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Capital humano e Desenvolvimento: Oferta e Procura da Educação

Benedito Bento Juliasse1

Resumo

O estudo em desenvolvimento versa sobre «Capital humano e Desenvolvimento: Procura e


Oferta da Educação». O objectivo desta pesquisa é analisar a procura e oferta da educação na
perspectiva da teoria do capital humano. Para o efeito, o estudo irá estabelecer a relação existente
entre a educação e a teoria de capital humano; explicar a procura e oferta da educação no contexto
do capital humano. Desta feita, com base na pesquisa bibliográfica, apurou-se que a teoria em
referência alicerça-se nos determinantes da procura privada por educação e seus obstáculos.
Entretanto, ela deu pouca atenção a oferta de educação. Desta feita, relativamente a esta última
alusão, a educação sustentada pela teoria do capital humano, nos últimos anos, tem sido alvo de
críticas por não exercer o carácter democrático e igualitário e igualmente não reflectir a realidade
sociocultural das comunidades em que está inserida.
Palavras-chave: Capital Humano; Desenvolvimento; Procura; Oferta; e Educação.

Abstract

The study under development deals with «Human capital and development: demand and supply of
education». The aim of this research is to analyze the demand and supply of education in the
perspective of the theory of human capital. To this end, the study will establish the relationship
between education and the theory of human capital; explain the demand and supply of education
in the context of human capital. This time, based on bibliographic research, it was found that the
theory in question is based on the determinants of private demand for education and its obstacles.
However, she paid little attention to the provision of education. This time, in relation to this last
allusion, education supported by the theory of human capital, in recent years, has been the target
of criticism for not exercising the democratic and egalitarian character and also not reflecting the
socio-cultural reality of the communities in which it is inserted.
Keywords: Human Capital; Development; Search; Offer; and Education.

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Licenciado em Ensino de História pela Universidade Pedagógica, Delegação de Niassa.
Inspector na Unidade de Controlo Interno da Direcção Provincial de Niassa
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1. Introdução

Desde que foi formulado, no final dos anos 1950, o conceito de Capital Humano passou a exercer
influência sobre as políticas educacionais de muitos países, incluindo Moçambique, a partir dos
ideais de Schultz. Entre os meios utilizados pela Teoria do Capital Humano, um se destaca na
actualidade: a tomada da educação como investimento económico em capital humano.

O estudo em desenvolvimento é uma pesquisa de natureza essencialmente qualitativa. O Método


de Abordagem seleccionado para a presente pesquisa foi o indutivo e o Método de Procedimento
adoptado foi o descritivo. O Instrumentos ou Técnicas de Pesquisa utilizada foi a bibliográfica,
que consistiu na consulta do material publicado constituído por livros e artigos científicos.

Esta pesquisa de carácter meramente teórico, construída reflexivamente, faz parte da componente
avaliativa da cadeira de Sociologia e Economia de Desenvolvimento Sustentável. A análise da
procura e oferta da educação em Moçambique, constituirá o estudo de caso, essa será feita a partir
da FOFA (Fortaleza, Oportunidade, Fraqueza e Ameaça).

2. Definição de Capital Humano

A origem do termo capital humano é datada na década de 1950 e é atribuída ao economista


Theodore Schultz, que se preocupava com as situações precárias das nações em vias de
desenvolvimento. Na opinião do autor, o bem-estar dos pobres não dependia da terra, dos
equipamentos ou da energia e sim do conhecimento.

Essa nova ideia de capital compreenderia aptidões e habilidades pessoais, que podem ser
características naturais da pessoa, ou adquiridas ao longo do tempo. Cada pessoa seria capaz de
aumentar seu conhecimento através de investimentos destinados à formação educacional e
profissional de cada uma. Sendo assim, o aumento do capital humano poderia representar as taxas
de produtividade do trabalhador, alavancando o desenvolvimento de um país.

Mayer e Rodrigues (2013) destaca que para que haja desenvolvimento económico, é essencial que
as instituições garantam a ordem pública, o bom funcionamento do mercado e boas oportunidades
de lucro que estimulem os empresários a investir e inovar. Sendo assim, é necessário que o
Estado, na forma de instituição superior, tenha legitimidade e capacidade para formular políticas,
cobrar impostos e impor as leis.

Nesta perspectiva, em uma definição mais abrangente, o autor define desenvolvimento económico
como processo histórico do crescimento sustentado da renda, ou do valor adicionado por
habitante, resultando em uma melhoria do padrão de vida da população de um estado nacional,
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fruto da sistemática acumulação de capital e da incorporação de conhecimento ou processo
técnico à produção (Mayer & Rodrigues, 2013).

