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© 2010 by Janine Marta Coelho Rodrigues e Eric Spencer

Gerente Editorial: Alan Kardec Pereira


Editor: Waldir Pedro
Revisão Gramatical: Lucíola Medeiros Brasil
Capa e Projeto Gráfico: 2ébom Design
Capa: Eduardo Cardoso Diagramação: Flávio Lecorny

Este livro foi revisado por duplo parecer, mas a editora tem a política de reservar a privacidade.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

R611c
Rodrigues, Janine Marta Coelho
A criança autista: um estudo psicopedagogico/Janine Marta Coelho Rodrigues, Eric Spencer - 2 ed.
Rio de Janeiro: Wak Editora, 2015.
132p.: 21cm

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7854-113-2

1. Crianças autistas - Educação. 2. Autismo. 3. Psicologia educacional. 4. Educação especial. I. Spencer,


II. Título.

10-3577. CDD 371.94 CDU 376.43

2015

Direitos desta edição reservados à Wak Editora


Proibida a reprodução total e parcial.

WAK EDITORA

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Aos profissionais que buscam na seriedade do estudo, na
curiosidade acadêmica e na singeleza da pesquisa caminhos
para compreender os problemas, dividir as preocupações e
socializar os resultados.
Agradecemos a todos aqueles que colaboraram com a
pesquisa e com os relatos aqui apresentados.
PRIMEIRAS PALAVRAS
SEGUNDAS PALAVRAS
1 – INTRODUZINDO A DISCUSSÃO
2 – COMPREENDENDO O AUTISMO

2.1 – Construindo uma caracterização


2.2 – A importância da observação individual para organização de elementos para
uma intervenção pedagógica
2.3 – Etiologias

2.3.1 – A Teoria Psicodinâmica


2.3.2 – A Teoria Genética
2.3.3 – A Teoria Orgânica
3 – ALGUNS CASOS ILUSTRATIVOS
4 – PROGNÓSTICOS

5 – AUTISMO E OUTRAS SÍNDROMES


6 – MODELOS DE ATENDIMENTO
6.1 – Educação Especial: construindo uma educação inclusiva
7 – INTERVENÇÕES PSICOPEDAGÓGICAS NO TRABALHO COM O AUTISTA
7.1 – TEACCH
7.2 – ABA – Análise Aplicada do Comportamento
7.3 – Sistema de comunicação por meio da troca de figuras

7.4 – Son-Rise
7.5 – Ambientes estruturantes
8 – TERAPIA DE LINGUAGEM
9 – PSICOTERAPIA E AUTISMO
10 – TRATAMENTO MEDICAMENTOSO
11 – ESTUDO DE CASO NO CONTEXTO DAS PRÁTICAS PSICOPEDAGÓGICAS

CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
O presente estudo objetiva proporcionar àqueles pais e
profissionais que lidam com o autista a oportunidade de conhecer
algumas experiências, relatos e sugestões de atividades que
certamente orientarão de forma sistematizada, o atendimento
especializado do indivíduo autista.
As pesquisas teóricas, os depoimentos colhidos e as
experiências vividas foram aqui relatados com o mais possível
rigor.
Esperamos, com esta publicação, estimular outros estudos e
pesquisas sobre um tema ainda pouco estudado e de tão complexas
discussões.
Suponho que o sucesso da primeira edição deste singelo livro,
que esgotou-se em tempo surpresa, deu-se pelo fato de que os
temas foram aqui tratados com rigor científico, mas de modo
descomplicado, com palavras simples e precisas que ajudaram
pais e profissionais a entender melhor as questões do Autismo.
Esta segunda edição revisada em alguns pontos reafirma aqui
nosso compromisso pessoal e profissional com aqueles que
precisam ser acolhidos, para serem compreendidos e
adequadamente atendidos.
Atualizamos alguns índices, revisamos alguns assuntos e
introduzimos uma rápida apresentação de métodos que, na edição
anterior, não foram tratados.
Esperamos com esta nova edição estar contribuindo para a
discussão do tema Autismo. Tema complexo, difícil de ser
entendido e explicado. Contudo, temos a certeza de que antes de
discutir níveis, denominações, causas do Autismo, melhor será
interagir com os considerados autistas, conviver com eles,
vislumbrando sempre as potencialidades que precisam ser
reveladas e as capacidades que precisam ser desenvolvidas.
A questão sobre o tema do Autismo permeia o discurso da
Educação Especial Inclusiva, quando se propõe a valorização do
ser humano portador de deficiência. Tal discurso é gerado à luz de
princípios universais, ancorados nos direitos humanos difundidos
na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na Convenção
Sobre os Direitos da Criança.
O Autismo bem como outras síndromes e deficiências ainda
são cercados por atitudes de discriminação e preconceito que
envolvem o desconhecido e a desinformação. Neste sentido, o
pesquisador ou o estudioso do Autismo tem como compromisso
primeiro desvendar um imenso espaço do conhecimento sobre o
Autismo e dar a conhecer, caminhando em vagarosos e atenciosos
passos, ultrapassando quadros estreitados por um diagnóstico,
descrevendo o universo do autista como tal, desenvolvendo
estudos e divulgando achados compreendidos nas interações das
especificidades de cada sujeito autista que se estuda.
Levar em conta o meio circundante do contexto sociofamiliar
em que o autista vive e em quais condições é educado conduz o
pesquisador a duas atividades: a primeira consiste em indagar e a
segunda em transformar. O propósito deste estudo é levar os
leitores a se questionarem, refletirem e, consequentemente,
transformarem-se, mudarem de atitude em relação ao autista.
A síndrome do Autismo é um distúrbio do desenvolvimento,
embora os sintomas tornem-se mais evidentes aos três anos de
idade. A pessoa autista apresenta dificuldades de compreensão
dos significados atribuídos, não se sabe se seu pensamento é do
tipo puramente figurativo, sem conservações, o que lhes dificulta
a possibilidade de realizar algumas habilidades que impliquem
mudanças. Mas percebemos que, na elaboração do pensamento,
as crianças autistas não utilizam a reversibilidade lógica ou
fazem evocações mentais. São capazes de refazer por imitação
inicialmente e, mais tarde, por transformação, quando se
trabalham precocemente o espaço, a casualidade e a
generalização em suas ações. Daí os pais e os professores não
experimentarem pedir à criança autista que relate o que fez, por
exemplo. Parece que, por ele não haver desenvolvido a capacidade
de ordenamento, de organização e, assim, a evocação de cenas, de
situações que supõem a construção e a reconstrução de esquemas
reversíveis apresentam muitas dificuldades de serem adquiridas.
Explica-se, então, a necessidade do autista em estabelecer
rotinas quanto à sua comunicação e às reações comportamentais.
O distanciamento das relações, uma eventual agressividade
quando seu ambiente é modificado, as condutas de birra e a difícil
participação nas atividades de interação social para nós,
estudiosos do Autismo, são tentativas diferentes de se comunicar
com a realidade social.
A proposta desta pesquisa foi conhecer a Psicopatologia
autística e a pessoa portadora da síndrome, identificando
particularidades no comportamento (uma fixação, gosto,
habilidade, limitações), que indicassem possibilidades, que
poderiam vir a se tornar canais de comunicação.
O estudo tenta apontar caminhos para ajudar a pessoa autista
e sua família por meio de práticas psicopedagógicas capazes de
reduzir os problemas e modificar o comportamento autístico para
uma conduta mais autônoma com base em teorias científicas de
estudiosos que, há muito, vêm estudando e pesquisando o
Autismo, como Rivière (1999, p. 286), quando diz: “Desenvolver ao
máximo suas potencialidades e competências, favorecer um
equilíbrio pessoal o mais harmonioso possível, fomentar o bem-
estar emocional e aproximar as crianças autistas do mundo
humano de relações significativas”.
Assim como Rivière, pensamos que a criança autista tem os
mesmos direitos e precisa das mesmas oportunidades para
educar-se como uma criança considerada normal.
Os primeiros estudos sobre o Autismo foram iniciados pelo
psiquiatra Leo Kanner, em 1943, quando estudou um grupo de
crianças com características clínicas específicas, que assumiam
comportamentos diferentes daqueles já conhecidos pela literatura
das síndromes psiquiátricas.
Foram 11 casos estudados desde os primeiros meses de vida da
criança e descritos, em 1943, em um artigo sobre um quadro
descritivo intitulado “Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo”.
