício. Eu
incipientes estudos pós-coloniais, de modo que especialmente os Postcolonial sobre a ponte. Às 7h30 escuridão. Movimento a bordo. Capitão bem agitado. Descem o
bote na água. Chove forte na descida. Nos enganamos na direção. Diversas e confusas ideias
Studies de língua inglesa retomaram gratamente a problemática da crioulidade,
no bote. Continua chovendo torrencialmente. O leme se perdeu. Deflnimos a direção.
traduzindo-a para sua própria formação de teoria transareal. Também nesse Eu remo na proa. Depois disso, rema Salas. Paquito Borrero e o general ajudam atrás.

m
sentido o Caribe ultrapassa os limites de seu próprio mar e se estabelece numa Colocamos os revólveres. Direçáo baía. Aparece a lua, vermelha, debaixo de uma nuvem.
geometria fractal que não pode ser reduzida a simples relações causais. Sua base Chegamos a uma praia com pedras, La Playita (aos pés de Cajobabo). Fico por último no
comum é, muito mais, um conhecimento de vida e de sobrevivência transareal, bote e o esvazio. Pulo. Tremenda sorte. Viramos o bote e o grande jarro d'água. Tomamos
Málaga. Sobre pedras, espinhos e pântano. Ouvimos barulho e nos preparamos, perto de
complexo, baseado na experiência de pluralidade heterotópica. uma cabana de tábuas. Depois de um lugarejo, alcançamos uma casa. Na proximidade
Não somente por causa de sua multirrelacionalidade, talvez não haja outro dormimos no chão. S06
ponto de partida mais promissor para os estudos transareais do que o Caribe, uma
vez que este há muito se estabeleceu não somente como objeto, mas como sujeito Com essas palavras densas, anotadas apressadamente em seu diário de guerra e
da análise. No diálogo entre formações de teoria caribenhas e extracaribenhas, que ilustram como um raio a sequência rápida de cenas, o poeta cubano, ensaísta
surgem conceitos que permitem uma nova visão sobre os desenvolvimentos e revolucionário José Martí circunscreve a chegada improvisada daquele bote
culturais mundo afora. de remadores que o levou, juntamente com o general Máximo Gómez e outros
Especialmente os europeus, começando em finais do século XV e indo até partidários, no dia 11 de abril de 1895, do cargueiro alemão Nordstrand à parte
grande parte do século XX, fizeram do Caribe uma área de projeção de suas da costa mais famosa, no Leste de Cuba. A chegada noturna em terra cubana
utopias. Não poucos desses sonhos - como sabemos - tornaram-se pesadelos. No deu fim àquela intranquilidade e errância no exílio que se repetem praticamente
espaço latino-americano, no entanto, o poder de formação de utopias do Caribe de forma exemplar, como num time-lapse, como numa última mise em abyme, a
sempre foi limitado. Por isso, certamente não foi por acaso que Joaquín Fernández bordo do bote, a mercê das ondas e da intempérie. E antes que a lua vermelha
de Lizardi em 1816, em seu romance El Periquillo Sarniento que surgiu no limiar afunde o cenário noturno em sua luz e fusione definitivamente aqueles polos que
507
entre uma Nova Espanha colonial e um México pós-colonial, tenha projetado marcaram o ritmo de vida de Martí: "Duas pátrias tenho: Cuba e a noite" •
provavelmente a primeira utopia ideada por um autor hispano-americano não no A chegada, em todos os aspectos feliz após a perda do leme, culmina no salto
Caribe, mas no Oeste, no espaço situado entre a América e a Ásia, sobre uma ilha, do eu, ao qual imediatamente segue uma grande sensação de felicidade: Salto.
a partir da qual podia ser feita uma crítica social fundamental ao Vice-Reino da Dicha grande. O homem, que há muito se tornara o verdadeiro impulsionador
Nova Espanha daquela época. Para utopias no sentido de uma alternativa perfeita, e autor intelectual de uma guerra contra a potência colonial Espanha, a qual
o Caribe, ao que parece, já não servia mais no início do século XIX. Pois ele se conduziria à independência política de sua ilha natal e que entraria nos livros de
tornou, disso podemos ter esperança, um mundo insular além da utopia, um história como o nome de Guerra de Martí, voltara, apesar de todos os conselhos
arquipélago que defende a pluralidade das ilhas e, mais ainda, do mundo. de continuar liderando a revolução a partir de Nova York ou Flórida, após uma
vida sem descanso nem sossego no estrangeiro, como Ulisses a sua ilha natal. Ali,
poucas semanas depois, no dia 19 de maio de 1895, numa escaramuça com tropas

152 153
Cinco. Incubações Cinco. Incubações

espanholas em Dos Ríos, encontraria sua morte e sua última morada. Carlos Pío Uhrbach, influenciado pelo Modernismo do tipo Casal: teve início
Desse modo, fechou-se o círculo de uma vida incansavelmente em revolta um relacionamento amoroso, cujo caráter sufocante estava enraizado na exigência
contra o colonialismo da Espanha e também contra o neocolonialismo dos incondicional de amor e posse da jovem Juana. A ilha de Cuba, que outrora tivera
EUA, diagnosticado já no início por Martí, com a imagem de movimento de um o nome de "J uana", era para ela, a fixamente arraigada na casa da família em
compasso, de uma volta que- tal o objetivo do fundador do Partido Revolucionaria Puentes Grandes, o único mundo-ilha vivível.
Cubano508 - deveria dar sentido atemporal à sua vida e à sua morte. O cenário A fusão, característica para a escrita de Juana Borrero, de amor, vida e
da chegada terminou em tom de sociedade conspiratória na primeira pessoa do literatura510 permaneceu para a posteridade numa sequência de cartas de ~~r
plural, e os lexemas, que transferem o centro das duas últimas frases para o final, que são legíveis como crônica de uma morte anunciada e que marcam a post~o
não por acaso foram aqueles que sempre permaneceram recorrentes na sua poesia de uma jovem mulher com consciência de gênero que, no mun~o de poesia
de exílio: casa e solo. A distante Ítaca, a parte leste da ilha de Cuba desconhecida modernista dominado por homens, procura desesperadamente na literatura por
a Martí, finalmente foi alcançada: um retorno ao desconhecido tão conhecido, modelações de uma realização de sua própria vida. Juana Borrero, que conheceu
verbalizado na língua vigorosa, densa e poética do diário de guerra, no qual uma José Martí rapidamente em seu exílio de Nova York, quando acompanhava 0
vida política e literária encontrou talvez sua expressão mais intensa. pai dela na preparação de atividades conspirativas nos EUA, no e?~to, teve, de
Os mapas temáticos do Atlas histórico biográfico José Martt"" 09 transmite uma passar pela dolorosa experiência de sentir quão intensamente a ~ohn:a e~ carater
imagem impressionante dos diversos e buliçosos movimentos na vida de Martí, político intervinham decisivamente em sua própria vida. Pots pnmeu~ente
que conheceu muitos lugares de permanência, ficando justamente por isso sem revelou-lhe o amante congenial, que ela sempre manteve corporalmente ~stante
morada Hxa. Às deportações, expulsões, migrações, viagens ao Caribe, à Europa, - sempre flte l a, .tmagem d a "V'ugem tns · te" do poema homônimo escnto,. para .
América do Sul, Central e do Norte, a imagem do círculo procura, num último ela por Casal -, que queria intervir ativamente na batalha pela independen~~a.
gesto, dar o sentido de um retorno, de uma realização, que emerge na sensação de E pouco mais tarde acabou por descobrir que seu pai levaria tod~ su.a famtha,
felicidade do eu, já no início do diário de guerra. E ainda assim, esse salto do eu como o objetivo de protegê-la, para os Estados Unidos por medo JUSttftcado de
foi- tal como a própria figura do círculo - profundamente ambivalente em sua repres ál .tas e persegutçao.
· - 0 "anJO
· d a h'tstona
' · " de BenJ· amin também, entrou na
hermenêutica, salto vital e salto mortal ao mesmo tempo. Como numa enorme vida de Juana Borrero511 : como ele, também ela será expulsa do paratso por uma
condensação, relampejam nas poucas linhas que Martí dedica à dramaturgia do tempestade já não mais controlável.
. J tanto ofereceu sua veemente
dia 11 de abril, as observações precisas do político e revolucionário, mas também Aos planos de seu pai e de seu amtgo, uana, no en ,
. não com tinta mas com seu
do escritor e poeta. Elas acabariam por descarregar-se no transcorrer desse último resistência. Desse modo, numa Ionga carta, escnta ' . d
diário de Martí numa onda de imagens poéticas e numa sequência fascinante
, . . . . d 1896 ..
propno sangue, no dta 11 de Janetro e , pos ar
c los Pío Uhrbach dtante a
.,
de auto e heteropercepções altamente aguçadas. Nenhum outro de seus muitos ·
segutnte esco lh a: "tua patrta.
, · ou tua Juana:
r:
esco lhe1"5t2
· Contudo ' Ja uma semana
textos pode comparar-se em questões de intensidade poética com esse livro dos · tard e teve que parnr
mats · com sua fam'l'11a para Key West (Cavo ._, Hueso) ' no. extremo
últimos dias de Martí e de seu retorno a um mundo insular desconhecido que sul da Flórida onde seu estado de saúde já debilitado viria a piorar raptdamente.
fascinou o poeta. O mundo insular do exílio, formado sobretudo pela ex-ilha de Seis dias ante~ de sua morte, ela ditou à sua irmã Elena, no dia 3 d~ _março dale
, . d metida de um extlio ao qu
Manhattan (a partir da qual Martí procurou manter em suas mãos o destino da 1896, provavelmente a uluma carta a seu ama o, re
c 1 d "E c d · que estão acontecendo por 1a,,
futura independência), tornou-se o mundo-ilha da ilha-pátria. rara evada contra sua vonta e: m race as cotsas . l
. . E e da minha cura, tmp oro-te
T~vez não seja possível pensar um contraste maior à figura hermenêutica de estou profundamente assustada e mqmeta. m nom úl. d .
· "513 n 'm também esse uma eseJO
movtmento de toda uma vida do tipo Martí que o movimento daquela poetisa que te coloques a salvo de qualquer pengo · 1-ore ' d b d
cubana tão significativa, embora ainda pouco conhecida, que perdeu a vida não se realizou: Carlos Pío Uhrbach viria a morrer no dia 24 de ezem ro e
poucos meses mais tarde na extremidade do redemoinho causado por Martí. 1897, na batalha pela independência. /lá J
Diferentemente do escritor modernista transfigurado em herói nacional em A partir da perspectivística do exílio, a ilha tornara-se aquele a ~:""a .~ana
Dos Ríos, Juana Borrero, a xará do companheiro de Martí, vivera em Puentes Borrero, aquele "lá", que José Martí queria transformar novamente, e~ aqm ' ao
Grandes, perto de Havana, nos rebuliços de uma atmosfera caracterizada por final de sua vida. Enquanto Martí alcançava cada vez mais o dommto sobre seu~
um romantismo tardio,e cujo ídolo e grande amor foi o modernista Julián dei ' · movimentos,
propnos · ' ui o de sua vida
procurand o crec h ar o cuc . com
. o, .retorno. a
Casal, ~alecido em 1893. Crescida no meio de uma família de poetas caracterizada 1'lha, Juana Borrero permaneceu um ob'jeto d e negoci·ação , cuJa trajetona.de vtda
pelo pat, o poeta lírico Esteban Borrero Echeverría, a poetisa e pintora altamente
·
termtnou ·
no movtmento rompt'do d e uma fu ga Precipitada ' num derradeuo salto
, ·d
talentosa e hipersensível, que queria transformar sua vida, de modo diferente,
c
rorçado pela estrada da Flon a. Enquanto o Jose' Martí de 16 anos colocava o
mas não menos absoluto, em sua própria obra de arte, conseguiu conquistar amor a patrta actma de qu quer outra crorma d e amor em seu drama em verso
' ' · · al

154 155
Cinco. Incubações
Cinco. Incubações

Abda/a, publicado em janeiro de 1869, e festejava a morte numa proximidade Lugar, nação e língua a partir do movimento transareal
sonora, impossível de não ser ouvida, com seu próprio sobrenome como mártir
pela pátria514 ou exigia no mesmo mês a decisão inequívoca entre colonialismo Numa representação da cidade costeira de Savona, !talo Calvin~ sutilm.e~te cha_mou
espanhol ou independência cubana- "O Yara o Madrid" 515 -,a Juana Borrero de a atenção, em 1974, para a necessidade de uma reprc:sentaçao plundimenstonal
e como que móvel _ ou como poderíamos dizer: vetorzal- de lugares e espaços:
18 anos se via, em janeiro de 1896, como mártir de seu próprio amor, colocando
seu namorado diante da escolha entre a pátria e ela mesma. ·
Se qutsermos d escrever um lugar• descrevê-lo completamente,
. não
c
como um fenômeno
"d
E ainda assim, apesar de toda inegável diferença, o que unia José Martí e ·
Passagetro, · m espaço definido que possut uma rorma, um sentt o e um
mas stm como u d 1 d" - d
o representá-lo como atravessa o pe a tmensao o tempo,
Juana Borrero era um claro anseio pela morte e, com isso, por uma existência A - • •
P rque, entao sera n~cessano

. _ se·a com velocidade máxima


representar tudo aqutlo que se movtmenta nesse espaço J ,
para a morte, e sobretudo uma absolutização de sua respectiva demanda, uma ou lentidão inexorável: rodos os elementos que esse espaço. conte~ ~u conteve e~ suas
incondicionalidade de produção artística de sua escrita e de sua vida como a relações passadas, presentes e futuras. Desse modo, a verdade~ra descnçao de uma patsagem
habilidade de entrelaçar sua biografia, suas ações e sua arte tão intensamente, finalmente contém a história de uma paisagem, da totalidade de todos os fatos que
que não podem mais ser desmembradas uma da outra sem reduções semânticas lentamente contribuíram para definir a forma, na qual se apresenta a nossos olhos, e o
eq UITb · ·f.
1 no que se mam esta e
m cada
. momento entre as forças que os unem e aquelas outras
profundas. Se no discurso político ou nas passagens descritivas do diário de Martí 518
forças que conduzem a seu romptmento.
os elementos poéticos e ficcionais - que representam in nuce poemas, imagens
paisagísticas líricas ou contos - ainda são bem óbvios, assim encontram-se na Essa indicação talvez possa nos ajudar a analisar não tanto ?s fenômen~s ~e
correspondência de Borrero, de modo conciso e denso, os fragmentos de um superfície de uma territorialidade com demarcações fixas ou a simples localtzaçao
discurso de amor. As cartas de Juana Borrero contêm a gênese detalhadamente de fenômenos artísticos na descrição de uma determinada paisagem ou de um
refletida de núcleos de poemas ou poemas completos como uma ficcionalização determinado espaço _ por exemplo da ilha de C:u~a ~ e dos fen~menos cul~s
da própria vida (também legível nos pseudônimos literários utilizados por ela), atrelados a ele mas muito mais a aceitar uma dinamtca de movtmentos que nao
que deriva sua tensão de uma fricção constante entre ficcionalidade e facticidade. devem ser te;ritorializados estaticamente. A ilha de Cuba surge a partir dessa \.

Com isso, chegamos a uma constelação que se tornou justamente importante perspectiva como um lugar que emergiU · do mar da hi'sto' r'ta do Ciboneyes e
para o século XX. Pois o movimento oscilante entre aquilo que pode se denominar Guanajabibes e com isso - como Fernando Ortiz certa vez comentou chistosamente
de ficção e dicção no sentido de Gérard Génette faz surgir aquelafriccionalidad~
16
-da "idade da pedra e idade de pau, (edad de piedra y palo) 519 de Cuba- nos relatos
que se tornou especialmente producente justamente na literatura cubana. Assim, de viagem dos "descobridores, europeus a partir da perspectiva de bordo, e portanto
a partir da perspectiva tomada aqui, são os padrões de movimentos no espaço .
d o movtmento, . , no começo como movimento.
e Ja · Como importante ponto de
como as fricções entre os gêneros literários que se tornaram característicos para a partida para a colonização futura de largas regioes ~ Am'
·- d · co mo base
. enca, , de frota
I I
literatura cubana no século XX. Vida, escrita e escrita-vida de José Martí e Juana de navios bélicos espanhóis e de comboios comerciaiS ou como possivel bas; .de
Borrero formam, no limiar da república cubana e de sua literatura no século mísseis no pôquer do poder global: sempre a ·md'Iscuttve ' l ·tmportancta
" · geoestrategtca
passado, não somente as duas incorporações indispensáveis do Modernismo transformou essa ilha num espaço de movimentos mamtcos que sempre foram
· d' " ·
cubano e hispano-americano, mas prefiguram também um desenvolvimento que de natureza global, desde a primeira fase de globalização acelerada, iniciada com
será analisado na sequência, por meio de exemplos representativos. Colombo, até a atual quarta fase. Cuba foi, desde o início, um global player, mesmo
I
De importância máxima nisso naturalmente é o fato de que José Martí e que no começo a ·Ilha- como vimos · no capt'tul0 anteri'or -nada.. mais
.
tenha sido que
I
Juana Borrero podem representar os dois padrões básicos que se cristalizaram no uma marca no jogo global de potências europeias em concorrencia.
.j
primeiro capítulo como padrões fundamentais de movimento das literaturas sem Se analisarmos 0 surgimento d a I.Iteratura nacton · al cubana no século XIX sem
morada fixa: o retorno (de Ulisses) à pátria desconhecida e o ser levado por uma .
preconceitos, .
rapidamente constataremos que eIa também se deve ao movimento:
tempestade do progresso que- como formulou Walter Benjamin - leva tudo pois de modo algum surgiu num único lugar ou a partir de único lugar. O texto
consigo, impelindo o "anjo da história[ ... ] sem trégua ao futuro, ao qual vira as fundador do poeta José María Heredia seria tão pouco concebível sem o campo de
costas" 517• No limiar do século XX, do século de migrações dramáticas também e tensão entre ilha e exílio entre a Cuba colonial e o México independente quanto Cecilia
especialmente na história cubana, Juana Borrero e José Martí incorporam como Valdés o La Loma dei Àngel de Cirilo Villaverde que se inscreveu como verdadeiro
numa espiral dupla aquele padrão de movimento de uma dialética da ausência romance fundador de uma literatura nacional cubana e, ao mesmo tempo, graças a
de pátria (Heimatlosigkeit), sem a qual as literaturas sem morada fixa não seriam sua história de surgimento como ponte entre os anos trinta e setenta do século XIX
concebíveis. no campo de tensão entre 'cuba e os Estados Unidos. Também a grande poetisa de
língua espanhola do Romantismo, Gertrudis Gómez de Avellaneda, impossível de

186 167

A
Cinco. Incubações Cinco. Incubações

eliminar da história da literatura espanhola tanto quanto da cubana, estabeleceu-se mais possível reduzir o campo literário aos ritmos e ciclos do campo político ou da
em seus poemas e seus textos em prosa inequivocamente dentro de uma rede de economia. Mesmo que a ambição hegemônica do campo político reiteradamente
relações geoculturais que no seu caso estava atrelada de modo igualmente bipolar- tenha desencadeado forres efeitos retroativos sobre o campo literário, não pôde
mesmo que de forma diferente comparado ao caso de Heredia e Villaverde, não sob mais alcançar, mesmo nos tempos de uma política cultural em processo de rápida
as condições do exílio - à relação entre terra materna espanhola e pátria cubana. A cristalização do estado cubano, uma supremacia incontroversa. Demasiadamente
leitura de sua autobiografia520 maravilhosamente friccionai comprova essa tensão de forte era a presença e a criatividade do campo literário parcial que se encontrava
modo impressionante. fora da cuba insular. Mesmo nos tempos de maior territorialização da literatura
México,EUAeEspanha,quenoséculoXIXforamnecessariamentecompletados cubana, na sequência de uma política cultural homogênea instituída por meio
por relações com a França e a Inglaterra, mas também com outras regiões do de uma séria de instituições, os setores "extraterritoriais" da literatura cubana
hemisfério americano- formam como parte do sistema biográfico e cultural de conseguiram se desenvolver em direção a outras lógicas. Apesar de todas as tentativas
coordenadas, dentro do qual a literatura nacional cubana se constituiu séculos de direcionamento, sempre houve, tanto na ilha como no exílio, uma autonomia
antes da obtenção de independência política de Cuba, aquela matriz dinâmica que relativa, mesmo que ciclicamente ameaçada pelo campo político. Tanto antes como
caracteriza a literatura cubana desde seu início. O spiritus rector dessa literatura é, após a revolução de 1959, pode-se ver na lógica dupla, ao menos potencialmente
~esde o começ~, um spir~tus vector: uma literatura que em grande medida é uma sempre existente e baseada num jogo do aqui e lá, de acá e aliá, do campo literário,
literatura a partir do movimento e em movimento. igualmente uma característica da escrita cubana no século XX.
Como, contudo, se modificou e desenvolveu a literatura nacional há muito Após os ápices do Modernismo, ao final do século XIX, somente na sequência
existente, quando o processo de formação de nação, em 1902, entrou numa nova das vanguardas históricas que se formavam desde os anos 20 ou das discussões
fase, com a fundação do estado nacional e com a proteção institucional de uma críticas das tendências de vanguarda, deu-se mundialmente um primeiro, ainda
independência política que foi ab inicio altamente relativa, por causa do Platt precário ressurgimento da literatura cubana, no século XX. Com isso, por
Amendment e das diversas intervenções da potência hegemônica dos EUA? Talvez causa do desenvolvimento problemático da formação de nação durante as duas
não seja exagero, a despeito da profícua atividade de muitos literatos e intelectuais, primeiras décadas da república, os focos recaíram sobre a área de ensaística e
se entendermos as duas primeiras décadas republicanas da literatura cubana como discussão identitária, que rapidamente obteve pregnância e virulência por meio
um período caracterizado pelo silêncio de vozes que se calaram ao final do século da heteronomia político-econômica evidente, mas também por meio da visível
XIX. Não somente a morte do provecto Cirilo Villaverde no exílio em Nova York, "redescoberta" de José Martí e da retomada crescente de sua figura, em benefício
mas muito mais o calar precoce de autores tão formidáveis (e muito mais jovens) de interesses político-ideológicos próprios. Na densa rede de periódicos cunhados
como José Martí ou Julián dei Casal, Juana Borrero ou Carlos Pío Uhrbach, (também) de modo vanguardista, surgiu um nível de reflexão que sempre
aco?te~eram ~os ~os. 90 do século XIX e, com isso, antes dos primeiros anos da permaneceu pragmático e que, de acordo com as possibilidades de conexão,
republica, apos o termmo da guerra cubano-espanhola, na qual os EUA intervieram levantava questões entre vanguarda artístico-literária e ideológico-política. As
de modo bem calculado, após longa observação e preparação. Em face dessa enorme reflexões seguintes têm o objetivo de mostrar de que modo formas de escrita
l~cuna, não de u~a geração perdida, mas sim desaparecida, aberta no início do justamente friccionais e condições vetoriais obtiveram uma importância
se~culo XX, podert~ se falar de um dégré zero da literatura cubana, contanto que excepcional dentro de uma literatura (nacional) cubana que- desde seu início
nao se perca de vista que a economia fundamental dessa literatura continuou -possuía um formato transareal e transcontinental, claramente identificável não
existindo com seu diálogo, frequentemente com um retardamento entre ilha e somente por meio de biografias autorais.
exílio, com sua tradição de uma relacionalidade extracubana de todos ~s fenômenos À procura pela cubanidad, que perseguia toda sua geração, o escritor e político
culturais e continuou- em dependência relativa das conjunturas políticas- a se Juan Martinello, bem familiarizado com o pensamento de José Martí, reforçou
desenvolver aceleradamente. Uma verdadeira nova fundação da literatura cubana num ensaio pioneiro, escrito em maio de 1932 na prisão Presidio Modelo, da Isla de
no processo da constituição republicana não aconteceu. Pois a literatura nacional Pinos, e que partia de uma discussão da coletânea de contos Marcos Antilla de Luis
cubana já tivera dois grandes pontos altos, quando há mais de cem anos foram Felipe Rodríguez, quão difícil seria já no nível da língua traçar delimitações entre
ardu~en.te constituídos os fund:unentos para uma sempre instável nação política o próprio e o alheio: "nós somos graças a uma língua que é a nossa e ao mesmo
e economtca cubana e quando a tlha surgiu no mapa político. A literatura cubana tempo estrangeira" 511 • Mesmo que ele tenha restringido o "elemento tradutor" 522
(com orientação transareal e transcontinental), porém, não só antecede a fundação e tenha atribuído uma importância muito menor a seu significado para a conditio
do estado nacional, ela é seu pré-requisito imprescindível. cubana do que Gustavo Pérez Firmat viria a fazer mais de meio turbulento século
N~ ~contex~o, ao mais tardar, da segunda fase de globalização acelerada, na depois 523 , ainda assim Juan Marinello reforçou a necessidade de não querer alcançar
transtçao ao seculo XIX, de cultura cubana extensamente internacionalizada, não é o desenvolvimento do cubano e da "cubanidade" a partir de um embarricamento

158 159
Cinco. Incubações Cinco. Incubações

no supostamente "próprio". Pois isso já sempre estaria inseparavelmente entrelaçado Aves migratórias no redemoinho da transculturação
no nível do material linguístico com o "outro". Isso faria com que um movimento
paradoxal entre "o" cubano e "o" universal fosse praticamente inevitável: "Para poder Nenhum outro autor cubano cunhou, em medida comparável, o pensamento e a
ocupar um lugar no difícil campo de jogo do universal, não há outro caminho que escrita, auto- e heteroconcepção das ilhas antilhanas, como o antropólogo e teórico da
aquele que conduz ao nosso cubanismo oculto; justamente como tal este produzirá cultura Fernando Ortiz, proclamado já em seguida o "terceiro descobridor" de Cuba
uma vibração que alcança o espectador bem distante"5 24. (após Colombo e Humboldt). Nasceu em 1881 em La Habana e cresceu em Minorca,
Com isso, não se tratava de uma simples dialética entre o local e o global onde escreveu e publicou seu primeiro texto não em espanhol, mas em minorquino.
- e menos ainda de uma tentativa de dirigir-se sozinho ao distante leitor nas Familiarizado igualmente com situações insulares e relações transcontinentais, o
metrópoles. Mais do que isso, a partir da perspectiva da prisão, na especificidade cientista e ensaísta Fernando Ortiz soube conduzir os mecanismos de exclusão de
da situação pós-colonial, na qual o escritor americano já pela utilização do seu interesse nas culturas negras de Cuba, primordialmente motivado por aspectos
espanhol continuaria sendo um prisioneiro, um encarcerad0 525 na língua dos da criminologia, a uma concepção de identidade integrativa, com o objetivo de criar
antigos senhores coloniais, Marinello reconheceu justamente a possibilidade de uma cubanía consciente de si mesma. Em diversos livros e ensaios, mas também
movimento potencial que não faz do leitor hispano-americano da obra-prima por meio de muitas revistas influentes, que ele criou ou às quais deu novo alento,
d~ Cervantes um intérprete de segunda categoria do Don Quijote, mas sim um difundiu suas concepções incansavelmente e com efeito de longo prazo. Sem seus
lettor melhor em oposição ao público leitor espanhol. Pois ele dispõe ao mesmo textos, as narrativas afro-cubanas, inspiradas pela vanguarda, como jEcué- Yamba-0!,
tempo da proximidade e da distância, familiarizado muito proximamente com o de Alejo Carpentier, ou os experimentos-texto-som "mulatos" dos Motivos de son, de
espanhol e, ainda assim, ao mesmo tempo um observador na distância 526 . Nicolás Guillén, não teriam sido concebíveis.
Nessas reflexões, nas quais se prenuncia algo do influente ensaio de Jorge Luis Muito se escreveu sobre o Contrapunteo de Ortiz e sua relação com o Libro
Borges "O escritor argentino e a tradição" e nas quais se torna visível um ponto dei buen amor, um dos grandes textos da Idade Média europeia, mas também
de referência espanhol comum aos dois hispano-americanos (a saber, Miguel de com Bronislaw Malinowski, provavelmente o etnólogo de maior influência de seu
Un~uno e sua interpretaçã_o de Don Quijote), distinguia-se sobretudo a chance tempo, que contribuiu com um prefácio para a primeira edição de Contrapunteo,
da literatura espanhola-amencana e especialmente cubana de não continuar sendo escrito em Yale, em julho de 1940. Decisivo para o nosso questionamento é,
dilacerada esterilmente entre o alheio e o próprio, mas sim de universalizar o contudo, que desde o início a codificação dupla explicitamente marcada do texto,
alheio no próprio tanto quanto o próprio no alheio. Com isso abre-se ao mesmo com base em seu constante oscilar entre ciência e literatura, entre formas de escrita
tempo também um novo espaço de ação entre a literatura na~ional (cubana) e a diccionais e ficcionais, identifica o contraponto cubano de tabaco e açúcar com um
li,te~atura un!v~rsal, como B~rg~s vir~a a esboçá-lo e torná-lo generalizadamente texto profundamente friccionai.
fe~il, sem ~uvtda de forma s~~ntficattvamente ainda mais sutil para as literaturas Certamente, o mérito especificamente translatório de Fernando Ortiz, visível
lattno-amencanas. Contudo, Ja no caso de Juan Marinello não se tratava, com isso, não menos por meio da arte de formulação desse autor entuSiasta de neologismos, é
de um movimento, mas de uma dinâmica aberta, processual, do modo como ela impressionante. 527 Contudo, a tensão desse livro existente até hoje surge, sobretudo,
pôd~ ser desenvolvida na ~ub_a d~s anos 1920, 1930 e 1940, a partir do contexto a partir da fricção entre diferentes formas do conhecimento de vida que Ortiz
da amda ~ecente Ada expenencta pos-colonial perante a Espanha e da dependência extraiu tanto, de modo transdisciplinar, das áreas que compreendem as diferentes
neocolo~ual coetanea dos EUA. ~o anseio por uma nação estável correspondia a disciplinas da ciência ocidental e das formas não científicas de escrita da história
condusa~ de que- bem no senttdo de Italo Calvino_ seu lugar somente poderia da literatura europeia, assim como de formas não ocidentais de representação e
ser descnto a partir de um movimento interminável na escala transnacional e armazenamento de conhecimento. Possivelmente tenha sido bem prematuro seu
~rans~eal. Som~Ante. o territor~al não podia e não devia ser 0 campo de ação para interesse pelas formas de cultura cotidiana e especialmente pela gastronomia, que
l~so: Ja a consc1e~c1a de ~annello sobre o alheamento pós-colonial da própria o levou à metáfora hoje bem corrente do ajiaco, do ensopado de origem indígena,
hngua materna nao permitia mais uma visão tão simplista. no qual voltam sempre a se encontrar os mais diversos ingredientes, sem no entanto
Emtal' · e diA·
ntmtca namtca contrapontual, que conscientemente se entendia fundirem-se um ao outro e sem jamais formarem uma unidade gastronômica
c~mo fora de um ~~r~er-entre-mundos- que já estava "pré-programado" de modo terminada, "prontà' 528 • O termo proposto por ele, e frequentemente discutido, de
diverso e contraditorto, pelo recurso à língua espanhola e a seus feixes de tradição transculturación é ao mesmo tempo princípio de movimento e ingrediente desse
cul~al -, se inscrevia, em 1940, também a obra excepcional do antropólogo e livro, que, no nível do conteúdo, situa no centro os mais diversos movimentos
escntor cubano Fernando Ortiz, Contrapunteo cubano de/ tabaco y el azúcar. transgressores na escala transnacional, transareal e transcontinental.
Os movimentos de migração, centrípetos sob a perspectiva cubana, de índios,
espanhóis, africanos, judeus, portugueses, britânicos, franceses, norte-americanos
160 161
Cinco. Incubações Cinco. Incubações

e asiáticos antilhanos, assim como continentais dos mais diversos graus de latitude, mas é dotado de uma estruturação aberta de caráter riwmático e que provavelmente
são completados por meio de padrões de movimentos centrífugos, que se sobrepõem poderia ser comparado mais adequadamente a um hipertexto eletrônico.
ao "furação de culturà' (huracán de cultura) 529 da Europa, reforçado poderosa e Como nesse modelo de texto virtual, é possível combinar diferentes níveis textuais,
violentamente, e que talvez melhor encontre sua expressão na metaforicidade transitória que não se encontram necessariamente numa relação meta-discursiva mútua, e por
e transterritorial dos pássaros migratórios que jamais se assentam completamente: meio de diferentes caminhos de leitura concretizar um texto em movimento, em
transformação constante. Desse modo, seria bem possível que Fernando Ortiz
Não houve para a cubanidade fatores mais impactantes que essas transmigrações contínuas,
tivesse em mente outro modelo de texto, ainda pertencente à Modernidade:
radicais, geográficas, econômicas e sociais contrastantes mutuamente dos colonizadores
(pobladores), essa transitoriedade incessante de concepções e essa vida que foi caracterizada Ansichten der Natur (Quadros da natureza), de Alexander von Humboldt, que de
constantemente pelo desarraigamento da terra habitada e pela incongruência para com modo comparável ao Contrapzmteo não ambicionava somente- como mencionado
a sociedade alimentadora. Pessoas, economias, culturas e anseios, tudo aqui parecia no "prefácio à segunda e à terceira edição", de 1849 - a "conexão de um objetivo
estrangeiro, provisório, inconstante, "aves migratórias" sobre o país, em seu liroral, às suas literário com um puramente científico" 532 , mas que também, por sua vez, deixava
custas e para seu desprazer. 53°
um espaço livre para uma lógica da proliferação de partes textuais adicionais. Pois
O que na Europa precisou de milênios de desenvolvimento cultural, teria se os esclarecimentos científicos, que aumentavam de edição para edição, finalmente
condensado em Cuba, como em timelapse, por poucos séculos, uma enorme excederam os "verdadeiros" quadros numa proporção de cinco a dez vezes maior,
aceleração, cujo resultado teria sido um "progresso cheio de saltos e sobressaltos" contendo além disso, de modo semelhante ao caso de Ortiz, núcleos narrativos que
(progresso a saltos y sobresaltos)531 • A tempestade do progresso de Walter Benjamin ameaçavam obter uma independência levemente narrativa.
se transformou aqui no furação de uma transculturação, que faz com que Cuba Fernando Ortiz, que estava perfeitamente familiarizado tanto com a obra de
transpareça como uma ilha na mira dos processos de globalização condensados e José Martí, assim como com a de Alexander von Humboldt, e que publicou o Essai
que se aceleram repentinamente, à mercê das ondas do mar como das migrações: politique sur l'íle de Cuba (Ensaio político sobre a ilha de Cuba) de Humboldt numa
uma espécie de incubação da globalização, cuja aceleração arranca tudo consigo e, tradução ao espanhol que até hoje vale a pena ler, pode exigir para si uma função
ainda assim, desenvolve a cultura de uma transculturação- e não a cultura de uma de pivô no presente esboço, na medida em que seu Contraptmteo cubano dei tabaco
aculturação, contra a qual Ortiz forjou seu termo de uma transculturación, em y el azúcar se tornou altamente producente não somente nas áreas da ciência e
1940; portanto, quase ao mesmo tempo que as reflexões de Benjamin em "Sobre da literatura, mas que em seu modo de escrever também evidenciou de forma
o conceito da história". Também aqui, portanto, um anjo da história que já não esteticamente perfeita aquelas transições que se tornaram determinantes entre
consegue mais fechar suas asas no furacão caribenho, longe do paraíso. vanguarda histórica, pós-vanguarda e pós-modernidade, diante do cenário dos
Muito daquilo que Fernando Ortiz trouxe a lume em padrões de movimento na desenvolvimentos no mundo hispanófono. Pois foi necessária, como antes no caso
história cubana está muito próximo daquelas experiências de vida e de espaço às quais de Jorge Luis Borges ou depois no de Max Aub, uma "vacinação" vanguardista,
chegamos no início desse capítulo, no caso de José Martí e Juana Borrero. Porém, os a fim de preservar esses autores - todos eles intimamente familiarizados
saltos e sobressaltos, saltos y sobresaltos, são uma característica da história cubana como com os métodos da vanguarda histórica - de uma recaída vanguardista no
a do contrapunteo, que de modo igualmente sutil e humorado evidencia as fases da desenvolvimento de formas de escrita533 pós-modernas. O fato de que tanto
globalização acelerada no mundo insular do Caribe, a partir da perspectiva cubana. Ficciones de Borges como ]usep Torres Campanale$534 de Aub tenham recorrido
O formato estrutural desse texto friccionai já ao primeiro olhar é surpreendente, a padrões de escrita diccionais-científicos talvez esclareça que a fricciona/idade
uma vez que o Contrapunteo, que em princípio fornece o título, abrange com menos do Contrapunteo, escrito situado temporalmente entre esses textos, tenha um
de 90 páginas, numa edição mais nova, somente um quinto do livro todo, em vista significado constitutivo textual {com vistas ao desenvolvimento histórico-literário)
do segundo capítulo, bem mais extenso, com quase 350 páginas e composto por 25 e ao mesmo tempo discursivo. Formas de {re)presentação discursivo-descritivas
seções numeradas com números romanos. Sem poder penetrar, neste contexto, em do saber na área da science e, mais intensamente, formas de saber narrativamente
todos os labirintos dessa pirâmide textual, com suas marcas orientadoras divergentes cunhadas da fiction são relacionadas de modo bastante diverso, produzindo um
uma da outra (ou seja, os índices), ainda assim ressalte-se que o Contrapunteo de tipo bem próprio de science-friction, cujo saber (de vida) é de caráter friccionai,
Fernando Oniz, de 1940 - de modo semelhante ao do romance Rayuela (O jogo não obedecendo a nenhuma única lógica (binária). Assim, o Contraponto cubano
da amarelinha), de Julio Cortázar, publicado em 1963- sugere pelo menos dois se situa de diversas maneiras, com seus movimentos não termináveis, dentro de
movimentos diferentes de leitura: uma leitura continuada, de começo a fim, e outra um EscreverEntreMundos, o qual é possível relacionar tanto às diferentes fases da
que se realiza aos saltos e que lembra o discurso dos saltos y sobresaltos. As leitoras globalização acelerada e aos processos da transculturação associados a estas como
e os leitores do Contrapunteo, por isso, podem movimentar-se em saltos e frases também ao oscilar entre diferentes campos e disciplinas do saber e entre gêneros e
descontínuos por um texto cuja construção não representa uma estrutura fechada, formas de escrita científicas e literárias.
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Cinco. Incubações Cinco. Incubações

Elementos fugazes e em fuga no furacão poética e poetológica de seu líder, José Lezama Lima, há muito transfigurado em
do mundo de expressão americano mito de poeta. Assim está escrito, por exemplo, no poema inicial de seu livro
Enemigo rumor, de 1940: ·~, como foges no momento mesmo/em que acabaste
O famoso contemporâneo de Fernando Ortiz, José Lezama Lima, combinou ao de encontrar tua melhor definição" 536 • Sobre a "água discursiva" e a "paisagem
final de sua terceira conferência, dentro de uma sequência de cinco- portanto a imóvel", na qual se mostram animais que se volatilizam ("antílopes, cobras, com
central-, proferida em 22 de janeiro de 1957, com o título de O romantismo e o passos curtos, com passos que se volatilizam"), não em vão sopra recorrentemente
foto americano, duas figuras de movimento que para a "expressão americana" seria "o vento, o divertido vento" 537 para uma roda de imagens em fuga que talvez
de importância excepcional: possam ser definidas, mas jamais ftxadas e con-statadas. A poesia de José Lezama
Lima é - para dizê-lo com aquelas palavras que ele mesmo reservou para José
José Martí representa, num natal verbal grandioso, a plenitude da ausência possível. Nele
Martí- a arte poética da "plenitud de la ausenda posible" 538 •
culmina o calabouço do Frei Servando, o fracasso do Simón Rodríguez, a morte do Francisco
Miranda, mas também o raio das sete instituições da cultura chinesa, o que lhe permite, Se Lezama Lima falava, em sua H abana, a partir de uma perspectiva mais voltada
por meio da metáfora do reconhecimento, tocar e criar aquele redemoinho que destrói a para a história das ideias, do "nascimento da expressão crioulà' 539 , assim Antonio
ele mesmo; o mistério que não para a fuga dos grandes perdedores nem o oscilar entre os Benítez Rojo, emigrado nos EUA, ancorava, décadas mais tarde, a criol/izadón
grandes des~nos, e que ele dissolve, não se associando à casa, que ele coloca em chamas.
conjurada por ele na estrutura social e econômica da plantação, característica para
Temos que situar sua mone dentro do Pachacámac inca, do deus invisível. m
todo o Caribe, cuja explosão naturalmente desencadeou um movimento caótico,
Partindo da prisão no calabouço e das inúmeras tentativas de fuga do monge desordenado e multiplamente fragmentado:
dominicano novo-espanhol, Frei Servando Teresa de Mier, desenvolve-se ao longo Desse modo, como filho da plantação, não sou muito mais que um fragmento ou uma ideia
da história da independência hispano-americana (para a qual são mencionados que gira em torno de minha própria ausência, do mesmo modo como um pingo de chuva
como representantes além do Frei Servando Simón Rodríguez, o professor e gira em volta do olho vazio do redemoinho, que o produziu.[ ... ] Para mim, a "crioulização"
conselheiro de Bolívar e Francisco Miranda) um movimento de aceleração é um termo por meio do qual tentamos explicar os estados instáveis que um objeto cultural
do Caribe apresenta no transcorrer do tempo; para mim, trata-se não de um processo- uma
histórica, o qual culmina naquele redemoinho que José Martí criou e no qual ele palavra que implica um movimento direcionado para a frente -, mas sim de uma série
mesmo e- como vimos - muitos outros de sua geração sucumbiram. O caminho descontínua de recorrências, happening.r, cuja única lei é a transformaçáo.s-4°
(das) Américas no século XIX conduz, por isso, não do lugar fixo do calabouço
colonial- que também Martí teve de suportar- ao lugar fixo da casa própria e São sempre os mesmos lexemas que assumem não somente função estruturante,
independente, mas (no sentido de Fernando Ortiz, mas também no de Walter mas sim dominante na literatura cubana do século XX: "furacão" e "ausêncià',
Benjamin) num redemoinho que arranca tudo consigo. Com vistas à atribuição, "fragmento" e "movimento descontínuo", "instabilidade" e "vazio". E realmente
feita do início deste capítulo, que insere Martí no padrão de movimento de um é possível comprovar o movimento inconstante, descontínuo, um movimento
retorno à terra desconhecida, seria com bons motivos possível, por isso, dizer que saiu do ritmo, como no Diario de Martí, numa densidade enorme
que o redator do famoso ensaio Nuestra América, em princípio, responde pelos dentro da literatura cubana. Também na poesia de um Nicolás Guillén, uma
dois padrões - o retorno de Ulisses e o redemoinho nas asas do anjo da história - poesia afro-cubana à primeira vista tão completamente diversa, orientada em
potenciando com isso a dialética da condição apátrida (Heimatlosigkeit). relações-texto-som e que inclui artisticamente a forma musical popular do son,
Ausência forçada de movimento e aceleração máxima, mas também fuga, aparece inúmeras vezes o movimento impelido, sem rumo e inconstante. Assim
desaparecim~nto e naufrágio caracterizam, com palavras altamente ambíguas, diz no famoso poema, ritmado pelo gerúndio de um verbo de movimento,
o desenvolvimento esboçado nesse contexto por José Lezama Lima, que não "Caminando", de seu livro Wést Indies, Ltd., do ano de 1934, já no início: "Vou
obstante continua prometendo a realização na abundância das culturas da sem rumo e corro,/corro" 541 • E no seu poema complexo, sutil "Un son para nifzos
América, Europa. e Asia consideradas aqui - tanto em significância transcultural antillanos", a falta de direção é dominante desde o começo:
como transcontinental. Uma reterritorialização e estabilização de fuga e
Sobre o mar das Antilhas
aceleração naturalmente não parecem acontecer: os movimentos transistóricos se Anda um barquinho de papel:
sobrepõem, se potencializam e não alcançam nunca - nem na cultura cubana ou Anda e anda o barquinho barquinho
hispano-americana, nem na inca ou chinesa - um estado de tranquilidade. Sem direçáo aqui.
Os elementos fugazes e que jamais chegam a um estado de paralisação
De Havana para Porrobelo,
~acterizam ~ poesia do grupo de poetas, sem dúvida, mais significante e Da Jamaica para Port of Spain
mfluente do seculo XX cubano, em torno da revista Orígenes, assim como a criação Anda e anda o barquinho barquinho
Sem capitão. 542

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Cinco. Incubações Cinco. Incubações

Seria possível objetar que na obra literária e, sobretudo, na biografia do poeta, Santiago", "Viaje a la semilla'' ou "Los .fugitivos". Mesmo sua aproximação em La
proclamado "poeta nacional" pela Revolução Cubana, há muitos exemplos não só ciudad de las columnas, sua homenagem à capital de Cuba, Carpentier inicia com
de movimentos "direcionados", mas justamente também de retorno à ilha-pátria. um texto de movimento por excelência, uma citação detalhada daquela entrada
Certamente, a obra completa de Nicolás Guillén tem como objetivo a realização e, virtuosamente descrita no porto de Havana, ao qual Alexander von Humboldt
com isso, também a territorialização de uma revolução socioeconômica profunda, chegou 545 após a conclusão de sua viagem ao Orinoco, em dezembro de 1800,
pela qual lutou toda sua vida. Diante desse cenário, também é possível ler suas um data importante- para a literatura cubana- e para a história da ciência. A
memórias como tentativa de atribuir uma finalidade aos movimentos de sua vida, cidade das colunas se revela como a cidade de movimentos intermináveis como
que se materializa na figura do círculo (ilha- exílio- ilha). Porém, o que sempre também transcontinentais e transculturais, inserida numa multirrelacionalidade,
domina a configuração de suas Páginas vueltas543 são os movimentos imprevistos, que possui sua própria poesia e poética (vetorial).
os muitos movimentos no exílio, as viagens do representante da revolução, bem Em nenhum outro romance, naturalmente, as figuras de movimento entre Velho
como os inúmeros visitantes vindos de longe, recebidos por ele. Numa ilha cujas e Novo Mundo, entre Norte e Sul, estão configuradas de forma mais complexa
leitoras e cujos leitores, na maioria, não faz esse tipo de viagem, muitos dos e sobretudo mais vigorosa que em seu romance Los pasos perdidos546 , publicado
detalhados "passeios" e vueltas são bastante notáveis. em 1953. Das experiências e inserções autobiográficas até a transformação de
José Lezama Lima, que certamente era conhecido por seu característico textos diccionais, que Carpentier originalmente queria juntar num planejado
sedentarismo, desenvolvendo, contudo, em sua escrita e em seu pensamento "livro da Gran Sabana", formam elementos friccionais, oscilantes entre dicção e
uma rede transcultural de relações dinâmicas de abrangência global, não em vão ficção, daquele padrão básico, em cujo fundo se distinguem claramente as figuras
falou daquele "oscilar entre dois grandes destinos", que Martí teria desmantelado, hermenêuticas diferentes, quase que historicamente acumuladas e habilidosamente
"juntando-se à casa que será incendiadà' 544 • Aqui se remete inequivocamente- entrelaçadas de movimentos - e sua transgressão direcionada. O motivo tão
sem prejuízo ao simbolismo da casa incendiada que joga com vários sistemas fundamental para a literatura ocidental da procura, que anseia pela figuração de
culturais de referência- àquele movimento oscilante que já caracterizou os textos movimentos desterritorializados tanto quanto o motivo da fuga- e são os dois que
fundadores da literatura nacional cubana e que lhe permitiu tornar-se aquela impelem o inominada narrador em primeira pessoa- é atravessado por figuras de
literatura sem morada fixa que jamais dispôs, de forma duradoura, de uma casa fixa movimento que podem ser associadas a diferentes épocas literárias. Elas conectam
para tod,os na hist~ri~ cu~ana. Sem dúvida: 0 espírito predominante da literatura os padrões lineares básicos da procura pelo Graal da Idade Média ou da busca dos
cubana e sua vetonal1zaçao- um anseio por reterritorialização, mas que desde sua conquistadores pelo Eldorado com as estruturas circulares dos viajantes europeus
"programação" original no século XIX nunca renunciou a movimentos opostos, à América, que ao final de suas descobertas e pesquisas retornam a suas pátrias,
desterritorializantes. Os padrões de movimento dos textos fundadores até hoje mas também inserem com cuidado os movimentos de oscilação possibilitados pelo
estão inscritos na literatura cubana, permanecendo armazenados nela e muitas tráfego aéreo pan-americano e transatlântico depois do final da Segunda Guerra
vezes sendo novamente acessados lá, onde menos se esperaria que estivessem. Mundial, da forma como os viajantes "entre diferentes mundos" os realizam hoje
Desse modo, _roda uma literatura nacional está baseada num oscilar que sempre sob o signo dos jets transatlânticos. Essas sobreposições produzidas por meio
permanece onen~a~do num centro- a ilha de Cuba-, sem que esse centro, essa de marcações intertextuais de movimentos de viagens das mais diversas épocas
casa sempre precaria, contudo, pudesse ser habitada duradouramente na história históricas geram necessariamente uma quarta dimensão da viagem do tempo, que
d~, literatura ~ub~a até agora. Expulsão e exílio, migração e transculturação, naturalmente já possível encontrar de modo explícito no início da Modernidade
d1aspora e ausenc1a de morada estão inscritos desde o início na escritura cubana: num dos mais importantes textos de referência do romance, Relation historique
nela ~parece 0 fu~az e o que está em fuga no redemoinho de uma expressão de Alexander von Humboldt. Un voyage peut en cacher beaucoup d'autres- que já
amencana que Jose Lezama Lima como nenhum outro soube definir. vimos no segundo capítulo, quando tratamos de Blaise Cendrars e suas viagens (e
A análise de movimentos e figuras de movimento é, diante desse cenário, simulações de viagem) sob o signo da vanguarda europeia e brasileira.
justame~te no c~o da literatura cubana, uma chave adequada para compreender O anseio do protagonista estudioso da música, de Passos perdidos de Alejo
os motivos mais profundos, as motivações e emoções do desenvolvimento Carpentier, por uma reterritorialização estável num outro espaço, num outro
literário no século XX. A partir dessa perspectiva, Alejo Carpentier certamente tempo e numa outra cultura, que no relacionamento de amor com Rosario anseia
não representa uma exceção dentro da literatura cubana, uma vez que em seus por realização, a qual traduz os sonhos dos conquistadores em projeções sexuais
romances e contos as figuras de movimento topográficas, hermeneuticamente masculinas, contudo, é destruído e anulado justamente pelos modos de movimento
interpretáveis, são de importância fundamental. Elas perpassam toda sua obra de do século XX. Pois o que é anunciado como desaparecido é naturalmente
jEcué-Yamba-0! até La consagración de la privavera, de El reino de este mundo até El catapultado por avião - o meio de transporte por excelência, que não somente
siglo de las luces, de El acoso e El arpa y la sombra até contos como "El caminho de sintetiza o espaço, mas também o tempo - de volta ao mundo racional-objetivo

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Cinco. Incubações Cinco. Incubações

~a civ~ização ocidental. Uma segunda tentativa de fuga da Modernidade resulta literário-romanescos reiteradamente sublinhados pelo autor, que fornecem lógicas
mfruttfera:
,. A porta ' Tcerreno, que c o1om b o Ja
. do Parruso · , supusera estar no mun do diversas, polissêmicas ao texto.
aqu~tlco do Ormoco, e também da união mestiça por ele amada entre Eva . Essa "cumplicidade" frequentemente reforçada e a "confabulação com o
bíblica
. e a deusa indígena, fiech a-se para sempre. Interrompe-se o camm· h o do tnformante" 549 nos anos 90 se tornaram objeto de um debate fundamental sobre
reiterado
. ' · casa, no estrangeuo,
retorno de Ulisses a' propna · e a tempestad e sopra o romance de testemunho, também com referência justamente à Biografia de
Implacavelmente
.. do Parruso.
' A "fuga a Manoa, - esse é o título de uma trad uçao~ um cimarrón. O historiador alemão Michael Zeuske pôde comprovar, por meio
alema - fracassou definitivamente. de cuidadosos estudos em arquivo, quão intensamente o romancista cubano
O que deu certo, no entanto, foi a expresión americana de um poeta doctuS, que interveio 550 com "correções", especialmente por meio de omissões conscientes,
num. enorme furação soub e conectar os firagmentos mtertextuais
· · de uma 1·Iteratura na história de vida de Esteban Montejo. Da nossa perspectiva é especialmente
ocidental, represada com element u1 · d ·"' · ·
os c turrus e provemencia amencana e afincana,
· revelador que a fuga do Cimarrón da escravidão e do sistema colonial de produção
e tambem com formas de expressão mediatizadas e globalizadas em figuras de açúcar é reinterpretada no nível textual-diegético, por meio da omissão do
complexas
. ~de movimento
. , d e t ai mo d o que d eu conta da exigência
· · "cno · 1·Ista,, período da República, problemático na vida de Montejo, e da abertura prospectiva
da. di.mensao umversal de Juan Marinello, prenunciando assim aquela afirmação à revolução de Fidel Castro, como caminho de vida que aparenta levar de forma
~tu~.Ista, que não por acaso é de origem cubana: a saber, que "a literatura cubana retilínea e consequente da rebelião contra o colonialismo à rebelião contra o
e a literatura mais universal"547. neocolonialismo e o imperialismo. As pesquisas historiográficas de Michael
Zeuske, nesse contexto, desenham uma imagem diferente, mais complexa e muito
mais contraditória, que impede tanto uma interpretação figural da história cubana
como uma estilização ideologicamente fundamentada do Cimarrón, em direção a
Inclusões e exclusões do territorial e do testemunhal uma figura revolucionária, trans-histórica de herói.
A "cumplicidade" literária de Barnet na estilização de Esteban Montejo como
Um texto publica~o pela primeira vez no ano de 1966 veio a produzir, do modo rebelde, por meio da retirada de "pontos escuros" dentro de sua "biografia de
com~letament~ diferente, a conexão demandada por Marinello entre 0 cubano e escravo negro fugido", é evidente, ao mesmo tempo, contudo, também legitimada
o. umversal:
. BzouraRa
?··':J" de um cimarron, , de M·Iguel Barnet. Pois rapidamente
. esse por meio do oscilar friccionai entre romance e testemunho documentário: Biografia
hvro fm traduzido para muitos idiomas, teve difusão mundial e se tornou um de un cimarrón é uma continuação original e constitutiva para o subgênero do
texto-chave para a compreensão não somente da história cubana mas também de romance de testemunho, a ser posicionado na situação historicamente nova da
sua guinada de tirar o fôlego daquele momento: a vitória da R;volução Cubana Revolução Cubana, do traço-base distintivamente friccionai da literatura cubana.
no ano de 1959.
E não é à toa que também esse texto trata de uma história de vida que - como já
O livro, canonizado já poucos anos após sua primeira publicação, estava sugere o título desse texto de sucesso- é essencialmente caracterizada por fuga e
baseado nas conversas e gravações do etnólogo, poeta e contista Miguel Barnet perseguição, como também por uma vida sem morada Hxa, que em certa medida
com Esteban Monte)· . o ' àqueIa. ai tura com mais · de cem anos, que relatara ao ai uno
é naturalmente reterritorializada pela Revolução de 1959. I'

de Fernando Ortiz sobre sua vida, especialmente como escravo (cimarrón) fugitivo Uma biografia completamente diferente de uma personalidade histórica
durante 0 perío~? colonial espanhol. O resultado foi um texto híbrido, reforçado foi apresentada por Reinaldo Arenas - a quem Miguel Barnet ainda havia
com estudos ad1c1onais de arquivo e até hoje fascinante, com 0 qual Miguel Barnet
condescendentemente entrevistado por ocasião de seu primeiro romance - em
fundou
, . (novamente) , a novela-+,;est.'tmomo,
· o romance de testemunho, su b genero
"'
1969, com seu livro El mundo alucinante, também rapidamente traduzido e
varias. vezes
, . tambem fundamentad t · ""
o eoncamente por ele. Outras mcorporaçoes .. "
internacionalmente exitoso (mesmo que indesejado em Cuba). Também nessa
da histona cubana por Barnet seguiram-se com La canción de Rachel (1969),
discussão literária com a personalidade de Frei Servando Teresa de Mier, a cuja
Gal/ego (1981) e La vida real (1984).
importância - como vimos - José Lezama Lima, admirado por Arenas, chamara
A partir de outra perspectiva Miguel Barnet continuou a desenvolver
a atenção, os elementos friccionais de forma alguma estavam ausentes. Contudo,
nesses textos aquela relação entre ciência e literatura, documentação histórica
e .romance ,. e fi cçao,
.. que na o bra de Fernando Ortiz já tinha alcançado não se tratava em El mundo alucinante da documentação da história de vida de um
. . , d ·tcçao
dos mais interessantes protagonistas da independência hispano-americana- uma
crtattvt.dade e carisma bastante grandes. Biografia de um cimarrón é- da forma
sequência, desenvolvida nas memórias de Mier, de encarceramentos e tentativas de
como tsso se expressa por si no termo e na prática da novela-testimonio - um
fuga através do Velho e do Novo Mundo - mas sim do esboço brilhante de uma
texto profundamente friccional54s, que embora não raramente tenha sido lido de
vida constantemente perseguida e impelida, cuja biografia reiteradamente ameaçava
modo diccional (e consequentemente como "documento"), contém elementos
de modo pontual confluir com a (auto)biografla do jovem romancista cubano.
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11__
Cinco. Incubações Cinco. Incubações

Assim dizia numa carta, anteposta a esse texto igualmente híbrido, da figura do estruturalmente não só de modo biográfico e temattco, mas com vistas ao
autor ao "caro Servando": "O mais profícuo, porém, foi a descoberta de que tu desenvolvimento literário nacional da literatura cubana. 554
e eu sejamos a mesma pessoa." 551 Um renascimento alucinante, um ciclo literário Um aspecto não deveria ser esquecido neste contexto: a Revolução Cubana
da vida portanto? Em todos os casos, uma das mais interessantes e- contrária e fortaleceu, na qualidade da realização sem dúvida mais efetiva de um projeto de
simetricamente espelhadas em relação à Biografia de un cimarrón de Barnet - mais Modernidade em Cuba numa medida jamais vista até então, o estado nacional e
importantes fricções cubanas do século passado, em cujo centro se encontra mais suas instituições no setor de educação e saúde como também de política, ciência
um~ vez- artisticamente duplicada- uma vida impelida sem morada fixa. ou literatura. Os mecanismos atrelados a essa exclusão por meio de inclusão -
E esclarecedor que Reinaldo Arenas dentro dos diversos ciclos narrativos por exemplo, o campo de detenção- e de inclusão por meio de exclusão- por
e líricos de sua obra completa tenha iluminado uma série de estruturas exemplo exílio e migração- intensificaram uma territorialização do pensar, como
sociopolíticas e econômicas básicas que estão na interseção de discussões estabelecido com destaque especialmente a partir dos anos setenta também no
centrais de nossa atualidade. Desse modo, ele escreveu em seu livro de poesias campo intelectual e em seus subcampos científicos. Entre os inúmeros exemplos,
El Central, publicado pela primeira vez em 1981, um acerto literário de contas queremos destacar uma formulação, originalmente proposta no ano de 1974 por
com a maquinaria antropofágica da produção de açúcar em Cuba, cujos estados Juan Marinello, que trabalhou sob Batista como primeiro ministro comunista
de agregação coloniais, neocoloniais e pós-coloniais-socialistas são sobrepostos de Cuba, mais tarde influente na Revolução Cubana, e que se contrapôs sem
transistoricamente552. As estruturas centradas no açúcar penetram inevitavelmente rodeios aos dissidentes no subcampo dos estudos sobre Martí: "Os martinianos
todos os setores da vida da sociedade humana assim como do indivíduo, por conta antimartinianos não têm mais lugar na Cuba de hoje" 555 . Aqui, dentro do projeto
do centralismo e autoritarismo quase gerado pela plantação de açúcar (El Centra{). da revolução orientado pelo internacionalismo socialista, foram territorializadas
Apresentadas em imagens acres, essa centralização e dominação de todas as formas demarcações ideológicas de tal forma, que para muitos intelectuais só ficou a
de vida por meio daquela unidade socioeconôrnica que em todas as análises do Caribe escolha entre emigração, exílio interno ou encarceramento.
aparece como modelo básico que define toda a região, é complementada por uma Também no influente ensaio de Roberto Fernández Retamar, Calibán- que
análise literária - no sentido de Focault e Agamben - das consequências biopolíticas deslocou de forma original o centro do triângulo, conhecido da peça The Tempest
em forma de campo de detenção. EmArturo, la estreita más brillante (1981), acontece (A tempestade) de Shakespeare, entre Prospero, Ariel e Caliban, em benefício
uma discussão, caracterizada por experiências autobiográficas, dos campos da UMAP deste, que foi ressemantizado de modo marxista- é possível encontrar aquelas
(Unidades Militares de Ayuda a la Producción), nos quais opositores do regime e territorializações do poder (e da violência), que com toda clareza já tiveram um
homossexuais indesejáveis deveriam ser "reeducados". Nessa novela, mas também impacto na fórmula de Fidel Castro, citadas afirmativamente em Calibán: "dentro
em outros de seus escritos, Reinaldo Arenas esboçou a problemática do campo de da revolução, tudo; contra a revolução, nada." No ensaio, escrito em 1971, sob
detenção não como "acidente de trabalho" ou anomalia da Revolução Cubana, mas a impressão do caso Padilha e da crítica pública à política cultural da revolução
sim como expressão profunda da condição autoritária de uma sociedade que tenta atrelada a ele por parte de muitos intelectuais internacionais, e que se dirigia
alcançar seu poder também sobre a- nesse caso a ser entendido ambiguamente- "vida veementemente contra a "plataforma contrarrevolucionária" 556, de Sartre a Sarduy,
nua ou luta pela vida" (zoe) da população cubana.553 de Fuentes a Vargas Llosa, o diretor da Casa de las Américas tentou juntar pontos
Nenhum outro autor cubano, mostrou com tal franqueza, intensidade e de referências históricos, políticos e literários de uma "cultura genuinamente
desespero como Arenas a matriz do campo, suprida com as tradições militares latino-americana" 557 , que deveria formar um cânone diferente, descolonializado e
e monoculturais do processo de formação nacional, em suas diversas mutações um horizonte de desenvolvimentos futuros. A tarefa de Cuba deveria consistir em
e transformações nem direcionou sua atenção à dimensão da biopolítica e do ser a casa ou, mais ainda, 0 ponto de partida para esses processos revolucionários
biopolítico. Ainda em sua autobiografia altamente friccionai, que mescla na América Latina e no Terceiro Mundo.
elementos biográficos e ficcionais, Antes que anochezca (1992), o autor com Esse, contudo, é um discurso cujas linhas de tradição levam facilmente até a fala
Aids, que cometeu suicídio em dezembro de 1990, em Nova York, mostrou de José Martí sobre a libertação futura de Cuba, a qual deveria ter consequências
558
obsessivamente e com grande intensidade os mecanismos de inclusão e exclusão e para as Antilhas, os povos da América e todo o continente americano. Diante
modos atrelados de humilhação, os quais segundo seu ver caracterizavam estado, do cenário dos padrões de movimento aqui mostrados é facilmente compreensível
família e sociedade na Cuba do século XX e por cuja existência, no fim das contas, que a Revolução Cubana, prosseguindo as tradições de cultura da ilha, com
todas as tentativas de escapar de perseguição e infelicidade fracassavam. O livro todo seu fortalecimento territorial, não quisesse renunciar a movimentos
Antes que anochezca, escrito no exílio nos EUA, nesse sentido, dá continuidade desterritorializantes - que incluíam não somente a exportação intensificada de
a uma tradição não somente de Escrita-de-Vida friccionai- como em El mundo produtos culturais cubanos, mas também a "exportação da Revolução". Não sem
alucinante- mas também de escrita sem morada fixa, que deveria ser entendida motivo, Cuba por décadas foi um dos mais importantes exportadores de teorias e

, 170 171
Cinco. Incubações Cinco. Incubações

ideologias no setor político e social como no político-cultural e artístico-literário. uma relacionalidade essencialmente mais complexa, a qual conduziu a lógica
Contudo, os mecanismos aqui esboçados de política (cultural) cubana também translacional numa multirrelacional que parece distanciar-se mais e mais de uma
foram muito palpáveis, além dos limites insulares nacionais. Talvez a crítica aos definição essencializante "do" cubano. Isso de modo algum significa que as "velhas"
mecanismos de exclusão operativos no exílio cubano na Flórida, exposta por lógicas, os mecanismos tradicionais de inclusão e exclusão e as demarcações
Reinaldo Arenas em Antes que anochezca e ainda mais sutilmente em El portero atreladas a eles tenham desaparecido 564; os mecanismos autoritários de exclusão e
(1989), sob a perspectiva liminar de um porteiro, possa chamar a atenção ao inclusão, sem dúvida, continuam existindo e não raramente ainda fazem vítimas,
fato de que também a desterritorialização, por conta de uma reterritorializaçáo contudo, perderam sua onipotência e onipresença. Nos mapeamentos culturais da
almejada mais intensamente no exílio, como já fora no século XIX, ainda pôde virada para o século XXI, Cuba há muito se tornou a ilha das Uhas, que não pode
intensificar e estender territorialmente as demarcações e os mecanismos de exclusão mais ser controlada e dominada a longo prazo a partir de um centro- mesmo
tanto de Cuba quanto dos cubanos. A ilha principal cubana e sua contra-costa que fosse um centro duplo, simetricamente espelhando em forma de La Habana e
continental agiram e mutuamente se bloquearam, em muitos aspectos, de modo Miami. Entre as ilhas cubanas, não se desenvolveu uma "literatura sem fronteiras",
simetricamente espelhado. mas sim uma literatura nacional sem morada Hxa, baseada numa tradição longa,
que remonta a grande parte do século XIX.
Uma experiência que abstrai do território nacional, portanto, não é
completamente nova na esfera do "cubano", como aliás talvez também possa
Exclusões, dissoluções de fronteiras e interligações mostrar um exemplo extraído da história do baseball cubano. Assim, por exemplo,
de uma literatura nacional cubana sem morada fixa os Cuban Stars. um dos times fundadores da Negro National League, nos EUA,
foram um "homeless team, sem casa e sem pátria'' 565 , estando a denominação de
Novos desenvolvimentos ocorreram nesse contexto somente no início dos anos "Cuban" completamente dissociada de um lugar-sede, de uma territorialidade. Há
1990, com o colapso do "socialismo realmente existente" na Europa Oriental muito surgira no imaginário coletivo dos EUA uma Cuba utópica e, ao mesmo,
e da proclamação do assim chamado "período especial em tempos de paz" em tempo atópica: "uma Cuba dissociada e flutuante, uma ilha fugaz de prazeres
Cuba. A "consciência de ilha" 559, da qual o ensaísta e teórico da cultura cubano proibidos, [... ] uma zona santificada do pecado, da libertação dos corpos que se
Jorge Mafiach sentiu falta, exigindo-a ao mesmo tempo nos anos 1940, e que submetem à violência ritual de esporte e sexo" 566•
se consolidara no contexto de uma insularidade intensificada que se estabelecia A atopia do cubano, que se desenvolveu em determinados setores durante
desde o início dos anos 1960 por meio da militarização da sociedade e em a primeira década da República Cubana dependente dos EUA, hoje deu lugar a
decorrência do bloqueio americano continuado, transformou-se cada vez mais uma heterotopia que não entende o cubano nem flutuando livremente, nem fixado
numa consciência e num saber sobre a existência de muitas ilhas {cubanas) exclusivamente de forma territorial, mas sim que se refere a uma relacionalidade
diferentes pelo mundo. A possibilidade de viagens ao exterior, temporariamente altamente complexa e constantemente instável, estendendo-se desde o início do
bastante facilitadas em Cuba no transcorrer dos anos noventa, a formação de uma século XX, portanto na quarta fase da globalização acelerada, a quase todos os
rede cubana em vários continentes, há muito já não mais centrada em Miami setores da cultura cubana. Essa Cuba, há muito, não se limita mais a amor e esporte,
e controlada somente por lá, e a constituição de um perfil de diáspora que há produtos de consumo, entretenimento ou música, mas se estendeu também- mesmo
muito criara espaços de movimento próprios, além das demarcações do exílio com algumas conotações eróticas junto ao público leitor internacional- ao setor da
tradicional, ao lado de outros fatores, fizeram surgir na última década no século literatura. Se nos anos sessenta e setenta daquele século, não somente na Europa, a
XX uma situação que integrava as diversas ilhas do arquipélago cubano- Cuba literatura cubana teve uma recepção sobretudo no signo da revolução, ess_a situação
e Flórida, Espanha e México, Nova York e Paris, e mesmo cubanos da Alemanha
mudou fundamentalmente a partir do final dos anos noventa. Se Antomo Benítez
Oriental e da Alemanha Ocidental- num processo de comunicação intensificado. Rojo, cujos estudos têm 0 mérito de ter estendido a limitação literário-nacional
Como parte do Caribe, um dos centros de produção (e de exportação) de da maioria das interpretações da literatura cubana em direção ao caribenho, pôde
influência internacional em termos de teoria cultural, essa Cuba de mundos-ilhas
assegurar, com determinação (e não sem um certo tom essencialista), que "textos
globalizados não era exceção: importantes impulsos de Antonio Benítez Rojo 560,
caribenhos por natureza são fugazes (fugitivos)" 567, então hoje é facilmente possível
Gustavo Pérez Firmat561 , Roberto González Echevarría562 ou Iván de la Nuez 563 -
constatar que a literatura cubana é escrita, discutida e - especialmente no decorrer
para mencionar somente alguns - fizeram surgir a imagem mudada, mais flexível
dos últimos anos - condecorada com muitos prêmios, nos mais diversos lugares do
de uma cultura cubana que não permaneceu mais prioritariamente orientada nos
mundo. Hoje a literatura cubana é atrelada de modo heterotópico a muitos pontos
binarismos do discurso de fundação da literatura cubana entre ilha e exílio, entre
cardeais e aos mais diversos padrões de movimento de suas autoras e seus autores, sem
desterritorialização forçada e reterritorialização ansiada. Ao invés disso, surgiu
que a ilha, a revolução e mais ainda sua nostalgia tivessem perdido completamente seu
172 173
Cinco. Incubações Cinco. Incubações

significado ou mesmo desaparecido. A (lembrança da) revolução tornou-se, mesmo Um bom exemplo para esse e para outros desenvolvimentos aqui mencionados
na literatura da diáspora mundo afora, um tema em grande parte obrigatório. A é o romance Café Nostalgia 569 de - nomen est omen - Zoé Valdés, cuja dimensão
dialética observável de dissolução de limites e de novas demarcações não representa sensual já é sinalizada por meio dos títulos de seus seis capítulos. Em nome da
recalcamento ou perda, mas sim uma diversidade de perspectivas, ressemantizaçóes protagonista Marcel a, o mar, que tradicionalmente possibilita a comunicação entre
e lógicas, conectadas uma com o outra de um modo complexo-fundamental568 • as diferentes ilhas, os arquipélagos e as terras firmes, com o éter, com o hábitat
A dimensão especificamente cubana dessa literatura escrita em muitas ilhas não celestial daqueles pássaros migratórios, dos quais Fernando Ortiz falava em seu
se perde nisso, mas é, sim, formada por uma relacionalidade interna (portanto fascinante texto de movimento. Como sua criadora, nascida em 1959, em Havana
"cu bana") , que se conecta num espaço transregional e transnacional, assim como -e portanto filha da Revolução-, Marcela, a versão feminina do protagonista do
num espaço transareal e transcontinental. ciclo de romances A la recherche du temps perdu de Marcel Proust - a quem não
A vetorização atrelada a isso de uma, assim compreendida- e consequentemente em vão cabe um papel estruturante em Café Nostalgia- está constantemente à
de forma alguma somente desterritorializada -,literatura cubana se conecta com procura do tempo perdido e da ilha perdida.
uma friccionalização das mais diversas formas de escrita, especialmente no setor Essa ilha, cujo nome se evita no texto e que aparece, sobretudo, sob a
da teoria cultural - quase como em continuação das linhas da tradição de um denominação de "aquela ilha", é abandonada, reprimida, passageiramente
José Martí ou de um Fernando Ortiz- o oscilar entre teoria científico-cultural e esquecida durante outras viagens, simulada por meio de outras ilhas, fotografada
prática literária, entre dicção e ficção tem uma importância especial. Essa conexão durante um rápido retorno e abandonada novamente com alívio, sem jamais
entre o spiritus vector transcultural, que atravessa contextos culturais diversos, e a afundar no mar da lembrança. Assim, aparece a heterotopia de uma literatura
friccionalização de literatura e teoria, por fim, fica clara com o exemplo daquela sem morada fixa, que não perdeu seu anseio por reterritorialização- sua herança
revista cubana que durante os últimos anos - e ao menos até a morte de seus literário-nacional -, mas que nunca mais voltará a uma estática centralizada.
spiritus rector- conseguiu alcançar grande prestígio. Talvez como uma das criações Marcela é uma parcela de sua ilha-pátria; ao mesmo tempo, parte daquelas outras
mais exitosas do recentemente falecido escritor e intelectual Jesús Díaz, que ilhas que formam mundo afora o arquipélago cubano.
alcançou grande mérito pelo intercâmbio entre as mais diversas ilhas cubanas, sua Nesse sentido, o término do romance foi esteticamente muito exitoso, pois
revista indica já no título não uma morada fixa, mas um ponto de encontro, um nem a protagonista nem qualquer uma das muitas outras personagens do
Encuentro de la cultura cubana, no qual não se trata de territorialização, mas sim romance, no qual o erótico está preparado em consonância com o mercado- e
do máximo possível de pontos de cruzamento e de encontro. assim poderia se indicar -, parecendo very Cuban, dá a palavra final. Pois isso fica,
Com isso, está esboçado um raio de ação para uma literatura {nacional) sem muito elegantemente, por conta da secretária eletrônica, daquele gravador que
morada fixa, que estendeu e dinamizou significativamente seu coeficiente de possui um caráter quase de testemunho e que, ainda assim, pode tão facilmente
movimento aquém e além de uma escrita diaspórica. Essa literatura sem morada ser friccionalizado. No transcorrer do romance, ele gravou as vozes de inúmeros
fixa é a recompensa, mas também o preço para uma relacionalidade aberta que "pássaros migratórios" (aves de passo), registrando como um sismógrafo inclusive
- como mostra um olhar à história da literatura cubana - tão frequentemente as menores mudanças, tornando-se um tipo de lente acústica, em cuja câmara
esteve ameaçada por autoritarismo e monocultura. A ela se devem, em relação ao obscura nada se perdeu. Na união erótica postergada por muito tempo entre a
tamanho puramente territorial, a extraordinária produtividade e a importância protagonista e Samuel, estoura a voz gravada de um amigo cubano que desiste de
mundial da literatura cubana hoje. seu projeto existencial de uma livraria (estática) em prol de um "lugar de encontro",
Diante de todas as diferenças existentes e imagináveis, especialmente em relação "uma espécie de salão", a fim de contrapor à agonia da espera a dinâmica da
aos mecanismos de exclusão e inclusão entre aquilo que se escreve e, mais ainda, que vida, de movimentos transitórios, alegres e fugazes. 570 A vetorização de todas as
se publica na ilha e fora dela: justamente porque a literatura cubana não possui uma referências existenciais e de rodos os projetas de vida é evidente.
morada flxa, seria desejável não separá-la esquematicamente em ilha, exílio e diáspora. Na conservação literariamente registrada dessa voz na secretária eletrônica aparece
Esse tipo de pensamento em categorias flxas há muito já não está mais à altura dessa mais uma vez o caráter de testemunho e sua fricções, mesmo que somente num nível
literatura. As trajetórias e as figuras de movimento de muitos dos autores cubanos de desaparecimento da gravação como pista acústica telecomunicativa. As muitas
aqui mencionados passam por esse tipo de reduções e esquematismos do mesmo viagens com suas figuras de movimento constantemente variadas, que formam o
modo como seus textos, que muitas vezes foram escritos nos mais diversos lugares. ritmo de todo o texto numa sequência de tirar o fôlego, mostram no arrefato da
Ao mesmo tempo, poderia se mostrar que alguns elementos daquela semantização secretária eletrônica aquele lugar e aquela função, que talvez melhor caracterizem a
do cubano, que Roberto González Echevarría pôde constatar prioritariamente nos literatura cubana, mais de um século depois de se calarem os grandes protagonistas
setores de esporte e sexualidade, tornaram-se a partir dos anos 1990 um padrão de do Modernismo. Pois essa literatura se tornou uma câmara de ecos, uma caixa de

,
percepção internacional e uma marca da escrita cubana. ressonância friccionai e depósito de movimentos transculturais, transnacionais e

174 175
Cinco. Incubações

~L
transcontinentais, cuja dinâmica e relacionalidade não podem ser reduzidos nem a
uma única morada nem a uma lógica binária. Ela registra as chances e os riscos de

J~
um desenvolvimento que está à espera das culturas em seu devir histórico, muito
além do estado nacional. Justamente nisso reside seu futuro.

