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DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA DO IFPB | Nº 32

Teoria do capital humano, educação,


desenvolvimento econômico e suas
implicações na formação de professores

Antônio Cabral [1],Claudia Luciene de Melo Silva [2],Lamara Fabia Lucena Silva [3]
1
Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2,3 Instituto Federal de Ciência e Tecnológia da Paraíba; ..

RESUMO

A discussão proposta neste artigo parte do pressuposto de que a forma de estruturação das políticas apresentadas pelo
Estado, dentro de seu papel social, está relacionada diretamente a uma ideologia econômica que perpassa todos os níveis
e se justifica numa lógica de acumulação capitalista e desenvolvimento econômico. Pretende-se, também, apresentar uma
análise sobre como a ideologia, num contexto histórico dominante do empoderamento das forças e produtos, relaciona a
educação à economia, vinculando uma aos objetivos da outra. Para alcançar o pressuposto, este artigo está estruturado
em duas partes. Na primeira, será apresentada a teoria do capital humano em suas concepções gerais e, a segunda,
dispõe de uma contextualização sobre como a Teoria do Capital Humano (TCH), dentro de uma ideologia neoliberal, traz
implicações para a política de formação dos profissionais da educação através de diversos mecanismos.

Palavras-chave: Educação. Formação Docente. Desenvolvimento. Capital Humano.

ABSTRACT

The discussion proposed in this article starts from the assumption that the form of structuring of policies presented by the
State within its social role is directly related to an economic ideology that permeates all levels and is justified by a logic of
capitalist accumulation and economic development. It also intends to present an analysis of how ideology, in a dominant
historical context of the empowerment of forces and products, relates education to economics by linking one to the
objectives of the other. To achieve the assumption, the article is structured in two parts. In the first one the human capital
theory will be presented in its general conceptions and then it will have a contextualization about how the TCH, within
a neoliberal ideology, has implications for the education policy of education professionals through various mechanisms.

Keywords: Education. Teacher Training. Development. Human Capital.

1 Introdução no âmbito da esfera educacional, principalmente no


que diz respeito à América Latina.
A ideologia econômica de acumulação capitalista A Teoria do Capital Humano, em suas concepções
tem perpassado vários setores sociais e historicamen- gerais, favorece uma análise sobre como o papel da
te se consolida de diversas formas. Na esfera educa- Educação, dentro de uma perspectiva de interesses
cional, isso tem ocorrido principalmente através da neoliberais, traz implicações em relação às práticas
estruturação de políticas apresentadas pelo Estado. É educativas que consolidam a ideologia dominante
fundamental analisar em que medida a educação está para o desenvolvimento econômico e interfere na
sendo vinculada aos objetivos de forças produtivas política de formação dos profissionais da educação
e desenvolvimento econômico. A Teoria do Capital através de diversos mecanismos dentro do novo
Humano nos possibilita uma abordagem que permite cenário educacional, pautado nas mudanças sociais,
identificar alguns pontos de convergência entre o dis- tecnológicas e econômicas. Esta realidade aponta
curso neoliberal e o discurso acatado e consolidado para um contexto educativo no qual se deve trabalhar

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capital humano. Essa teoria teve impacto no então