Este trabalho apresentava casos de 11 crianças com faixa etária
entre dois anos e meio e oito anos onde ele distinguiu as mesmas
características clínicas. Mais tarde, apresentando mais 38 casos,
publica o “Tratado de Psiquiatria Infantil”, edição de 1950. O
aspecto mais marcante nos estudos iniciais de Kanner descrevia
uma anormalidade inata no comportamento social, “o isolamento
ou o afastamento social”, que denominou retraimento autístico,
notável desde os primeiros períodos do desenvolvimento.
Prosseguindo nos estudos sobre os distúrbios decorrentes desse
estado patológico, Kanner, em 1949, refere-se ao quadro com o
nome de Autismo Infantil Precoce, evidenciando sérias
dificuldades de contato com as pessoas, ideia fixa em manter os
objetos e as situações sem variá-los, fisionomia inteligente,
alterações na linguagem do tipo inversão pronominal,
neologismos e metáforas. A contínua análise dos problemas leva
Kanner a acreditar que o Autismo devesse ser separado da
Esquizofrenia Infantil, embora continuasse colocando o Autismo
Infantil no grupo das psicoses infantis até o fim de seus trabalhos.
Durante o processo de pesquisa, ressalta a importância da
verificação do Autismo como sintoma primário, afastando o
distúrbio autístico de outros quadros orgânicos (Afasia Sensorial
Congênita) e psíquicos (Demência de Heller). Com o passar dos
anos, observa diferenças na evolução dos casos estudados e propõe
que pesquisas bioquímicas poderiam abrir novos caminhos no
estudo do Autismo Infantil. Em 1956, há uma reestruturação da
concepção quanto à idade de aparecimento das características.
Kanner e Eisenberg constatam que a síndrome pode apresentar-
se após um desenvolvimento supostamente normal. Os valiosos
trabalhos de Kanner foram complementados pelas investigações
de Chapman, B. Rimbaud, Bettelheim, Ajuriaguerra, Diatkine,
Spitz, L. Bender, entre outros.
Entre Leo Kanner e Eugene Bleuler, um psiquiatra da época,
que também se preocupava com a explicação destes casos,
provocou-se uma divergência que dividiu a comunidade científica,
causando uma dificuldade em diferenciar claramente os
diagnósticos de Esquizofrenia Infantil, Psicose Infantil e Autismo.
Kanner admite no Autismo uma “inaptidão” em estabelecer
relações socias normais com as pessoas e em reagir diante de
situações da realidade. Já Bleuler propõe uma “ausência da
realidade”, com visível ênfase à vida interior, e,
consequentemente, impedimento ou impossibilidade de
comunicar-se com o mundo externo, demonstrando atos de um
proceder muito reservado. Para Bleuler, o autista mergulha
ativamente no seu imaginário. Kanner discorda e sugere uma
falta de imaginação.
Encontramos na literatura alguns conceitos sobre Autismo,
visto ora como um transtorno orgânico resultante de uma
patologia de sistema nervoso central e, por isso, compreende
implicações neurobiológicas, neurofisiológicas e neuroanatômicas,
ora como uma doença incapacitante e crônica que provoca sérios
comprometimentos no campo cognitivo, no desenvolvimento da
motilidade e da linguagem, apresentando deficit ou alterações na
codificação e na decodificação dos significados das palavras, ora,
ainda, como um impedimento neurofuncional que não permite ao
seu portador o desenvolvimento funcional eficaz no processo de
comunicação. São distúrbios que variam desde um mutismo
(silêncio voluntário) até a ecolalia, a inversão pronominal e os
neologismos. Os estudiosos também evidenciam perturbações
quanto ao comportamento social. Alguns deles afirmam que
alguns autistas até chegam a manter um contato social, porém
demonstram uma forma de relacionamento bastante subjetiva,
talvez até atípica aos padrões normais de relacionamento.
Percebemos em nossas observações no campo de estudo que
alguns autistas podem fixar-se apenas em uma parte do corpo ou
em um detalhe da roupa de quem se aproxima dele. Expressam
gestos repetitivos e um conjunto variado de manias, acendem e
apagam uma lâmpada continuamente, fazem questão de colocar
um objeto sempre na mesma posição, frequentemente apelam
para movimentos com as mãos antes de pegar em um material
qualquer ou mesmo na ausência deste. Existem outros traços
marcantes, resultados de descrições clínicas mais recentes, como
tipos de afetos inadequados, como, por exemplo, dificuldade de
perceber intenções e de externar os sentimentos, distúrbios do
sono (insônia precoce) e da alimentação, problemas digestivos nos
primeiros meses do nascimento, anomalias congênitas e
hiporrespostas ou hiper-respostas aos estímulos sensoriais, como
analisaremos em detalhes mais adiante.
A aparência física dos autistas, a princípio, não expõe a
dimensão exata da gravidade do problema, cujos sintomas iniciais
surgem antes dos dois anos e seis meses de nascimento do bebê.
Em geral, são crianças de traços singelos e de feições bonitas. O
diagnóstico depende de uma combinação de vários critérios
determinados. No DS – IV, é preciso estabelecer critérios (seis
itens em cada grupo de avaliação: interação social, comunicação e
comportamento) para diagnóstico. Já circula, entre os
profissionais interessados, o DSM–V, com componentes mais
sintetizados de informações, objetivando agilizar o diagnóstico.
Para viabilizar um atendimento mais eficaz, sugerimos trabalhar
com os dois. A prevalência varia em uma taxa de dois a cinco
casos por 10.000 crianças nascidas vivas. Se forem consideradas
algumas características do retardo mental severo semelhantes ao
Autismo, a taxa sobe para 20 casos por 10.000 nascidos. É mais
comum em crianças do sexo masculino, e a proporção atinge de
três a cinco vezes mais meninos do que meninas. Nas meninas
autistas, a manifestação da síndrome é mais intensa quando
comparada aos meninos autistas, isto se deve a questões de
ordem genética. Segundo dados da literatura psiquiátrica, cerca
de 70% a 80% dos autistas possuem comprometimento
intelectual.