Seis. Oscilações
Escrita estrangeira EntreMundos:
Sobre a atualização translingual da literatura
contemporânea em língua alemã

"Sobre línguas estrangeiras":


Escrever em língua estrangeira

Considerando os autores e autoras que fugiram antes da Guerra Civil Espanhola


para o México, Octavio Paz chamou a atenção, em um texto do ano de 1959,
para o fenômeno, também observável em outras latitudes, de uma dupla perda
de nacionalidade:
Eles vieram em 1939 para o México; e desde então vivem entre nós. São mexicanos ou
espanhóis? Este problema não me interessa tanto; a mim interessa que eles escrevem em
espanhol. A língua é a única nacionalidade de um escritor. Mas os nossos críticos insistem

m
em continuar a tratá-los como estrangeiros, omitem seus nomes e suas obras em estudos
mexicanos e antologias. Mais arrogantes e de maneira mais aguda se comportam os críticos
da Espanha, na medida em que ignoram completamente que esses autores até mesmo
existem. Consequentemente, tantos talentos indiscutíveis como o poeta Tomás Segovia ou
o crítico Ramón Xirau vivem numa espécie de limbo, são, considerando o país, duplamente
órfãos, duplamente expatriados (desterrados). 571

O famoso poeta e intelectual mexicano persiste, inicialmente, nessas reflexões e


em que, a seu ver, é decisiva não a origem de um escritor, e sim a sua afinidade ·
com uma língua e portanto com uma comunidade linguística, já que a língua, la
lengua, é que constituiria a "única nacionalidade" de um autor. Não foi outra coisa
que Hannah Arendt respondeu, ainda antes da sua fuga dos nacional-socialistas,
à pergunta formulada por Karl Jasper sobre o que a Alemanha ainda significava
para ela: "Para mim, a Alemanha é a língua materna, a filosofia e a poesia. Por
tudo isso posso e preciso responder." 572 Consequentemente, para a autora de The
Origins ofTotalitarianism (As Origens do Totalitarismo) (1951), a Alemanha não
foi, em primeira linha, um território, um imóvel, que imutavelmente ocuparia seu
lugar no mundo, mas sim algo móvel, aperfeiçoando-se constantemente dentro de
uma tradição, e sobretudo voltada à língua materna, na qual está ancorada uma
genealogia e uma comunidade familiar, coletiva e cultural, quase no corpo-corporal
do( a} próprio(a) falante. Uma Alemanha que se carrega na própria língua.
Nas reflexões de Octavio Paz, é elucidativo, sem dúvida, também o fato de que

176 177
Seis. Oscilações Seis. Oscilações d
d . . sua persona::>aem expor- e
os mecanismos de exclusão de uma cnnca , . ltrerana
. , . I"1ga d a nao - a' I,m oaua' mas simosa bl . ,
1 lmaua aleinã e J. aponesa eJxaAlem anha· A exclusão, sem
uma territorialidade e a uma nacionalidade, mostram IJter autoraS76 que pu Jca en o s no Japão que na d l'. "d nacionalmente
. ai mente d"anre 1 . nossda
de _ s marcante ·a1· d de enm a
olhos como uma volumosa producão literária pode ser deliberadamente ~~nora _ forma alguma sao meno . uma rerriton 1 a c
. mal·s aqu1 em erão exclui'dos n.áo -roram
parricipanres ou
. de
dúvida, não se baseia d ma propneda
ou totalmente silenciada. Notável nesse · fato é que, para Paz, nao - so· os escnrores
d uma d ual os que s naçao e u .
de qualquer forma, a q . mais na aprop que por mew
na figu<a do poe<a Tom;, Segovia, que fugiu pa<a o México em 1940 e fc< be' os B eia-se multo d J'naua- com 0 d
. a1
a qual eles perderam. as d a determina a I ::> • di era representa a
· no m úl np
escnra · Io exJ'J·10 o ponto d e rotaçao- e o centro d e sua I'JJ·ica - mas ram em
cultural móvel - preCJsame . nte ' e um eio de uma genealoa~1a f: r iliar ' aurennnca ·l'.
, . J·Jteratos eXJ"Iad os tornam-se vitimas
propnos ,. d e uma h"ISto, n.a d a )"' rerarura' nacwna aurada por m d d maneira am . -
. . . , Xi rau represenrao, de um furto, sem estar asse::> d A ia assumi a e . d uma delimJtaçao
rernronalnanre e ao mesmo tempo toralizanre-excludenre. Ramon - A ascen enc r meiO e
simbolicamente pela mae. . , rica J·usramente po entemente possuem
aqui, para o mundo de língua espanhola um exemplo não m enos brilhante; de
e autoriza uma comum.d ade JmaUJS I::> mo esrrange1ros . e consequ . A aurenricidade deu ma
Imesmo tempo deprimente como, por exemplo, Erich Auerbach para 0 espaç (re) daqueles que se aproxima ·
111
de ,a co língua esrranaetra.
::> ·mulraneamen re no
,
mgua alema. - N-ao so' a ]'Jteratura, mas ram bem ' a cJencJa
"' · d a 1Itera
· rurapodese , " enas como no arua
constituir e compreender como uma escrita sem morada fixa. 573 ra um acesso a essa hngua ap .d lo leire marer ' rio como recusa ao
SI