A educação é colocada como o alicerce para o desenvolvimento das nações e a solução para as
diferenças sociais. Investir na educação é fundamental para combater as desigualdades sociais e
melhorar as condições de países menos desenvolvidos, tal como o caso especifico de Moçambique
(nosso campo de estudo).

2. 1. Capital Humano e a Relação com a Educação

A relação entre educação e economia é inegável. Ao longo da história da educação é uma


constante a presença de discursos económicos pautando e mesmo concebendo modelos
pedagógicos vinculados a projectos de desenvolvimento. Dentro deste contexto, o processo de
escolarização começa a ser interpretado como elemento fundamental para a formação do capital
humano.

De acordo com Schultz (1964, apud Mayer & Rodrigues, 2013)), o investimento básico no ser
humano se dá por meio da educação. Segundo o autor, as pessoas valorizam as suas capacidades,
tanto como produtores, quanto como consumidores, pelo investimento que fazem em si mesmas.
Sendo a educação a melhor forma de se investir em capital humano, pois, enquanto o nível de
bens de produção tem declinado em relação à renda, o capital humano tem aumentado. A
caracterização da educação se dá por meio do "ensino" e do "aprendizado", sendo que seu
significado decorre da extração de algo potencial ou latente de uma pessoa, aperfeiçoando-a,
moral e mentalmente, a fim de torná-la suscetível a escolhas individuais e sociais. Preparando-a
para uma profissão, por meio de instrução sistemática e exercitando-a na formação de habilidades
(Mayer & Rodrigues, 2013).

Blaug (1975), assim como Schultz, busca mostrar os benefícios advindos da educação, tomando
como exemplo a variação nos rendimentos dos trabalhadores. Para ele, em todas as economias,
existem diferentes proporções de remunerações entre indivíduos da mesma idade com diferentes
níveis de escolaridade. Mesmo diante dos possíveis benefícios futuros advindos de um maior nível
de educação, é importante ressaltar seu custo para adquiri-la (Amorim, 2008).

Segundo Schultz (1964 citado por Amorim, 2008), esse custo é o custo de oportunidade, ou seja, o
custo de deixar de ser remunerado por um período de tempo, além do seu próprio custo com a
educação, para buscar novos conhecimentos e aumentar suas chances de obter melhores
resultados/rendimentos no futuro. Ainda é importante considerar que esse futuro é incerto, uma
vez que não se consegue obter precisão em sua previsão.
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Depreende-se que a educação é considerada de duas formas distintas: consumo, num primeiro
momento, pois, a curto prazo, sempre demandará gastos para sua execução; e investimento, num
segundo momento, devido à possibilidade de elevar as rendas futuras dos estudantes, resultando
em crescimento económico.

Diante disso, pode-se compreender a importância que o investimento em capital humano,


especificamente na educação, exerce sobre a actividade econômica. Melhorando seu nível de
produtividade, amenizando as discrepâncias salariais, reduzindo as desigualdades económicas e
impactando no sistema económico como um todo.

2.2 Procura e Oferta da Educação

A teoria do capital humano actua sobre a demanda da educação, evidenciando os aspectos de


investimento que rodeiam essa decisão. As pessoas optam por gastar em educação comparado o
valor presente dos custos deste investimento com o valor dos benefícios que surgirão no futuro.
Essa ideia surgiu no momento em que foi possível perceber que a economia não cresce somente
com capital e produtividade, mas precisa da participação do homem que executa suas actividades,
e esse por sua vez, necessita da educação para adquirir conhecimento

Esta teoria, defende que os indivíduos que fazem cálculos racionais de custo-benefício decidiam
buscar a educação pós-compulsória (não-obrigatória) porque poderiam obter benefícios
monetários futuros em decorrência desta escolha. A educação pós-compulsória deixou de ser vista
apenas como um bem de consumo (visão tradicional), mas também como um investimento.

A teoria do capital humano deu um novo tratamento, de tipo de análise de demanda, procurando
determinar, por exemplo a elasticidade-preço e a elasticidade-renda da demanda por educação. A
deficiência mais relevante desta teoria é a do descaso no tratamento dado à oferta da educação,
deficiência apontada por diversos economistas da educação, como Blaug (1992) e Vandenberghe
(1996), (Silva, 2018).

Entende-se que a teoria do capital humano deu pouca atenção a possíveis restrições e empecilhos
à oferta de educação, tais como: restrições infra-estruturais, tecnológicas, organizacionais ou
institucionais, problemas de coordenação, problemas de motivação etc. A discussão sobre a oferta
não ocupava mais do que uma posição marginal, acreditava-se que a demanda por educação seria
transformada, automaticamente, em capital humano desde que se atenuassem as restrições de
crédito.