2.1 – Construindo uma caracterização

Na literatura pesquisada (veja o item Referências no final do


estudo), o diagnóstico do autista é elaborado a partir de alguns
parâmetros: a classificação Internacional de Doenças da
Organização Mundial de Saúde, CID-10, na décima versão, e o
Manual de Diagnóstico e Estatística de Doenças Mentais da
Academia Americana de Psiquiatria, DSM-IV. No Reino Unido,
utiliza-se o CHAT (Checklist de Autismo em Bebês, desenvolvido
por Baron-Cohen, Allen e Gilberg).
As características observadas na síndrome do Autismo variam
na forma de exteriorização dos desvios de relações interpessoais,
linguagem, motricidade, percepção e patologias associadas ao
distúrbio. A intensidade destes desvios, os estados mais
determinantes, também é diversificada. As alterações do
comportamento social são marcadas pela acentuada inaptidão de
desenvolver relações com outras pessoas, pois os autistas
preferem permanecer isolados do grupo social. Investigações
recentes confirmam que as relações dos autistas com os objetos
inanimados seguem um entendimento incomum ou se apegam em
demasia ou os abandonam.
Existe em alguns autistas um comportamento obsessivo
expressado pela fixação de parte de um brinquedo ou partes do
corpo de alguém que está próximo, como, por exemplo, no contato
com pessoas, interessa-se em uma parte do pé, da mão, cheira o
cabelo, e, por vezes, é atraído por algum detalhe do vestuário.
Por sua vez, os pais nos relatam que, nos primeiros anos de
vida do bebê autista, percebem um atraso de expressão facial,
direcionamento de atividades, e constatam certa passividade do
bebê (bebê hipotônico). A mãe de L, autista, sexo masculino, hoje
com 12 anos, nos relata que sempre percebeu que, em seu colo, L
ficava rígido, e não tinha nem seis meses de vida, e parecia que
não gostava de ser pego (sic). Já o pai de J, hoje com cinco anos,
diz que sempre via que o filho era diferente das outras crianças,
ficava sempre inquieto, afastado e movia o corpo para frente e
para trás, abrindo e fechando as mãos (sic). A mãe de L lembra
que seu filho nunca deu os braços para ser carregado (sic).
A ausência do comportamento que represente dor, perigo e
medo nas crianças autistas é despercebida. O desenvolvimento
emocional é confuso, surgem sorrisos inesperados. Parecem ter
uma capacidade restrita para exprimir afetos e entender emoções.
Certa vez, no momento da recreação, G. de O. L., um
adolescente autista, de 17 anos, sem razão notável para os
profissionais que o observaram, corre velozmente pelo pátio,
passa por um espaço estreito do portão entreaberto, atravessa a
rua e vai parar dentro de uma casa próxima à escola, de onde
fugiu. Para ele, inexistem a noção de perigo, o sentido do
acontecimento e as consequências.
Jogos lúdicos de socialização não os atraem, quase não
participam de atividades para desenvolver amizades e brincar em
grupo, somente quando estimulados, sendo um tipo de
envolvimento rápido e desordenado.
Todos estes desvios de comportamento precisam ter
considerações, caso a caso, individuais, afinal, o universo clínico
de cada indivíduo é diversificado, no entanto um fator comum é o
surgimento dos sintomas na primeira infância, e é importante
salientar a probabilidade de diminuição dos sintomas,
principalmente quando a criança autista, logo cedo, é inserida em
um ambiente que propicie a estimulação da interação social.
Quando a pessoa autista permanece muito tempo em um espaço
social limitado, convivendo exclusivamente com as pessoas da
família, sem uma estimulação psicopedagógica adequada, seu
comportamento pode apresentar comprometimentos bem mais
complicados referentes às manias, aos movimentos ritualísticos, à
excitação emocional, aproximando-se de possíveis reações
agressivas e regressivas.
Em relação à capacidade de comunicações verbais e não
verbais, acontecem alguns desvios marcados por distúrbios da
comunicação: atrasos de aquisição da linguagem, afasia,
distúrbios articulatórios, desvio fonológico, gagueira, disfonia,
perdas auditivas, disartria, distúrbio de leitura e escrita.
Alguns autistas não desenvolvem a fala por implicações na
compreensão dos códigos linguísticos e demonstram retardo na
apreensão da linguagem e, ainda, notáveis desvios qualitativos no
processo de expressão e recepção de ideias. Isto os impede de
fazer uma leitura de mundo que possam compreender os
significados das representações, criando obstáculos de
comunicação na vida diária. O entendimento funcional que