U
~~~ roria - ou em c I" guísrica)' , -por meio da
.
hngua materna quase que d nurn a pe aso contra
ma comunidade de língua e literatura ancorada na fengua ma re
~ém
0
sentido de uma autonzaça · - e au, . a sensi b"l"d 1 t ade ( 111 d com um pensamenro
de rodas as demarcações nacionais e mecanismos de exclusão P0 )"mc. · amenm
direito de acesso à aurona e . à "lealtlm
0 ai"
"narur · De acor o tive speakers, aos que
monva . dos COI c ., certamente nao - so, para O crav10 . paz ou H annah Arendt,Au ia . "cientemente
comunidade linguísnca evl ai á aberra apenas aos na ul
pensamento tanto consolador como produtivo. Ele foi de enorme 1mp . orrancro
como esse, a literatura na c ion est
(l"tterária). ' em críricas, que I , l ·mo se oc ta
d"fl - ·a1
e I usao, espec1 mente no século XX, o século das migraçoes. Enrreran - d da'
nasceram dentro de uma J' aua bservável tam bem, ·co" reroma aqued e G
1110 u uerra
no u' ]timo
· terço d o sécu Jo passado, no contexto da quarta crase acelera a re
globalhação, começaram a se sobressair evoluções não mais apenas isoladamen s Esse veredim, nao - raramente ai oer forma como "exou hola 'ou da Se::>u a n a u
Id
:cop a as a ~ornes como Beckett, Conrad ou Nabokov, mas abrangen d extensa ° cada
atrás do elogio, definido de qu dquGuerra Civil Espan
b
b ·dos a a cerna. mpos
d uma
e
areas da escma, e que trouxeram uma outra tendência para a(s) literarura(s) , em que os expulsos e am ·Ir· a língua m mbém nos te h , muito a
'vlundial acreditavam am a d xclusão eco~
}.. A • d possu · m ta e a
vez mais ' IC·1
· d"f' J d e ser 1gnorada.
· As grandes exceções não se tornaram a reara, ::> es. Mesmo qu I na nova
.,... . 10S . e e lativa a .1111 laranr ·ras", por exemp o, nranre
e' verdad e, mas a regra em S ·I se tornou cada vez mais frágil e estrutura)mente l ais tipos d e mecamsn ::>
· · J. 0 que acontece, porém quando a língua o órgão da !ala c 1 dessa
" ,. - " 0 fensJva re " rrangeJ a represe
quesnonave pohuca de integraçao d , s línguas es não poucos d !"mi ração
Lengua, nao - segue mais . os movimentos, e sons da mãe, mas ' se apropria d e Jínauas " I h ga o a - (para . s a e1
::> própria" também ren 1a c e línaua alema dos esrrangeJro_' . sramente
estrangeiras, de órgãos da fala estrangeiras? le1· d e estrangeiros . · · 1·do que a ::> , I' guas
e ex1g d heaar as il1 _ do estran::> . ,
ae1ro, JU
"cidadaos
_
d
A essa p: rgu.nra palpr<ante
· e igu~mente em
complexa, Yoko Tawada, nascr·da J9,
"
da Icultura dominante e 1. d
,
") t nha e csimo na m,arcaçaornar o "pro' pno epalavras, e
. a n a as ·ro" quer sealto ães". Em outras direiro de
1960 em Toquro, vinda para a Alemanha com o t<em t<ansibecianos" em 19 "' a lngua materna mJra
tenro~ dac clive"" responas literárias em seu volume Obmuzrmgm (Lb~?f'jX no momento em que
0 "esuangel
"cidad"aos ,dem'amos f:'a1a -1 r de . um b m escolher
de alem-mar), publicado em 2002. Assim consta no seu texto em prosa ,e estrangeiros" reivind1cam to . rnar-se políticos, P . o en• podem 111 , • e linauísuco
u1to .
Ohrenzeugin" (A testemunha auricular):
novamente traduzindo em termos . . Os esrran::>ae1rosdo com 0 dom1ni0presenrantes o

Na Alemanha, a maioria das - c- . . r escrita escolha linguística anvo e . passivo. . a mas, de acor . omo re
elegíveiS c , . permanece
por outros· Mas .md"lretamente
P
pessoas nao anrmana
sempre f:
que a língua alemã, não devena deseser uma uma língua como língua est.ranaeJr
o ' devem ser ·nação I'ln guJsnca
áo - de ser nem
ropriedade · o·1ZCm, por exemplo q -nos dazem. entender que a lmgua tem e1ra . co mo P ·
a materna Nora se· d"
,
' ue nao se Omma tão bem uma lmgua estrang ·nha ratJcado pelos falantes na nvos, . sua n propna, · dom' alemã que nao P0
opinião é·supérflu
'
- tme d latamente
.
o ommar uma
que para e1es o tna1s. lmporranre
. e, o domm1
língua. 0 u se tem uma relação com ela ou nao.
· ·o. Na mim
- se re ·
autorizados dessa língua, p~717S
Un1a literatura angeiros? . e·,ra linha, uma
Ourrosdizemquesome 1• ente ·lnautêntica e d esautorizad a. ' I s línguas d os esrrísrica é, em pnmrincipalmente de
seus sentimentos em nte na);ngua marerna seria possível a alguém expressar autenncamn-se do minada
· - Jingu e com isso, P
.
IIncomodados em su
' uma mgua esrrangeira · se mennna . . .uwolun ranamenre.
. Senteiobre nem representada pe da ninaçao , dt"to com razáo,
• a procura pe 10 sentim , . Io veem sua 11'ngua s - da Ol I' gua- d esta , s, mas na· o
1nguas [órgãos
· da f: 1 ] .
• a a estrange1ras enro autcnnco, quanc Naturalmente a quesrao , . obre a ,n k rawa a, d r"57
Também há pessoas que aflrmarn . , ' . , ausente- '
questão da autorização 0
d domtn!O Nos texto de Y . o ose que r aprennae observaçáo .de
Mas não encontrei em 1e I que, em uma hngua estrangeira, a in fanc1a esra •
1 n 1um outro lug . f:' , I - 17
ar tanta 111 ancia como na l111gua a ema. 1
aUtoria Socialmente legmma · · da li~•uas
esrr•n ,sn. Rerom"1do
ge1ras UI '
nrreranro, de ma ne1ra
ai o
Essas reflexões apresenrada; 1 y ko h
que se pode "decidir, quais ' o a materna acentua, e ·da pode fazer g
Tawada cham _ pe a narradora em primeira pessoa no texto de 0 averia "nenhuma escolha na !JngU•·Jmeira pes soa'111 conrraparuf: ''er e do mod"A I Jca r
am a atençao para 0 . . mo a G m pr oa, e · do az
l ,ertrude Srein , a narradora e essoa, a pesls . do negociar,

,
urros mecanismos de exclusão, os qua1s- co

ogica: "a 11ngua marern a faz_ a CP ,.,., isso, a e1
e10 . , ,so o...
178
Urna língua estrangeira · 9
11
Seis. Oscilações Seis. Oscilações

é estendida àqueles que transformam uma língua estrangeira em sua própria. as quais, a proposuo, estão longe de poderem ser relacionadas com "apenas" um
Um caso de roubo linguístico ou sequestro de língua? De maneira alguma. horizonte individual de experiências. Pois há muito tempo desenvolveram-se, entre
O seu intento não é mais necessária e primordialmente uma aproximação a as literaturas nacionais e as literaturas do mundo que não se deixaram reduzir a uma
mais perfeita possível à língua-alvo, e sim, no sentido de fazer-algo-com-ela, a mera adição de literaturaS nacionais, literaturas sem morada fixa, cujo significado- e
sua utilização, sua conscientemente almejada transformação léxica, ortográfica, este olhar para o futuro não é difícU - continuará crescendo no século XXI.
semântica, morfológica ou sintática. 581 Isso tem como objetivo fazer parte de uma Está muito claro que nos textos de Yoko Tawada está inserida uma poética
comunidade em frequente recriação, na qual é concernente não tapar os ouvidos na obra, uma poética que compreende a língua estrangeira adotada, não- no
aos não-nativos e ao seu manejo com a literatura alemã, mas sim, conjuntamente, sentido de um imóvel - como se habita um quarto de hotel, em que nada pode
prestar atenção ao que as línguas dos estrangeiros fazem com a língua adorada e ser modificado, e sim como um espaço da língua em constante modificação. O
com isso, há muito tornada a sua própria. espaço linguístico se torna o espaço lúdico, do qual é lançado como que um olhar
Essas reflexões evidentemente também valem inversamente para autores e autoras etnológico ao mundo e seus entre-mundos, em constantes reconfigurações.
de língua materna alemã, que fazem uso de outras línguas e as retomam como Não menos que o título Oberseezungen, escolhido por Yoko Tawada como
escritores franceses, espanhóis ou japoneses. Categorias literárias nacionais tradicionais um jogo de palavras, foi também já neste sentido o título do volume publicado
atrapalham até hoje a percepção de que literaturas per se não estão ligadas a uma morada primeiramente em 1990, Mutterzunge (Língua-mãe), do programa de Emine
flxa, nem sob o aspecto territorial nem sob o aspecto linguístico. A escritora Yoko Sevgi Õzdamar. A articulação estrangeira da língua não é desafio, senão ponto
Tawada que, pendendo entre o alemão e o japonês e cruzando as duas literaturas da de partida da criatividade literária. Entre as palavras tornam-se audíveis outras
maneira mais diferenciada possível, traduziu essa situação, olhando para o seu próprio palavras - como em um local que ecoa-, e a língua alemã, em um jogo sério, não
caminho à Europa com o trem transiberiano, num movimento metafórico da alma: é somente transgredida, mas também transformada programaticamente:

Até o trem transiberiano anda mais rápido do que uma alma pode voar. Na minha primeira No meu idioma, "Zunge" significa: língua.
viagem à Europa, com o transiberiano, perdi minha alma. Quando, então, retornei com o Língua não rem ossos, para onde se quer dobrar, ela vai.
Eu estava sentada, com minha língua dobrada, nesta cidade de Berlim. Café Neger, ~bes
trem, minha alma estava ainda a caminho da Europa. Não pude apanhá-la. Quando viajei
frequentando, as banquetas são muito altas, os pés ficam balançando. Um velho crozssant
novamente para a Europa, ela estava a caminho do Japão. Depois fui e voltei voando tão
repousa cansado num prato, imediatamente dou gorjeta, para que o garçom não se acanh~. Se
frequentemente, que não sei de fato onde se encontra minha alma no momento. 582
eu soubesse quando perdi minha língua materna.[ ... ] Lembro-me agora de frasC:S d~ mmha
mãe, ditas por ela em sua língua mãe, e só então, quando imagino a sua voz, as propnas frases
Neste ponto, não só uma autora - e sua literatura - puseram-se em movimento; entravam em meus ouvidos, como uma língua estrangeira que aprendi muito bem.
586

sua alma- e a sua escrita- perderam muito mais sua morada ftxa, estão envolvidas
em figuras não mais interrompíveis de movimentos contrários cada vez mais Desde o início, também este texto é perpassado por frequentes traduções/línguas
complexos, para os quais, na rede das diversas velocidades, não existe mais local de de além-mar, sendo que o traduzir não opera a partir de um ponto fixo: A língua
referência fixo. Entretanto, a perda revela-se simultaneamente como ganho, como materna e a estrangeira se modificam muito mais entre si, nos movimentos próprios
movens para uma produção (literária). Trata-se de coreografias inacabáveis, não só de uma língua, que não possui ossos nem "cerne duro". Aparentemente, delimitações
entre espaços e tempos que, na citação acima, não podem ser colocadas em "acordo" naturais entre língua estrangeira e materna se tornam frágeis. Os movimentos
com os movimentos da alma, mas também trata-se do vai-e-vem entre o japonês inconclusivos de uma apropriação do estrangeiro e o estranhamento d~ que é
e o ~emão, entr~ ~língua materna e uma outra, estrangeira, um oscilar que lhe próprio, que caracterizam e particularizam tanto os textos de Emine Sevgi Ozdamar
permita, d~cobnr. constantemente buracos negros no tecido das línguas" 583 • Mas, quanto os de Yoko Tawada, estabelecem-se para além de uma relação "apenas"
sobretud?: .~partir d:Sses buracos sem fala é que surge a literatura" 584 • intercultural, que a partir de um local fixo do próprio se deixaria envolver com
~ma ecnture monolingual demarcada territorialmente, estabelecida em um tempo uma cultura caracterizada como alheia. Trata-se aqui muito mais de movimentos
continuo e fazendo uso de apenas uma única língua (nacional), está aberta, sob forma transculturais, que atravessam constantemente diversas culturas e línguas, de uma
de uma escrita oriunda do movimento entre os mundos, entre as línguas, a novas trans-posição infindável entre diversos polos, que por sua vez estão em constantes
experiências estéticas que não podem mais ser comunicadas apenas em uma única mudanças, justamente porque estão inseridos em processos de tradução que se
língua. Decisiva é a produtividade de uma Área-EntreMundosLinguísticos dinâmica, colocam sempre de novo. Uma literatura, cuja língua gira e se volta.
m~ve~, que os textos de Tawada exploram atentamente, sem que a língua materna Uma dobra na língua é suficiente para colocar em funcionamento esse processo -
!eJa VISta: ~~~cada e;n cena ~mo "natural" ou "próprià' e a língua estrangeira como que de forma alguma é apenas lúdico e sem esforço, mas é doloroso e acompanhado
estranha e distante ·Com ISSO, são esquematizadas não as condições de uma escrita por diversas perdas e transtornos linguísticos. A prontidão da língua, que à primeira
na "terra de rungu
. ém"585'mas mwto •
mais as forças criativas de um EscreverEntreMundos, vista aparece como uma acrobacia linguística, exige um espaço de movimento a ser

180 181
Seis. Oscilações Seis. Oscilações

criado sempre de novo, como é apresentado no incipit de Yoko Tawada: se encontrarem , permanecem diferenciados um do outro. Tanto em Tawada como
em Ozdamar, trata-se mais de uma transferência do saber, em que o Eu é sempre
Quand.o acordo, minha língua csrá sempre um pouco inchada e grande demais para poder
se m ovtmenrar no céu da boca. Ela me t ranca a respi ração, sinro uma pressão nos pulmões. um Outro cultural , que não se deixa fixar por quaisquer tipos de a-firm-ações.
Aré quando essa asfixia? Pergunto-me e ela já se encolhe. Minha líng ua me faz lembrar de AJém disso, a língua é ágil demais nos movimentos transversais dos idiomas: ela é
uma esponja usada, dura e seca, rerorna vagarosamente para o esôfago, levando rod a minha a figura de m ovime nto que substituiu o Eu (despreocupado e também unívoco) .
cabeça consigo.S87
Dessa m an eira, o Eu está para a multiplicidade de palavras entre as palavras, de
O "engolimento" da cabeça e a subsequente metamorfose e incorporação do Eu línguas entre as línguas, para as quais a primeira pessoa do singular serve como área de
por meio da língua- "Eu era uma língua. Eu saía assim de casa, nua, rosada e projeção e espaço de movimento. Como em /11/utterzrmge, de Emine Sevgi Ozdamar,
insuportavelmente úmida." 588 - coloca em movimento uma verbalização do eu, o turco e, sob esse idioma, o árabe "reprimido" pela política linguística de Atarürk,
que impele e simultaneamente fragiliza o "Eu", o autobiográfico : são tornad os novamente audíveis em inúmeras nuances59\ em Überseezrmgen, de
Yoko Tawada, surge, sob o "Eu" alemão, a variedade de designações que há em
Toda a minha pessoa compunha-se d e uma única língua. De maneira que não conseoui japonês para o " Eu" alemão. Assim, em Eine leere Flascbe (Uma garmfo vazia) são
cmp~cg?. Enrão cs~revi uma autobiografia. A história de vida de um a líng ua . Eu a aprese~ro
ao publtco [ ... ]. Nao posso ler as frases, apesar d e rê-las escrito. (Como posso dizer "eu" ráo
relatadas as dificuld ades da narradora em primeira pessoa com essa variedade de
levianamente? Quando as frases estão prontas, elas se distanciam de mim , c se transfo rmam denominações e as associadas demarcações do Eu, a fim de acentuar, num segundo
cm uma ourra líng ua, que não posso m ais cntcndcr.) 189 passo, que, após a mudança para a Europa, rodas essas dificuldades rerian1 "sumido":

Na história de vida do eu, há muito uma outra língua - e a língua do ourro59o _ deu Um Eu não precisa ter um determinado gênero, idade, sratus, histó ria, atirude, caráter. Toda
entrada, uma língua que engloba rodas as personagens e configu rações do eu _ como pessoa pode se d enominar si mplcsmeme "cu''. Esra palavra consiste apenas naquilo que fulo,
o u melhor, no faro d e que cu realmente fuJo. A palavra mostra apenas o fui ante, sem acrescentar
mostra a continuação da narrativa e rodo o volume da prosa. O Escrever-a-VidaPrópria qualquer in fo rm ação sob re ele. "Eu" se rorno u mi nha palavra preferida. Gosraria de me senti r
da Auro~ioG.rafia desenvolve, n~ passage~ rransculrural e transareal, uma vida própria, tão leve e vazia como essa palavra. [... ] Em japones c.xisrc também o rermo "sou", que soa
qu~ sup.nme •gualm~nte da es~ma o dom mio sobre o eu, como a língua não pode, por exaramente igual e significa "uma garrafu". Se começo a contar uma história com ambas as
ass1m d1zer, ser domrnada rernrorialmente e colonizada a partir de um único local. palavras "eu sou", abre-se um espaço, o Eu é uma pincelada, e a garraf.t está vazia.5?1
A esse tornar-se-estrangeiro do eu em um~ língua ado rada, desenvolvido por
O paradoxo desse espaço do Eu, aberro através da viagem à Europa - que se tornou,
Yoko Tawada, corresponde em Emine Sevgi Ozdamar o tornar-se-estrangei ro de
no próprio sentido autobiográfico, o termo preferido- consiste, sem dúvida, no fàro
uma língua materna, que a narradora em primeira pessoa como "prostituta da
de que, justamente o seu "esvazian1ento" proporciona os pré-requisitos para inscrever
língua" - que sempre honra na figura da avó a sua predecessora59 1 - há muito
no receptáculo "vazio" da palavra Eu a falta- e com isso, iguaLnente a possibilidade
declarou como finda a monogamia das línguas e das culturas. No seu romance
surgido pela primeira vez em 1992, Das Leben ist eine Karawanserei (A vida é 1111; - das mais variadas marcações e denominações. Isso é muito mais que um mero
caravançarai) , a narradora em primeira pessoa inventa "mentiras", não por acaso arranjo de uma posição "aberra" e flutuante do sujeito. No processo do próprio escrever
a partir da sua leitura de Robinson Crusoé, até que a mãe, sorrindo, a interrom e estrangeiro, através do ofuscamento mútuo de diversas línguas, a abertura da figura
e lhe diz: '"H á sere tipos de prostituição neste mundo'. Eu seria uma prostirJ:a do Eu, produzida não mais de fo rma inter-, mas tmiiSlinguaf%, é potencializada e ao
oral, que é prostituta com a língua. OROSPU. A palavra Orospu m e agradou"sn. mesmo tempo caracterizada como mulriplan1ente definível. A escrita estrangeira da
A boca que se abre e a língua móvel se tornam, como em Yoko Tawada, aquelas própria vida abre um novo espaço de movimento transculrural de um escrever que se
regiões do corpo como corpo, em que as diversas línguas e culturas se cruzam e movim enta entre mundos e que não dispõe de wna morada fi..xa.
toma m forma modificáveJ593 . Aqui, a fala encontra em línguas cstnnoe· '
,...,s
b 1" ' , em
línguas maternas emigradas e línguas imigradas de além- mar esse corpo-local
o nde a palavra, passando por diversos e constantes processos d e tradução ~ "Palavras com corpo": Conti nuação da escrita
cruzamentos, pode se corporificar.
A literatura e a escrita miram uma transferência de sabe r- saber da vida_ n 0 À pergunta, se a sua fuga da ditadura militar na Turquia para a Alemanha poderia
qual o autobiográfico não se orienta por um "autêntico" qualqL ' 1e 1· d e u ma outra' ser entendida igualmente como uma fuaa para a lín<Yua alemã, Emine Sevgi
.. b b
cultura e língua a serem intermediadas, e sim, obtém sua cred ib'1]·1d 'ad e d a m entira . Ozdamar respondeu, em novembro de 2004, com um claro:
da habilidade da língua, que precisa recuperar sem pre de novo ,,1 sua . mo b'l'd 1 1 ad e'
Sim. Sempre se conta que a pessoa perde a língua materna no estrangeiro. Acho que se pode
no espaço (o
• . .ral). A literatura não se coloca, consequenre ne · d
1 nte, a serv1ço e uma perder a língua também no pró prio pa ís. Em tempos ruins, a língua passa por urna horrorosa
transferencJa Jnterculrural do saber, em que o "próprio" e o "esu .an h o" , apesar de experiência. Eu tinha a sensação q ue as palavras rurcas fi caram doentes durante o tempo do

182 183
Seis. Oscilações Seis. Oscilações

golpe militar. Eu tinha a sensação que havia flcado muito, muito cansada, na minha língua.597 movimento, desenvolve uma coreografia que leva a entender uma autobiografia
sem pacto autobiográflco601 e com isso, uma escrita da própria vida, a qual acopla
Nessa passagem de uma entrevista, que foi dada por ocasião da entrega do Prêmio constantemente os traços autobiográficos como a mentira da prostituta linguística.
Kleist, mas também nos seus romances598 a autora, nascida na Turquia, evidencia não Para a compreensão desse texto poético, equiparar o"eu" interior do texto com
só as experiências dolorosas com a própria língua materna, mas também o fato de a autora real, exterior ao texto, seria tão equivocado quanto negar as relações e
que língua materna e pátria não podem ser separadas uma da outra no escrever dessa conexões múltiplas entre as duas mulheres e as viagens da vida. A inscrição do "eu"
escritora, como Tawada, muitas vezes premiada. A língua da sua literatura constitui externo no "envoltório vazio" de um "eu" interno que se forma através de uma
um sistema de tubos comunicantes em um sentido simultaneamente translingual fricção 602 entre dicção e ficção, entre nação e imaginação, abre passagem para uma
e transcultural: pois, não se trata, nos seus escritos, nem prioritariamente de uma vida oriunda do movimento, na qual a migração pré-natal se inscreve na migração
contiguidade multicultural e multilingual de diversas culturas e línguas nem de um para o trabalho, e esta última, na primeira. Das Leben ist eine Karawanserei repousa,
lado-a-lado intercultural e interlingual, no interior do qual "identidades" culturais e portanto,na constante inscrição recíproca de tempos e espaços diversos, uns nos
linguísticas entram em uma comunicação que não leva a modificações fundamentais outros. Na sequência, voltaremos a tratar disso mais detalhadamente.
do respectivamente "próprio". O choque de uma enfermidade deflagrada por meio No seu discurso de agradecimento pela entrega do Prêmio '1\.ddbert-von-Chamisso'',
de um golpe militar e de um distúrbio em todos os setores da comunicação e da Emine Sevgi Ozdamar recordou, mais uma va., como chegou à üngua alemã e
vida exigiu de Ozdamar (e de suas personagens narradoras) antes uma constante esclareceu como teve boas experiências com as palavras alemãs, que puderam até mesmo
travessia por diversas línguas e culturas. Processos de escrita e tradução translinguais descongelar suas "palavras turcas", que ela relegara ao gelo603• A liquefaçáo do congelado
caracterizam-se, no caso, por meio de sua inconclusibilidade específica. O que lhes e a tentativa de não deixar parar o movimento que fora iniciado, traduziram-se
é próprio é o movimento que não chega nunca a um ponto fixo. simultaneamente com uma metáfora sobre a viagem, apropriada do japonês:
As portas duplas, no título do romance de estreia de Ozdamar - Das Leben ist
eine Karawanserei hat zwei Türen aus einer kam ich rein aus der anderen ging ich Um ditado japonês: Só a viagem é bonita- não a chegada. Talvez ame-se em uma língua
estrangeira justamente essa viagem. Durante a viagem, comete-se muitos erros, mas luta-se
raus (A vida é um caravançarai que tem duas portas, vim de uma saí pela outra) - com a língua, as palavras são torcidas à esquerda e à direita, trabalha-se com elas, são
inequivocamente chamam a atenção para o fato de que os espaços na criação da descobertas.f>D4
autora, nascida em 1946 em Malatya, inclusive todos os espaços de sua vida são
pensados sempre como espaços transitórios, como locais de passagem, que dispõem Enquanto Emine Sevgi Ózdamar compartilha com a intérprete Yoko Tawada a
de mais de uma saída, mais de um sistema de comunicação e referência. A língua exigência de trabalhar com a língua e com isso, mesmo modificando o idioma
alemã, em que é escrito esse romance, carrega em si os vestígios daquela migração visitado e em princípio desconhecido, esteja constantemente ocupada com a
para a Alemanha, a qual a protagonista começa no final desse volume. Mas não se teoria e a prática, com questões de tradução, resultam naturalmente diferenças
deve esquecer que todo o texto, entre o trem militar, com o qual a narradora em entre as duas autoras, quando se trata da infância das palavras alemãs. Pois, se a
primeira pessoa, logo no início viaja com a mãe grávida para o interior da Anatólia, narradora de Tawada, contrária à afirmação de que na infância a língua estrangeira
e o "trem das prostitutas" 599 , com o qual a jovem, na ocasião com mais ou menos estaria "ausente", contesta-a, para acentuar, por sua vez, que não encontrou
dezoito anos, põe-se a caminho para Berlim Oriental, é impregnado por constantes "em nenhum lugar tanta infância como na língua alemâ' 605 , Õzdamar salienta:
mudanças de locais e migrações, mas também por constantes variações linguísticas "Minhas palavras alemãs não têm infância, mas minha experiência com palavras
diatópicas e diastráticas no interior da Turquia. Processos intralinguais600 de tradução alemãs é bem física. As palavras alemãs têm corpo, para mim. Encontrei-as no
marcam as mudanças de local da família no interior da Turquia, ocasião em que, maravilhoso teatro alemão" 606 •
607
no contexto das migrações locais e trans-regionais, sempre são de novo discutidas As palavras-corpo colocadas em cena não contêm a infância para Ózdamar '
justamente peculiaridades dialetais da língua turca. A narradora em primeira pessoa mas abrem, graças à sua intensidade e teatralidade, a possibilidade de utilizá-las
encontra o estranho justamente dentro da "própria" língua materna. como f:antasias, que depois do espetáculo podem ser deixadas "no guarda-roupa,~ ,
Assim, já estão registrados nas migrações translocais e transregionais, no interior a fim de que seja possível encontrá-las na próxima encenação. Não se poderia,
da Turquia, os movimentos transnacionais da narradora, de tal maneira que os entretanto, objetar aqui que a língua literária, então, seria nada mais que uma
processos de tradução intralinguais constantemente já preveem os desenvolvimentos fantasiada "magia de palco"?
translinguais subsequentes. O tempo psicológico, frequentemente lançado de As apresentações de Ozdamar não significam, de maneira alguma, que as
modo sutil no tempo cronológico, faz com que, entre as duas portas do título palavras para o "eu" não tivessem história, que se pudesse simplesmente tirá-las do
do romance, que indicam muito menos as portas de um espaço estável, imóvel, cabide e usá-las, como prêt-à-porter e, de acordo com a necessidade, trocá-las com
do que as portinholas de trem de uma vida que se encontra em constante facilidade. Renovadamente se encontra na prosa de Ózdamar uma interessante

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Sels. Oscllações Seis. Oscilações

indicação da história da língua alemã, de tal modo que esta não vêm facilmente à alemães. E ainda em Seltsame Sterne starren zur Erde (2003) (Estranhas estrelas
mente dos nativos alemães. Assim, nota a narradora do texto em prosa "Fahmzd contemplam a Terra), em cujo centro estão os anos de 1976 e 1977, em Berlim
aufEis" (Bidcletasobreogelo) que a língua alemã seguiu um curso diferentedodas Oriental e em Berlim Ocidental, a jovem, que entrementes estagia na" Volksbühne"
outras línguas europeias, que durante séculos teriam servido como línguascoloni~ e presta assistência a Benno Besson, irá se ocupar com Moliêre - o qual "escreveu,
tornado as coisas mais difíceis para os estrangeiros, e propôs-lhe modifica~ atuou, não teve medo, não omitiu nada"614 - , ler Das Leben des Herrn Moliêre
pois: "na Alemanha, a língua alemã falada pelos estrangeiros precisou fazer um (A vida do Sr. Moliere), de Bulgákov, e se lembrar dos primórdios no palco de
longo caminho, dobrando-se, quebrando-se e novamente colocando-se de péD609. Bursa,615 Moliere é pura e simplesmente a personificação da vida do teatro.
Exatamente aqui está a tarefa dessa literatura de língua alemã, que é ao mesmo No centro da volumosa biblioteca em língua alemã dos romances e escritos
tempo uma literatura sem domicílio fixo. Para a escrita da esrrangeiridade baseada õzdamarianos, são utilizadas alusões, referências e citações de Heinrich Heine,
em constantes traduções e cruzamentos, enquanto método literário, o que importa Adelbert-von-Chamisso, Johann Wolfgang von Goethe, Else Lasker-Schüler,
é conseguir acessos novos e incomuns à língua, descobri-la como espaço e cenário Kurt Weil, Peter Weiss, Heiner Müller e de muitos outros mais - há, não por
para o movimento, que permita as mais variadas encenações e iluminações: que acaso, um homem de teatro: o poeta Bertolt Brecht. Seu nome e a obra da sua vida
permita, portanto, transformar "a dança da língua"<• lo_ no sentido de Tawada- cruzam persistentemente, de início, o caminho da narradora em primeira pessoa,
em uma coreografia das palavras-corpo, que, como fantasias, sejam a um só tempo à época em que, como "Gastarbeiterin" (trabalhadora-convidada) na fábrica da
presença e latência na performance, sejam um jogo-de-cena passado, presente e Telefunken, de Berlim Ocidental, ficou sabendo pela chefe comunista da sua
futuro. Trata-se, consequentemente, e em sentido múltiplo, de uma atualização república para mulheres turcas que esta costumeiramente se dirigia durante o dia
da língua alemã, através de autores e auroras que - como Ozdamar ou Tawada ao Berliner Ensemble, na Berlim Oriental, para ver as peças de Bertolt Brecht
-não pretendem retomar a língua dos antigos colonizadores (que lhes eram de e falar com Helen e Weigel. 616 Com a sua própria visita a uma encenação no
uso corrente na infância), mas aprendê-Ia como língua de um país estrangeiro, de Berliner Ensemble, a teoria do teatro e igualmente a práxis de Bertolt Brechr6 ,
17

uma cultura diferente, a fim de, mais tarde, continuar a desenvolvê-la sob as mais tornaram-se um elemento importante para a sua viagem da vida, assim como
diferentes perspectivas possíveis. Como e com auxílio de quais métodos se forma o movimento pendular entre Berlim Ocidental e Berlim Oriental, o qual já
uma atualização desse tipo? tinha sido introduzido no volume de contos Mutterzunge, mas que se encontra
Primeiramente, essa atualização é um "inscrever-se" na língua em principio no centro do até então último romance da trilogia sobre a vida da protagonista,
desconhecida e, sobretudo, entendê-la em suas linhas de tradição tanto literárias Seltsame Sterne starren zur Erde.
quanto histórico-literárias. Nos escritos de Emine Sevgi Ozdamar é construído Que o poema de Else Lasker-Schüler618 , introduzido logo no início do romance
cuidadosamente um espaço interior literário, através de citações, indicações em forma de repetido "leitmotiv", pudesse ser o título do romance berlinense,
transversais; no decorrer da narrativa, experiências de lei cura se integram, ou publicado em 2003, é bem compreensível ter sido uma decisão programática
ensaios de teatro são apresentados; como uma biblioteca, esses escritos funcionam da autora. Se Bertolt Brecht está para a teatralidade da escrita õzdamariana,
com base em cada texto imanente. Citações de Nazim Hikmet ou Orhan Veli principalmente pela atenção dispensada à materialidade e conteúdo dos requisitos
acompanham mais ou menos desde o começo o romance Das Leben ist ~ do palco, ao distanciamento épico do seu método de atuação, às limitações
Karawanserei (1992) 611 , que ao apresentar a infância e juventude da protagonista da ação política e especialmente aos chamados efeitos do distanciamento, que
tece cuidadosamente elementos de uma história da Turquia, nos anos quarenta, acentuam a discrepância entre a escrita de Ozdamar e processos de identificação
cinquenta e sessenta do século XX, e assim coloca em cena também refinadamente existentes que volta e meia se interligam, então Else Lasker-Schüler está para ela
uma "abertura" para as tradições literárias ocidentais. Assim, a proclamada como poetisa, como migrante, como judia e mulher, pelo posicionamento de
"orientação para o oeste", da Turquia de Mustafa Kemal Atatürk promove a exclusão, que anuncia o título "planetário" do romance, Seltsame Sterne starren
tradução dos "Clássicos Mundiais" 612 da literatura ocidental para o turco, o que zur Erde. Não é em vão que um dos seus admiradores passageiros apresenta a
proporciona à ainda jovem protagonista uma pequena atuaçáo na peça Le malatk protagonista à poeticidade da língua de Else Lasker-Schüle~ 19 e ao inquietante
imaginaire (O doente imaginário), de Moliere, em Bursa6 u. Com esse papd, a desejo de amor em sua lírica. Assim, em uma remissão explícita à arte poética de
literatura começa a ter importância em sua vida. Lasker-Schüler, entrecruzam-se, de um lado, a clarividência quanto à contribuição
Já na ponte sagrada de Bursa, a jovem faz solenemente o juramento de um dia da escrita migratória para a literatura de língua alemã e, de outro, a sensibilidade
se tornar atriz, um juramento que a protagonista cumpre no romance seguinte, ante uma posição concomitantemente interna e externa, corporificada na escrita
dedicado aos anos sessenta e início dos setenta, Die Brücke vom go/denen Horn da grande autora alemã e judia.
0998) (A ponte do chifre dourado), em que passa a frequentar a Escola de Arte Um inquieto desejo de amor move também a jovem migrante turca, cuja
Dramática em Istambul e a colaborar em encenações não apenas de dramaturgos criadora carrega igualmente em seu nome a palavra amor ("sevgi", em turco).
186 187
-
Seis. Oscilações
Seis. Oscilações
forma, tirar das fronteiras da literatura nacional, de modo duradouro, textos
Seu
fi grande amor . : 0 esPanh0 1 cataião Jordi, perguntara-lhe outrora, na Vcersailles antes classificados sob essa lógica. De mais a mais, a literatura sem morada ftxa
rancesa, em tngles. , com o se f:-a.~a 1 "
mon amour", em turco (para dizer " em turco,,, problematiza um conceito homogeneizante de literatura mundial, justamente
I II esco lheu a d enomma -
ao espelho 1 a1
çao em emão). E a jovem, duplamente refletida no espe o,
lh
porque sempre faz ver fronteiras novas- transponíveis, transferíveis e traduzíveis.
reve ou seu no me. Gzo Justamente o amor n- , c "'
ente umxenomeno
d o re flexo e a to' ptca · 1.tgada a ' ao e som , uma Uma escrita que dá continuidade a escritas anteriores (Fortschreibung),
' · bem
corrente de tr d - . 0 propno reconhecimento: - mas ta111 . no sentido de um constante deslocamento, talvez fosse melhor designá-la de
a uçoes transltnguais - " , '" What zs mon 623
amour in Türkisch? El di ' que sao reportadas ao eu : F:ortschreibung (uma escrita que revela contiguidade entre locais) , na medida
Se . a sse ao espelho: 'SevgilimJ"62l em que continua escrevendo os locais da literatura em sentido múltiplo e maluco.
. , m poder, neste ponto, ir atrás d . - assumem as Mas, como é colocada essa atualização, esse enlouquecimento, que não almeja o
mumeras relações intertextu . as complexas funçoes que também
ats, em esp ·a1 1 , ai .. mas ~esaparecimento dos locais e espaços, mas sim sua multiplicação e dinamização,
em outras literaturas, na escrita de Ózd. eci em tngua ema, do desejo da
autora , em todos os seus . amar permanece o declara ., saber literariamente em cena e ligada à problemática da escrita em língua estrangeira?
. escntos de al ma - a '
Justamente aquela que está em H,. . conservar a literatura e lt Brecht,
Else Lasker-Schüler ou Peter ~ . emnch Heine, Franz Kafka, Be~~o ra e da
proximidade vivida a distân . etss, pela experiência do exílio, da d•~dpod ,e um "Pelas mesmas estradas": Escrita entrelaçada
cta - no se .d d . UI a e
d esenvolvimento progressivo A 1' ntt o e atualizar uma contlfl área de
projeçáo da avidez, na qual o. " ~~~ratura em língua alemã tornou-se umau amor: Durante o dia, eu ia ao lado europeu, à Escola de Arte Dramática, então, à Cinemateca, mais
eu se refi d a1 rn se '
na passagem por diversos mundos lin , e~e e modo translingu e dora lúcida
tarde, ao Restaurante "Kapitan" e em seguida voltava para o lado asiático de Istambul, à casa
dos meus pais, como se fosse a um hotel. Eu dormia na Ásia e viajava, quando de manhã o
conhece muito bem no romance gutsttcos. O amor, como a n~rad à escrita pássaro Memisch começava a cantar, novamente para a Europa.
624

e ao trabalho literário: quem sab~~~ ~e segue, está intimamente hg~ ~recht fez
com todas as suas amantes?: "Tal q anto treinamento emocional ças e Essas J?.OUcas linhas, que completam o primeiro capítulo do romance de Emine
livros"622. A literatura em língua alvez ~enha sido tudo material para suash pe Sevgi Ozdamar, Die Brücke vom goldenen Horn (A Ponte do Chifre de Ouro), projeta
· ema ofer pel os.
Comaesttmulanteatualizaçãod . ece, na verdade, muitoS es ente em forma contraída a coreografia da protagonista, depois da sua volta de Berlim
. . aescntades 1' . ulcanealll
a vontad e d e mvesttr também n . sa Iteratura une-se sun · da a Istambul. Lá, começara, na segunda metade dos anos 1960 uma formação de
. d o senttdo d ' a1 e a~n
mats e uma vetorizaçáo de todas as 1 - e um deslocamento cu1cur aço três anos para atriz. Nesse ínterim, depois de suas muitas migrações à procura de
d "'zd , re açoes d ., s de esp
e v amar esta constantemente sub . e espaço. Às construçoe e de trabalho, a residência de seus pais, que se estabeleceram finalmente em Istambul,
. 1 . mettdo c ue part
mwtos ugares, CUJa constante e ao m um ralar heterotópico, q d local t~rnou-se um hotel, um espaço em trânsito que, para a filha experiente em
não encontra nenhum ponto Hxo e esmo tempo incansável mudança e VIagens- diferentemente de como é para sua família- não pode ser uma moradia
. . .. . ntre os m d
A mscnçao na literatura de língu al un os. a deHnitiva. O lado asiático de Istambul lhe serve (como deveria ser ainda no tempo
. I' a emã ui mo um
escnta em mgua estrangeira, que se de'J.Xa ohs res ta por isso ern algo co 'veiS· . Os das perseguições políticas, durante a ditadura militar) como uma espécie de "porto
constantes processos de transferência d o tranervar.sob os mais diferenteS rucion a1 e seguro, ; mas, a ord em da casa nesse "hotel" é determinada pelos pais, ainda que a
transe u1 tural atuam com suas numero . snactonal em espaço cransna . .
· · c 1, · sas lflterv _..,.,atlcals, ~lha, por uns tempos engajada à esquerda radical, sem falar previamente com eles,
lexteats, mor:ro ogtcas, semânticas ou . , .enções em estruturas gras .. : tivesse vendido o mobiliário dos seus pais por um preço irrisório.
'b"l" .. ~ , stntãtt
uma sens1 11zaçao nao so para as paiavras cas supostame nte escave bélll -
IS para
I

I
Assim uma viagem de navio de vinte minutos de duração entre o lado asiático li
como o paragrafo de conclusão deve ,
D 1 . ra mostr
entre as pai
avras,
mas taJll I caJS· . e o lado europeu de Istambul abre e fecha uma rotina diária que costuma
0 I
. es ocamento e heterotopta como contt'n ar
uo sair0 - Para os locais entre os · uma desenrolar-se na parte europeia da metrópole de ambos os lados da Ponte do
1lteratura sem morada ftxa, que - como . entre os locais fazem surgir Chifre de Ouro 625 . Ela está sob o signo da formação profissional de uma atriz,
. "1" . conceuo t b nern a
Ca t egonas como lteratura naciOnal" ou "I' angencial- não se a re para quem o teatro brechtiano se tornou um ponto de referência importante, mas
'a d e "l"tteratura mun d'al" C d
1 . o mo literatura sem a e migraça~o" nern rotalrl'lente
tteratur ....... utto
.
. 111 também de um desenvolvimento pessoal, que a faz avançar como uma intelectual I
para a Itteratura nacional, e pode _ co orada flxa ela colaboram 'I
, . . mo o ex ' bana cada vez mais confiante em meio a círculos esquerdistas dominados por homens,
mostrou no capitulo antenor - tmpregnar emplo da literatura cu
enquanto a sua éducation sentimentale em termos de amor se intensifica.
fundamental. Justamente porque indica de uma literatura nacional de maneira
· ali' ' · e as uItrapassa, ela dinam· marcação O segundo capítulo da segunda parte, que encerra essas reflexões espaciais,
n acton - tteranas . d e fironteuas
· naciOn· a1·s ou
. tza muuas ' ·co prossegue:
de mtgração literária, que encontra na migr _ vezes o conceito estatl
, . . açao, mas nã · o a
sua umca condtção - e como pretexto con . o por multo ternp , Entre a Ásia e a Europa não havia ainda, em 1967, nenhuma ponte. O mar separava os dois
vemen te, pode servir para, de alguma
188 189 I
'i

L
Seis. Oscilações
Seis. Oscilações
) n'balra' com cenarto , · alemão-alemão e
lados e, quando eu tinha a agua enrre mtm
. c meus pats, · senria-me
' . [. · .] O lado asiático em duas e transforma a ct'dad e e m uma (sua aisaaem da reona. e d eJXa · bem claras as
~
, ltvre.
e europeu em Isrambul eram dois países diferenres. 6! 6 ' ·d d bém forma uma P b m vivas.
leste-oeste. Essa Cl a e tan1 . 0.. d ar e ao mesmo tempo, . e d . diferentes
d E · Sev~t z ai11 •
. "patses , .. torn a - se exerctcto , . continuar
cotidiano bases poéticas e mme o dos à primetra vtsta , os ots . p rém
.
A constante oscilação entre esses dots d
Novame nte estão evt·d am ente"separa , s" e '"blocos, separad os enrre st. casuais 0

lados d a cidade, pertencentes a pa~::aiTibul, não só por relefo nemasrr: o lado


rapidamente natural, pots . permtte · a, narrad o ra em primeira . I
pessoa xual, uma
escrevendo seu romance de formação 627 pronss10na l'. · 1• 10 telecrua . . de sede concro1e
permanecem em contara, como em oeste como an riaaiTien
o . te en d 'árias de
vez que era necessário ficar distante de toda e qualquer possibdtda e io para a 0 lado leste e o ' . d or vtaaens t
conratos visuais - entre b, -11 timamen re hga os P do m lstaiTibul,
dos seus pais. Afinal, tornava-se fácil afirmar ter per d 1.d O 0 último . cnavdamenra 1• ram em I , do casa a e
- - asiático e o euro peu - , m as . depois de um peno . d iradores que
Asia. A separação entre Asia e a Europa parece ser, a, pnmetra · · vtsta ' run. almenre A aomsra que, d' ersas morad'tas e casuaiS ad 11fixa
~ (bares t rem suburbano. p rotao 1 e - como
pois além d e oferecer proteçáo à protagonista, sem d uvt , 'd a f:az parte wu de
de uma experiência do dia-a-dia, que ela divide, nos navios, com m t
.
dois separou-se do man o,
'd passa por tv
d
. p anece, porem,
, sem mora a
.. "~"it brennenden
05 de surgiam e de novo esaparectam · erm,d e Else Lask·er- Schüler- ) s mBerlim
,
é para a
trabalhadores fronteiriços. Como navetes, os navios a vapor ent retecem exto no "leitmotiv" que dá tÍtulo ao poema com braços ardentes 62 .
lados de Istambul na vida da jovem de vinte anos, e formam a trama, 0 t ·schen" , "(P cura o amor
uma constante travessta . (Uber-Setzen),
.. que não se estabtltza . . em um " DaztVIbairros Annen die Liebe sumen ro .d d da saudade. convizinhança
jovem, em sentido mu, Inp . I0 • a ct. a de Berlim, surgem canto uma de relaçoes -

ar~
(estar de permeio). Antes, o espaço intermediário entre os conrinenres e_ .vem . radmo e I ao espectr0 .
d . , vat-e do No interior do espaço ct quanro um )' auísricos, culrunus
torna-se espaço e movtmenro, o qual é preenchido por um connnuo
espact'al e temporal , que trad uz a maneira funcional, visível e ·tmpressionanre multicultu ral quase sem conraro, , entre diversos grupos'T' fu ken em Ber1·tm
111o
. . os mutuos na Je1e n ' h
EscreverEntreMundos em uma paisagem (urbana) d a teoria. rn tnterculturais, ou sep, contar primeiros anos d de cor as mane eres
E
- . I ente e ou sociopolíricos. Durante os seus . ·ro além de apren . er uma justapostça · ·o
D espantosa a manetra como esse modelo da cidad e d e Istambu pres do -o va t mut - mats q ue
· B .. k ld u
te rue e vom go enen norn se vê transposto, alguns anos depots,
· de mo
·d de Ocidental, a jovem turca na co m isso, nao d " Depois, no entanto,
d
pr~ctso . e _emgO:a~tc_o,
. . . ao centro da cidade d e Berlim dos anos 197 O· A . ctrde,a é os jornais alem ães - e d e alcançar, e não raro "mu a · ujo resultad o, nada
rumdo, amd a dtvtdtda em setores distintos em S lt 5 starr·en dte E multili ng ual bem pobre em conraroLs ao de Constança 1- ~"619 - possibilita-lhe,
dum curso de alemão na regtao "O culpa. posso tz . ~dade como mrerpre
tambem , dtvtdtda
. . . em duas panes, como a Ásia , e a eE sarne terne Bl O riental e Bloco . .. do ao d ' eraao. . ' te
O 1
ct'denta , que ,a pnmetra
. . vtsta . se defrontam uropa,
d . " oco , , . eco nCI. .ta'vets, . so es n Berlim, um a anvt s· mens.6Jo Tamb,em no
. 1 desimporrante, fo i um provetto ·d
contrapostos por forttficações e sistemas · n·como · 01s
E patsesI trr
d Estreito de d
uran te a segunda fase e s • ua VI a et
_ e rurcos na 1 firma lte. mporrante, ran to no
1
Bósforo tem-se o Muro de Berlim; em lugartmdtgos. m . ugar o · terurba!lo . . l alemaes pape. 1 pois rrad uz Para seus
1 . dmediadora interlmgua entre _ d sempe nha um h
. ah )
(Berlmer S-B n que eva a JOvem turca com v· os navtos,
d . o trem 111 rada fitXa' eco rrer d e sua vida, a rra duçao . e 1
I no ora e n 0 escnt 0'
Besson, aluno e d Brec t,
. . .
em tgualmente vmte mtnuros de vtagem de u I d d . ' tsro e tunsra e sem ( mofusamente A
arnbtto particular como no ProfissJOnanotações
• , d e Benno
grafitada) para o outro. Ate, obter a concessão ' md a o .o Muro pro es pe1as . atores, presos na 11urq uia '. asdoa mestre. d áo entre d uas línauas ore
A

d an11gos
autoridades a captt · a1 d a RD A (República Dem e um , . vtsto de tres mes . (iberra b d 0 adm tra 0
Para encenações da o ra . al
culn1r, d e era , uç,breposta, en ueranto,
. , . Pda
de uma p nsao . • preventtva . na ,... . e que não ocrattca
1urquta, d Alemã)
. ' a atrtz, párrta, . E 1nrer
I. al e , is, e so , -htsrona
vive em uma rest'd encta• · comunnana, · · · em Berlim Opo'd e mats atuar em sua of110 ssa prática inter mgu "padrões arua final corno pre ta
d
na casa e seus pats · em Istamb u1 - h ospedagernCt ental, . que lhe oferece, c·[jar,, . culturas, que não d esistem d os seu deixam enren der, a1 t rranslingu ' al . A peraun
- o dir
. vem parar, como no h gratutta e "conraro famt u ra
·
expenências transcu1turars,
· q ue se ira cransculturac e o urra c01sa · senao pe ·s
Também aqui, a protagomsta I
, . d d e mane , al áo raz da vez mat
.
sem possibilidades d e ser modtficada por ela _ mesrn ate pare
_ rno, em uma esrrut d por Ptopna escrita, impregna a . rerculrur n d' er alao abre ca c al não
ninguém , ganha rapidamente a simpatia da moradia 0
na~ sendo controla a sa da migrante (q ue na co nversa tn-lhe permttl · 'do tzulrurais 0 d e que aun d sim
e lhe é permitido chapmhar . alegremente em conjunt , ostenstvamen te ann- . b u raue
o
descu lpas por perguntar) so bre ser ·periênctas . t ranse al n1áo, e d e q ue po e, duas,
Apesar d e todas as expenenctas . • · ·tmponantes queo,lhna banhei _ ra. a espaço
P à co nvicção fun d a da' emd eexdizer algo em e os entre
•63' entre dois grup. , !rurais e
esl.dência comumtana,. , . em "\vrwedd'mg, descntas . corn gr;u de sao d com partt'111,adas n . · m o rder a lmgua
rectsa , ao rer. "rnensagetr · a' r aspectos soe iats, cu srantes
'
(r - sem um pouco de troça) , sente, entretanto, que 1
e ose d e afieto e hum 0_1' senrtr-se
· bem à vontad e. A anttga (e ram bet' n po '·mpregnad a por co 11 paço
e ,nao lad o de Berlim Oriental, onde pode mergulhar noStta " v,7 rdadetra . rea1·tzaçao co0 tnu nidades separadas pe la língua própria I'tngua,duzir t inrer1.mgu a.lum es
esta
1. no . seu d d rro, p I, . ucos sua d um rra
do por Brecht e após a concessão do vtsro, et1contr h 1nun o o tea Ittcos), enco ntra aos po ra além e vimen to
mpregna ' . . a osped de
t1· b se pa ' ver. ço e mo
uma JOvem . senhora em um ambiente que tmtta , um setting co"' .. , na_ agem na casa ali es P Uzarnemos.
0 Com isso, a re- falar e escre . curas de espa no nível
R b. C usoé da "prostituta da língua retornou à sua I[h d0 Poucos der 1 · r· · d 0 ensar, esn u e como
Ptto de movimento P . xatidáo as revela-se qu '
O o mson r a e Bert· d' . .J:da Quando se verifica com maiS .e Sevat ' . ü"zdamar,
lffi, IVIW
d esen volvidas nos escn. ros de Emtr o
190
191
Seis. Oscilações
Seis. Os cila ções

das palavras, sob as q uaisoutrassetornam ·' · um de seus "filmes infantis de lstambul"64 1: imediata e quase involuntariamente,
. outros lugares VISiveis e au d'1veis; tam b'em d agueles
loca1s c . apresentam-se as imagens, sons e cheiros da cidade no Bósforo. Através de um
.
- amda que não e se rormam · Assim ' stam b u I surge constantemente em BerI"un
I
dos muitos objetos, de uma das muiras impressões sensitivas que o mecanismo de
.
cidade tornam-se xaramenre
. como
. . , "P equena Istambul": entre os movimentos da sobreposição entre Istambul e Berlim pode desencadear, é possível - e não apenas
. mUltO maiS VISIVei . movimentos em uma o urra cidade.
D ec1sivo aqui é: rodo s os anngos com a visão das sob reposições entre Die Briicke vom goldenen Hom e Seltsame
escnra. d e Ozdam.. s- os processos
, de enten d"Imento e os desenvolvimentos na Stern e stan·en zur Erde _criar-se uma " Briicke Unter den Linden". Sob uma cidade,
. ar nao so adquire
vetorzzados. Pois em d . m espaço, mas ao mesmo tempo se rornarn a outra está sempre presente: ela seguiu a migrante com sua conexão específica de
armazenados - exatam ' ca a moviment0 presente, os anteriores já estão acumulados e
.) ente como no t "E· Scheibengeschichte" (Uma mstort ' . , ·a espaço e movimento, amor e literatura.
em <ztzas
fi. - d, de Yoko Tawad a, estão "a exto me Esse Escrever-Em-Um-Outro das duas cidades e suas respectivas duplas divisões
P osiçoes o corpo, que . rmazena as , na coluna vertebral, to das as
d " " que, através da movimentação das viagens da protagonista, são constantemente
atual ' estao - consequenteme se assumm na VI·d a"632 · Em um determinado mov1ment · o reenrrelaçadas, deixam-se observar também na sobreposição de estruturas de
do passado, d e modo que nre presentes d d" - d
Ireçoes e movimento que se ong1n .. arn moradia. Na residência coleriva para mulheres turcas em Berlim, qu~ durante
como ·
. m ovimentos que seosf, mo elos vetonza · d os se deixam sempre compreender a primeira estada foi conscientemente aludida de forma estrangeira como
hod1ernos ocu1ram moviment ormam d de multas · . •
dmamicas .
passadas. Movimento s "Frauenwonay~"M2, encontram-se já as estruwras da residência comunitária que
Nesse sentido, rea1·Iza-se pelos e ontem - e Ja · , preconizam os próximos. a pr · d d idade à maraem do Spree,
0
. , otagomsta, no decorrer da sua segun a esta a na c . ;:'.
que
asi·a·t·a narrado
d . ' pesso
ra em pnmeira menosb em . pane, a profecia poética de seu espos o' Ira conhecer. As condições de moradia nessas residências comumtarlas, com suas
I Ico e
b 1 1 stamb 1 El
u · e ainda oft a a and onou em sua casa na floresta, no 1ado
dar bd· . - 'fi por aênero encontram o seu
stam u para trás ' esta Citação . erecera à s op as su !VISões e linhas de demarcaçao espeCI .1cas d ,0 na o
res1. denCia
: .
comum. tarJa
, .
par ua esposa, que provavelmente d eLxa . va
a acomp h, I em0 nemew, d parodístico
. e ao mesmo rempo seu I para ox '
·111 ício não somente - como
Tzu não descobr· · an a- a: sem e dmg, onde as recém-chegadas, ogo lh no lavam '
a louça, mas tam b,em
A . zras novos paíse
ctdade te seguirá. Irás elas s nem novos mares pre nas residências comunitárias para mu eres- A. c
Perambular. enve/1. P mesmas ruas . são · . . _ d I . 1 amenros amo rosos. ru 1ormas
, ucer nos mesmos bazr.ros
. avisadas enfaticamente da prOlbiçao e re aciOI
633 co[ . omances formam um mun do
Consequentemente - . _envas de moradia, que sempre aparecem nesses ~ d ' podem se rornar
, nao surpre d prop . d tern11na o tempo,
ver d o lado europeuG34 t en e que tamb, d"a no, como u m local de passagem, por e · ercebe somente
protagomsta . _ pouc d' ambé . m encontre em a casa d a fi aresta, que se Po I um f: 1 ,. . , . A551·m a proragomsra P
o epo1s d sua co · a a ansteno (phalanstere) rrans1rono. ' ' . , · ara mulheres que
que passara meses tão c t· e sonhar com ntraparre em Berlim: Assllil• quand ·d· cia comunltana P
. re 1zes c a casa d fi b 1 (eJ11 n . o uma amiga tenta abandonar a resi en , h osso Wonaym e esse
oerh " . . »643. "Nós nn amos n '644
berImense-oriental d a eqUipe . d om• seu m an"do) , a aresta de Iscam u 1 ua ,,,
na fl oresta"G3s. Lá I a camera e - e convidada por um co ev w m para _
nós até agora
.
não. exisnra
,
· quand o se sa1,a do Wonaym" •
" • e a procura de sua espo . a 011 aym nao era Berlim. Berl1m so começava al - d palavra "Wohnheim"
em uma outra florestà'63G S .modo frem sa para ir à sua "solirána cas A · . . arafia ema a ' '
escnta estrangeira que mfnnge a ortov b eza de intercâmbio no
trataríamos aqui de um d. e. esuvéssemos f.-~nte se acalmar, pelo fato de estar torn 1· '· como a po r
Iuz I stam b ui em Berlima e as mum . <Uando d , , r. a lteralmente claras as linhas demarcaronas, . 'rias frequenremente as
d eraveis sob e tecnica cinemarouratlca, conte .d. cias comu!1lta '
di ' ' m to os o · reposi - v à X to multicultural. Também nas resi en- d ·d de uma vez que as conversas
sso, ate mesmo o romp· s niveis e çoes de cenas que rrazert1 Comu · , pçao ac1 a ,
L"m d en* craz com que a narrad Imento de um cano em tod al' 111 cações internas se sobrepõem a perce • dos outros andares, sempre
d , os os sentidos. Para eJ11 com. , 'dos que vem
fi . ora se re d e ag dn outros moradores, mas tambem os rui "tas percepções. Surge uma
oresta, e Imediatamente essa l b cor e de u ua na avenida Unrer e Vo ta. . d . as outras mUI c
, . d em ranÇa , ma tíl" d l. m a chamar atenção para s1 e ommam e passa em Oüsseldorr, Der
caractensnca a figura em prim . e ligada Ia, próxima à sua casa a Paisag d , . C no conto que s . ,. d
. eua pess a um Lr em e ru1dos da vida coleuva. om0 residência comumtarla e
-a um amigo poeta turco- e ao am G37oa, que rem a corrente de associaçõeS,
em pensar as d uas partes de Berlim or. Emb ora a perem d"Iretamente à literatura
ciOJ i S .
''" rn 'fJtegel (Opdtio no espelho) , tam e
b ,m penetram na
d , ·nas de costura, e ate mesmo
,
wedd· u e maqUI . ,.
d e BerI"Im logo lhe parece como e emI con·JUnto, a firroragonlsta . tenha dificulda de tng os ruídos das fi rmas de conserto o da residência comumtaria.
.d , m stamb I onre· dN-os b d ,. . , . d tro dos quartos .
a convi a a ultra-passar. Não só o "h u ' corno " Ira entre o oeste e o Jesre o r e1s existentes no predw, para en b , os acústicos, a fala, gnros, que
. umor d um ao só os ru1dos , ·d·
visuais do cou 1ano, mas tam em
. ·c. d Natur mente, nao al - sao - as
nas ruas d e BerIIm Oriental, lembra-lh d" a manhã" grande mar"63B - que as Per - , d aior signuJca o. ,, d
h · d - d e Ireta ' ma ,, cepçoes sensoriais captam, sao e m da calefaçáo ate a cama e um
c e1ro e carvao e os gases do escapam mente a s também 0 "cheiro Voze , d s canos d
. . d ento dos tner . s e ruídos que vêm do bordel, atraves o orgasmos dos novos mora ores
mesmo ass1stm o a um filme dos EUA carros ropole turcaG39. "urrl
, com R.od ~ ' corno . Parce· os sonoros w r dd.
• O taylo em Ist b 1"640 E Iro amoroso de passagem, mas antes ·d· . comunitária de we mg, num
nome da famosa via berlinense' Unrer d en L.lnd en, OUtr r, ela 1emb am U · que e . à resi encla
ra que este era tíl . ntram em cena e proporcwnam '
t~~o estágio, um final ensurdecedor. . d B lim Ocidental. já se faz a pergunta
pode ser traduzido como "sob as tílias" . (N .T .) ora a princapai
.
avenida d
e Berlim Orienral,
t\la d dia e er
192 0 menos que nas formas e mora

193
Seis. Os cilações
Se is. Oscilações

vinda mais d ife rentes tem pos e espaços64', e com isso, também relativo a todas as histórias
em cod e uma·d "comuna"
d de Istam b u 1• sobre as possibilidades de u ma vida agregada
munt a e, qua nto a · "d - estruturalm ente imp regnad os mais fortemente de métodos e reflexos de frarura e
m aneira mai b , m orar JUnto em esp aço menor e e m cerro sentido, e
s urguesa em Be rlim O . 1 O I . e sobreposição, de modo que Istambul em Berlim e Berlim em Istambul se põem em
a nteced e à res· d A . .
1 enc1a co1en va e m w, dd"
n enra · m odelo de m oradia co euva, qu
1 bul revezamento à frente do espelho e dessa maneira quase desessencializam as dif~r~nças
onde a protago · e m g, porta m o, já se e n co nrra em staill ' culturais, totalmente sem drama. O s movimentos quebrados dessas sobrepos1çoes e
pa ra uma "c msta,dseparando
. -se d os mo1d es d e morad ia da pró p ria cra m1'1 ta,
. vai
ultrapassagens devem ser, na parte final deste capírulo, investigados mais de perto.
omuna e cmemà' b . .
traços conjuntos d ' em parec1da com um fala n sté rio - , q ue abnga
e mora r e trabalhar:
Os rapazes · d urame o d.
ac red"ItavamIam
estar sendo IaI para as ru as e l'Jn mavam com uma câmera 8mm pessoas que
enduravam-no em um vaexp oradas. Então "No m ínimo v inte p assapo rtes": EscreverEncreMundos
P a1 • rcve1avam o l'nlmc em uma camar,I• • escura,

as máquinas· d e costura dor e o secavam com um secador de cabelos. Emba ixo, rra baII13 va!ll
C . . · d cional da Turquia em Das
comuna d e C·inema; trabalhs turcos gregos·' 'Cima,
a · rra balhavam as cam as das p rosnruras,
· ·e na orno as m1grações da família no mtenor o espaço na ' d
ava o secador de cabelos.M~ Leb · · - cransnacional da narra ora em
en lSt eine Karmvanserei antecipam a tmgraçao . .
Consequentemente, a residê . primeira pessoa em Die Briicke vom Goldenen Horn e Selts~l~e Steme s~~C?n zm
entendida sem a comun d n~ta comunitá ri a d e Be rlim Ociden tal n ão pode ser
~·r;
0
d a e etnem d I de Erde, assim os m ovimentos dos navios entre Ásia e Europa fac.ihtam camt
estu antes de Berlim Ociden al
de. Benno Oh nesorg não pod
a e sta mbul, como ta mbém os prores ros
t contra a visita d o xa· que cu lmina ra m com a rnorre
a passagem d iária pela fro nteira entre Berlim Ocidental e Odnenralld,
o ·d . , . C
edncr~
"rrem e so a os atraves e
os~~ dos
. 0
C! enra.ts e os países do Pacto de Varsov1a. omo . - 1
extbtdos
. de p · d
an s e maio de em ser comp reen d"d ' os sem os eve n tos 1.gu al rne.nre An ·1· , d os rrens seQUmtes 0 que vao evar
O c tdental e Pa r·IS ou as revoltas e1968d, os gr upos estuda ntis tu rcos e m Be rhrn a aro ta já anuncia o "trem de prosti tutas . . , 11 oti fica no espaco e mov imento
e to os d
sangrenta - ) · Pal avras sobstual ant is e m I sta mbu l (que já p re nun ciam
repressao · sua en
protagon ista d a Turquia à Alemanha, asstm F se
dd.
ank '
m p ·ow, o que sera 0
· dia-a-dia
.
50 tre as morad ias d a jovem senhora em We mg e e_ . , 1 parecia ter lacrado com
D L b . , form as d e vtver
movtmentos . sob foP avras , 1ugares sob luga res movimentos b com t . d aneira rao vtstve , ' 18
as e en zst eine Ka rmas de vi ' que . ravess1as do m uro, que entretanto, e m, . bl tagonisras de poder.6-
sta rren Ed rawanserei, Die B .. k ver, eventos sob eve ntos: m esmo ctme d
nto, e uma vez por rodas, as rontetras en
f . rre dots ocos an
d I bul e Berlim, de "leste"
z ur r e em g d l"ttc e v GL 5 rJ/e
e de ixem
transparecer
ran e pane, cronol . om o 'denen Horn e Seftsarne te·d
ogtcam d 1a
A técn ·tca da sobreposição o escrever-em-l!ln-ourro e stan1 · de algum local
modernizaça" d '"r os. contextos histór· ente, comem um a história e v . e "O " " ' " d , ·da não acontece a parm
o a 1urqu1 1cos rei · d" ó rHt {' este , Oriente" e "Ocid ente sem uvt . , . I cal"zável de wn thüd space, no
68 até as f, a por Atatürk acto nados d esd e a contra lt nxo e t1em m esmo a parm . d o espaço ."1tennedtano . osc1"Ia11tes)
' armas tardias da G • passando I ' ciiO . , o ' (e cada vez mats
"Outono Ale mão" uerra Fria e p e as exp eriên cias da gera, senrido d e H o mi K. Bhabha&49, e s1m •
a parnr • dos mumeros
astes sem no entat1to
e a queda d 0 M - pelo . ré o mov· aparentes conte '
desses elem entos sim , . uro de Bert·1 m en os e m pe rsp ecuva - a , •mentos qu e en trelacam mu turunenre os ' d - constitui nenhum espaço
agmaucos · m , ver"f)
1 len1
que se sobrepõem co extstem sob !Ca-se, e ntreta nto, que a a b oli I I , O Es E11treMun os nao I. .
nstantemenr retudo . ' ·cas - os e 1omegeneizá-los. crever . sculturaiS, trans mguats
d e compreensão no rom a A e e que influe . as estruturas p a radtg matl pró · d 1ovtmento tran
nce. téc · nctam d . sos pno, fechado, m as abre novos espaços e n
m ostra que o lado europe d I ntca de sobre . - ectsivam e nre os proces e transarea.ts . quase que em rran A stto.
. _ , . ·araram para a 1.nerarura
·c d u e sta mb 1 Postçao d urro O . . .. d que nao so tl11 'o , . lh d"
d o Ch 1rre e Ouro não pod u , locatiz d o escrever-em -um-o s escnros d e E mine Sevgt Oz a mar, nrido mulnplo, e ao
. e ser pen d a o em b P0 nre
sem Ber Itm Oriental; Berlim sa a sem 0 1 d
, sem lsta b a o ., .
am os os lados d a
d
~' em I'
tngua alem ã mas rambem - como
, vi mos - em se . , ~
e com vtstas a l urquta
·
~ ui; e a AI astattco; Be rlim O ci ent '
aJ
N esse sentido, não se trata d conr . , . - ara o centro qu , . , A- .
. . - e uma 111 ema nh znuzdade in Loco* m ovem mtgraçoes P . al e com vistas a sta e
Itmttaçao transculrural e de um tangenctam . termediaç- . a, sem a Turquia. e à Al ' d cransnac!O n ' 1 ·
ao tnt ~ · ,., a ~ emanha, possuem um a enverga ura 'N- obstante, a aurora, que 10Je
di versas culturas que se cruzam d ento, um ercultural, e sim de u.,.· l:.Ur
. opa, uma envergadura cranscon u· nel1ral , . . ao . mas sobretu d o d ots · espaços
e e manei ai a coreo - l' de
apenas como prazerosos, m as não ra gurn _ gr<tr1a de m ovimentoS Vtve . os naCionaiS, ' . c d
, .d . raro com a sao em Be rlim coloco u n ão do ts espaç se si ruam nas m tenaces a
Sem. d UVI a, aqw se deixam constatar com o· tension ad os retratados euforicam ente, Urb '
L . a nos n o centro do seu ciclo
d e rom ances . , ,que rre dois con tinentes e entre
multas vezes quebrados e ao mesmo te ...'sso rnodel ao máximo e dolorosoS· lllSt' · snuaçao en c
C'- mpo tn I os e d . o n a ocid e ntal-o riental e refletem essa d ropourafta e in rraesrrutura.
mo rada nxa, d e importância fundame ·ai I su ares" estruturas fraciona os, dOts b io cos d e p oder até mesmo para dentro e sua· n enros o I . q e
. . n t . sso si . , como - J11 rrans ocats, em u '
multas vezes m enciOnada vetorização de d gntflca sao nas literaturas se C . , . . t· h de movu . . d
, to as as 1 ao 111 ., o n1 Isso trata-se em p n metra tn a . is e cransconunen tats po em
connnuo, m as em um espaço pós-euclidian d re aÇÕes estno tempo que, a Ja co m ' 1 - 5 rransnac!O na a1 - d maneira
·· 0 esc
0 seco 1 0 em um es pelho ardente, re açoe . os leitores ' emaes, e
M as, os romances d e Ozdamar me parecem • graÇas 11tínu0
, ' muit
mpleta não em ul1
' &16 ser enfeixad as. M as justam ente lá, onde, para. ·dade e a im penetrab ilidade de
espeIJ10 - o espelho se torna também especialm a oni as vezes cindido. Pragn , . ' ente a masstVI '
ente o I0 Presen
cal d Ça do m o tivo
d0 ~· perso nificava-se fra ncam
e tod
os os m orros, doS . t.lll F· . (-loc.IIl· (N.T.)
194 .onscbreiben encontra-se o rcrmo Oll -

195
Seis. Oscilações
um f . Seis. Oscilações
a rontetra • com seus deveríamos
Tenho ·re ao oroulho
alerg1a o . . nac.IOna
· I'ISta. Basra d'lzer: nasci aqui ou acolá. Mais nada. Em geral
travessias
o leste dodiárias d aquelacontroles
fronteirae "ai
linhas_d.e morte, ficam loao claras as naturais inimizar com r no! mmlmo vmte passaportes, pois não se sabe qual será o próximo país as;
oeste,
d aquelas d a Ot o s ·a~·
oct tsmo do capit ema. mter na, • que separava
o rigorosamente
qua outro. Ou um passaporte internacional. Ou nenhum.6H
. an, de . a 1tsmo as d , .
naciOnais-estar . 0 sponsmo e a arb· . • tropas o Pacto de Varsovta não só me
Parece- d B . canvo
signifi . que JUStamente
. uma aurora nascida na Turquia ganhe
A cnaadorn<Us,d fmas tamb em
, a,ua " ttranedad . .' d as d ema<caçóes de lion<'ir.<S reunt·l' e_ erltm • mas tam b'em d a re fl exao - sob re os problemas decorrentes da
passaporte turc e ron~eiras, logo conh an.sdpontbtlidade. liter ncaçao
. ma,
ale - pagtnas
' · tot ai mente novas e que ela as tra!<.l à luz de forma
O nental,
. torna-o, permtssao - para esradi ect a pelos . fiunc10narios
. , fronteiriços, corn I,
u m anamente c onvmcente:
. 1sso
. acontece na medtda
. em que umosaber miararório e
1
pe as suas idas e . d se uma constante le fi a em . m ct e nral e visto para BerI'trn
Berlt O 'd quea mgua. d e m>gtaçao . - conseguem vetotizamatamen<' aqueles "penencimentos" o
1'mguas tão díspar vm as ,e ntre as duas Ale sa- ronretr
h as que trad uz incansavelmente, ers parectam. totalm ente 111 . ai teravets
, . como atrt'b uros estanco-estatais.
, . Sob uma
as·, .
tattco e o europe es. Ja e I
I' m stambul p d man as , as d uas Berlins e su as respectivas como
P pecttva tr 1· ans mgu ai que atravessa diversas línguas, parecem urgentemente
cresce nte entre os leit u, as mh as d e demarcaç- u era obse . rvar, ao traduzir, entre o lad o inter· carentes
d de trad uçao - nao- so, as "I'mguas estrangetras . , que se crormaram no
Nas b ores de JOrnais
· de d·cao radtca ·ts, que se traçavam de manetra · Ttadu . ' wma tutco, mas também os quese fotm"am no intetiot do alemão.
tor 0 ·d·
ancas de 'or . trerentes . - , A za apenas do leste pan o oeste e do oeste pata o leste não é suficiente.
lado, todos e J nals, estavam o n entaçoes poltticas:
. m turco exposto · do .veronzaçáo nao - so' d os movtmenros· geográfitcos e topográfitcos, mas tam bém
nonciários de esquerda, • mas eram como rrêss Jornais
fascisras línguas de esquerda, fascistas e religiosos, lado a
O s 1ettores
. ou reJ·1g10sos
. Ht·s 1,tngu
. tsttcos tem como alvo padrões de movimento, não os que abstraem da
des· di . e nãesrrange·
. lra.s. N o navio, rodos abriam seus ' ·
st,. trocam tn Vtad ualizad o se VIa mais . nen h um rosco.G;o hisstona
• . 'e S>m · muito mais os que grnvam e ,.mv.enam em si desenvolvimentos
entre si a os, contrár· ttadtoncos. · E mm . e Sevgi Ou! .. ama< continua esctevendo sob uma petspectiva móvel,
etermin d • . penas as al tos a dete . Eu, uztndo co nstamememeentte vátios 1mguos ' uma h'.stona
' · no mtenot
· · d a quai a
d
'"'" si da. os ombu., jogam p . avru imponam<mmados jomais só se talam ena<
"línguas ots grupos políticos os JOrnais dos out es, sentam-se separados, urilizaJll Em opa, desde sempte em movimento"'• deve set entendida como movimento'"·
armas, a co estrang.etras
· , antagôn· com j orn<Us . enroladoros "651
n o mar e logo já se "desaflavaJ1l u sua esetita, Istambul e Betlim 10 mam-se significativos espelhos affientes de
acabam e mumca -
çao oral se d tcas n-
. ao aconre s · p rocessos de tradução entre etma veto nzaçao · - tcansnacional, que ossinala cu>dadosamente, · mas so b mudo
m confl· eten cem m · As palavras se rornaJ1l uza e at ' 1 1· h d ' · d e tod o
,,P~- ~nal, como as línguas podetiam se< melhot entendidos do que pela sua
caçados e ass . ttos sangrento ora para um co fi ats. 0 ti cavessa o mais ftequentemente poss>ve os m os ematcatonos
rantasiavarn"assmados. Chegarn s, m antrestanres nd ronto cad a vez mais via 1ent •
"C

e sempre proc . como 11 ki


rots , Lênt· a se fu
·c

n ar grup e esqu erd a são p ersegut·dos,


d c: uçao? E como as fwnteita.s podetiam set melhot conhecidos do que pela
renarn
e fica sentada " "no vas línguas"6S2 t ál.tn, com 0osMarma d os de esquerda que se
n ou S nstante
-r u Itrapassagem, travessia e cruzamento e transtro.
. . ?
A ['mgua mate por mu·no tempo ·A P<otagon· ao' Castm ou Che Gu•""" " raduçao
1
- n-amlmguaL
. mc.-ita trammlwal em !'mguo estrange<m
. · e atuaf'wzçao
-
rna se des d na toilett tsta com " " Eanslocal
. sao
aprendidas nessa B b l pe aça cada e para ap pra todas essas revistas - por isso procedimentos fundament ai mente ·tmportantes da
E a e que c vez m · render »653 n-senta-E. m-Um-Ouno, pata coloca< algo consohdodo novamente em mov>mento,
sta aquisição d l' se rormo ats em l ' essas novas Jínauas . . .
d a tngu . u e que d lnguas o
n:o sono âmbito político mas também no literário (nacional). Elas proporcionam
e ttaduçáo inttaling a] a no mtetiot d evem "' emangei<as, que fo,...,
marcadas entre o O~ abre-se em Be t·e ambas as I' penosamente adquiridas. 5 ao apenas um EscremEmreMundos
<etn ' a setentendido como :spac>'ai ' mos tambem '
d a Fne. d nchstra.B
. nente e 0 Ocide r tm p ara as d tnguas com suas abordauen poral, que na-o . I t1dos ou nichos- seJam de uma ltrerarura
d e, em pd . nte, qu •mate - " e m .tgraçáo d se tso. a em entre-mu ·m utt'liza os espaços entre mundos para
escarrados: eles n- metro lugar e se refl açoes linguisticam ente d
Iargad os na fronteiraao podem ser levados ' em um etem rnúl ttplos
. e in0 u e dmtgrantes . - e st fusos horários e uansferenc1a • . de saber. A
p a monranh no ponto fronteiriço
Os J. ornats,· com suas-que tarnb'em é umaraca Pane 0 . a d e Jornais · ocidentaJS · trad uçao _ de u espera . os movtmenros,d fi a que escreve entre mundos sena . entao _
c manche a rro rtenral d a t entativa dem. a 1tterarura
. sem
. d mora a IX . .
e'ridade e a escrita da conn(n/g)utdade
orno os passaportes q tes, são cons·d 1 nteira (de) I' a cidade e f)caJ11 em espaços lit msenr , . a escnta. . a esrrang t
• desapareceram nem desaparecerao, _ mas
outras , compI'tcam. Seguid
' ue consegu em acesso erados Pen Inguas (I'mgUisnca , . ).
atençá para o seu desenvolamente t· em 1 ences . que se e ncontreranos. nacwnats,c. que d nao ' mudança. Um asstm
rocesso de . enrendtdo .
. as tnhas de d a gumas c pessoais, asstJ11
tran s-por* co am, stm, ai em dprot un o P . b · , 1
a abs0ur,d um JUStamente
· vtmemo h 'tston, .co m em arcação drro nteiras · mas eJl'l 657 - 0 seria então apenas tnsu sntutve , mas
d no aspe ' as e ' e i mponâ m · as. pai avras o. outrod d na áo querem
'' ' .
sacnficar . , .
sua longa htsrona
s pertences os rostos d as cto nacional-esc ' ao rnesrn sse tipo cbamaJl'l de ·
0
leirore d e JOrnal,
. nc1a vtt para socte
I d a es que n .
I ras motivada untcamente por polmcas ,.
desapare pessoas
'd e se us d estinosata[: Ja
. , queo dtem po são levadas
d
tntercâmb· ,
5 C! os atr' d ' llao d' es e Poder A d' toc as teses da uta e cu ru ' náo ' é levada ao desaparectmento
. nos
numa entrevista publicada h , as as manchete tferen aparecem enrre dte)(
a poucos meses, concis s. Assim fo;es dos rostos doS ·
tos de 0.. d trerença cultural
, ·aJ' d e por meio diSSO, torna-se a ttave1
certamente . h b' '
arnente·· rnuiou o"zd ama,r z amar, mas e desessenct tza a '

196
~
radu Zlr.
. (N.T.)
197
Seis. Oscilações
Seis . Oscilações

que possibilitam os movimentos rapt os, osct a


. 'd ·1 nres da protaaonistao
tanto em
bem como - no sentido de um saber sobre a vida - vivenciável e vivível. - c · ousado colocar essa estrutura
Os textos de Emine Sevgi Ozdamar esquematizam e demonstram, não só no Istambul como em Berlim. Talvez nao rosse mutto .d d b a1
·menro oral que a cav1 a e uc
translocal em liaação com o espaço e movi d ' . I d !'naua
nível de uma história de vida e seu saber sobre a vida específico, mas também no 0 . orações e rev1ravo tas a 1 o ·
seu estar-feito linguístico, o caminho para os processos de tradução mznslingual, cIaramente delim itada pelos dentes ena para as r . d [; na
- . ai ma de uma hteratura que se es az
que também com vistas às demarcações literárias nacionais não precisam
Nao se trataria, nesse caso, de manena gu c entes movimentos
658 I' nsciente de seus rrequ
perguntar por mais tempo, desculpando-se, se lhes é permitido falar algo. Pois 111gua, mas que permanece sempre co .. ·at . do inciflit da língua
d 1 a1· - do 1111 c1 mente cita r
as literaturas sem morada fiXa não são mais exceções há muito tempo, mesmo que o o rosos. Em uma recontextu 1zaçao d' de auradecimento já
.. no seu Jscurso o
a história nacional da literatura continue ignorando-as. materna, Emine Sevgi Ozdamar acentuou E . minha líno-ua para o
_ ossos u 0u1rava o
Já no início deste capítulo, delineou-se que a vivaz corporificação desse mencionado: " Diz-se que a língua nao tem ·d as uácricos comovem
1 I I' atro on e os tem o
~ovimento translingual em autoras e autores que se podem acrescentar às a emão e, de repente, estava fe iz- a no re, ' . , 66-1
ltteraturas sem morada fixa é a língua (órgão da fala). Não é por acaso que também a pessoa e ao mesmo tempo prometem uma uto~ll~ d. espaço fixo e limitado
. -o esta wa a ao
a escrita da autora chicana Gloria Anzaldúa, em seu livro publicado em 1987, A promessa de felicidade dessa utopia na 0
al'd de a inexistente Ponte
d · · como na re, 1 a .
Borderl~nds/La Frontera, coloca a língua (feminina), no início de um capítulo que e um palco, mas revela-se multo maiS - d uma concreta arop1a na
traz o titulo How to tame a wild tongue (Como se domestica uma língua selvagem). Unter den Linden em Berlim - como a promessa Oe " 1. , da líno-ua 0
para o
I' ' 1 1 local. g ro ...
Nesta
. passagem
. . '. um dentista mascu1·mo, com uma crescente 1mpae~enC1a,
. · • · tenra lngua, que não pode ser liuada a nen 1Ui1
a1 ° . . ue com vtsras .
a
Emine Sevgl Ozdmar
deiXar 1movel a lmgua da protagonista fiem 1· · . emão, para a línaua estrangeira, Jmp111o , . da de Ocravio Paz, uma
" . mna. e v k o . . ·atmente cita I
. Agora precisamos colocar sua língua sob controle", diz o dentista, enquanto ro o Tawada para a formulação tn!Cl não pensada pe 0 poeta
, ") certamente )
nra todo
. .o metal da minha bo ca. pamcu· 1as d e prata estalam e caem na P1·a de OUtra tradução (ou "línuua de-além-mar , t l ta não a língua (materna ,
.
mextcano. o d. com uz engr as
cusp1r. Mmha boca é uma veia-mãe. [ ... ] Nela entretanto se quer tzer . · o de se mover em outr
. , ' b. n1 permtssa -
e Sim a língua [óruão da fala] que ram em te . alidad) de uma escntora
"Agora precisamos fazer alguma cais • , . . - ern I, , o , . 1to (nacron de ela
sua voz Minha l1'ngu . a com sua 1mgua , e ouço como aumenra a 1rnraçao lnguas estrangeiras. O único pertene~met , ·ndependentemente
· ' a connnua empur d c · na o 1
boricão e afasta as longas e l' °
lh ran para 10ra os rolinhos de algodão, pressiOl E
nnas agu as "N . l " d' e e
ou d
e um escritor seria então a a prop
d ' ria hngua -
erna ou de uma outra,
de que
penso: como podes domestica • • unca VI a go tão forre ou teimoso , IZ · 0 seg · d línuua mat
r uma 1mgua selvage
podes domá-la e arreá-la? Como d c
. .I l' da corn
' m, ensma- a para que nque para ',
ua os so ns e movimentos e uma 0 _ b,m desaparecer- da diferença ,
po es lazer com que ela se deite?GS? tenh . se nao tam e b'i'd des da lmgua
a se apropriado. Esse desvanecei - . , tá Jiuado às ha 1 I a da
Se o odontólogo anglófono na ob d ra entre "língua materna" e "línuua estrangeira es do uma literatura sem mo~a
a fracassada tentativa d ' d ra e sucesso de Gloria Anzaldúas, represen o
~ ao translingual Escrever-enrre-dtversas- tn
. r guasos ecriativos posst'blI ttamd hoje . asa
hispânica, através de u; ui~ omhínio sobre a língua (órgão da fala) m arerdna nxa A
· sua oscilação produtiva, seus
cruzarnent h ·b wen) a anng
F( Ort==Iocal) se ret ltl 6 '
a tngua omogêne . b v k Tawa a
encontra-se uma das I' (. _ a, asstm tam ém em 10 o novas ar ua t·1zaçoes- e escnras . en1 um local ( .
mguas orgaos d [; 1 ) · ue
respondem por uma es . a a a transculturais e translingua!S, q Promessa de felicidade da li teratura.
crua ancorada nu fi' d'fi nres
línguas e culturas Na s "d m corpo 1sico e oscilam entre 1 ere .
" , · ua ança de lín , . ritUI
em uma unica línguà'66o _ guas , CUJa protagonista se cons
" , surge, nao por . I, uuas
porque elas o incomodam d acaso, um dentista que ode1a lllo .
Zweischalige (A que tem d urame o ~ratamento"66t. E no texto de Tawada Dte

1mgua uas cascas) e at • - na
que deve possibilitar u L I t· e mesmo encenada uma operaçao.
. "
ata a Imgua na mesa de
ma I<ua lvre d fi .
_, e enmentos. Depois que o me
, dlco
.
I mgua um anestésico" d operaçao do ta h . da
d man o da sua mão aplica "no melO
' e mo o que a I' ' 'o
po de mais "enrolar-se de vol tngua da narradora se encolhe, mas na
Oberseezungen (Lín(F7tas d i ~a para o fundo da m inha garganta"662. Também as
o· eaem-ma~ d T: .
dIo orosas disfasias663 de u , e awada, necessitam por causa de multaS
, m cerro trat ' d
~~atamente como aquelas que amento, m as não podem ser acalma as,
Ozdamar personificam uma no~ textos de G loria Anzaldúas ou de Emine Sevgi
tradução · · . . escnta translinu 1 . de
lntermmave1s. Uma 1· oua , caractenzada por processos
Nos text d , . lteratura que fal .
os a uluma autora cit d _ a com e em mui tas lmguas.
a a sao su _ c.JC<ls
' postameme, as delimitaçoes n

198

/
Se is. Os cilações

Sete. Confrontações
ECntreMu
, . n d os transareais
. das ArabAméricas:
romca de uma anunciada luta de culturas

Saudaçóes ara
' b e-amencanas
. de um campo no Caribe

Querida
Es m·ae,
cre~o-re do local daCmm"' ve~o,
~''" ~os os custos mcluídos. Não p recisei gastar por isso nenhum cenravo E
f"h" o pdmeir . I fen"
, . de . "'"de
, Gu'"cimuno, em CuOO. Depois que

c_Jamil [AI B~
"1 de , p<emoo 00 c_oowoo, rrow«rnm-me imoli•<='"" P'" "'e simpidm

. ~ b. em eduad
0
0

'" eh<meme "' ~'· '""?'d' e de pdm<i~ d""' hi um• •bundind• de .ai e """'
sao A "'. be"? "u d,'""·
' nna 1estam . 1iod "' sio muiro gemis •qui. N"""' ,;,iohm
. u

W,h,b. o,; ~~' "e", r«<io. E"'''' ood"' o n«u s,~,., wnbém pri ndJUim<"~
\:"d" '<He em I~ " P'" '"' , ,d,, suo religiio e ""' n<gó<iD' ,am<O« o mclhoo. &p<oo
'
0

.S.: Renov reve, se qUiseres. Teu filho, Bisher.


C '· poo &.ar, o "guro d• minh• mo<o."'
sua ommãe essas bem caIcuIadas palav<as, Bishor ai-Rawi resume, cm uma carro à
-amer· soruaçao como prisioneiro de longo pn"o no Cunpo Dclr.
VS stamos t
• a sua . -
' aia e Guanrânamo, perto da cidade cubana de Guantânamo.
E tcano B · d
' ois ao aquo c uma ficção ou de um pesadelo rc ? Cenarnen« com
o d ratando .d al
111esm re mesmo tempo. E esse enrrcIaçarnenoo ·md",,ouve · al e ao
I ' I c' ·mroncoon
Peça de 0
r mpo encenado. Pois as pala<<>' foram drad" do segundo aro de uma
na Grã-Bcarro que a escriwa GHiian Slovo, n.,dda "'Africa do Sul c vivendo
Nicolas Kreranha, e a jomalisra brirlnica e dendsta Victoria BdttMn escreveram c
York. G enr e Sacha Wares colocaram em cena em 2004 em Londres"' e Nova
111 aneir uantan
se
melh
. amo Ievanra queixas, às va.es de modo suo, ·t ", vaes voemen<e a,
rop , contra desdno dos concentra os, contra o rraramenoo a
a Agitp 667 0 d '
7
t<rror" ança c . . d e um univers covcenn•tiounairt rropocal.· que na "guerra contra o
S b o lO ! 1115 t ala do no ·onrerior da base m1htar · · amerocana,
. no onente
·. dc Cu ba,
0Ue seconscie . nte d esprezo '"' pad•óes inrernacoonaos· · de d.lfeuo,
· pol um governo
qf1. lge t posicio
. . na onml c · e universalmente em taVOIc. · humanos. A açao
dos d"oreuos -
h··1vro: t.erk Sido ICtuada
~ma
· · da realidade, ou como se o bserva no ruu ' Io da cd"oçao
- do
tePresenr a en•fi·om 'poken eviJmce. A isso esta' Ioga · da a d" ·d"d
' • a cx1·gencoa
• · dc
Pflsio . açao fiel à verdade por conseguinte. contracenam ao lado dos conco
· Jac k

0:igin~i~
Sttaw netros de Guandnamo,· ent" ourros, rambem ' o M"mostro
· do Exreno•
Ministro da Defesa dos Estados Vnidos Donald Rumsfeld, em citações
sao v • . ·0Ficção e doeu - . as saudações parudas de um can1po no Canbe
a •das para os es menraçao.
d I•· res eles se referem a nos , e nos aungem.
.
1 pecra ores e eito ,

20 0
Sete. Confrontações Sete. Confrontações

As palavras do UK resident Bisher al-Rawi jogam ironicamente, até transatlântico de pessoas. Nos tempos em que os americanos ainda mantinham
sarcasticamente, com um tipo de visão difundido no Ocidente sobre o Caribe embargos econômicos contra Cuba, em que é dificultado aos cidadãos
como um paraíso de férias sob palmeiras, em que nada falta aos turistas ocidentais americanos visitar a ilha, paradoxalmente aviões de carga dos Estados Unidos
que passam suas férias na ilha. Na realidade, isso se pode observar a poucos voam preferencialmente à Baía de Guantânamo, a fim de descarregar na ilha
quilômetros de Camp Delta; mas a ruptura radical que separa o campo, no do Caribe a sua carga para os terroristas ou àqueles que são assim considerados.
interior da Base Militar, das instalações hoteleiras não menos insulares, nas quais Diferentemente dos voos fretados dos turistas, os aviões de transporte militar
foi destinada à mesma natureza um outro papel e função totalmente diferentes, dos Estados Unidos decolam naturalmente do Meganistão ou do Iraque e assim
pode nos fazer lembrar que Cuba é uma ilha das ilhas e com isso uma ilha-mundo conectam as migrações transatlânticas que levavam, sobretudo na terceira fase da
altamente complexa668 • Pois a maior das ilhas das Antilhas é um arquipélago e, mais globalização acelerada, no último terço do século XIX e início do XX, muitos
ainda, um mundo fractal de ilhas, que na sua diferença abrupta contrapõem-se de migrantes árabes, primeiramente ao Caribe e de lá, eventualmente, a outras partes
tal forma, como se pertencessem a mundos diversos. do continente americano. Mesmo que isso talvez tenha ficado oculto para Bisher
E, realmente: a Base Militar na Baía de Guantânamo remonta aos tempos da al-Rawi: as linhas, constantemente ameaçadas pela censura, que escreve à sua
tomada das tropas americanas na luta de libertação de Cuba contra a Espanha, que preocupada família, registram uma história de relações árabe-americanas e, mais
trouxe aos Estados Unidos da América, graças à sua superior tecnologia militar, ainda, uma escrita árabe-americana que, em mais de um sentido, sempre foi um
uma rápida vitória, o domínio sobre grandes partes do Caribe e a expansão no EscreverEn treMundos.
espaço latino-americano. Ao mesmo tempo, a Espanha, como poder colonial, foi A falta de clareza das linhas oscilantes entre pesadelo e ficção do prisioneiro
banida definitivamente do continente americano que, na guerra desencadeada muçulmano de Camp Delta consiste exatamente em trazer à memória essa
por José Martí, em 1895, pela primeira vez na História, instalara campos de complexa história de migrações voluntárias e forçadas e de transferências
concentração, campos de concentraciones, contra seus inimigos669 • O local para transatlânticas em forma concentrada e dramática. Pois ahistóriadaArabAmérica,
instalar Camp Delta foi realmente bem escolhido. esquecida por longo tempo, é cheia de facetas tanto quanto fascinante. Sobretudo
Campos de concentração, por isso, não são algo totalmente estranho na história a literatura mantém à nossa disposição o saber sobre a vida e o saber sobre a
de Cuba: antes do assentamento de Camp Delta pelos militares americanos, eles já sobrevivência adquiridos em seu decurso no processo de entrecruzamento de dois
haviam sido instalados contra os próprios habitantes da ilha. Nada, com exceção espaços culturais heterogêneos (áreas).
da mesma localização em Cuba, parece ligar o Campo-anti-terror com aqueles
resorts, aqueles locais de veraneio de onde o ocupante do campo escreve a seus
familiares. E ainda assim esses mundos insulares fechados em si, que se situam por
A caminho de uma biblioteca árabe-americana
sua vez no interior de uma Cuba decomposta em múltiplas estruturas insulares,
participam de um desenvolvimento em comum, para o qual Bisher ai-Rawi nos
Certamente não é um acaso que, justamente no momento atual - no contexto
chama a atenção em segundo plano: eles são parte de um processo de globalização,
da tese de O choque das civilizaçõef70 mediatizada com tamanho efeito desde a
que começou justamente nas Antilhas com o chamado "descobrimento" de
metade dos anos 1990 por Samuel P. Huntington e da \%r on Terror, propagada
Cristóvão Colombo, aliás, Cristóbal Colón, e transformou o Caribe em uma zona
pela administração de George W. Bush como resposta ao 11 de setembro de
de globalização de máxima concentração. Pois as quatro fases de globalização
200 1 - uma série de governos latino-americanos e árabes igualmente trouxeram
acelerada até aqui deixaram profundos vestígios justamente na história e geografia
à memória as várias ligações históricas e amais entre seus países .. Nos dias 10, e
cubana, já que os desenvolvimentos do flm do século XV e da primeira metade do
11 de maio de 2005, encontraram-se no Brasil, a convite do prestdente do pats,
século XVI, da segunda metade do século XVIII, do último terço do século XIX,
representantes de Estados sul-americanos e árabes que, na sua "De~lara~o ~e
assim como do último terço do século XX e do início do século XXI, nessa região
Brasília" formularam como objetivo comum, "fortalecer as relações bt-re~10nrus,
do mundo foram tão intensamente sentidos como em nenhuma outra parte da
ampliar a cooperação e estabelecer uma parceria em prol do desenvolvimento,
Terra. Testemunham isso principalmente a existência da Base Militar e a indústria
da justiça e da paz internacional"671 • O objetivo previsto, portanto, era o
do turismo, dominada primeiramente pelos Estados Unidos da América na virada
desenvolvimento de uma verdadeira "reformulação da política mundial no século
do século XX, como as instalações e organizações para, supostamente, terroristas
e turistas em viagem na virada do século XXI. XXI" no contexto do multilateralismo, criada como alternativa à se/f-folfilling
prophecy da "Luta das Culturas". 0 acordo dessa primeira cúpula, claramente
Tanto turistas como terroristas alcançam Cuba - e isso representa um dos
posicionado contra qualquer forma de unilateralidade entre os países da América
paralelos retirados da citação de entrada - por avião, o meio de transporte que,
Latina e os 22 países-membros da Liga Árabe dizia respeito tanto à fundação de um
ao lado da internet, na era da informática, domina justamente o movimento

202 203
Sete. Confrontações Sete. Confrontações

Estado Palestino ao lado de um Israel delimitado pelas fronteiras d e 1967 ' como
b, des ercebida. Se a cúpula,
. Próximo e no Onente · M e' d 1·o não pode passar p Arabes
"Cúpula dos - "675 - se fará
' nao
também à Guerra do Iraque ou às sanções d os EUA contra a Sm , .a. Mas ' ram_ em d
entretanto, for asse nta a s1mp · lesmem e como 1 ·
d sse encontro co envo, ranro no
a questão das ilhas Malvinas, a proliferação de armas atom1cas
• · ou a rep ressao a0a .JUs, certam en te, ao s1·gn m
·[' ca d 0 a longo prazo e
ai _sem cons1.derar o f:aro de que os
.
comércio de drogas foram temauzados - fin aI d essa cupu
na d eclaraçao , la'dpara •
ambito político como, so b reru do ' no culrur d EUA, elevarain m anifestamenre
qual não foram permitidos representantes dos E UA, sequer como o b se rva ores. _ países latino-americanos, so b 0 n., .aoraso olhar os
Atenção especial dispensaram os chefes de governo, além disso , à cooperaçao .~0 a sua m argem d e m ano b ras d e Polírica externa.ível não só bmacJOn
. · a1 e sim referente
, b
d
campo a cul tura, de fiorma que, Ja
Afinal primeira~nente fiOl· ro
·' no ·IniC
, IO, I -es0
· d 1'gm'fi1caram o "pape1positivo exerci c rm ulada' em ,um tanto n latino-ainencano· s como ara .d des,
672 sul-americanos de ascendência árabe na promoção das ~e açod
pelos cidadãos '
a duas árellS, abrangendo a rot 1
a1·d d
a e dos pa~ses ess· dade do incenovo · a.:' "ideno
T: ba , es
bi-regionais" . Essa formulação lança uma nova luz para uma velh a histón a: a da .nh
1 da a nec 1
uma d eclaração na qual é su bl a culrurais da convivenci ·676 ain
. • a . em _
imigração árabe, por muito tempo quase desconhecida pela opinião pública, ~ .; culturais" e ao múruo diálogo acerca dos. aspecros . ai de ourros meios . de comumcaçao,
convivência pacífica com os imigrantes árabes nos mais diferentes países d a Amen para
a imaginada cooperação no seror audioviSU . 1 ·ve do e seror umvefSltar
. . , io' aponta , ulrura ouosà
re e sianificauva JUSC~
Latina. Com isso, para além de uma concepção estática-bilateral, foi levad a em conta · d d ça-o me usi . · ente a c
di ass1m como no campo a e uca. ' das relações
uma mensao • · pe1o menos, nas relações ara
- transareal d'mam1ca, , b e-1atmo=
· ,.,,nericanas, c
esrorços d e destinar uma fun çao - Imporran urai"Gn no ., fururo fiorralecimenro
até onde foi chamada expressamente a atenção para significad o d e um grupo "di . h rança cult
a~nbas
0
populacional que, tanto histórica quanto culturalmente, une as áreas. S versidad e d a respew va e · ara , b americanas.
e-
. h d saber que,
os o
Ao lado do acordo de diálogo cultural mútuo e intercâmbio, assim co~l0 ul-Sulno Cainpo de e.xpecranvas
. d ia ser a
berros novos cam 111 . americanos de
b 0 s !armo-
· Iantaçao
ab 1mp - d e ms - para pesquisa e progra~nas d e cooperaçao
· talaçoes - de esu 0 Com isso, podenam , to av ' 0
olhar so re .• . 'n rerculrural e
· os - com penenc1a 1
' a declaração de propósitos d e a~nbos os 1a dos em
· ai, d estaca-se tarn bem
.1-reg10n .
ao mesm o tempo - como vim , sciência uma ex .d mais ainda no
ongem · árabe, t rariam novam ente, bl' a con porém, roi c ·
esq ueci a, enrenda o proJeto .
· com o aUXJ'I'Io d e experts, uma "Biblioteca Árabe-Sul-American a" e provi·denc1ar
cnar, . p u ICO, .d Que se e
t ranscult ural, que no Jscurso d b sobre a VI a. d'al ente como uma
a trad uçao- d e o b ras ti'd as como importantes em cada cultura673. C om isso, acen rua-se
por um lado, no nível político mais alto, a história em comum impulsionada arrav~
, '
ambito
d da literatura e seu espeCI
1 sa er
'fico Ar
. or ' m
, be" calvez pnm La . a e do mun °d
d d · e uma "Biblio teca Launo- · Am ericana- . aturasa da Arn e' rica' stmde Jeirura, entao -
os p rocessos e m1graçao - de países árabes e . como sen·a maJ5
. as 1Jter d cânone . ai
1 tentativa bi-regional d e m ontar em forma e d' são bi-reg10n e
adequado formular - de países latino-am . su -amencanos o uI - d e' salientada a , b . enranres d sa Jmen -
.
necessidade de desenvolver proJ.etos cu! encanas, . e por outroI da o, ra o furu ro' ara e, com seus principais repres. lemenran o es d d ' ca especial arençao
. . ,
como uma biblioteca arabe-latino-amer"Ican 11 _ • tura1 s em comum b vo ta os pa camin hos dos aqu1. se reconhece a chance d e a bnr' comp al ransculrurai ' que e. Iem rede. Em Iugar
·llltercultural uma dimensão rran sare e r bas as áreas en rre SIde obras" que seJaiTI ·
ffilbgranh~es p~a
.
sa er a muito tempo uma nova abertos
a. I\.'iSim, a rem -se os
política de ,incentivo e conscien tização d e caJTiinhos
do
·JUstamente aos ' m ovim entos que 1'Igam am d "aran es
' rica adição e ., I urais, entraria entao
. -
d
S ' mas ate agora raramen te refletidos.
em querer subestimar outros aspectos d "D I _ d B , . , por exemP '
lo e, ou complem entarmente a u ma esta d m dos espaços cud r ria entrelaçar as duas .
1
a plane ·ada coope - , . a ec araçao e ras11Ia - , " iot aparen tem en te significa~Hes p . 'd ad us culruraiS,
ara ca · que po ericana compreend1da,
raçao econom1ca l' · b, cno o., d
d · fi - . ' nnance1ra e social m as tain em
d econo m'·a
te 1 bd1 a e ' 'tlbe-ame 1( -o so
e e ln ormaçao, assim como a coo - ' , Ullla I concepção dinâmica e moi A uma biblioteca attempo tmnscultura e na
sustentável _ parecem d 1. peraçao em tod as as areas a _ s de cu turas mais fortem ente en rre s ·
. al) ao mesmo _ e se seguem.
Se e Inear J.U , J' açoe 0
c mo transareal (e não so, b H ' eg!On e as as reflex:oes qu
horizontes bi-regiona·s 1 stamente na area cultural novas amp 1 . Elas _ d d 'cad
poderiam impulsionar . ·[' .
ou - em um ·d
senti o mais abrangente - t ransare · bo,
a1s traduzida interculturalmente), sao e 1
independentemente daSigmucanvameE nte as re1açoes - entre as duas regw -- es d o g10
uropa e dos EUA ul
Sem dúvida a reun 1·- d , 'em um contexto Sui-S . d oS ·menro em
entre os países 'da A --e' .ao Le .cupula fi01. preJu . d Icad
' . ,
a por mumeros d esacor h ces 'es d e rnovi
.run nca atma · c e1• C hegad a e padro , abe-am ericano
d e Estado árabes· certam ' assun como pela ausência de inúmeros . . a
que ' ente os o b · · econo• m icos e político-co m e rc1a15_, um torniquete ar ance La caída de los
d . o governo brasile·Iro, so btetudo Jet!vos . lizara.w
e Jmediaro; e seguram ' VIsou com esse encontro não se rea de n..,.,erica na, o com b'ano Luis Fayad ,
' be-...... Iom '
. •
um comne coletivo d M
[' t·
ente se pode
o ercosul e d 0 C
c
conrrontar com ceticism o a fu n a
' d çáo
G lfo co
J11
t.
Pu
.
ll1 Uma biblio teca d o npo rra
J d s tJon•'
cardeats ' ~os
nsareal ara . ) do autor co
Perco
rimeira parte
do final da P , bl. leitor
. d pu 1c
a nna Idade de fi rmar onselho d e Cooperação d o 0 as ntos cardinales (A queaa o r imporranre. lve-se à vista, o XX 0à costa
d I - um tratado de I' , . outr assumiria sem dúvida um lugard 2000, desenvo . 'cio do seculo '
ec araçoes altissonantes 674 p d Ivre com ercio, e também muitas a
d 1 - [' · o e-se a1, d' d que desse romance surgido no ano e ára b es, no Jnl
ec araçao nnal, em suas p . _ ' em Isso , sustentar a ideia e do a chegad a d e um' grupo de 1111 · igranre5
·
Interesse dos países árab os1.çoes p 0 I'Itlcas, · ficou m ais claram ente ao 1ado e
es, POIS a crític ' I' . o rien t Caribenha da Colômbia:
a a po Itlca norte-american a no
204
I
Sete. Confronta -
Y: . çoes Sete. Confrontações
I a.mra vesria uma blusa branca li h d
onga, que não se diferenciav ec a a aré o a.lro com b para o. latino
rere . . -amencano · - e com isso uma sequência de desterritorializaçáo e
Ela se diferenciava p I ' a das saias das mull1e ordados, assim como uma saia
a sua bagagem 'de mão. e a sua
Da.hmboisa.de reciclo, tramada res que
comaflvJram · m~JS. rarde na localidade. ra rntonaiização .- mo d'fl I JCa atn'buiçoes
. - d e 1'd enudades. de maneira fundamental
europeu de um fino re 'd ar Ja com uma camis d Jos colondos, na qual guardava gterm·ças a Iuma p fi d .
, . ro un a recontextualização que recodiflca as posições linauísricas 0 e'
Marselha. Seus comp c.J o; ele havia adquirido' ab e seda branca e uma calça de corre 1110 ogtcas, políticas e culturais, e as coloca em movimento.
maJs · prec1.samenre b arnorasc, quenam · sair j'unros am d bas as peças d uranre uma parada em
um grupo. Em rom• ale em no nn 31; .quando chegarame ordo• pe1a pome de desembarque, e L'b0 s refugiados que recentemente hav1.am fiug•'do - como amda . veremos- de um
também os rurcos de gr~, 0 funciOnário aduane· em rerra, pediram-lhes que formassem d~ ano acometido por guerras civis sabem que também na Colômbia há ameaça
seus comparrioras,' e venam m . . dar uns passos paraIro anuncio
d u que os estrangeiros, cnrre eles uma oa uerIa · ·1, mas não encontram na sua chegad a nenh um indício de
· ctvt
0 1
1i urco ) 0 aJs JOvem
A . s. • pergunrou-se, virand '.que talvez rivesse IS· a o Dah ' mar rraduziu a ordem para os 0 perações. bélicas·· os con fl 'ttos, assim · !hes e' escIarec1'd o por um oJIC l' t'al , acontectam
·
lon
c ~~ dal t, no interior do país. Assim já eram anunciados na chegada rodos os
quJ somos rodos rurco o-se Jmediaramen r anos, senriu-se ofendido. 681
Arravés d. e cartas que ri nh s, responde u Dahmar. e para Dahmar. o 1·ga-1he quem somos.
nesre 0 ~ nos violentos, nos quais alguns dos imigrantes mais tarde seriam envolvidos.
E . pa1s' pois · possuíam am recebido amda · no L'b
J~so, apesar de meu pai ~;ss.jorres de auroridade;1no, sabiam que lhes dariam esse nome prodm pouco tempo, a jovem Hassana e outros se familiarizam com frutas e
ma rrarado, agora aind r J o para a prisã '
a me chamam também0 de
rurcas.
por causa dos tu rcos, disse ele que se senna . cot'd~tos, mas também com formas de expressão linguística e características culturais
6
da!~ Ian.as da costa caribenha colombiana.682 Na sua viagem à Barranquilla, próximo
O IocaI de chegad d . rurco. •78 •
d I, OS 1111ig ranres ara ' bes discutem sobre as arvores ' e os .mumeros
' passaros,
' que os
. a a VJage j· ,
em CUJO . decorrer , . m . Jteraria679 re
centrais de um t os n1ve1s de Significado . c presenta firequenrem enre umapllssageJI/, el:: penam de manhã com 0 seu cantoGSJ: é 0 descobrimento do Novo Mundo, para
I'Jteranamente
. deexro
fi entra m em cena. Cruzam-se entre SI. e padrões de significado um novo mundo com o qual tentan1 se familiarizar pedaço por pedaço.
a bord o do navio orma m .
. agJstral por L .om F o cenan , .o da chegad a desdobrado c Assim ' o tomance . relata, em seu desenvo1v1menro · cut'd adosamente d e1·meado,
de Imigrantes
. . do L'b, um Jog 0 d e semeJh Uis ayad ' começa primeiramente ' ainda orno os J·b I aneses vão se rornando "rurcos" e esses uc.J nusos" rurcos e seus nl'iJhos
1 converte · ' be d a C0 I'om b'ta, que,
disti
, nçao, - dentro do ano ai em re1ação com anças e difierenças que coloca o ' 17arupo · . m-se aos poucos nos habitan tes de ongem ara
arabe e 1auno-amer· · qu Dah mar assum a popul . açao - nativa. Nesse jogo da Pnmeu·amenre, asseauram a sua sobrevivência e d epols, · graças ao seu esfiorço,
vida própria, com rodos as preocup~çoes de. u~ p~s
0 aconconst rução de uma o - ,
em _ Ma !h
rse a, a vesrim Jean o, co m suas roup e a posJçã 0
med.1adora enrre o mun d ° stantemenre abalado por aros violentos. O país larino-amencano de Jmigraçao
nao se t rata d e um sign·l' entad desempenha u as europ eJas, . compradas no camin ho,
se to
jo rna para eles todos uma segunda pátria. Consequentemente, •z-se e antra, a
d' d Y: ·
usada
. . 11 essa passagem e . Inca o marcante de id . m papel ·
Importante. Nesse contexto, vem esp d d hegada no final do romance:
_JmJgranre, s, no decorrer ' dSJm tamb em , do fat enudad d .
e ou sunbólico da ves timenta osa e Dahmar que encontramos na cena a c '
o comerei0 com tecid o romance - bem o e que' para uma parre do arupo de Yanira f) · m 0 nascimento do seu primeiro
Dah os rep como ::> fll ho, ' deJcara f'meditando. Ela se lembrou de como se senoucoe Oa.hmar esrava enterrado perto
emA , . mar cabe então resentará um a na realidade social d a Colômbia de SL ter malmenre algo do lugar, e agora, uma vez quM h d espondeu que com o
vanos asp ' uma mparo e A • Ja casa - d d I ro lugar o ame r •
conhec· ecros, na med'd segunda vez conom•co substancial. passa d' ' ' nao po eria mais ser e nen 1um our ·
incluind •menros d e espanh I I a em que trad, um pap eI med 1ador, ' de erad uro r ' r 0 último ano, scnrira o mesmo.r.s•

assag · o tamb ,
em os "r . o , a s I' .
0 •c•tação uz par a os •migrantes ain da seJ11
. No triân I .• · 5 entre 0 nascimento do seu
P trad -
da
e~ros. A . . Utcos"
attvJdade in I' , everiarn
d para
que todos os "estrangeiros '
. ,, Pril11e1ro . gu fllh0 dos seus sen timentos e expenencJa
.d m seuundo amo r em .Jmmenre .
.Imigrantes uçaol'bdo \tíelho para oterN1nguai' JUstame . se manter separados d os ourros teaJ· I o, a m orte do primeiro man o e u o . do em sua
IZação . h mulher para quem, vtven
t ane ovo M n te n · ·o ' . c 'nao á m ais outro Juaar
ropna o para essa. Líbano esta, suspenso na coIA om b'ta,
uma outra ses veem-se t d undo e' I o mamem o da finaJJZaça P 0
no se . asa e tendo vindo de um o urro lugar. . rte e amor suspende
os colomb· terrn·•noIagia, ma ra uzt'd os pelas e ucid · na medida em que os
. attva ntJdo d I d .
A • de nasetmenro, mo
Ianos e b s ern u autondad , J11 na pr , . up o a palavra. A expeneneta ,bém entre as épocas,
opna espaços mas tan
I, mpério Or ' m ora tenh rna outra id . es colombianas não soe
c casa não só o contras te entre os ' d estimemo·
a 1.dentiflca omano - · AsSim . a fuarn sofi··d 11 o sob denudad e.. tornaram-se ru rcos para
0 0111 o o final do rom ance lírico-sensual mostra com seu es-v .
çao com ' ga dos Omíni d · do Ya • . a se despir. O abajur espalhava
nesse aspecto . os turcos turcos do \tí lh o os turcos no inten or
ormenorizad ' Po•s as canas d no No M
vo undo M e o M un o leva paradoxaJmen te
d sua11 Jra
I nrou uma ponra do lenço I e da coberra e começou I u-se com 0 ar. N"ao havJa . nada
P
confundir id a~ente sobre e outros ernigr . as o tradutor estava preparado que uz 'a nol[e . ro da. O silenciO se espaJhou Ic benrre aço
A •
enconrro. Fluía a sensaçao
eles se prec1.sasse dizer, para se nomear OL1 ce e rar o hegar a esse momenro e dc que
_ de que
. ent d d esse . antes )'b d
a atnbuição d 1 a es. Assim quiproquó • aneses já haviam relata o prov I . :Jouma para c
d' e uma 'd , a trad - , esse jo de ramb . ave mente nunca apressaram co1sa · "
Iretamente p . t entidade" uçao para u go político e cu! rural em nao - o a cançaram rardc demaJS. . 6SI
dos turcos qu reJudicial: A entr destrangeira", m ~undo novo é combinada coJ11 Sel11
1 . idades e direçóes da origem
d L ·
i . e con SI'd erada por alguns coJ11 o
ase da nOite . para a ad'no Pais , da que Poder · das as s111uos
111igr , . segutr, nesse ponto, to . d . , specros no romance e UIS
0 Ia e
rn turcosmigração
Gso transfiarma os opostror · es ~'<t'aYadaton a, que sejam ressaltad os aqui· maiSd ots a iuração leva de um país do
· A emigração 1
· do mundo árabe sob d p m la o a n o '
re a questão escolhi a. or u '
206 207
Sete. Confrontações Sete. Confrontações . 687

mundo árabe destruído pela guerra civil para um pais , d o h e~•s, I americano
. féria rornou , - , . .cr áo árabe no am Iro
• b' da costa car ibenha colombiaJ1a.
.
.
latino-amencano,
por varias alusoes a un•t,raç d' c_•tar nesse microcosmo d rte da
devastado pela guerra civil, não por acaso peIo C an'b e, qu e ha secu , . . os
d seescravos, , b es nao - po 1am ra.~ para o desenvo vimen · ro 'alessa Ipa ral
a Plataforma rotativa e o grand e entreposto, nao so para Os imicrrantes ara 1
0 comeicio I e
~
- , en ros. :;, . d cisivamente . . o soei e cu ru .
mas também para uma série de grandes movimenros m1graronos . , · e des ocam al ncou pois co ntribuíram, sim, ai crescimento economic ' mpatriora de
d ssm ar seu de um co
_ .IOJCiada
. . na segunda meta d e d o secu · 1o XIX e que . . alcanenre
, Colômbia e aju aram a a um ourro romance d . . rances árabes
~
A onda d e migraçoes, , 1 ção com c T e 1mw
0 d ,
seu auge na virada o secu o I XX . . , . d ,
, ongmana e pa1ses ara , bes - e pnnop• . I que L Mas u rge tambem a re · a· na-se de uma ramiia A t· ono Buendía é
da Síria, Palestina e do L1'bano - segue os anc1gos . camm . h os do Adannco,
. s do
. Faya d , CUJO
u1s . p ro racromsta
:;, , J onol
J 'os puntos cm·d·mnles - ure Ianmmciadtfss, a
L caraa ae t < • J a muerte
canalizavam o constante ...mtercam • b'10" ass1memco
. , . entre os con nnenre 'benha e no qual - como em a vez· Crómcn ae 1111 'd cia somente a
. . d 0 penas uma . - ão se evi en -
d
Velho Mundo e as 1rerentes
·c reg10es
·- d o "novo" connnente. . A costa can_ em Igualmente mencwna a . C essa mençao, n bém a relaçao
colombiana é apenas uma parte de um complexo entrançam ento d e relaçoes dirórias
Crônica de uma morte anuncrada· omde Garcia M,arqu.ez' masdtam Luis Fayad e a
torno do Caribe e do hemisfério, que coloca em incer-relaçáo as mais co ntra locais, relação intmtextual entre os romances d . 1·gração ára be-am.encano . eze em 1981 e um
b. . ce e 1m I nmetra
ublicada pe a P
v
. soc1opo
regiões am Jentrus, . 1Itlcas,
.. • . e cuItura1.s. Re lações rransd' das
econom1cas znteJtextual entre o roman . tino-americana, que -
assi m como transreg10nrus,
. . transnac10na1s,
. . e tam b,em transare ai·s , são me .Ja e
Crônica de uma Morte Ammcradn, PI, sico da literatura la várias razões, ser
, . ou um c as erece, por a1
nesse espaço vetaria! fractal, perpassado por descontinuidades d e rodo n~srra
0
texto que ha muno se to rn
· res
d nl mostrar - m al' h da ao t ransare ·
eve . 111 a
como as explanações segum , abe-amencan0
literalmente traduzido para outras lógicas. O romance d e Luis Fayad nos m .
•gualmenre aceita em uma biblioteca ar
isso com o auxílio de m uitos exemplos, de maneira imp ressionante. . sob
Os pontos card eais caem - como o título do romance já -, m anunci~
.
esses movimentos .
Inconstantes e ao mesmo tempo poderosos e se diSSOF,vede . da Iura de culturas?
na obra de Luis Fayad. O romance do autor nascido em 1945 em Santa e dia anuncia bre
Crônica d e uma as de vida e o sabe: sol Já
Bogotá, que desde os anos setenta, entre outros tomou como local de mora re
. , .a BarceIona, p ans,
. Estoco Imo e Berlim,' faz de um saber p n.m eiramenos A. , uez co...
Marq "' as form d Carl'be e, ·ndiscuuve
I .
d I son
prov1 al familiaridade de Gabne . I Garcia
. s árabes na costa . can o ílias de ong .. em árabe
. 1 re
I es oc 1za o e em segu1 a transIocal1.zado, 0 qual se baseia em um osc1·t a•. enrre.
. d 'd
a Vida . dos descendentes d e .Imigrante . ava-se com multas 'da r; 1 . al e parncu a o
profisswn d " em
. <eIac.ona
. dos tanto d o '•elho
oca.s ' como do No,o Mundo, o centro rotauv . o·ae eJX
Pois0 o
na Infância e na juvenru e, d relacwn, d
ais rar e, n a sua V I
. "árabes em Macon °•
. d vida
b hteratura que se pode caracterizar como uma escrita sem m orada flx ·
de uma
continuou. mantendo esses c ontaros morcanto, q ue haja d camin hos pessoaJS mbém a
tam em, os puntos car,d'mates
, desse escritor colombiano acal ma-se sempre d e novo De crorma alguma e, surpreendente, P
. . da Co1om
• bia e m os
Merce es
d Barcha, ra
I R res para
no intociot de um campo magnético em constante mudança. ;da v· 1
h'sronco sou co ral Rafae e}
lsta do desenvolvimento , Márquez se ca.d elo Gene pava-se por
Por outro
d lado, entretanto, em La caída de los puntos cardinales é conscru cc do . Garcia az• op M, uez ocu d
uma re e .mtertextuaI complexa que Ilatural . r ressa aqui so men escntor, uma vez que . que fora rr Garcia arq d cendences e
. , mente flI lila de um engenheiro· egtp ' CIO, . ros no pal's.689 ' ' d S es
com VIstas aos textos de um outro I b' nos 10 e d mos a!In . har . . almente o d Líbano, que
. a al' . dos proJe rerísricas pnnc1p . e o ..
simultaneamente ao Caribe. A person autor. ,co om . •ano, d que
d po e ce d e Fayad, re •zação de d etenmna , . paleso na C Jba Ham,
agem Ja menciona a o roman as is
. so, constantemente, com as carac .
Médio, da Sma,
, ·ca Cenrr ' . al como L '
Honduras e
Mohamed, lutata dUtante muitos anos como soldado nas fileiras das trOP à
ro~- C~sra
rebeldes, que no final sucumbiram ' d desfilam
•trt· p , ·mo e AJnefl Rica e
es do Caribe e bém para a
~bém reg•~
t lgrantes do Oriente aadalena e na costa
frente dos seus lh ( d as tropas o governo. Mais uma vez dessa
od d mas ram I nao do Rio Md oGarcía Márquez.
guerra CIV °
..I1, que roi
c osape os nossos),. em rápida sequência ' os acontecimentOS · ·s·
iam para oucras
Repu·blica Dominicana ou Tn nl aColôm ' bo ao o o
ta, d s romance
s e c
arre sianincauva
·
enas a maJs recente de uma longa série de guerras cJVI . se e b 'al ore na ários 0 uma p
Na luta, ele salvou um camarada d . da morre. Sta eleceram espeo me . 'pais cen b formam , Márquez.0

precisou abandonar um lu a mfuo ne e por sua vez, foi salvo por um o u no ' esenre Car'b I en ha - e com isso, nos pnnct . . rances ára es
d Gabne . 1 Garcia . nre Me' d'10, nos
gar seguro g·1nd d fo va pr
no momento em que a1 .
. .
. ' . o, escon eu-se e voltou ao ont, esta _
. ' m.as nao ern~S·
fez, C:o nseq uentememe, gtupos de 1m•g das nattat Ptóximo e ' mica esoc.·ai mente
ivas e do One d
da tomada deguemld .qu1s anrar n o C orone I Aure •ano d 1a,
. a n as ,c~s
D
partiCipou .1 . 1 Buen 0
. da derrota não se p· 1
a e1as, c v g ou p ns•one•ros
·. . "'nto da população de hoje como s do Otiente do país econ,o ecia opottumda es
epo1s e se tornou sennne
• os em ruga m . 1h' 6Hu A. Situação
. que os d escen dentede uma partede vida, 111as orer que chegaram em
• as conseguiu chegar à casa de lbra un.
b só para leitores colomb·
Não , I va à al1os de 1880 encontraram era as con d'IÇO-es de im•gra . 11 res,"'ércio, ral co mo se
o ra-prima do Prêmio Nob I•anos d L: a denommaçao · - d e Aurehano. B uen d1a, .e uez, ...ter tograda
· que' lhes impun ha dur
. dos gru pos rn dúvloda 0 cou• , Jiercos,
a CaLfe de tos
hCien
. , .
anos de soledad (C e e Jteratura colombiano Gabriel García Ma tq a
em anos de so/'d.- ) bl' arr
~ \(e. ascensão. ' O pilar econo• mtcO, lo )O{, er a se da Marqu : da, Garcia Márquez
, ez n ,
lstona da Família Bue d ' 1
ao ' pu •cada em 1967, que 11 I , varias I , de do secu do de Gar anuncrtt
n Ia, mas tamb , c . d pa c evas ate a meta Macon muerte
ol1c I J una
em rot perpassada, em segun 00
° na '
lla ,, entrava, por exemp o , Crónica ae
Rua dos Turcos" . Em

.L 208

i
2 o9
Sete. Confrontações Sete. confrontações

transferiu a chegada dos pri meiros imigrantes, é verdade - talvez sobretudo por . - . irariamente, com os já mencionados- e
Anunciada pareceu ficar em IIgaçao, pn,o~
motivos narrativos do romance - para os primeiros anos do século XX, mas a
cerramenre importantes- campos temancos. te J'á se tornou há muito
configuração da incorporação socioeconômica e cultu ral dos grupos da população Entretanto, o incipit que nesse meio tempo cerramen
_ , d . e aturas latino-americanas,
de origem árabe é intimamente direcionada para as realidades históricas da . . . . nao 50 as 1It r
uma das mais famosas f rases 1111Ciais, b ·cano· "No dia em que
Colômbia. A propósito, esgotou-se ali a corrente de imigrantes vinda dos países , , I d .o . ficado ára e-amen . .
contem vários indícios no mve o Sl~ni d anhá para esperar o naviO
árabes, logo após a metade do último século, ao passo que continuou aumentando e às 5h30m a mme do proraoomsta, . .
em direção aos Estados Unidos e Canadá. o matariam , Sanriago Nasar Ievanrou-s CUJO
"694 p . .meiramente, o no ~ f:
em que cheoava o bispo . o1s, pn d e acáo do romance, az
As circunstâncias que acompanham 0 surgimento de Crónica de uma morte ~ d uwra o tempo ,
assassinato está no cenrro de ro a a estr d. d em que os dois componentes
anunciada foram muitas vezes apresentadas. Com esse ro mance curto de cinco
referência a uma isotopia árabe-americana, na m.e ~ a .dental e árabe. A grafia do
partes, Gabriel García Márquez quebrou, em I 98 I, 0 seu silêncio de anos como d0 nome são de proveniência espan I10 la_ ou cnsta-ocl , be se ror nou
fa d que 0 nome ara
escritor, de maneira efetiva, pois com ele quis lançar um sinal contra a du ração
so brenome naturalmenre chama a arençao ao ,ro de fala espanI10 Ia.
da ditadura, apoiad~ pelos EUA, desde um outro I 1 de setembro sangrenro, o do
.
h·Ispanlco
• . e igualado à grafia coswmeira · dos pa1osesda do e anh1a
ano de 1_9_73, no Chile, em que Augusto Pinochet subiu ao poder por meio de u~1
bispo, que, na comp .
Ao mesmo te mpo, a espera pe1a desejada che~a'dade a parnr . d0 vapor fluvial, _ ,
golpe militar. A bem preparada estratég1·a de k . . . I e atraves
. . mar enng mternac10 na , qu .. dos seus "espanhóis", abençoara, o porro e a Cde l seus hab'ltantes, faz alusao c ')' a
do trabalho conJUnto de quatro editoras diferentes possibilitou uma tiragem imclal,
em todo o mundo, de um total de até um 1111·1h· . d I mpurrou
mas nao - pisará lá contranan
'
°
. d as esperanças · a descen denre de uma. rami Ja
, I' do protagonist ' .al de mJOrantes
uma certa "lan.no-americanidade" b · ao e me10 e exemp ares, e e acentuada devoção relioiosa caro ICa . , alra quota especl , . ~ . -
.
cu1dou para que sua recepção 1so o s1gno do realismo mágico para o centro, · dos áta be cnstã. . ~ de, a pro pósJto, a mesmo rempo aJude a Imposlçao
Isso correspon - está
. ' por ongo d tempo, se concentrasse em determll1a da
aspectos: a modalidade de açáo cnstaos do O riente Próximo e Me'd'10 ' mas
· - ao
_ I cal quota que cert
amente nao
'J ·
fam1 1a, o casamento de sangue d
69o centra a no assassinato movido pela desonra ' p d pulacao o ., ' l'ca
, . .. . . ou ara uma adap tação po r parte a po _' d fé à crença cato I . na sua
co Iom b1.ana, semannzada . no N e uma traged1a fam d ~ar latmo-amencana , do de .
Sinteressada em uma ostensiva P
. roflssao e
. alouma esses
d componentes
. d eiro que

genero, de eIememos do romanc ovo 11 . estarnento,G91
'ai o significado especifico ro L . de maneira ~ fu ·onáno a uan '
1 c li Is Fayad não se esquecera .s fez o seu nCI . bugenro: "O
da estrutura narrativa . desse texto e po d ICI J. e de deterivé ' ou o complexo apara
92 reli d 1 uada pol gunrar, ra
z connguração da cena e c 1 e~, . '.
691 por
c-
res árabes, per , ·srão mesmo
outro lado, ficaram con 'd I e eJtura extremamente emocionante. ' · d co h d 1m1gran d' r que e cn ' _
Si erave mente d ·fi a o n ece as respostas esperadas os Sr vai me IZe . . da populaçao
dessa Crónica que estão I .
re aciOnados co
em segun o plano os níveis de sig111 IC
d' _ , . ser
Sr . J, · bem, o ·
· Pertence a qual religião? a sei , 695 A descom1ança
c: rellgwsa
" rca", obriga-os a
trabalhada na sequência. m a lmensao arabe-amen cana, a que ·Isso não corresponda a, verdade ' · d rioem ar, ' abe ou ru
A modalidade de açáo central .a tece ' cheoados e o ~ d -
Ptora em relação aos recem- 0 dal'dades e açao
narrativa in medias res e d ' !que García Márquez empreende com a técnl~ Uma pranca , · ostensiva d a re 1
esenvo ve pa · cHl c,
católica · alh dos nas 1·soladasc moTa mas de grupos
engenhosa de prolepses e ai . rte a pane por meio de uma sequen P se esp a ' da rarni 1 ' d'
ermanenrememe, encontram- . ·araça'o não 50 . 'ra vista, na 1egese
de VIagem. e estranhamentan .epses, B g1ra em torno do fato de que o recem-c , hegado
' I
e em I . , ·a da Jmlv à pnmeJ os
V. . e nco ayardo S R , A ~ aela
Jcano sua noiva, obriga- an oman quer fazer da jovem ru•v de entos que encaixam a 11alStofl osramen re apenas 'ado publicamente v· que
, . a ao casamento c de o

mtgrantes árabes em 17 oer, ' sup .11ato anuncl . n1a· Angela Jcarl'o
nupCias para a qual tod 1 . ' comemora com ela uma ruidosa 1esra es ' ssassl ' sua 1r fl'
. d a a ocal1dade é .d . d a 1. trucurada do romance. Porém, o ~ Nasar, porque re linhas de con ItO
nOite o casamento, à sua f: 1'I' . , convi ada, mas devolve a noiva, ail1 a 11
d f l · am la, Ja que el - · 1ha tmãos v·Icario cometem conrra Sannagod' da rasga novamen da das persa nagens
, e amJ Ja, rapidamente conhecid a nao sena mais virgem. Essa vergo~ " o res . . dade per I ' d' a representa "
e lavada com o sangue do h a em toda a localidade, na manhã da "devoluçao ' Ponsabiliza pela sua v1rgJ11 ·da cori lall' "deterivesca · d
etn 1 ' eis na VI ' isa e ·d des e
culpado p I o - Ornem que An I v· o ostO d ocu tura.is. Estas eram percepnv I )eicura prec fliro e idenn a , .
' e os Irrnaos tão ap . ge a 1cano nomeia como o sup o ro enas pe a 1 s de con assassln10·
O fat0 d osto1Jcarnente eh d N sai· mance, frequentemente, ap onas ocu ta ponrâneas ao fi a1
e, nesse romance ama os Pedro e Paulo: Santiago a _ Um . • . a essas z açóes es d ois do In
se poder oc 1 ' graças ao entrei · nao P a Importante referencia c recem as re c ·ar ainda ep N r
u tar uma tendênc· , açamenro de suas açóes centraiS, , 0
rup o, mesmo não sendo invislve . ' is' ore dnuad0 a reste)b 'm' com Sann,·ago . asa ,
cabendo ao elemento árabe-amia a. representação novelística de um "fato inauditO ' JJ.
•\Ssill1 P . h viam con s tarll e d N sar nveram
mundo ár b
, a e com o americano
encano - p
onanto, graças às relações complexas
do da c , edro e Paulo Vicano a narrador, ma sassinato e a ~ rápido
e e essencial - uma funç· 1·111 xro rest d - ' com o · do as »696 mais
. , mente determinante ao Ponante, que cruza todo o te d sell1 a e casamento, nao so e· mas depoiS do de árabes , 0 de moradia,
ffiUJto, a rnarg
refer· .
d
em e e preferência
' permanece ,
u ate essa pesquisa, um faro, qua11
o qu ~eclamações e fraternalmen~,' Llpo inflama_ da sua localidad~ 1tiam-se
e rt1 · m ar isao d ·níciO sei
cons~;clas cruzadas sobre a orige~as~almente mencionado. No máximo, poucas Po , gir, perseguidos por u . oAinda na pr ai eles e I urinava
eradas suficientes, mas a e algumas personagens do romance fo ral11 c0 sstve) para a proreção da IgreJa· razer, na qu' irmão Pedro, que
estrutura d 0 . 1 rte '' nsrrUI'd a quase que com g rande. ario P receia · que o
enigma dessa Crónica de urna M 0 Protegidos d os ara , b es"697, Pablo VIc
210

I 211
Sete. Confrontações Sete. Confrontações

com muita frequência, pudesse ter sido envenenado pelas intrigantes "manobras . Nos acontecimentos ao redor do
698 foi banido, pelo menos por parte dos ttucos. " cos" são considerados, na
dos rurcos" • Em consequência disso, o Coronel Aponte, prefeito do local, abriga h . , " , bes" ou os tur
omicidio de Santiago Nasar, os ara . . d pelo poder estatal, mas
provisoriamente os irmãos, por medo de atentados, em sua pró pria casa, an tes que .1 erigoso e vigia o
verdade, como grupo potenc•a mente P 'vência pacífica.
eles sejam transferidos pelo juiz de investigação à prisão da vizinha Riohacha. 699 O .ao para a convi d
não pane deles abertamente nen Imm peno penas uma parcela a
medo disseminado de reações violentas por parte dos "turcos" indica claramente N aturalmente os imiaranres ara , bes representam a , , b .
iada contém, e o VIO,
as linhas de ruptura e as fraturas mulriculrurais existentes. ' o • . d uma morte ammc d
população heteroaênea: A Cromca e I , . catalães, piratas o mar,
O narrador onisciente, a par da vida local, sabe mu ito bem , assim como o 1.? - b e espan l OIS,
e diretamente, també m observaçoes so r . . ai nre sobre antigos escravos,
prefeito da localidade, que o terror que os irmãos gêm eos sentem de atentados
outros grupos de im ia0 rantes europeus e pnnCip me'm-casados, Sannago · N asar'
corr~s~onde aos se~~iment~s da rua, ou seja, da população em geral, que por isso Á c·
que haviam sido trazidos da runca. a 0 casa
d
os rece b ·
ador e taro em aos 1 ·rmãos
receia ~n:~ represália dos arabes"7oo. No local, pensa-se menos em veneno do que . d mostra ao nan ' d I' d' para
aJn a algumas horas antes da sua morte, _ a de Carragena as n Ias,
na possJbthdade de que carcereiro e presos, à noite sejam m o lhados de aasolina V·•cano,. uma luz b ruxuleante num 1uoaar nao lonoe adas dos escravos do Senegal,
pelos árabes e incend iados 7oJ Que 1'ndi'c1·0 s h . ' . , O . · m 0 se aqui
· av1a para Isso~ e 1m eia - ·•nd'Icar o local em que se encontram as almas f , pen . negre•·ro arrastou
os contornos de uma "luta de culturas"~ 0 d calmo e . de um naviO
tranqu1·11·za o seu Ieltorado:
. · narra or tenra mostrar-se n Mar do Caribe aos quais,
0 . outrora, o nauI ragiO afi ma airarona , . de m iaraçóes, por
0
Para a m one.704 O, Mar do Can'b e, co mo P at ord sua o riqueza- o nipresenre.
. .
Os árabes constituíam uma comun 1'd d d . 1 ram . ,
seculos, é - com rodos os seus horrores, e coml toáoa na costa do Caribe e parte o
no início do século n d d a e e tmigranres pacíficos, que se estabe ece .
• os povoa os 0 C 'b b e aqut A al da popu aç . ho Mas ao mesm
permaneceram vendendo ano . an e, ~esmo nos mais remotos e po res, . heterogeneidade ernocultur d niverso canben ·. I mbiano,
e católicos. Casavam-se e:t ~ ~olondos e bugtgangas de feira. Eram unidos, labo.nos05 co I. b' mas o u d0 scnror co o
mponen te não só da Co om Ja, eniamático e . geração,
cultivavam orégano e berin'reI st, tmporravam
, . .
0 seu tngo, cn.avam cord etros
. nos qutnrats.
Os tem , d e romance o . d na terceira
. Je
mats velhos continuaram f~'a d a, e sua
. untca pa· 1 ·
txao tur u enra eram os JOgos d e c arra.
- b ' n po e claramente marca o, ness hecíveis, aw a "de fora".
• aJ n o o arabe rur 1 rvarat qu , b são recon bidos com 0
Intacto em família até à segu d _ a que t rouxeram de sua terra, e o consc . e as famílias imigrantes ara es . mbém são perce d epresenração
N .
asar, ouvtam os pais em ar' b
n a geraçao mas
'
d . - d Sanuag0
os a tercetra, com a cxceçao e b' I com 0 taiS, ra gadas a r
a e e respond· e 1ve n o grupos indepe ndentes e, com . . samente as pe afil' - de Santiago
que fossem alterar de repente .. tam em castelhano. Assim não era con d ~-or · . · mmucJO · A 1 Iaça0
.
pod tamos ser todos.1o2 seu esp 1m 0 pastoral para vmgar
. . cu lpa o5
uma morre cuJOS J· ISso, vale a pena seguir maiS , b no romance. 'd las pesquisas -
lterária desse colombiano de origem ~ra e, Ja.Illente atribui o pe
A história da imigração árabe .• s Nas ar a esse grupo - conforme Ja· ' foi amp lhor das h'1P0' reses?
l1.nh as, projeta a imagem d na regiao real · al na me
. cariben ha, aqUI. esquemanza . d a em alguma mente é de importância margm '
, .
onomasucas, culturais ec e uma • . mmoria' arraves · d e estreitas
. . - 1·mgUJ'srica5•
hgaçoes
. ' onomicas e m . . . 1 ·al e
Integração socioeconôm' I atnmoniais, cuja organização cu tul , b .aJnericano:
Ica, aos o hos do d , 1 que
eIes, como grupo, pudesse . narra o r, não deixa parecer poss1ve exro ara e
. no cont das cuIcuras~·
m cometer vmg I uefll Linhas d e con fl IW
- como o narrador aqui ale _ d ança pe a m orre de um dos seus, por q . ' e Jura . d
no m fi al d as contas, rodos ga e
d cerra man eira, nao so os Irmãos VIcano, sun,
. - , . . . e Luta d os sexos sem dúvida, a
, . os mora ores do I cal . , imo caso,
, 0 I )C(
co-responsaveis. Mesmo o . o senam responsáveis o u no m tn D . -
·graçao, como e
. meta e do sécuCo 'b '
d
I d s recetos desco fl d efll
uras, e que, na sua cidadez·10 h . n Ia os do Coronel Aponte, experiente ,..., entro
I d
e urna um soc1e
. dade de JJ11l . . , r-v primeira
, lo .lUft e se bem q
ue no an e
cult ai" d a esttvesse p " uerra '--o Ô""b' .. , Ia da segunda meta e d do secu somente um. ai
Princip· me nte a sua
ur ' se issipam defln· . restes a eclodir uma sangrenta g os · . mente d caca. mento
I0 cal'd1 d Itlvamente d d ua
a e e pode constatar qu I quan o visita cada família ár abe a s t .. l •tn.Igrantes árabes fo rmam certa res que se es delo de comportda'd m
d' 1rno
inconfun JVe lado da outra,~ m )curais
nenhum pi d e e es estão é ve d d ·naJll "at" d igran , e 1 ae
. ano e vingança_7D3 E . ' r a e, enlutados, mas não maqui e Pol, •.varnente claro, grupo e rn
ltJc d ta um rna ao , nico-cu
PI resenciara passivamente o hom· 'md'<Us: aqueles que, em meio à população qu l?z L . a e casamento represen ai I s postas u dos grupos et
ogo após o ar0 ICJ Io, foram , . sinos Zt tzc I d d par e a s ou
. sangrento m · os un1cos a perseguir os assas que . u tural, como sacie a es do" das cult~ra, be-anlericana. . mente na
vista· e a cent · . ' a•s tarde negam al . em
. ' , enana Suseme Abdal . guma vez na vida terem 1sso e c tsso reforça um "um lado a la genealogia arad sse arupo prat_Idca das Ele
aJudara Pedro V' . a envia aos i - . . al qoe ons l'd 111 uma · r e o ns• era ·
Icano em seu mal A rmaos um chá especial mediciO ' , Sano· I a o pró prio fururo e é no inteno. a serem co moças
empenhada em ·. · comu ·d d , esra , ar m d Jogo . faz' a com as
emitir sinais de r .. nJ a e arabe ou árabe-americana tot I· tiago Nasar tambem se 's regras o o seu pal ' . om outras
como se nada h . econci1Iação I . 'fica• a •d d · ente a · com xuaJS c
C . ouvesse Imporrunad e vo tar para uma convivênCia paci Pr a e, se não exclusivam dade- assim aventuras se 'to )·ovem,
om Isso, porém . o a paz. Ocur lh é ver , por · da mui
de um c/mh ,/' ' no microcosmo 'b soe·~• a sempre com os o os, . ··a G usrnan -, quando aJO rnente uma
'qO
•<li"" . como VIcroll d arnor, , · casamenro, so
oJ civiliZtZtions, tem'd 10 c~n enho de García Márquez, o peflv t>.
·•tl.J.Jh "•ente 111feriores,
. . . . do na ar re o ropno
pe os domiciliados de origem não-árabe, Pe) eres, depois q ue foi Inicia ara o seu p
a tentadora dona do bordel. Mas, p
212 213
Sete. Confrontações Sete. Confrontações

mulher de origem árabe viria ao caso. Por isso, respeita sem questionar o acordo outra se apresenta como esposa oficial (embora também não amada). Quando
que seus próprios pais fizeram há muitos anos com os de sua futura - e por ele de Santiago Nasar, na manhã de sua morte, como de costume, procura a bela filha
maneira alguma tomada como amante- esposa Flora Miguel. 70 5 de Victoria, esta, que há muito está sabendo que os irmãos de Angela Vicario o
Os incontestáveis traços patriarcais predominantes no interior da comunidade esperam com seus punhais, ameaça o "branco" 712 com a faca de cozinha afiada.
árabe-americana são ilimitados. Eles regulam também o comportamento dos Com ele, pouco depois, ela abate um coelho, cujas vísceras atira aos cães. Poucas
homens entre si, principalmente. Aventuras extra-conjugais de membros masculinos horas depois, Santiago irá sucumbir nessa mesma cozinha, com a barriga aberta e
da comunidade são obviamente toleradas. Nahir Miguel que, como pai da noiva, as vísceras jorrando aos borbotões. Esse mise en abyme de toda a ação do romance
governa incontestavelmente em sua casa, é o primeiro a compreender o perigo que deixa claro: há uma ligação direta com a morte violenta de Santiago Nasar e a
ameaça o seu futuro genro e se oferece, em árabe, a ocultá-lo em sua casa ou a presença do seu pai árabe falecido, tanto na sua aparência externa como nos
equipá-lo com uma arma para que não se entregue sem proteção aos irmãos Vicario. relacionamentos com o sexo oposto, que praticava. As relações sexuais formam
Bem diferente de sua filha, o pai de aruação imperiosa que, em sua casa, mas nunca com isso, nessa tragédia, cujo desenrolar é provocado pelas relações hierárquicas
na rua, anda envolto em sua "vestimenta de beduíno"706, não coloca em questão, entre homem e mulher, aquele nível de mediação, no qual eclodem as linhas de
em nenhum momento, o casamento combinado do casal de noivos, descendentes conflito e ameaçam uma convivência pacífica?
de árabes. A dominação patriarcal representa uma parcela consideravelmente Primeiramente, vale sustentar que não nos movimentamos no nível das relações
estável, livre de perigo e contrária a influências externas, que determina as regras com o sexo oposto, em um lado-a-lado multicultural. Em seguida, a designação
do casamento, às quais as mulheres precisam se submeter - também quando Flora de Santiago Nasar como blanco chama a nossa atenção para o que nos interessa,
Miguel, depois do assassinato de Santiago Nasar, se atira ao peito de um "tenientede aqui, por trás de uma conduta matrimonial característica para a comunidade
ftonteras", que mais tarde a consegue como prostituta para si.7o7 árabe-americana, com modelos de comportamento atribuídos especificamente a
O pai de Santiago, lbrahim Nasar, também personifica, no seio da sua cada sexo e aos modos de vida que Santiago Nasar divide, em forma de machismo,
família, o patriarca. Ele chegara à localidade - como o narrador pode relatar - com a maioria da população masculina do seu país de nascimento, a Colômbia.
com os últimos árabes, no final das guerras civis 708 e reformara o armazém na Na denominação "branco" oscila a inconfundível diferença social, portanto, parte
praça principal, que se tornara inútil porque os grandes navios não podiam mais integrante de uma camada de senhores brancos e casta dirigente.
chegar ao interior do país pelo porto fluvial ali localizado, que estava se enchendo Pode ser que o contexto cultural de Santiago Nasar seja mais complexo que o
de areia. Ele conseguiu, porém, aproveitar para si as profundas modificações dos outros moradores da localidade, tão envolvido que está, sim, naquele mundo
econômicas aludidas, construindo uma fazenda de gado e ascendendo à camada patriarcal de valores que ele muito obviamente compartilha com Bayardo San
de liderança do local. Em poucos anos, surge a integração social com sucesso: Román, com os irmãos Vicario ou com 0 narrador. A índole árabe-americana,
os Nasar são, tanto no meio da comunidade árabe-americana como dentro de passada pelo genitor patriarcal, cruza igualmente com os modelos de
toda a estrutura da aldeia, respeitados e dispõem de poder e influência. Mesmo comportamento machista, que são divididos pela totalidade da população dessa
Santiago é considerado- ao lado de Bayardo San Román, que recém-chegara de pequena cidade, na costa colombiana do Caribe. Essa população cobre, na
viagem, por motivos desconhecidos, poucos meses antes do seu casamento com sua esmagadora maioria, o anunciado pela enésima vez e inúmeras vezes não
Angela Vicario - sem dúvida, o melhor partido da praça. Não estamos aqui, por impedido assassinato de Santiago Nasar, que acontece- igualmente na forma de
conseguinte, diante da história de uma perfeita integração? uma inversão ou paródia do enigma do locked room 713 - diante de todos os olhos
Com seu filho, com o qual uma estreita ligação o une, Ibrahim Nasar conversa e a, Iuz do d'ta, uma execuçao . . ai.714
, bem na praça prmc1p . .
em árabe; se a mãe de Santiago está presente, passa-se para 0 espanhol, a fim de No plano das relações com o sexo oposto, Santiago Nasar parttctpa, no
709
não excluí-la. Santiago ama ambos os pais, mas é claramente "marcado" por cruzamento de diversas culturas (dos sexos) igualmente transcultural, das relações
seu fenótipo árabe: porque o homem magro, pálido, com apenas 21 anos tem em que Bayardo San Román, Santiago Nasar e os irmãos gêmeos Vicario se
"as pálpebras árabes e os cabelos crespos do pai" 710 . Inúmeros "orientalismos", transformam em protagonistas de uma tragédia, na qual eles são os autores e
relativos aos parentes da linha masculina, que se referem frequentemente ao pai, vítimas ao mesmo tempo. Santiago Nasar, filho de um migrante árabe e de uma
estão espalhados pelo texto como marcações de identidade; seu pai lhe ensinou mãe de fala espanhola, não representa nenhuma alteridade que se possa separar, e
não só o manejo das armas de tiro, mas também a caça com falcões, o amor pelos sim, um "outro" no próprio, que não pode ser ordenado nem no próprio nem no
cavalos, assim como coragem e cautela711. outro e nem em um espaço intermediário. Mesmo que não estivesse ciente disso
Em vista do caráter modelar do pai, não é de se admirar que Vitoria Guzmán até o momento de sua morte, ele corporifica um entremundos que não pode ser
quisesse poupar sua filha Divina Flor desse destino a que outrora Ibrahim Nasar a espacialmente localizado, que é constituído por movimentos detectáveis, mas não
submetera: usada como objeto sexual, mas depois degradada a serviçal, enquanto fixáveis entre diferentes polos.
214 215
Sete. Confrontações Sete. Confrontações .

. f; r de Anaela, que podena


N este sentido, o conceito de "ser e~tranl~~tro,
. ,. d ~~~riaKhoury . a.dseo na
ser corngt afirmação
ocupar com .
d
çao- patn·areal do sexo falana
.d o a~o da próp~ia famíliaE'ou
a sew de
!h mos para d.tpo,
da uel< mmadoc, qu< kvou o <Scmoc ' a~" '" . <mou no mom<n~o
da evidente omlna _ , ai aconteCI a n .
ser vítima de uma saus . façao sexu ·, do seu pai. PonCIO '.se o ara proximtda . de a,
q d Santiago Nasar: "O ser estrangetro ele expenm d .a existência uma violação, uma vez. q ue a ceaue1ra
;:. na literatura e no mtto, cerr
a morte e m t c · feras e CUJ
da morte, e amanha solidão que o transrenud para d"6es ' a, de mun dos árabes I11. ricamente,
sugere pelo menos sro _ Mal ela acusou
acharia não ser possíve1"71s. No jogo de identida e e I I erenç ,lexas limitações e
e latino-americanos, Santiago Nasar responde pe as co~p a confiança são
. !3
violação do tabu do me<stob • ' vítima< auto<a ao mo tempo. m~ -
d< poccos do pmh.,ao,
tramas do árabe-americano, em cujo entremundos, a estran 1eza e Mas Anaela Vicario ram em e . -os que são abate orelsb ahim Nasar? Porque
, o 1 do seus lrma ' filho de r fan .
Santiago Nasar como cu pa , I dá o nome do I. us irmãos pro ariam
colocados no mesmo patamar. - sexo valem P
agarram suas facas. o r que Anae ::> a - podia cai cuJar que Anaelase .
e Sanoago, nesse
_
Os envolvimentos específicos dos homens em relaçao ao mulheres, I omance, na
0
p ncem o áo sao
0
. etricamente contrário, em lerarqUta h ela, como se especu a no r d ropriedades? erre undos divergentes n. ,
. . oposta, ta mbém para as do que se d
- d e;:.aran es dP s divergentes.~ Ou os mda por sua mae - funosa, e
stm ue interpretam o seu papel, condicionado cu Iturai mente, dentro. da. Ange1a um rico, que 1.spoe
qd<nomina clacam<m< Ima d" «x", na C""''" • · d e uma " wrte ammcta . • mod«"s,
, .
sentido econom1co,
01
~
a d ·s mun o Quando ela, maltrata d d s' cinco cap1t, u1os, ou aros