a formação integral do indivíduo para novas relações denominado Terceiro Mundo e apareceu aqui como
com o saber, para o convívio com a diversidade – alternativa para reduzir as desigualdades sociais.
desenvolvendo competências e habilidades para o Dentro dessa perspectiva, Schultz (1973) deixa
trabalho –, para o respeito às diferenças e para as claro em sua teoria que, para ocorrer o crescimento
diversas realidades das instituições escolares. do capital humano, era preciso a iniciativa do poder
E, por fim, teremos algumas considerações público, detentor da autoridade necessária para pro-
críticas sobre o fato da utilização da educação mer- vocar um planejamento educacional que atendesse a
cantilizada para atender a interesses capitalistas. tais objetivos. Ele ainda acreditava que mesmo que
houvesse iniciativas privadas seriam em segunda
2 A Teoria do Capital Humano e o ordem, pois atenderiam a um público mais reduzido
Desenvolvimento Econômico e não estaria disponível a todos. Neste processo, os
professores assumem um papel central, como ‘peças
A teoria do capital humano tem origem desde as fundamentais’ para moldar, configurar e ajustar os
ideias desenvolvidas por economistas como Adam estudantes ao desenvolvimento econômico. Para
Smith (1776), na obra A Riqueza das Nações, e por isso, seria necessário atender aos princípios de
Alfred Marshall (1920), no livro “Os princípios eco- aprendizado, às teorias e à resolução de problemas.
nômicos do mais valioso investimento dos capitais, No Brasil, a partir da segunda metade do século
os seres humanos”, sendo melhor estruturada na XX, conforme os estudos apresentados por Shultz,
Escola de Chicago com os teóricos da economia Gary as políticas educacionais foram concebidas para o
Becker, Jacob Mincer e Theodore Schultz. modelo capitalista de educação, tendo na teoria do
Theodore Schultz, renomado professor da Escola capital humano o seu conceito básico. Uma impor-
de Chicago (1902-1998), foi quem cunhou a expres- tante constatação é a presença de modelos preesta-
são e expôs sua teoria na década de 1960. A nova belecidos para a educação nacional nos quais não há
ideia de capital compreenderia então as aptidões e referenciais humanísticos vinculados diretamente ao
habilidades pessoais, que podem ser características desenvolvimento e ao cuidado com o que é próprio
naturais intrínsecas da pessoa ou adquiridas no do educando como ser social e político, mas, sim,
decorrer do tempo. Isso levaria o indivíduo a auferir referenciais econômicos formulados por um ranking
vantagens e a tornar-se mais produtivo. de países organizados conforme o seu nível de de-
A teoria desenvolvida por Shultz dispõe de uma senvolvimento e domínio do conhecimento. Dessa
abordagem que nos permite identificar alguns pon- forma, a política econômica orientada pelo capital
tos de convergência entre o discurso neoliberal e o internacional produz a ideia de que a qualificação de
discurso acatado e consolidado no âmbito da esfera capital humano, a partir das instituições escolares,
educacional, principalmente no que diz respeito à era a garantia de ascensão social.
América Latina. O desenvolvimento econômico, de acordo com a
O termo capital humano afirmou que a melhoria TCH, pode ser definido como um processo histórico
do bem-estar dos menos favorecidos não dependia que ocorre em países adeptos ao capitalismo, sendo
da terra das máquinas ou da energia, mas prin- caracterizado pelo aumento da produtividade ou da
cipalmente do conhecimento. Essa teoria sugere renda por habitante, em que simultaneamente ocorre
considerar que todas as habilidades são inatas ou o processo de acumulação de capital e a introdução
adquiridas e devem ser aperfeiçoadas por meio de do processo de suporte técnico envolvendo alguns
ações específicas que levam ao enriquecimento do conceitos como, por exemplo, o da taxa de lucro, de
capital intelectual. Desta forma, cada pessoa seria investimento produtivo, de trabalho assalariado, de
capaz de aumentar seu conhecimento através de consumo, de inovação e de produtividade, que só
investimentos voltados à formação educacional e passaram a ser importantes a partir do capitalismo
profissional de cada indivíduo. Portanto, o aumento (BRESSER-PEREIRA, 2006).
do capital humano poderia representar as taxas de Os Indicadores de Desenvolvimento Econômico
produtividade do trabalhador, favorecendo o desen- se inserem neste processo de forma essencial e
volvimento de um país. comportam dados relacionados à qualidade de vida
Além de proporcionar o bem-estar individual, da população, por exemplo, a esperança de vida da
tal teoria também afirma que esse seria o caminho
para o desenvolvimento das nações: investir em