acontece normalmente na comunicação entre emissor da fala e
receptor da mensagem é no Autismo muito limitado e patológico,
caracterizado por uma feição estereotipada na fala, que consiste
na repetição imediata ou retardada de frases e palavras ditas
anteriormente, e chama-se esse desvio de ecolalia. Apresentamos
alguns casos que são ilustrativos, como a extensão peculiar dos
problemas na área da linguagem, em relação à repetição de
expressões sem nenhum sentido, de uma criança autista que
parecia satisfazer-se em emitir, de forma descontrolada, palavras
do tipo “dália”, “vinhatrombeta”, “negócios”, “o direito sim”, “o
esquerdo não”, que são expressões ditas sem conexão lógica e
mostram a especificidade da natureza do problema. Presenciamos
casos em que falam seu próprio nome: Paulo... Lopau... Paulo...
Lopau... Como se ecoasse seu próprio nome, repetindo-o de trás
para frente continuamente, até ser estimulado para outras
situações.
As inversões pronominais, problemas relativos à utilização do
pronome “tu” em situações que pedem o uso do pronome “eu”, ou
repetir J pinte, J pinte ou J quer água? J quer água? Isto
denuncia uma desorganização parcial, às vezes total, do seu
reconhecimento como pessoa e como ser dotado de personalidade
própria. No primeiro caso estudado por Leo Kanner, o garoto
Donald T., quando queria tomar banho, perguntava: “Você quer
tomar banho?”. Eventualmente, usam neologismos, inventam
sons de modulação variável, têm uma comunicação inexpressiva,
supostamente desprovida de emoção, e demonstram uma maneira
particular de falar as palavras (idiossincrasia).
O autista S, sexo masculino, com 11 anos, quando
encaminhado para o banho, repetia continuamente: “S vai tomar
banho, vai, S vai tomar banho, vai...” E continua repetindo a
frase, mesmo depois do banho, até que se desenvolva com ele
outra atividade.
Em outro caso analisado, de J. N., 13 anos, sexo masculino,
percebia-se que emitia um som vocal de baixo nível, com razoável
entoação harmoniosa enquanto pintava formas geométricas
traçadas na folha de cartolina.
A capacidade de simbolização é comprometida, e as atividades
de natureza abstrata possivelmente não darão nenhum resultado
caso sejam aplicadas na terapia pedagógica. Uma criança em
condições normais anima as coisas inanimadas, pois cria
personagens, histórias e conversas, dando vida aos bonecos, aos
carrinhos e aos demais objetos sem demonstrar alguma fixação.
Quanto à comunicação não verbal, motivada pelos gestos e
pelas mímicas, vemos que, no Autismo, é restrita, até em
momentos nos quais a criança autista sente necessidades
orgânicas (sede, fome) e não pede nem aponta para o que pode
atendê-la. Na maioria dessas circunstâncias, a criança faz uso da
mão, do punho ou do antebraço da pessoa mais próxima, usando a
pessoa como ferramenta.
A despedida gestual indicada pelo aceno de mão talvez seja
retribuída apenas como imitação, pois é difícil classificar que tal
gesto seja intencional. Mas, sempre, enfatizamos que é necessário
observar o contexto sociofamiliar de cada caso, pois não há uma
regra fixa. Salientamos que cada criança, como qualquer outra
criança, é mais ou menos desenvolvida de acordo com o meio, os
estímulos e a atenção que recebe. Com o autista, isso não é
diferente.
Em uma escola da capital, onde algumas observações foram
feitas, encontramos um aluno autista condicionado a apertar a
mão das pessoas, porém o detalhe pouco comum é que, ao largar a
mão da pessoa, olhava para essa parte do seu corpo, levando-a ao
nariz como se quisesse inalar algo. Os estímulos feitos na escola e
no ambiente familiar a partir de solicitações simples, como pegar
um brinquedo localizado à sua frente, no lado esquerdo, direito,
embaixo da mesa, em compartimentos da estante, são maneiras
de trabalhar favoravelmente na extinção desses comportamentos.
Alguns comportamentos dos autistas seguem uma rotina que,
quando quebrada, torna-se um problema para a família, os
professores ou os técnicos que lidam com eles. Como referência a
essa questão, apresentamos o caso de G. de O. L. que,
diariamente, ao passar pela sala dos professores, para defronte a
uma cadeira colocada no canto esquerdo da sala e pega nela,
deslocando-a a uma curta distância. O movimento que faz
arrastando a cadeira é rápido, acompanhado por um sorriso
discreto. Quando a cadeira não está lá, ele fica parado à espera
que alguém a coloque para realizar o movimento.
Nota-se, nos autistas, uma demonstração de resistência às
mudanças no ambiente. Querer sentar na mesma cadeira durante