d também marcados culturaimenre. d final do se::.!1lln o , o·da·
Vicaáo é a fllha mais nova < uma rnnu c '1·" qu< V>v< . <m condlçoes. Viano, . a0
questionada pelo seu .lrma-o Pe ro, srupeficanrem enre rapl . Ela procurava
P""""'::,',di~i• d";:~m
qu< é a "P'<S<ntant<716 ·d ' <a1 d <ssa av<nguaçao.
· - S<U pai • PoncJO . • a sicuaçao ,
pocd<u a visáo tcabalhando como "joalh<ico d< pobc<s''"', < ass>m, ; ao olhar d"-'sa ttagédia, v<m a sua " sposta e ,;do paro
·. o nome.oom<'0 do
familiac
cas .
<eonom>eam<nt< pe<cana , . qa< p<emue . a Bayacd o San, Roman, , " si, com Ela precisava não menos do~ ue ·roo tempo
olhar,neces
enrre 0 s inúmeros, con se ele fosse uma bo
a f1ed a, como
ualmente para a imediatamente cobiçada noiva, "compra-la pad da mãe, na escuridão, acItou-o a0 pnme1de cerre1ra,. c0 111
. su 1
outro mundo e o cravou n.a pare. 'desde o ·tnt'c1o·
seu dinheiro, de acordo com a regra. A educação, de responsa b"l"da 1 1 e sriruía,
' .
tnene cuJ·a sentença estava escnta ·nesperada, mas
Pmí.,ima dei C..-m<n, oca '<mp« dividida d, acocdo com o «XO e COIoiso "Os
p..-a a homa da família, uma vigilância mdcam<m< «xual da.< folhas:[ pa.-a se
1
s,,,,,
' Na"', d"' . "I'· 7H . áo ráp•·da como 1 do d<Sono . -

icmãos fornm cciad" paca" tomac<m hom<ns. As fllhas focam <d oca as encid• Santiago Nasar. e r o inconscien~e ouerminado pelo
s- as astÚCiaS d que não e der previsível
con~.sd<
A sentença de morte para
casac<m""'- Não S<da n<nhum mil age< " a má< do namdoc miv<SS< o ~
·Ja' estava escrita. Ja, era cerra ao·minai7'5 - - ou od de Deus, de uma a mesma
de que essas mulheres fariam seus maridos felizes, caso fossem educadas, B yardo corno acha o juiz de .mstru çao "do
h cn de uma vo nta alquer e maneir . a, comvenenados
começo, paca """· c 1 19 ConS<qa<nt<m<m<, o casam<mo d< Ange1a com • a com
I h dornem, e sim somente no sentiI comparece, de qu. mãos de se rem d enm queimar
copo usa <m uma dup a .><eacqu.,, . i<vando <m considmção camo as ' elaçoes • ""' .
a JUdicação? A resposta d e Anae ::> a eios dos seus 1r os árabes pu hesse . m o dono
o sexo oposto quanto a snuação . socioeconômica. O desejo d a not
·va nao I
repentinidade . - dos rec
e imediaçao d habitantes ed enre, Yami d que ·t s a1u
de sua• morte,
imponância, poiSo "Também o amoc pod, s<c apcondido"" '· pecda
Pe os árabes ou dos remares- os nos impensa amminutos antes d protegido po r
Nada no mmance sug<« q ao Samiago Nasac é cealm<m < c<Sponsável P' 1a cfei" d .
' »os . . N ao me aluuns . !r.lf a,
'••in•m parn o
I os itmãos V•can o. . 0 Nasoc, ' 0 sua .spmo
da vhgindad< d< Angda, a vigilância mac<ma da m<nina foca da casa " ' P' m o
e, mesmo na vt"da d e Santtago, · o magistrado de julgamento que !"dava I . co que .
a oja átab< com quom Sannag
, d
'
alavras, P
"""'"' com
doiS
. sassmos,
as
. que
dlagon
~
. n o da mocre'
"nd, tia d< um jogo < P mados, oso J segu<m a , d<Sca>·do, da
d~sa;"
0
caso nao - consegu1a . encontrar provas disso. 0 próprio narrador men cwna a a 0
.
Sannago - '<na. so, ocgulhoso, a fim d," vangiodar paca as moças;< le chaJ11 Uttos átab<s, natmalment< p,dco < Pau do disparou. po tacd< seu filho
nao "dois seguro espaço protetor a Ig d · reJa· . do iocai • quan. a1 na qu a1 maiS que estava no
OC<nção, <nigmacicam<nt<, sobc«udo Para o foco d< <i<S tmm p<n<ncido a .da a
"<~g<~t<s que urna bala traço u na geometrlali a praça P rinCIP ,
I·magem de santo -
d d. "721 E egui
mun os · ssa ob«tvação é imponant<, pois pcovoca <m ' .
P>sto!a d<Ibtahim Nasac, atmvesso ou<"' ' P0, uma a m <Spectador nao
pergunta, de quais mundos divergentes se trataria aqui . pela
d1everia ser esfaqueado, e trald1sform outro lado dad praÇ . irmao - s,; deveria
um romar outro
~t
N- ' d · ' ets s dois de
.mvesttgaçao
'? so_os nao
">o" Oe<s do looaJ, no comance, mas cambém os t<Sponsav bc< a
se cansam d d 1 . h. ' reses so d
<li ar-rnor da igreja cato ' 1.tca' o mort,ai 0 o " tu rco no, ror na-se
perda da V.trg1ndade
. Não ed esenvo · ver as
, ma1
. s diferentes tpo ável 22 ' e P Ainda . segundos antes do Nataque r desarmadob que, s prestes a' ser mo se f, sse a. sua
ai Como ca
ma~"" 7 coisa
0
. · po ena ser o propno narrado r o respons · .
"'"'Pan t< gcitaa Sannag · o asa ·gtan"" ' a'ra .e 'anc< or>< · nt · ais bdo qu0 e nun • '
qU< d<s<ntol..-
senao um perfeito ludíbr·10 da su. histócia d, d<t<tive ' afinal' não . d ·ada para
s<da ourta carninh na A . o filho de iml o em migr, da morte, mh »729. A execuça
~
outcos. poc qU< <i< d<v<cia• , para • que toda. suspeita sobre ele SeJa esvt apo rar
b
~"anca
5
o. SS>m, ' . branc
em turco, de latifundiano r surge, à soai~ ,bca cac os
ho dos seus dmirado Santiago,
poc0

JUstamente
. I para a "diverg' ntao - ass1m se poderia opor a essa tese · - o~ pois,
· , 0 re POsta a tudo isso, Sanna · go Nasaeno e o des 1nsformam o a ·ental, um árabe.
se e e crosse o culpado ent· encia .entre d os mundos de Angela e Sannag . n es!Tl
· o e co rn seu "semblante de um sarrac s olhos, rra11 cena, u on
S Ptí.bt·Ica e a morte diante d e rodos o em un1 sarra 111
empurrar antJago . para' uma ao .tena - ed·c, ser .do seu interesse aliviar a SI 1conte){tO _ 730
sttuaçao Inctl. Em compensação, algo 110 sua arte mágica de transformaçao,

216
Set e. Confrontações Set e. Confrontações

Em fraçóes de segundo, assim parece, são anva


. d as as d emarcaçoes
- de fro nteiras . I ca em desacordo, ao mesmo
. - au tobioaráfica
uma refinada intromtssao o . que
d co exroo com a exrenor. ao texto, ddo
- e .meIusa-o ' .aos quats
socioculturais e com elas os mecanismos referentes a, excIusao _
tempo, a posição d o narra d o r n inrenor
0
, o r Pois
· a intromtssao
. - da esposa. _o
rodas as tentativas dos imigrantes de se adaptarem a, po pu Iaçao N nao
- Io cal ' '.amda sar b . I G rcía Marquez.
mudaram em nada d ecisivo, mesmo na terceira geração. Embora Ibrahtm . a_ real autor chamado Ga n e a s aparentemente secundário'ca postçao
• . de
b . a fema apena
autor real m arca, como toora m uma coIom b'tana de rarnt. 1ta.
nomeasse ostensivam ente sua fazenda de gado como "Otvmo . . Rosro " (Drvmo
31 '
de um colombiano , b e, que se .casou co as pode parecer à Primetra dvtsta
não ara
Rostro)l e por mais que Santiago Nasar gostasse d e fazer d oaçoes,
- seinpre
. d·em
os .tmtgrantes
. árabes. A pergunta e· Palptrante,
. temammcrada,. se [!osse apresenta a a
favor do Bispo - cujo anel queria beijar - , permaneciam aos olhos d os co nCtda a , . de uma mor
ociosa: como seria essa Cro1uca
não só originários do Oriente Próximo e Médio como perrencenres ao gr~r nós por um narrad o r "árabe"?
dos "árabes", dos "turcos", ao qual seus antepassad os imigra ntes já tinha~ sdt 0
d
vincula os. M esmo que esses "'ara bes " não pensem em cometer tats . a troCtda•C'.es,
das quais se acha que são capazes, ocultam-se sob a aparente co nvtvencta
. • . pactnca ,
. d Santiago Nasar
.
lmhas d e con fi·tto e rompimento,
. entre as quais apenas as d e cta Ia I11spa
. • nica sao O assassm ato e
I ' ecriva l'banesa
podem'"· e •que" que f:•l•m "P•nhol e imbe, podem iccompec ' qu alquer
d pela persp
1
. 948 em
dmomento. Não foi o apóstolo Santiago, 0 "verdadeiro Jacó" d e rodas as le'.1 a; / nascrdo em 1 . d
e peregnnos,
. em u m a pentnsu , Ia 1.ben , .ca atn . d a m arcad a pe Io ara , b e, o pan on o escriro r Elias Kh~ury~a sequência intetra . e
Para responder a essa pergunta,
B orrodoxa, da u . I:Jeimnisvolle Brref
p roteror dos espanhóis na luta da Reconquista contra os sarracenos? arega. d em 1994 ' Dei
A .
etrure d e uma fa m ília d e cren ça ° . ge·fi "Uma coIeçao -
d · d a metad e d o romance, d etxam-se
part1r · encontrar uma dissem inaçao - s inaular
o , pub1rca o 'do stgnt tca .
· a1·1smos" -ou seJa,
e "onent · e1ementas no texto que podem ser ordena d os a uma (Posstveis respostas. Seu romance t· al n1enre rraduzt , C·'Jica de uma mO/te
. · lo 1rer a 101
refinamento, à

ISOtopta . ·f'.
espeCJucamente ara be" -em trechos, onde não se supo ria. Oo1.s exe mplos
"' darab. Mrz:gma'rd-asmr!), cuJO mu . vezes ex
·pliciramenre, -
çao com
· d e mistérios"735 refere-se, m uttas hama a aten ' do romance em
dpara tsso evem
!'. •
ser sunctentes. O JUtz · ·
de •Investigação cri minal d escobre que, uma ' , M , quez e c naaens si
d anunciada, de Gab riel GarCia ar laça· o às perso o encerrados em
as armas 732o cnme · d os açouguetros · e· um tipo de espada curva, um a'Jflllj i'r, ·e e/11 .
Posição m odificad a do observa o . d r em re '
ta por vanos · · conros tramados em um
miniatura E quando 0 d d · rocura
· narra or, epots do enterro d e Santiago Nasar, P -
questao. A narração, na ver a d de campos d res e arns . ricamente . , . ou de
osta ltterana
esquecer o horror com a chefe do bordel M , AI . d . C Iltes encontra , .os narra o . 'd des de resp
mesmos, apresentados por van possibth a
a valiosa prosti tuta na preparação do seu ,rt' tual ana d I eJan Inna erva h com' o sempre
. _ de grande tristeza co e u to: e a se 'd
encd e, d e comtda . e úntco
· texto, apresenta real mente diversas
. a' rabe. Irural larino-americano,a
faz em sttuaçoes
. , m eno rmes quann a es r· . de vtsta ' ' ço cu . dan ente,
fica sentada dtante d a sua "bandeJ·a b b'J• . , I a la turc A narrativa, sob o ponto al deixando o espaC • ·,.a aproxtma 1 elhas
ecntca
11
sobre a sua cama de rainha.733 É comoa 1 onJCa f, , comp lh etamente nua . de força de . . rransa re. , , trazida
troca d e perspecttva ' na rolll•· ' com "sobranc. ção
'lido,
resplandecencta . . ero, ttca,
. a qual tanto atr ·se osse . a Smu . er comN a gtan sua maoaia e marcada por várias vezes. Asstm , .eovem esbeIto .e paenre eirad o e emd 1rga screve
.
que seu pa1 teve que desterrá-I 0 atu
. o JOvem annago asar para a do-a ' na descriÇa-o d S . a Nasa r como J ., precrsam . da Norma e d
. al , por mu tto tempo na fazenda rransforman , e an nao o d seu par ' ua ama _ r- •ou as
arabes" e o "cabelo enca raco Ia do o n Beirute, que s sabend o, "nao raJ - só a
o nent" condOJda. EI: está, nesse sen tido, tão "orientalizada;, ue suas rentarivas,
como bes ta do amor profissional 734 d q . d e amor, co ma aparência de um Ibra I11.m Nasar eia asstm . ficamos
1 ·sso é d esto
·anada nao com
d
para uma terra e refinado instinto' sexual e sequestrar . o .narrador' .fammto is ela sente para suas amigas de esco la. M as Norm . era' árabe.7J6 Com' re de'rodo o romance,. contém
em seu parceiro amo . d prectsa ser Interromptda, po re sob rancelhas árabes"' pois e1a pró pna I. 1
mas c ar . A carta ,us· terrosa
amen
rosa atn a 0 0 d d 0 1n e!l
esfaqueado e rapidam d or corpo de Santiago Nasar, crue 1 Pe infe tzes, Assim,
- ente em ecomposição. rspectiva interna dos am antes rradores. I irar. J 11fl. Morte
Nao nos esqueçamos que a . a en1 as Perspectivas dos seus d.neren c tes na _ e para 0 seu . e a Crome • · a. ae ttl te com
si o cheiro da decom . - d perspecttva do narrador, que ai nd a conserv . a·o um · Márquez . · tertosa e . dtatamei
. postçao o am · _ s1Ç a mensagem para GarCia ' A artll rnrs 'nicía 1111e . 1
Ibrallim
"objetiva". E verdad tgo morro, nao representa nenh u m a P0 . 1
e que sua mãe L ·. S . , . d bansn10 .d
p - · nrre
Orem, que relação extste e Kl oury ram c bém se
dedor e d hortaliças
, encontrada
d e Santiago Nasar e do d d ' Utza anttaga, e madnnha e . Iuía qn llnczada?· d El' s 1 ven que e ,
a ora 0 seu p _ c O roma nce e ta d Beirute, o ua amante, d s que esta
abertamente entre os tuv N renome, mas ele m es mo nao se 10 lJ.lll . b ·rro e anto S t· a to o d
,ros. aturalm !'. j · n ent0 ' )1., en tgma: pois, em um ai ma, enqu . d exp tca . náo po e
a uma fa míl ia árabe-am . ente, an tou-se ele próprio, po r casar t'lasar fo .r encontrado morro em sua. ca do e cIlO ran o,o e a d esvirgmou,
d a narrativa, pois nos rencana I ' entre 0 ntve , I d o tempo narrado e o d o te01Pde0 sem· , . gntan amenr ,
e ata sem rod · [! ta l-despida em seu armano, reli o cas G briel GarCia
casamento
M de Bayardo e An I !'. etos que, durante a turbu lema es_ de Perci· II pro me faz a
d ge a, uzera um d 'd d de rda . Ida, pois o homem que 1e . ·a] assim como mum - o que
I erce es Barcha' que recentemente 1 . pe ' o e casam ento à menor 1 Qu e lllats casar-se e salvá-la da d esgraça. mance pohct 'de família em co
e a o recorde do seu ped·d lavta concluído a escola fu ndamenta · é
1
o, catorze an d · enro, }., ,AIem , d e jogar com elemen tOs decro • cia a 11 ames
os epots, durante o seu casam 'Vla_r faz rerere11
quez na Crônica, o texto
218
219
Sete. Confrontações Sete. Confrontações

será retomado mais adiante- e aponta desde o início, consequentemente, para uma planos de emigração dos parentes que ficaram no Líbano, incluindo o próprio
série de interferências que, já à primeira vista, tratam do contexto entre morte e lbrahim, de um só golpe, fossem transformados em nada. Pois essa carta, que
amor, virgindade perdida e ligações amorosas, patriarcalmente caracterizadas, assim lbrahim não deveria nunca chegar a ver, evidentemente instilou em todos o
como uma estrutura enigmática fundamental de todas as tramas narrativas. Os laços terror de que poderiam, como árabes, ser perseguidos na Colômbia e, como
intertextuais entre ambos esses romances curtos tão semelhantes são atados por Elias Santiago Nasar, igualmente abatidos com crueldade. Anos mais tarde, Ibrahim,
Khoury o mais estreitamente possível e repletos de arte. decepcionado com a vida, tem esperanças de, em sua procura por pistas da história
Assim, não é de se admirar que A carta misteriosa também se apresente de da própria família, não só encontrar o sempre comentado tesouro, mas também a
pronto em direta relação intertextual com as perguntas centrais de Crónica de uma não menos lendária carta da distante Colômbia:
morte anunciada:
Além disso, ele acreditava poder se deparar com aquela enigmática carta com a morte de
Todos sabiam que Santiago devia ser esfaqueado nessa manhã. Por que ninguém o preveniu? Santiago Nasar, sobre a qual o autor colombiano Gabriel García Márquez deve ter escrito mais
Talvez porque não acreditavam no que eles afirmavam. Ou o deixaram correr para a morte tarde, como se descrevesse o assassinato de Abd al-Djalil, na praça em Ain Kisrin, durante o
certa porque ele era árabe? Por que se deixou o imigrante libanês, que falava árabe, apesar terrível banho de sangue de 1860. Como ele descreveu o modo com que Abd al-Djalil Nasar,
de sua mãe não dominar essa língua, morrer dessa maneira brutal? [ ... ] Porque ele era sob os golpes da espada curta encurvada, cambaleou por uma hora inteira, como de tentou
742
estrangeiro? Ser estrangeiro significa a morte?737 erguer suas vísceras, que sangravam o chão, caindo por fim sobre elas e morrendo.

Pode-se perceber claramente na formulação dessas perguntas a mudança de Com isso, delineiam-se novas relações entre os dois romances. Pois, à carta
perspectiva aludida, pois por um lado elas indagam sobre a possível relação entre misteriosa, que transmitia a notícia da morte no Líbano, corresponde certamente
o assassínio e a origem árabe ou libanesa do assassinado, e ao mesmo tempo uma escrita não menos misteriosa na Crónica de uma morte anunciada, em que um
o ser estrangeiro - certamente a problemática central em toda a obra de Elias desconhecido, cuja identidade nunca pôde ser descoberta, empurrou por baixo
Khoury- passa para o ponto central. Como "estrangeiro em um país longínquo", da porta da casa de Santiago Nasar, sua advertência por escrito, dentro de um
Santiago Nasar não se entusiasmou pela sopa de crista de galo dos nativos, e sim, envelope. Nela, foi bem detalhadamente informada a morte prevista, as razões
743
como seu pai, preferiu comer iogurte cozido e beber tequila/ aliás, Araq. 738 Uma dadas pelos autores, os próprios assassinos e o local planejado para o crime. Mas
estratégia de escrita se delineia: o romance de Elias Khoury toma os elementos de Santiago, como os outros moradores da casa, simplesmente não viu o envelope no
conteúdo árabe do seu texto latino-americano em questão, fortalece-os e continua chão, o qual só foi encontrado depois de consumado o assassinato.
desenvolvendo-os no horizonte do problema transareal. Ler e escrever, a leitura As duas cartas tão misteriosas, que anunciavam nos dois romances a morte de
do romance estrangeiro e a escrita do próprio vão aqui de mão em mão: muito Santiago Nasar, levam simultaneamente a uma intromissão mútua dos banhos de
cedo, o autor libanês já tinha descoberto para si, de acordo com a sua própria sangue, na verdade, separados tanto temporal quanto espacialmente, de maneira
declaração, que a leitura é uma arte de escrever e o escrever uma arte de ler. 739 que a descrição de um terrível assassinato serve exatamente para a representação
Com fino senso de escritor, Elias Khoury tentou, no seu trabalho, ligar alguns do outro. Com isso, a metade do século XIX e a metade do século XX, e ao
dos elementos árabes ou orientais aqui apontados e tecê-los em uma complexa rede mesmo tempo, uma pequena aldeia no Líbano com uma pequena localidade na
de relações, a qual vincula ambos os romances entre si. Cada uma das histórias costa colombiana do Caribe, são abrigadas transtemporal e translocalmente entre
diferentes de um episódio, que são introduzidas a partir da primeira linha do si. Nesse contexto, o autor libanês não deixou de antecipar temporalmente -
romance pela fórmula de abertura '~ história assim começou" 740 , lança uma outra como vimos - a arma "árabe" do crime, na forma de uma espada curva, colocada
luz sobre a estrutura enigmática do "próprio", não raramente também sobre o em jogo pelo escritor colombiano, com 0 auxílio da qual os assassinos no Líbano
romance "estrangeiro . , : dessa maneira, surge realmente - como o texto árabe efetuaram o seu terrível massacre. À maneira do palco, é reconhecível atrás de um
anuncia- uma "coleção de mistérios". Os enigmas se iluminam alternadamente. terrível crime um outro, cujos sinais de sangue percorrem através da História e
O horrível assassinato cometido contra Santiago Nasar em Crónica de uma morte das histórias. Essa télescopage (amalgamação) dirige um olhar livre para a história
anunciada, lembra, não por acaso, um dos narradores, os relatórios do pai de da migração, que se estende por séculos, na qual a esperança de uma moradia
Santiago, lbrahim Nasar, que falara "sobre a violência e os banhos de sangue na definitiva é sempre afogada em um banho de sangue.
longínqua aldeia com nome impronunciável"741. A intertextualidade construída por Elias Khoury deixa-se caracterizar,
Essa ligação, assim construída no início do romance, será desenvolvida mais ao consequentemente, por um primeiro passo no nível espacial, como relação transareal
final do texto em outro episódio, entre as histórias complexamente entrelaçadas. em medida transcontinental. Ela carrega, olhando para as duas localidades - às quais
Uma carta relatara há muitos anos, quando Ibrahim Nasar tinha apenas dez anos, se sobrepõem, no transcorrer do romance, mais outras localidades de migração -
a morte do parente longínquo na Colômbia, e com isso, fez com que todos os simultaneamente um traço fundamental rural translocal.744 Em outras palavras: o autor

220 221
Sete. Confrontações Sete. Confrontações

libanês engancha seu texto no romance de maior sucesso de um autor colombiano, causando um efeito terrível. A história de um homem da família Nasar que,
através do qual a diegese colombiana se amplia com um golpe translocal e rransareal- com uma faca nas costas, ainda caminhou quilômetros, antes que sucumbisse
o que também tem repercussão no texto relativo a García Márquez. na periferia de Beirute, prenuncia o último caminho do rasgado e brutalmente
Trata-se, no romance, mais do que apenas uma continuação e um rerorno a apunhalado Santiago Nasar em sua aldeia colombiana: as histórias, os locais, os
uma história familiar: Elias Khoury capta muito mais os elementos de uma história tempos e os movimentos se sobrepõem nesse rexro verorizado em alto grau: um
de migração, de maneira tão refinada que, no translocal surge ao mesmo tempo banho de sangue sempre prenuncia o próximo. Lembranças "surgem como se
uma rede de relações transtemporais e transareais, diversos rem pos e espaços se gotejassem de uma ferida não cicatrizada" 748 • E assim pensa não só a família Nasar
cruzando, rede essa que permite que a Colômbia e o Líbano apareçam não só em fuga e emigração: "A avó quis emigrar, rodos teriam sonhado com a emigração
como países muito distantes um do outro, mas atrai para o centro, num sentido e os navios que passavam por Marselha estavam lotados de pessoas do oeste do
vetorial, os múltiplos e complexos movimentos entre os dois países. O Líbano e a Vale do Bekaa, de Zahle e das montanhas":-49 •
Colômbia não são simplesmente países claramente separados entre si, de origem e Assim se esboça o caminho dos Nasar, por Marselha à América Latina. Esse
de destino, de uma típica história de emigração, e sim estão em uma relação estreita caminho, muitos libaneses precisaram trilhar desde a Guerra Civil de 18581860-
de intercâmbio, por causa de um sem-número de comunicações em rede mediaras e sobre a qual o jovem Elias Khoury outrora redigiu um estudo750 na Eco/e Pratique
imediatas. O que acontece em um país, sune efeito retroativo no outro. des Hautes Etudes, sob a direção de Alain Touraine, em Paris. As situações coloniais
As homologias estruturais que são iluminadas por este motivo, relacionam-se ou históricas mudavam, mas a série de guerras civis no Líbano pareciam não ter
com a onipresença da violência, do cruel assassínio e de banhos de sangue, de flm: até àquela auto-destruidora Guerra Civil, que começou em 1975 e deixou
guerras civis, de fuga e emigração, de dependência social, econômica e sexual. o país sangrando por décadas. O próprio Elias Khoury tinha participado dela
Ambos os países são, no contexto de suas áreas, de mais a mais, ligados através de como combatente militante e gravou as horríveis experiências no seu romance
sua história colonial com poderes europeus hegemônicos, respectivamente, com o Der kleine Berg, -51 publicado pela primeira vez em 1977. Sem dúvida: aqui há
reino otomano e, depois de sua decadência, com os poderes regionais estabilizados e uma ligação estrutural entre a experiência da violê11cia colombiana, em Gabriel
caracterizados por essas relações assimétricas. A temática comum aos dois romances, García Márquez, e os combates da guerra civil libanesa, em Elias Khoury. Ambos
da virgindade perdida, aponta, apesar de todas as diferenças culturais, para além das os romances são crônicas de violência anunciada, que fazem a flamante pergunta
relações amorosas, de caráter patriarcal, que em ambos os textos, de maneira alguma pelo enigma de suas correspondentes origem e tolerância.
casual, interpretam um papel decisivo de ação. Nesse caso, a relação transcontinental Que os horrores dos massacres já iniciados em 1858 tivessem sido depositados
e a transareal entre o Oriente Próximo e o Caribe acentua equivalências de formas pelos descendentes no "livro do esquecimento" 752 , o estudante de Sociologia
potenciais de conflitos estruturais, que incluem justamente a dimensão específica Khoury já tinha que estar sabendo. Exatamente por isso se explica seu esforço em
do sexo e a cultural-religiosa. Com boas razões, pode-se falar, consequentemente, de transformar a necessidade da Ciência e da História na virtude do romance e, com
uma disputa de relações árabe-americanas, que a limitação de uma pura investigação os meios da literatura, liberar a História e as histórias, que por tão longo tempo
da perspectivística deixa parecer como insuficiente. caíram no esquecimento. O jovem rapaz que, após a derrota árabe de 1967 contra
Mas, a questão central, o mistério que perpassa ambos os romances, permanece: IsraeF'53 , aceitou a luta armada, ao lado dos combatentes palestinos da Resistência,
como se pudera chegar ao banho de sangue? Um dos narradores, colocado em ao longo da sua própria história de vida tirou lições dos conflitos sangrentos e se
posição por Elias Khoury, constata que a aldeia Ain Kisrin, primeiramente, não foi tornou um militante, representante sem compromisso e advogado da Literatura
atingida pelos massacres que tinham se propagado nas montanhas do Líbano. 745 e do seu significado para as sociedades (não só árabes). Ingressar como militante
Na aldeia se agiu como se o dia-a-dia fosse normal, como se não existissem desde da literatura, não significa utilizar a literatura como veículo para, estranhos a
1858 os conflitos deflagrados com suas desordens atrozes. No dia 12 de fevereiro ela, objetivos militantes e mensagens. A mobilização de Khoury pela literatura
de 1860, porém, aconteceu um massacre na periferia da aldeia, da família Abu repousa no juízo de que literatura e vida não podem ser separadas e a ideologia
Amer. E, imediatamente, "a aldeia se dividiu em duas famílias" 746 , os Abu Ame r e não pertence à literatura. 7 ~ 4 Daí resulta o seu projeto de escrita, que aprendeu a
os Nasar, que anteriormente tinham convivido bem e paciflcamente, como drusos e lição da História e ingressa por um conhecimento de vida, que se serve da abertura
católicos. Na verdade, não houve "nenhum ensejo'' 747 para inimizades; mas o estável da literatura a fim de manter a História- e as próprias histórias- radicalmente
SaberViverJuntos- apesar das sangrentas lutas travadas na região à volta, entre a abertas e dar-lhes formas.
Igreja Maronita e o senhorio feudal druso- implodiu em pouco tempo. Afirmações A(s) história(s) desenvolvida(s) pela literatura cria(m) e contém (contêm)
sem provas de que um padre da família Nasar seria responsável pelo massacre, foram suas próprias manhas. Bem possível, portanto, que justanlente o padre católico
suficientes para os homens se esfaquearem e deixarem a aldeia em chamas. Abdallah Nasar, em quem algumas pessoas jogaram a culpa pelo massacre em Ain
Locais, épocas e contextos culturais se trocam; acusações sem provas continuarão Kirin, tenha se tornado o pioneiro dos Nasar colombianos. Ele fugira - assim

222 223
~e. Confrontações Sete. Confrontações

se diz- para Beirute, de lá para Marselha e finalmente para a Colômbia, onde de ver a convivência penosamente construída sucumbir em um banho de sangue,
então deve ter fundado "o ramos emigrante da família" 755 . Um religioso fanático que por sua vez desencadeia novas migrações - ou a impede em um outro lugar.
e provocador como genearca? Suas artimanhas foram alguma vez descobertas? Ou Elias Khoury liga aqui a infindável sequência de sempre novas migrações com
morreram no livro do esquecimento? Mas, como poderiam o ciclo da violência e o "leitmotiv" que conduz todos os seus textos, da estranheza e do ser estrangeiro,
o retorno sangrento do reprimido ser mantidos na marca do esquecimento? não seria difícil se reconhecer que, "não é necessária nenhuma expulsão do Paraíso
Já um século depois - acreditam as personagens narrativas de Elias Khoury - a para ser estrangeiro"i 59 • Pois, o homem pode ser muito bem "em sua própria casa
misteriosa carta narrando a chacina de Santiago Nasar na Colômbia trará à memória ou no círculo dos seus vizinhos também um estranho" 760.
novamente a já quase esquecida, suplantada (pré-)história libanesa e porá por terra Elias Khoury, já um ano antes do aparecimento da Der geheimnisvolle Brief
todos os planos de viagem de quem seria mais tarde o comerciante de hortaliças (A carta misteriosa), desenvolveu esse "leitmotiv", igualmente de forma poética
Ibrahim Nasar. Afinal, mostra-se que o cabeça da família, Jakob Nasar, não havia e também cheia de facetas, no seu romance Konigreich der Fremdlinge, de 1993.
se esquecido completamente do banho de sangue de Ain Kisrin e preparou uma Assim, isso soa como uma mistura de referências intertextuais, se Khoury persegue
explicação para os acontecimentos brutais: a maldição de Abd al-Djalil, cambaleante o tema do ser estranho da personagem de Gabriel García Márquez, Santiago
sob os golpes de espada - como vimos - ainda persegue a família. 756 . Nasar na Colômbia, passando pela personagem do estrangeiro de Albert Camus
(Meursault em L'étranger) na Argélia e passando por suas próprias personagens de
romance no Líbano, até de volta ao primeiro pai, Adão, que teria sido o "primeiro
estrangeiro", mas também o "primeiro poeta árabe" e o "primeiro homem" -
Quatro vezes cem anos de estrangeirismo
semelhante ao Le premier hommél61 de Camus762. Ele falou a primeira língua, "a
língua do Paraíso e do Inferno" 763 . Mas, a ela seguiu-se a "maldição que destruiu
A história da família - e com ela a história das crueldades - naturalmente
a língua na Torre de Babel"764 , assim como o país, sucumbindo na Guerra Civil
remonta ainda a muito tempo antes. Ibrahim Nasar, cujo assassinato inaugura
Libanesa, transformou-se ele próprio na "Torre de Babel"765. As pessoas estão,
o romance, a conhecia apenas por ouvir dizer. Mas, é sabido que a família se
desde então, frente a frente, não falam mais a mesma língua e não encontram mais
chamava originalmente Arwi e o sobrenome Nasar só recebeu em Ain Kisrin. A
nenhum caminho, a partir da sua confusão babilônica de línguas.
família, que talvez descendesse de lzrá, em Hauran - assim afirmam as narrativas
O retrospecto engenhoso não só dos pontos de referência às literaturas do
-, emigrou, em seus primórdios, em etapas que se estenderam por um período
século XX frequentemente espalhadas no texto, à poesia árabe antiga ou aos
de mais de duzentos anos, para Kana, ao sul do Líbano. Os últimos a emigrar
contos de As mil e uma noites, mas também à tradição do livro universal, introduz
foram os descendentes do ramo que devia ter recebido o sobrenome Nasar,
a Bíblia, assim como o Corão, em cujas narrativas e imagens se refletem uma que
por volta do flnal do século XVIII, e a razão para isso foi - como não poderia
outra vez as personagens de Elias Khoury, do escritor entre as culturas. Assim,
deixar de ser- um assassinato, do qual "o emigrante não era o autor, e sim, a
no seu romance Konigreich der Fremdlinge (Reino dos estrangeiros), à pergunta
vítima" 757. Beduínos do Galam haviam atacado a família e mataram três irmãos,
"O que estou escrevendo?", segue-se apenas uma resposta receosa, ressaltando a
um procedimento que, já na distante Kana, levara os emigrantes Atwis, desde o
insegurança do narrador como do narrar ("Eu não sei. Percebo como as palavras
flnal do século XVI, a se converterem ao islamismo, sob pressão, a flm de não
se partem em pedaços e se desmancham") 766 . O que se segue é uma visão de Cristo
ficarem expostos a novos ataques. Sem que se possa acompanhar, no romance,
no Mar Morto:
a história apresentada em fragmentos, mostra-se, entretanto, que a migração do
Líbano à Colômbia é somente mais uma nova etapa de uma sequência centenária Mas, vejo-O hoje, em 1991, ao fim de um século bárbaro, que começou com um massacre
de renovados assassinatos e emigrações, que atraem para si novos ataques e ondas e terminou com um crime. Vejo-O sozinho, morto, crucificado. Ele caminha sobre as águas.
Como um estrangeiro solitário.
de evasões. Assim, a geração mais nova, no romance de Elias Khoury, não tentará
Um estrangeiro no reino dos estrangeiros, que Ele, assim acreditava a branca circassiana,
mais emigrar para a Colômbia, Venezuela ou México, mas para o Canadá, onde, queria fundar. 7(' 7
após a última Guerra Civil Libanesa, estão sendo expedidos pelas autoridades
canadenses vistos de entrada para libaneses cristãos.75B Widad, a "circassianà', vê em Jesus Cristo a essência de um estrangeiro, no qual se reflete
Essa mudança de direção do destino da migração, não mais tão longa sua própria imagem, seu próprio destino. Que a circassiana branca, diferentemente do
em direção ao sul, e sim para o norte, indica apenas os variados fatores de que seu círculo libanês e ela mesma acreditam, de maneira alguma fosse circassiana, e
atração (historicamente compreensíveis), em vista de os fatores promotores sim uma mulher raptada quando jovem em sua aldeia natal, no Azerbaijão, escravizada
dos movimentos árabe-americanos de fuga terem permanecido os mesmos. e através da Alexandria, vendida no Líbano/68 poderia esclarecer porque Widad, no
Movimentos sobre movimentos, migrações sobre migrações- e sempre o perigo culto a Deus, entoa com tanto fervor a canção "Der Fremdling' (0 estrangeiro)169 • No

224 225
Sete. Confrontações Sete. Confrontações

reino dos estrangeiros são w dos eIes-tanco vmmas .d al1 aeiros: rovocam medo, Pois a literatura
'· como pei·pctradores-
' estr t>o léu, mutuamente de mane1ra · ta-0 estreita, b. r.que .. 'SPde Jorae Lurs . Bo r:oaes- se adentra~·
em inúmeras migrações, sem uma origem e fu ruro d etermma . dos, . traztd os aaneira .. U. bar Or rs Jettlll o
Precisam sempre e penosameme remar começar d e novo a saber vtver, e m. tência poderia - como no Tlon, q .fl', I --; . . . c-emdlinue
· na vt'd a e m odt tca- a. _cr·tccionais em /G"0111.::.· ·urerco1 baet rt o
1
que esse SaberConviver sirva, peIo menos por aigum tempo, a~··•1 uma coeXJs tmediaramenre "L'tteratura
b
P d nentO C'
As passagens metai tcctotut
• ,·se met<w
. luem rambém re exo
fi ,·esso re
". redirável"
pacífica. Mas, frequememenre, asta um acaso Imprevtsto
· · para co locar_em al, 1b aJ e já · ) d Khoury, tnc · fa ·tmenre
(Reino dos est7'flngen·os • e , a1 parece mUltO 'CJ . mac.ra pessoa,
uma corrente de reações, que caracterizou o século XX de modo tao bar ar0 . M ndo -aqu d em pnmei
contemporânea do Terce1ro u a ma-se o narra or . _ d narrativa
parece determinar também o século XXI. da sua
aos olhos ocidentais. --c' 1M as como ' per.,u narrativo e para a struaçao I a país, no
Widad, roubada de sua aldeia . natal, Ira
. , se fazer enren d er d UI·ante, to. 'dessa ·rnsisrentemenre, olhand o para seu remp 0
0
I . rórias esparsas e l'!ci- 1o as em uEdward \YI.
existência em I~gua . are, ~ue, ao, nm
I, 111

'd ~,- Não e por


estrangeira, ['_ d a vt'd a, perd e o domHá tntomuito, ... nrar as 1JS , acaso que
no Líbano, como podemos JU d Palestina ou
língua, que lhe e estranha: uma confusao de lmguas, m nuce (em suma)· . áveis
qual rodos os conrexros fioram desrrut . d d os.ráo desum'das, como as aoblemárico.;s
essa personagem dócil e nunca indagada - uma das mais belas e ma~ an1ou-se S . . soCJe a es a1 an1enre essionan pr
figuras plasmadas de mulher na obra romântica do autor liba nês- rra~ orm ver 15 datd tt nha acentuado que, em
Ro ,
L1bano, escrever romanc es sena
. ai arriscado e r. .
go '
dei:-:a ver d e 1 nodo . tmpral áo
remenre
aruaJTI ma1s.
em "uma história de silêncio"no. Mas, o que essa histó ria d o silêncto rem a . l'banesa
1 nos umvers n,
com a história da escrita? I d. a ealmente, jusro a ltrerarura ' . nal e lirerarura _
I 1. ru ra nacto . ·a
c aro, que categorias como trera , sim a relevanct 9 . do ripo de uma
Quando o eu-narrador, em Londres, em 1988, conta a Sa Iman Rus 1 ador te
história de Widad, este o aconselha a fazer dela um romance. Mas, 0 ·a" nar~ como elementos de descnçao, . - perdendo. as - de Ion:oao 'alca nce,Novo Mundo, em
dissemrnaça 0'
11 ~,-- 1
rar no ela
confessa o seu medo, o medo de "ser colocado à margem ou engolido pe I I . rort•0'
a 1 A variedad e de línguas e a poderia compa ·fi' enrreranro, que _
d (·terarura sem dom .tct'I'10 fitxo . - que se bana-so - siant :o t<:<1," urennct . 'd ade"· Nao a1
" d h' ' · " b 1 ·
e ser uma pane a IStona , sem sa er como e a prossegutra ou ter , minara . riva ·
' · R hd· ·uso fica certo sentido, talvez com a Jt ' r erarura cu .
credibth a 'd de ou a a
l'banesa rransc ultur,
dpropno dus Ie serve para o narrador como o melhor exemplo para a J . áO
al
e r me o, pois · eIe nao
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· ha ·Imaginação na época ai nda anrenor
· a. pu bltcaç
..--2. E ~ Perderia
b a sua força d e expressa - 0 ' a sua . de uma 1·
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' 1 nflar e entre.,, aar sua
do, " "' v,,, >ntânim, ' para <i<""dta dmria " <ornar "uma farai<dad< us o sranre, pergunta-se sob o pon ro de
e transareal pela verdade, com I11·uor
. v1sra·aor se ela na-0 quer, -sJ
, . nt>do' esquecrn
co nem aos ·tn reresses
· 1enro 'ram as personaaens o -
o que sena · d e um autor que, com 16 anos iria emigrar para Londres, esc•·ever se10
, . dolorida
Propna , hisron, .a nem .ao "ltvro _ asst.m se peraun uma o bs rinaçao
romances nao - em sua 1'mgua urdu materna m · · gle's e por run ,.. , con- 0

Wida~ , as s1m em m
na velhice, esqueceria a língua estrangeira adquirida, de maneira que 11
• ao d e determinadas ideologias. Mas, como
narradoras de Kh oury, a cad a set>au n a. ve da
d z frequentei11enre10
' descret1C'l ,', con~
c0111
se deixana . achar a
e
pod<na l<r n<nhuma V<z mai• " "' próprio• livco,?"' . ,tar
Essa história afera o narrador a que - d . lesmenre tgU• ' torturante - se deixaria reagll. . ao pengo . enre convt·ncenre. - áo pode ser cerramenr be o
EJ· Kh - m nao evemos stmp . que v d d 0 lireranam ncaçao n o bem sa
a •as oury - abortam<nr<, b<m a fundo. Ela é r<rrivd d<mai• P"" t;uge erNade e representar de mo _ , -s2 a docume r· canos, com d do qual
Aurores lann~-: r:li'·-sJ, um méto opanheira
possa ser verdade. O encaixe de Salma R I d' v ·· . · h der Fremd açao • · ame 1
(R a atua.l "época da documenr,
. dos estrangeiros) introduz uma d' n us
emo _ 1 f.1e no. 1\.0ntgrelc
I . ·ta· entre nc c. çáo,. a resposra para tal npo . d e pelt> ·aunra. ente, da eradtÇ<10 , oraunra d ua com e~- . ·a1
~,arrador, .tiveram suas " lendas do ~~esfiez uso. Mas ~ pe·.~ pessoa, Ja nadp l{houry e
. . d tmensao ncctona , que osct ' arre intcJ,
no tnrenor o rexro e realidad 6 d po p ssUI
" , ['_' e, ora o texto, e que ao m esn10 ten 0nro,
. Kh ou ry Ja
um status mera-uccional refl . d b Enrrera <llgllllla htstoria
, dor em Pmne humor veIado . e
1
nessas passagens não se refler
b,
' enn o so. re a ficção do romance. _ mas sit11 ~ana, de Eltas
. sobre o que seria verdade, o narraractensnc , . a do . de duas 1ennras l{houry,
11 .
»784 .

tam em sobre essa crricção d e pormenonzadamente


d só sobre a ficçao, mpo, de do posta ca ' conno d escntor
uma dimensão c. . ' e mo
0
que se poderia falar, ao mesmo te_ que, ton•ance, encontrou uma res nro: "0 en naaens o d histórias
meta-rnccJonal. Salm R hd' . . cntor <lss b . · mame perso o de uas
lireralmenre aband , . an us 1e personifica aq UI o es scrira olll rosa, apenas no pnmetro - omente as nconrro . presenta o
, onou sua patna I' b I I na e ,, E:screver assim esrao - sa b endo nao sfiormulana . : oA eal·ffl nmte
. ·- nosfl rea pnmam
.
sem morad a fiJxa, que .•nsnla
de que histórias pod
. medo e sua lngua
. ao narra
d materna e se esta e eceL
or em primeira pessoa.
Afl1al. o faro
.b
,
Jisn,o
· ·
Significa mentir"'H~.
' Mas entao - se 1
anll!lciflttfl e c.
im sabemos agor,'
1 11 esc:r-ltas, como Crônica d.e um fi morte ras, ass Gabriel Gare ía
literário em seus p , em. engo. 1r seus na rrad ores e com isso prancar · cant
' a e eJ11 . p rél11 es '
ropnos cnadores é e 'b·d . escrev I enco ntro literário d e duas m ennras. 0 d roman ce de, áo para uma
língua estrangeira e se d . , . ' Xt 1 o JUnto ao literato, que . síve:
1 fi xo d I' . Pela m 0 rras. 11 nos
"Lembro-me de ter di r m RomlcJJo
h hd· .
• a mane1ra mats exp tcJta . tmpos ssíveI Verdade ·
t... 1
A personage ra oII,ar ' para quar rocenros a
o a us Je que u d' . m po t. .. <Vias de qual verdade se rrara. cir de ago remonta a, . de sua morre,
erói de um dos seus ro N- • m Ja, sua escolha o roman a u dera,
tão terrível que J.amais hmances , . · ao sabla
ero1 a1gum
· que um doloroso cam in 10 o prece
.
s l'rquez, Santiago Nasar, pode, a n1a
•vlá par hisrona
, . que ·ra que o anuncto r entre as I'i11 has
1
0d
A advertência ao esc . , o tena perpassado"774. eves, so ld-ao d e cem anos, e Sim . para. ul' t1cia, d e manet deixa
' encontra hisróna . d e uma
. ntor e muir0 I' . escr 11eiQ d , vJO e .á se ens a
P enas passar por isso A 1. exp Jctra: reflete bem no que ,_se 0 ° 111icílio, à emigração e a , I s antes e )', . dos ho!11
de fu d o está deslocado pata
11 0
· securvar
. lteratura e a 'd - I iona11 na met11ona
Vt a nao se deixam separar, re ac trad·1Çao - oral que renrou canse
226 ' 227
Sete. Confrontações Sete. Confrontações

família como história da migração. A história do colombiano Santiago Nasar emigração, de uma história desse tipo. Permanecem, não obstante, prisioneiros de
baseia-se sabidamente em uma história verídica, que três décadas depois, García uma história que parece sempre se repetir. Pois, inteiramente a propósito, termina,
Márquez transformou em sua história. Elias Khoury, por sua vez, converteu a história no romance, com o ano de 1976 o espaço temporal estipulado, que insere inúmeras
narrada por Gabriel García Márquez em uma história que narra o ser humano como referências à fundação do Estado do Líbano, em 1943 - e, consequentemente,
estrangeiro em uma sequência aparentemente sem saída e infindável, de crime e com a promessa de um novo capítulo de uma história pós-colonial -, e em meio
migração. O homem aparece como prisioneiro do seu próprio estrangeirismo, como a um novo ciclo de violência e contra-violência, de ações sangrentas e vingança,
um estranho entre estranhos, que podem se lançar uns sobre os outros, a qualquer de massacres e contra-terror. A morte - ou o assassinato - do comerciante de
momento, matar-se e se engolir. Mas, não existe realmente nenhuma saída da espiral hortaliças lbrahim Nasar, no ano de 1976, o poupa, como nos conta o narrador,
do banimento e emigração, da violência e contra-violência? de ter que ainda vivenciar o mais recente banho de sangue, que aconteceria mais
uma vez, em 1983, em Ain Kirin e nas aldeias da periferia. 786
Para Elias Khoury, à época da morte do herói do seu futuro romance, Ibrahim
Nasar, em 1976, enquanto trabalhava em seu romance Der kleine Berg (A pequena
EscreverEntreMundos árabe-americanos
montanha) e ao mesmo tempo lutava na Guerra Civil, começou a saída da espiral
da violência com o massacre cometido por combatentes palestinos, em nome da
Ser estrangeiro e a estranheza do ser humano são - como deveria ser evidenciado
independência, contra os moradores cristãos de uma pequena cidade ao sul de
aqui - de significado fundamental para a prosa de Elias Khoury. Não obstante,
Beirute, em 20 de janeiro de 1976, o qual representou um inconfundível ato
a estrutura cíclica do tempo que, justamente nesse nível de significado, tão
de vingança em resposta aos atos cruéis desferidos contra a população de um
frequentemente observável em suas obras, apesar da sua claramente acentuada
acampamento palestino de refugiados, praticados por milícias cristãs, alguns dias
continuidade transistórica, não desemboca em um modo a-histórico de ver,
antes. Elias Khoury viu nessa horrenda experiência o real desencadeador do seu
que abstrai tempo e espaço, de uma antologia do ser estrangeiro no reino dos
"pulo para fora" da "lógica" da Guerra Civil, fundamentada ideologicamente:
estrangeiros. Mesmo a relação de massacre e migração não é de maneira alguma
dada de uma vez por todas e obrigatória. Isso pode significar um renovado olhar Foi o momento decisivo em que descobri que nossa ideologia não iria nos preservar de
para as redes de relações duplicadas, habilmente entrelaçadas por García Márquez agirmos de maneira selvagem, fascista. O que significa todo o nosso discurso: tod~ ~nossa
ideologia se matamos crianças, mulheres e homens, somente porque eles sao cnstaos ou
e que, de maneira consequente, continuam a ser desenvolvidas por Elias Khoury,
muçulmanos ou o que quer que sejam?787
especificamente árabe-americanas.
No caso, primeiramente deveríamos partir da constatação de que, no ponto Ao escritor, crescido em um bairro de Beirute, povoado predominantemente
de contato entre Crônica de uma morte anunciada e A carta misteriosa, a notícia por cristãos e descendente de uma família greco-ortodoxa, que desde cedo se
do assassinato do jovem Santiago Nasar não provoca nenhuma migração. Em identificara com as coisas árabes e por isso entrara, na Jordânia, para o lado palestino
verdade, é sugerido à família dos assassinos que deixem o local do crime, mas na luta de resistência e se formara militarmente num campo de treinamento da
a população de origem árabe, estabelecida na cidadezinha, não tenta prejudicar Organização para a Libertação da Palestina (OLP), na Síria, o cenário de um
o convívio com os outros moradores colombianos, através de reações de ódio. assassínio mútuo por causa de crenças religiosas divergentes não pareceu por
Os representantes da comunidade árabe, tomados profundamente pelo luto, muito tempo o indicador de uma "coisa justà', de uma "guerra justa"· Não só em
ressaltam muito mais a sua renúncia à violência e tentam, num gesto de boa sua vida, mas também em sua obra literária, o autor libanês desenvolveu, dali em
vontade, assegurar a futura convivência, através do envio de ervas milagrosas aos diante, a ideia de inutilidade de um movimento circular assassino e suicida.
assassinos de Santiago. Fazem tudo para evitar um choque de culturas. Neste sentido, seu romance A carta misteriosa projeta não só o envolvimento
No romance de Elias Khoury, a notícia da morte do neto de imigrantes libaneses, centenário da família Nasar, tanto como autores quanto vítimas de uma história
por sua vez, leva à desistência de todos os planos de emigração; os membros de de assassinatos e migração, mas também apresenta, por meio dessa história, a
parte da família remanescente no Líbano interpretam o assassinato cometido em sabedoria de vida e de sobrevivência dos integrantes da família que emigrou
conjunto, claramente como sinal de um conflito, entendido no sentido de um para o Novo Mundo. Seu romance faz-se entender, na teoria literária, como um
clash of civilizations (choque de culturas). Enquanto na Colômbia as famílias de alógrafo; portanto, o propósito tomado por uma autor "desconhecido" de escrever
migrantes árabes assentados tiram os ensinamentos de sua história, assim como a continuação de Crónica de una muerte anunciada, que, com seu prolongamento
de suas próprias histórias familiares - leiam-se como sequências de massacres local-temporal da narração para o século XIX e para o Oriente Próximo, consegue
e migrações -, os Nasar, no Líbano, estão cientes da mesma história familiar e uma fundada re-semantização transareal do texto em questão. Santiago Nasar
não acreditam mais na possibilidade de ainda conseguirem escapar, através de aparece através dela, não mais à luz de um autor latino-americano, e sim na escrita

228 229

,
Sete. Confrontações Sete. Confrontações

de um escritor árabe, com traços árabes. Os dois romances, consequentemente, A comutação de um saber deslocalizado em um saber translocalizado, que
começam a reunir uma história em comum. constantemente transpõe as experiências entre o país de origem e o de destino e
Nesse encontro conjunto de duas ficções ou mentiras está o verdadeiro cria, no sentido de uma mise en abyme, modelos fractais parecidos com o próprio,
significado desse experimento árabe-americano. Pois nele a literatura se torna o de prática transcultural, não excluindo de maneira alguma, nesse processo, que
espaço de movimento, no qual o caráter alógrafo de escrita continuada de um através de determinados acontecimentos, no país imigrado, uma confrontação
texto posto em questão vai resultar em um escrever-um-em-outro de diversas lógica de choque de culturas 7 s", ou seja, de um Clash ofCivilizations, não possa
culturas e sua(s) história{s). Esse escrever-um-em-outro rranscultural abre-se, por nunca mais impor-se novamente. De forma discreta, mas de nenhum modo oculta,
sua vez, a um EscreverEntreMundos, que não se deixa entender adequadamente a Crónica de una muerte anunciada exibe como um elemento pertencente às ordens
nem sob o ângulo literário nacional nem universal. Pois, não se trata de territórios genealógicas patriarcais da tradição hispânica, e também árabe - a problemática
literários estáticos, e sim de modalidades de escrita vetoriais e de estratégias de da virgindade "perdida" -, que pode trazer à lembrança linhas de confrontação
escrita no horizonte de modelos de movimento transareais. Por isso, seria assim culturais, aparentemente ocultas, e torná-las virulentas. Que Santiago não se
possível descrever o encontro de dois romances, como Yoko Tawada elucidou deu conta dessas demarcações nada invisíveis, na sua periculosidade explosiva
no exemplo de Paul Celan, o encontro de um original com a sua tradução: no que, afinal, apagará sua própria vida, é algo que pode certamente, já em García
caso da possibilidade de uma tradução otimizada, esses encontro no "original", Márquez, ser lido como um sinal de alerta ao ato de nunca se considerar uma
no que cronologicamente é o primeiro texto, seja sempre adorado e de modo integração social de migrantes, mesmo na terceira geração, como completa
algum resulte somente da ocasião de uma tradução posterior. 788 Dessa maneira, e a heterogeneidade cultural não exclusivamente como riqueza cultural, mas
a Crónica de una muerte anunciada, de García Márquez, já tem para sempre sua compreendê-la como evocação potencial de conflito.
continuação árabe-americana. A verdade dos dois romances baseia-se no fato de Ao mesmo tempo, torna-se também claro qual potencial de reconhecimento está
que o entre-mundo de cada outro, texto "estranho", esteve sempre contido no presente em uma literatura que se pode designar, no total sentido da palavra, como
"próprio" corpo do texto. árabe-americana. Pois, se o autor colombiano aparentemente nos transformara
A intelectualidade transareal, tomada por Elias Khoury como objetivo, move em meros espectadores não participantes de uma execução anunciada, cujas
assim um escrever-entre-mundos a uma consciência que_ mesmo que o autor razões, também além da costa colombiana caribenha, não resistiriam a nenhuma
libanês há muitos anos oscile regularmente entre o Oriente Próximo, a Europa e inspeção, então apresentou-nos o autor libanês uma sequência interminável de
os Estados Unidos- não pressupõe necessariamente o alinhamento a uma escrita aros de violência, na qual os mecanismos de autodestruição de uma sociedade,
sem domicílio fixo. Mas, muito provavelmente isso requer uma alta confiabilidade não observáveis só no Líbano, são dissecados.
nos diferentes contextos culturais e religiosos, que não devem ser escritos Elias Khoury, a quem Edward W Said, em sua visão arual, atestou de modo muito
conjuntamente, mas sim um no outro. A travessia transcultural de horizontes simplificador uma "carreira literária mais profundamente pós-modernà'790, foi, dentro
culturais orientais tanto como ocidentais, cristãos tanto como muçulmanos, de suas variadas atividades publicísticas, durante uma década editor de uma influente
árabes tanto como americanos, ilumina com isso novas configurações de sentido editora de Beirute, responsável pela tradução de um sem-número de "grandes
no mundo em torno da personagem de Santiago Nasar, estruturado de maneira clássicos pós-modernos do Terceiro Mundo" 791 para o árabe. Entre esses se incluem
tão complexa por García Márquez. nada menos que os autores latino-americanos Miguel Ángel Asrurias, Carlos Fuentes
"b ,
No jogo conjunto de Crônica de uma morte anunciada e A carta misteriosa, e, obviamente, Gabriel García Márquez. Nenhum milagre: os autores do oom
fica_ c!a~o de que m~eira uma ciência transareal interessada não em espaços e latino-americano gozam de sólida preferência, há muito tempo, em países árabes. Com
terntonos fixos, _mas stm em movimentos e limitações móveis, pode desenvolver vistas à "Declaração de Brasília", poderíamos dizer que, Khoury se engajou "avant la
uma nova manetra de estar relacionado, que não se limita a uma perspectivística lettre" {adiantadamente), na construção de uma "biblioteca latino-americana-árabe",
local ou nacional nem "dilui" o seu objeto em contextos globais comuns. O oscilar no sentido de promover a tradução e a difusão, especialmente de textos produzidos em
criado intertextualmente entre diversas lógicas mostra, atrás da figura de Santiago língua espanhola, no espaço linguístico árabe.
Nasar e dos membros de sua comunidade árabe - ou melhor: árabe-americana Engajado em um projeto desse tipo, que sem dúvida pode ser classificado
- uma história de inúmeras migrações, que se organiza em um saber viver como interculrural, ele abriu com A carta misteriosa sua própria criação de uma
específico, impregnado pela história do Oriente Próximo. A migração da família "biblioteca árabe-latinoamericana", que inconfundivelmente carrega traços
para a Colômbia deslocalizou esse saber - como o trecho do romance de Luis transculturais. Uma "biblioteca árabe-americanà', entendida nesse sentido, à qual
Fayad mostrou- de modo fundamental, conseguiu para esse saber deslocalizado, os textos aqui examinados, de Elias Khoury e Luis Fayad, igualmente se somariam,
entretanto, não só áreas de aplicação multicultural, mas também entre- e assim como a Crônica de uma morte anunciada, de Gabriel García Márquez, abre
transculrural e espaços de ação. uma nova dimensão de um EscreverEntreMundos árabe-americano, que no seu

230 231
Sete. Confrontações

significado - não só para a revelação de uma história supostamente esquecida,


mas também em relação ao potencial do fururo - , vai além das visões políticas
do Encontro de Cúpula de Brasília. O saber vive r nela acumulado e posto à
disposição é, por sua evidente ligação com a vida, justamente em uma atmosfera
que, m ais que antes, está marcada pela tese de uma "Jura de culturas", di ano de
sobreviver. Pois, deveríamos, por um lado, nos conscientizar de "que apenas :rravés Oito. ln(tro)specções
da narração das histórias, o passado se torna presente" 792 ; e por ourro lado, não V iagem ao Reino dos Morros:
esquecer a ~erdade. incontornável, que nos faz lembrar igualmente em KonigreiciJ
Experiências-limite de uma literatura
der Fremdlznge (Remo dos estrangeiros)l93 : para poder contar uma história, é preciso
sobreviver a ela. Nesse sentido, tanto físico quanto narrarológico, a literatura é, "depo is" da migração
consequentemente, sempre saber sobreviver.

Os filhos da migração

Pois eles partiram aos milhares, dezenas de milhares, centenas de milhares, que rodos os
d ias ru mavam para rodos os conrinenres, sozinhos ou com a família e pegavam o ônibus ou
o rrem, o navio, talvez pegassem o avião, nas siruaçôes mais incrÍ\·eis, entre dois vagões, em
uma plataforma de desembarque, espremidos sobre tábuas fluruames que recebiam o nome
c a aparência de navios para atraí-los mais F.tcilmcnrc, até que um capitão recolhia o dinheiro
da travessia, que eles por muitos :mos economiu.ram doa custa de trabalho c privações; c os
abandonava cm alto-mar ao seu destino - pois nunca teria chegado a pensar em tr:l'l.ê-los cm
terra firme- o u então afund.wa com des. Pois tinham partido, como todos que iam embora,
para fugir de guerras ou perseguições. da fome, da miséria, da pobreza, ou simplesmente por
insatisf.'lção. na crença de, em algum lugar, mais para o oeste, encontrar uma v~da mcll~or, na
crença de d istinguir no horiwnrc uma luz brm:ulcame, que lhes mostrasse o camtnho, e unham
parri~o. tinham empreendido a viagem , atravessado ciclones c zonas, atravessado o re_zpo, para
um d1a chegarem - os que rc:tlmcnrc chegavam- ao país com que tinham sonhado.

C om essas frases forte mente ritmadas e sonoramente compostas, a narradora


do romance MérnoriaL, d e Cécile Wajsbrot, projeta a imagem de um planeta
migrató rio, de um mov imento oni presenre de deslocamencos: por rodos os
luga res encontramos pessoas que procuram salvar suas vidas despojadas ou que
vão em busca de uma vida mel hor, de mel hores condições de vida, deixando o
que até então havia sido seu domicílio e se pondo a caminho. Não importa se
esses m ovime ntos migrató rios acontecem por meio de trilhos ou estradas, por
vias aéreas ou aquáticas, nem se levam, de preferência, de leste a oeste ou do sul
ao norte: o destino da partida, dessas desabaladas em massa, é uma chegada, o
alcançar uma localidade q ue promete o desejado futuro melhor. Por ele, está-sem
prepa~~do. para t~tiliza r rodos os recursos que se conseg.uiu poupar .no _ra~s:~0, •
9
sob d 1f1ce•s cond1ções. Agentes de fuga - ai nda que sejam eles quesuonave1s -
tornam-se potenciais auxilia res do nascimento da sonhada nova vida. •
As esperanças desses perseguidos e desterrados, fugitivos e desarraigados,
encontráveis em todos os lugares, d irecionam-se ao horizonte do espaço desconhecido,
repentinamente alargado, como 0 da própria vida, e originam a figura de movimento
de uma fuga às pressas, de um abandono frequentemente precipitado do espaço de
origem , na qual o futuro toma a fo rma espacial em outro lugar, como chegada. Essa

232 233
Oito. ln(tro)specções Olto.ln(tro)specções

figura de movimento de uma- como sempre, torta e interrompida -linha, do leste (ao lado dela, há outras instâncias narrativas integradas), em algum momento
para o oeste, do sul para o norte, abre-se de forma transgeracional- portanto, acima de sua vida, se ponha a procurar, contra todos os conselhos, a origem da família
da própria vida-, para que os filhos desses desarraigados e acossados, para quem o e com ela, a do próprio Eu. Pois os filhos da migração se movimentam em um
"novo lugar"- o aqui e não mais o ali- deverá ser a pátria, possam esperar melhores sistema espaço-temporal de coordenadas, em que as estruturas de espaço, tempo e
chances de vida. A garantia da própria sobrevivência deverá ser o pressuposto para movimento dos antepassados invadem e formam várias vezes modelos quebrados
que a geração seguinte possa levar uma vida mais feliz. fractais, de modo que entre as próprias viagens, outras viagens se fazem supor.
Em Mémorial, romance surgido em setembro de 2005, de Cécile Wajsbrot, Assim, a protagonista personifica uma figura de movimento complexa, que muitas
nascida em Paris em 1954, a narradora em primeira pessoa, que está no centro, vezes se ramifica, para a qual o "aqui" não se tornou domicílio "natural" fixo, e sim
pertence a essa segunda geração, a dos filhos da migração, para os quais se dirigem exige um "lá", que apesar do silêncio - e justamente por causa do silêncio - da
todas as esperanças dos refugiados: geração paterna, já estivesse presente e marcado.
A intrusão, uma na outra, ocasionada por inúmeras fraturas em diversas
~,então viemos .nós, seus filhos, e mal nascemos, já carregávamos as esperanças deles, pois
m~os ~onseguir o que eles não puderam, e lhes veio a ideia de que por nós tinham parrido,
camadas no tempo, através das gerações, talvez possa esclarecer por que a figura
pois sabiam que, no decorrer de uma vida não teriam tempo para se recuperar; poderiam se de movimento da narradora - e sua presente geração, assinalada pela primeira
estabelecer,. mas não lançar â~coras, criar raízes, já desde o início; nós estávamos carregados pessoa do plural - não pode ser nem a de um simples retorno, no sentido de volta,
com suas vidas, com suas desilusões e, ao mesmo tempo, com suas ilusões, e nos tornamos nem a de uma inocente visita a uma pátria distante, há muito tempo, que talvez
portadores de ambições que não eram nossas. Mas a ferida que queriam ignorar, essa cicatriz
que de bom grado esqueceram, esse nome que nunca pronunciavam: nós o ouvíamos no possa até ter se tornado pitoresca. Trata-se muito mais de um estudo fundamental
coração d~ seu silêncio, como ele batia contra as paredes dos nossos quartos, rodeava-nos com as atuais condições de vida em um planeta migratório, caracterizado por
de ecos vmdos de um outro mundo, de um outro tempo e enquanto nos queriam total perseguição, expulsão e destruição - e de um mundo depois da Shoah.
e ~o~pletam~nte aqui (ict) ~ as~im nos presumiam, éramos de lá (là-bas), antes que
estivessemos la, e mesmo que Jamats tenhamos ido lá, vindo de lá ou de outro lugar, e desde
o começo perderam essa luta desigual - uma luta desesperada - contra as circunstâncias - e
nós com eles.
O vento soprava. No espaço do eco de vozes sem morada fixa
- O que procuras lá?
- Um terremoto. A segunda das passagens citadas no início representa um contrato de gerações
- Pois nós fomos embora. fracassado, à medida em que a segunda geração se torna, é verdade, a área de
- Não se voltem/96
projeção dos desejos e saudades, das ilusões e desilusões da pri~eira ger~çáo de
Essas poucas linhas do início da primeira de três partes que integram o Mémorial, migrantes, mas não interioriza essas projeções- imagens própnas e proJetas de
antecipam a estrutura básica de um texto desde o início preso pelas suas várias vida - como seus. É o calar do calado, o impelir do impelido, que proíbe aos
vozes, o qual, na capa, senão também na folha de rosto, é classificado como filhos da migração de crescerem com naturalidade em sua terra natal, em um
romance. Ao mesmo tempo, chama imediatamente atenção no discurso narrativo "aqui" sem "lá". O silêncio dos pais quebra o seu eco nas paredes dos quartos
a separação precisa~ entre "a eles" e "a nós", entre a terceira e a primeira pessoa do dos descendentes, prolonga-se além do espaço do sedentarismo para 0 espaço de
plural. Duas geraçoes, com as mais diferentes experiências de vida estão frente à movimento de uma busca, que no espaço do eco do quarto, as vozes do passa~o
fren~e, desde 0 começo:. pois, aos filhos da migração não diz respeito a figura de - e com elas, no "aqui", o "lá" - permanece presente. Inicia-se uma estereofoma,
mov1men~o da. fuga real:.zada pelos pais, do ir embora, do deixar para trás, nem o uma polifonia do resultado das comparações, estimulada por perguntas, que 0 Eu
esperado. enratz~ento no local de destino da migração dos pais. precisa fazer para si: "O que procuras lá?" 798
A parttr da mats tenra infância, há nessa segunda geração um conhecimento Cécile Wajsbrot liga o Mémorial com o pequeno volume Beazme-la-Ro~nde,
dI•fuso de que "aigo nao ~
procede"797 : os filhos da migração não se desenvolvem publicado em 2004, e especialmente com o jogo entre as vozes e o~ c~mhos,
totalmente no "aqui" e sim carregam o "lâ' consigo, que foi sempre para os entre voix e voies, por meio do qual a escritora, nascida na França, la proJetou a
pais e ~eus antepas~ados. o ,"aqui" inquestionável de uma pátria, como sempre, sua elaborada pós-figuração do campo.799 Lá, a pergunta insistente, provinda do
. d A h . soo
d~term~nad:. Algo mommavel está onipresente. Os antigos caminhos de fuga e efeito de eco das homófonas voies e voix, sobre o que resta hOJe e use Wltz •
m1graçoes sao armazenados ao longo das gerações e formam uma memória (de foi respondida, com o indicativo da onipresença de Auschwitz: no campo de
passagem de Beaune-la-Rolande, o campo de extermínio na Polônia e~tá semp~e
família) vetorial"J. ustamente la'• aonde · quenam
· exc1ustvamente
· d.tngtr
· · seus
., " ?,s pa1s
filhos, ao novo aqm . Mas, este aqui é um outro: Jci est un autre. presente- as estruturas do campo sobrepõem-se permanentemente. Asstm se 1: 1a ?
Não é de se admirar, portanto, que a principal narradora em primeira pessoa em Beaune-la-Rolande inequivocamente: ''Auschwitz não se encontra na Poloma,

234 235
Oito. ln(tro)specções Oito.ln(tro)specções

é um lugar indeterminado, que está em todo lugar e em lugar nenhum" 801 • uma camada de gelo de incomum espessura" 808 • A harfong des neiges- e nisso
No Mémorial, cujo surgimento está ligado a Beaune-la-Rolande, esses vestígios é simpática à literatura - ousa avançar como ser sem morada fixa, quando os
ubiquitários e disseminadores continuam a ser perseguidos e transportados para homens assentados ou que se esforçam por se fixar, o que normalmente fazem,
uma forma de romance que permanece constantemente frágil e quebradiça. Ela e circula nas regiões em que a voz humana congelou-se e das quais ela deve ser
retoma as marcas autobiográficas de forma mais vigorosa, porém sem desistir primeiramente retirada, "descongelada", liberta do passado e tornada acessível.
totalmente de um pendor friccionai entre o mundo do romance e algumas A presença das vozes do passado constitui um elemento estrutural do romance,
pinceladas autobiográficas. Mas, mais importante do que a busca de auto(r) que se torna algo como um espaço de eco e busca trazer o passado para o presente,
biografemas, da presença de elementos autobiográficos no texto, é o conhecimento deixando-o ressoar. As vozes, dos mais diversos tipos, não raramente contraditórias
do fato que se trata, em Mémorial, menos de um local da memória do que de uma e igualmente em off, são onipresentes e questionam o Eu e seus feitos, sob os
arte da memória, que se alimenta do movimento, pois ela vem do movimento. mais diferentes pontos de vista. Cada movimento, cada ponderação do Eu são
Assim se apresenta todo o texto, na forma dos mais variados movimentos que comentados, discutidos e colocados em questão. Para a protagonista, fllha da
se sobrepõem, também quando a primeira figura-movimento, a coruja-das-neves migração, que contra todas as esperanças dos pais, não está arraigada à França {se
(harfong des neiges) é retratada como uma ave de rapina, imóvel, nas regiões geladas bem que certamente está à língua francesa) e não parece possuir nenhuma morada
do Círculo Polar Ártico. Os capítulos em impressão cursiva, inseridos entre as fixa, as vozes do passado são ouvidas obsessivamente, sob o sUêncio rransgeracional e
passagens narrativas das três partes do romance, que a esse pássaro branco - que transtemporal: o passado e o presente se tornam insolúveis- e não de forma idêntica
compõe uma contrapartida direta ao corvo preto Jacobo, do grandioso Manuscrito - cruzando-se, chocando-se entre si. O texto sonoro de Cécile Wajsbrot, que de
cuervo (Manuscrito corvo) 802, de Max Aub- se referem, rompem a estrutura narrativa quando em quando lembra um poeme en prose {poema em prosa), que não devemos
do romance, adorando uma forma predominantemente discursiva, quebrando assim identificar com a protagonista nem confundir com ela, traz à audição esse colóquio
o fluxo da narrativa, mas particularmente reflexiva. Diferentemente de Jacobo que, múltiplo, esse "polílogo", do mirante de uma narradora que é filha da migração, mas
pela observação de um campo de concentração no sul da França acredita reconhecer que também - como a seguir veremos - é uma filha de Auschwitz.
a conditio humana como que concentrada803 , a harfong des neiges (coruja-das-neves)
vira literalmente as costas à humanidade: sua atenção se volta aos territórios do frio
e do gelo, que não podem ser povoados permanentemente nem dominados.
Pode parecer inócuo para o observador casual: desde a primeira passagem No espaço vetorial da memória de
que abre o romance, a coruja-das-neves está ligada ao movimento e à migração, ascendentes e descendentes
pertencente que é à categoria das aves migratórias (oiseaux migrateurs) 804 , e sobrevoa
com seu "voo silencioso e branco" 805 sempre de novo, sem ruído, a paisagem deserta Desde o início do texto, o Eu está em viagem. Nesse contexto, a espera por um
de tundra e gelo. Esse pássaro de rapina solitário, que vigia permanentemente o trem na plataforma sinaliza que ele, não chegará com um atraso só de meia hora
horizonte de uma zona não povoada por seres humanos, e espreita, no anecúmeno, -como fora anunciado inicialmente-, mas de um dia inteiro, a duração total
suas presas, é sedutor e impressiona não só pela "harmonia de seu movimento" 806 , da própria viagem que se tem em vista. Surgem boatos de ~ue pode irro~per
mas também pela sua plumagem completamente branca, seus olhos penetrantes, um conflito, de que as fronteiras foram fechadas; de maneua confusa, vao se
quase lancinantes, e a ausência de ruído, o seu "silêncio" em meio ao deserto formando elementos e fragmentos de uma história de dois países, separados por
humano. O bater das asas da coruja-das-neves- que como o corvo Jacobo ilumina um rio fronteiriço e uma longa inimizade. Mas, o que permanece é a grande
a conditio humana efetivamente de fora, como se da perspectiva do pássaro - é História, uma história de guerras quentes e frias, no pano de fund~: outros fo~os
perceptível em todas as páginas do Mémorial de conflito exigem toda a atenção da protagonista, que espera o ma.ts cedo posstvel
Não por acaso, é o silêncio no frio de tiritar que introduz no romance não poder atravessar a fronteira para a Polônia.
apenas a isotopia do calar-se e emudecer na sua ligação com o gelado e congelado; O frio na plataforma, em um país que se localiza em algum lugar entre a França
ele o liga também muito estreitamente com Beaune-la-Rolande. Pois lá surgira, e a Polônia, prepara para a aproximação de um mundo cujo acesso, n~ ;erda~e,
com referência a Rabelais807 , talvez a tarefa mais nobre da literatura, de "derreter" é proibido para o Eu: o mundo, do qual a parte sobrevivente da famtha fugua
as vozes congeladas do passado, trazê-las para um presente vivo e torná-las dez anos antes. Ela foi calada por longo tempo na família - e assim não admira
audíveis. A coruja-das-neves está ali, consequentemente, com seu olhar penetrante, que, na geração dos pais, a doença que avança progressivamente, da qual se fala
justamente pela presença dessas zonas de congelamento que impedem, no fundo, seguidamente, seja o Alzheimer. 80 9 Mas a narradora q~er ~ab~r,. quer ter ~cesso
o acesso duradouro do ser humano e não permitem nenhuma sobrevivência: "para a uma memória de sua família, que ultrapassa a sua vtda mdivtdual. A vtag~m
aquela atmosfera sinistra e difusa, na qual nada podia se formar e sobreviver- conduz o Eu, consequentemente, por uma fronteira entre países, uma fronteira

, 236 237
Oito. ln(tro)specções Oito. ln(tro)specções

ui· o naquele tempo,


entre sistemas e uma fronteira linguística: a viagem para a província polonesa - pe~ce prível. eaoaudível como o aqe .m' f1lI traço!-esdse dinicia,
má:xima. O lá se tornara. tao de sobreposições um
de KJdce i tambim o caminho de volta l odgem da familia, que como 0 " ; ' como o hoje; o voces,
0
• com 0 o nos: flum.- ) ::>e cada expenencia-
•• • do outro a o e
congelado das palavras, está coberto por uma camada grossa de gelo e escondi a. . do cada re exao
Mas o que será o espólio dessa viagem para um passado distante, congelado? atravessando e veto nzan orralmenre. . d uma "oriaem"
Desde o começo está claro: não se trata nem de uma visita impulsionada por simples retorno, que po de ocorrer ma tentativa de segUir · a pista e narradora"' em
d · ' Com su futuro, a
Mas por que tu o Isso. . poder viver um d "meu país não
h . · 1es
·
s1mp · "dade nem de um retorno dennitivo
cunosi
c ·1·1ar. po1s
· ram1 · a ngura
['
f' a um " pais
• d e onb·aem" da
de movimento do retorno é conotada em Me' mona
. d . 1Cia para
(OI·igine)BIG, uma proce ei ' I. çáo para o sennmen
. to e que
d u iria caso esse
1stona 1 primeira pessoa luta por u ma exp ICa I para onde eu Ia · (_P ara on e ecorre lá' o perigo
com a morte: aquela parte da família que sobreviveu à Shoah e voltou para Kielce,
al d foi completamente meu, mas aque"Sl e í A viajante, asSim parece, a esteira de um
guns meses epo1s, · sen do Vitima
· · da por um novo pogrom, incompreens1•ve] para . o era meu · s1s, uma M vez que n as forças que
810
a narradora em primeira pessoa. O que resta de Auschwitz? Novamente, foi a trem chegasse), tampouc , . labirinto) s Pois
a~s
. (d
de ser prisio netra o seL
1 propno .
no ao Remo 0 d s orro
. d
. '
movimentos que
condenação do assassínio ritual, que foi 0 pretexto alegado para a perseguição . d 1 um retor las am
· d eus. O s cad averes
JU ' · 1esmente atirados ao rio, mais tarde croram en rao
fioram Simp simples retorno, vat ar en d asas sentem-se ne s horrores, as on as de
a os d
puxam o ,eu " para o no . são po. edr Morros.
, A guerra e seu
erigidas no cemitério pedras tumulares e um monumento, um "mémoriat' como
uma lembrança .d~sse massacre e uma advertência, após o genocídio. si I Uma
transformaram o no
d
refugiados e as eporraço
· em um Rw
-es
. d os
atn a
estão sempre presentes.
que a vtab · aem
d Eu seJ·a mrus
0 d Eu so brepoe
. que "um
• m-se
cultura da memona dos locais de memo'r1·a d enros cercada, . protege para ·menros
morra. Pois o cemitério já está há muito abandonado, amante e monum , Mas, o conhecunenro d »SI9 Nos mOVI d denre liga, como que
0
.
retorno postergado por déca as ·
lados, os quru ·s a escei 1
bém com a sua P rópna
Mas não só o retorno, mas também 0 olh · , d e cara!· muiras . · nte acurnu . mas tarn
vezes e, menciOnado
. . de O rfeu e Eu 'd· ar para tras
o m1to . po e s dr r;SLia ·]Hstofla.
. , .. muitos outros, h1sroncarne dos e sua epoca, das três que compõem o
05
"nao
_ se V.Irar, não olhar para t · n 1ce e o ensmamento e '. 1 çáo ao coreograficamente, com antepassa. ·á na pnmelr . . a parte, , . que, na I"Iterarura como , .
ras, tornar-se
passado, para poder seguir em frente pras cego
. propositalmente
d . ,em Ie 0 aEu esta• ,
epoca em que v1.ve. As sim, . sobressaiçoJ vetofl,·a] de memonaalquer perda de memona.
, sobsegun-
,a procura desse poder-viver, desse saber .d para po er v1ver
. 8 12 ·
volta para romance o surgimento de um espa cermidade, contra qu.orno da c·l 1a
à pretensa
tras,
· desanan
[' do a morre. reaVI a- e mesmo assim se ,
meio, é protegido contra qu alq uer enn caminho en tre o retpassar para os filhos, que
te
E procura um costumam "
s, tu a f: rás fucuramen
An Repentinamente, o olhar se estende . . . I miro da Dessa forma, o u
C
d. e miarantes , "da que
· ·d ade. 0 no
nglll · torna-se 0 Styx (Es · )por .uma paisagem mvad1da pe o ·ociado origem e a divisa de an·b IS ', qu. . wfertts b · x que 11011
mreu d"alética do ser N d"álogo
apatn '
com a designação científl nge , CUJo ~o me está conscientemen re ~=s . de pacna.
devem criar raízes na nova • ia desdobra-s
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ao escrangetro.
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rome1ra se esboca: nesse no que sestlyx para a coruJa-das-nevessu_
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. "820 Na sequenc '
UI" es em um
rerorno
al c. xo a nar
radora em P
erorno:
cujo nome parece · se originar' do suec para os. VIVos. e. os morros. A hmi" ·.fitng ues 11Reino
ó
transformo u o camm . h de ISS I de nenhu m loc .b.lidade n1 ' de qu alquer r
0
dos Morros? E a protagon· _ . anngo, VIgia consequentemenre um vez c 1 com e a, · poss1 1 a qual
com as vozes, que ra am h imento da Iffi I aforma do crem, n ndes
por todas desrespeita a froIsta .nao e uma' vi0 Iadora de fironteiras, . que, de uma . a I
pessoa desenvo ve o seu con ec · na par - h0 uvesse' priagra
nte~ra traçada entre os VIvos . , C Isso, d" ·,a para 111 101 que nao pessoa
própria morre não a ameaça e os mortos. o 111 I o)·e 111 ais se rerorna, 12diflcou-se,
· mesnassou a pro '
10
Não se retorna, nunca ' bandonou, 1110 e remP0 P ou que
_ pouca aparencia
de tao • I no labirint0 do Rio d os Mortos d e Kielce, 1'vel
' presa
no qual
' e
.
se tornou noite, o que se a pelo <- r"ro
de q]us210 d Anjo
de um Minotauro aquático q a quase , b n-ao consegue reconhecer a "f' ngura horfl transformações, simplesmendt~ no mesmo (... . c llte da figura o ua
, ue estaco rand !h , "RI4
. de do, 0 que a
Olhar para trás certamente 0 o que e e devido?
tenha se mod1nca
. f'.
Ulisses - direre ·uscamente P0 rque s
.
movimento de um Eu que' ' mas . nenhu m retorno. A figura hermeneL · Inca oLI
Oferece-se à figura de movt hance de um ~d da palavra?
.mento de f, ]iz retorno, J
' no aqui perceb rorn
aqui, depreende sempre 0 aqui d . d e sempre o lá e no lá que se di·da b . , ·a- a c rigoroso 5enn o
enjaminiano da H1sron
como um pêndulo, que através de!Xa o para rras, · po de ser muito melhor en ten·a1 de
Vtagem não conhece regresso no
·
, . . os seus mo · . wn
memona e v1da: para poder v· b . Vlffien tos, ena um espaço ve _ só
espacialmente, mas também te!Ver eaiso reviver. lrCl. e là-brzs (aqui e Ia') na· o sao . nal
e transareal - que, como J.á mpor mente determmados; · à viagem transnac!O ·ro Auschwitz . ,
.
parec1das fisionomicamente em
ocorrera em B
I eaune-la-Rolande, une regwes
. _ mUI
áO O filhos de . da procagontst~ a
seu re evoBis - JUnta-se,
. d·mens s d ma mulher que nao
de sorte. E a viagem
transtemporal,
d que atravessa inint desde o início, a I ,ro
, erruptarne V. promessa exterior e u nacionalidade
e penados distintos, porém _ nre d"fi
1 erentes épocas. Esse cru zarnei·da amente uma . viagem0aonem-n em de . urna - leva
. d" .d al ' que transpoe as fi . de vi P •agens conrêm não rar primeira da migraçao,
m lVI1. ud , atrela o Eu de modo transgeracio alronte1ras do próprio tempo emen re · alguma. ateiro a um lugar· ao pats, de desono '
olônia não é de manelfa
atua IZa a, que constitui o E n a uma genealogia constant c ça se sente afinal pertencente Por .Jll lU asstm
. como'
li, no retrosp ror ' ' , d onge '
ecro a um século do horror, em ausente em relação ao pa1s e 39
2
Oito. ln(tro)specções Oito. ln(tro)specções

a narradora, que cresceu na França, ja, cedo a, anv1


. .d ad e de correspo ndeme no exterior d ra em primeira pessoa com
ininrerruptamenre a narra o morros, dos que foratn
e o conceito e, entendido
. em var10s
,. senn.d - que tra ball1a lonoe
os o da Europa, em . de vista. Elas confronram . se sobreviventes dos . finitatnente no
0 e separa VIVO d do ecoa m
-uma capital do sul, à sombra de vulcões ativos, aguardando um terremot~. A escnta de sua história e com qu h ·rz uma vez erona ' d Lxaria reprimir o
assassinados. O nome de cAusc• . Wlpor' longo tempo. Como se e
em língua francesa, que seus pa.ts, . em1.grados para a Fra.t1ça, nw1C.1. dommaram, de d I · ' · da ta.t11l 1Ja, I
todo, abce-llie wn "P'ÇO-movimenco, que Ionge d o "P'ÇO d etem,ão entre . . . o pa.tslhM espaço-eco a 11srona , al as deixa c aro
f1 . . várias vozes. - sem p avr , d
origem e de destino da migração dos pais, mas ao mesmo tempo possJbdJta. 0 0 que não para de a Jgn a I calizaçáo, mas nao h d miaracão quanto e
d
de forn P"a o ptóptio mundo. A língua tam bém se toma um meoo . .para
. alternanvo A A presença as vozes sem . o oa é ranro uma fll ad a acáo o · dos pa.ts, . para
que, a narradora em pn . meJra pess , claramente separ ada a ger .
uma reflexão, no estrangeiro, do próprio, assim como do estrangeiro, no propno. mpo, esta '
distância parece curar as feridas do passado. , Auschwitz. Ao mesmo te . rava: . d Fazer. Sua
Porém, essa extraterritorialidade dá provas de uma existência de "distanciamen~o quem apenas a so revi\ b · rênCJa con ' . 'ncia c sabem 0 qu e rem e
em um tempo pro Ionga do: uma v1"da em reevocaçao. - P01.s essas co rrespondênCJaS . . m rudo,. Ido aspl·ram. à sobrevive: • . sobre eles pesa um
-Aqueles que Vlvcncla - crplcxos, pois
transconrinenrais de uma correspondente sem morada fixa não permitem . . . . . . .
v1rona cons1sn ra un ", r ,r sobrevi\ I
" . ao mun o · d c e.srao P
. 0 acesso . . bem vem .
àquela zona do silêncio, sobre a qual a coruja-das-neves, pertencente a c o - Os ourros nao
d , ateoona d s.1 1 não · c_ sr
se r<t 1a. , mero
sobreviver,
as aves mJgratonas-
. , . que atravessa espaço e tempo na mesma med·das2J ' .
_parece a aconrccimcnro o qua vitória esta 11 0 heceratn a
<>tat v.g• · ·1ame. Apen" ao ceal.""a Vt>gem · de ttem pa" a po I'on.,, · pa ra Kielce,d empo, a I que con
nanado.,, fugitiva vinda da Eumpa, de uma '<>na de clima quence, é confmnra Ia Se, para a geração dos qu e•.fuoiram ar
o dos descendente s - . daquenãoesexiste, aberramenre , b m
0
no que pode consntuJr · · ex1to. ,, Para a protaooonJsta, m "Novo tMu ndo , I eue
dima e implacavelmenre com aquele "unive,0 de gelo"'", aquela cegiáo paca e;
"graça do nascimento Postenor d .espaço (a fuaa o parafuaaupara o fu turo, o .recadeq se
inabitável e ao mesmo tempo inominável: para ela uma inspeçáo pertinaz, que a
mesmo tempo é introspecção. d c a a nofuoa no tempo (ab oestar diante do . pengo
N dralando, nem uma escap . emória
. ) m uma o ·to em óna, a m
o .eu ·mono, ' · pocem, ' ha' wna deronaçáo. Pois, quando a n"rad orn, na seo-un "· dea IStanre d a Europa ne d ) Ela pode mu' denada à mem ·sa fosse o
.
e o esquec1menro d o Passa o. · do passad 0 .· "con desse fazer'aiguma co1 çáo vale,
parte do romance, descobre que uma senhora que viaja no trem vive na pequena CJda
tornar para sempre pnsJO · · ne1ra com 0 qu,al eu pu . como para as.ua 0oera raça· ' para
industrial de Auschwitz, é impossível para ela pronunciar nome da cidade polonesa
0
eterna, como se o un · ·Jco tempo us2s Para e1a,'assun . • cia da pnm · e1ra ae penas 0 um
de Oswiecin: o nome Auschwitz explode- e não só nos ouvidos da narradora- como 0
passado, em todas as suas I . lento da so . formas . brevlven '
capar da re u d çáo a a
s sobretudo
uma bomba. Depois da explosão da palavra, expande-se vagão do trem uma queda
110 . . on lecln eclsa es
de M temperatura, uma mudança de clima: "A palavra lançou frio"H2S. por Isso, transportai o c nda: ela pr esenre e rutu fl Nisso resl.de
' c ro, ma
· al' d rrou · d da seou do pr d txa. .
d a.ts em oh trem em que estavam sentadas, 0 nome Auschwitz rranspo o conhecimento de VI a . ::o entre passa '. ) sem mora ad eves, "um ser
as uas compan e1ras e conversa, que ralava.tn em fra.t cês _ a lmgua a nível temporal e retazer a . c lwaça
0 d senta
'pria (e a e d pela corup- J usz9, com sua · as-n
d · d c , d filha
·
a m1graçao - - "para outros espaços e outros rempos"B26.1 Um espaço veron·al de conscienrizar-se de uma v1da I ue é representa
pro a
. Jeserttts, ó nerria usual dos
enre•uefttatts
memó<ia há ~~i ~e
to insralado desprende, 0 qual não se engana nem necessira ~: llJna sabedoria, como aq ue a q. sobre ptttl
01
, 1íc1esd a.
°
_ e alem , da aeol
0
local da memona, na sua local,zaçao topográfica concreta. São muito mais decJsJV soLitário, que dá suas voltas P do-se e mo ven s ' vida - "so b o
os registras vetoriais de movimentos que se passar h, I assim como 0 rienran
capacidade especmca, -c . da a co focar suaresposta a' única
nos tempos presentes: as l1nhas . de movimento d an1 I a ongo tempo, I fu ao exrenor . seres humanos e suas b u'ssolas. ssoa esta, inc 1marocura por uma . nto de VI·da, que
ague es que, pe a ga ' , .
pudera.tn se salvar e daqueles ourros que com . d b da fam1 ha A narradora em pn·me ira_ pese consntu · a na, P de um con hec1me se tempos, esriver
da narradora • o munas os mem ros .
h . em primeira pessoa foram depo t d
_ fo1. em vão que ' os naz· r a os lh
d exrermín JO
para o c.1.mpo e da malha
Pressuposto de que a VI ·da nao u curso, ar ' d diversos e d um conge1aJnento
raves spaço
em Ausc WJtz. Nao Pergunra"S30 - novamente no se. hos plano.s -os do passado ed e viver hoje, · sem -
ferrov1ana . , . como local-padrão desse campo dJstas esco , eram . E um C, .centro
,v, ·sbrot nao •
Porlhoutros cruzamentos . e camJn capar a P d nsao bJ·etivo de po erdesisnr e voltar
. d . o
de1xa . 1.sso passar de graça _ em .
e exterm1010. ec1 1e waJ . , dos 0
ass1m es esse rarn - d rmJte-nos
r~"rino Eu~·o
em servea ,dice mos<" b -Rolan e,!"r "'" "'
maJs . diferentes
. .
npos, como meios tran predommam veículos sobre m 1l OS,rrem
seusdetextos llle o r conecrada, pa"
emPmovunento, . no qual os antepassad sporreb·- essa conversa acontece · 110 •es da Vida. A sua viagem de de com a"une-" da vida a ore ercer.
I como o cantor Orfeu e o omparaça áo salvado o"sJI' pode ex
e os nomes de Auschw·t 1 K· 1os sucum Iram . a deportações e m1graço .• ·a ·de do Uma c tal funÇ•
. z e Je ce, aos qua1s se associa uma expenenCJ olhar fatal para o passa 0· . al sim. qt ' descong s espaços e tempos,rado
elament em
terror, 1 passam as afiadas J has interrompid
111 c. . . d alogia de c - v1t • ro a0 .c ente f: agme
f:am1• 1.a, vanas , . vezes estilhaçada as e nonrem ças e uma gene . n ro. Con1preender qual ru nça gelamen tre duer ·]h çado e o r 11
. , . do con . -es en estl a
Evacad as tam b,em sao • as vozes d' que t0 d a conversa
I evoca no trem em mov1me d mas que nos permite cheg,u - as !Jgaço brado, o ·,rrelevantes.
t·ols ela realiza a comum·caçao,ndnuo, 0 que uenremente,
r. .
1·tummam · essa h·IStona, . de desrr e· - os ague es que na verdade estão mu os, ros
UJna geometria na qua1o descoorfos e, conseq

..._____
UJÇao ou acossamento, sob os seus diversos P011 ao sejam excluídos co moam
I1 -

240 241
Oito. ln(tro)s pecções Oito. ln(tro)specções d' ocar seus
I' o laffi u
[· · ·]"s-1o. Aqui ou Ia.
·~ Um
0 aqui e o a p
Repetidamente emerge a imagem d a I'lh a, no M'emana . l . Assim ' o 'II ·quento
so fnme se • 1 a . ou 1a• _de modo que
aqui
apa rece co mo "uma ilha, cujos acessos são prot I os meio-termo posslve , er, a re<>ra era parnr o .ficar
· u . -mas, sim, forma-se um
lugares, podiam se invert~r, mas ~i"ár~o parece não exlsnr no "aqui" haja s~mpre
'b'd "832 , c orno. uma 1 1a, quarto
tema po rém constantemente abandonar; e a protagonista,
· soz•n h a e m seu uando
' 0 1
meio-te rmo, um espaç mrerme polos possam se inverter e
. armazenadas eco nndas.d
' ' " , c '!h d
d e hotel, co mpara-se a uma naurraga em sua I _a eserta"8.13 ·o _ m esmo q
o rio de Kielce. 0
enrremundos, co nrant que os d
s do passa 0 Ja· ' esrepm - de um remo d passa o,
.
essa ilha não parece estar rodeada po r um mar, e stm por um n_ , d 'do ao 0
"I, oz do presente, as
' vaze mela, a ·111specao
, h' , ia da craml•t·Ia esta
Nessa ilha naturalmente, vozes seriam ouvidas até em de masia: elas, evl us o a , na v . Morros- e co ue a Isto r orém,
isolamento' e à insulandade
. .
da proragomsta - co mo o texto mostra, com
. se
É A viaaem ao Remo dos 11": Ice, a casa a q (suposta) casa, p -
o
- não estaria encerrad a, se .em rueA aproxima
. da . ça·.o a essaomo a ultrapassaaemo . naolhe
retrocessos cada vez mais rrequenres - tomam um espaço ca d a vez maiOr. de0
pr~ibida"S4L, senndean~
c
fechamento d e uma ilha-m undo, que se de1xa. abnr . com muno
. es f,orço ao gra n ligada não fosse buscada e"vlS1ltaa minado. Nada, asstlme· um
. ma zo1 m rerr ·aamen ·
imer-relacionamemo no mundo de uma ilha, de um arqu ipélago. da será como pisar em u . como se fosse u d aqui é como anuo . , m aqui,
Pois, o passado parece dominar tudo com suas vozes, re pnme ate, m esmdo ca ue permitida de uma fronrena , dentro dela-, na a 'po outras pessoas VI\ e
. 1
sensação de rome
c d a protagonista:
· "E- o passad o, a mun
· mesm a • passa o q_ dizem as vozes - o u '- s vozes sráo Ha. mu iro remças• Jci est r/III autre. · m parece
0 • D. de queas' própnas
retorno a um lar e 01 a .
· . 1 1bran' ·
en . que se rornou
lá-ass 1
e perdem
me alimenta e me sacia, que não deixa ao porvir, ao futuro, nenhum espaço, .0
. h' ónas, su . 0 aqui . s que s
que posso viver ainda?" No mais tardar, aqui se torna m a n ifesto que O do~·un~e
834
0 com suas própnas ISt nou aqu1e dos tr1 1110 ' b ndona o
I . ue se ror I imagem ,,ala, a a
do p3>s.do, há muito tempo " tocnou para a pmtagonista uma questa? A decisão e ntre o a q . au iada pe a apanha sua I . I espera pelo
sobtevivênci" o Reino dos Mottos avança cada m mais sobte o mundo dos vovo~
·da men te, o . pessoa, . d l(ie ce, .
5 - é encont rada rapl pri metra F rroviána e ..,... uma Pans
E
a morte se pos . O " retorno" a K'1eIce po d en.a ter para a n a rradora aos
• a, espreita. e na distância. S·\ ! A narrado n• empara a Esraça- 0 eas linhas, de novo e...volta à vida
P seu quarto de h o re I' ap ressa-se ·s ' carde, en1 pouc
. d cem anos de sono, "entimento de
rimeira p essoa, sentada imóvel e solitária em seu quarto de hotel, ent regue a
próximo trem e se enco ncra mal d o1s e
m que ep . [Paris] aparec e um s 0 retornO a
s.u
monstros do passado, consequências realmente fa tais. Pois, o que resta a .in da. pa r,e
v1ver,
· se o presente e' conge Iad o peIo passado? Em n enhum 1ugar no h o n zont que ela - como uma p erso nagemente pro· pna - che<>ad o e111 casa.
d pais é maiS· u ma
.
emerge uma terra prometida, louvada.
-, mal reconhece. a N . ~
rerensa
npressáo d e ,ao
1
'
rer
as o
vias d e ~ aa Aos ~~-I
.
própna mo radia
1 11
estran heza, e a susren cave . I s que 1or
c maram . ' esrran ho ·
P 0
aris justame nte pe Ios camm. 10 e ain d a maiS,
0 d ahotel. . do na
. ente acentua d
vez um retorno ao este an<>elr o d um ' quarto e aeiro e, I1abl1m ·ro con1,ecl·das , e
Aqui e lá .
ago ra surre o efe1to es n ·anho e
lar para 0 esrrano esrra11has, há mtll -
l(ielce estao presentes
d
As d alta ao d vozes . · iode - con uz,
·• · d · · d ida a O estranho essa v d presença e . e o cemlter omitida, na0 anho
b exp enenc1as a pnme•ra geração de refugiados mostram em q u e me . . vés a d 0 no al ente esrr,
· • · d I
so rev1venc1a po e en t rar no ugar da vida e acuá-la _ como bem connrm a uma c. , _, tecnica narranva, acra acida e, P ris ror 111 lar, agora .0 ou-se
maneira que, repennna . m.ente, de vo Ira 'a aue ' no prerenso O lá no aqu 1 rorn e um
das vozes do passado: "Sim, se alguém sobrevive, não resta nada mais para viver 8 5·
cu1rado · cimento to rnou-s
0
e m Paris. No texto, a v1aaem . 0 co nran ro ·d q _ e se
Como os refugiados e expulsos da primeira geração, a protagonista também vaga I1 11 0 0
na verdade, a ne n um _ retol ' 1io •
ais ser on d falta e P d erten que se so brepoem
d forma
ao redor, procurando sua própria vida, e como eles, não sabe aonde ir: " Para ond e,
~" 0 · L'' 836 0 . . a-se f:
possa estar presente e naoh m0 nem-nem paço a e d e.remP 0
'"'aJ·sbrot proJ·era scilante,
e
agota: - u a'"·. seguu vivendo nes" "tempo destruido"'", apwxm1' na . cran a. . de es ' C, !e W' dos o
demaJs, para uma v1da, do Reino dos Mortos M E . d ra essa zo amilia r d e mane1ra es de níveiS . l de ecl enrremun . dessa
. as, o u am da procu 11 de tanto-quanto da cop rese nça ue o /VJeTll ,, · or1t1 •
I 'zou-se em umo da protao aon1sra,
. ao final
ameaçada pela morre um caminho novo próprio a promessa
38
liberdade: trouver sa voil' (encon trar sua ·['_ escon e um tempo acI a r
• voz) s·, que ·
Impõem: um entremu
ndos q
aqui e
1 a
· vo ao
a para o
âJnag
, Eu chegam
ass1m,
que não
h d
tgnlrlca 1 te entre' xrern do d vozes,
um camin o e uma própria (resson ante 110 lexem fi • )ao mesmo
( . ) Ela procu ra esoladora. O contras oo-ra.fia e. externos niverso as narradora
d o vimen toS dos · com o u .Mémorrll· · 1com
em todas as vozes 839 do passado, que já há muito
a rances voz . d vo1x . .prio inreno . r q ue se deslocou e un1a top 010 a com as
. 'dade
parecem sa1r o pro (\ lh -r dos • os - 3111aluama . rerl111·na o ela sua ·11HII111
da protago
d msra,

desenvolver uma voz própria I . I mente esta_ dfi a da migração. 10 rahsaça 0
o
I, ,pna qua s1muc tanea , 0 , c. . Ass• 111 d que, p ·rar:
guarda as as 111guas dos outros dos mo re a pe n as o romance, a uma pa orada tixa- s esta o . de um expl ce,
pode responder uma literatu . ' desenvolos. or essa
ra que . tarera, porei11o ,lifonia. e conhecem m ais nen 1U I ma iU .da sem força '
e d iferen cia da aconrc
, I a onde na c. uro que
. .
sua mobilidade e não esteja compromissad va conscientemente
h I al sua p be'm com dormeCI , ' ,ão s ·o ha ur , 1 um rur h
el11 primeira pessoa a . o tempo I onde na lguém. sen ,,o eu son o
nenh um local d a memo_n.a _unicamente. a com nen um oc - ta m h • 1u1t
Vozes dos falecidos, a n em seu un~: esl111~r
· erso.
que e a d
1 lado e e5' 1 co1
d deles, ficar !11 passa me esren 30
No último parágrafo da terceira e última pane d
encontra diante d al . o roma nce, a p ro
tago nista se
Vou me estender ao l~b~ização,sen\L:erno- vor~\1ecer.s•s
e uma ternatlva supostamente clara: "Não h avia n enhu 111 num mundo sem m .Lcorme e 11 os ado
amedron te, um mun do _un fechar
r• os o 1 '
de vez em quando e enrao 2 43
242

I
Olto.ln(tro)specções Oito.ln(tro)specções

Um mundo sem origem e sem futuro? A ambiguidade e a abertura desse fim de Viena. Não só durante a sua infância em Berlim (Oriental), que era acompanhada
romance, deixa a pergunta sem resposta, se a dissolução das fronteiras entre o Reino por estadias mais longas na terra natal paterna, mas também durante seus estudos
dos Mortos e dos vivos carrega, de preferência traços traumáticos ou de pesadelo. de Filosofia e História da Arte, na antiga Berlim Ocidental, Fatah permaneceu em
A co-presença transtemporal e transespacial de tempos e espaços desemboca em conta to com o Iraque. Essa relação continua até hoje, como mostra um artigo mais
uma zona cansada da vida, que nenhuma promessa mais - isso seria, pois, de um recente de Fatah no Frankfurter Allgemeine Zeitung. Os telefonemas referidos no
acordo com os mortos - mantém. Em todo caso, resta a narradora em primeira jornal, antes do início da Segunda Guerra do Iraque, intermedeiam uma imagem
pessoa, ao final, em um entremundo entre os vivos e os mortos, no aqui e lá visual da distância familiarizada, que caracteriza a relação de Sherko Fatah com o
de uma história de migração, que é uma de muitas em um planeta migratório. (norte do) lraque. 848
Mémorial mostra de maneira impressionante que a vida "depois" da migração Os paralelos entre Sherko Fatah e Cécile Wajsbrot não se limitam- em todas
continua ainda sempre no círculo da rota da migração. as diferenças - de maneira alguma ao biografema de fazer parte de uma "segunda
Isso vale também justamente para uma escrita "depois" da migração. Também geração". Pois, assim como em relação à escritora francesa, a literatura nacional,
aqui não há volta a qualquer tipo de degré zéro do movimento: tudo fica também em relação ao autor alemão, está ligada a um outro espaço transnacional
armazenado no campo de vetares múltiplas vezes quebrado e fractal da literatura. e transareal; e assim, o campo de visão de cada literatura nacional aumenta
Com o encerramento do romance, chegam ao fim os movimentos da protagonista, representativamente. Com boas razões escreveu Karl-Markus GauB sobre Fatah e
mas não os da literatura, que vigia as zonas congeladas, hostis à vida, com os olhos seu primeiro romance lm Grenzland (No país fronteiriço):
penetrantes de uma coruja-das-neves e justamente ali atravessa os tempos e os Ele tem uma história para contar, para a qual não há quase comparação na literatura alemã,
espaços, no ponto onde eles parecem ser inacessíveis ao ser humano. Mas o que e o faz de maneira como se não conhecesse aqui senão unicamente de traduções. Que ela
consegue uma literatura que adquire o seu conhecimento através de constantes seja escrita, entrementes, também por amores que se chamam Sherko Fatah e que, como
travessias de um campo minado? alemães, garimpam o fundo das tradições familiares, ligando-as a regiões nos confins do
mundo, ela começa a enriquecer inconfundivelmente a literatura alemã. Isto lhe traz novos
No texto de Cécile Wajsbrot, a própria literatura se torna um memorial do longo temas, estranhas tonalidades de som, perspectivas incomuns, em suma: mundo.B-4
9

tempo calado e reprimido: não só no sentido amplo, concreto, do assassínio dos


judeus, mas depois do assassínio dos judeus. Se o corvo negro Jacobo, de Max Aub, Mesmo que se deva evitar- como foi várias vezes frisado neste presente volume
no Manuscrito cuervo, entendia o mundo todo como um campo de concentração, - fixar de modo classiflcatório autores supostamente desconhecidos, vindos dos
então a coruja-das-neves sem nome de Cécile Wajsbrot, percorre um mundo "confins" do mundo, torna-se porém claro, nessa prematura crítica do romance
congelado "sem futuro e sem passado", um espaço no qual nenhuma civilização Im Grenzland, que veio a lume em 2001 -e que ainda no mesmo ano foi laureado
humana deixou traços duradouros. 846 Se o olhar de Jacobo supervisiona um campo pelo "aspekte-Literaturpreis" (Prêmio "aspekte" de Literatura)-, o modo como é
no qual se concentra, para ele, todo o mundo (humano), então "a concentração do marcada e sinalizada a diferença parafrásica: através do nome do autor, seu nom
elâ' (la concentration de l'élanf47 encontra sua expressão no voo da coruja-das-neves. de plume (pseudônimo), que soa "estrangeiro",. A propósito, esse também é um
Jacobo deixou um manuscrito, a coruja-das-neves, apenas a coreografia dos seus paralelo que une Sherko Fatah com Cécile Wajsbrot.
voos. A sabedoria da ave de rapina branca, de Cécile Wajsbrot, evita os seres O fenômeno da "estrangeiridade", não fica, naturalmente limitado ao âmbito
humanos, que conquistam territórios, que dominam e se apossam: concentra-se do parafrásico ou do romance representativo, portanto, de uma ação do romance
e~ seu~ movime~tos e executa seus círculos em um universo no qual os filhos da em um país distante, que, para um lei torado em língua alemã, situa-se francamente
mtgraçao {e tambem os fllhos de Auschwitz) vivem simultaneamente no aqui e no lá, "no selvagem Curdistão". O próprio autor sutilmente chamou a atenção para esse
no outrora e no agora- sem que para isso necessitem de uma morada flxa. problema num sentido muito específico:
Vivo na Alemanha e escrevi este livro em língua alemã. A paisagem por mim representad: não
é, portanto, minha pátria. Meu pai descende da região norte do Iraque. Para a corre~o do
meu olhar turístico, contribuíram lembranças da inrnncia, vivências de viagens postenores e
Uma literatura da experiência-limite
em relação aos episódios da guerra, narrativas de membros da família. Entretanto, para mim
era conveniente, como narrador, manter distância, isto significa, não simular proximidade,
Como Cécile Wajsbrot, nascida em Paris em 1954, Sherko Fatah, nascido na que nesse romance, mesmo que ele se baseie em fatos, não é o centro do interesse. Para sanar
antiga Berlim-Oriental em 1964, é um filho da migração. O filho de mãe alemã a real carência do folclore, muitos livros são mais apropriados, como sempre afirmo. Para
manifestar, talvez, uma estranheza universal, é em relação a isso, um outro projeto. Quero
e pai nasc.ido .no lado curdo ~o Iraque- ou do lado iraquiano do Curdistão-
apenas dizer: talvez não seja muito fácil, nem mesmo para o leitor disposto, encontrar-se
cresceu pn~etramente na capttal da República Democrática Alemã (RDA), antes nesse mundo desconhecido e assim abandonado, acharia também difícil sair dele, então teria
que a fanulta se mudasse para a República Federal Alemã (RFA), passando por atingido o meu alvo. so;o

244 245
Oito.ln(tro)specções Oito. ln(tro)specções

A caminhada linear de Sherko Fatah consiste, por conseguinte, em não se deixar de Sherko Fatah há uma personagem central que assumiu a tarefa de atravessar
localizar no desconhecido e se tornar folclore, e ao mesmo tempo- com isso criar no regiões inabitáveis, marcadas por uma guerra, e por isso, inomináveis. Se, na
leitor- uma fria distância, mas não no sentido próprio, que possa ser localizada, e autora francesa, uma filha da migração está à procura de vestígios de uma história
sim, universal. Trata-se, portanto, da criação de um distanciamento, que é próprio familiar ou coletiva, trata-se, em lm Grenzland, de um contrabandista, que tenta
do texto e faz dele um mundo desconhecido, que prende o público leitor. Ele se assegurar o sustento da família com o transporte de bens luxuosos através de uma
assenta para além de um cenário paisagístico mais ou menos "desconhecido", além fronteira, que na verdade ficou intransponível. Em relação aos dois protagonistas
de uma situação geográfica fixa das personagens do romance. -que permanecem, ambos, sem nome-, trata-se de sobrevivência.
Note-se bem: a paisagem representa um papel fundamental para a açáo do Para isso, o contrabandista, que comprou de um ex-soldado o mapeamento
romance, assim como para a sua estética. Mesmo que no decorrer do texto em exato das minas terrestres colocadas pelos militares, acumulou por longos anos um
si, a região seja mencionada de maneira direta apenas raramente, ou antes de conhecimento da região fronteiriça, rigorosamente vigiada e segura. Assim, durante
passagem, e identificada nacionalmente851 , muitas marcações mostram, sem suas constantes passagens pela fronteira, sempre tem condições de se orientar com
sombra de dúvida, que a açáo do romance se passa exclusivamente no triângulo precisão pelo terreno e passar pelo campo minado, por caminhos e atalhos existentes
entre o Iraque, o Irá e a Turquia. Isto não significa que precisaríamos apenas só para ele. Desenterra as minas, uma após a outra, com extremo cuidado, no
localizar em um mapa o "país fronteiriço" do título, que permaneceria assim caminho de ida, para, onde ninguém a não ser ele possa transitar, conseguir uma
limitado a uma região localizável. Como em Cécile Wajsbrot, a viagem ao país passagem; então, enterra-as novamente, no caminho de volta, para que o caminho
fronteiriço é uma viagem ao Reino dos Mortos, a um terreno minado. Como em se torne inutilizável para outros, um atalho usado unicamente por ele.
Mémorial, também no romance de Fatah uma guerra destruidora está em curso e Por isso, não é de admirar que ele não queira colocar à disposição seus
lança suas sombras sobre o enredo. conhecimentos detalhados a alguém que trabalha no comando da retirada de
Nos dois romances, o reduzido enredo apresentado desenvolve-se em um minas pelas Nações Unidas, s-; 3 se elas lhe proporcionam a base para viver, sem
mínimo de açáo, em contínuas sobreposições e limitações de tempo, em meio a qual mal poderia alimentar sua esposa e seus três filhos. Paradoxalmente,
a um ambiente hostil ao homem. Nos textos de Cécile Wajsbrot, como no de ele tem que estar interessado na manutenção estatal das fronteiras, as quais
Sherko Fatah, trata-se de experiências-limite em um cenário de morte. Também vive atravessando, assim como na continuidade da existência das minas, que
852
a correnteza escura , que parece imóvel aos olhos, que 0 protagonista de !m sucessivamente desenterra e torna a enterrar: como contrabandista, necessita dessa
Grenzland atravessa todas as vezes antes de entrar na zona fronteiriça minada, fronteira artificial, que viola constantemente, que ele próprio reprova, pois vive de
tem os traços de um rio dos morros, de um Styx: literalmente, cada passo do tais aros e, consequentemente, depende dela.
solitário violador de fronteira é ameaçado pela morte. Como Cécile Wajsbrot, Há muito, existem habitantes na região fronteiriça (iraquiano-curda), que
Sherko Fatah leva seus leitores, consequentemente, a um terreno minado e quer sofrem não só com a guerra e suas consequências ininterruptas, mas também pelo
dizer com isso que não se trata somente de uma região que possa ser localizada, empobrecimento, imposto sob uma fiscalização quase perfeita, por meio de um
mas também de uma situação existencial que ameaça a vida dos seres humanos. sistema brutal e repressivo. Um embargo- em termos históricos, talvez o embargo
Im Grenzland não projeta nenhum cenário de almas ou de uma natureza das Nações Unidas- mantém distantes produtos emergencialmente necessários,
correspondente, mas empreende uma sondagem, rateando cuidadosamente a entre eles, medicamentos. Isso oferece a chance do protagonista, pois só assim
conditio humana. ele, como contrabandista, pode ascender até se tornar uma figura importante,
Como em Mémorial, em lm Grenzland a guerra colocou por todos os lados que obtém acesso aos círculos de influentes comerciantes: eles lhe entregam
-aqui, n~~uralmen~e em sentido literal- longos campos minados: logo abaixo bebidas alcoólicas da Turquia, cigarros estrangeiros, medicamentos ou alimentos
da superficte, quantidades enormes de explosivos estão preparados para aniquilar para bebês, assim como produtos eletrônicos, como computadores portáteis ou
seres humanos que tentam caminhar sobre essas regiões fronteiriças. Nesse espaço, videocassete, como incumbência. O negócio é perigoso, mas prospera.
em que ao tempo do Reino Otomano existiam entre Istambul, Bagdá e Teerã as Não só por causa do trabalho conjunto com as elites do lugar, que vivem do
mais intensas relações comerciais e culturais, surgiu assim uma zona de anteparos comércio ilegal, assim como do que permaneceu legal, mas também com sua
de proteção dos mais extensos, controlada por vigias de fronteira, militares e - naturalmente, nem sempre voluntária - cooperação com os representantes
agentes do serviço secreto, de maneira inconcebível. É verdade que há lacunas nas estatais da "Segurança Interna" 854 , que, da "Casa Vermelhà' o controlam, pois
instalações para segurança da fronteira, por todos os lugares. Mas, quem quiser o contrabandista - que anteriormente ganhava o seu sustento como simples
se movimentar por aqui precisa dispor de um conhecimento específico, de expert. comerciante ilegal, na cidade 8'\5 - , como infraror de fronteira, é tudo, menos
Também nesse nível, pode-se observar um paralelo entre os dois textos tratados um dissidente subversivo ou um "Robin Hood dos pobres". Ele exibe antes a
neste capítulo: como no Mémorial de Cécile Wajsbrot, também no romance característica muito mais frequente dos infrarores de fronteira, a ambivalência:
246 247
OHo. ln(tro)specções OHo. ln(tro)specções

Assim como toda infração, a lei apela à consciência, de modo que cada passagem ilegal Histórias de sobrevivência da terra de ninguém
da fronteira amplia o saber sobre as lacunas e pontos fracos na vigilância e no controle.
Em sua procura, violenta ou fantasiosa, astuta ou inescrupulosa, pelos pontos fracos do
regime de fronteiras, o violador das mesmas é, a comragosto, um competeme c inovador O contrabandista de Sherko Fatah tem família e possui uma casa, entretanto -
conselheiro de segurança no que diz respeito ao forralecimemo da fronteira. A transposição com exceção das pequenas pausas para descanso, dos dois lados da fronteira-
leva não só à perfuração, mas também a uma segurança cada vez mais perfeita das linhas está sempre a caminho. Movimenta-se em um entremundos, que cresceu através
fronteiriças. 856
de soldados de fronteira, tropas militares de vigilância, guerrilheiros esparsos
e bandos de ladrões oportunistas, e pelo qual passam seus próprios caminhos
Em geral, os funcionários da aduana, do lado turco, deixam o contrabandista
secretos, que ligam aldeias entre si, dos dois lados da fronteira, como ilhas. A
passar com suas mercadorias ilegais em troca de um tipo de pedágio; do lado
diferença, de motivação política, produzida artificialmente por demarcações
iraquiano, por sua vez, as suas atividades são toleradas pelo serviço secreto, em
de fronteiras estatais e tentativas de aparatos de proteção, entre as ilhas, cria a
silêncio. Evidentemente, o prejuízo econômico provocado por ele é relativamente
tensão entre a economia clandestina e a da penúria, entre a oferta internacional
mínimo, em comparação ao proveito que as constantes "saídas de reconhecimento"
e a demanda nacional, provocadas e pagas pelos seus movimentos de ida e volta
do contrabandista na região limítrofe podem justamente trazer para o Estado
de além-fronteiras. Entre as ilhas, separadas por regiões inóspitas à vida humana,
iraquiano. E assim, o protagonista também não titubeia em trabalhar em conjunto
forma-se apenas com muito esforço uma parcela mínima de relações de troca, que,
com a polícia secreta e a segurança da fronteira, contanto que isso - como na
não obstante, estão sob rigorosa vigilância e na melhor das hipóteses, se permitem
procura pelo seu filho, a que ainda se retornará- seja do seu interesse.
esperar pela tolerância estatal. Uma terra perfeita para contrabandistas.
Certamente, o contrabandista em geral se torna- mesmo que "involuntária
Mas, não só mercadorias vêm de fora. Do outro lado da fronteira vem também
e frequentemente inconsciente" -graças à "sua passagem ilegal pelas fronteiras
o sobrinho do contrabandista, que surge como hóspede, logo na primeira frase do
nacionais estatais (em sua função de barreiras comerciais)", como praticante de
primeiro de um total de doze capítulos:
um potencial "fluxo de capital e mercadorias sem fronteiras", sim, "globalizante,
por excelência''857• Mas, a figura do narrador de Im Grenzland, de Sherko Fatah, Quando o hóspede recém-chegado de viagem soube do caso de morre, o contrabandista j~
coloca-se, por bons motivos, contra a idealização, romantizaçáo ou folclorização saíra há vários dias. Sem saber até ali, oficialmente, da morre comprovada do filho, o pat
do contrabandista; portanto, a cada oferta propositada de identificação com o se pôs a caminho. Antes, porém, abandonou o resto da família, sua esposa e os dois filhos
adolescentes. Como se percebesse algo pela freme, o contrabandista começara a derrubar as
leitor, uma aversão massiva. Estamos lidando totalmente com um ser humano, pontes atrás de si. 8 ~ 11
existencialmente ameaçado, criativo e cheio de astúcia, que luta pela sua
sobrevivência, num ambiente repressivo e hostil ao homem; mas 0 contrabandista Nesse incipit, cujo plotting se coloca a partir do fim da história, é "reveladà' pelo
de Fatah, com toda a coragem que ele precisa adquirir para suas passagens menos uma parte do desfecho do acontecimento narrado. Sabemos o que o
arriscadas pelas fronteiras, não é esculpido na madeira de que os grandes heróis próprio contrabandista somente bem mais tarde poderá imaginar: que seu filho
são talhados. mais velho, com apenas treze anos, que teve contato com posições islamitas em
Mas, pede-se cuidado. O contrabandista, como único autor e violador de uma escola do Corão, 859 não só era suspeito de intrigas de oposição pelo serviço
fronteiras, encontra-se em forte homologia com 0 escritor, que vive como ele, secreto, mas também havia sido assassinado pela "segurança interná'. A morte
sozinho, precisando procurar a cada vez o seu próprio atalho, em um terreno totalmente desnecessária do rapaz lança uma luz para uma ditadura pronta para
desconhecido, sem fim, e atravessando as mais diferentes fronteiras ideológicas, a violência, que combate implacavelmente toda forma de oposição, também
linguísticas, específicas de gênero ou de estética literária. Só a existência delas é que religiosa. Mas, os outros poderes que agem na fronteira entre os três países
torna possível a travessia (legal ou ilegal). Também o escritor movimenta-se em um tampouco são melindrosos no uso da violência.
terreno, sob o qual se depositam explosivos- com palavras, que_ por exemplo, o Todas as tentativas do pai de colocar em jogo suas boas relações, ainda que
nome '~uschwitz", noMémorial-como bombas, podem explodir. Naturalmente, totalmente dependentes do bem-estar estatal, em favor da libertação do filho,
o escritor pode se espelhar no contrabandista ou, consequentemente, até mesmo fracassaram: os interrogatórios pelos funcionários do serviço secreto, a viagem
se retratar por meio dele. Por isso, sempre podemos reiteradamente observar à capital e as incontáveis quantias destinadas a subornos, que o pai pagou por
Im Grenzland também sob a perspectiva de uma literatura como material de meses, para obter de novo a pista do filho desaparecido - tudo isso foi em vão.
contrabando: pois também o escritor pode se entender como um morador de Sua esposa parece concordar com a situação. Assim, o contrabandista rompe os
uma região fronteiriça, de um entremundos, cujos atalhos e caminhos ocultos ele laços atrás de si: a movimentação antes já incansável do marido, desprende-se
conhece melhor. definitivamente da família, da própria aldeia, talvez também do país.
Bem no início, o recém-chegado, o sobrinho que veio do exterior, "perde-se"

248 249
Oito. l n (t ro)spec ções Oi t o ln(tro)specções -O
.
· ho estejam . tao - dtsran. res. e· seJ·~~
Um se
dele e se torna - várias coisas apontam para tsso . - o verdadeirob narrador. ·citou
da rio e sobrm d de hisronas.
tornam-se htstona. , . (s) . Mesmod que. ício do lado do narra or b ndo: sinal de vt'd ae
história. Valendo-se de um artifício como o que G usrave Flau err exet cem 0
anteriormente em Madame Bovary, Sherko Farah d a, um rosro para o personat> r da estran hos ent re SI.·. esrão des e. Induz htsronas . . · Por conrra aaluo para contar, mas
h . .
infllrra na hts to na e o · outro mrro ·s a literatu ra res ponde, b .rem ::>
ho narrador e na rrado,
do narrador, nas primeiras lin as, para d epots 'I' nas vê
. pode r fazê-lo, desaparece
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.
sinal de sobrev1venC1a, P• . elos quat
d' e visitante, no _ rambém, lançando um
. e so nn ,
maneira mais sustentave , I . O h,ospede, o so b nn. ho, q ue pertence a .Iamt ta, • 1 cão c- Conrraban tsra . eles sao -
a capela mortuária pelo lado de fora, assume uma postçao · - d Istai
' 1Ctada' em _re a,'de sem morada nxa. - d'1fcerenres e asstm rencem.
P d
ao acontecimento, a qu al parece ser permiti · 'd a ao auro t
. de língua_alema,
. a dá ertencem a uas geracoes · do outro, mas se per nos lances no romance, .
d. 1res um peque . 1 ·oetros,
colocar no texto a experiencta
• . d e esrran h eza tgua
· 1mente untvet · ·sal· E Isso .que e olharao Mém,-ia/ - osrao ep,esen.,da em . náo hi ma>sre 0 1 .d'
a entender o tom específico, inconfundtvel , de uma precisa,
. mas semp re d tsrant ' A vida ao norte do lra.qlhue,f~rrificado. Na fro~re~~~ "novos" relógios: a ~:da
narrativa e descrição. Um microcosmo está sendo inspecionado. . vez iguala-se à de um mu0 ndo- t a dos antigos, a , b . llo compreen de como
pararus, S ·oa fosse
O artifício de Fatah é um método literário com consequências. POis, uma _ apenas jovens, q ue d s restos do Quan o 0 d so nne esrrange1ro · e dores
. "869 na no
que esse narrado r aparentemente extraterntona, . . I mas nat.rad o r na sua acepça . ,0 . .
alt consiste em restos do passa ·
. r-se verda etra d · menr . I mora
s seus s1mp es h d no qual '
- como na comu nidade enlutada, onde mora sua fam ília -, pode "ir e .v•r ' ali é reduzida, "começ,a ad sentt f nteiriça sena °
. para oa um mund fec a o, passado
sem com ·tsso modtncar·c- mmtmamente
· · o que quer que sep, · Rúu começa um Jogo, . s .
o contraband tsta, a CI . ·da e ro ·or", que rep resenr, daços quebrados. . 0 nenhum
. pontos de refcecenc.a
CUJOS • . sena , I muno
. poss.ve . bem nomm coon o as carecorta . ~ da , . "' lh do dta anten d elhos pe - erm~tem 'I
mtnlmo, u ma t a b'nação e v b ·ssão nao p , . I de Céct e
flauben ian,. de impmsividndr, impessoalidade e imparâalidadr. Pois a dosran e o "novo" aparece com o. com tcanismos de su . mtComo em jV/emorrado' muito, a
entre hóspede e contrabandista esri pn"enre desde o in ócio c náo pecmire que;o domina o presente, cu los me _ uma pro' a , dtsso. nre e to era, quan
ados sao d prese 1 .
confira861
ao estranho o aspecto da confiança e da proximidade, do aconchego e futuro. Os relógios mont . omando 0 d "distingUir
caseiro • Não só o contrabandista, mas também o sobrinho é um viajan te q.u~ wajsbro r, o passad o assum
\vr
. - tu do o cfururo. f1 rida pelo na rrador,cãoe do mundo
veio de uma distância de "alguns milhares de q uilômerros de avião e com um r.;LXI, .tnnltração
" de mmtma , . s vtsoes rraban IS ' e que are presenta.resenraçao
d' ta re - do
d do con ' crer a rep
coletivo, pelas estradas das montanhas" 862 - bem além das fro nteiras, e que sumtra
b A terrível dificulda e c .
. ,s-o, nos raz , ambém um os rraços das
novamente
ld d para em aIem
· das rroc nretras.
. Talvez naquela Alemanha, d e qu e falam claramente o interno d externo
0
· hosa, semp re. e que r rêm a ver com árer. O exrer ior
d
os so a os tmcos a nontma c . e os ron madores""' pois ele náo so, nam na JíncuaI externo, da paisagem nJonranativas de Iel·rura,-es de rraços de. car"inclinado"' de
alemã, também o seu horizonte de conhecimento "orienta-se" pelo (leitor 0do d
espaço falado em alemão. mundo interior e to as ,as ren . t, de inrerpreraçoII os de um ie1tor d compreensão e
montanhas, imp tcam
I . em npos ·nrerior, aos o 1 ovtmen . ros ravessiaa de outras
O que quer o sobrinho na cidade fronteiriça do norte do Iraq ue? Sabemo: . e um 1 os 111 . a r
contrabandeia fac dment s do espaÇ , ·ras esrarats, . ·ncia.
0
111
d fi mais que o seguinte: ele procura "indícios da vida, do passado, ral vez are
não · ento
ssias das fronretrar• sua sobrdevtveserviço secrer0 'raque,
o ururo"864 do contra band'osra. U m sociólogo ou etnólogo, um coma dor. de . dPassagem: sob os movt do
b as crave .asseau m71 oa primeira . Guer '
histórias, talvez? A partir do segundo capítulo, desenvolve-se seu ângulo de vtsa 0 do sentimento, so . I1te para ·:;,doso home h' rórias
deserto8 . , Il uperior. s-a0 d'IS ta e
I
por meto emarcações, em ura Perstste B no' do d uVI
· d a representaçao
- do Inconstante
· mundo do rio, que a seus o 1110s a parece , . de e 0
t ambém as histon as o sobrevtv . nenre n1U Ito sdo contraban IS·da
, . eu n ,' e
como "um destranho orador, morador da região fronteiriça"B6S _ e não, calvez,
d entre o utras co isas, expo-e com , ·ro recnoI0 gtca• enre com as m saber sobre • vt·a As
como mora or a pequena ct'dade: "EIe era um mensageiro de uma regtao .. que se I raque, ao ataque de um exerct . nram ·ver: u b vivenct .
·
tornou quase tnacesstve' I em vo Ita da ct·dade, de uma região em que vtvtam
. . apenas, d brepóem, JU bre sobreVI eira à so re decifrada
5
os can1poneses que não tinham outra opção."BG6 Sem dúvida: con trabandista e eI sobrevivência que e so brevivenres so só asstnl · capa dificada, a ser histórias
mensageiro e não camponês. b dos so
0 co ecionam um sa e r si mesma, aaem secrerabco
que eviver. Conrardt'sta que
d ·da em
Náo por ac,.o, há bem no ink io, uma convors. entre sobrinho e do sobre um h conhecimento a vt ' d . m uma n áo para. . do conrr,aban!dados' da
Lltn 1 ens, o so r
.tstórias de Benoconrraban deta uma ·tnS rruÇ•elas fronretrasersa com os dso que, para
camponês,
I que fo i para o campo e acabou mono por uma mina que explodiU·
De e apenas " uma perna grande e torrada"sr.? foi enco ntrada, como fi. n sa o so· pelo ouvinte, que escon secam•. n1,adas onsranre
P conv . enw e
onhecun
Sen1 bém na necer em c. Haada ao c de .H11CIO,
,.
contrabandista: "Sobrou dele justamente 0 que tinha tocado na mina"sr,s. Mesmo b pre aparece- tam P erma . · neta, 0 ·cerno. . a sua,
q ue tenha medo disso: a ele não acontece tal coisa. Seu saber é conhecimento de f e como é importante d obrevtve
sa ara o ex - admira ecreto e o
, .. e s bandeado P' ]mente na
ronteira - como esrrategla . o ,do serV·ço
I s be "não e,
sobrevivência, a arre de não sucumbir em um ambiente hostil ao homem - em um 0 11
Isso, o in terno precisa set. c rra por tsso,
. . reafunciona
. ·no B no ram be·m sarabandlsta
' .
Reino dos expiatório",
"bodinho Morros, dosfaz parre.à morre em vão, dos quais, seu fi lho mais velho,
levados
0 E - -. o
Xatamenre neste Ponto. - eligaçao deserto, issodança
e »s7l . O cont
sLlrp ree ndenremenre esrretta O prop· no ndnua rnu
Histórias, comam apenas os que sobrevivem, que sobreviveram. Os o utros, , imos. estado em co
contrabandista são prox
250 h
l1en uma paisagem, e sim um :z51
;
Ofto.ln(tro)specções Otto. ln(tro)specções

não vê outra coisa na região fronteiriça, na sua "interdição metódico-aleatória desse Sempre depois de desenterrar, vinha para o contrabandista de novo à tona a seriedade da
possível espaço de vida" 873 • Ele sabe que esta terra-de-ninguém, entre o Iraque, o Irã situação, se sabia reconhecer os caracteres que justamente ali se espalhavam, onde a planta
do pé deveria acertar a parte superior e pressioná-la para baixo. Esses caracteres, o que
e a Turquia, contra toda a aparência, não é uma paisagem sem movimento, e sim eles mostravam. não tinha nada de decorativo. Estavam gravados na pequena superfície
um "estado de constantes mudanças", criada por uma sobreposição de constantes esverdeada e marrom, restos de uma inscrição muito antiga, premeditadamente criada
movimentos, tanto externos como internos: um estado móvel de fronteiras do para não ser lida, em local intransitável, coberto de terra, determinada para, na explosão,
mundo, mas também do Eu, que está por conta própria e quer simplesmente desaparecer no ferimento e na dor e assim entregar a sua mensagem. Era como uma
paralisante contagem regressiva ames da detonação.
"passar para o outro 1ado" . O contrabandista manteve a cabeça rente à terra e se arrastou sobre os joelhos para a frente.
Muito nesse romance, narrado de modo emocionante, é menos uma questão O que ele via adiante, protegido pela aba do chapéu de palha, era um caminho firmemente
do chegar que do atravessar. Consequentemente, o contrabandista sente o "vir para traçado, mas agora, de novo extremamente estreito. As pequenas pedras, que ele próprio
casa'' como "a entrada em um outro setor de sua vida, totalmente diferente", como a colocara como marcações secretas guiavam-no, mas centímetro a centímetro, pois precisava
encontrar a exata localização, na sua lembrança. Se a tinha, ficava imediatamente sem se
entrada em um "espaço povoado", onde também as regras dos outros dominavam: um mover. Pegava suas anotações do bolso do sobretudo e comparava o desenho esquematizado
"espaço feminino", sobre o qual "havia algo como uma constante, silenciosa atividade" com o chão à sua frente. As posições das pedras conferiam com os dois caminhos, com o
e "entretanto havia uma fronteira inflexível"874 • É evidente que este não é o centro da desenhado e com o real. Dobrava o papel e o colocava de volta. 877
vida do homem; seu verdadeiro espaço vital é o espaço de trânsito impedido, mas
passível de travessia, da terra-de-ninguém, na qual ele segue caminhos próprios e A monstruosa vagareza do avanço em um atalho, que o homem - sobrecarregado
com os produtos de contrabando - faria de volta se arrastando, contrasta
regras próprias. Essa terra-de-ninguém se torna ao mesmo tempo sem fronteiras, de
modo onipresente e vetorizada: "no fundo, esse atalho leva não só através da região com a rapidez com que os soldados passam voando pela região fronteiriça. O
fronteiriça. Ele estava em todos os lugares, para onde quer que se fosse" 875 • contrabandista não se permite apenas passar a vista pelos sinais. A leitura dos
caracteres das minas, no chão, assim como no papel, é complementada pelas
marcações e anotações que o próprio contrabandista registra no chão e no papel.
Esses passos de escrita e leitura resultam em sinal da detonação sempre possível,
A mercadoria contrabandeada (da) literatura que poderia preparar a qualquer que seja, um fim repentino. Por que não ficou
na cidade? Para ele, não se trata de visitas à sua irmã, que vive do outro lado,
Os militares e o pessoal do serviço secreto tentam absorver 0 saber do contrabandista turco, da fronteira, com seu esposo, em cuja casa o contrabandista empacota
sobre a região fronteiriça para obter um melhor controle da terra de ninguém o seu material de contrabando e com a qual se une em uma febrU fantasia
e torná-lo eficiente. O contrabandista colabora e, entrementes, sabe até muito noturna incestuosa878 ; não se trata do conteúdo, dos objetos do contrabando,
bem que seu filho mais velho foi preso com iranianos que trabalham para uma constantemente diversificados, que consegue para seus clientes, do outro lado da
revolução no vizinho Iraque. Em voo de helicóptero sobre a região fronteiriça, fronteira. No centro da sua vida, como do seu conhecimento de sobrevivência, está
mostra aos oficiais e soldados iraquianos, detalhes que são conhecidos só por muito mais o atalho, seu atalho, a decodificação dos sinais e a própria atividade de
ele- também o "seu" atalho pelos campos minados. Rapidamente, acreditam os contrabandear. Um toque cuidadoso e prudente na rota circular da morte, de uma
militares estar informados de tudo e o helicóptero dá meia-volta: repentina detonação provocada por ele mesmo.
O co~traban~sta lança um último olhar para fora, para 0 seu atalho, pois nunca mais
Quando o contrabandista dá início às buscas por seu filho, desaparecido nas
obtena essa v1sao. Ele parece pequeno e insignificante, mas nunca tivera a certeza mais fone malhas da "segurança internà', em revolver o passado e entender os mecanismos
do que nesse momento de que pertencia somente a si, na calma de suas marchas solitárias e da vigilância, Beno lhe mostra na "Casa Vermelhà', as fronteiras: ''Aqui não existe
com todos os seus medos. 876
passado, pelo menos para pessoas como você. Nenhum passado e nenhum futuro.
" so, extste
Para voce, . o presente- o resto e, regtao
. ~ mter
. d'1tada"879.
O helicóptero precisa de alguns segundos para deixar para trás esse trecho,
No caso de um mínimo desvio desse presente, do seu atalho em terreno
seguindo o mesmo trajeto para o qual o contrabandista, em terra, precisa de horas.
minado, a morte ameaça o contrabandista. Por isso, sua irmã também o
O olhar de cima, da perspectiva do pássaro, desmascara 0 caminho, mas ao mesmo
aconselha a não procurar o filho, não seguir os "vestígios", e sim esperar: mais ele
tempo encobre a sua ex-periência. O atalho do contrabandista privilegiou apenas
não pode fazer, 880 Mas, o contrabandista segue suas próprias regras internas; não
o sentido da distância fornecido pelo olho, mas não os sentidos da proximidade,
pode esperar, ficar parado: aqui também desarma as minas, visita na capital uma
que possibilitam inicialmente dar uns passos pelo atalho, melhor: arrastar-se em
prisão do serviço secreto, suborna funcionários, fala com prisioneiros. Em vista
frente, ratear o que está adiante, detectar e desenterrar as minas. Não se trata de
de uma, cada vez mais provável, morte de seu filho, pela qual se sentia também
um objetivo, de uma chegada; o próprio espaço, a região fronteiriça, dá somente o
culpado, porque não deveria ter entregue o "bodinho" aos cuidados da escola dos
pretexto para a travessia, para os processos de leitura e escrita no campo das minas:
252 253
Oito. ln(tro)specções Oito. ln(tro)specções

islamitas, o contrabandista procura- bem como seu sobrinho- "indicações para Então, tenha esperança que o caminho seja longo
a vida, o passado, talvez até para o futuro" 881 • E juntou tudo isso em histórias,
como nota sua irmã: Em um curto texto, pendendo entre ensaio, poema e conto autobiográfico, o filho de
pais andaluzes, nascido em 1961, em Kinzigral, na Floresta Negra, José F. A. Oliver
Seu discurso se desprendia dele, desenrolava-se como uma pesada peça de tecido, como uma
longa, longa estrada de tecido. Ela o espreitava e o via inerte e quase com o olhar sonhador,
- portanto, ele também filho da migração - refletiu sobre o crescimento em uma
como se fosse um dos contadores de histórias nas praças de mercado. 11112 terra natal estrangeira familiar. Com o título "wortaus, wortein" (palavra para fora,
palavra para dentro), desenvolve-se nesse esquema, publicado em 2005, em rápida
O material do tecido-texto, como a oralidade das histórias contadas, no caso, sequência de imagens, urna situação (linguístico-) existencial, que está impregnada
sobreviventes, apontam para um outro atalho do contrabandista, formado pela por uma constante mudança entre o alemão e o espanhol, o alemânico e o andaluz.
língua: o atalho de uma estrada de tecido, de um texto, que serpenteia por As linhas de tradição de todas essas línguas - e suas nuances - se estendem - como
uma região fronteiriça da literatura, inspeciona essa região fronteiriça e traz poderia ser diferente no presente livro -, juntas, sob o mesmo teto:
ilegalmente informações dessa região proibida. São inspeções e introspecções, ao
mesmo tempo. Pois o contrabandista sabe: "encontrar e utilizar essas lacunas,
era uma casa, que eram duas. Duas casas que personificavam duas culru~. Uma cas;
e d?is
pavimentos, duas línguas. Janelas aberras e porras, claraboias em um VIaJar, que ha multo
essas frestas providenciais, eram o seu negócio e nesse meio-tempo, talvez também tinha se multiplicado. O dialero alemânico do primeiro andar, o andaluz, do seg~nd.o. Entre
883
a sua paixão" • O contrabandista contrabandeia não só bebidas alcoólicas e eles, degraus de escada sem gênero gramatical. Projeto em jogo, ao redor de s1gnifi~do&
computadores: do Reino dos Mortos, do qual seu filho - como ele começa a da palavra "corpo" e da palavra "alma". Alguns degraus apenas, que separavam Mon m
' . )888
Mond: la !una, der Mond. Feminina uma, masculina a outra. O u era ao contrariO.
perceber- há muito faz parte, contrabandeia histórias, que falam da sobrevivência
e permanecem vivas.
A divisão da casa em duas, que continua na dubiedade Eu e seu outro, ~f~rece
São - como as histórias do próprio contrabandista - histórias de um espaço para ultrapassagens de fronteira, que são francamente de um c~odtano
não-estacionário. Não é à toa que o contrabandista despreza "a crença em poder acolhedor-lúgubre. O famoso }e est zm autreH89 (eu é um outro) de Arthur Rimba~~
884
possuir terras" ; pois "segundo ele, podia-se cercá-las, colocar minas ou plantar, poderia ser completado por um não menos fundamental lei est un autre (aqut e
mas nao ~ possUI- ' Ias "885 . E' o d esprezo do noma
.. d e em re1ação ao estactonano,
. ' . o
um outro).
desdém a tudo que quer apenas perceber o espaço, admitir o espaço, mas não Os degraus da escada sugerem espaço de movimento e região fronteiriça, qu~
o movimento. Sua propriedade, seus "bens", porém, são o atalho: "ele existe em a casa não representa ligação à terra, ao sedentarismo e à territorialidade, m~ esta
sua cabeça e em nenhum outro lugar" 886 • Seu filho, que ele negligenciou por aberta para movimentos da língua, que de mo d o ai gum estao ~ I'tvres de conflttos··
causa das suas constantes viagens de contrabando, foi realmente uma "vítima" 887
desse atalho, como Beno lhe dá a entender, na última frase do romance? Sabemos Deixados livres em uma língua, que cheirava a terra, fazia esquecer morros e- is_so me fic~u
claro só muito mais carde- nos recusava, na verdade. Tinha que recusar. Alem~o, m! nao
apenas no começo do texto que o contrabandista não voltou mais para sua família alemão. Espanhol, mas não espanhol. Em movimento: eu. No meio: algo consclenre.
e ainda rompeu as últimas pontes que haviam restado.
Aqui se interrompe também a história do contrabandista. O que aconteceu Nenhuma surpresa, portanto, se em um entre-mundos tão esquematizado dessa
ao tio, o que aconteceu ao sobrinho? Um deles se tornou contador de histórias e casa, que, biograficamente falando, fica em (no texto, omitida proposit~dament:)
o outro se tornou simplesmente a história? Para os filhos da migração - e deles ·
Hausach, na Floresta Negra, acop Iad a ao movtmento, a to do tipo de tráfego: nao
faz parte também, até onde se pode supor, o sobrinho - isso não depende da é de graça que Hausach se localiza junto à estrada de ferro da Floresta Negra., .
chegada nem ao menos da ida para casa. A escrita "após" a migração ainda está Assim, a casa em Hausach, conectada a longas viagens de trem para a patrta
sob a marca da migração. Sob os movimentos estão outros movimentos; sob as andaluza dos pais, mas ao mesmo tempo à imagem da migração, da chegada do
palavras, outras palavras e locais armazenados, que a todo momento podem subir, pai à fria e nevada terra estrangeira891 - e à viagem no texto, no poema:
detonar. Aqui, inspeções se tornam facilmente introspecções, que anunciam um
terreno minado. Cabe a uma literatura sem morada fixa a tarefa de chegar do às vezes, um só poema pode explicar o mundo ,
de vez em quando, basta simplesmente abrir o rexro que está à freme de alguem, em ~
outro lado, com uma mercadoria de contrabando importante para a vida: o saber trecho à revelia e mantê-lo, por curto intervalo de tempo, interiorizado. Talvez pela duraçao
que também esse atalho exige suas vítimas, mas ao mesmo tempo capacita para a de um pensamento ou de um estímulo sentimental, de voltar para esse ou aquele verso,
vida e a sobrevivência, que recebe seus impulsos pela constante transposição do volver o olhar para uma palavra ou emprestar o sentido a uma imagem desesperançad~,
para finalmente continuar viajando em língua. Como em um crem, no qual, algum dla
nacional, pela inconstante travessia de espaços fronteiriços em sentido transareal
novamente se embarca, sem nenhum destino em visr.a. Um trem q~;; em algum lugar,
tanto como transcultural, translingual tanto como transtemporal. certamente, de novo também se deixa, quando se acredita ter chegado.

254 255
Oito. ln(tro)specções Oito. ln(tro)specções

À variedade de vozes e à variedade de línguas de uma casa (das línguas, não da língua), as laranjas sobrepostas como turbante. Seu dormi
o poema que explica o mundo já na ação de abrir, na ação de baixar e aprofundar o tório como antes. Vesti
os calçados de orar do poeta
olhar, um cuno movimento que interioriza, para então, no ato da leitura tornar-se & o cheiro dos admiradores não exaltados896
um trem, cujos trilhos levam "para todos os lugares" 893 • Mas, sempre presentes os
movimentos do pai, que, mantém armazenados no seu horário de viagem e nas suas Com essas estrofes dignas de um poeta-pai, torna-se a Viagem ao Reino dos
rotas, antepassados e viajantes anteriores. Un train peut en cacher un autre. Mortos a chamada à lembrança de uma voz que, sob os termos do poeta em língua
Isso vale para viagens e também para imagens. Assim, aparece num discurso alemã, deixa transparecer os usos do grego, traduzidos. No caminho, duplamente
festivo de setembro de 2004 para Oliver, sob a foto de jornal de Armando refletido no poema, do dormitório ao quarto de trabalho e novamente de volta,
Rodrigues de Sá, o "Milionésimo Trabalhador-Convidado", na República não se encontra nenhuma chegada, e sim um encontro casual, nenhum retorno, e
Federal da Alemanha, que no final dos anos sessenta foi muito homenageado sim um caminho que se prolonga durante a sua oscilação.
pela mídia e presenteado com um ciclomotor, a imagem do pai falecido. 894 Em O olhar lírico vagueia acima dos telhados da cidade. Nele, ilumina-se a visão
(livros de) viagens dos filhos da migração estão sempre presentes os morros e suas sobre a Baía de Alexandria uma derradeira vez - e aquela sabedoria crescente, à
viagens, suas expulsões e emigrações, seus caminhos de fuga e de espreita, sempre qual- como Marguerite Yourcenar escreveu897 - os versos do poema Ítaca (1911),
presentes, tornadas presentes. São viagens ao Reino dos Mortos, inspeções que de Konstantinos Kaváfls, anunciam:
se transformam em introspecções: textos e literaturas, que descobrem no lar o
Se tu inicias tua viagem a Ítaca,
estranho, na casa, o sem-teto, sempre seguindo os trilhos. Então, tenha esperança que o caminho seja longo,
Quando José E A Oliver passou o mês de maio de 2004 no Cairo895 , no âmbito Rico em descobertas e vivências.
do programa '~utores alemães em cidades árabes", promovido pelo Goethe-Institut, [ ... )
ele empreendeu também uma excursão para Alexandria, hoje El Iskandariya, onde se Tenha esperança que o caminho seja longo,
Cheio do sol matutino, se tu,
iniciou a viagem deste presente volume. Foi para ele também uma viagem ao Reino Com tamanho prazer, com tamanha alegria,
dos Mortos, mais exatamente, ao reino de um ilustre morto: Konstantinos Kaváfis. Entras em portos até agora desconhecidos.
A visita de Oliver aos aposentos, hoje transformados em museu, do poeta que se Interrompe tua viagem em praças de mercado fenícias,
tornou o fundador da moderna lírica grega sem ter vivido por muito tempo na Grécia, E adquire belas mercadorias,
Madrepérola, corais, âmbar e ébano,
faz originar um poema, que se encontra primeiramente no seu diário no Cairo - Todos os tipos de essências extasianres,
precisamente datado em 17 de maio de 2004 - e que um ano depois, com apenas Tanto quanto conseguires em essências embriagadoras.
algumas modificações simples, foi gravado sob o título Kavafis. El Iskandariya, na obra Visita muitas cidades egípcias,
poética de Oliver finnischer wintervorrat (provisão finlandesa de inverno): E aprende cada vez mais com os letrados.
[ ... ]
ícones captas. Acima da cama Ítaca ~e presenteou com uma bela viagem.
seu santuário & 1 envelhecido em ânforas gregas Sem ltaca não terias partido.
o vestígio enferrujado da prata de um espelho Agora não há mais nada para te dar.
defronte ao escritório. No oval
dos olhos de E mesmo que tu a aches pobre, Ítaca
Mohamed: I acabou Não te decepcionou.
carro ocado sob a janela/" I esqueleto Tornado sábio, com tal experiência
Vermelho" I na Rua Lepsius [nome Compreendes já, o que Ítacas signiflcam. 898
daquele tempo]. Será esmaltado
na Rua Sharm-El-Sheik
quando ele me explicou
o que seria um hamil & os tamancos
das mulheres ao rezar. Kaváfls falava
da Casa da Alma da
Casa do Corpo& da
da Carne
& cresciam no espelho
os telhados abertos das casas/ noite
avança & no retroceder do dia

256 257
Oito. ln(tro)spe cções

N ove. Configurações
Seis Teses para o Projeto de uma
Romanística como Ciência-Arquipélago

1a Tese:
A Romanística é uma ciência em
rede, sua lógica é relacional

N ão existe um Continente Ro man ístico. A massa de terra dos Territórios Românicos,


apenas aparentem ente contextualizada, é, como a Romanística, dividida em um
grande núme ro de difere ntes ilhas, que mais intensan1ente do que até agora tem
sido, p recisa se conectar fortemente em rede. A Romanística é, consequentemente,
um a rquipélago-ciência, um mundo insular de (parte de) ciências e constelações de
saberes, que n ão form am nenhu ma superfície homogênea e sobretudo continuada,
no sentid o d a palavra continentalmente contextualizada. As ilhas isoladas deveriam
seguir m u ito m ais u m movimento duplo: por um lado, entender-secamo ilhas-mundo,
que sua pró pria lógica, o p róprio sentido do seu campo de objeto e a constituição
mutável do seu objeto continuem se desenvolvendo por si mesmos; por outro lado,
porém , co mpreen der a sua específica ilha-mundo como parte de um mundo de
ilhas, várias vezes conectadas, que possui formato universal. Consequentemente,
no futuro, d epen derá decisivam ente de cada ilha (e seus ramos) colocar-se em uma
relação de trocas m ais complexas possíveis, em vários níveis e de maneira intensiva,
de forma que além desse relacio namento interno, dentro da Romanística, deve-se ao
mesm o tem po d esenvolver um relacionam ento externo, consciente, a ser impelido
para a frente. Some nte assim podem ser trabal hados e descritos de forma precisa
n o âmbi to da ciência da literatura, por exemplo, novas configurações e can1pos de
objeto, como as literaturas românicas do mu ndo, oscilantes entre (os conceitos de)
literatura n acional e literatura mundial. A Romanísrica é uma ciência predestinada
à a nálise do EscreverEntreMundos e também, por essa razão, altamente promissora.
Suas linhas de tradição servem em muitos sentidos como linhas de horizonte para
desenvolvimentos aruais. Suas tradições 89~ são sustentáveis e avançam.
Sem dúvida, a Romanística é, pela sua tradição hisroricamenredesenvolvida, uma
ciência-rede, que sempre foi além das demarcações de fronteiras e que se esforçou
para co.nstruir uma perspectivação comparativa. Ela pode, conse.quen te~:nre,
por muttas razões e em u m a consciente retomada de sua bem sucedtda postçao na
h istória d a ciên cia e na h istória especializada, iluminando muitas outras disciplinas,
9
258 259
Nove. Configurações Nove. Configurações

acompanhar uma concepção direcionada ao futuro, que vai se estabelecer além a "divisão-entre-duas-culturas", em Ciência da Língua e Ciência da Literatura, com
das linhas de demarcação monolinguísticas e nacional-literárias. Isso significa, auxílio de novos projetas em comum e perspectivas, e não apenas no âmbito de
primeiramente, que (como em outra disciplinas filológicas) especializações no urna pesquisa individual, sustentada por personalidades acadêmicas isoladas. Uma
âmbito de determinadas línguas, nações e séculos não devem ser negligenciadas, ciência em rede assitn concebida inclui a variedade de princípios, mas inclui também
mas devem continuar sendo aprofundadas no contexto da diferenciação científica a variedade específica de cada lógica- da história específica até o campo de pesquisa,
internacional de parte dessas regiões; ao mesmo tempo, porém, devem -e isso da pesquisa básica até a interpretação de poesia- naturalmente.
constitui, em nível de cooperação internacional e concorrência, a especificidade
"mais" atrativa da Romanística- ser interligadas a uma ampla rede de pesquisas
romanísticas. Consequentemente, é preciso fazer frutificar certas linhas de tradição
2a Tese:
da Romanística, como as "tradições de viagem", as "travelling traditions", nos mais
A criação de constelações win-win pragmáticas
diferentes campos do seu objeto de pesquisa.
A tão frequentemente - e com razão - cobrada especialização científica na e orientadas para o futuro é importante para
área não deve ser entendida por muito mais tempo apenas como concentração a sobrevivência da Romanística hoje
em determinadas línguas e literaturas nacionais e nos temas monográficos
aí estabelecidos, mas deve ser - de forma alguma em pequena medida - Nos mais diferentes campos, tanto disciplinares quanto interdisciplinares, das Ciências
compreendida como uma especialização que também pode ser multiplamente (e Humanas e Culturais, parece (em completo contraste com as outras Ciências Naturais
transversalmente) especializada. Trata-se, por conseguinte, de um desdobramento estruturadas) que hoje predomina uma lógica que talvez pudesse ser melhor comparada
de diferentes ilhas-mundo no horizonte da totalidade de um mundo insular. a um jogo de tênis: ou um lado ganha, ou o outro. É preciso romper essa lógica, que
lss~ não é, de modo algum (como vez por outra se ouve ou se lê) equivalente à é tanto destruidora como autodestruidora. Justamente diante do pano de fundo de
necessidade de representar a Romanística "na sua amplitude"; um objetivo essencial urna luta entre divisões, que se torna mais acirrada por meios e recursos, dependerá
dever~a ~on~istir em construir uma rede multidisciplinar de campos individuais, cuja essencialmente da criação dos mais diferentes níveis de "situações-win-win" (situações
espe~taltzaçao obedeça a uma lógica relacional- e com isso, a aceitação de lógicas vantajosas para os dois lados), que possibilitem, bem intencionada e conscientemente,
parttcular~s. ~entro da Romanística haverá e deveria haver, justamente com vistas conectar mutuamente os interesses e posições divergentes, e em parte, opostas, dos
a concorrencta internacional, reforçadamente, especializações ligadas a temas, assim diferentes parceiros- sejam eles disciplinas inteiras, instituições de pesquisas isoladas
como metodologias. Ao lado disso, entretanto, é necessário, justamente no contexto ou pesquisadores e pesquisadoras individuais- para a utilização de cada um dos lados.
dessa concorrência internacional, representar a especificidade da Romanística como Nesse ponto, devem ser escolhidos quatro campos exemplares, nos quais a estratégica
uma ciência que abranja cada língua e suas literaturas nacionais, de modo a que produção de "constelações-win-win" parecer especialmente urgente.
ela continue decididamente se desenvolvendo, no sentido da relacionalidade com Em primeiro lugar, seria chaiTiada a atenção para o nível de ação de amplltude
seus princípios de pesquisa. A uma Romanística assim compreendida pertence o social. Interesses específicos da ciência, que são, em parte, interesses fortemente
futuro: ela não desiste do seu propósito, mas continua desenvolvendo suas tradições desviados de urna opinião pública mais ampla, devem ser entendidos como menos
transversais
. , em contexto, visan· d o ao seu o b'Jetlvo
· d e construir · novas configuraçoes
~ contrários do que situações de interesses complementares, ou seja, a favor dos dois
ctenttficas, culturais e políticas. lados, que assim deveriam ser ligados mutuamente. Uma Romanística que (sobretudo
Dentro dos atuais desenvolvimentos científicos, não só nas ciências humanas também no espaço falado em alemão) não chega mais à opinião pública, tem o
e culturais, m as tam h'em nas ctenc1as'" · em geral , nas quais, uma especialização talento para urna ciência sigilosa, cujos círculos, também no sentido hermenêutico-
crescente,. ligada a uma progressiva pressão de entrelaçamento, a Romanística tornam-se cada vez mais estreitos. Se a Romanística quiser sobreviver na divulgação,
oferece, dtferentemente das outras filologias, a incalculável vantagem de dispor - terá que - sem perder o seu perffi de pesquisa - ocupar-se com a necessidade de uma
naturalmente
. at'e agora am ~ "pensan do" nas consequências - de uma lógica
· d a nao opinião pública o mais abrangente possível e encontrar seu público (novamente),
relac~onal, que pode ser direcionada aos desafios e exigências culturais e sociais, inventá-lo e entusiasmá-lo. Um exemplo que leva a isso é o trabalho conjunto, tão
modificados d e mo do cnanvo· · e mova
· d or. A proposito,
' · os conceitos da Romanística exitoso quanto possível para aiTibos os lados, tanto com editoras que atuam em áreas
que obtiveram ma.or · sucesso ate' h OJe, · 'fiIcaram a sua antiga exigência de
· que JUSt1 científicas específicas, quanto com editoras especializadas que se destinam a públlcos
poder atuar como ciência-líder, são (como mostram os exemplos de Erich Auerbach leitores maiores e mais heterogêneos, para fomentar a mediação entre pesquisas
e Ern~t Robert Curtius) de natureza relacional e vão constantemente além das científicas e resultados, de modo que uma transferência de conteúdos científicos seja
fronteiras da "propna · 1·ma. A Romamst1ca
' · " d'tsctp ' · extge· uma modificação consciente multiplicada e consideravelmente acelerada na sociedade e, ao mesmo tempo, que
para um arquip e'1 ago-c1enc1a,
.,. · que, a proposuo,
' · d evena · estar em condições de superar os interesses econômicos (e a subsistência) sejam adequadamente considerados pelas

260 261
Nove. Configurações Nove. Configurações

editoras.. Textos e publicações romanísticos deveriam ser emocionantes e atrativos, "forà', podendo assim ser discutidos e avaliados. A Romanística precisa justamente
dirigidos mais a leitores e leitoras, no momento presente, do que a editoras e públicos cuidar, nesse contexto que engloba disciplinas isoladas, da sua capacidade de conexão
especializados. A elevada visibilidade da Romanística, a ser conseguida, é para os dois - e isso não significa desistir das próprias tradições, e sim, levá-las junto na viagem.
lados uma garantia de existência e de ganhos. A afirmação de que há um retrocesso do A Romanística deveria, por isso, se as circunstâncias permitirem - conua a imagem
interesse pelo mundo das línguas românicas, em parte comprovável, não é uma lei da cada vez mais difundida entre as outras disciplinas -, não se apresentar como uma
natureza, e requer uma contrapartida midiática da parte de toda a Romanística. unidade precária de disciplinas fragmentadas que se perseguem e se combatem
Em segundo lugar, haveria um chamado no âmbito da estrutura das associações. mutuamente, e sim testar novos conceitos de trabalho em conjunto e, sobretudo,
Cada área especializada da Romanística e suas respectivas associações, não devem tanto de modo politicamente científico, como institucionalmente, perante a opinião
seguir uma política à custa dos seus associados, mas precisam desenvolver estruturaS pública, lutar pela mesma causa. A especialização deveria, onde for possível, falar
que reforcem a Romanística em seu todo e levar à frente uma representação externa, com uma voz (mesmo que não seja sempre a mesma). Isso não pressupõe nenhuma
unificada e solidária. Uma "lógica do tênis" não tem certamente nada a ver com o homogeneização artificial ou imposta das "romanísticas", mas o conhecimento de que
jogo das associações da Romanística e é preciso substituí-Ia, mediante a criação focada a criação de inúmeras "constelações-win-win", tantas quantas possívd, é importante
em quantas "siruaçóes-win-win" forem possíveis. Para todos os participantes, deve-se para a sobrevivência de toda a área. Às vezes, o desenvolvimento desencontrado e
reforçar constelações que levem ao sucesso; primeiramente, um jogo em conjunto (e carregado de tensão e autonomização de algumas associações e subdisciplinas, em vista
pensá-lo em conjunto) de cada "ilha-mundo" romanística para um "arquipélago-ciência'' da defesa dos interesses de toda a especialidade, é, na verdade, um desenvolvimento
e fazer valer com isso a "mais-valia'' da Romanística, nas diversas opiniões públicas. historicamente compreensível, mas na direção errada e nada aconselhável.
Apenas um fortalecimento recíproco das disciplinas parciais individuais pode Portanto, é necessário haver uma mudança de mentalidade que, justamente na
consolidar sustentavelmente os estudos da Romanística em sua totalidade: porque 0 atual situação de cortes forçados de cargos no setor, impede, por um novo (embora
enfraquecimento das partes individuais sempre enfraquece também 0 todo. conectado a tradições bem-sucedidas) entendimento em rede da disciplina, que
Terceiro, não se deve esquecer o nível dos Institutos. O desaparecimento ou a tensões internas e desgastes contribuam para a perda de novas vagas no setor
diminuição dos cargos de cada seminário e instituto de Romanística não pode ser da Romanística. Para, num clima que se tornou rude tanto interna como
motivo de alegria (furtiva) para nenhum outro instituto, uma vez que a esperança externamente, assegurar chances de futuro suficientes para as próximas g~:aç~es
~e s~v~~o p~ó~rio est:be~ec!mento de pesquisas à custa de outros, por exemplo, de e poder manter a ocupação com o mundo românico, no concerto das ctenctas
mstttwçoes v1zmhas, nao e so atestadamente enganoso, mas também autodestrutivo. humanas e da cultura, em uma posição forte, a Romanística precisa dese~v~lve~
Mas, parece que o princípio de São Floriano ("Melhor deixar queimar a casa do estratégias ofensivas e lógicas relacionais, que gerem "constdaçõ~s-~in-wt.n · So
vizinho que a minha própria") continua tendo ressonância. É, consequentemente, assim ela poderá continuar desenvolvendo sustentavelmente o propno senndo e a
não apenas um mandamento da oratória intelectual, mas também demonstração criatividade específica de suas diferentes subáreas e - além de qualquer retomada
de sensatez institucional, apoiar outras instituições de ensino e pesquisa em nostálgica - reagir à sua ameaçadora marginalização.
Romanística e- justamente através da construção de federações _ auxiliá-Ias em
seu proveito próprio. Dentro de uma estrutura-arquipélago, as ilhas se protegem
mutuame~te das marés e da violência das ações erosivas: 0 desaparecimento das
3a Tese:
pequenas ilhas não fortalece as maiores, e sim as expõe (na escala aberta de Richter)
A Romanística precisa estar ciente da sua dívida
a uma destruição ainda mais certa. Faculdades de Filosofia sem Romanística não são
mais, é verdade, somente pensáveis, como também há muito realizáveis em razão social e desenvolver estratégias para uma abertura
do e~treitamento do seu horizonte e, realmente, de toda sensatez (fllológ{ca). democrática das suas áreas de conhecimento
Ft~al.me~te, e~ qu~o l~g~, ~beria r~saltar o nível do trabalho conjunto das
esp:c•~•~çoes e areas mterdtsctplmares. O Jogo conjunto com outras especialidades No final da primeira parte do seu livro On Violence (Sobre a violência), publica~o p~a
e disctplmas, no sentido de uma relacionalidade não só interna, mas também primeira vez em língua inglesa, em 1970, Hanna Arendt, tentou responder a mrus
c___ ;>" ~
externa, não enfra~uece ~da e~peci~~dade participante, mas a fortalece justamente desconfortante pergunta que a cada nova geração se faz: e o que r.ucmos agora. nao
900
pelo fato de fo~IZar efeitos smerget1cos e supervisionar lógicas disciplinares, que com uma indicação lapidar ao(s) "pensamento(s) no progresso crescente'' • O progresso
podem ser modtflcadas na troca inter e transdisciplinar. Com isso também é de no âmbito das Ciências Humanas pode "não ser ilimitado" 901 ; e exigências para "novos
~rande sig~iflca~o P.~~ o de~envolvimento continuado da Rom~ística que, nas resultados de pesquisa em áreas nas quais todo o trabalho especificamente científico já foi
conste!açoes-wm-wm do ttpo áreas e disciplinas interligadas, os resultados e desempenhado e nas quais apenas a erudição ainda tem seno'do"902 , rena •
condUZ1'do, ou
904
conhecimentos obtidos possam ser comunicados para "dentro" e seus efeitos, para para um "exagero de trivialidades" 3 ou para um tipo de "pseudo-pesquisà' •
90

262 263
Nove. Configurações
Nove. Configurações
Como de costume, pode-se avaliar, embora não sem problemas, a tese de Hanna
precisa supervisionar mais rigidamente sua acessibilidade e se tornar mais visível
Arendt como uma "super-pesquisà' de determinados campos temáticos: decisivas
e vivenciável. Não só a lógica, mas também o erotismo, a força de atração do
são suas advenências para nós, sobretudo com seu olhar sobre o "ponto, no qual os
saber, deveriam ser colocados em cena, juntamente com o grande significado e a
resultados do nosso fazer científico, naquela área, causam um efeito autodestruidor" 905 :
multiplicidade do mundo românico: Romanística como conhecimento vivencial
Não só não coincide o progresso das Ciências Naturais com o progresso da Humanidade para a opinião pública mais abrangente possível. A plenitude de um acontecimento,
(não importando o que se entende acerca disso), mas ele poderia significar o fim da natureza a abertura e o não esgotamento do saber, como um emocionante conhecimento
e do gênero humano, assim como o progresso continuado nas Ciências Humanas poderia vivencial, realizável, poderiam ser para as filologias (e especialmente para a
terminar, consequentemente, com a destruição dos bens do espírito, em consideração ao
qual a pesquisa havia acabado de se colocar a caminho. 906 Romanística) uma questão de sobrevivência. Nesse contexto, aprende-se muito com
a representação própria das Ciências Naturais e sua estratégia de ocupar "grandes"
Chegamos, nas filologias, na Romanística, hoje, (novamente) a tal ponto? E como se temas e torná-los interessantes para uma larga opinião pública social.
responderia, então, perante uma nova geração, à pergunta "O que fazemos agora?" Manter o mundo dos Territórios Românicos europeus, assim como fora da
Uma resposta adequada à essa pergunta certamente deveria conter, por um lado, a Europa, na consciência coletiva, faz parte cenamente das tarefas mais imponantes
visão crítica e ao mesmo tempo orientada para o futuro de cada linha da tradição da (de sobrevivência) da área. Não Faltam "grandes" temas que, como em ourras
própria especialidade. Além disso, deveria até mesmo ser abena, naturalmente, a uma ciências - do ponto de vista de uma pesquisa altamente especializada-, possam ser
completa autonomização e a uma independência da própria especialidade em direção trabalhados e retocados. Entretanto, a Romanística, na sociedade midiática de hoje,
a uma a área de autocompreensão disciplinar que, cenamente de forma controversa, tornou-se de várias maneiras um objeto de "clássico enfraquecimento". No lugar
esclareça a área de especialidade ou a disciplina isolada no contexto daqueles de uma mediação direta de seus conteúdos, não faltaram relatos de mensageiros,
desenvolvimentos sociais, os quais retroagem sobre o campo científico e intelectual. à medida que outras disciplinas e seus representantes assumiam a transmissão de
Nesse movimento duplo, as tendências destruidoras ou autodestruidoras podem ser conteúdos que foram essencialmente trabalhados no âmbito da Romanística ou
detectadas e refletidas, pois de muito bom grado se formam longe da sociedade, no com o seu auxílio. Aqui se deve responder à motilidade que se sobrepõe à disciplina
horizonte de desenvolvimento de disciplinas que se desprenderam de uma unidade. de outros mensageiros, com um diálogo transdisciplinar, no qual se deveria colocar
Uma abenura para a sociedade, entendida nesse sentido, é para os filólogos- mas à prova, menos a conectividade de conteúdos romanísticos do que a capacidade
não só para eles- simplesmente necessária para se sobreviver. Uma ciência que não de anexação de uma disciplina que não se ocupa só consigo. Uma abertura
leva o seu conhecimento para a sociedade, desconhece a sua dívida social e ao final democrática da Romanística deveria, por isso, ser acompanhada pela mediação
se torna, a médio prazo, a própria culpada, quando a sociedade, gradativamente, faz mais eficiente possível de conteúdos romanísticos, diretamente e sem o "clássico
com que ela perca seus meios. Não nos conformemos tão facilmente. A dívida não enfraquecimento": mais Romanística pura na sociedade de informação e ciência.
pode recair apenas sobre o ensino e a crítica à formação de candidatos e candidatas Justamente como corretivo para desenvolvimentos dominantes sociais, culturais
ao magistério, válida como compensação. A opinião pública da língua alemã ainda e políticos, deve-se empurrar a força de fascinação do Território Românico em
tem um ouvido aberto para os impulsos e temas vindos dos Territórios Românicos: sua profundeza histórica, assim como em sua diversidade transareal mais forte na
precisamos ocupar novamente com vigor e fazer a nossa ciência não só uma atividade consciência pública. Às advertências de Hanna Arendt sobre a força autodestrutiva
de salão, mas sim socialmente capacitada em grande escala. das Ciências Humanas, pode enfrentá-la talvez com mais êxito por meio de um
Isso requer, primeiramente, que a Romanística deposite grande valor restabelecimento tão consciente como (auto)crítico da união à vida social.
na mediaçao - d o seu saber para com a sociedade e avance na construção de
~omp~tências específicas. Principalmente a nova geração científica deveria ser
mce~tl~ada ~ provida, com vistas justamente a uma elevada competência de
medtaçao soctal no processo formativo, com potenciais performativos fortalecidos 4a Tese:
tanto na forma de expressão escrita quanto oral, mas também em muitas situações A Romanística pode se entender como ciência da vida
de comunicação específicas- (acadêmico-)políticas, por exemplo. A Romanística
pode, sem dúvida, com sua pluralidade cultural e temática, ser de novo fortemente Como nenhuma outra área filológica, a Romanística está ralhada para pensar
perceptível perante a opinião pública não acadêmica. juntamente com as mais diferentes culturas e línguas e com isso prestar uma
O for~alecimento da competência de perfonner está por se integrar ao colaboração essencial à questão central do nosso tempo: o convívio das nossas culturas
desenvolvimento de estratégias que, além disso, tenham como objetivo uma em diferença. Sem qualquer dúvida, a reflexão do contexto entre a cultura e a vida,
abertura democrática das áreas do conhecimento romanístico. A Romanística nos mais diferentes níveis, é para a Romanística de significado decisivo. Ela precisa
desenvolver estratégias para mover questões da vida e da convivência mais fortemente
264
266
Nove. Confi gurações Nove. Configurações

entro de iniciativas de pesquisa em d 1·fierenres perspectivas,


· . que 0 conceito
pata . , 5a Tese: d
para o c . contexto ., a.
da vida não fique mais tempo soz1nho, a, merce, das chamad as "c1en~1as
. , . da vtda ' emai . d . se enten der, no
A Romanísnca evena d mo uma oencla
determinado sentido puramente biocienrifico. Trata-se, de mane1ra fundamenr. ' acelera a, co d
atuaJ fase de global tzaçao ,
o -

e aae auxilian o
umdesenvolvimento de novos pomos de corte entre as c1enc1as
do . , . h umanas e as narurats, • . ai e pensa o _
·
untversa 1e relacwn • qu . as de mves . t'1oaaçao
m que as primeiras não devem ser entendidas como ingrediente ornamen.t~, mdas - d perspecnv ·
;,eciMm se di,;g;,, como dênc;, fund.menr.l d, v;d,, de mmórn m,;, decod•d• 0 a configuraçao e
. . rransnaoon
. ais e transareais
que o fez até agora, às questões fundamentais de projeto de vida, realidade de vida, e rransregtonats, . . t· as isoladas, de
prática de vida. O objetivo disso não consiste- como costuma ser interpretado - em · s d1sc1p 111 -
.aatório de mul[a em consrruçao,
obter o cientificismo da sociedade e sim em uma socialização do saber, justa.tnente e onente obno e encontram , . se
A Romanística é um comp d reaionais que s d' Se a Romantsaca-
de especial maneira, como contribuição à vida pública em si. . conexões que abrange m 0 s estu os
do Tl'lllllfl . A 1•ea stu. res. d a disc1.p1·ma, entao
Afinal, assim como os mecanismos semânticos de exclusão, al tamen te efioentes como é o caso - em persp ecriva - os
europeus no a · mbtro a su
situação no nl·cho de
nas Ciências Naturais, requerendo cada vez mais para si (e há muito tempo)_ a abstivesse dos quesrio namen ros extra- ente,
. conscienren1 d cada vez mais a . c!aro ' no
ideia de ciência, não só no mundo de língua inglesa, propõem uma clara separ~çao escolheria com isso, consete . nte ou 111
, esboçando e d mo o . be
entre scientists (cientistas) e, nas Humanities (Humanidades), scholttrs (erudttos) ,
uma filo logia class1ca o q . ( ue esta se d b es aruats, no . s quats came
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É uma Romanística que se emende como arquipélago-ciência, que esta vanada e à complext a e .' d Terrirono omanlsnca remd e
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266
Nove. Configurações
Nove. Configurações

para o centro de iniciativas de pesquisa em diferentes perspectivas, para que o conceito


5a Tese:
da vida não fique mais tempo sozinho, à mercê das chamadas "ciências da vidà', em A Romanística deveria se entender, no contexto da
um determinado sentido puramente biocientíflco. Trata-se, de maneira fundamental, atual fase de globalização acelerada, como uma ciência
do desenvolvimento de novos pontos de corte entre as ciências humanas e as naturais, universal e relacional, que pensa e age auxiliando
em que as primeiras não devem ser entendidas como ingrediente ornamental, mas a configuração de perspectivas de investigação
precisam se dirigir, como ciência fundamental da vida, de maneira mais decidida do transregionais, transnacionais e transareais
que o fez até agora, às questões fundamentais de projeto de vida, realidade de vida, e
prática de vida. O objetivo disso não consiste - como costuma ser interpretado - em ' · e' um componente o b ngatono
A Romantsuca · ' · d e mut' tas disciplinas isoladas, ~de
obter o cientiflcismo da sociedade e sim em uma socialização do saber, justamente e conexões que abrangem os estudos regionais que se encontram em con~~çao,
de especial maneira, como contribuição à vida pública em si. como é o caso - em perspectiva - dos TramArea studies. Se a Ro~~msttca :e
Afinal, assim como os mecanismos semânticos de exclusão, altamente eficientes .
abstivesse .
dos questionamentos extra-europeus no am.. h·tto da sua disctplma,
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ideia de ciência, não só no mundo de língua inglesa, propõem uma clara separação uma filologia clássica (o que está se esboçando de modo cada vez m:us claro, no
entre scientists (cientistas) e, nas Humanities (Humanidades), scholars (eruditos) decorrer das últimas décadas). . be
naturalizados, ameaçam também o conceito de vida de se tornar presa de um único Uma retirada da Romanística das discussões e debates acuais, nos quats ca
grupo de disciplinas dentro da sistemática da ciência. Esses processos semânticos justamente ao mundo das línguas românicas, no contexto global, um e~ofirme
contínuos de expropriação, que se delineiam justamente no conceito de life sciences, significado, teria, inquestionavelmente e a curto prazo, con~eq uências . . catastro cas.a
das chamadas "ciências da vidà', de maneira especialmente clara, como novos " d " d R
Uma suposta retoma a a omantsnca em Sl , 0 ' · " ., que rmphcarta, em& regra,
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conceitos direcionados para o futuro, devem ser confrontados. Pois, se as Ciências exclusão da investigação das literaturas do presente e de todo 0 Território 0.md~Icdo
Biológicas são certamente um setor importante, elas de maneira alguma são o único . vimentos a uma const erav;
extra-europeu, equivaleria, no horizonte d os arurus mo ' b, · cos
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autodestruição da área. A Romanística necesstta acettaros .. fundo
vida não é só errônea, ela recai na mira das Ciências Humanas e da Cultura. A estas, iná los cnttcamente a ·
e chances) da atual fase de globalização aceIeradaeexam -" 'd , d area' seria a
entretanto, deve-se fazer justiça no que diz respeito à sua real responsabilidade, com Uma limitação a assuntos europeus, e com tsso aos
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... l'nguísrica
projetas novos e próprios, assim como direcionar-se às questões fundamentais da . . . ças à sua compostçao I
declaração de bancarrota de uma d tsctp1ma, que gra ul . · terior ou
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variada e à complexidade das re laçóes m ul tl, mter ~ . , da melhor
Naturalmente, esse é um desafio que não tem a ver somente com a Romanística. fora das tradicionais fronteiras dos Territórios Romantcos, esta prepdara c '.. os
É uma Romanística que se entende como arquipélago-ciência, que está d afi di cussões e renomen
que qualquer outra disciplina filológica, para os es os e s n , • tem e
acostumada com a presença concomitante de diferentes lógicas e que desenvolve . ~ d ,I . , ul . do presente. A "'omantsnca
da glob al tzaçao os u nmos sec os, asstm como . ento a úblico de modo
formas específicas de pensar em conjunto, mais apropriada a isso do que outras permanece tendo o dever de trazer seu cabedal de conhectm P
disciplinas, para apresentar contribuições a essa colocação do problema, de forma perceptível e, por meio dele, enriquecer os debates. ( rincipalmente
extremamente direcionada para o futuro. Consequentemente, a ciência ligada em . . .
E xtge-se com tsso que a tnvesngaçao e . .. d temas extraeuropeus p
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delegada a centros reg10nats e pesqutsa. 0 , . presença deve
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aplicad os aos area studies com a parnctpaçao . . . or exemplo
1
(que se colocou muito mais à frente no que diz respeito a esses desafios), por ser naturalmente reforçada e exigida lá on d e are6ert'da dtsctp ma- Pt da a nível'
outro, e sim incluir-se tanto nos debates públicos quanto internos da ciência, com . b . , raramente represen a
na área de pesqutsa so re o Onente.- e apenas . ano de fundo da crise
maior força do que até agora. Pois, uma coisa está fora de questão: as literaturas institucional ou sequer notada. Mas, JUStamente dtante do P
românicas e as línguas do mundo formam uma memória gigante de conhecimento atual dos estudos regionais e do d esenvoIvtmen
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. .
sobre vida e convivência, e também um conhecimento da vida em si mesma, e . parte componente mtegranva
a ocupação com temas extra-europeus d evena ser
isso em uma diversidade cultural e linguística que, como ela, nenhuma outra . . de assuntos europeus, mas
de uma Romanística que não negltgencta seu campo d . discutidas
área do cânone das disciplinas filológicas pode apresentar. Essa especificidade da concepções ca a vez m:us
colhe em contextos gIo b ais, por outro Iado, . al'' N" d e chegar a
Romanística é o seu trunfo para um futuro em que as filologias se entendam criticamente e em parte tradicionais, d a "ctencta . .. · regton ·d ao se .ev . ale
em maior dimensão também como ciências da vida e procurem novas formas de "
uma terceirização continuada, somente trtgt , d' . 'da a setores e pesqmsa regton
colaboração inter e transdisciplinar.

266 267
Nove. Configurações Nove. Configurações

de área da Romanística. A diferenciação entre "núcleo" e variantes, simplesmente externa. Em razão da sua confiabilidade para com as mais diferentes culturas
entendidas como regionais, também epistemologicamente não faz nenhum extraeuropeias, em diversos continentes, a Romanística poderia assumir de modo
sentido, contanto que a investigação, por exemplo, da literatura espanhola, mais efetivo do que o fez até agora importantes funções em meio ao circuito
francesa ou italiana seja obviamente relacionada em âmbito regional. científico. Aqui vale ainda afirmar que a especialização não apenas em sentido
Recuar desses dinâmicos campos de pesquisa após a cultural turn (virada cultural), monotemático, n1as também em sentido transversalmente conectado é possível e
cujo sucesso há muito se verifica, ou seja, deixar a questão da grande minoria de fala urgente. Talvez, neste contexto, fosse também menos importante interrogar o que é
espanhola nos Estados Unidos, da pesquisa na América do Norte ou a problemática a Romanística, do que investigar quando há Romanística, pois, uma determinação
do intercâmbio cultural do europeu-árabe ou árabe-americano somente ao campo estática dessa disciplina iria privá-la de suas possibilidades de desenvolvimento,
das Relações Internacionais, na Ciência Política, seria, olhando para os potenciais do das quais ela hoje necessita, mais que nunca.
futuro da área, uma irresponsabilidade. Dependerá muito mais do fato de encontrar Assim, precisan1os, sobretudo, de uma Romanística múltipla, que não se
especificamente respostas romanísticas, com aguda profundidade histórica, para os faz entender apenas em uma direção, em uma autodeterminação única, mas
desafios do século XXI e, nesse contexto, relacionar-se com as ideias de uma filologia - partilhada por uma solidariedade abrangente no interior da disciplina- que
aberta ao mundo, tais como foram pensadas, em meados do século XX, o "século desenvolve n1uitas e as liga entre si. A redução a um "núcleo em si" leva, afinal,
das migrações", justamente pela Romanística. a uma redução da disciplina e, com isso, a uma romano-esclerose, que paralisa
Mas, isso não significa submeter a Romanística a uma prova de esfacelamento qualquer desenvolvimento e coloca novas visões, em princípio, sob suspeita de
e colocar em risco a "unidade da área"? Graças à sua estrutura disciplinar, a utopia. Os "'tradicionais" campos da Romanística não podem ser negligenciados,
Romanística - e esse é o ponto de partida das reflexões desta tese - encontra-se mas devem continuar sendo desenvolvidos- senão também à custa de campos
na situação de um arquipélago: ela só pode, então, sobreviver como uma área de pesquisa, aos quais aderiram só mais tarde. Justamente nessa abertura e
perceptível se intensificar as relações entre as diferentes ilhas, cada qual com seu multi-solidariedade unem-se as linhas tradicionais dessa disciplina fascinante. A
sentido próprio, e não estimular a autarquia de cada ilha-mundo sobre todas as uma Romanística que leva a sério a sua tarefa de trazer o seu conhecimento (seja
medidas e à custa das demais. A "unidade de área" não é criada para que setores ele através de Dante ou da ditongação, de Proust ou da literatura pós-colonial)
temáticos, cuja adesão ocorreu no século passado e portanto é recente, sejam para a sociedade, essa transferência de saber será de êxito, que é inadiável para
novamente "re1egados, ou concentrados em centros de pesquisa regionais; essa a sobrevivência da disciplina em sua diversidade. Portanto, não existe nenhuma
unidade não pode ser alcançada por um "corte retroativo", restrito a determinado razão sensata para colocar uma interrogação no futuro da Romanística: pois, a
cânone, e sim por uma relacionalidade intensificada e muito solidária. força de fascinação dessa disciplina está na sua diversidade- e na sua fortuna de
A Romanística tem suas chances de poder agir como uma disciplina multicultural, posicionar-se contra um empobrecimento e simplificação espiritual e cultural, de
já de casa, com precisão (literária e linguística) histórica para os debates atuais em torno modo consciente e convincente.
de uma convivência das culturas para além da profecia do Choque das civilizações,
como qual ainda não foi realmente reconhecida, e menos ainda aproveitada. O
silêncio continuado da área perante a opinião pública, justamente nesse campo, não
6a Tese:
pode passar despercebido e é para o conceito da Romanística- que cada vez mais
A investigação do EscreverEntreMundos abre para
além de suas fronteiras, é considerada como uma disciplina de elevado grau, ocupada
consigo mesma e apoiada em si mesma- altamente prejudicial. a Romanística a oportunidade de desenvolver
Parar complementar, a fim de que se dê o impulso que deverá propiciar a uma ciência da vida acerca da convivência na
relacionalidade interna, é urgente que haja uma integração externa mais intensa diversidade e de redefinir a tarefa da Filologia
com as disciplinas isoladas, de modo a se construírem relações transversais. Assim,
a Romanística deveria se integrar de maneira mais intensa a uma pesquisa aliada, O maior e ao mesmo tempo mais ameaçador desafio para o século XXI é- como
tanto em direção interdisciplinar quanto transdisciplinar, e desenvolver ofertas, foi muitas vezes acentuado neste volume- a questão do futuro da convivência na
para lançar proposições de trabalho translocais, transregionais, transareais e diversidade em nosso planeta. Nesse aspecto, as estratégias integrativas de soluções
transcontinentais, em várias épocas. de conflitos, no sentido da sustentabilidade de processos autoadaptativos não são,
Isso significa, por fim, que a Romanística não pode, como ciência que enreda certamente, menos questionáveis que no âmbito do nosso meio ambiente natural,
"línguas isoladas" e "literaturas isoladas" entre si, limitar-se à ligação interna e ao ou dos recursos que precisamos utilizar. Como na narratologia ou na métrica,
relacionamento próprio dos seus diferentes campos de conhecimento, mas deveria precisamos também nessa área de uma pesquisa científica com fundamentos. Para
desenvolver possibilidades atrativas de conexão para reforçar a relacionalidade esta, a Romanística precisa contribuir em larga escala.

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Nove. Configurações Nove. Configurações

Atentados terroristas que desprezam o ser humano e contra-ataques militares e co-fundador da revista Foreign Policy (Política Externa) apregoou, será transferida
têm uma consciência- ainda que nem sempre uma compreensão - aguçada para para os EUA. Os fundamentos e valores anglo-protestantes dos Estados Unidos
isso, para com os processos de globalização acelerados, na virada do século XX parecem estar profundamente ameaçados. E, no caso da Europa unificada, também
para o XXI, os quais de maneira alguma {têm) que ser acompanhados somente se vai meditar sobre as chances do plurilinguismo: para Huntington, todo desvio do
por processos de aproximação crescente entre diferentes culturas. Com muito monolinguismo anglófono parece ser sinal e expressão de uma crise radical e, mais
mais frequência, abriram-se virulentas linhas de interrupções e conflitos em ainda: de uma luta cultural, que avança rapidamente para o interior, de proporções
diagonal e em direçáo contrária, para o lado-a-lado-multiculturaJ, que não se ameaçadoras. O Clash of Civilizations, com isso, não acontece mais nas fronteiras
observa só nas metrópoles do oeste; para o diálogo intercultural recíproco, no qual longínquas, mas sim diante da própria casa, mas sim na "própria" casa.
os "parceiros de conversa" trocam suas posições culturais, mas não as invertem; Na atual situação das nossas sociedades, necessitamos certamente de um debate
e para a confusão transcultural, na qual tradições e posições multiculturais são crítico e não brando sobre os valores fundamentais que não devem ser deixados
sempre mudadas, pois exigem, em alto grau, novas políticas culturais e afetivas. somente aos n1eios de comunicação em massa e seus fast-thinkers (pensantes
Aqui, o perigo não é grande somente na política, para adorar simplificações e ligeiros)'>~ 0 • O exemplo de Huntington mostra, naturalmente, também que a
generalizações não permitidas. ciência não pode desistir frente a contextos complexos, justamente no âmbito
As condições biopolíticas gerais, em conexão com uma des-territorialização e da convivência entre culturas diferentes, sem colocar em jogo sua obrigação ética
re-territorialização maciça levaram ao fenômeno de um aparecimento em massa para com a responsabilidade global. Caso contrário, ela deteriora para uma ciência
de conhecimento deslocalizado, que fora do contexto original de seu surgimento, de legitimação sin1plificanre e perde sua função de corretivo crítico.
como conhecimento migratório, não se integra sem problemas nas sociedades que Como ciências (potenciais) da convivência, cabe às Ciências Humanas e da
o acolheram, às quais poderiam enriquecer. Justamente no campo da (ciência) da Cultura- e, pelas razões dadas, justamente à Romanística- um significado e um
literatura, necessitamos de pesquisas de formas e funções de um conhecimento de papel importantes nesse contexto: compreender diferenciadamente problemas
vida des-localizado, um conhecimento de sobrevivência. A análise das literaturas complexos e apresentá-los. Dentro da disciplina, esse papel significativo não foi
sem domicílio fixo nos dá aqui- como este livro deve ter mostrado- indicações até agora reconhecido com a esperada urgência. O exemplo das ideias apresentadas
decisivas para pontos de partida científicos e novas diretrizes transversais no por Samuel P. Huntington, que repercutiram sobremaneira na opinião pública e na
contexto da questão de uma convivência pacífica na diversidade. política, pode comprovar a importância de opor-se o mais cedo possível a orientações
Um potencial altamente conflituoso e confrontativo constata-se, entretanto, de procedimentos cientificamente não duradouros para as (bio)políticas orientadas
particularmente em todas aquelas conceituações que reagem aos desenvolvimentos pela emoção - por mais que tenham sido elaboradas por cientistas. A análise das
aqui apenas brevemente esboçados com noções essencializadas e amplamente diversas vertentes das literaturas sem domicílio fixo deveria, neste livro, chamar a
estáticas e formações de conceitos. Se Samuel P. Huntington, em 1996, em O choque atenção, com base em exemplos bem diversificados, e tornar visível a importância,
das civilizações ainda esquematizara a imagem de um mundo no qual culturas nessas literaturas, do EscreverEntreMundos, do conhecimento armazenado, para
delimitadas em territórios com fronteiras políticas traçadas por unanimidade, de que se possa resistir a todos os modelos de ideias reducionistas.
modo que o hemisfério americano separaria, no material cartográfico acrescido, Finalmente, é tempo de proporcionar uma atenção reforçada às literaturas
dois círculos culturais finamente impecáveis e distintos, em seu novo livro Who tratadas até agora, nacional-literariamente, na maioria das vezes como exceções
Are Wé? (Quem somos nós?), ele cria assim uma imagem sem dúvida apenas e fenômenos à margem, sem domicílio fixo, sob diversos pontos de vista (da área
à primeira vista mais dinâmica. 907 Há muito teriam as fronteiras externas dos científica). Justamente no âmbito da Romanística, deve-se elevar o tesouro do
Estados Unidos, sob a demanda de grupos de imigrantes latino-americanos - saber-conviver acumulado nessas literaturas. Uma investigação que faça uso das
antes de todos os demais, cubanos e principalmente mexicanos -, se tornado sem instalações de um arquipélago-ciência, em diversas formas, sob muitas perspectivas
efeito? Miami está há um bom tempo nas mãos dos cubanos, a reconquista do do EscreverEntreMundos apresentado neste volume, abre justamente, com o
sudoeste dos EUA pelos mexicanos está em pleno vigor. 908 À vista desse tipo de olhar voltado para as literaturas românicas do mundo, todas as chances, bem a
desenvolvimento, permite-se, em verdade, perguntar: "Quem somos nós, afinal?" salvo das forças autodestrutivas, de começar de novo, de maneira inovadora, o
Sem rodeios, "a crise da identidade americana [sic!]" é, novamente e de acordo trabalho igualmente imprescindível e atraente da tarefa da Filologia.
com modelo comprovado, projetada em um cenário ameaçador e implacável, que
chama para negociações políticas e tomar medidas eficientes de diretrizes culturais,
em vista de uma reconquista, falada em espanhol909 • Com muitas consequências,
com base em uma redução de complexidade igualmente considerável e consciente,
uma luta das culturas, como o próprio politólogo "star", Conselheiro do Presidente

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Nove. Configurações

Notas
Manddbrot. 1\l'IH>it B. Dr,. fiuJ.·r,r/,. C~omrrrir drr Nnnrr. Organizado por Ulrich Ziihle. Traduzido do lngles
para o Alcmáo por R~inhilt Z.:ihl~ e Ulrich Z.~hlc. Base.l; Boston: Birkh:iuscr Verlag, 1987, p. 13.
Aciman. Andr.:: Dam,J!s i11 /llrxmrdri11. Di1111mmgm nn nn~ t>rrsdmnmdm~ \\'1-/r. Traduzido do ingles
n ort~·:tnH:ric..tno por i\ l.uh i.lS Ficnbork. Berlin: Berliner T.'lSchenbuch Verbg 2003, p. 379 s. As rraduções
seguinrcs de textos cit.tdU-< conform~ o origin:tl em língua estrangeira - a menos que indic:tdo de outro
m odo - prov<êm do autor (O.E.). O objctivo das traduções próprias é romar possí,·d uma proximidade m:tior
com o original c nt lingu.t l'Strangdr:t. Por esse morivo. fi-equemememe deixou-se de uriliz.v as traduções
p rec.xi.ste m cs - ~ cm p.m~ muito boas - . uma vez que c:tda uma de.las segue seus próprios mode.los de
interpn.:r.-.~·:'w c ""L' tcrminologi.JS. o que se mostra inapropriado p:uticu.lamlente no C1SO de autoras e auwrcs
(com o neste volume) cujos texros for:un vertidos por diferentes mdurores para o alem:io.
No r~-gi.s rro dc,c instam c por um.t c:ime.rd. o F.uniliar e simulcmeamenre reprimido cintilam como que por
aClSo na cscrir.1 luminosa da lotognfia: "Ao fimdo, espreirando furtivamente de altas jandas de varancb,
pode-s~ idc:ntific..tr O> rnsws de: t rl:s q;ipcios. Zcimb. :t empregada, não mais de vime anos, mas já há dez anos
junro 3 f-::tmília , sorri m:tlicius:tm~ntc. Ahmed, o cozinheiro que \'Cill de Cartum, tenra rimidamenre des-.~ar o
olh ar do fotógrafo coloc;mdo .tm:io dircit::J na fi-ente do rosto. Sua inná m:tis joven1, l..1riF.t, com seus dez anos
ainda um:t wrd:ttkir.l cri:tnça, olha fix:tmcmc pat::J a cimcr:l com olhos escuros, t:rapaceiros. Obid., p. 27s.)
Aciman , André: Prd~íci o: Perrnancnt Tr:lnsicnrs. ln (ld. Org.): úrrm of7irmsir. &jl«riollJ 011 E,i/~, !dmriry.
umguage, 1111d Loss. Nc:w York: T he New Press 1999, p. 13.
Oliver, )os<' F. A.: fimrischer wimenl()m1f. Poemas. Fr.mfkun am M:tin: Suhrkamp 2005, p. 63. José Oliver,
aliás, ramb~m t radu7.iu o Ciclo de Alexandria de Joachim Sanorius par:l o Espanhol: Sanorius, Joachim:
Alexmrdria. Ein ZyJ.-/us I Alrja11dnít. U11 ciclo. T raducción de José F. A. Oliver. Hudva: Dipur~ción Provincial
d e Huclva (Hojas de: Z...noria 22-23) 1999- 2000.
6 Sobre os conceitos "conhecim ento da vida'' c "conhecimento de sobrevivência" cf Erre, Orcrnar:
Obe-rLebellSwissm. Die Ar~fkabt" der Pbilologi~. Berlin: Kulrurverlag Kadmos 2004.
7 Cf. Erre, Ortmar: \'V'egc des \'V'isscns. FlinfThcsen zum \'V'dtbcwussrsein und den Literaruren der \'V'dr. ln:
Hofi11ann , Sabinc I \'V'chrhc:im. Monika (Org.): Lnuinammkn. Orrr mui Ordmmgm des \Vmms. FlStScbrift
fiir Birgit Schmlmt. T i.ibingc:n: Gume r Narr 2004, p. 169- 184. Com o drulo ''Wege des \VISSens", um projeto
d e orienraç:io inrc:rdisciplinar no lnsrinHo de Esmdos A''.lnçados de Berlim dcdic:t-se a t::Jis fenômenos de
mobilidade c u Irural g lobal.
Aciman , André: Dmnals in rlle:mndrirl, ibid., p. 304.
9 lbid ., p. 303.
lO Ibid., p. 322.
ll Jb id.
12 lbid., p. 323.
13 Ibid., p . 322.
·~ Auerbac h, Erich: ;\1/imesis. Dmgesre/fre \\'lirklic!Jkàr in &rabmdliindiscbm litmltJtr. Bern- Mlinchen: Francke
Ve rlag 7 , 1982. Cf. sobre: isso , v. o capítulo seguinte, bem como Erre, Ormm: Ob"úbmswiJsm. Diellufgnbe
der Philologie, ibid., p. 5 1-96.
IS Aciman, André: Dmnals in 11/r.wmdtitt, ibid., p. 324. Em seu tt::Jbalho imcressanrc c abrangente, mas
s imultanL-amcnrc reducionista sobre as poéticas do exílio e do rcwrno na litet::Jlllt::l judaica, Sidt::J DeKoven
Ezrah i apresentava un1 padr:io de movimento dirccionado :tpenas pat::J Jerusalém e, consequemememe,
também n:io hesitou c m colocar, no F.tmoso poema fr:tc:t de Konst:lntinos Kaváfis, o nome de Jemsalém
cm lugar d o da ilha-p:írria de U lisses: "Jerusalem gavc you the marvdous joumey". Ezrahi, Sidra DeKovcn:
Booking Pa.ssage. Exile mrd /-lomecomi11g in rbe Modrrn}ewish lmngillarioll. Bcrkdey- Los Angeles - London:
Un ivcrsiry ofCalifornia Press 2000, p. 235.
16 Srr:tuª, Botho: Begimrlosigkeir. R<jlexioneu über F/~ck rmd linif.Mlinchen - Wien: S. Fischer Vcrlag 1992,
p. 19.

I
17 lbid, p. 18s. O original iralbno desse poema publicado no ano de I 971 encontra-se em Gproni, Giorgio:

272 273
Notas Notas

Poesie 1932- 1986. Milano: Garz.anti 1989, p. 392. "Landscapes. ccrtainly, and cityscapes, a sense of place."
18 lbid., p. 128. Ver sobre isso Horn, Ev;t I Kaufmann, Stefan I Brõckling, Ulrich: Inaodução. ln: (id, org.): Gmzzverktzn:
19 Com esta forma de escrita, adoro wn procedimento poético de José F. A Oliver. Wm Sclmmgglfflt, Spionm rmd 1111dn-nr mbz'n'.fi vm Gesttzltm. Berüm: Kulrurverlag Kadmos 2002, p. 722.
20 Aciman, André: Shadow Cities. ln (ld Org.): úttas ofTmnsit, ibid., p. 22. Auerbach, Erich: Philologie der \X'elditeratur. ln: Weltlitmttur. Festgabe fUr Fritz Strich. Bem 1952, p. 39-50;
21 Isto também mostra o autorrerraro de Edward W. Said quando jovem: "Um palestino que foi à escola no republicado cm: AUERBACH, Erich. Gatrmm~lte Aufiiirze z:tr romanisdJm Philologi~. Organização de Fritz
Egito, com wn nome inglês, um passaporte americano e sem qualquer identidade segura. Para piorar a Schalk c Gusmv Konr.td. Munique: Francke Verlag, 1967. p. 301-310, aqui p. 302.
situação, no meu caso misturavam-se ainda o árabe, minha língua materna, com o inglês, minha língua da Eckermann. Johann Pctcr. G~pn'iche mit Goethe in dm kiZim jalJmr srines úbms. Organização de Fritz
escola, completamente indissociáveis: Eu nunca sabia qual era a minha primeira língua c totalmente em casa Bergemann. Frantkurt am Main: lnsel Verlag 1981. p. 211. Tomo I. (Para esta edição, a citação empregada
não me sinto em nenhuma delas, embora eu sonhe em ambas as línguas. Sempre que eu fàlo uma fi-ase cm foi extraída de Eckcrntann. Johann Peter: Com~(Ões com Goetlx nos tíltimos anos tk sua vida: 1823-1832.
inglês, noto como logo formo um eco em árabe e vice-versa." Said, Edward W.: No Reconciliation Allowed. Tradução de: Mário Luiz Frungillo. São P..mlo: Ed. da UNESP, 2017. p. 228).
ln: Aciman, André: úttas ofTmnsit, ibid., p. 96.
45 Auerbach, Erich: Philologie da \~ltlitmtfllr, ibid., p. 302.
46 Ibid.
ll A problemática dessa maneira de fàlar fica nítida por meio do número temático da revista Litemturas sobre
47 lbid .• p. 303.
o tema "Terra alheia. Viver em outros mundos", publicado há pouco. Ali já se menciona, no título de uma
48 lbid.
entrevista com Terézia Mora, lmran Ayata, Wladimir Kaminer e Navid Kermani, que se trataria de "quatro
49 Cf. sobre isso Ettc, Ottrnar: Oberl.Lbmswissnz. Die Azifgabe der Pbilologie. Berlim: Kulrurverlag Kadmos
autores não completamente alemães" (Litmzturm (Berlin) 4 (abril 2005), p. 26.) As estratégias inteiramente
diferentes dos quatro autores ao lidar com classificações desse tipo no jogo de mecanismos de exclusão e 2004, p. 57-96. (Em <.-diç.io br.tSileira, Ette, Ottmar: SaberSolmViver. a (o)missáo da filologia. Curitiba:
inclusão são realmente divertidas e dignas de ser lidas. Editora UFPR. lO 15. p. 59-99).
23 Bhabha, Homi K: Die VtrOmmg tkr Rí1ltur.Traduzido por Michael Schiffinann e Jürgcn Freud!. Com um
50 Auerbach, Erich: Philologi~ da \~ltlitmltur, ibid., p. 309.
prefácio de Elisabeth Bronfen. Tubingen: Stauffenburg 2000.
51 Singcr, \X'oiF. Eln nrues Afmsdmrbild? ~nicbe iiber Himforschrmg. Franfl'llrt am Main: Suhrkamp 2003,
24 Cf. sobre isso Ette, Onmar: Oberúbmswissm. Die Aufgabe tkr Philologie, ibid., p. 88-96. p. 108.
25 SrrauB, Botho: Btginnlosigkeit, ibid., p. 79.
52 Aucrbach, Erich: Philologi~ da \~ltlitmltrlr, ibid., p. 310..
26 Ette, Ottmar: Litmzfllr in Bewegung. Raum zmd Dynamik grmziibmchreitmden Schrribms in Europa mui
53 Cf. sobre isso Ettc, Omnar: \~ltbnvujftsrin. Akxander ZI01Z Humboldt wui das rmvolkndete Projekt riner
Amerika. Weilerswist: Velbrück WISSenschaft 200 I. andnm Modfflre. \X'cilerswist: Velbrück \VISSenschaft 2002; bem como (id.}: Wege des WJ.SSenS. Fünf
27 Schlõgel, Karl: lm Raume ksm wir die Zeit. Ober Zivilisationsgeschichte zmd Geopolitik. München - Wien: Carl Thesen zum \X'dtb(.·wussrsein und den Literaruren der Wdt. ln: Hofinann, Sabine I Wehrheim, Monika
Hanser Verlag 2003, p. 12. (Hg.): úuei1Mmerik,z. Oru wrd Ordmmgm des \Vwens. Festubrift for Birgit Scbarlau. T'ubingen: Gunrer Narr
28 Assim o título programático de wn dos capítulos de sua obra (ibid., p. 60). 2004, p. 169-184. Erich Auerbach estava plenameme consciente da complexidade semântica do conceito
29 lbid., p. 62. de mundo e apontava com razáo para a "grande mref.i' de "tomar as pessoas auroconscientes na sua própria
30 Soja, Edward W.: Postmotkm Geographies. The &assertion ofSpace ilz Criticai Soda/ Theory. London: Verso história; c no entamo muito pequena, até uma abstenção, quando se pensa que estamos não somente na terra,
1989. mas sim no mundo, no universo." (Philologie der Wdcliterarur, ibid., p. 310.)
31 54 lbid.
Já os primeiros conceitos para os espaços investigados - e isso é espantoso em um historiador - parecem
55 Ver a respeito desse aspecto as obras de Edward Said que se seguem a seu trabalho de tradução de Auerbach,
estranhamente sem caroço, estão anacronicamente despidos de seu desenvolvimemo temporal, bem como
do espaço-temporal: Dessa forma, por exemplo, com vistas à virada do século XVIII para o XIX. fàla-se da Erich. Philology and "Wdditcratur" (translated by Maire and Edward Said). ln: The Cmtomial &view (East
"América l..atinà' e de urna "viagem por sete países da América do Sul, de Cuba e da América do Norte". Lansing, Michigan) XIII (1969). p. 1-17.
56 Auerbach, Erich: Philologic der \X'clditeratur, ibidem, p. 303.
onde se trata de alguns vice-reinados e Audimdas do reino colonial espanhol na América, e o conceito
político-cultural, surgido mais de meio século depois, ainda nem de longe estava disponível; repetidas vezes
57 Ibid., p. 302.
S8 lbid., p. 30 I .
ouve-se falar de "civilizações pré-colombianas" em vez de pré-colombinas, terminologias geográficas como
59 lbid.
América do Sul, Central e do Norte são utilizadas de forma altamente aleatória - e até mesmo a fronteira
60 lbid.
entre os EUA e o México aparece como "uma fronteira coerente, aceita, à qual ninguém atribuiria algo
61 lbid.
violento, imposto ou forçado" (ver as citações correspondentes em Schlõgel, Karl: lm Raume lesm rvir die Zeit,
62 Sistemas fundamental-complexos possuem, segundo Friedrich Cramer, ao lado de uma prognosticabilidade
ibid., p. 19,21 e 142). Estes exemplos, que poderiam ser facilmente multiplicados, podem comprovar que a
orientação pelo espaço de forma alguma pode ter automaticamente como consequência wna complexidade limitada e uma irreversibilidade fundamental de rodos os processos, a característica de que neles "que o todo
maior da reflexão, mas também rapidamente uma supressão de processos históricos fundamentais. é mais maior que a soma de suas partes". Cramer, Friedrich: 01aos und Ordmmg. Die kompkxe Struktr1r des
32 Ibid., p. 264. Lebmdigm. Frankfurt am Main - Leipzig: Insel Verlag 1996, p. 223.
63 espreocupado de C.1Sanova, Pascale:.úz &publique mondiakdes lettm. Paris: Seuill999.
33 Ibid, p. 264 s.
64 Ver sobre isso especialmente os Capítulos 2 e 4 do presente volume.
34 Ibid., p. 265.
65 Ver sobre essa terminologia a introdução no presente volume.
35 Sobre rransdisciplinaridade, ver o primeiro capítulo de SaberSobreViver I (p. 25-52).
36 Ver sua concepção de transculmralidad em Ortiz, Fernando: Contraprmteo mbano dei tabaco y e/ azrícar.
66 Auerbach, Erich: Philologie der \X'elcliterarur, ibid., p. 31 O. Cf. também o verbete ,Exil" in:AuerbaclrAipbabet.
Prólogo y Cronologia Julio Le Reverend. Caracas: Biblioteca Ayacucho 1978. KarU1d11Z (Czr/o) Bmrk zum 70. G~burtstag. Sonderheft der Zeitschrift Tmjekte (Berlin) V. 9 (2004), o.P.
37 Cf. Jakobson, Roman: On linguistic aspecrs of rranslation. ln (id.): Sekcted Writingr. ll \%rd and Lmzguage.
67 Kaváfis, Konstantinos: lthaka. ln (id.): D,zs Gstrmtrverk.Griechisch und Deutsch. Traduzido a partir do grego
The Hague- Paris: Mouton 1971, p. 260. e organizado por Robert Elsic. Com uma introdução de Marguerite Yourcenar. Zürich: Ammann Verlag
38 Uma outra utilização conceituai de práticas translinguais, com vista à China, encontra-se em Liu, Lydia H.: 1997. p. 10 I.
68 Cf. sobre isso Habermas, Jürgen: Posfácio. ln: Horkheimer, Max I Adorno, Theodor W.: Dialektik tkr
Translingtuú Practice. Literature, Natio1llli Culture, and Translated Modenzity- China, 1900-1937. Stantord:
Stanford University Press 1995. Atifkliinmg. Philosophische Fragmeme. Franfkurt am Main: S. Fischer Verlag 1986, p. 277. Cf. também ali
39 Cf. sobre isso detalhadamente Ette, Ottmar: Weltbromjltsrin. Alexantkr von Humboldt rmd das rmvolkndete sobre a história do surgimento da obra, entre novembro de 1941 e maio de 1944 (ibid., p. 278-281).
69 Horkheimer, Max I Adorno, Theodor W.: Ditrlektik der Aujkliinmg, ibid., p. 41. (As passagens citadas nesta
Projekt riner anderen Modenre. Weilerswist: Velbrück Wissenschaft 2002, p. 25-27.
40 Cf. sobre isso Ette, Ottmar: Literatur in Bewegung. Raum mzd Dynamik grmzübmchreitmdm Schreibms in edição foram extraídas de Adorno, Theodor; Horkheimer, Max: Dialitica do esda~rcimmtu: fragmentos
Europa mui Amerika, ibid., p. 21-84. fllosófkos. Trad. de Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. E·book.).
41 70 lbid., p. 50.
Ver Mukherjee, Bharati: lmagining Homelands. ln: Aciman, André (Org.): Letters ofTransit, ibid., p. 47.

( 274 275
Notas Notas

71 lbid. 102
Benjamin, Walter: Über den Begriff der Geschichte, ibid., p. 694.
72 Ibid. 103
lbid., p. 695.
73 Habermas, Jürgen: Posf.icio, ibid., p. 287. 104
Ibid, p. 697 S.
74 Auerbach, Erich: Mimais. Dargmellte Wirklíchkdt ín da abmdliindischm Litmztur. Bem - Münchc:n: Francke lOS Arendt, Hannah: M11chr mui Gnvtrlt. Aus dem Englischen von Gisela Uellenberg. München - Zürich: Piper
Verlag 1982, p. 19. 1990, p. 86.
75 Horkheimer, Max I Adorno, Theodor W.: Diakktik da Aujkliinmg, ibid., p. 9. (Adorno, Thcodor; 106
Horkheimcr, Max I Adorno, Theodor W.:Diakktik da A11jkliinmg, ibid., p. 9.
Horkheimer, Max: Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos, ibid). 107
Cf. sobre: isso as abordagens bastante divergentes de Hõffe, Otfiied: Dttno~ im Zdtalurda Globalisinung.
76
lbid., p. 7. München: C. H. Bcck 1999; Albert, Manhias: Z11r Polítík do \Veltg~llschaft. Idnztítãt und &cht im Kon~
77 Ibid., p. 5. Íllfn7uzriona!t:r Vrrgt>St'!lscb,zfomg. \Veilerswist: Velbrück WLSSenSChaft 2002; bem como Fraser, Nancy: D~
78 lbid., p. 1. halbinu Gert'chrigkt'it: Schliis.selb~ffi des postíndustriellnz Sozialstaats. Franfl"llrt am Main: Suhrkamp 2001.
79 108
No sentido de Blumenberg, Hans: Arbdt am Mytl1os. Franfkurt am Main: Suhrkamp 1979. Agamben. Giorgio: Homo sacer. Dit' souveriine Macht wul da.s tlllckú úbm, ibidem, p. 140.
80 109
Benjamin, Walter. Über den Begriff der Geschichte. ln (id.): Gesammelu Schriftm. Volume: I, 2 Organizado Auerbach, Erich: Philologie der \Velcliterarur, ibid., p. 310.
110
por Rolf Ttedemann e Hermano Schweppenhãuser. Franfkurt am Main: Suhrkamp 1980, p. 696. Essa Michaux, Henri: LiclL"< lointains. ln: Mnm" tk Frrmce (Paris) 1109 (1.1.1956), p. 52; aqui citado cf.
citação recebe uma coloração peculiar, quando se estabelece sua referência com o próprio "processo da Casanova, Pascale: Ltr Rtpubliqut' motuliak tÚs /mm, ibid., p. 49: "la patrie de ceux qui n'ont pas ttouvé de
tradição" dessas teses histórico-filosóficas tão imponantes para o desenvolvimento da Escola de Frankfurt. Patrie".
111
Cf. sobre as circunstâncias em que Hannah Arendt fez a entrega da mala com os manuscritos de W.1..1ter Goyrisolo, Juan: (On Emine Sevgi Úzdarnar.) ln: Ttmes LitmzrySupplnnmr(l.nndon) (2.12.1994), p. 12. Cf.
Benjamin ao escritório do Instituto Frankfurt de Pesquisa Social , nesse meio tempo estabelecido cm Nova sobre isso também Ette, Ottmar: Obn-úbmsruissm, ibid., p. 227-252.
112
York, Young-Bruehl, Elisabeth: Hannah Amuit. úbm, Werk und Zeit. Traduzido do inglês norte-americano Ozdamar, Emine Sevig: \Vir wohnen in einer weiten Hõlle. Onterview rnit Nils Minkmar.) ln: Fmnkfomr
por Hans Günter Holl. Franfkun am Main: Ftscher Taschenbuch Verlag 2000, p. 241 s. ADgemeine Somlfagsuittmg (Frankfurt am Main) 47 (21.11.2004), p. 23.
113
81
Horkheimer, Max I Adorno, Theodor W.: Diakktik do Aujkliinmg, ibid., p. 7. (Adorno, Theodor; lbid.
114
Horkheimer, Max: Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos, ibid). Ojebar. Assia: Schreibcn in Europa. über den Roman "Nãchte in StraBburg". Rede im Haus der Kulruren
82 Ibid., p. 6. der Welt, Berlin, 28. November 1998. ln: <lmp://www.unionsverlag. corn/info1Unk.asp?link_id=256&pers_
83 Frenzel, Elisabeth: Sto.Jfo do Weltlítmztur. Ein Lexikon dichttmgsgeschichtlicher Liingssclmitte. 6., vcrbesserte und id= 12&pic= . .lportrait (5.5.2004)>.
um ein Register erweiterte Auflage. Stuttgart: Alfred Krõner Verlag 1983, p. 564. IIS lbid.
116
84 Horkheimer, Max I Adorno, Theodor W.: Diakktik da Aujkliinmg, ibid., p. 53. (Adorno, Thcodor. Eckcrmann, Johann Petcr: Gcsprãche mit Goethe in den letzten Jahren seines Lebens, ibid, p. 211.
Horkheimer, Max: Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos, ibid). (Eckennann, Johann Peter: Conversações com Goethe nos últimos anos de sua vida: 1823-1832, ibid., p.
8S Ibid. 228).
86 117 Benjamin, Walter: Die Autgabe dcs Überseaers. ln (id.): Gesamme/re Sclmfinz, vol. IY, 1. Organizado por
lbid .• p. 54.
87 Ttllmann Rexroth. Fr-.mfkurt am Main: Suhrkarnp 1980, p. 9-21.
lbid., p. 85."0 fato de que o conceito de terra natal é contrário ao mito, que os fascistas gostariam de tomar
118 Cf. Humington, Samuel P.: Der Kampf der Kultumz. Tht Clasb of Civi/Wrtíons. Dit' Nertgma/trmg da
mentirosarnente terra natal, nisso está assentado o paradoxo mais íntimo da epopeia."
88 lbid. Welrpolirik im 21. }ttbrlmndm. Tradução do inglês americano por Holger Fliessbach. München- Wien:
89
Ibid., p. 86. Europa Verlag, 1996.
90 lbid. 119
Horkhcimer, Max I Adorno, Theodor W.:Dialt'ktik do Aujkliinmg, ibid., p. 53.
91
Ibid. 120 lbid., p. 54.
92 121
Segler-MeBner, Silke: Literatur und Zmgmschaft- Zu DarsteUrmg und !nterpmatíon der Sboah in Frank"ich. A primeira quebra de tabu sustentável empreendeu Hannah Arendt em seu até hoje fascinante livroAsorigmr
Habilitationsschrift Universitãt Stuttgan 2003, p. 75. do totalitarismo (E/nnmu tmd Urspriinge tot11kr Hnrschaft). Ungekürzte Ausgabe. München - Zürich: Piper
93 Dessa forma formulava resumidamente Klaus Bade: "O 'Homo migmns' existe desde que existe o 'Homo 1991.
122
sapit'ns; porque marchas fazem parte da Conditío humana como o nascimento, a reprodução, a doença e a Sidra DeKoven Ezrahi apontou muitas vezes para o impacto da criação do Estado de Israd em seu estudo dos
morte." Bade, Klaus: Europa in Bewegzmg. Mígratíon vom spiitm 18. ]ahrh111ukrt bis zur Gegmwart. München: movimemos cemrados em Jerusalém na literatura judaica; cf. Ezrahi, Sidra DeKoven: &okhzg Passagt'. Exile
Verlag C. H. Beck 2000, p. 11. and Homecoming in the Modem Jewish lmagination, ibid.
94 123
Agamben, Giorgio: Homo sacer. Dit souveriine Macht und da.s nackte úbm. Traduzido do italiano por Hubert Arendt, Hannah: Ekmmte tmd Urspnlnge totaler Hnrschaft, ibid., p. 942.
Thüring. Franfkurt am Main: Suhrkamp 2002. 124
Ibid., p. 943.
95
Nietzsche, Friedrich: Die frõhliche Wissenschaft ("La Gaya Scienza"). ln (id.): Siimtliclu Werke. Kritísche 12 s Esse o título da terceira e conclusiva parte de Homo saCfr, de Giorgio Agamben. D~ souvniint Macht und dAS
Studienausgabe ín 15 Ein.ulbãndm. Organizado por Giorgio Colli e Mazzino Montinari. Vol. 3. München nackte Lebm, ibid., p. 125.
- Berlin: Deutscher Taschenbuch Verlag - Walter de Gruyter 3 1988, p. 628. Cf. sobre este questionamento 126
Cf. sobre isso o detalhado levantamento de pesquisa sobre essa área temática no segundo capítulo de
também detalhadamente Ette, Ottmar: Europa a1s Bewegung. Zur literarischen Konstruktion eines Segler-MeBner, Silke: Litmttttr wul z~ugt'nschaft, ibid.
Faszinosum (Europa como movimento. Para a construção literária de uma fascinação). ln: Holtmann, Dierer 127 Agamben, Giorgio: WílJ' l'011 Auschwitz bkibt. Das Arr:hiv mui da Zn1ge (Homo sacer III). Traduzido do italiano

I Riemer, Peter (Org.): Europa: Einhdt und Vit'!folt. Eine interdiszipliniirr Barachttmg. Münster- Hamburg- por Srefàn Monhardt. Franfkurt am Main: Suhrkarnp 2003, p. 7.
Berlin ~ London: UT Verlag 2001, p. 15-44. 128 Ibid., p. 35.
96 Benjamin, Walter: über den Begriff der Geschichte, ibid., p. 697. 129
lbid .• p. 8.
97 Agamben, Giorgio: Stato di t'ccezione. Homo saco; II, 1. Torino: Bollati Boringhieri 2003, p. I O. "O estado de °
13
Cf. sobre isso a análise detalhada em Ette, Onmar: Albert Cohen: "Jour de mes dix ans": Espaços e
exceçáo se apresenta como forma legal daquilo que não pode ter forma legal." movimentos de encontro imerculrural. ln: Grolk, Sybille I Schõnberger, Axd (Hg.): Dulce d tkcon11n est
98
Cf. sobre isso Habermas, Jürgen: Posfácio, ibid., p. 281. philologiam colere. Festschrifr fUr Dietrich Briesemeister zu seinem 65. Gebunsrag. Vol. 2. Berlim: Domus
99
Benjamin, Walter. Über den Begriff der Geschichte, ibid., p. 695 (a partir da quinta tese). Editoria Europaea 1999, p. 1295-1322.
100 Ibid. (a partir da sexta tese). 131
Sobre a biografia de Cohen, cf. a monografia de Gérard Valbert, autor ligado amistosamente ao escritor:
101
Sobre a familiaridade e proximidade dos autores da Dia/ética do esclarrdmmto com Walter Benjamin, Albert Cohen, !e sdgneur. Paris: Grasset 1990.
justamente também com vistas ao estreitamento histórico-filosófico entre mito e modernidade, cf. Habermas, 132 Cohen, Albert: "jour de mes dix ans", in: La Fmnct /ibrr (16 julho de 1945), p. 193-200 I (15 agosto de

Jürgen: Posfácio, ibid., p.282 s como também 286 s. 1945), p. 287-294; uma versão resumida foi publicada ainda em setembro do mesmo ano na revista Esprit.

276 277
Notas Notas

133
lbid., p. 193. 171 lbid.
134 lbid. 172 Ibid., p. 263.
13 5 Fmkielkraut, Alain: U ]ui/imaginai". Paris: Seuil 1980, p. 1O. "Estica as canelas, judeu sujo!" 173 lbid., p. 264.
136 lbid., p. 215. 174
Ibid, P· 264 S.
137 Essa dimensão histórica e, mais ainda, histórica da mencalidade é fortalecida em O vous, fores lmrnains por 175 Ibid., p. 271.

meio de decalhes adicionais da vida cotidiana de emáo, mas não deverá ser analisada em decalhe aqui. 176 Benjamin. \X'aJter. Über den Begriff der Geschichte, ibidem, p. 697s.
138 Cohen, Alben: "Jour de mes dix ans", ibid., p. 287. 177 Wajsbrot, Cécile: Pottr la littimltl". Paris: Zulma 1999, p. 23.
139 lbid, p. 292. 178 Ibid.

140 lbid. 179 Ibid., p. 25.


141 lbid., p. 294. Albert Cohen vivia em Genebra em um apartamento muitas vezes protegido do mundo exterior 180 lbid., p. 27.

por meio de fechaduras e ferrolhos, cuja reclusão- como foi muitas vezes testemunhado- ele só deixava com 181 Ibid.
extrema relutância. 182 Cf. Rousso, Henry: ú syndrome de Vid.ry De 1944 à nos jours. Paris: Scuil1990.
142 Kann, Emma: Biographische Notizen. ln: Eril (Frankfurt am Main) VI, 1 (1986), p. 66. 183 Segler-McBner, Silke: Litmztur mui Zrugenschaft, ibidem, p. 53.
143 Kann, Emma: Heimatlos (1933). ln: Eri/(Frankfurt am Main) VI, 1 (1986), p. 67. 184 Ibid.
144 Auerbach, Erich: Philologk der Weltlitmztur, ibid., p. 31 O. 185 A partir de uma perspectiva totalmente diferente, Bernard Wasscrstcin esboçou a imagem de uma "Europa
14
5 Cf. sobre isso Ette, Omnar: SabuSo""Vivn-. a (o)missão da filologia, Curidba: Ed. UFPR, 2015, p. 199). sem judeus" no contexto da Vanishing Düzspora - esse o órulo de seu livro publicado originalmente em
146
Kann, Emma: An}emand Femes. ln: Eri/(Frankfurt am Main) VI, 1 (1986), p. 69; este poema está entre os inglês, em 1996. com o subtítulo The jews in Europe si11ce 1945. Ali de defende a tese de que "~vez a.~
textos escritos no Campo de Gurs. importante consequência do genocídio nacional-socialista" para a vida judaica após a guerra tena conslStldo
147
Kann, Emma: Frieden 1m Krieg. ln: Ette, Ottmar: SabuSo""Viver. a (o)missão da fiJologia, Curidba: Ed. na "obsessão (esse termo não é exagerado) pela sobrevivência". Além das fiomeiras de Israel~~~~~
UFPR. 2015, p. 201. também nas "sociedades abertas do Ocidente", seriam "sombrias" as "chances de uma sobreviVenaa coleava
148 Carta de Emma Kann de 16.10.2003 ao autor. diante da forte pressão de assimilação. Cf. Wasserstein, Bernard: Eztropa oi!Mjudm. Das europãischefudmtum
149
Kann, Emma: Der Vagabund. ln: Mnnnosyne (Klagenfurt) 24 (1998), p. 15. seit 1945. T rad. Do inglês por Bemd Rullkõtter. Kõln: Kiepenheuer & Witsch 1999, P· 327 s.
15° Kann, Emma: Auf dem Meer I. ln: Mnmwsyne (KlagenfiJrt) 24 (1998), p. 18. 186 Wajsbrot, Cécile: Pour la littirattm, ibid., p. 58.
151
Kann, Emma: Wrr Lebten Einst Auf einer Erde... ln: Eril (Frankfurt am Main) VI, 1 (1986), p. 70. 187 lbid., p. 59. . "
152 188 Ibid., p. 49. "Deportação, exílio, guerra, cacistrofe, seja o que for. E alguém vivenciou isso, sobreviveu a ISSO.
Kann, Emma: The Land ofMy Childhood. ln: Exil (Frankfurt am Main) VI, 1 (1986}, p. 74. (Ódio e pavor
são presenças constantes, I Qualquer passo em falso os irá libertar). 189 Wajsbrot, Cécile: ú tottr dulac.Paris: Zulma 2004.
153
Kann, Emma: Heimkehr zur deutschen Sprache. ln: Exil (Frankfurt am Main) VI, 1 ( 1986), p. 75. 190 Wajsbrot, Cécile: Beatme-la-Rolantk. Paris: Zulma 2004, p. 7.
154
Sobre as atividades de Max Aub na Guerra Civil Espanhola e especialmente sobre sua amizade com o escritor 191 lbid., p. 8.

e intelectual francês André Malraux, cf. Ette, Ottmar I Figueras, Mercedes I Jure, Joseph (Org.): Max Aub- 192 Ibid. ··sur la route".
André Malraux. Gum-a civil c:ilio y literatura - Gum-e civik, c:il et littirattt". Madrid - Franfkurt am Main: 193 lbid., p. 12.

lberoamericana - Vervuert 2005. 194 Wajsbrot, Cécile: Pour la littimttt", ibid., p. 25.
155
Sobre as circunstâncias exatas, cf. Soldevila Durante, lgnacio: El compromiso de la imaginación. V'UÚt y obra de 195 Wajsbrot, Cécile: Beatme-la-Rolande, ibid., p. 53.
MaxAub. Segorbe: Fundaci6n MaxAub 1999, p. 43. 196 Ibid., p. 8.
156
Cf. sobre isso Ette, Omnar: SaberSobreViver: a (o)missão da filologia, Curitiba: Ed. UFPR. 2015, p. 209 e J97 Wajsbrot, Cécile: Pour la littbatu", ibid., p. 23.
segs. 198 Wajsbrot, Cécile: Beatme-la-Rolande, ibid., p. 14.
1 7 199 Ibid., p. 10.
5 Cf. Aub, Max: Diario de Djelfà.. ln (id.): 0/mu completas. Vol. I: Obra poroca compkta. Dirección de la
edición Joan Oleza Simó. Edición crítica, esrudio introductorio y notas Arcadio L6pez Casanova u.a. 200 Em relação à grande importância das vozes, cf. também a bem sucedida encenação acústica de uma primeira
Valencia: Biblioteca Valenciana 2001, p. 93. versão desse texto transmitida pela France Ctdtu" ("Atelier de Création Radiophonique") em julho de 2003,
158 lbid. sob o título Beaune-la-Rolande. La Ctrtmonie em versão radiofônica. Agradeço a Cécile Wajsbrot por ter-me
1S9 Agamben, Giorgio:Was vonAt~schwitz bkibt, ibid., p. 45. cedido uma gravação desse programa.
160
Aub, Max: Carta al Presidente Vicente Auriol. ln {id.): Hab!D como hombre. Edici6n, introducción y notas de 20l Wajsbrot, Cécile: Beatme-la-Rolande, ibid., p. 1O.
Gonzalo Sobejano. Segorbe: Fundación Max Aub 2002, p. 112. 202 lbid, p. 15 S.
161 Ibid., p. 113. 203 lbid., sinopse da contracapa.
162 lbid., p. 115. 204 lbid., p. 42. .
163 lbid., p. 116. 205 Ibid.• p. 16. A constância dos lexemas franceses ombre evarie é notável, mesmo nos poucos excertos aqw
164
Cf., sobre o conceito de .fricfiÜJ, Ette, Ottmar: Roland Barthes. Eine intelkktuelk Biographie. Franfkurt am apresentados (e não deveria ser abandonada na tradução).
Main: Suhrkamp 1998, p. 308-312. 206 Ibid., p. 21.
165
A seguir, cito - onde não indicado diversamente- de acordo com a edição crítica de Aub, Max: Manuscrito 207 Ibid., p. 55.

Cuuvo. Historia tk Jacobo. lntroducci6n, edición y notas de José Antonio Pérez Bowie con un Epílogo de 208 Ibid., p. 20.
José Maria Naharro-Calderón. Segorbe - Alcalá de Henares: Fundación Max Aub - Universidad de AJcalá de 209 Também a mãe da narradora tem dez anos de idade quando a polícia francesa tenta prendê-la juntamente

Henarcs 1999. Para uma interpretação decalhada desse texto fuscinante, cf. Ette, Ottmar: SaberSobreViver: a com seu irmão e sua mãe; porém, como por milagre, o restante da família é poupado, a genealogia da fam.ilia
(o)missáo da filologia, Curitiba: Ed. UFPR. 2015, p. 210-228. -e com isso também da narradora- não se rompe (cf. Ibid., p. 31 s).
166 Aub, Max: Manuscrito Cunvo. Historia de Jacobo, ibid, p. 96. 210 lbid.
167
lbid., p. 154. Nessa ignorância, aliás, residiria urna completa igualdade entre os internos e seus guardas. 211
Jbid, p. 50 S.
168
Aub, Max: Das Rabenmanuskript. Traduzido por Stef.ulle Gerhold e Albrecht Buschmann. ln {id.): Der 212
lbid., p. 52.
Mann aus Stroh. Erziihlungen. Franfkurt am Main: Gatza hei Eichbom 1997, p. 260. 213 Ibid.
169
lbid., p. 261. 214
Ibid., p. 56.
170
lbid., p. 262. 215 Jbid.

278 279

I
Notas Notas

216 lbid, P· 56 S. Claude Lcroy comenta. na organização crítica de sua nova edição de Cendrars: "Não há um só documenro
217 lbid., p. 57. que comprove o F.uo de Fredd)' ter empreendido uma viagem tão longa e arrisclda - e sobretudo em um
218 Cendrars, Blaise: Bourlingun: Paris: Denoel- Folio 2002, p. 479. período tão confuso de su;t vida. Podemos imaginar sem hesitação que ele tenha admirado aquele trem na
219 lbid. estação de São Petersburgo ou Moscou." (Cendrars, Blaise: Totttatttottrd'aujottrd'hui, ibid., v. 1, p. 344)
220 249 Robert c Sonia Dc:launay ha,iam conhecido Cendrars a convite de Apollinaire em 1912 no "Café de Flore";
lbid.
221 lbid cf. sobre isso Freiras, Maria Teresa de: Cendrars und die Frauen. ln: Rückiger, Jean-Cario (Org.): Blaise
222 Id., P· 479 S. Cmdmrs. Ein Ktr/~idoskop in T~1m tmd Bildern. Basel: lenos Verlag 1999, p. 103.
223 250 Flückiger, Jean-Cario: Triptychon. ln (ld. Org.): Blaise Cmdmrs. Ein Kalndoskop in Textm und Bildnn, ibid.,
Cf. Ette, Omnar: Litmztur in Bewegung. Raum tmd Dynamik grmziiberschreitendm Schreibens in Europa
tmdAmerika. Weilerswist: Velbrück Wissenschaft 2001, p. 25-36 ("Dimensionen des Rciseberichts") como p. 61.
251 Sobre a "qu~le du simu/r,ml' disparada pelo La Prose dzt Tnmsribirim, e que gerou discussões acaloradas e já
também p. 37-43 ("Lirerarur und Reisen").
224 Diderot, Denis: Supplément au Voyage de Bougainville ou Dialogue entre A et B. ln (id.): Oezwm. Edition foi várias vezes revista, c( as explanações e indicações bibliográficas de Claude Leroy em Cendrars, Blaise: Tottt
établie er annotée par André Billy. Paris: Gallimard 1951, p. 964. autour dimjourd~mi, ibid., v. I, p. 34 S.
225 252 Cendrars, Blaise: Prose du Transsibérien er de la petite Jeanne de France, ibid., p. 32.
Cf. sobre isso Ette, Omnar: "Le rour de l'univers sur norre parquer": lecreurs et lecrures darls l'"Hisroirc des
253 Cendrars, Blaisc: Prose du Transsibérien et de la petite Jeanne de France. ln: Dtr Stunn- Halbmonatsschri.ftfiir
deux lndes". ln: Bancarei, Gilles I Goggi, Gianluigi (Org.): Raynal tk la polimiqu~ à l'histoíre.Oxford: Voltaire
Foundation 2000, p. 255-272. Kultur tmd die Kiilrste (Berlin- Paris) IV. 184- 185 (Novembro 1913), p. 127.
254 Blumcnberg, Hans:Dí~ úsbarkrit der \~lt. ibid., p. 17.
226
Vgl. Blumenberg, Hans: Die úsbarkeit tkr ~lt. Frankfun am Main: Suhrkamp 1986.
227 2S5 Cendrars refere-se à Biblioteca Nacional, uma das maiores do mundo, situada no Rio de Janeiro. [A antiga
Cendrars, Blaise: Obmeezungm, ibid, p. 479.
228 lbid. Ele só havia escolhido estudar medicina para fazer uma surpresa a seu pai (ibid.). biblioteca tr.u.ida de Portugal para o Brasil após a vinda da fanu1ia real em 1808 chamava-se Real Biblioteca
229
Cendrars, Blaise: Dan Yack. Texres présentés et annotés par Claude Leroy. ln (id.): Tout autour dimjourd~mi. ou Real Livraria- N.T]
v. 4. Paris: Editions Denoel2002, p. 164. 256 Cendrars, Blaise: Bourlinguer, ibid., p. 403.
230 Cendrars, Blaise: Oberseezungen, ibid., p. 479. 257 Cendrars, Blaisc: Bourlinguer, ibid., p. 480.
231 258 É espetacular como ral figura é introduzida, figura que pode diferenciar-se do Eu só depois de várias páginas
lbid., p. 401.
232 lbid., p. 263. de busca pela paisagem de livros mais impressionante, com a qual o dono do antiquário, um sujeito excêntrico
233 Cendrars, Blaise: Le Panama ou les aventures de mes sept oncles. ln (id.): Tout autour dimjourd'lmi, ibid., v. e af.ível. praticamente cresceu jumo; sobre isso, cf. ibid., p. 424-427.
1, p. 47. N.T.: assim como para o autor deste livro, a tradução dos poemas de Cendrars primou pela maior 259 Ibid., p. 405.
proximidade possível ao original, porém a partir de sua versão em alemão. 260 Ibid.
234 Como se pode ler noflnal dopetitpoemeenpros~de Baudelaire, que recebe o mesmo nome: "Enfin, mon âme 26 1 Para uma definição mais detalhada do conceito de horizonte "saber sobre a vida", cf. Eae, Ottmar:
fait explosion, et sagement elle me crie: 'N'impone ou! n'impone ou! pourvu que ce soit hors de ce monde!"' Sabn-Sob"Vit'er. A (o)missáo da filologia, ibid., p. 12-14.
(Baudelaire, Charles: Any where out of the world. N'impone ou hors du monde. ln (id.): Petits poemes en 262 Cendrars, Blaise: Bourlinguer, ibid., p. 120.
263 lbid., p. 422.
prose (Le spleen de Paris). Oeuvres complàes. Norice, note et éclaircissements de M. Jacques Crépet. Paris:
Conard 1926. v. 3, p. 167. 264 lbid., p. 423.
235 265 Sobre a transição da caligrafia destra do poeta para a écrirure canhota do escritor de prosa. faro que tem
~ fac~sím~~ desse m~ifesto, bem como uma tradução para o alemão, encontra-se em Apollinaire, Guillaume:
I.:Ant1tradioon Furunste. ln: Asholr, Wolfgang I Fáhnders, Walter (Org.): Manifot~ zmd Proklamationm tkr relevância poetológica, c( o estudo volumoso e criativo de leroy, Claude: La mai11 tk Cmdmrs, ibid.
europiiischen Avantgartk (1909-1938). Sruttgart-Weimar: Metzler 1995, p. 44-46. 266 Ccndrars, Blaise: Bourlinguer, ibid., p. 423.
236 Ibid., p. 44. 267 Id .• P· 423 S.
237 Apollinaire, Guillaume: LJ\ntitradition Fururisre, ibid., p. 44: ,Suppression de l'histoire". 268 Leroy, Claude: La main tk Cmdmrs, ibid., p. 71.
238 Bürger, Peter: Teoria da vanguarda. Trad. de José Pedro Antunes. São Paulo: Cosac Nail}r Portátil, 2012. 269 Sobre a definição de friccionai, cf. Ette, Ottmar: Roland &zrthes. Eine intelkktuelk Biogmphie. Frankfun am
239 Ibid, p. 45. "Nomadisme épique exploratorisme urbain Art eles voyages et des promenades". Main: Suhrkamp 1998, p. 308-312.
240 Ibid. "lntuition vitesse ttbiquitl'. 27° Cf. sobre esse termo Ette, Onmar: Lirerarur in Bewegung. Rattm tmd Dynmnik grrnziiberschrritmdm
241 Wehle, Winfiied: .Lyrik im ~italte~ der Avantgarde. Oie Entstehung einer ))ganz neuen Asrhetik« Sch"ibens in Europa tmd Amerika, ibid., p. 62-80.
zu Jahrhundenbegmn. ln: Jaruk, D1erer (Org.): Die ftanziisische Lyrik. Darmstadt: Wissenschaftliche 27 1 Cendrars, Blaise: Bourlinguer, ibid., p. 26.
Buchgesellschaft 1987, p. 416. 272 Cendrars, Blaise: Bourlinguer, ibid., p. 15 e 499.
242 Cf._sob~e ~sso Leroy, Clau_de: La main tk Cendrars. Préface de Miriam Cendrars. Villeneuve dJ\scq: Presses 273 Ibid., p. 499.
Umvers1ta1res du Septenmon 1996, P· 36: ,k pmnier Cendrars voit dans la motkrnité une rnptttre radicak avec 274 Cf. o verbete "Bourlinguer" em Roben, Paul: Le Petit Robert. Dictio11nairt alphabltiq11e ér ana/ogüple tk la
la Tradition." langue.française. Paris: Société du Nouveau Littré 1972, p. 186.
243 Wehle, Winfried: Lyrik im Zeitalrer der Avantgarde, ibid., p. 418. 27 S Ibid.
244 A biografia ficcional do pintor proveniente da Catalunha, depois mono no México, uma biografia inventada 276 Cf. também o verbete "Bourlingueur" (ibid.).
p~r Max Aub, reprod~ esse pro,cesso - e, ao mesmo tempo, as transições complexas entre vanguarda e 277 Cendrars, Blaise: Bourlinguer, ibid., p. 79. .
pos-vanguarda, modem1dade e pos-modemidade. Cf. Aub, Max:]ttSep Torres Campalans. México: Tezontle 278 Michaux, Henri: Lieztx lointains, ibid., p. 52. "la patrie de ceux qui n'ont pas trouvé de Patrie".
1958; bem como Ette, ~mnar: Avantgarde - Postavantgarde - Postmodeme. Die avantgardisrische Impfung. 279 Cendrars, Blaise: Feuilles de route. ln (id.): Tout autottr d'aujotlrd'ht~i, ibid., v. 1, p. 21 O. É natural que tenha
ln: Asholt, Wolfgang I Fáhnders, Walter (Org.): Der B/ick vom Wolkenkratzn: Avantgarde- Avantgardekritik- dedicado um poema próprio também ao protótipo do descobridor; cf. "Christoph~ Colomb" na mesma
Avantgartkforschtmg. Amsterdam - Atlanta: Rodopi 2000, p. 671-718. coletânea de poesia (Id., p. 248).
24 5 Wehle, Winfried: Lyrik im Zeitalter der Avantgarde, ibid., p. 418. 280 Sobre a história da publicação, cf. id., p. 388.
246 Cendrars, Blaise: Prose du Transsibérien et de la petite Jeanne de France. ln (id.): Tottt autour d'aujourd'hui, 281 Sem dúvida, a viagem de Cendrars para o Brasil teve consequências não só para ele mesmo, como também
ibid., v. 1, p. 19. para uma série de artistas e literatos brasileiros, em especial no ambiente do modernismo. Não é por acaso
247
~id .•• p. 34. Sobre o verso ~nal da_ Pros~ dtt Trans..'Sibérien, ver as explicações de Claude Leroy (ibid., p. 350). que Blaise Cendrars é mencionado ainda no ano de 1924 no manifesto assinado por Oswald de Andrade,
248
Quest-ce que ça pntt te fozre, pursque ;e vow /ai foit prendre à toztS!' Citado conforme Cendrars, Miriam: o Manifesto da poesia patt-brasil; isso, aliás, no contexto do motivo do trem que caracterizou Cendrars desde
Blaise Cendrars. Paris: Balland 1984, p. 485. De acordo com a pesquisa arual, a pergunta continua em aberto; o Trem transiberiano. C( Asholt, Wolfgang; Rihnders, Walter. (Orgs.): Ma11ifote ttnd Proklamationm der

280 281
Notas ---====~==========-==-~N~o~ta~s . ~ Sranford:
n>ropiiUdm•hm"~""rt. Ldl,-,~ . . o1Posr~CoIOilta
• 1 Liro-am ...
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1ns.
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(1909 - 1938) 1 ·1· G'""''"'"
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I.:Escarayol, "coogdodoi' (pO>oo roo : , Jridoci"' " " d• ro g>-' 00 · ·licioci• d• P"". lo
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~ Rcf~~ntc -~v'aJ'sbror
294 ld.• p. 246. 158 "'""' x mm ·. _ d.>I""" P' - " · 1" Ido prim"m i><l
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295 Id. rcspirar;o <Juemc. 1rcsp•raçao 1 9 a no fina cndido "'cm um n
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29 ld., p. 247. Cmdrmy phonogmp b ''· ·• dedicada a <.'0 dC\·cna se d ar) de

J~og
2?7 ld., p. 250. com ram em . Da IJ:Jssaoem "' ·b'd p. 3 I I· que esse rrt-u • numc , ro ( c :m
332

Di~.fakra/~
}'rck 1 ' .. I U:rol'• .d rem-se
"t~r Or~r.uuz:
"' C.,doo. Bl,;, "" ' . . do Cl•" ' · - • •' "" ·' 0 "'
298 Mandelbror, Bcnoit B.: Geomefrie dn- Nmur, ibid., p. 13. 1 o conlec"nrano
Cf sobre isso l d .. Pré&cc. · · "'bis...c . r 1-1. Diedcn"dts, wocsrudo'5"

Acrescenr~n<
1110
~ C~oc.
M~dolb,,,
Cf. sobre isso também o quano capítulo no presenre volume.
silnbólico.. , In: ,u:r. O)'' au c. !rmL,. 1•JSr:tdos co . ado. po. a csra p:ISS:loem
299
I " a
C[ Bcooio 8.; DioMm/, c,,,,;, do N.,,, ibid., p. 37. Abbild""g'" 333 o-se rodos os ITJ/1 " :1rcfi:renCJa
5 I. -jli(ll :::.um F1111- Devo ·d ·JS2. 0
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302
F<i<drich,CJ,, m.d o,;,,.D;, k.mpl=
Frankfurt am Main- Leipzig: lnsel Verlag 1993, p. 172.
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331 Bal:ízs, BC:la: Der Gmr ~
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.: ·el en 1984. P· 152s.
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Jl? Id., p. 8. Cf sobre isso o bdo cstlJ( 0 I polooic der 11 tvhrqua 01e 1
320 ld. Cf. Plessner, Helmuth: AmGiinrer uo DLL " X, Odo •
1
32 Id., p. 12. derSume. 0 1ganizado por . I975-

!0c~o~.
322
ld., p. 28 1. P·
b' ogr'~~P1
1
1980, p. 317-393. 1 .b.
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3so Lc·JCunc, Philippe: I.e !'tiCff. auto 63
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352 -....endrars, Blaise: D~m !'trc,..,
,.... 1 '
·bid., p. I ·

282 ldclllld.. p. 163 s. 283


Notas Notas

353 Cf. sobre isso Kittler, Friedrich: Film Grammophon Typwrito, ibid., p. I 08 s. . 374 Meyer-Clason, Cun: Vom Übersetzen, ibid .• p. 97.
354 Cf. sobre isso Wertheimer, Jürgen: Hõrstürze und Klangbilder. ln: Vogel, Thomas (Org.): Ober das Hõrro. 375 Cf. sobre isso Kinler, Fricdrich A: Autorschaft und üebe. ln (ld.): Attstreibtmg tks Geistes aus dm
Einem Phãnomen auf der Spur. Ttibingen: Anempto Verlag I996, p. I33; e também Ene, Onmar: Nico/dr Gdstestvissnzschafim. Prograrnme des Poststrukruralismus. Paderbom - München - Wien - Zürich:
Guillbz: Stimme der Lyrik - Lyrik der Stimme, ibid., p. 215 e 217 s. Schõningh 1980, p. 142-173.
355 Cendrars, Blaise: Dan Yack, ibid., p. 172. 376 Cf. sobre isso Jakobson, Roman: On linguistic aspects of rranslation, ibid., p. 260. O linguista estruturalista
356 Ibid., p. 173. . . aponrou que qualquer signo linguístico peru só pode gerar sentido por meio de processos de translação (p.
357 Freiras, Maria Teresa de: Cendrars und die Frauen. ln: Aückiger, Jean-Cario (Org.): B/azse Cmdrars. Em 26I). Em outras palavras: o entender pode ser compreendido sempre como processo de tradução.
Kaleidoskop in Texten und Bildem, ibid., p. 94. 377 Nies, Fritz: Probicrcn statt studieren? Kunprasentation des Srudiengangs. ln: Nies, FritzlGlaap, Alben-Reiner/
358 Ibid. Sobre o surgimento do pseudônimo, cf. também Leroy, Claude: La main tk Cmdmrs, p. 46-48. Gõssmann, Wilhelm (ed.): 1st ürmzturübmaznz kbrbar? &itrãge zur Erõjfoung tÚs Studimgangr
359 Cendrnrs, Blaise: Dan Mlck, ibid., p. 173. Ütmttunlbmet:un tl11 do Univmitiit Diweldoif.Tübingen: Narr 1989, p. 24.
360 Philippe Bonnefu fala aqui do papeJ de uma "pouple-phonographt'', uma boneca fonográfica; cf. Bonnefls, 378 Krauss, Wemer: Das Problem der Übersetzung. ln (id.): Grundprobkme do Ütmttunvissmschafi. Zur
Philippe: Dan Yack: Blaise Cendrars phonographe, ibid., p. 116. lntoprrtationlitmzrischer \\í'n-kt'. Reinbek hei Hamburg: RowohJt 1968, p. 137.
361 Cendrnrs, Blaise: Dan Yack, ibid., p. 233. 379 Banhes, Roland: Lc dernier des écrivains heureu.x. ln (id.): Oeuvm comp/;rc, ibid., Tomo I, p. 1235-1240.
362 Ibid., p. 234. Esse F.unoso texto dos Essais critiques de Barthes foi publicado pela primeira vez em 1958.
363 Ibid. 380 A essa complexa figura e a sua história de recepção ainda mais complexa se dedicam, nos países de língua
364 Id., p. 237 s. alemã, emre outros, Wurm, C'lrmen: Doiia Marina. La Alalincht'. Eilze historische Figur mui ilJTr litmtrische
365 Ibid., p. 240. . ' &uption. Franfkurt am Maio: Vervuert 1996; Leimer. Claudia: Zunge des Eroberers. Markenzeichen
366 A dimensão vetorial que pode ser reconhecida por meio dos movimentos inconstantes de VIagem tam~~ kulrureller Alteririiten: la Malinche. ln: Kimminich. Eva/Krülls-Hepermann, Claudia (ed.): Ztmge und
pode ser bem identificada no nível do tempo; assim, Philippe Bonnefu fala com razão de um "tempo vetonal , Zdclmz. Berna- Berlin - New York: Peter Lang 1999, p. 41-70; como também os anais de Drõscher,
que está "segmentado"', "assim como os fonogramas são sempre simultaneamente cortados, repentinamente Barbara/Rincón, Carlos (Ed.): La M,r/inche. Obmt'IZtmg, lntokultunzlitiit und Geschkcht. Berlim: Verlag
interrompidos, como que serrados": cf. Bonnefu, Philippe: Dan Yack: Cendrars phonographe, ibid .• p. 120 s. Walter Frey - Edition tranvía 2001.
367 Cendrnrs, Blaise: Dan Mlck, ibid., p. 236. 381 Somente em tempos mais recentes a traidora traída por Cortés se tomou uma figura positiva, especialmente
368 lbid.
para os projetas femininos de identidade, tendo-se traduzido seu simbolismo para os contextOS feministas dos
369 Sobre a inter-relação entre voix e voies, cf. também a parte final do primeiro capítulo deste volume, dedicada séculos XX c XXI. Cf. também Wurm, Cannen: Doiza Maritza, La Ma/inche. Eine historische Figtlr und ihrr
a Cécile Wajsbrot. litmzrische Reuption. Franfkun am Maio: Vervuert 1996.
370 Cendrars, Blaise: Dan Mzck, ibid., p. 152. 382 Todorov, Tzvetan. Die Erobmmg Ammkas. Das Probkm tks Andemz. Tradução do francês de Wtlfiied
371 Meyer-Ciason, Curr: Vom Übersetzen. ln: Graf, Karin (Ed.): Obmet2:LrUKrkstatt 1990. Ein Brevier und Bõhringer. Franfkun am Main: Suhrkarnp 1985, p. 125. Li também se encontra aquela imagem do Códice
Materialien fUr Übersetzer. Berlim: Literarisches Coloquium Berlin 1991, p. 94. Florentino que mostra o primeiro encontro entre Cortés e Moctezuma.
372 Cf. sobre uma das mais fàmosas traduções de Curt Meyer-Ciason a tradução de Vejmelka, Marcel: Kreuzwege: 383 Cf. The Jsland o[Cuba, by Akxando von Humboldt. Translated from the Spanish, with notes anda preliminary
Querungen. João Guimartks Rosas 'Grantk sertão: vem/as' e Thomas Manns 'Doktor Faustul im itztolmlturrllm essay by J. S. Thrasher. New York 1856. Veja sobre isso e sobre a reação de Humboldr: Ortiz, Fernando: El
Vergkich. Berlim: Verlag Walter Frey- Edition tranvía 2005. traductor de Humboldt en la historia de Cuba. ln: Humboldt, Alejandro de: Erzsayo Poütico sobrr La Is/a tÚ
373 Na Alemanha, traduziu-se um total de 59 línguas em 1993. Analisando os números com mais cuidado, no Cuba. La Habana: Publicaciones dei Archivo Nacional de Cuba 1960, p. 359-385.
entanto, percebe-se rapidamente que em 1993 mais de três a cada quatro traduções foram dedicadas a livros 384 Cf. sobre isso Laitenberger, Hugo: Der Abbé Raynal, William Julius Mickle und seine Übersetzung ~er
de países de língua inglesa (69,4%). Com uma produção, em 1994, de um total de 6.843 títulos traduzidos, "Lusiaden". Palestra proferida por ocasião do colóquio 'Portugal im 18. Jahrhundert' no Centro de Pesqwsa
0 inglês como língua de partida está muito à frente do segundo lugar, ocupado pelo francês, com 1.086
do Iluminismo Europeu em Potsdarn, em 23 de setembro de 1996.
títulos, seguido pelo italiano, com 320, e (após o russo e o holandês, no sexto lugar) o espanhol com o to~ 385 Cf.liecz, Manfred: I.:Espagne e l"'Histoire des deux Indes" de l'abbé Raynal. ln: Lüsebrick, Hans-Jürgen I
de 231 cítulos. Se compreendermos as três línguas românicas nucleares como um espaço cultural própno, Ttecz, Manfred (Ed.): Lectures de Raynal L'Histoirr tks tÚIL\" bules m Europe a nz Amtrique au XV!Ile sikk.
a estaóstica acaba sendo um pouco mais conciliadora em relação à predominância avassaladora do espaço Oxford: The Voltaire Foundation 1991, p. 99-130.
anglo-saxáo (Dados de acordo com Bõrsenverein des Deutschen Buchhandels (Ed.): Buch und Buchhandel in 386 Isso também se refere aos relacionamentos variáveis de cultura para cultura entre oralidade e escrita; cf. Garscha,
Zahlm 2004. Franfkurt am Main: Buchhãndler-Vereinigung GmbH 1994, p. 6 I). Em 1994, a porcentagem Karsten: Zum Phanomen der (flngierten) Mündlichkeit in der lateinamerikanischen Erz.ãhlliteratur. ln:
do inglês chegava a 71,4%, seguido pelo francês com 10,6%, do italiano com 2,9%, do holandês com 2,5% Scharlau, Birgit (ed.): Bild- Wórt- Schrift. Britrãge zz1r Latritzamnika-Sektion tks Frriburgtr Ro"zanistmtages.
e do espanhol com 2,2% (= 220 títulos). Para o ano de 1995, o inglês alcançou wna porcentagem de 74%
Tübingen: Gunter Narr 1989, p. 121-130. _
(francês, 9,2%; italiano, 2,6%; holandês, 2,3; e espanhol, 1,9% = 198 títulos). Oito anos mais tarde, no ano 387 Cf. D'Oria, Domenico: Calvino traduit par Calvino. ln: úctum ~Bari) 4-5 (~to 19.~0), P· 1!8. A versao
de 2003 e após wna redução palpável do número de tÍtulos (1.993 teve um total de 9.854 títulos; 1994, definitiva comém o acréscimo "Traduit de l'italien par Jean Thibaudeau et I Auteur . Com ISSO, o texto
10.206 títulos; 1995, 10.565 cítulos; mas 2003 teve 7.574 títulos- wn retrocesso em mais de um quarto), o francês obtém aquela consagração do autor que o transforma na continuação de //castelo, forçando o leitor
inglês predomina entre as línguas de origem das traduções para o alemão, ainda com 3.732 títulos, num total que se ocupa intensivamente com esse romance de Calvino_a uma reflexã~ so_b~ a ;~rariante em francês, uma
de 49,3%, à frente do francês, com 586 títulos; do russo, com 229 títulos; do italiano, com 211 títulos; e - vez que ela lança uma luz interlingual ou, mais ainda, translingual sobre o. ongmal . .
após 0 sueco e o holandês- do espanhol, com 137 títulos (e como isso uma porcentagem de 1,8°~o). Outras 388 Cf. abordagens sobre isso em Ucz, Peter: Transgressionen der Traducnon: Robert Musils, Mann ohne
línguas românicas - como o português, língua de distribuição mundial - não foram mais espec1flcadas ~a Eigenschaften und Philippe Jacconets ,I.:Homme sans qualités'. ln: Waming, Rainer/Neumann, Gerhard
estatística (dados provenientes do Bõrsenverein des Deutschen Buchhandels (Ed.): Buch und Bttchhandel m (ed.): Transgressionm. Literatur ais Ethnographie. Freiburg im Breisgau: Rombach 2003, p. 151-172.
Zahlm 2004.Franfkun am Main: MVB Marketing- und Verlagsservice des Buchhandels GmbH 2004, p. 389 Cf. Barnes, Julian: Flaubnts Papagri. Traduzido para o alemão por Michael Walter. Zürich: Haffinans Verlag
77). Se perguntarmos pelas dez línguas mais importantes em traduções para o alemão entre 1994 e 2003, o
1987, p. 114.
francês manteve por todo esse tempo seu segundo lugar atrás do inglês, enquanto o italiano teve de entregar 390 Borges, Jorge Luis: Tlõn, Uqbar, Orbis Tertius. ln (id.): Obras Compktas, ibid. Tomo I. Barcelona- Buenos
seu terceiro lugar (o qual conservou ininterruptamenre de 1993 a 2002) pela primeira vez, em 2003, ao russo.
Aires: Emecé 1989, p. 443.
O espanhol, por sua vez, que ocupou entre 1994 e 2001, após o holandês, invariavelmente o quinto lugar,
39 1 Cf. Steiner, George: Afio Babel AspectJ oflanguage mui Tmnslatior1. L:ondon- Oxford~ Ne:-v Yo~ Oxford
subiu em 2002 à quarta posição, para no ano seguinre, 2003, despencar à sétima (ibid., p. 80). A porcentagem
University Press 1975, p. 70. Steiner considerou esse conto a peça rnatS densa de prosa Jamais escnta sobre a
mais alta de traduções no total da produção de livros atingiu, em 1992, o pico de 15,5% e se estabilizou em
atividade da tradução.
2001 com 10,6%; em 2002 com 10,4%; e em 2003 com 12,3%.
392 Borges, Jorge Luis: Pierre Menard, autor dei Quijote. ln (id.): Obras Compktas, ibid., tomo I, p. 449.

284 285
Notas
· rflcie ern &agmentos autossemelhanres cada wa.
Notas
. 'd--1 [ J É possível dccornpor urna supe. . . al "
rcal 1z.1da de forma 1 t:.IJ. · · · . da e rnulodimensron ·
393 Cf. sobre isso, entre outros, Borchers, Elisabeth: Übcrsctzer und Lckror. ln: Nies, Frirz/Giaap. Alberr-Rcin~/
. I fl da vez maJs segmenta •P9
menores. Com ISSO. c a rca ca ' 'r der Nalllr, ibid., P· - ·
Gõssmann, Wilhelm (cd.): 1ft LiteraturiibNetun lehrbar?, p. 50; li se encontram alguns belos exemplos c 417 Mandclbror. Bcnoir B.: Die jhrkrale Cromem
418
uma imaginaçiio da traduçiio "fora do controle". lbid.. p. 430.
J94 Cf. sobre isso a fala, proferida na entrega no prêmio Wicland, de Zilly, Benhold: Discurso de agradecimento. 419
lbid., p. 13.
ln: Der Obmetzer(München) XXX, 2 (April-Juni 1996), p. 3-5. 420 Ibid.
395 Nesse sentido, tampouco é possível alcançar um entendimento da rraduçiio a partir de um questionamento c 421 lbid., P· 39. J Zi 'lisatiOII. Ullgnvõlmlichr
. I J(Jr/mr mm VI -
de uma exclusão da posiçiio cenrral, ocupada nas Ciências Humanas pela intcrprcraçiio; cf. sobre a sugcscio de 422 lbid. . .. > ln (id.): Uwmmwk wlg. 1\•bin: Suhrk:unp 1980, P· 31J.
tal viés "não hermenêutico" numa produçiio do presente: Gumbrecht, Hans Ulrich: DiroeitJ der Hrmtflll'lilll·. 423 Ribeiro, Darcy: Gibr cs \..atcrnamcrrka. .:,.,J \Vóltlckc. Franlkurr am F..d Ri de janeiro: Ludens, 201 1.
· d•" M:tnuro · 'l't i 2' 0
Die Produkrion von Priisenz Traduzido por Joachim Schulre. Franfkun an1 Main: Suhrkamp 2004. . Vmuchr T raduc:io do pomrgues · · EnSIIios mso 1 0 · •
· ' · · ·· te ' l r r - · 982
3% Zima, Perer V.: Der unfu.Bbare Resr. Dic Thcorie der Übcrsetzung zwischcn Dckonsrruktion und Scrniouk. (Ribeiro. Darcy: A América L1una c.xrs . . . XXI Edirores. 34' ediç:io. I . , ~·
Ln: Srrurz. Johann/Zima, Perer V. (ed.): Literarische Polyphonil!. Obmerzu 11g 11nrl Mrlmpmc/Jigkeit in drr . México: Siglo . • Q> reirnpressao. Sao
P. 153- 16 5.) . d. !mmra Lamlfl. 1 d G lcno de Freuas. J
Literawr. Tübingen: Narr 1996, p. 19. 424 Gak':lno. Eduardo: ÚIS llmtzs ablertfl.l ~ ~~ Ammrll Lotil/11. Trad. c a
397 lbid. 215. (Galcano. Eduardo: I!J 1'f/~l.l abm d Médici. ln:
398 Cf. Macheiner, Judith: Obmerzeu. Ein Vademmm1. Franfkurr am Main: Eichborn Vcrbg 1995. p. 22. Sobre Paulo: Paz c Terra. 2009. P· 17 _.) . renzo di Píer FranCCSCO e . Veria
uma crítica a conceit? de equivalência cf. além de Zima também Sneii-Hornby, Mary: Übcrscr-L.Cn, Spra~h~. 425 !bid., p. 2 16. (lbid.. P: 172.) ·I B icf des Amerigo V~puCCI O:;.a=rmg rmd Ko;llmmw)Í Wien. g
Kulnrr. ln: (id, ed.): ObmerzungrwisJelzschafi- Ei11e Nmorimtimmg. Zur fmergrimmg 11011 Theorie und PrtL\'I.l. •126 Vespucci. Amcrigo: Ernc ncue Wc r. rd. Amrrigo Vrspt~m (JC\1. . também as ciraçoes lannas . hi.lchm
Tübingen- Basel: Francke 21994, p. 9-29. \XIallisch , Robert: Da MlmdltS Ndov~~r.ssrs'rlscldien 2002. P· d13 (1/azs·r,ori.lchr Ennvirkfilmg d.Itr5grogralll~ 16trn
399 Benjamin, Walrer:_Die Aufgabe des Übcrsctzers. ln (id.): Ce.lmmne!te Schrijien. ibid.. p. 14. d c er wl " "btr 1t 1 · 111· dem l(ll
400 der Ostcrreichischcn Ak:·a crnr .. I , 'nrtrrurfnmgm 11 . 1til t!Jrronomlt chi dlung 1852.
Tambér~1 ~m rebçao a ~ma re.ferenciabilidadc serianccess:írio expressar dúvidas. 121 d . Knnsr Jl' U • J 1w1nsc I 1 ·•scl1 n Bu 1an
· 1-!umboldr. Alc.xan cr von. d d Fomrhrittt atr \l I a der Nico aJ e . ·rnporranre e
401
Seus objeuvos, procurer dcfinrr cm Ene, Ortmar: OberLebellS\Y/isJm. Die AuJKabe der f'hilologie, ibid. J \1 \'(Ir/r 1111 lf B lim: er ag . e rc.xro rao 1
402
Keuuttli.l.le 11011 aer I mm I L dw Jddcr. cr 'blico m:uor ess
Goethe, Joh~n W?lfgang von: Werke. Hamburger Ausgabe. Torno XIII. München: C. H. Bcck 198 1. P· 4 99· ' ' 1 li d - d francês de Ju · u ·
jaormmaert. ra uçao o · . d' onibilizar novalll
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ui SrhickJn/e. AI!J~·ru
403
Cf. Frred, .Errch: ?bersctzen oder Nachdichrcn? ln: Nies, Frirz/Giaap, Alberr-Rcincr!Gõssmann. Wilhdm tomo 3. P· 130. Esci na ho~ de IS~ . I ,ms. ln (id.): Zeltm III 423.
(ed.): f.lt Ltterattmtbmetull lehrbar?, ibid., p. 36. interessante para o púbhco lertor arul:cl·11c einCS hisronschc~ rrnSFischer Vcrlag ! 99~G·P·rel0 n Edrnundo: La
404
Benjamin, Waltc:- D~e Aufgabe des Übcrsetzers, ibid., p. 9. 4>8 z,vcig. Stcran: c_ •
Amcngo. Dic Gesc 11 Franfkurt am M:11n·· .· cir:unenre por O o •
405 Importantes rndrcaçoes se encontram cm ZiU}' Benhold· 0 I 902-1 912
· · · · pnm
. l'd d " ~ " . ' . d . I' . Constcc
tra utor tmp tctro.
· 1 rações ·1ccrca da und Vormige mu dm jtt lrt' I 11 d 1r011113 sisrcmatr . ·ca 8. . ,_ J 1Cllribe. Traduçao •
195
trans1rngua r a _e de Os Serroes . ln: Revzsta da UllivmidadedeSáo Paulo (S:ío Paulo) 45 (2000). P· 8)- 1O5.
4 • ...

429 Essa mcraforicidadc 101 c ·


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1
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r ., "'(esnt'Cialrnenre rna pa
406
Sobre as traduçoes bem =rosas de vocibulos de homo . b . . d B r Oriental cf. as · · Fon /"_
invmción de Aménra. 'IV·I'c.XJCO. o Icorrwin: Dti11lbmlllnl. nica 1984• P· 220-2 - 2ktiolll'illl r-- \vvr:mil(
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explanações de Laabs, Klaus: Traducir Re' ald ssexu;us cu anos para gma c er rm M'a•ni) C .I ra f.conor · z r Ko1l.lmt . Bem·
VI, 1 (Fall 1995), p. _ .
53 55
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. sobre isso, entre outros, · · F F ndo de 1uru • r. ..1til NntdJI. 11
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Main _ Bcr11n - ·
407 A definiçiio adorada aqui do termo "tr:Ulslingual" se d·c e relia Mastrangc o. r cxt · ~· Rturmkouuprr III "h/rtllgnt· rat1
. b . I 'd or mirn.
'll 0 . uerencta su stancralmcntc do uso con 1ccr o P 18), como rambém jal1n. Bernha · 'b mgm r111d f'roSIItrZJI . dtr Nnnrr, ibid., P· 42 ·
cm Bertho ld Zr y ( tradutor rmplícito ibid) e L d' L (Ti l' . . N. . 1Culrure. in Pilut'l·berichrm, Ammkart'i.lrbrsc1lrtl
1
D ·r r..,krnle Gromrmt
and Trmzslated Modmlity- China 19Ó0-1937 ~ r\ rud s'flllS/'Igtttd f'racttce. Literamre, ) afiOIIflr. cam de "' 8' . B. I }'" • . mas
diferentes maneiras process d 'd . fixa · tan or : tanrord Universiry Press 1995 . que 0
431 Sobre o termo "padrões fracrats c ·
.?·
Pcter Lmg 1993. P· 14 5 c P· ~ f Mandelbrot, Benott .. 3· •·Tais sistemas (isto e, SISt~ rica
. d d - h d os Jcaktrab uçao dos no nível do tradutor (c n:io do autor), os quais incluo na 'bid.. p. !91. tal cf JBJD .. P· · des que rérn a caracte~ 1á
22
408
arca a tra uçao c ama a por ·o son de imerlingual. 432 Cramcr, Fricdrich: C/!tlOS rmd Ordmmg. I plc.xo-firndame~ . ~u denomino aqu . Em rais sisrcnlas nao ,,
Cf. sobre esse termo o segundo capítulo em Erre 0 .O PI ·t. /ogie 433 d ·srcm a corn rt:<Juu"ers. fu dan1cntatS· . el E por 1SSO
ibid., p. 51-96. ' ttrn:tr. berLebellS\YiisJen. Die Aufgabe der li 0 ' Sobre o termo de Cramcr 0 SI ' ç:io) n5o s:io ornple.xos- 11 silll a irfC\'C~ 1" ·. seja
409 mulriparârncrros de alta rerroalirmd·nta ~ partes· sisren'ascl~«iC:l· te\·crsívd. rn~rnica ou a neurofisiO1ogta
Cramer, Friedricl1: Clu10.1 1md Ordmmg. Die komplexe S k . 'b'd 4. Sobre a a e Sll• • ca ,.,.. b1o<jlll
abordagem de Cramer, cf. também 0 segundo . I d tm tttr des Lebenthgm, r r .• P· 30 d c que o rodo .: mais que a so111 • . rerrnodinaJ111 • . , cias corno 3 • ,.
410 Ibid. caprtu o este lrvro. · 'vcl aphcar a I crn crcn d rnosarCO· · rica
reversibilidade. N5o c poSSI : . . rclecrua que -Nlrinhas e . . na 1eoria quan · u Lit(7'IIOII'I'
. . ligcncra 111 . com r- d-"""rencra · . \Y1mu
411 Kant, lrnmanucl: Kritik der rei11m VmmrifiTomo sena s1mples supor uma ncg I d 1rll1 ser v1vo . das de <>'-v- N bel t.ecru!'C· 1n. D ek: Thc
1
.
III tomos).Tomo I. Editado por Wilhelm Weisch d · Edrtado por Wilhelm Weisd1cdcl (Obra com'Main:
leras. ·
possrvcl montar uma rrnager
· n rota c d ornrna
·ça·0 s;io cn I)' The
1992 ° relo com '
'X{a]cott. cr
S ~uss and
·134 s· . . superposr ts of Eptc. rvtemO. eirado . i de aCO k Fartar r... '
Suhrkamp 1974, p. 267 (B 294, 2 95 /A 6) (Pe cl (Obra. completas, l1I tornos). Franfkurt an: ,1_ rruações de sobreposrçao ou aqu Ncw Yor ·: ' · '
23 4Js w, . Fraon1cn ?61 267• c• . f,ssn)1·
Capítulo terceiro da doutrina tr:Ulsccndcnra] ·da ::;' es~a edrçiio:. Kant, Immanucl. Cririca ti~ n:z:ro P'~ 0 wa.Jcon, Dcrek: The Ann11es. '~ a !993), P· - - Trvilig/JI .Ji1P·
fundamento da distinçiio de rodos os obj'er pacrdade de julgar (ou Analítica dos prrncrprosl · d n Today (Oklal1oma) LX.Vll. 2 (Spnn~ ln (id.): \'(/hilf rht
os em gera1em pl D Vai . . Ro1' e Amilles: Fragmcnts of cpic Mcmory.
e Udo Baldur Moosburger. São Paulo: Nova C I ra11enomena c nownma. T rad. c · erro
412 Ibid. u rural, 1999. p. 202). Giroux 1998, p. 8 1.
436
413
Banhes, Roland: Commmt vivre ensemble s· ,_ .
J • . . • llllllllltlorzs , 011 L ·d·
J"
Noti'S ll• 437
lbid., p. 82. thc 111ain"·
c01m et ue .11!11111/lllrts au Coll;ge de Fmllce 197c umesq11e.1 ue quelques e.1pace.1 quott ll!fl.l. .. lbid., p. 78. breal:s a,vay front
' / U- 1977Texreé bl·
Seuil - !MEC 2002, p. 94. (Banhes R 1 d· C · . ta r, annoré et presente par C au c os · 1 d c rc Parrs. s
438
lbid., p. 70: "Poerry is an isbnd rhar . dm Srbrtibtll.l in
. . N d
condtanos. oras c curso do College de Francc
' o an . amo Vltli!r .
6- Jll~to: srmu . Iaçocs
- romanescas d c ;ugun
-' s espaçoor 43> lbid., p. 69. . JS. . ttrziibmrhrtltru
Claude Coste. Trad. de Leyla Pcrrone-Mo' . S.' I
197
!977. rexto estabelecido, anotado e apresentado p 44o Ib'd 1 74 ·~. ibld.• P· 111d Dyllflllllk K'
-. 1 •• p. . . d ()bcrsetzt: [?attlll 1
4r4 1v rses. ao 'aulo· M · F Benjamin \'V'alrer: Dic Aufgabc es 111 . Brrueguug.
Kant, Irnmanue: "ri1ik der reinm Vmnnifi 1'b'd 1 01110· artrns omes: 2003. p. 11 4.)
li
ibid., p. 202.) ' ., 1, P· 267. (Kam , lmmanucl. Crítica dtt 1rWÍ0 ptaYI· 442 ' L1·1rratttr 3
Cf. sobre isso Ettc, Ottmar: P· 249. . d !990, P· 2 · -o- 1900. Nuova
415 Ma~,delbror, Benoit B.: Diefrakrale Ceo Europa 111ulllmenka. . 'b'd 472. 5 ·jJ981 ' . Gallunar l 1
11irtt: I ) . relo
. _1 r r ·• P· 'll ·s Paris: eur . p 3 ns: . di 1111a po t1 Napoli: Ricca
. l d meme uer Natttr 1'b'd bl . rica o 443 1
segun do cap1ru o este livro. ' 1 ·• p. 37; cf., completando essa pro cma · G lissanr, Edouard: Lt discoul'.l annn ": :qllt dr III Rt/ttfiOI. ""'"do. 5f01:" TreVes· Milano - ,
416 144 Cf b Ed uard· rvttt tf./111101!0 di Ptc!O
Cf. sobre isso também Cramer, Friedrich· C'' ] 115 · so rc isso G lissant, • 0 ·. La displtlll t dell'autore
c da autossc11lança e• primeirarncnr ·-~~ ,. 1111g, 1' b'd
r . p 172· "O termo da dimcnsao -~ Cf. sobre isso Gerbi, Anronctlo.. C un profilo
fí . d . . c marcmanco. No caso d b' , . . d d'fusáo,
super cres c crrst;us ou de proteínas a auto li e o )Ctos físicos e químicos, curvas e 1 . cdi:z.ione a cura di S;mdro Gerbr. on
'' sscme lança, ao longo de rodas as escalas de extensão, jamais ser.! 2st

286

I
Notas

Notas Ralph Ludwig. Paris: G:tllimard 1994. P· 80.


473

Ricciardi edilore 1983. d . I· 1 (" d )· Obr,zs complerfiS.


lbid.
. , . Se nt .a PI um es ?000
- , P· 14.
lbzd .. p. 87. d . Rom:u1. P.ms: Lc rpe .
446 Bolívar, Simón: Contesración de un Americano Meridional a un caballcro c cst~ ~s ;~9; .~1 ~k novien,brc de 3 -174
475 L-thens, Yanick: Dmzs 1,1 nuwotl 11 p~rr. - . P rt-au-Princc: Editions Hcnn
Tomo !: Cartas dei Libertador comprcndidas cm cl período de 20 d<: marro " ' •76 . - . tfcriz•,zin Hmnm. 0 •
lbtd. p. I ) 2. . /' l zg~ rr l1z Fuzu: ..
1820. Madrid: Mavcco de Ediciones 1984 , p. 159. m Cf. L-thens. Yanick: L'E·il. btn'( 1 um . a! ·· Enrretien avec b. romanaerc
447 lbid., p. 160. Deschamps I
990
. l
, I' érarure naoon. c .
blémariquc d une ttt
o-
. rr.·b'nocn) )C\'Vll. I ) ·
I 06 (2002), P·
448 lbid., p. 162. 478 Cf. En~. On mar: "Faire éclarcr a pro 7002. ln: /fildmWIIS I • u t "
449 lbid. . n • lin le 24 n1ars -
haitiennc Y:mick L:tI~ens a u<:r ·
450 lbid., p. 164.
226s.
451 lbid. 479 lbid .. p. 227. . 'bid p ?43. r"
452 lbid.
<so lbid. 'bid.. P· 414: cf. sobre ~~- "~l;lbusribklnmumo para qt~m~ ..
453 lbid., p. 171. 481 13cnítcz Rojo. Antonio: Úl IJia qu~ s~ ~p~t~rzlllllfrira úlrilul. ibzd.. PG~~no de Freiras. 50' reimpressao. ao
454 lbid. •82 Cf. Galc:uto. Eduardo: ú zs t•rwzs alnt i/IIS lmiricll úlrilltl- Trad. de li
415 lbid. . 1865-1900. (Gale-ano. Eduardo: ris l•mzs ab~mzs dil I . . Editorial Sei.x Barraii9S I' P· .
456 \XIchlcr, Hans-Ulrich: !mperiali.smus. SNidim zur Emwickltmg clt!s lmpmum rlmertfillllllll - 2009 84 ) _ Mé.xzco.
Paulo: Paz c lcrr.t. · P· · ) 13 c·lona- Caracas
Gõrtingcn: Vandenhocck & Ruprcchr 1974, p. 14. c
48.! Arenas Rcimldo: El ,•nnn1(l'oruul · ar " · os 1984. P· 43 · . 175
457 Cirado de acordo com ibid. . . . . . . ial de Cicncias 484 lbid .. p. IS. . l 1/atllt B:ucclona: Mo/nres/zn ld dtzs llarkrr L.tbm, ibzd., P· .
m Marti, José: Nucsrra América. ln (td.): ObrtiS Complerm, tbtcl. Tomo VI. La H abana. E.dnor 48S l ITI'Ill /llfiS m . ( t\ a(ll III
Arenas Reinaldo: Artwv. fi ~s .I acrr. D1t sozwmm d 19oo como
Sociales 1975, p. 23. b . 0 priznciro 486 Cf b c· rgio· homo s .
459 Auerbach, Erich: Philologic der Weltlircratur, ibid., p. 31O. Cf. sobre isso dcralhad:u11Cntc talll em . sobre isso Agam en. 10 · G · .Breranha por volra e h Anne ,
M.:
487 lb' • cb na r:t · cf Josep •
zd .. p. 12). . . o digira\. c.xccura , odos antropométncOS• .· fFznoerprinting
capítulo deste _livro. .. . .. . . . . , ~ellsc!Ja.fnttlg. 488 Sobre a implementação da 11~1 pres:" . 1 oposiçãO aos metTl Conrcstcd Jnrroducuon ° 1T~"""'• John
460 Alberr, Manhias: Zur Politzkcler Wtltgesellschaft. Jdmmat111ul Recht 1111 Komexrmtm1atzonale1 Vt rge . I' . d 'd ·nuficaçao cn M rdcrs· IC I Caplan. Jane ' F-,
szstema crimma zsuco c 1 c d th. Ocprford u · rd' n Brirain. n: \"' u Princeron -
ibid., p. 330-340. . ·/Erre. . E:-perr an c d Eclwa ta I Hodml vOIUL
46 1 Cf. Maihold, Günther. Dic neuc (Ohn-)Machr der Grcnzc: Mexiko - USA. ln: Braig. Man:u'n" ·riktl Amhropomerry. tI1c Po lzcc · x · ·. L: Vicrorian an n....1(1icrs iii t Jr 1 • • observ:tcb por
C c f C · · als zn :uc .rSrau ,-,, d a rranszçao
Orrmarflngcnschay, Oiercr/Maihold , Gün ti1cr (cd.): Grmzm clt!r Macht - MacIJl aer mzzen.
J Ú/(Cllllllllt tO r the ldcntificarion o mmn. . TI Dl'll(/opmnt 1 01 isSO é revela ora· • . 1 do ou- como
(ed.): Doczmlmtlllf. bulwiclllflllclmttl)'o I '' 164-1 83. Quanto a . a~e.m de um me.nt~~ zso ama concepção
im globalen KJ)Illt:Xt. Franfkurr am Main: Vcrvucrr 2005 (no prelo). . rall 1111
462 Harmah Arcndr expressou seu desconfono com a fi.mdam enração (cm grande parte, de forma bem n.ttção Oxford: Princeton Universiry Prcss 2d0 · Pc·orpo hwnano paraúl:t . . fuse virorian:t. simut7.0 é ~ ude medições de
· ica e um 113 da ' uma d mas nc
dos modelos conrí~uos de hisr~r~a, com vistas a uma visão, atrelada a isso, de v.iolência: guerra ~ r~vs~ ~:í d; Joseph da mralidade :mrropomctr . Grá-Breran • foroorafia c e 11 ' ça· que derÍ\'3
,. a acloçao. na \ada nun1a " d uma consrru 0,
da scgmnrc forma: Se sob htSrona entendermos um processo cronológico, conunuo, cuJO progrcss .15 podcríamos dizer- "insuIar : su • ·11naoctn congc · · rururados; e artindo de uma
'd 'd d · de uma ·" ·atnCS csr ancnre, P
modo automático na direção uma vr::z. tomada ou que somente pode ser atras:tdo ou acelerado por pCSS~~ci cm transformação de 1 cnn a c- . de linhas e c.xc ·d nrificação per111 ·
. . unta tmagcn1 . de uma t e
assim é de se supor que se veja na violência cm forma de guerras e revoluções a única inrcrrupçáo poSSt s mcmb ros isolados em d zrcç:.zo 3 . • , formubçao
3
de tais · S · · r processo identidade de uma toralidadc. em dzrcç:tO
processos. e ISSO esuvcssc certo, se a ação violenta realmente fosse capaz de interrompe b . 11
auromaucos na asea os assuntos umanos, enrao os defensores da violência teriam venct o num ponto ct
' · ' d h - ·d única pane." (ibid .. p. 183) .b·d p 55.
489 d G 11111 I I •> • !fi . la"
decisivo" ( Arendt, Hannah: Machtw1d Ct!walt, ibid., p. 34). ·o Arendt, Hann:tl~: Mtzchr 1111 eu · cd )· "Todfls úzs zsúzs 15 •
463 Cf. sob. re .ISSO. o esru do cerramen_r~ ~nteress~nte,
. mas que rende factlmcme . . .
a bmansmos d c Bcnírc:/., RoJ onde. 490 lbid. d 'd Espas:t C'llpc 1998. /Erre, Qrunar ( .' . Madrid: Vcrvucrt -
19t D'taJ., Jcsús: Di me algo so bre C11'la · Ma. n : . ·Rcinst:l· dtlcr· Janet!Frankfurt a111 M:un-dros' desse puuor · que
Amomo: lA tSla qut se rtpzu. Edzcton definmva. Barcelona: Editorial Casiopca 1998, p. 16 c P· ~ 1~· c:toS
0 •n Cf Lo lOCtOnes. 1Jl . dr C11ba. · d a\ouns qu..~
naruralmcnte fica claro que os empréstimos, que, aliás, praticamente nfto ficam claros. da rcona la 1 . sobre isso Em:. O m nar: con y czzfnarz oduçóes e' "
servem somente para dinrunizar, segundo Beníte-l Rojo, a estrutura da planraç:·10 que f·undamcnta w< · · N 11eva.s y novfsmws . .
tenclenmzs rtl
lfl /ztrrtlNirtl bém repr ·aJ Cas'zone:t
.. --~
, 0111r:un r:lJll I a· Edirort•
l 6 !..:\ se cnc Barce on ·
cond.. zçao can'benI1a: "Se un·1·zzct· d ererminados modelos que pertencem à teoria do caos, não foi porque nvCSSC . lberoamcricana 2000. p. I 13- l · l ln1rn cubmut·
a -~nv~c . pcrnciramcnrc 0 mcra-asquipélago, mas sim porque <
. ça·o de q ~c cIes ab:ucan:un -1 d forll 1·15
r.t am , c 49J atualmenrc vive na Alcm:u1ha. l dad Y coiii'XÍOIItf dr 11 czz . Los colores de la \iberrad.
din~tcas, que are ag~ra botava~ de modo quase não perceptível dentro de um arquivo inaudiro. . de Nue-L, lván de la: Ltt balsa perpetua. So r cm E,cte, Orunar· . Rtillaldo Amzas: To--ros,
464 Uuhzo o termo do vzvo no senudo da análise fundan\cn da b' . 'fi · • • ·as vc::U:S czrada. 1998 d Reinaldo }\renas . ra de la mllllorttl.
. d 'eh C . . ' • ta zo-czcntt camentc, p van d 11 494 Cf . b . clarcccdoras c 8
Fne n ramer, CUJO 1tvro de cerra fom1a ilumina de mod r tal d . c caos cor Cl • (ed )· Úl e;C11Nl
465 Bernabé' JC:lf1IChanlOISCaU, . · o rrac o campo c tcnsao enrr
c . {' .
cs · so rc isso as form ub çocs es ' rmar. Erre · · 1992. P· S · . . 2003. p. 12.
. . . C . I Patrick/ConfiaJlt, Raphacl: Elo d
r,e e la n . . p .. Galliznard - PrCSS
reo 1/e.J"arzs. ans. Nueva York, 14 de encro de 1990. ln: OMr .. Vervucrt Verl~g. Bollari Boring~zen_ pro~madan1enrc 600
Unzverszraues reo es 1989, p. 22 . 'd· - n. rr am ant. 1 Tonno. aaonaiS. a
466 Lamming, George: The PletiSurts ofExile. Ann Arbor· Thc U · . f M' I . 49 •' emt
A
1os y cloetmlelllfiCÍÓII. Fram"u '
1 · 11t Homo
snrer, /[, ·
r s e prot
cstOS intertl
· Parts·
.
467 Bongic, Chris: lslands tllld Exih The Ct-eole lclm~ti .r ~tvc/rsGt~- o I Ltc.11g:tl1 ressb ·d ' JB Sranford:
p 1992 p 96. g:unbcn, Giorgio: Sraro ~ 1 fCCI.'Z1° · od os eszorço ifl . d'u11 E1zropml. ·
r dU · · p ts oJ rost owmfl 1terature, r 1 . , p. ·
496
NO momentO (maio de 2oo-l ) '
apesar t os
Qc.\ra.
d 'al Ri o-701
d ' rdi'C IIJOII I .
15
d
Sramor nzverszry ress 1998 , p. 18. · · . connnuam
197 PrtStonezros . presos cm Camp n· Lt 11011 t•tllll rso tl Erre 0 tunar·. Roifln
468 Isso de modo algtun exclui - como 0 cap'tul 1 1d B:u ,cs, '
. . . 1 0 segz.unre· dcvc mostrar - a existência (ou coexz·src'ncia) de Cf· sobre isso, por exemplo. li0 d0 rov' T zvct:l · der de Ro 31 • 6-349. , 0
hrcraruras nactonatS.
469 Cf. sodobrc_isso a contracapa do presente livro. Agradeço a Reinaldo Funcs pela gentil autorização dessa
198 R.obcrr L:tffonr 2003. 0
Cf. sobre esses termos dcnrro da tcona n. 01rt an1 Main: uc' zscioiZSiltSJ· Lon on. ·rbeir znit 1ina (ampt
4
. (fraomcnr:íria) de rk."trnp 1998. P· ~ . Verso 1993 c rambem
rcpr uçao. 8anhes. Eine imellekmelle Bzogmp1/le. · Franz"l bit o1
' 1 _ ·ry m1d Dou !( \ruren in usa
z mmcn••
4 ""
47° Uma análise detalhada encontra-se no segmento "Es d .ai" d décitl1° Cf. Gilro)• Paul· T/Je Blt~ck Atlmltic: Moael111 0 m Haus der u 22
primeiro capítulo de Erre, Ortmar· Lirerarus . B trutura o romance e estrutura cspact. ' ; -eifentftii , ' · cbcn " · 'bid P· ·
Schrt!ibms i1z Ettro'f>atmd Ammka .b..d -4
111
cwcgung. &um wul Dynt~mik grenziibmc
11
catálogo Der Blt~ck Atlm1ric. Hcrausgcg 2004. ·l til sr rep1tr. 1 ·•
, ' I I ., p. 47 9 85. u dp d !(ulrurcn . UzZStl q
471 Nrupaul, V. S.: A Hou.se for Mr Biswru. London· AJ d , D . . soo n aul Gilroy. Berlim: Haus er . Anronzo:
472 p· G. 'l 1i · 1 re cursch Lzmncd 1961 8 s01 Cf. sobre isso a enumeração cm Bcnírr::z. RoJO•
meau, tSe e: ourmenr d':unour. ln: ferire la " l . ., ' P· · . . ve\ICS•
Po/:mcs er réAexions poétiqucs de pame · k Ch _Paro e d, 111111 · lA nouvelle littéramre flllttllazse. Nou r 502 lbid., p. 18.
amotSCau Ra 1 "I Co fl . E.d d Gltss:u' ' lbid., p. 401.
Bertene Juminer Ernest Pépin GisCI p· H · P lae n tant, Rene Dcpcsrrc, ouar . :tr
' ' c meau, ecror Poullcr er Sylviane Telchid rassemblés ct inrroduzrs P·

288
Notas
Notas
50J p· Ana· El archipiélago de fromcras externas. ln: (rd. , ed.): E/ arrlnpmngo d.e fovmenzs exrenuu. Culnmu
Cnrib~ ftoy.. Santiago ~-
. . . . ·L
. . e'>pe'\.lltctd.tme pnxe-d i m.~· nro
rz.arro,
&I , de Chile: Editorial de Ia Universr'dad. d c Sanuago
. de C hik 2002 • p· . 5JJ Por isso, a inclu.-.1o dn Cimmtpumro em 11111.1 1"". · -rmxkrnrd.1de·
. I "Fem.mdo ruo O n it: d Cmbe• . p.trt-..:e umoJ
I.t p<»m <·mitbJ cm
Ami/1~ ·~· ~1/Zitbn~rlnrirmdm
27
analiricament~
. . . ·f o r cxe·mplo. o l.tprru o
504 Walcort, Dcrek: Tlte FT:lgmems ofEpic Memory, rbrd .. p. 67. ,
505 Cf. sobre esse rcrmo Erre, Ortmar: LiteT:lrur 111 Bewcgung. Rnum rmd DJI
11
gJ
1111111
murro rur. o. c .. P . .. b.d p 180-211 .
5 Bcnírcz Rojo. Anroniu: Lr is/,r 1111,. , . IYfmt · 1[j1 ... ·r in &"'·e-gun!!. R.111111 rm .1'11'
dD
.~
i · Tl'f'n:.ubt'T'!<hmtmdm
Sclm:ibem ; Europa wul Ammka, ibid., p. 531 -538. . ·1. T XI X L H abana: I ·F 1 . O rrrn.tr: ter:nu - 11111
;-.. J. drid: Ali.1m .1
Scl"~ibms.in Furopa
Jol Cf. sobre isso dct:rlh.rt .lnlcnrc .r c. . . d , 1 -_ >(,lj e· j')--40.\. .. .
506 Marrí, José: Diario de Cabo Haitiano a Dos Ríos. ln (id.): Obrns Completns, tbtc. . omo •
111uI ·•I111' r1~·' 1· rhr ·. p. --I - · · mo ln (r.d.) : 1- <':o.,·nrmon .1111n1c . I'·
1 1
5J . :. l'l ornull• i<i, rno ,. d hL'l lO.une·rrc. . 1 1 11 1
Editorial de Ciencias Socialcs 1975, p. 2.15.
Marri, José: Dos patrias. ln (id.): Poesrn compl~ra. Edrcron crruca. lorno I. L, Haban.t.
. .. .. _ . . Edirorial Letras
507
536' Editorial
""""' ''"'·'·
I ?69.)O<"
p. II -ú.'
l..cz.1ma Li rn .1 José: Porsr11
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1- t l l'th111.1:
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· . • 1·..urrorr.
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Cub.m.~> I '>8~.' I'· -·'' '"· ".""''""
. ru <=prn '"
Cubanas 1985, p. 127. . . I · li le consrruç:ío
508 Martí também objerivava cxirosarncnre cm sua obT;J o efcno, apos a sua rnon c, de um rra >.L ' . n'io cl instante/ en' d <rue }~t h~hr.t>. .tIc.tn
- L.rdo tu d rh nru o n m q 0 ·

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10
do miro da sua própria vida, cujo 1ruro fcoi provaveImeme uma das mars . crascrnanres
. I . .. .,Eint
' de rccepça
I11·sróri-ts . 538
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someme da An1érica Lari na; cf. sobre rsso Erre, Ottmar: j ose 11am. Jf!l : 'POS!t' - rr' t
. .I .., '/! A I D. I t ·r- Nt·/10 llftoum. - '"
539 lbid. . . ' d lm1w .m>m»mo. ihiJ .. I'· 11 O. " " (',.,..,. J, ' """"' J.,
Gesclticltte seiner Rezeption. Túbingen: Ma.x Niemeyer 199 1. C . rro de l..cz.1rna Lin1a. Jose: Ll lvllumlio,mo .l ·. ·. 1 j.i rne·ncrtln.ld.l. . ('d )· 1 l':\7'rrsió11
509 Atlns histórico biográfico jost Mam: La Habana: lnsliruro Cubano de Geod<.:Sia y Carrografia - <ll
. J e Jcon:.1<l't
Esse o tÍtl rlo d.1qu.m.1 p.1bt r.t LIentro d ·1"'ric :-.; tcimiento
l L· Jc I.lcxpR.,.
. ión t"rtoii.L 1n r · · ~1 ·
Instituto Nacional de· C uhur.1: <I: Lo .mu l.rtn.t. o,.; .. .
Esrudios Marrianos 1983. E · . Scvgi
51o Sobre a dimensão linguística dessa fusão cf. Erre, O rrmar: Dic Frcrndheir (in) der Munerwnge. :rS < ·b·' nS
Ozdamar, Gabriela Mistral, Juana Borrcro und dic Krisc der SpT:lchc in Formcn eles wcr ILKl
111 11
I A'ri:ik
Ho
541
nmerim1w, ibid .. p. II ')- I ').).
Beníre-z Rujo, Antonio:
. . . . .
lo~1 1 '11/lt' .r1>ru
"~'r
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5111
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'bl' ·I . 1 c1m:r ~
Gurllen, NrcoLIS: u I s· .·J l llnd Jcurs.:h.
·~
zwischcn Spatmodcrnc und Posrmodcrne. ln: K1cianka, Reinhard/Zima, Pcrcr V. (cd.): Klise ""; P· !tlmJ ( ( /()J JO!/c-, . •

der Spmclte. Liremntr zwiscltm Spiirmodmre tmd Postmodm 1e. Túbingen - Ba.sd: A. Franck~ Vcrlag - ' . . !. .. . . d . E .-\ n:ndrl. In ('J 1 ·)·· (,,·drc III'. -s
' · e.~
• p.mrs\' · orioiru
vinr~nro
Cflllunmtdo j mmtntllllo. l cm
004 Hl , ·ri k'J T{ Ir.r ll\-10 · ]<JS ' p <-
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Guiilén, Nicol.i..,: Lied nir r\nn e·n ·m t . .tk \l.tin: S11hrk.unp ' - · · d.·l ·lmii/,L•
10 I cmrl.t wt
251-268. Üb . fi d do . .. . . I': ·i r !r l·r.1n lln. 1111 ! I S· .. /',,·/. '•L•.
5r r Benjan1in, Walter: er dcn Bcgrifi der Gcschichrc, ibid., p. 697; sobre as duas rgur:LS c
cç;\o I cI po... l:tcro de Dre·rt'l' \llt l.l e . . I/. l· /.0 •011<). ihid .. P· ' . { I11I ! rl.·}.mt IÍt'<l ri Jiinirl.ul.
retorno de Ulisses c do anjo da história cf. detalhadamente o primeiro capítulo nc.:src livro. 1110 CSpan 10 r.11nhém en1(; ui licn. · •' ' •·rcoI·j' ·· H 1 nr> I ' ' · l 11 !),. 1..1 H,/(/./1/.t'1 !'orrm1rto. ' ' '
b ll I 111'11 •III (1/1/1111( .
n.Kimi~nro.
J J 1
m Borrero, Juana: Episrolnrio. Tomo II. L1 Habana: Academia de C iencias de Cuba 1967, p. 267. I nrco ur /'llpc-1: I tl/11/,1y <illat/ 1' M IHI." .. · · ,J.. , L1
ht>m~n.IÍ<' .II 8()
,
' " Bo• cro, j _ , EpWohn., ibid., Tomo li, p. 367>, .. li ,o . .. · .

p~ Ob~ C.mp/crM, ibül Ediâd.u "'"~- Gmum y nnda .-1 bmw bcuw . I ' "I ' t'<if'ilt lll .
h '
ur cn, Nicol.i., : /~i1r,m<~s r·ru · r.t.t. 1 ' 1111 _
\ f ·
54J .,,
.1 . 11'11/J ru on .tn ivcn..trio ... 11
1')"
Mmi ~ m 1983, p.a. p. 3l • "E " m mo•~~ , i
'" Morri, jo"' Abd..Jo. &mm crp -'"" lo fuoo. lu (id..), ",,
5
0 H b U .. -' \ . - de· Cub.l I o -. 1 I( . d
I. C. Hob.o" G., do '• Am'ri= - C>mro do Em.dim •• a ana: nron de l:.snnore-, y t rtrsr.t> . ihicl .. p I '· . ! 'l'" P 'l. L de mo o
baralha, te cabcr:í/A coroa de um márrir pela pátria!" ou os últimos dois versos na p. 39: "O h. quao OCL
~•·•··' 1..c:'.:tn1a Lrm.1.
. Jose:. /}• nmMWto,. fJ/o.J.'·I hr'·ho .mrrm,m li I
0· li .
Fdrrorr.1 err.t> 11 l
(. b.rn.1>
l0
-· •
d ele H.urdcLurL':
.
morrer, se morremos/Na dc.srcmida baralha, para proteger a pátria!"
' " M.rn, )""• B Dioblo Cojodo, lo (id.), 0/m, C.mpk,M, ibid Edkidu afâm, ibid .. Tomo I, P· 22. , . ,
Ca rpcnner, · 1\ lqo· L t C/ 111/,11I I l, . /IIJ 1 1 III<IJ . L1 .1. l.ll11
'(/ IIII
.. •
·um 11111.1.:11.1<,~10
. 1. 1<) .fnm. 111 r111-un mm·ime'lliO\
t t 1
aigurn por a<..."l.>o a viagem pcI.r t:.tprr.J cuh·IIII· tanun.1 . I e.,. ,. hoLt ât<l <ornJ>run· - .·rmp, rt. , d u lic1do,
5 16 so bre o esc1arecrmenro
· · r·"
desse termo, que, srmp rncando, poderia ser parafraseado como um oscr·rar cn
. rrej 1crrtil . - .I' ·I 1·.1\TIIll.r 1 111
-fi . , T:
~· R~·•'"'~
(11a111b·em cit;rçôc·.., - Lonro .1 po r·rs.senuc.l I . .<·rm , brc \'1.1!!t' 11> L.O.mo mo, rmcn . 'f'l 1'.1l'dm 11 111 /-Iom,·.
54
' uou- " ·' "· '_-f. o"'"''"'? "F'k · D'k · F 'k "
rioo """'" " Q pi..,lo do m<o lioro 1 IB"'t!m
h<o~m~ .;,; Eou
0
~~ lt'\~m.t.
. l i ·rr t<·oe' l t leX · . Roberto:
., ""'· ' "o" d• , . Hcncxru.tis). de rnodo q11e <· po,;,rw er' · ' I •·I'ti'_JO ( 11'11t'l/11c?
1 · llf •"
"''""••dk B•ogmpi.,,, •h•d., P_- 308-312. N. " Cf· so brc isso o csrudo <.:Scb n:ceJ or m· <.'oorll.l·rL.,· E< 1 1111

Univ~r..rtY l'r~"' ,~--.


'""''"·= criQ>w "" opliqocr "': ..,..::,. •
517
ln: Cuademos Hisp~~~tomnericnnos
pnmcrT;J vez em Erre, Orrmar: Asr habló Prospero . NrerlSchc, Rodó )' la modernidade fl losofka de
(Madrid) 528 (junio 1994), p. 48-62. 548 lrhaca- london: Cornd l
Bcnrrc:L
l ' (J
· Anronio:L1 tsla 1f11<' ,.,. rl'/' 11· ''· 11li d.. p.. > 1• ·
· · Ro)o, · ~·
d. tr.·c _- dd 1nrndo esse•
·me c r. · · • e .-ujciro d.1
/Jw.~''.! ' ~'
.r1 1 /.· 1111 nm<ii7VII. 1•
enrr~
m Benjamin, Walrer: Uber dcn Bcgriff der Geschichrc, ibid., p. 697s. . · i f.rlo11 .tmerrormc 10
518 Calvrno,
. Irai . S . . I ('d ) " . . ·r; II Mib no. Ar · · : d 1 rr:tn>crrç;
• o. avona.Edirorc
srorra c1995,
natuT;J. n r . : vaggt 1945-1985. A cura di Mario 13arenghr. orno · Honro Ycra-l.cón, com vist.IS .1 .. hicdn o >IIJtl 10 . · I ln·10Rer•wa 0 dr niri,·,,
Arnoldo Mondadori p. 2390. tcrlllo, porcrn . de rn.1ncrr:1 dr krcme. . 1
a ' · I>c·r• como .tli . 'J tr.mscrrpu . . nr . 1 tL·strmonr.l
· . .
~lAzrícnr, ibid., p. 94. ll:t • . . H lt'eT h.ll .1L .1

lu~· · \lt~171f"
529 O rriz, Fernando: Contrapumt'o Cubano dd Tnbnco y
51 . I B . . ll"'C.IIt' • rm·c'IIOÓII
~~
9 : rraçao transcrrra": c!: Vcra-l.cón. i\nronro. : . ')')2). p. I H-1.
'irtn 1.nttnomnerirmra
. (l..i m.t) X\ , ' III · ·16 (J- · Se·me·.-tr< \ 1n rua rh. AbcIC>1• . · · .mtc · ·
°
L1.1rn~t
Cf. Gómez
Huelva: de Avellaneda,
Dipuración Gcrrrudis:
Provincial 1996. Autobiogmfin y canns. Esrudio >' not;LS de Lorcnzo C ruz Fw:nrcs. Enr
I. . · • 1 .I • rudo de r tA " 1111 1 1 .
21 rcvtsra cont M ig11cl .to lrn.t un n ) . . IB . ·, Bioorapl1\' ol

(~rJcn
11
5 Marinello, Juan: Americanismo )' cubanismo literários ln (r'd )· E 1 . H b , . Editorial Arre )' 5so t e ln 1
llelliorra . C enchr:t: 1-.drr inns S .H ; rne
·r 1 1996 P - · ·
· · I .... \ Re-lktc rng. ' !' 1! !\ lrnuc .trr L
": ) 'X1XI1 ) _ -1 {I 99- ). "
522 Literatura 1977, p. 48: "Somos a tT:lvés de un idioma que· cs nucs . . ·1Uf1J•
I I ·· P· I 8 :
b'd ;.
d os. ~..a · a "an...
rro sren o extranJero .
Cf. Zc k
" ·
<:.Stcb M
' Us c, Michael: T h.: "C irnarron
. .. .111 rhe Are 11\l-,;. I
d' 1· 1·/ Nrcuwc . • \'/ esr- lndisc 1~
I r"d -
'-'1 '
.... ' . .
. I 1 I· "Th• imouchrtbll'
r~p
ob rnu o c c '
an onrcjo. ln: New \vbr ln r.m u trr« . . _ 1. t- liuud b.trrtl't 1 5 0 a un deh.Hc
523 Cf. sobre isso Pérc-t Firmar, Gustavo: The Cuban co11.J · - 7i !. . d .. ." . ,'em Cub1ut p. 265 279 trlll l 1IL.l t c " . . t ·lodr:mu : cn rum ,
111011 C - ; no 111csmo número se enco nt r.t · 1\ tik.t: li:srrrnonro ' 11 c . li . I ·rr/ Erre. Orrm.1r 0
c:rpmdo este rvro.Sobre o significado da tT:lduça·0 dentro
liternture. Oxford: 'Q, elo • .
TlliJ!'IllrOII IIII I U lCI/lr.j
1 d III 1110
· cf
i-1
4
rcrcer• ro illtnrrón" (ibid., p. 281-289). o: >Obn: isso \'(l,lher. I 101 .. ' r>osihb ln: Rernst.ll ( <1'•. :1,11\ l '). )8

~ d~·mlnir ~711<'
. d qucsnonamcnro cvanra o aqur . 0 1
(actual
d ) 0 b .. . , . · .. , . · cormurem r.t. . 1 mi dr Cub11. r >rt •• P· - · ·
524 Marincllo,
d
525 lbi ., p.
Juan: Americanismo y mbnnismo literários, ibid., l . 58.
48: "O escrrror
. amcrrcano
. e. um prisioneiro." I ~rAC · ·. 7f /. U/S ~ns
so rc Llrograh.t 11
renas ' RCrnaldo:
.
I
de trn crrn.1rron sus .J
IS/,IS la u/ . N ut'I'<IS )' 1/IJI'IJI/1/I/S
: .

, .
• •11 f. 1 {a,·r.mou .1' ' 11 n

·I' Hu: 1\ !urHesrr 10


. . . h •
I ' '1/f lt'IIO<L• < . · , I ')8 1. I'· '): " fll 11/tL• IIII ·r•lt
1
-
IIÍ )'
.
526 lbid.. p. 49: El ntundo ,tfrmllallft. >
.1rc<
~~~ )'o SOIJios ln . .. 1