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população ao nascer, o acesso à moradia, à água po- é um conjunto de partes funcionalmente integradas
tável, entre outros, passam a ocupar um papel central na sua estrutura global. Nesse contexto, temos as
e vão definindo o nível de desenvolvimento ou não de Instituições como a família e a escola para garantir
determinados países. Existem ainda os indicadores a integração, a ordem e o progresso; o trabalho
que são diretamente relacionados à educação, como como fonte de toda riqueza; o Estado sendo o agente
a taxa de alfabetização e a quantidade média de anos socializador do consenso social e a divisão de classes.
na escola. Fazendo uma relação baseada nas teorias apre-
Esses dados tornam possível a análise das condi- sentadas, temos que o conceito de capital humano es-
ções de qualificação e, como consequência, oferecem taria aplicado nas análises macro e microeconômicas
a oportunidade dentro do mercado de trabalho para e se constitui um desdobramento da teoria neoclás-
as pessoas de determinado país. Embora seja óbvio sica do desenvolvimento econômico tanto no estágio
que as pessoas adquiram capacidades úteis e conhe- pré-capitalista como no fortalecimento da economia,
cimentos, não é obvio que essas capacidades e esses tendo a preocupação básica (macroeconômica) para
conhecimentos sejam uma forma de capital-produto analisar os nexos entre os avanços da educação e o
do investimento realizado. E ainda mais que esse desenvolvimento econômico de um país.
investimento tenha se desenvolvido no seio das so- Schultz reitera que os investimentos dos indiví-
ciedades ocidentais de maneira mais rápida do que o duos em si mesmos constituem penetrante influência
capital convencional. Para Shultz, tais investimentos sobre o crescimento econômico, e que o investimento
são responsáveis pela maior parte do impressionante básico no capital humano é a educação. Esta, então,
crescimento real dos trabalhadores. O ser humano passa a ocupar um papel central do capital humano,
é considerado como parte integrante da riqueza das sendo concebida como produtora da capacidade de
nações e investem em si mesmo. trabalho e como potencializadora do fator humano;
é, assim, um investimento. De acordo com a espe-
cificidade e complexidade da ocupação, o conjunto
O mero pensamento de investimento em de habilidades pode variar. Assim, a educação passa
seres humanos é ofensivo a alguns dentre nós. a ser um dos fatores para explicar as diferenças da
Nossos valores e nossas crenças nos inibem de capacidade de trabalho e as diferenças da produtivi-
olhar para os seres humanos como bens de ca- dade e renda, bem como de mobilidade social, sob o
pital, à exceção da escravatura, e abominamos ponto de vista microeconômico.
esta realidade. Tratar os seres humanos como Portanto, o conceito de capital humano busca
riqueza que pode ser ampliada como investi- traduzir o investimento que uma nação ou os indiví-
mento, parece que seria reduzir o homem, mais duos fazem para obter retornos futuros. Do ponto de
uma vez, a um mero componente material, a vista macroeconômico, investir no fator humano sig-
alguma coisa afim com a propriedade material. nifica determinante básico para superação do atraso
E para o homem, olhar-se a si mesmo como econômico e para o aumento da produtividade.
um bem de capital, ainda que isso não ponha A relação aconteceria da seguinte forma: um
em perigo sua liberdade, pode parecer um acréscimo marginal de escolaridade corresponderia
achincalhamento feito a si próprio. (SCHULTZ, a um acréscimo marginal de produtividade; a renda
1973, p. 33). é função da produtividade − uma dada produtividade
marginal corresponde a uma renda marginal; a
Conforme Frigotto (1993), as teses bases do educação é um eficiente instrumento de distribuição
Capital Humano e seus desdobramentos enquanto de renda e de equalização social; o cálculo da rentabi-
teoria econômica marginalista são aplicados à educa- lidade estaria vinculado à diferença da renda provável
ção. O caráter circular das abordagens econômicas das pessoas que se escolarizaram e das outras que
da educação, na perspectiva do capital humano, é não o fizeram.
baseado no caráter positivista das teorias econômi- A Teoria do CH que vincula educação e desen-
cas que a fundamentam e se constituem numa forma volvimento, distribuição de renda e que se configura
de visão burguesa. O que se aprende na escola e o como teoria do desenvolvimento não se desvia da
que é funcional no mundo do trabalho e da produção. função de defesa das relações sociais de produção
Para a corrente positivista, séc. XVII e XIX,
conforme August Comte e Durkheim, a sociedade