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É em relação a oferta que Apple (1989, apud Silva, 2018), analisando minuciosamente a função
das instituições educacionais, enquanto aparelho ideológico do Estado, objectivando a
manutenção de relações de dominação e exploração, refere que a escola nos últimos anos tem sido
alvo de críticas por não exercer o carácter democrático e igualitário que se espera das instituições
educacionais. Muito pelo contrário, o que tem se evidenciado é a reprodução de uma ordem social
perversa no que diz respeito à classe, ao género e etnias através do seu currículo tanto o explícito
quanto o oculto. O autor enfatiza a importância “de se examinar a relação entre o processo escolar
e a manutenção dessas relações desiguais” (Silva, 2018).

Enquanto aparelho do Estado, as escolas desempenham funções importantes na viabilização de


condições para a acumulação de capital, organizando e seleccionando o corpo discente
hierarquicamente e para legitimação da desigualdade, sustentando a ideologia da meritocracia
(Apple, 1989 apud Andrade, 2010), ideologia esta abonada pela teoria do capital humano. Essas
duas funções exercidas pelas instituições educacionais, acumulação de capital e legitimação, são
contraditórias, e podem constantemente estar em conflito

Percebe-se, pois, que o educador é o legitimador do processo de reprodução das práticas


ideológicas dominantes no contexto escolar. O seu trabalho reforça a ordem já existente. E assim,
o sucesso de alguns indivíduos que por algum motivo conseguem se adaptar a esse modelo,
levando a pensar que errados são aqueles que não se adaptaram as tradições dominantes.

Nessa perspectiva, pode-se considerar que se a escola dá privilégios para determinados indivíduos
que já trazem em sua bagagem a cultura privilegiada. Santos (2018), vê na teoria do capital
humano duas questões importantes para a oferta da educação, primeiro a falha do discurso
meritocrático, ainda que o sujeito se esforce, sempre estará um passo atrás daqueles que possuem
o capital cultural privilegiado pela escola. Segundo ponto, essa pode ser a armadilha do
capitalismo na escola para manutenção da desigualdade, e aqueles poucos que de alguma forma
conseguem escapar da armadilha servem para legitimação do processo.

A partir dessa análise fica claro que a educação, parte integrante do estado, possui características
importantes para a criação de um consenso activo e por isso não considera adequado reduzir o
currículo só a interesses da classe dominante.

Ainda em relação a oferta da educação, Santos (2018), refere que a entrada do discurso do capital
humano no cenário educacional transformou o conhecimento em uma espécie de mercadoria de
troca e, cada vez mais, nos afastamos do carácter de transformação do ato educacional. Cada vez
menos encontramos nas universidades e outras instituições de educação, pessoas ávidas por

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conhecimento. Deparamo-nos, sim, todo o tempo, com consumidores de ideias académicas, que
enxergam o conhecimento como produto para consumo e não como uma nova forma de enxergar
o mundo.

A consequência tem sido a formação padronizada (imaginemos como uma linha de produção) de
intelectuais que se sentem senhores de determinado saber (afinal, são juridicamente garantidos
pelo diploma no qual investiram), aplicando métodos legitimados convencionalmente.
Observamos uma ávida busca por mais especializações, diplomas e certificados para produzir
sempre mais que outro e assim conseguir se manter no mercado de trabalho. Enquanto indivíduos
“se esforçam” para crescer cada vez mais individualmente, movidos pelo estímulo da
competitividade (Silva, 2018).

2.3 A Situação da Procura e Oferta da Educação sob a Perspectiva do Capital Humano em


Moçambique: Estudo de Caso

Na presente pesquisa apresentamos a situação da procura e oferta da educação, ressaltando os


pontos fortes e fracos, as oportunidades e as ameaças que o ambiente apresenta.

O estudo de Accioly (2017) descreve a demanda e oferta da educação em Moçambique fazendo a


ponte entre o período colonial até aos dias actuais. Nesta perspectiva, no período colonial a
educação assentava em princípios de descriminação entre europeus, assimilados e indígenas. Essa
filosofia de educação resultou numa fraca formação dos moçambicanos, devido a limitação do
acesso e conhecimento.

Depois da independência, o governo adoptou politicas para garantir o direito de todos os


moçambicanos à educação, donde resultou o alargamento do acesso às escolas, que passaram a se
geridas pelo Estado. Todavia, a guerra dos “16 anos” destruiu grande parte da rede escolar.

No entanto, ainda existem muitos desafios para o sector da educação. Embora existam vários
esforços e avanços significativos no nível de educação, ainda há mito por fazer. Um número
considerável de crianças ainda não tem acesso à escola, especialmente nas zonas rurais. O
desequilíbrio de acesso à educação entre campo e as zonas rurais é ainda preocupante.