ro.,d;,;~.,,
15
"' Cf "'="''""· Cwrnmo 77, C.,t.., lbid., - ·'- "'" C,plmlo I ("M•. C•bo'], P· 16-33- C:f. sob . llliJflrn /JI'IWI/a . I ·src livro.
dcnonun.r~ . . in de· <'<1111/'IJJ de <OIIt't'ltnii<'IOIII'J

i\ lt~cht
528 O rnrercsse gasrronomrco de Fernando O n.rz 1a se encontra na . . bl' . • d inorqur no l r, rc tsso as reAcxõ.., nu c 1prurlo .1111error t c · r," <tllll .1 J . I , Jismo J:Í t()i
~-ernan ~ ue s~pent
1
"(liCo · . 0 . ( CUU>lrtrlt · . ll 'X!O o C<l l • •
. Cf. 0
de 2411anos. . rrrz, · r:; • d . .
C"J:, Fernandu (src!)· P1incitiyp• prrrnerra
.• G pu
!. ..rcaçao
d ' auronoma
. o· m . .. Sob s Prrlllcrros carnp , de c:nn<cnrr.t\'·to ur:lm ! _, com isso no cor c. . /) . ·out•t•r/nr
1111
rcf, a •adr11rnrsrraçó lo culoni.r I esp.1n1101.r . encurllr-rnc
l.unb~lll
cnurn bé á nes • vmtrey Cruradél1a: Cu ina d'en Salvadó
· IVs1es.189S.
Fábrcgucs · · : o-se \ crunbe·n. Ciorgro: · !fomo St/CI'I 11 ' '