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nos moldes da burguesia. Esse fato favorece o des- dades inatas e, por isso, seus sucessos e/ou fracassos
locamento do campo macro para o microeconômico. seriam oriundos de questões próprias a cada indiví-
Enfim, para esses autores, a escola é um aspecto duo.
da reprodução da divisão capitalista do trabalho. “A Nota-se, porém, que inerente à necessidade
organização da escola, em seus principais aspectos, é de uma formação plural, contextualizada com as
uma réplica das relações de dominações e submissão necessidades dos indivíduos e da atualidade, expres-
da esfera econômica”. As concepções ora apresen- sa e veiculada pelas diretrizes de formação inicial
tadas são ainda contestadas sob a ótica de que as e continuada dos docentes, está o fato de que as
relações capitalistas de produção não determinam políticas educacionais têm em seu cerne a ideologia
total domínio sobre o homem e que esse não é deter- neoliberal, que intensifica as desigualdades sociais,
ministicamente passivo. Esse contraponto expressa educacionais e econômicas, reitera Brzezinski (2014),
uma limitação à lógica capitalista. sobretudo, por incutir a ideia de que a não ascensão
social se refere a um aspecto individual, particular do
3 Novos cenários para a formação sujeito. Ressalta-se que a ideologia aqui citada reflete
docente: contextualização e reflexões a a concepção marxista de instrumento de dominação
partir da TCH de classe, cuja origem resulta na divisão da sociedade
em classes contraditórias e em luta (CHAUÍ, 2001)
O novo cenário educacional, pautado nas mu- Assim, a centralidade da ideologia neoliberal
danças sociais, tecnológicas, econômicas, em novos nas políticas de formação docente acaba por colocar
conhecimentos e diferentes abordagens metodoló- a educação e, consequentemente, a formação de
gicas aponta para um contexto educativo que deve seus profissionais a serviço das leis do mercado e de
trabalhar a formação integral do indivíduo para novas todas as consequências que esta regulação implica,
relações com o saber, para o convívio com a diver- especificamente: preparar indivíduos apenas para
sidade, desenvolvendo competências e habilidades atender às demandas do mercado de trabalho, do
para o trabalho, para o respeito às diferenças e para consumismo, da competitividade, e, também, apre-
as diversas realidades das instituições escolares. sentar à escola enquanto espaço de oportunidades,
As proposituras das Diretrizes Nacionais para a tanto de promoção social quanto de democratização,
Formação Inicial e Continuada dos Profissionais do ofuscando a subordinação da educação aos inte-
Magistério (DOURADO et al., 2015) indicam que a resses e dominação capitalistas. Nesse contexto, a
docência enquanto espaço educativo deve envolver Educação passaria a explicar as diferenças existentes
conhecimentos específicos, interdisciplinares e entre as capacidades individuais para o trabalho e as
pedagógicos, conceitos, princípios e objetivos da diferenças na produtividade e na renda (FRIGOTTO,
formação, que desenvolvam a socialização do conhe- 1993).
cimento, em diálogo com as diversidades de visões Convém lembrar que os documentos que regem
de mundo. Além disso, que toda ação pedagógica, a Educação – a exemplo da garantida de Base
projetos e cursos de formação precisam estar con- Comum Nacional das Diretrizes Nacionais para
textualizados com as características dos sujeitos com Formação Inicial e Continuada de Profissionais do
os quais se desenvolverá o trabalho pedagógico, e Magistério de Educação Básica – defendem a edu-
possibilitar reflexão sobre as relações entre a vida, o cação como processo emancipatório e permanente,
conhecimento, a cultura, o profissional do magistério, pelo reconhecimento da especificidade do trabalho
o estudante e a instituição (CNE/CP 2/2015, apud docente que conduz a prática pedagógica a partir
DOURADO et al., 2015). da unidade teoria e prática e também pela exigência
Portanto, é válido salientar que o desen- do reconhecimento da realidade dos ambientes das
volvimento de habilidades faz parte do discurso da instituições educativas da educação básica (CNE/CP
Teoria do Capital Humano difundida por Scultz na 2/2012 apud DOURADO et al., 2015, p. 24).
década de 1960. A referida concepção defende que Nesse sentido, as instituições educativas e
toda habilidade é inata, podendo ser aperfeiçoada a docentes foram impelidas a mudar, visto que atuar
partir do investimento no capital intelectual e através nesse novo modelo de Educação perpassa trabalhar
da formação educacional e profissional, considerando não só com a inteligência, mas também com ques-
que o motivo que definiria a posição social de cada tões sociais, afetivas, físicas e culturais. Logo, o pro-
membro da sociedade seria seu conjunto de capaci-