Ao aspecto elencado anteriormente, adiciona-se a baixa qualidade de ensino essencialmente


motivada pela fraca qualificação pedagógica dos professores, condições precárias e inadequadas
para o ensino, salários baixos e constantes atrasos no seu pagamento, falta de motivação dos
professores para prosseguirem na carreira de ensino (Siva, 2018).

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Por outro lado a aprendizagem é afectada negativamente pela falta de alimentação e vestuário,
falta de material escolar adequado, falta de recursos financeiros, gestão deficiente, longas
distâncias entre a casa e a escola, a COVID-19 e outras condições básicas para aulas práticas.
Aliado a isso, o sistema de educação enfatiza pouco o saber fazer, a formação e ética. Os valores
transmitidos nem sempre correspondem à realidade cultural, social e local.

Este último aspecto, alinha-se a posição avançada por Aple e Humbane (2017 apud Silva, 2018),
segundo a qual em Moçambique a educação escolar espelha os interesses da classe dominante,
objectivando a manutenção de relações de dominação e exploração e não reflecte a realidade
sociocultural das comunidades em que está inserida. Neste sentido, Dias (2010) explica que uma
das causas do fracasso escolar e da baixa qualidade e eficiência em educação é a dissociação que
existe entre a cultura escolar e a cultura social.

Por ser relevante para a pesquisa, conhecer o ambiente educacional moçambicano, apresenta-se no
quadro a seguir, a análise FOFA (Fortaleza, Oportunidade, Fraqueza e Ameaça):

Fortaleza Oportunidade

Existência de uma população jovem que, Expansão da rede escolar;


quando potenciada por práticas de educação e
formação profissionais adequadas;
Valor atribuído a educação, que contribui para
Crescimento de número de instituições do nível
a constituição de capital humano permanente; superior;
Crescente número de instituições de formação Adopção de programas tendentes a incrementar
superior e de formação profissional; a formação de professores qualificados;
Valorização do currículo locais;
Implementação da educação à distância;
Vontade das comunidades para a educação;
Introdução do ensino bilingue;
Utilização das TIC’s.
Fraqueza Ameaça
Existência de crianças em idade escolar, sem Prevalência de pandemia e endemias graves que
acesso à escola; causam mortes na população;
Fraca rede escolar e poucas com condições Vulnerabilidades às calamidades naturais;
adequadas para o ensino;
Ausência de espaço no qual a massa crítica Conflitos armados em algumas regiões do país
emergente poderia ganhar maior expressão e são uma ameaça ao capital humano e a paz;
significado;
Alto índice de pobreza. Baixo desenvolvimento da economia, o que
reduz a capacidade de investimento na
educação;
Interesse da classe dominante no Sistema Sistema de ensino politizado e debilitado.
Educacional
Fonte: Autor, 2021.

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Conclusão

Ao analisarmos a procura e oferta da educação na pespectiva do capital humano é necessário olhar


o seu papel ideológico. É fundamental debruçar sobre o seu currículo e as interacções sociais que
nela ocorrem buscando respostas para questões como ele organiza nossos significados e acções,
suas sequências temporais e implicações interpessoais, sua integração como os processos da
acumulação de capital e com a legitimação de ideologias. E assim compreendermos sob quais
formas dominantes desenvolvem o controlo e o conflito. Consequentemente podemos dar
visibilidade à integração das intervenções do Estado e do controle do processo de trabalho no
quotidiano do cenário educacional.

Referencias Bibliográficas

Accioly, I. (2017). Economia Extractiva e Políticas Educacionais: educando para a dependência.


Conferência. Desafios da investigação social e económica em tempos de crise. IESE. Maputo.

Amorim, L. (2008). O Capital Humano no Contexto da Sociedade e do Conhecimento.


Dissertação de Mestrado (Economia da Educação). Universidade de La Empresa (UDE),

Andrade, R. (2010). Teoria do Capital Humano e a Qualidade da Educação nos Estados


Brasileiros. 75f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Economia) – Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.

Mayers & Rodrigues, F. (2013). A Influência do Capital Humano Sobre o Desenvolvimento


Econômico: um olhar sobre a educação. Revista de Administração do UNISAL, v. 3, n.3, p. 1-16.
ISSN 1806-5961

Santos, t. C. (2018). A Educação Como Formação de um Capital Humano. Revista discente da


UNIABEU. ISSN 2318-3985. V 6 N 11

Silva, S.; (2018). Capital Control Over Higher Education. In: LEHER; ACCIOLY (Orgs.).
Commodifying Education: Theoretical and Methodological Aspects of Financialization of
Education Policies in Brazil. Rotterdam: Sense Publishers.

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