9~.
P li eccro aguuus mem1rqrmu
Orçado no ' I . r b • i>Sll r ::>'

~~~
5>o O rriz, Fernando: Contrapumeo mbnuo dl'! tabaco y elllZrícnr ·b·d
Ibid.. p. 95: ' I I . , p. I.
liltd .1 _ capnu o .rnrcrrnr; c . so rc . . 111.111Cc cub.tno
HO •"'J llnckre 1 b 'L ·d 17., memc rn.us h11n oso ro
R~irn ldo s~
53! lbid., p. 94: dtn1 r .e en, r lr .. p. I. I J 't com o cerra .. ·u rom uKe'

m~l
<4 Loma de/ Anoel Arenas não;\ roa cr.t og. or Cirilo Vilb vcrdc. que rnrcrou '
5 o Sé I 6 • • I 11 SL'll ;lll[ y k

1~ ~r
1
532 Hurnboldt, Alcxander von: AIIJicbtm der Nnrur, mit wissmscl rjit r:- !... N .. dr· . . Greno 11o ctroXLX, Cenltn \l,r/d;s" l.tt Lomll fMAng< ' .L'Cor C b le· ofin.tliw u ern l or. /./(' t d. ·
!986, p. 9. 1 crnutem ngm . or rngcn.
Jn t tem, lv( Tansc
. 0orrer de un1a com plexa hisrú rra c ena\
dim~nto J~
· .·'•10 cm u tI·c· h· obr.t Jose· I''I • í· ln·· Anu,uw
. · )'d~ I enrcn ·" m '
E:s arrneiJ • JLran: Sobre . la rntcrrlr~tacron 11 1 . 11

290
IIG . 111.nrrtnnos (Lt I !abana) I ( 1971!). p.') ·
f.chtdros . . Uti)'OS. L1l-lahan.t: E' r r ·J
· Arte •\' l.rreratllra
l97rnandez
9 R . I ) C libtm )' onvs " . 110 1
' p. / 4. Ctamar, Roberto: C:J ibán . ln (rc. : ·"
I
Notas
Notas

m lbid, p. 76-79. R'


558 Cf. enrre outros a carta redigida no momento ames de sua morre, em Dos lOS, a~. ~
M nucl Mercado cm Martí,
]osé.Obms Comp!erm, ibid., torno IV, p. 167: "parn C'Vitar a tempo que, com a ~~~ e~ Améric:t".
endência de Cuba, os ..
1
'"Asi
• I ... ou VIC • •t 'rs.J . É um livro da Terra
. c-\
-d. N' ouém. H onde ncnhum.l pa.Ja,-r.l c
t· l m,
. 1 onde tu do". qu estion:ivd . .: onde 3pcn:l.S
-'
da '''Europa'
nomecontra ·ltl lll s·in•ti· 51gn1
. .1•IC:IIn
. m:lis alauma coisc1. c sm . ltlrne se tr.mslorn1a em ;ugo
Estados Unidos se estendam às Antilhas e ataquem com essa força exrra noss~s P~~~ ~-
ar Gusravo:
55? Manach, Jorgc: HistorinyatiÚJ.l..a Habana: Minerva 1944, p. 136; cf. sobre ISSO ercz mn ·
Th~ nenhum c ncn 1
J
0
b.lar mesmo coma. en
E r.io. "' de repente.
..
esse pequeno \ O
rd Cd )·
Cuban condition, ibid., p. 3. o senrir, o aprcn er. • • ó ico c do ,'i3jar ll!ópico . . Rorbuch !990: ciro de aco o ··
como um modelo do narr.u ut P
586 Úzdanlar, Eminc S..·vig:/Jiuffn-::Jill~t'.
E ·uunc:-m.Berlim: Editora U
T"Jll ; . \Vitsch 1998, P· 9.
. ·rpreraçáo dct.tlhada desse
m.l lnt<
1

ET"JiiJ!Im~t'll.
560 Benítez Rojo, Antonio: La is/a que se rrpiu, ibid. . . . fTc·. Prcss 1994.
Um~""Y ~~
.. J.: 0"J . J.:1epc:n lCUCf<.'<. -_
'" ""=. R_, Gwcm, iif"" <i•I'JP/m,. Ti• C,M,·Ammcmn""l Aw""' Mutterzungt'. n. . " b SobT't' 1Jl't'l' !, ibid .. P· 23) '· . 'd
0
562 González Echevarría, Roberto: The Pritk of Havana. A 1-fistory of Cubnn Bnsebn!L Ncw or - ·
O.J md
587 IIICI'Pil 1
• · · encontra-se cn Ettc · · Orrnur. .)(/ . ~'~' , m~r.:rtri'U
) 1 ('d ): u, )b , t'll• 1b1 .. P· ·

OJi«<IUoi~olo/ 588 Tawada. Yoko: Zu11gcnl.mz (D.mça d·1lmgua · 11 1 · 9


P= I 999. Ed' ·' cmop<' lbid.

mi~
563 Nuez, Iván de la: La balsa pnpmtn. So!ednd y conodont:S de la m!tum mbnna. Barcelona: lton.
190
1998. sentido, a mudança do titulo de minha contribuição ao simpósio "Cuba:. un slg
564 Nesse . lo de
. dll<emmm·quada.
"' lbid., p. lO. . .
Cf. sobre isso o tcrcc:1ro c:tpltulo
110 = m"·ol""''·
P . u p.1ssagem na q ·
<no''""'' •l.çio do
d c_d ·sso n.io acmu 0 eceu
=
. . . . . . dt· Ow.lmar. cm un . . . Jc contos c ra as, I . ..
P(1902-2002)", realizado em Yale, feira nos anais do evento sem o meu conIlCC·imcnro. c· . Seri:1 '" A.,m do "o '""""o mm.m« . . - ·;550 i""'' h•<o•' . . 1, "' 'e me mmou ·
ois do meu pomo de visra, jusrarnenrc não se rrara cIo surgtrnenro c un1a llern ' alramcnrc ma c
I . licaç.ío ·
com "verdade" c I"me11nra17:13.. .. ~
1 111 1
1· h m:ic dJZJa:
d... . um como de ta ;15 . " • d : wrd 1dc1ro. mm · · I
• . • . ... A . 1-ó disse: "'As cstre :IS
possível fàlar com bons motivos, no caso de literaturas sem mora . a txa,d muno tma1s171171 S/11·fivurems. •

di~= ~ i"~ci~~ rcaltncnre'." Min 1:1 :1\·o. d' ·. : '" Por que. . C\t se r rostitura da I'mgua como tu · \ O\ O. •11 "VZCL1llllr.
'
~11105
d: fl · · de uma mu np rcs hum:mos'.''"
d'm=<"'. q"' "' """""'"'' <om=o .. "'"if'
~ ~••.
"" m,;, A rn:íe disse: '"Tua m:ic pro\".tvdmcntc foi ulnll 11:ÍO podem fal.tr com os/. se . I nus dt:r illldeml ging ich
I IS·. o~ seres lUil
565 homekss,
Gonzálezsin Echcvarna, Roberto: Cuban. ln: Enmmrro (Madrid) 15 (inverno 1999-2000), p. I 09:
CttSIIui pmria". '
. I1' 1',,,.mmu<m m lt!Y Á'tl//1 IC I T't'tl & w· h
pod,m '"""'"'"""' s.u). K'I n.. '"'P<"h'"" e ' '"'
11111
566 !bid., p. I 06: Emine Sevgi: D11s Lebm ist t'inr 1\;mww/JI'T't'l por Iii/UI t'rllrl'i poroumr
rnus. (11 Vida t 11111 mml'tlll(tJrai. tt'm tlwu porr,u. 0
'" Jkoi~ Rojo, Ao~o!o, L. úh q« • "P'"· lbid., p. 4 I. . .d p.
568 Cf. sobre esse termo Cramer, Fricdrich: Cbaos 1111d Ordnung. Die complexe StmkNtr dt:S Lebmtligm. ·• 19 1999, p. 257 . ttlra das línou.IS"; d: Boa.
1111 592 lb·1d., p. 11 7 . híbrida
1 nJ 11115 . um
. Dcrmrkan
" . .. I .
l EJ· be h · b r como os "locais · de impureza Oz.chnur. i\..akin .ri . n.
1~11
\Jc.
569 223.
Valdés, Zoé:Planeta
Barcelona: Cafl Nostalgia.
1997. La turbu!mrn y hmnosn comzo1uu/a dt: abismo de! que no se podra. ,./"" IZ-1 · t Boa bla de oc:t c mgu.l 'bc in \\'erken ,·on · . E -::iih!!itrrrmrr 1'011 lllomJ
1111 Elizabeth: "Sprachcnverkdu. Hybridcs SchtJi.rel n. Zllr tlemschspnrchrgm r.:;bé n Bal' Hansjõrg: Der
71
,. lbid., p. 361. . ""'"' Howard, Mary (Org.): !ntt:rÁ·IIINtl"c'!!.e1 K. Orl ,'!JIYtlf10J 1997 " P·· 124. Cf. so brc .'ss . ln·1 Snmcbe
· 0 ram • . · lllltl Litmuur
rncudnttsdJr>·
·1 Hrrl..·u11tji. 1v1unc
.. 11cn.
• . ·ll d1C1um . /\ __·J ar.; K:trawanscrc -Roman. · r
m~icm,..
5 Paz, Ocravio: la paloma azul: Manuel Durán. ln (id.): Obras Completm. Vol. IV: Gent:racJorus Y sem
'~bkk<o M . . n mvw:u, 11 1
s~,; Oro.m~
H~,.;, fuo,d, d, LL~ir.I933 i"" 1Cui ]"""' oqul d <>l• "'"" do Yo~g-Bruehl.
Domb,io M<>Ioo, Foodo de CW""' &ooóm!Q 1994, p309. Elloixd< Blk k Sdudbwd" o d, '' """ . bci Emloe
(Sr ) 83 ( 999) 44 rei· Hclm-at
"' c , <k
Hamrnh Armdr. Lebm, WerkVerlag
urtd 2000,
Tradução
, "< Cf.
I "Ec I
" '""isso rarnbém
sobre • p.Konuk. "'""=" . .
' Kadcr: Das Lelxo "' ,;,,iblich? .Munchcn. R"ld 997. p.146 '·
Main: FischerTaschenbuch p. 161. do inglés americ:tno por Hans Gümcr Holl. Franlkurr :u 11: ker, Gisela (Org.): Kem úrmI III . s·I(IrI ·. Hrmuu - 11 't' 'bid.. P· s-.
~
.1 d ). Vbmt'I'ZJIIIgm. I
3
196
l?s T:
574
"' a oob• "" Eoe, O"""" 0/múf.,,._. D;, A•<&<b, ... PhiloWg;,, ibid., p. 88-%. . ." 197 1Vad1, Yoko: Einc lecre FI:!Schc. ln ·.· , . d óxima st'Ç:io. N'l Minknm ), ibid .. p. 23.
As conotações literárias ligadas à Estrada de Ferro Transiberiana que nas literaturas europeias se relaa on:u 198 Para a dCterrninaç-jo dcss.: concmo · cf· o m JCIO a. pr ·Hiilk. (E11trt'YISta · com l 1s . cr a materna rurca em
d 1913
espec1.almenrc com o •arnoso
c.. _ poema de Bl:usc
. Cendrars, Prose d• Trnnssibmm n la pmte . jMmJt: d.e Frnncr.
'd Ass •
t\
V1.c!an1ar,
111
Emi11e Scvgi: \Vi r woImcn · ciner wc1tcn . se tornou .111 fi:l'z cm sua m.,u. precisa uma p;uavra _,
11 1 1
pessoa. que ) "Quanro tempo bé
do ano e • certamente nao por acaso são convOcadas nas apresentações de Yoko 'awa a
- d repcn as
o

'"'• '""bém , ""rudon "" pom«n


l

umpkm<n '""" · , N;o" po<k m =•


Oberu~1mgm
-r
da Yi k pela edirora. Sobre
C~ll
/Tequenremenrc Blaisc Cendrars, cf. 0 segundo capíntlo do preseme volume. ) fl Ster11e stmrt'n z11r Erdr (Esmmbm t'SI7rrn cou :r. se perde a língu.t n/latcrn.;t ;lt' stnrrru ::ur Erde.
Se!tsarnt:
575 Tawa , o o.. o·1e Ohrenzeugm . (A testemunha auncular).
. ln (idem): (Lmguas
. d.t:'r!im- JIIt/Y . rara cu- curada de novo? D iz-se qu_.: te rras, ..cstr.mgel 15
(07.cbmar.
· Enune . SC\.gi·. Sr IY/1/It' .J, n
Ttibiogoo, Kookuobud< Veô'< Chud;. Gdvk, 2002, p. 109 '·

~
b I cf Kl Perder a língua materna na sua propn.t terra. \Y/' d 1 2003. p.23)
576 Sobre sua o ra comp era · oep,er, rechr/ Marsunaga, Miho: Yoko T. wada. ln: Kn11sc11t:S LoCO< I
AlbSuplemento. München: Edirion rcxt+kritik 2000.. · .1 r -· 'kon Zlil
., WolJ;"g-P.,,kow 1976?7 Kõh Kl<pmh<Ue< & '" 'b!d. p. 379. . n 1 rnuuhrim<, lbócl..

~,
dnttschsprncbigen Gegmwnrrs!iternl1•r. 64. 1 60o tV1.c!amar,
\ . E1nin.: Scvgi: Dfls Lebm1st. rlllt' Kmmvtuuerrl,
_J k b I Roman:
• O /inl11tJSI1C
.,. nspt'c 'J
m o, p""do, oom • deo>mci"" Id,;, de Dcrcl< W.Jooo, em 1992, •m d;, pclo P<êmlo Nobd, '''"' p ra1·111 :ti c1 ·t ·o s011 • 11 0

capítulo do presente
as literaturas volume.
e culturas 00 Cf. sobre disso, o qUJnto
do Caribe seriam "inautênticas" e "impuras", são evidemes.
ara a técnica cuIru ral de tradução inr • gu. · · I. . Paris· Scuil 197 5.
b · prtp Jl11 ~'·
"'60~ C
P 2Go • •

Cfrp · .
578 Tawada,
579 lbid. Yoko: Die Ohrmuugin, ibid., p. I I I. Para este conceito
· 0 lume Enc, Onmar.0Rk d &mim.
chíssico csrudo de Lcjeune. PhmiP" U1""""'"' E;""""'"'"""'
,;~ph;,,<oo~;,o ~O$' (M;oh~
. . czcs neste vo 0 111

E:~' t '="'"'~"'·
580 lbid.
8 . "'o de &;<çio =do . D kml• ' " ""'
I'""'
d~ m-rnm,o""'ro""~;
., VlQanlar, Ernine
óbicl, p. 308-312. .
St-vig: Meinc dcursd1cn \'V"orrcr . 1'
kd o' Kiodh, l<.
) ln (id.): Dn· HOJ opt.>.d• Kõlo;
'"' E , dó"ÇÕo d• '«J>Ood,m, "'=b• d, Gloni Grn=•· P<L' ''"''"":'.::; alc111·
l<i as nao - tem infi'tncia. Um discurso de agradccunenro · 1111 6
do
Palimpsmes. littern111~
pastJche aLaum modeloau(textual) ou pela
st:cond tÚgri suaSeuil
Paris: transformação
1982. por meio da paródia; cf. Gencne, Ge 6<4 lb·C(lenheuer & Wirsch 200 I . p. 130.
60s ld., p. 131.
582 Claudia
Tawada, Gehrkc
Yoko: Erzãh.ler
1996, p.ohne
22. Seelen. ln (idem): Tali.smnn. Lirernri.rcht: Essnys. T'Libingen: Konkursbuch Vcrlag
v.oko: o·1e 01lrcnzcugm.
583 Tawada,
Kloep Yoko: Fragcbogen. ln: D~utscblnnd (Frankfurr am Main) 4 (Agosto 6), p. 54. Cf. sobre isso
li<)(; l'awada
t\ .
<i<n VlQan1ar E ·
I>- c

. 'b'd p !lO
1 1 .. · . ·
• ' 1111nc Scvgi: Mei11c dcurse
l b . keil1c:
Ki' dhcir ibid .. p.l3 1 S.
11en \Vorrer. 1a c: 11 Scyhan, Azade.. Losr m. .. ' raJlS
n
·
· ,.,
I
. The Ge m QumTt.'IC)'
M b .
larion: Re- em eng

, "Das Lcben isr eine •~ra\ •


fer Albrechr I Matsunaga, M1ho: Yoko Tawada, ibid p 2 s

""""~"~
199 't:•erc-se . d ssc monvo cn1 v- vanscrel . n.
thc 1v!
~therTonguc
a um aparccimcnro antcnor c
0
• .• . . "As 1
Human~ T,.,., (ft in Emine Scvg1Üzdamars . 1711

C:.l;fom;~
1
"' lbód. A P''B"""· ' " ' llie " ""' "' Al' mooh,;, Yoko <apood,, • prop.S.i<o; , ,
discutir
Ciênciaslivremente' nas
(Jd.).llniVersJdades alemas. Lí amda existe um espaço público, no qual se pode pensa

585 Esta formulação se encontra em um texto inteligente de Wim Wenders sobre livro 7ir!isma de T.1wada,
•• 0,.""'d,, LXIX, 4 (&li I996), P:
42 1
h,oco '""'
Cio, r'\ :<llnar, Ernine Scvgi: Meine demsd1en\'V"orrer_ :
610 p_
VlQ<Unar
95_ • Etn1. nc Scvgi: Fahrrad au f dem E'IS (BICJdera so
brc K!odh•l<.
0
gelo). lnib<d.. P· ·
(Idem ;'i;, Hof im Spüg,J, óbld ..

Rdo~odoo<
0
na homepage da Editora Konkursbuch, sob a rubrica "A-esseinformntion Yoko Tawnda": O livro
11 "não crara

' '' t''>d, Yok ofTU<k')C Emio• "'ti


" :"""<>do li<=""" ru= <f.. '"'~
. . . ..
292 Sobre a P o. Zungenranz, lbld., p.9. ros. Friilich, Margnt. (0 )· Orher Gmnmrit:S. Questioning
~~~ars
(\_;' 'I> · B
0 "'
; Uwe, C,]o
11 "Lifc is a Caravanserai". ln: Jankowsk')', Karcn ·.• ·ry of Ncw York 1997. P· 5 ·
l'lrfi,.,,
-J i " " ' y, k·
wornt'rJs Literntt11't! mui Art. Ncw o r · Srare Umvc:rsl
Notas
Notas
643
612 Oz.damar, Emine Sevgi: Das úbm isr ein~ Komrvmuerei, ibid., P· 269. . . . 64
Idem, p. 63.
613 Cf. sobre a coreografia das culruras ligada a isso, Erre, Orrmar: SnberSobreV/III:r I, tbrd.: ~· 244 5 3 ~ ldcm. .J l· . h m H)tntu ',. 1 "''tur.1. ' lwt.J,,
:-· ,J.. m.mt·ll.t
6t4 Oz.damar, Emine Scvgi: ~ltsnme Srmre srnrmrzur Erde. \Veddmg-Pankow 1976/ 77 · tbtd.• Pj.1 de 0 TL':ltro de 645 Idem. p. 30).- () clcmmto \Cnl)'rt• prt"-l·nt l . d •l J'fl"lllll ·1' '. ' '.i t .Tlllll'llhl. cl>lllll llll"tr.\. !"'r'''" . . 1(' 1' ' . ' '
lbid. Se 0 espet:ículo de Moliere foi ligado à Ponte de Burs.~. enráo os rrabalhos na Escoe; ·fr· Dourado I> I 1, ., vwv~ .. h,,l.. I' II '
1 111 \() l.,.(llll tl tl\0{1\i.) l ('\ c.
6ts dircra com a tlj:\ttr:t J.1 nt.'tc - ,..tnlll<"""' " 1
Isrambul c no ""Palco do Povo", cm Berlim Oricnral, representam no símbolo da Pomc do . 11 de . ivas na início do como' /)I'T Spuy_,·l 1111 /Iot. c1·. l ) " 1·1111 ·n · hntnc "-"''" "' I ' .1 · 1 1 ·' 1
rr
e das pontes sobre o Spree, como locais de rrinsiro, da passagem c da 'dt a para o ourro bdo · · fusc:S • dCCISdirador
' 646 • i 'l' llllln' ,k..,tc "' 11111<
Cf. sobre disso ,obn:tudn n ' '').:1111< nt· " qu.trtn '· . \ i , '·•· ln..in' "' mnrt<" llH>r.un 11<'"''
vida e na autoencenaçao- da proragomsta.· Quando c1a, cm -1 ? d c novcm b ro d c 1975• dia • da monc II 0 Ponte
' 647 Cf. sobre dtsso
. ..
07d.tm.tr. . . m· \ n ;:t.. 1)rr J{'·>f IIII \ 'n;t'(t
l·.mt · .. I "' .. I · - ..