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cesso de desenvolvimento profissional foi chamado docente seria fundamental a fim de promover o
a atualizar-se em prol das diversas demandas que desenvolvimento do cidadão, educador e educando,
se impõem, o que não tem sido fácil para docentes, nos moldes da lógica capitalista.
sejam recém-saídos das universidades ou com vários Frigotto (1993) reitera que a forma como a es-
anos de experiência. Sacristán (1999) sinaliza que o cola está organizada reflete as lógicas da dominação
debate em torno da docência se caracteriza como capitalista. Esta formação deveria estar voltada
um dos polos de mais referência na Educação, objeto para as diretrizes das políticas de formação inicial e
obrigatório de investigação educativa e parte funda- continuada dos professores que preveem perceber
mental nos processos de reforma. e formar o indivíduo em sua integralidade e para
De certo que tal fato também já está posto por uma atuação crítica e participativa na sociedade.
Dourado et al. (2015, p. 24) quando fala na Base No entanto, todo foco concentra-se no exercício das
Comum Nacional das Diretrizes Nacionais para funções do trabalhador no mundo contemporâneo.
Formação Inicial e Continuada dos Profissionais do Consequentemente, o capital humano se configura
Magistério e aponta a necessidade de se conduzir enquanto fator de desenvolvimento econômico e de
os egressos desses cursos a um desenvolvimento ascensão social.
profissional por meio de uma visão ampla do pro- Pode-se dizer que a escolaridade seria o meio de
cesso formativo que priorize, entre outros aspectos, inserção desse indivíduo no mercado de trabalho e
dimensões psicossociais, histórico-culturais, afetivas, que as políticas de formação dos profissionais, nesse
relacionais e interativas que cruzam a ação pedagógi- contexto, vislumbram formar professores que se ade-
ca, contribuindo para o trabalho coletivo e interdisci- quem às rápidas mudanças no mundo do trabalho. As
plinar, a inovação, a liderança e a autonomia. diversas modificações no modo de produção capita-
Percebe-se, assim, que as demandas para a lista suscitaram novas exigências para o trabalhador,
formação docente supracitadas requerem qualifi- entre estas, a necessidade de adaptar-se ao incerto,
cação profissional e estão no âmbito das políticas ao fluído, a flexibilidade. Para Aguiar (2012, p. 28):
de formação; no entanto, intercruzam-se com as
concepções da Teoria do Capital Humano, pois, O ideário hegemonico redefine a TCH na
embora sejam atribuídas enquanto responsabilidades medida em que articula educação e emprega-
do Estado de promover meios para sua efetivação, bilidade. Na perspectiva do capital prevalece a
enfatizam a capacidade e investimento individual de compreensão de que o paradigma da produção
cada profissional como o fator determinante para capitalista exige novos perfis profissionais e
tornar o indivíduo promissor ou não, em termos de modelos de formação. Perfis e modelos que
rendimentos, por concentrar suas perspectivas nas possibilitem uma qualificação profissional poli-
habilidades humanas inatas. valente e flexível.
A este aspecto, Brzezinski (2014) aponta que nas
últimas duas décadas, no que se refere à definição Dessa forma, a educação mais uma vez é
e ao desenvolvimento de políticas de formação de submetida à centralidade das políticas públicas, pois
profissionais da educação, o governo optou por configura-se solução para resolver problemas de
políticas e programas emergenciais, desarticulados ordem social e econômica, a saber: exclusão social
do Ministério da Educação, ignorando a relevância de e desemprego. Sugere adaptar indivíduos a atuar em
um controle social sistemático. A autora reforça a ine- novos tempos em que são exigidos novos valores,
xistência de uma política de formação e valorização novas habilidades. O professor deve então ser forma-
dos profissionais da educação que esteja articulada do para educar para essa nova sociedade, como bem
com a qualidade social dos processos formativos. define as diretrizes para formação inicial e continuada
A referida teoria (TCH) ressalta a concepção de para profissionais do magistério.
que o investimento profissional individual enquanto Dourado et al. (2015), nas Diretrizes Nacionais
capital humano é sempre produzido e resultante dos para a Formação Inicial e Continuada dos Profissionais
investimentos em educação. Assim, traz em seu bojo do Magistério, deixa claro que, diante das diferentes
a perspectiva mercadológica de que a educação deve visões e estudos, de todas as discussões e pesquisas,
trabalhar em prol da mão de obra qualificada para o a formação docente necessita ser repensada. Disso
modo de produção capitalista. Para tanto, a formação não se tem dúvida: basta observar a prática docente
para perceber o vazio e o distanciamento entre a