as refeições, beber em um único copo, comer no mesmo prato, não
tolerar visitas, repetir os percursos de caminhos, passando por
locais sempre idênticos, até o ponto de interferir nos hábitos das
pessoas com que convive, para manter suas práticas repetitivas e
rotineiras quase imutáveis, são rotinas para eles, mas, muitas
vezes, constituem problemas para a família que precisa de ajuda
para resolvê-los.
A exemplo disso, a mãe de L nos diz que, no dia da faxina,
quando a faxineira chega, ela passa o dia fora com a criança, pois
já aconteceu que, quando as coisas, os móveis, as cortinas e os
tapetes começaram a sair do lugar, a criança entrou em crise por
estressar-se com a “desarrumação” da casa para a limpeza. As
mudanças podem provocar reações agressivas ou de imobilidade.
As experiências vivenciadas demonstraram que, durante a
realização de uma atividade pedagógica, de repente, um
adolescente autista sentou na cadeira, ficou inerte e deixou de
reagir. Intencionalmente, a professora buscou um brinquedo, e a
aproximação deste, que usualmente parecia despertar sua
atenção, fez com que ele reagisse e voltasse à atividade com o
brinquedo entre as mãos.
É comum grande parte dos autistas conseguir progredir na
interpretação da linguagem verbal e insistir na elaboração de
perguntas que esperam respostas precisas e parecidas com as
respostas dadas anteriormente. Neste sentido, a preparação
daquele profissional que lida com o autista deve, inclusive,
caminhar para estar atento ao que irá responder, pois há a
memorização das respostas e, quando as mesmas perguntas são
feitas, eles esperam as mesmas respostas. Perguntas
estereotipadas relativas às datas históricas, aos personagens da
literatura, da política, das artes, aos números de edições de
revistas, aos horários, aos itinerários, à sequência de filmes são
questões que, às vezes, até surpreendem quem lida com eles, pois
nem percebeu as situações sobre as quais está sendo interrogado.
Nas atividades de encaixe com peças de plástico, os autistas
rotineiramente as encaixam sem variações de posição e cor,
exceto quando o educador intervém, encorajando o aluno autista a
modificar aquilo que realiza.
Os autistas podem também desenvolver no cotidiano
temporárias fixações por assuntos e caracteres específicos,
tonalidade de instrumento musical, formas diversas de corpos no
espaço.
O mundo interior do autista apresenta à realidade externa as
distorcidas e inesperadas representações do pensamento. Podem
aparecer nos desenhos, por exemplo, traços curtos e uniformes,
círculos, garatujas, demasiada valorização por temas subjetivos e
reações compulsivas momentâneas.
Na literatura pesquisada, encontramos casos como esse: A mãe
de Frederick W., de seis anos de idade, relatara que o menino,
quando conduzido ao consultório do psiquiatra no Harriet Lane
Home, em 27 de maio de 1942, sentou-se no sofá emitindo sons
incompreensíveis quando, abruptamente, se deitou exibindo um
escandaloso sorriso.
Dando continuidade, conforme informações contidas nos casos
estudados e publicados por Leo Kanner e equipe, havia o de
Bárbara K, recebida no Johns Hopkins Hospital, em fevereiro de
1942, que evidenciara em uma das avaliações caligrafia legível,
desenhava homem, casa, gato sentado com seis pernas,
máquinas, porém eram desenhos desprovidos de imaginação,
rabiscava palavras do tipo: laranjas, bananas, panelas, suco de
melancia, uvas; era comum que as palavras se precipitassem
umas sobre as outras e, obviamente, ficavam confusas ao
entendimento coerente.
Frequentemente demonstram apego excessivo por objetos,
associando-os a atitudes sem valor simbólico, impróprias para o
nível de idade cronológica. Podem, por exemplo, cheirar o
material que está sob sua posse, encostá-lo na boca, jogá-lo com
força em qualquer direção ou guardá-lo por tempo indeterminado.
E típico serem atraídos por coisas em movimento, principalmente
rotativos, como ventiladores, água, rodinhas dos carrinhos de
brinquedo, objetos diversos que giram e rolam.
Registramos as atividades de E. D. S., do sexo masculino, com
12 anos, que, quando vê uma torneira, desperta o impulso de se
aproximar, abrir a torneira e mergulhar as mãos na água, admira
o acontecimento durante minutos e, às vezes, é preciso chamar
sua atenção, pois o barulho da água, o movimento do fluido
contínuo derramando sobre ele ou alguma coisa que colocou
embaixo da água parece o fascinar.
Outro autista como J, do sexo masculino, com 10 anos, enrola