Rt·n~:'<'>ll:t>>J• .,1 l: 1 rt·1~


espanhol Francisco Franco, deixa lsrambul no trem para a AIeman I1a, am . d a vc. JUSramen
. rc:. como a,.vc Ja I ·uer
648 espelho". . .. I ·I \ \ m·rn· Fm:n,· V:,,:
do Chifre Dourado, é derrubada e desfeita em pedaços. (Die Bn'icke 1'0111 goldmm nom. u K0.. l1r · Ktepcn" Sobre a violaç;'10 ck fronlt·ir:t.' 'IIJ""'·Iltll'ntt' tl,.l, d . 1-ro tc l. · · '"
& \\'licsch 1998, p.330)
6167 Ozdamar, Eminc Sevgi: Die Briicke vom goldmm Honr, ibid., p. 35. , Hansjorg: Oubmzari "Lift is 11 Cmrr'll/r<t-r.rl ... ihid .. I'· -o. II lo nu J..: .· r;.,. 1 o<.n:o•l ,,, c·u::rm· \.,·"
649 Cf· sob rc .ISSo o t~:xtn qut· lu. nHttto
. 111nH>tt·". ' lt.'· 't' " · d,· 1\!u' l.t. 1
61 Sobre a imponáncia das concepções do teatro brechtiano na escrira de Üzdamar, consultar Ba). York- London: Romlcdn~: )')')·L -
Der verrückte Blick Schreibweisc der Migration in Ózdamars K.=wanscrci-Roman. ibid .. p.4 '.. 2. 650 Úzdamar. l:. mmc
651 . . I,.>rr Umd.·,· tv~m go'!.lr11,.11 !Iom• il>t,l.. p.~•h '
. St·vgt:
6t8 Trara-se do poema "Stmre da Fntums" (Estrelas do destino) , do livro de poemas Sryx, que SL.trgtu ~ 111 sonho
190
652 ldctn , p. 2%. '
cm Berlim: "Teus olhos aguardam diante da minha vida/ Como noites que anseiam por dtas./ ~ ferro idem.
6)J
abafudo repousa sobre eles sem motivo/ Insondável. 11 Estrelas singulares encaram a Tara. I Da cor Eso las
ldcn1, p. J97 . , \ i , ';
com caudas de saudades, I Com braços Aarncjanres, procuran1 0 amor I E na friC'l:l do ar agarrat11 · fi tn.: ·
19 nas quais o destino deságua." lasker-Schülcr, Elsc: Siimrlicbe Ceidc!Jle. Münchcn: Kiiscl-Vcrbg 196G. P· 30·
6~655 1\~amar.
' - . .. . ... . . . 1. ,,,IIt·. il·ntr<" ,,~.,,,.,n ' ''' \ luH<~tl.l,t I. t ''' .. I. -
11
I-; I · ,,.,,, d,·• : _.1,,~ <·~··c'lzt,
· · :~.l!(l!
Ernmc Snw: \\ tr wohncn ll t l'tm t ' I " ll • .1•:
6 Ozdamar, Eminc Scvgi: Seltsmne Stmze stnmm zur Erde, ibid., p. 58. I .l<;so B.1dt:. Kl.m,
Cf:. som: . ): /-im>p.r Ji,.rn\'1111,1!. ·I I :.'-"' '
111 '1'11'11 • , ,•• ' ··' . 1 111 ·'

Munchcn· C I I 1\ · ·k 1()()() \ 1
~(
620
621 Ozdamar, Emine Sevgi: Die Briicke vom goldmen Horn, ibid.. p. 140.
lbid.
657 Cf· Ettc,, Üttmar:
GsG - .ti,. 1\'"' '').:ll ll~. /.ur ht<.r.lrt'c I1' ·n 1-:\llhtntkll"ll nll<" i·.b/llll"lll!t. t ' '' .
. .. . Lurop.t
6ll Ozdamar, Emine Scvgi: ~ltsam~ Stmre stnrrm zur Erde, ibid., p. 132. · 658
Cf. sobre d·,,
A
. . I
1."->0 O {lTCl 'l rt l l .lpttll O.

. I 0~.
· um m~t
6'3
• Aproveito
· com este ttpo
· de cscma '· odo pocuco
· · que retiro da lírica de José F. A. Ol'tvcrs. So bre ·a fun ç:t0
659 Vlcia;na.r, E·mtnt·S,·vgi:
· · ~llll'llt'll
1.1. I I0m · ihi,i.. I'· tttllt lutt·l'l~C.p.;, \
1
1..
., . \ ' \ [,-.u:.1. '>.111 1-r.tllll'c'' 1' '''~' • 1
l)r,./in ll"t'l't/111 ., .
dos dois pontos em Oliver cf. Ettc, Ortmar: SnberSobreViver I, ibid., p. 247. Anzall' Gl . · . ·
624 Úz.damar, Emine Scvgi: Die Briicke vom goldm~>l Horn, ibid., p. 221 . 1 Sob r lia, ona: liOidn-/,mris I I <I hmu,·,.r. 1 '' · m · \ I i \ . I' md -\n 1· .\ tr.tltXIt'll ,;o
hi tn L' d o x · t'H:,tlh.. o~.... c. • .111. . 1• .
l t' .ttHori;.l~.io litt·r:iri.t <,. .nltnr.L-'
62 rc CSI . . I I .
~ Sobre a Iustona ;) . . rarcgtas c. · · . \ [ , . llildt"ht·im . I un, h - :---:t'\\
1 ' I l/III1 ( 1•nnr . '"·I~·'·
· · · d essa ponte entre as d uas panes europeias de Istambul c seu registro cm um map.a pessoa 71
lilOT!JII'I 11g. I>roj ,·krionrll da ( J,1,·,m,1 f,,·r ( •t/111•1
·r .·In:.rlfu
da cidade, cf. Úzdamar, Emine Scvgi: Mcin !stanbul, ln: Die \'Veftwoche (Zürich) (6.8.1998); rcimprcss~
0 'ríorkc 01
·
66o T · corg rns Vnlav 200·1.
in (idem): Der Hofim Spiq,~l, ibid., p. 67-76. Lá ficou clara a "teatralidade" da construçáo dessa ponrc 11'1 . I.. I <l
''t
"" ldawada' V.okc}·· 7. lltl!;t'IH;\111,
,. 1.\11l
· da d''
cncenaçao 11erença: "A pome se tornou uma espécie de palco:J·udeus, rurcos, gregos, ára bes, albancsc.:s.
· 66l cn,, p. l i.
• · europeus, persas, ctrcasstanos,
armemos, · · mu111ercs, homens, cavalos, jumentos, vacas. galinhas. c:un elas.
rodos caminhavam por ela." (Idem, p. 7 1) 66J laiVada, Yoko: o· ·I , _. ·I ,. . I (. I· l· l 'f, .,.,,.r:wwt'll. ih id .. I'· ·li .
Ózdamar, Emine Scvgi: Di~ Briicke vom goldenen Horn, ibid., p. 222.
cr· SObrc 0 \ te l:llgt. -"<~>L
. •. . ll lt. llll... · 1 1·': . ~ )n m.tr: I)'tt. I' ru. m lll c:.·,I t'ttll dn \ lulttT/1111•'<
,.. '.
S pro )\c:tna dt· dtsll!rhm~ lncr.m'" tl.l l.t ·1 ltt. . . d t Illl"U t c.:nt ·n rn . ~'.lt ,., "- nt . t"cmin . ,·ntrc
I
626 . t"'·
Com vistas aDie Bn·ick~ v01n Goldenen Hon1, fala de "romance de r
627
- .. A k , n Irmcr.trd: En1 111c: a l11od . gt Lllarnar. C.th rid.t ~ li,tr.tl. ]u.lll.t 1\"rrt'l<' ,..tcTl-..c ·
'llllle ev . () .. _)
:- · 1 11 1 1111
A , . " 0 rmaçao c crm..11 , b- .
Scvgi vzaamar
Edition text+kririk Kririscha
ln: 1999, p. 5.Lexikon zur deursc/,sprachigm. Cq,mwarrslitemrur. 6 2. Suplcmcmo. Münc11c11· 661 1\ . Ctntdadc tardia c .1 ptis-mndcmid.tde. ihid. .. l · ,lhc'liN> dt· .l•...:r. d,·,inwm ...
628 V'l<la111ar· Em·tnc ·S'"'gt:. i\kint· dnn,.:hcn '\,onn
,... 1l.t1x .n kt·in<' Ktmlhn t. 111
%5 ib·d 1
~ltsnme
I ., p. ) 2') '

·'/'"~.,. ,,
Úzdamar, Emine Scvgi: Srm1e stnmm zur Erde, ibid., p. 9. Nesse verso de Else J...'l.skcr-Schiikr.
unem-se outra. vez a s.~~tdadc de..amor c a procura pelo próprio Eu (St-vgi).
11

629 Ozdamar, Emtne Scvgt: Dre Bmcke vom go!dmm Horn, ibid., p. 108. lond • v·tcrona
llrittai
1
. . I Slm·o.
. ( ;illi.m: ( :u,mftur.rmn: I lmu•r HoriluI to I >'·•1'·.11rf 1-in·drmr. I I 1:1 J' /..·,·,lInmzI . i. F,.uf,.,r.-,·
. i.
630 Cf. sobre disso idem, entre outros, p. 11 2 s. 6Go Pcç;t de on: O\ cron 1\nob 2004. I'· .\0. 1\~r:1dc:çn .1 l'cttT II li 1lll<. (l'ni,·n, 1,I.t,c, ,. '-''-"'' pt· .1 til< tc.t\ .ll''' ' '-1
631 Cf. ibid., p. 117. A metáfora da "mensageira" para os compl~
~trcta
d d · e colocam em A . teatro. . . . . . .
b 7 1
. ~~os processos o tra uztr, qu . tltà 1· rc-ali .o l-se .
• • no •1.rKvclc: . I.ht~H rt· d,· l.onJ rl'~ t'lll -J() t' i. 11 llio• tk 200-1. .-\ hhn t.t,·.t" J ,·• t:tnc:o. prh t<lllt'tn"
movtmento espaço, tempo e culrura, encontra-se tan1bém no conto homónimo de Tawada, Yoko: Die Bonn. E " tcos de G
ln (idem): Obmeezungen, ibid., p. 44-SO. ntrcv· .
uantan.tmo. · mcncion.tdm e .HU.llltt'' n.t pc,. . . 1· o.:nrreu , ' "lll<'ntt· t'lll kn-re1. m I, k l 2llll·l. . i
632
633 Tawada,
A '
Yoko: Einc Scheibengeschiclue. ln (idem)· Obme-
· Sev · 1 '
'b'd
·~111/gen, l I ., p.
l l6
.
%1 <004 (cf~
Sob . •d., p. 3 s )
01
IStas. e c 1Vcrsa.s l'lllll c:lt-s a.:nmtu ·r:un t'lll prep.tr:r,·.u . , ·1 I1,.\·1 ll<' ltn ·ti dt' m.tr,n · l' tlllt'tt> ' ,. .1 '' 11 , ,.
vzaamar, Em me gt: Sertsnme Stmre stnrrm zur Erde aci · d (li .d excerto de 0
um poema de Konstanttnos. . anotado pela autora).
KavaRs, • ma ctta o, p.56 rara-se aqut c um
Guant· re efeito d a aprcscnta~·:
.. . io c!t- Nova Ynrk t'lll nutuhrn d t. -'0lJ. 1 c·f· ·1 rt·'<·nh.t · tt".Hr.tl dt· t 'hw.1k K.n··.t l.:
634 Idem, p. 28.
63S Idem, p. 11 3. r~.
""' eo anasno-
111/rc-vjC\vs Ho \ I . I
. nor 1oun< ln I )cknt 1·rt·e• om - "' ' · · . . I I'. ·i ·w ln· O[/Hm.rrlu·.r1 · <hnp: //w\\w.otlhrn.tdw.l\·.
636
Idem. C:f. sobre . _gt.t.tntanatnn.htnl> (2'i."l.200'i). . . .
,._
...,., f>otlttk, •s.~oEnc
· \'(l;,.t.sch . • O. ltm,tr:
· Ku \>a - lnsd ttT I 1me In. i n.·Fr · 1
. ' ·l)nm.tr
· , l·r.uHh.ll'h
, <)_ "i \ l.mtn.(~)r~.): Au/>.t l•,·ur,·
..
637 Idem, p. 95 s: "Nesra noite, dt-ve ter csrourado um cano na Untcr dcn Li nden. A rua ficou inundada. Por 6
7o C:F. SObre. . afr, Áulr111: Fr.mkfun ,1111 ;>.l.tin: \ 't-rvut·rt \ crl.t~ _!)()I. I · - · . .
rodos os lugares havta carros de Bombctros c da Polícia sob as tíl' T b . .
. uma u·1·ta. So b c.1a, sentava-se. frcquenrernenrc
Istambul, havta ' um •as.· am em JUntoba casa
. d floresta cm
"' a chetos: · c c, I · li ttnt''SS'.' Ag:Jmbcn · ,'-rlor~lo:
C:r •· . /I mnn .itlfn: I) u· ,.r,·~·~,·
. sout .c'l'' l lll' 1\ 1' 1cf>t llllfl ri. r.· .I,.;,,., , tht,!.. I'· 1-"> .

Aores. Na Turquta. se dtz


. que o chctro . das Aorcs da tília deixam asan11go
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· /)r,· ,\c'll!.. (,c )l,r/rull~


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638 Idem, p. 18.
tJt' c· • zIIJ I1 t~/' ( .'rz·r'/i··uiml•.
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6 9
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671 Jfl/,rJ, Der Krmtfl'r ,. Iturt·n .,.,
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'J cu·1 ...~ . titT \\ r tpolrtrl.· IIII ..! I
3 Idem, p. 81. llbre A· ..unchcn - \XIicn: Eurnp.t Vc:rlag. 1')')(,.
tradtl~ido ~~cnca dd Sur _ l'.tíst:s Arahc:~: j),...t. r/ n,, .,i/r,z. p I (l'~i.unhdl: (Pr,·.'un hulul; t'it.tdu ,.
640 Idem.

'l1rc.gov b~ acordo con1 n cndnt:ço Ja imnnt't do i\ \inistcTio dt' Rd.t,·l>t·, 1-.~I<Til>rt·, du 1\r.lstl ,httpAv" w 2.
641 Idem, p. 123. 1111â tíll 1• 1
2
Esse modo de escrever encontra-se já no título do primeiro capítulo d . . d ""~zd r Eminc tc'lttos •aq. tu<lspa1.)ccV. esi>.anol·J,1,.>
~ 1\ o.r:t .. , · · thcr 1\l.liho\d t:<'ntllm,·m,· por,.,.,,,. uHnpn i\'.Ullt' \l ) ,
64
Scvgi: Die Briicke vom goruenen cllJ tra " • l 1' \ " •1 , • 1111

vcrs~o purm~ucs.t
1.1 l-Iom, ibid., p. II. a prunet ra parre e V< ama . , . •
1
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1.· I ) de nscntos loran cxtr:tídos da c:m língu.t d.t Dn :l.tr.t,·.ln <k \\r.L,tlt.t. puhltc.td.
67 ~ ~O.
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3 ·1 da D 1. 111

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Notas Notas

673 Parágrafo 3.5. A realização de um Seminário de expms para a fundamentação de uma biblioteca desse tipo em 710
lbid., p. 12.
711
Aleppo, na Síria, já em outubro de 2005 é estabelecido no parágrafo 3.7. lbid., p. 12: "Do pai aprendeu, desde muito pequeno, o domínio das armas de fogo, o amor pelos cavalos e a
674 Cf. a posição crítica por parte da Fundação Konrad-Adenauer em Hofineister, Wilhclm: Ein Gipfel der mestrança das aves de rapina, e também as boas artes do valor e da prudência".
falschen Erwartungen und des falschen Zungenschlages. Das 1. Gipfeltrdfen Südamerika - Arabische Liga. 712
lbid., p. 19. A filha de Vitoria sabe que- mesmo que de modo passageiro- está em breve destinada à cama
ln: Focus Brasi/im (Rio de Janeiro) 4 (14.5.2005), p. 1-7. de Santiago Nasar (id.).
713
675 Ibid., P· 6. Cf. a utili1.ação desse conceito para o romance de Leonardo Sciascias II giomo dela civma, onde o assassinato
676 Declaraf'ÍO de Bras/lia, ibid., parágrafo 3.3 não ocorre em um local oculto, e sim, como em Crónica tk una munu anunciada, acontece bem no início do
677 Id., parágrafo 3.11. texto, na praça principal e à luz da manhã, em Buschmann, Albrecht: Die Mncht und ihr Prtis. D~ktorischts
678 Fayad, Luis: La caída de los puntos cardinaks. Bogotá: Editorial Planeta Colombiana 2000, p. 84. Erziihlm bei Ú01u1rdo Sciascia mui Manuel Vásquez Monrnlbdn. Wünbwg: Kõnigshausen & Neumann 2005,
679 Sobre o conceito de local literário de viagens cf. Ette, Ottrnar: Litn-atur in &wegrmg. Rtmm rmd Dynamik p. 57. Apesar de todas as diferenças diegéticas e específicas da ação, os paralelos entre os romances de Sciascia
grmzüberschrdtmdm Sclmibms in Europa undAmmka, ibid., p. 62-80. e Garcia Márquez são evidentes.
680 O viajante escocês Cunningham avaliou essa denominação da população árabe junto à costa colombiana 714
A noiva de um dos dois assassinos alega mais tarde em protocolo, que jamais teria se casado com Pablo Vicário
caribenha visitada por ele como bárbara; cf. sobre isso García Usta, Jorge: Arabes cn Macondo. ln: Deslituú se ele não tivesse agido assim e se não tivesse salvo a honra da f.unília; mas, com isso, ela esperou três longos
(Bogotá) 21 (julho-setembro 1997), p. 127. anos pela libertação do assassino de Santiago Nasar para selar despreocupadamente a sua união com ele pela
681 Fayad, Luis: Lz calda de los puntos cardinaks, ibid., p. 84 s. vida toda. {Garcia Márquez, Gabriel: Crónica tk una 11111mt ammciada, ibid., p. 102).
682 lbid., p. 91. 715 Khoury, Elias: Da geheimnisvoUe Brief Roman. Traduzido do árabe por Leila Chammaa. München: C.H.
68 3 Ibid., p. 92. Beck 2000, p. 45.
716
684 Ibid., p. 321. Nesse ponto, a f.unília Vicirio representaria bem o significado do seu nome- (nomm t.st omm, o nome
685 Ibid., p. 322. é um presságio) - num sentido que envolve socioculruralmeme e é específico de gênero, uma família de
686 Ibid., p. 136. "representantes".
717
687 Cf. sobre isso García Usta, Jorge: Arabts m Mncondo, ibid., p. 122139. Garcia Márquez, Gabriel: Crónica de una mume anunciada, ibid., p. 50.
718
688 Essa única referência direta a Aureliano Buendía encontra-se em Garda Márquez, Gabriel: Crónica de 1111/l lbid., p. 51.
719
munu anunciada. Barcelona: Editorial Bruguera 1981, p. 55; lá, o pai de Bayardo San Román, o General lbid., p. 52.
720
Pettonio San Román, é apresentado como herói das guerras civis do século XIX, "uma das maiores glórias do lbid.• p. 56.
721
regime conservador, já que conseguiu levar à fuga o Coronel Aureliano Buendia na catástrofe de Tucurinca". lbid., p. 144.
722
689 Cf. García Usta, Jorge: Acabes en Macondo, ibid., p. 137. Lá encontra-se também a indicação sobre as Essa tese parece remeter a urna reflexão de Angel Rama; cf. sobre isso Silva, Armando: Encuadre y punto de
relações do escritor por exemplo com as f.unílias de origem árabe Mattar, Janne, Kusse e Cassij, durante o vista: saber y goce en "Crónica de una muerte anunciada". ln: Universidade Naàonal da Colômbia/Instituto
seu tempo em Sucre. Caro y Cuervo (Org.): XX Congresso Naci0111ll de Litmztura, Linguística e Semiótica. Mmzorias. "Cim anos tk
690 Mais recentemente, retomou esse rema Zimic, Sranislav: Pundonor calderoniano en Hispanoamérica {con Sokdad': minta anos despuis. Bogotá: Universidade Nacional da Colômbia 1998, p. 23.
723
ilustración en "Crónica de una muene anunciada" de Garda Márquez). ln: Acta Neophilologica (Ljubljana) A favor disso fularia também o comentário de Angela pela mone de seu pai Ponào, pouco tempo depois
XXXIY, 1-2 (2001), p. 87-103. do assassinato de Santiago Nasar: "A dor moral o levou para a mone" (id., p. 133). Cf. sobre essa tese
6 9 1 Cf. recentemente, entre outros, Pelayo, Rubén: Chronideofa Death Forerold (1981). ln (id.): Gabriel Garda principalmente Rahona, Elena I Sieburth, Stephanie: Keeping Crime Unsolved: Charaaers' and Critics'
Márquez. A Critica/ Companion. Westport, Connecticut- London: Greenwood Press 200 1, p. 111-133. Responses to Incest in García Márquez' "Crónica de una muene anunciada".ln: &vista tk Estudios Hispânicos
69 2 Cf. entre outtos Põppel, Hubert: Elementos dei género polidaco en la obra de Gabriel Garcia Márquez. ln: (Sr. Louis) 30 ( 1996), p. 433-459; assim como P"óppel, Hubert: Elementos dei género poliáaco en Ia obra de
.Estudios de Litmttura Colombiafld (Medellín) 4 (enero-junio 1999), p. 23-46. Gabriel García Márquez, ibid., p. 36 s, e Silva, Armando: Encuadre y punto de vista: saber y goce en "Crónica
693 Que seja referida aqui somente a análise do romance detalhada, elucidativa, narratológica e intermediai do de una muerre anunciada", ibid., p. 21 s.
romance e sua filmagem em Schlickers, Sabine: Vnjilmus Erziihlm. Na"atologisch-komparative Untmttclmng 724 García Márquez, Gabriel: Crónica de uM mume ammcüula, ibid., p. 78.
zu "E/ bao de la mujo-araiía" (Manuel Puig I Hictor Babmco) und "Crónica de 1111/l mume ammciada" (Gabriel 72 5 Cf. sobre isso id., p. 180. Lá o juiz de investigação anota com tinta vermelha: "A fatalidade nos toma invisíveis".
Garcia Márquez I Francaco &si). Frankfurt am Main: Vervuert Verlag 1997, p. 280-373. Nomes e pessoas surgem do nada e de repente se tomam novamente invisíveis, como se obedecessem a um
694 García Márquez, Gabriel: Crónica de una muem anunciada, ibid., p. 9: "El día en que lo iban a matar, destino predeterminado.
Santiago Nasar se levanró a las 5.30 de la mafiana para esperar el buque en que llegaba el obispo". (0 rrecho 726
lbid., p. 190.
citado nesta edição provém de: García Márquez, Gabriel: Cronica de uma morte anunciada. 39. ed. Tradução 727 lbid. ld., p. 13; essa lição, assim acrescenta o narrador, Santiago Nasar não deveria nunca mais esquecer, por
de Remy Gorga F.alho. Rio de Janeiro: Record, 2009. p. 7). toda sua vida, já que separava a partir de então a arma da munição.
69S Fayad, Luis: La calda de los pontos cardinaks, ibid., p. 86. 728
lbid., p. 184.
696 Garda Márquez, Gabriel: Cronica de uma morte anunciada, ibid., p. 79. 729
lbid., p. 192.
697 Ibid., p. 127. 730
lbid., p. 106.
698 Ibid., p. 129. 7 31 Apesar das diferentes asserções do narrador, esse nome poderia também ser um indicativo de que Divina Flor,
699 Ibid. a filha de Victoria Guzmán, também fosse filha de lbrahim Nasar. Então, uma união de Santiago com ela
100 Ibid., p. 106. seria urna violação inconsciente do tabu do incesto.
701 lbid 7 32 lbid., p. 96. O narrador acrescenta como explicação que, naquela época, por causa da guerra, facas alemãs não
102 Ibid., p. 106-107. podiam ser importadas. {id., p. 95)
703 Ibid., p. 131. 7 33 lbid., p. 124.
704 Ibid., p. 108. 734 lbid., p. 125.
1os Ibid., p. 178. 735 Cf. sobre isso o belo estudo geral de Pannewick, Friederike: Elias Khoury. ln: ~old, Heinz. ~udwig (0~:):
706 Ibid., p. 181. Kritisches úxikon zttr fomdspmchigm Gtgmwartsliteratur. 54. Suplen:'ento..Munchen: edinon .text+~rik
707 Ibid., p. 156. 2001, p. 17. Cf. também entrevista detalhada com Elias Khoury m MeJcher, S?ma: Gtschtchtm. uber
708 Ibid., p. 21. Geschichtm. Geschichten iibn- Gtschichtm, Erimzmmg im Romnnwerk vo11 1/yas Hun. Wiesbaden: Retchert
709 Ibid., p. 16.
Verlag 2001, p. 125-153; assim como Meyer, Stefan G.: The patchwork novel: Elias Khoury. ln (id.): The

296 297
Notas
Notas

736 Experimental Arabic Novel Postcolonütl l.itnary Modn11ism in the úvam.New York 200 I, p. 129-140. de um escritor libanês com a polícia francesa - e três razões para não \iajar. ln: Die Zeit (Hamburgo) 47
Khory, Elias: Der gehdmnisvolk Briif, ibid, p. 37. A mudança das pálpebras para as sobrancelhas teve a ver
(1511112001), p. 46.
evidemememe com a tradução utilizada por Elias Khouri de Crónica tk 111111 munu ammciada. 776
737 Ibid Khory, Elias: Konigmch der Fmndlinge. ibid .• p. 104.
738 lbid., p. 38. 777
lbid., p. 105 s.
739 778 Said, Edward \V.: Fortword. ibid .• p.xiv.
Elias Khowy in Mejcher, Sonja: Geschichtm iiber Geschichtm, ibid., p. 131: "/ discoz,m-d ar tiJt• time rhtrt 779
Cf. sobre isso Pflitsch. Andn.-as: Urerarur. grcnzenlos. Aspd-re rransnationalen Schreibens. ln: S~'Ska,
740 rrading was a wtry ofwriting. Now I can ~ that turiting is a way ofrrading". Christian I Pannewick, Fricderike (Org.): Crossings mui Passagts i11 Gmrr a11d Culturr. \Viesbaden: Re1chen
Khory, Elias: Dergehrimnisvolk Briif, ibid., p. 5.
741 Verlag 2003. p. 87 -I20.
Id., p. 37 S.
742 78° Cf. sobre isso o quimo capítulo do presente volume.
Ibid., p. I 95.
743 781 Khoun• Elias: Der ttrhámnisz'OIIr Briif. ibid .. p. I 59.
García Márquez, Gabrid: Crónica tk 111111 munu ammcütda, ibid., p. 26. 782
744 Khory: Elias: Ko11ilrrzch tkr Fmndlingt'. ibid.. p. 122.
Elias Khowy faz uma relação urbana rranslocal enrre o programa de edificação citadina de reconstrução de 783 lbid.
Beirute e a intensiva atividade de construção de Berlim; cf. as declarações do escritor libanês in Borgmann, 784 lbid., p. 37.
745 Monika: Stãdce sind wie Gesdtichten. ln: Die Zeit (Hamburgo) 45 ( 1.11.1996), p. 80. 78 S Jbid., p. 66.
Khoury, Elias: Dergeheimnisvo/k Briif, ibid., p. 159. 786
746 Khory, Elias:Dt7 ttt'hrinmisz'OIIt' Briif. ibid .. p. 169.
lbid, p. 160.
747 lbid 787 Elias Khoury na ~nm:vista com Mcjcher, Sonja: Gt'schichrm iibtT Gtschichrm. Erimzmmg im Ronltlmuerk von
748 llyas Huri, ibid .. p. 1.U. . . n·b· .
lbid., p. 161.
749 788 Ta,vada, Yoko: Das Tor dcs Übersctzers oder Celan liesr Japanisch. ln (1d.): Ta/imltlll. u mgen.
lbid, p. 162.
75 Konkursbuclwerlag Claudia Gehrke I996, P· I29. .. . .. . , ,_. ..
° Cf. sobre isso a entrevista com Elias Khoury in Mejcher, Sonja: Geschichtm iiber Geschichtm. Erinnerung im 78 I.usroncas
.. s·mer("1, urs:D'ze
"\Vildnz 1
mui.. die 'ZivUISterlm.
Romanwerk von llyas Huri, ibid., p. 131. 9 Cf. sobre este conceito c suas manuestaçoes
·C • r
751
d~
Cf. s?bre o _significado romance no conte:no da literatura contemporânea árabe o prólogo para a edição
Gnmdziigt' einn- Grisres- mui Kulturgeschichtt' der eztropãisch-iibmerischm &gegmmg. Munchen: Deutscher
Taschenbuch Vcrlag 1982, p. U0-160.
em língua mglesa de Srud, Edward W.: Prefác1o: ln: Khoury, Elias: Littk Mozmtttin. Manchester: Carcanet
Press Limited 1989, p. IX-XXI. 790 Said, Edward W.: Foreword, ibid., p. xvii.
752 791 Ibid.: "major posrmodern Third World dassics".
Khory, Elias: Der geheimnisvo/k Briif, ibid., p. 159.
753 792 Khorv Elias: Konigmch da Fm11dlinge. ibid .. p. I O.
793 Ibid.: ~- 36: "Faisal não contou uma outra história, pois não sobreviveu à seguinte".
Cf. sobre isso Elias Khoury na entrevista com Mejcher, Sonja: Geschichtm iiber Geschichtm. Erinnmmg im
Ro";n'::'"k von Ilyas Huri, ibid., p. 129: "Whm I mt;r:d tmivm_iry, rhe]t~ne war of1967 broke our. ft changed
794 Wajsbrot, Cécile: Mtmori,d Paris: Zulma 2005, p. I4. .. . d ,
my 'ifo. Em termos bem semelhantes, trouxe o teonco paJesono em literatura e cultura Edward W. S ·d
também · • · da • c . at 79S Sobre a imagem ambivalcnte e recentemente em fo rte tran!!l-rormaçao..c • na Europa' dos, aJU chn antes'd e
essa expenenc1a ~raçao ao roco, mas fulou também da derrota das tropas árabes contra Israel · "rrafi cantes", "rebocadores" e "passado'"""
"acompanhantes de rotas", mas tambem ,...., de migrantes , cf. S e1 \ier,
~mo):udança ~m sua ~da; conf. ~aid, Edward W.: No Reconciliation Allowed. ln: Aciman, André
. ofTr~nszt. &fkc:'ons on Exile, ldmtity. Language, mui Loss, ibid., p.l OI s.
Florian: Der Fluchthelfcr. ln: Horn, Eva I Kaufinann, Stefan I Brõckling. Ulrich (Org.): Grrnzverktzn: 011
754 . rg. ·
755 Ehas Kho~ m Mejcher, SonJa: Geschichtm iiber Geschichtm, ibid., p. 134.
Schmugg/em, Spioum tmd antkmz Sllbvmiz'm Gestaltm, ibid., p. 4I 57.
7
Khory, El1as: Der geheimnisvolk Briif, ibid., p. 159. 96 Wajsbror, Cécile: Mtmorilll, ibid., p. I 5 s.
756 lbid., p. 163. 797 Cf. ibid., p. 25.
757 lbid., p. 25. 7 9 8 Ibid., p. I6.
758
Cf. sobre isso id., p. 15, 209 e 214. 799 Cf. sobre isso a última parte do primeiro capírulo no presente volume. III) "b'd
759 lbid., p. 54.
800 Cf. sobre isso Agambcn, Giorgio: \f1z.s 11()11 Auschwitz bl~ibr. Das Archiv und der Zeuge (Homo sacer '11·
760 lbid.
801 Wajsbror, Cécile: Beatmt'-kz-Ro!tuui~. ibid., p. 55.
761
Este texto do espólio de Alben Camus surgiu no da bl" - d D ·' · · 1'- 802 Cf. Aub, Max: Manuscrito mm,o. Historia de Jacobo, ibid. . • d 6l I . 0
Gallimard. ano pu 1caçao e er gmezmmsvoue Briifem Paris, pela 803 Ibid., p. 96; cf. sobre isso detalhadamente o sétimo capírulo de SaberSobrrViver. A (o)mlssao a 0 og~a.
762
Khory, Elias: Der geheimnisvo/k Briif, ibid., p. 42. desenho do corvo Jacobo de Max Aub ilustra o presente capírulo.
763 Ibid.
804 Wajsbrot, Cécile: Mtmorial, ibid., p. 7 s.
764 Ibid. 805 lbid.
765 Ibid., p. 160. 806
Ibid.
766
Khory, Elias: Kõnigreich der Fremdlinu~ Roman D ' be Le'l Ch 807 Cf. Wajsbrot, C..écile: Beazme-!a-RokmtÚ, ibid., p. 50 s.
1998, p. 39. o· . . o ara por I a ammaa. Berlin: Das Arabische Buch 808 Wajsbrot, Cécile: Mhnori,lf, ibid., p. 12 s.
767
Jbid., p. 39 S. 809 Cf. sobre isso, p. 17, 54, 87 e 153.
768
Ibid., p. 43. 810 Cf. ibid., p. 56 S.
769
Ibid., p. 40. 811 lbid., p. 133.
770 lbid., p. 98.
s12 Ibid., p. 45.
771 lbid. 813 Ibid.• p. 67.
772 Ibid, p. 99.
814 Ibid., p. I28.
773 lbid.
774 lbid., p. 1os. 81S Cf. Wajsbrot, Cécile: Beazme-la-Rofa,de, ibid., p. 41.
775 816 Wajsbrot, Cécile: Mémoria/, ibid., p. I3 s.
Cf. sobre esse tema do escritor argentino no horizonte da friccionaJ·dad E 0 · · 817 lbid.
1
1'b'd
1 ., p. 227-268 . t·ara
n
uma bem concreta e desagradável exp ·• · e tte, a· ttmar: ·l1teratur m Bewegung' 818 Ibid.
d h" , . d . enencla que las Khoun teve com a "inrrusão" 819 Ibid., p. I6.
e uma 1scona, e outras escmas, na própria vida em outubro d 2001
do 11 de setembro, na França, cf., além disso, Kho~ri Elias· Co e .'dporranto pou,cas semanas depois 82° lbid., p. I8.
• · mo o 0 c1 ente produz arabes. Experiências 821 Cf. sobre isso detalhadamente também o primeiro capírulo deste livro.

298
299
Notas
Notas

822 Wajsbrot, Cécile: Mémorial, ibid., P· 59 s. 863 lbid .. p. 162.


m Cf. ibid., p. 67. 864
lbicl .. p. 126.
824 lbid., p. 25. . 865 lbid., p. 9.
8
25 Id., p. 71; cf. sobre isso r:unbem P· 73. 866 lbid .. p. I O.
826 lbid., p. 72. 867 lbid., p. 9.
827 Ibid., p. 87. · 868
lbid.
1 869
lbid.. p. 15.
828
829 Jb'd p.107
Idem, .. · c a sabedona. 870
., p. 95.· Al'1 tam bem
· e· referido explicir:unenre o vínculo emblcmanco entre a coniJ 3 lbid .• p. 28.
conhecido da Antiguidade. 871
lbid., p. 38 S .
830 Ibid., p. 115. sn lbid., p. 38.
831 W:aJs. bro,t Cécile-· Bemme-lrr-Rolrrnde, ibid., p. 52. 873
. . . lbid.. p. 60.
832 Wajsbror, Cécile: Mbnonal, lbld., P· 104 s. 874
lbid., p. 98.
s33 Ibid., p. 128. 875
lbid.. p. I 00.
s31 Ibid., p. 129. 876
lbid., p. 11 7.
835 lbid., p. 147.
836 Ibid., p. 152. sn lbid .. p. 101 s.
878
837 lbid., p. I 53. lbid, p. 174- 176 .
879
838 lbid., p. 159. lbid., p. 146.
880
839 Ibid., p. 97. lbid., p. 149.
881
84o Ibid., p. 165. lbid., p. 126.
882
841 lbid., P· 165 S. lbid.• p. 148 >.
883
su lbid., p. I 58. Jbid., p. 152 S.
884
lbid., p. 130.
885
844 Ibid., p. I70.
8H ('d ) St dienawgabe.
Cf. bre isso as funosas reflexões de Freud, Sigmund: Das Unheimlichc ( 1919). ln I em :
11 lbid., p. 131. , l l''• Vielj.it!t.
Editado
. so por Alexander
• Mitscherlich, Angela Richards c James Strachcy. Frankfurt am M:un.
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888
. p. 186. . .. 1 \VI·bcr. Reinho ld (011!::o·)·· /(uJllll't'· O
'' li,·cr cf.
887 lb'd 189 K.1rl-Helnu c 306 Sobre ose ,
.t:.1 b~drr ·~.
1
-
845 Wajsbrot, Cécile: Mémorial, ibid., p. 174. I ., p. . . I . Mcier-Br:\Un. ' ' hlhammer 200), P· .· . 'd
846 lbid., p. 163. Oliver,
B José F.A.: worttrus. II'Ortm l. n. ·/. J Srurroart: \'í/. KoD. · I Philologre. 1b 1 . . llll't' IIIL\ '
aden-\Vt'irrtt·mberg aIs E'lmvan
. .,. t/lln(),b
tfemiW' . ·Lefmzswr
" ·sm1· lf,. II.J/5 Lfiutob1 .ogmp1 ·•' de · u lltmr

w ~ ~~
1
889 também o capítulo oito cm Ettc, Ornnar: . riPhillipe: } r es r1111 tlll/1't'.
1
11

s4s Cf. Farah, Sherko: W.1rum bleibt mein Onkel in Bagdad? Stimmungen in der Republik der Angsr: .A Cf sobre isso o relevante estudo de Le)eunc.
Hoffen auf Saddams Sturz [Por que meu tio permanece em Bagdá? Atmosfera na República do MedoS _ 890 llléc/ias. Paris: Scuil1980 . . . 'd 310.
grande esperança da queda de Saddam]. ln: Frankfun er Allgemeinc Zeitung (Frankfim am Mam) 4 l ( 1 ·2 89) Oliver,
lb José F. A.: worttlus, wortml. 1b1 ·· P·
2003), p. 33. . . ersrcn sn id., p. 306. d Eine Fcsucde.
849 GauK Kari-Markus: Fremde Wclr, so nal1. Der kurdisch-deutschc Autor Sherko Farah sd1rcibt se1ncn ,J 893
lbid.. p. 305. O
chhnd nadl Deutsdllan .
Roman. [Mundo estrangeiro,· rao· perto.O autor cu rdo-;uemao
- 1 • S11erk·o f':ltah escreve seu pnmc1ro
· · romance. 94
lbid Von eurs .. . .
ln: Die Zeit (Hamburgo) 13 (200 I). .. . .
850 Citado de acordo com Faral1, Sherko: Sherko Fmah uber sem Buch. ln: <W\V\v.lynkwelr.dagcdlclHa
. . •furahgl. 3 . · . hi.sch rmrerruq;.
Oltvcr, José F. A.: 1\'l'n: autobrogmp4 > 5.
Unveroffentlichrcs Manuskn pt 20° • · ~ ·cndcnremcntc
r um re.xto surprc abordagem propna,
comple.x~
. cm forma de d1ano.
. detalhada.

. .,. ~mlf. Poemas.


11 c~ 11t'rk
1111
hrm> (2511112004). . _ .. . JZland B9s N d oiu na mrcrne El ' merece un13• bld P .
o ccorrer dessas scm.mas sur" · 'ald . dcx l1tm>- · < 1 • ..s· · 62
851 Pararexrualmenre, essa localtzaçao Ja esta na contracapa da edição de bolso: Farah, Sherko: lm Gm (a <www.goethc.delinslcolpqlm;u I. wm ' K•v >áfis Konsr:umno
-'1stsIdi· cm ('d. .m):jilmz.rner · as ,. •
Romance. Berüm btb-Verlag 2003; rodas as citações a seguir de acordo com essa edição mais difi.1ndida .' °
897 Oliver, José F.A.: Kavafis.
896
Ells~<..1n a:li(.~vafis.
.._ d · •a ln 1 Einec Einn1. mm g'· ln: a' '
1
0
primeira ecüção do texto surgiu em 200 I, pela Editora Jung und Jung, em Salzburg). Uma clara ordenaçao
nacional enconrra-se também no texto, enue outras, idem, p. 30. :ourccnar, Margucrite: Konsr:mnno . . 9 e 1OI. . . A (o) missão da
852 Ibid., p. 79. lbid., p. 38. D GtSIIIIItwerk. ibld.E.P· 9 Ortmar: SaberSobl't'Vwn.
898 lt'.,...:, . • I
8~ '"'v uns, Konstantmos: lraca: 11 1 ('dem): as .
elro capltUo I in ·rrc,
853 lbid, p. 6 1-63.
., Cf.· sobre isso principalmente o SL'gU ndo c tere
s54 lbid., p. 70.
fllologia, ibid. . 'd 2.
855 Ibid., P· 61. li I
90o Àrendr, Hannal1: klachtund Gnvalt, 1b1 ·• P· 3
901
856 Horn, Eva I Kaufinann, Srefan I Brockling, Ulrich: Introdução. ln (idem, Org.): Gmzzverletzer.
01
902 lbid., p. 33.
Schnmgglem, Spionen und anderen subverszven Gestalten, ibid., p. 9 s. . 903 lbid.
857 Paul, Bertina I Lindenberg, Michael I Schmidt-Scrnisch, Henning: Der Schmuggler (O Conrrabandlstaj 904 lbid., p. 33 S.
ln:deren
1111 Horn, Eva I Kaufinann,
subversiven Gesta!ten,Stefan I Brockling.
1b1d., p. I 08. Ulrich (Org.): Grenzver/etze : 1-Vn Sclmmgglem, Spionen lbid., p. 34 . '(!/
1 1111

tei~lpO,
B5B Fatal1, Sherko: lm GreJzz/and, ibid., p. 5. 90s lbid. . de Huntington, Samuel P.: \ 10
859 Cf. ibid., p. 83-85. 906 lbid. . 'lSC ao mesmo or Helmut Dierlamm e Ursel
860
lbid., p. 6. 907 Cf· sobre isso a tradução cm ltngua
, alemã
• surgida qu. ,
• . .. Do ingles no rre-amcncatlO p . .
s61 Assim a expressão "em casa''- onde se làla dele- logicamente t::unbe'm b I desconsoladora: '~re
S• \'" . . 1Jell Jden11ttll.04
ve? Die Krise der amrnkmwc . H tingron. Samue1• p.· The H1spamc
• . aparece so uma uz 90s chafcr. Hamburg - Wicn: Europa "ver1ag, .20 . ais · reses deste rIVro m un foreignpolicy.cOImto.m,cm
( vw i s.php-
"nesses
em casa:Spaços
{ld., p.escuros
7). nao se era hospede, mas, na verdade, num sentido desconsolador e assustador, se estava Cf. sobre isso a apresentação plástic.1 das pnnCipDC) ( 15.3.2004) <W\ · .
862
lbid., p. li .
Cha!Ienge. ln: Foreign Policy (\X!ashingron, . . und Hispanisiemng" in Hunnngton,
""" ld,2495) . I ln1mlgranon
-~J Cf· sobre. isso, sobretudo o c.1p1'rui "Me.xikaniSC
° lC
300
301
Notas

Samuel P.: \lí'ho are we?, ibid., p. 283-325 O .


imigra,..; d . . rexro termma como seg '" R I
, ,...o os mCXJcanos e ourros hispânicos e . d . . ue: c a pcrmanenremenrc alra quora de
e a culru · em Vlsra a ass1m1larõ d . .
ra norre-amcncana, a América poderia a0 c aJ ,...o vagarosa esses lllllgr:mres j sociedade
culturas c do"s 1 1 - • nn • transforma . , .
. povos. sso nao mudaria só a Amé . H . :r se cm um pa1s com duas línouas, duas
que v1vcm na Amé · . c_ _. nca. avcna drasricas · . "
. nca, mas nao 1ar.10 pane da Am : · { j • , ' conscqucnc1as par:! OS hispânicos,
so nho amencano
. o • · d d enca
,uc a SOC1e a e anglo-proresrante c . A . · · · Nao ha um 1
1 d .
son 0 e amenc mo. H :i apenas um
dess.1 soc1cdade some
910 nre se sonl1arcm cm inalês" nou. mencanos do McxJCo : · c_ •
ramo pane desse sonho c
f.
C . sobre esse conceito e um .. , " .
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"Üu alter? J' en suis 13."
Rolrllld Bn rtlm, Rola nrl Bn rtl'f'S par Rola nd Ba rrlzes

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