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teoria e a prática, as dificuldades de lidar com o novo, conhecimento que gera a capacidade para o trabalho.
consigo e com o outro e as diversas consequências Dentro desse processo de mudanças que acontecem
desses fatos para o processo de ensino e de aprendi- no mundo do trabalho, ocorre também a redefinição
zagem. Portanto, “Não há ensino de qualidade, nem do papel do Estado, que passa a atender, de forma
reforma educativa, nem inovação pedagógica, sem cada vez mais restrita, aos direitos sociais e destina-
uma adequada formação de professores” (NÓVOA, -se cada vez mais aos interesses econômicos.
1995 apud MILANO, 2009 p. 39). Principalmente, uma Concebe-se, porém, que a Teoria do Capital
formação que não atenda a dominação capitalista. Humano não surge como proposta de colaborar com
A este fato, soma-se os limites com os quais o o desenvolvimento social, no sentido de favorecer
capitalismo se depara: preparar para a sociedade mudanças nas estruturas e colaborar com uma so-
globalizada o indivíduo pensado apenas para atender ciedade mais igual e justa, objetiva apenas atender
às demandas do mercado. Este processo tem feito ao apelo econômico de amenizar a pobreza e, para
emergir as consequências de não formar o cidadão tanto, enaltece o desenvolvimento individual como
para uma sociedade justa e igualitária: exclusão meio para que o desenvolvimento econômico acon-
social, competitividade, intolerância à diversidade, teça. Implícito a esse conceito, a formação docente é
violências. fortemente influenciada pela ideologia neoliberal, que
Imprescindível ainda lembrar que a ideologia ne- mercantiliza a educação e torna o professor colabo-
oliberal não atua totalmente imune a contestações e rador do domínio capitalista vigente.
não é, totalmente, aceita. Segundo Brzezinski (2014,
p. 1245), embora as políticas públicas sejam hegemô- REFERÊNCIAS
nicas, as imposições neoliberais são superadas em
alguns momentos históricos e são decorrentes das AGUIAR, Letícia Carneiro. Formação docente,
tensões de certas conquistas do movimento contra política curricular e a reedição da teoria do capi-
hegemônico, “materializado em manifestações e tal humano no Brasil. 2012. Disponível em: <http://
ações dos sujeitos sociais coletivos na luta por um periodicos.ufes.br/educacao/article/view/5372>.
Estado que assuma a ‘democratização’ da sociedade Acesso em: 25 mai 2016.
como um valor universal”.
Já Frigoto (1993), em relação à concepção da es- BANCO MUNDIAL; CONFEDERAÇÃO NACIO-
cola como uma réplica das relações de dominações, NAL DA INDÚSTRIA. Conhecimento e inovação
pela forma como está organizada, como é pensada, para a competitividade. Brasília, 2008.
reforça que essas ideias são ainda contestadas sob
a ótica na qual as relações capitalistas de produção BRZEZINSKI, Iria. Sujeitos Sociais Coletivos e a
não determinam total domínio sobre o homem e política de formação inicial e continuada emergencial
que esse não é deterministicamente passivo. Esse de professores: contradições vs conciliações. Educ.
contraponto expressa mais uma limitação à lógica Soc, Campinas, v. 35, n. 129, p. 1241-1259, out./dez.
capitalista. Brzezinski (2014) reitera que, diante do 2014.
projeto neoliberal, os educadores contrapõem-se à
cultura gerencialista que é seguida pela educação do BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopo-
país, porém tal atitude advém dos que defendem a lista: a degradação do trabalho no século XX. Rio de
educação pública, gratuita, laica, igual para todos os janeiro: Zahar, 1977.
brasileiros e para todos os segmentos e modalidades.
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. A reforma do
estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle.
4 Considerações finais
Lua Nova, n. 45, p. 49-96, 1998.
A cultura gerencial na educação, por meio
da regulação de políticas que possuem origem na CABRAL NETO, Antônio; OLIVEIRA, Dalila
emergência de uma nova economia global, aponta o Andrade; VIEIRA, Lívia Fraga (Orgs). Trabalho
conhecimento como elemento central de vantagem Docente: desafios no cotidiano da Educação Básica.
para um país. Portanto, a educação como principal Campinas/São Paulo: Mercado de Letras, 2013.
capital humano deve produzir habilidades, propor-
cionar o desenvolvimento das ações e transmitir o

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da educação: o que os planejadores devem saber.
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JOÃO PESSOA, Dezembro 2016 41

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