e desenrola uma mangueira de jardim, inúmeras vezes, até abrir
a torneira e ficar sentado, molhando-se, mesmo se estiver
chovendo. A família nos relata que, muitas vezes, é preciso
desligar a torneira geral de entrada de água da residência para
conseguir tirá-lo do jardim.
Autistas dão provas de que são detentores de uma notável
memória operacional: memória associada à reprodução de atos
ligados a trabalhos elaborados em circunstâncias passadas, à
execução de procedimentos relativos a exercícios escolares, às
listas de nomes, aos trechos de poemas e aos números. Estudos
comprovam que as informações armazenadas não serão
analisadas e, dificilmente, reestruturadas.
“Na memorização imediata, os autistas utilizam pouco a
estratégia de codificação semântica ainda que a codificação
acústica seja relativamente boa”. (LEBOYER, 2003, v.4, p.148)
J. N. lembra-se dos passos e das movimentações dados durante
o exercício de música aplicado meses anteriores ao dia em que
reproduziu os mesmos movimentos ritmados do corpo ao escutar
outro gênero musical.
Outra criança autista, também realizando uma atividade
gráfica com um bastão de giz de cera, geralmente utilizava cores,
como azul escuro e verde. Ouvíamos que cantava durante a
atividade uma música de propaganda, que caracterizava uma
soletração, de uma loja de calçados para crianças da cidade.
Parece ser comum entre os autistas que existe um
considerável comprometimento nos movimentos das mãos, dos
membros inferiores, do tronco e no jeito de sentar, ficar de pé,
caminhar. Executam manobras estranhas e complexas com as
mãos antes de pegarem objetos ou quando os seguram. É
característico caminhar na ponta dos pés e, repentinamente, dar
saltos. Alguns inclinam o corpo para os lados, para frente,
balançam a cabeça no ar ou giram em torno de si mesmos. Estes
movimentos não são caracterizados como deslocamentos físicos
voluntários. Daí a importância de estudar e planejar os exercícios
pedagógicos direcionados ao autista e, depois, avaliar o
desempenho dos indivíduos quando envolvidos nestas atividades.
Os transtornos na motilidade (capacidade de mover-se) podem
aparecer de modo contínuo em um horário regular do dia ou
possuírem uma frequência variada no dia e até chegarem a
desaparecer. As causas são atribuídas a disfunções na fisiologia do
sistema vestibular, responsável pelo equilíbrio e pela estabilidade
do globo ocular e “por modelar as entradas sensoriais e a
excitação motora”. (LEBOYER, 2003, p.136)
De acordo com o entendimento de Leboyer, a idade de início
dos sintomas faz parte integrante dos critérios de diagnóstico do
Autismo. Michael Rutter, Gauderer e demais teóricos também
admitem que a idade de surgimento dos sintomas é uma
característica clínica fundamental para o diagnóstico. Nota-se que
o começo dos sintomas no Autismo é desenvolvido antes dos dois
anos e seis meses (30 meses) de idade.
Ornitz e Ritvo (2001) descrevem características resultantes de
estudos sensoriais e do desenvolvimento, que objetivam contribuir
para o esclarecimento da evolução do Autismo ao longo da
história, desde sua descoberta até tempos posteriores.
Comumente, dependendo da intensidade das instigações
geradas no ambiente, o autista gira a cabeça com movimentos
rápidos e balança o corpo para os lados. Isto evidencia um tipo de
defesa orgânica diante das dificuldades de compreensão sensorial.
Constatam-se irregularidades no ritmo normal do
desenvolvimento motor, social e cognitivo. O retardo é típico
nessas três dimensões da formação humana.
Conforme pesquisas sobre a insônia no Autismo, são
observadas insônias agitadas acompanhadas por excitação motora
(contração muscular, movimentações repentinas de braços e
pernas). Interrupções no sono implicam uma diminuição do tempo
de sono, a criança acorda e pode ficar passiva ou agitada.
Estudos apontam a existência de perturbações digestivas,
como diarreia ou redução do número de evacuações, por causa de
uma retenção anormalmente prolongada das fezes no intestino,
verificadas com frequência no decorrer dos primeiros meses. A
literatura estudada informa que, após o sexto mês de vida, o bebê
autista tende a rejeitar a ingestão de alimentos sólidos, dando
preferência a alimentos pastosos.
De acordo com as informações pormenorizadas escritas pelos
pais de Donald. T., caso estudado por Leo Kanner, a criança fora
amamentada com alimentação suplementar até o oitavo mês e
acometida por periódicas mudanças de dieta. O relatório dos pais
afirmava que comer foi sempre um problema para ele.

2.2 – A importância da observação individual para


organização de elementos para uma intervenção
pedagógica

Enfatizamos aqui que, antes de se estabelecer um diagnóstico,


a estimulação, o carinho e a atenção voltada à criança autista,
para que se desenvolva, interaja e sinta-se parte daquela família
e daquele grupo, são mais importantes do que lhe chamar
portadora disso ou daquilo. Neste estudo, a discussão sobre
diagnóstico foi utilizada muito mais como um parâmetro para
estudar, planejar e desenvolver atividades pedagógicas capazes de
ajudar os autistas do que para rotulá-los.
Salientamos, então, a importância em considerar a dimensão
social na singularidade da criança autista. É essencialmente
mobilizadora, pois o grau de desenvolvimento do autista está
diretamente ligado às questões de estimulação, atendimento
especializado e conhecimento adequado de como lidar com as
situações do seu cotidiano. Tais questões, certamente, implicam
as condições econômicas e culturais da família de cada um.
Os desdobramentos das interfaces no social e no cultural estão
também fundamentados na Psicologia e na psicodinâmica do
atendimento aos autistas nos dias atuais. Ao falarmos do social,
do econômico e do cultural, estamos falando também da escola,
que, em sua função educadora e socializadora, precisa responder a
um ideal de educação que traga consigo a melhoria do
desenvolvimento e das condições de trabalho que possa oferecer a
esta demanda. Com base nestas considerações, estudamos alguns
comprometimentos associados que os autistas podem apresentar,
apontando, desde já, que as incursões na literatura apontam que
os casos devem ser individualmente analisados.
A criança autista não está livre do aparecimento de patologias
associadas e, por isso, quem trabalha com ela deve conhecer e
acompanhar esses problemas associados inseridos no diagnóstico.
O retardo mental, os desvios de desenvolvimento da linguagem,
os desvios de comportamento observados conforme a idade
cronológica, mental e verbal bem e as condições psiquiátricas que
possam afetar o comportamento fazem parte do conjunto de
sintomas verificados no Autismo.

a) Retardo Mental

Apesar da ideia de que os autistas têm retardo mental, é


necessário diferenciar os comportamentos do autista e do
deficiente mental, diagnosticando-os conforme a especificidade de
cada caso. A criança, o adolescente e o adulto com retardo mental
podem externar características próprias do transtorno autista,
mas não, necessariamente, apresentar o diagnóstico de autismo,
afinal, são os critérios de diagnóstico aplicados individualmente
que determinarão o estado geral da personalidade do paciente.
Uma diferença visível é a capacidade do deficiente mental em
buscar aproximações com as outras pessoas para estabelecer
relações de conversação, o que dificilmente acontece com pessoas
autistas, salvo um número reduzido de autistas que possuem
níveis intelectuais e de desenvolvimento da linguagem receptiva e
expressiva elevados, que, ainda assim, mantêm o
desenvolvimento social irregular. Crianças mentalmente
retardadas assumem um comportamento homogêneo de retardo,
enquanto, nos autistas, as reações e as aprendizagens são muitas
vezes inesperadas, mas se percebem também uma descrição mais
heterogênea, respostas comportamentais precoces, estagnação do
desenvolvimento. Gilberg (2005), por exemplo, aponta o caso de
uma menina de quatro anos e meio com transtorno autista que
podia ler. Assim não há inflexibilidade nas afirmativas, como
sempre destacamos, são casos diferentes que implicam famílias e
estímulos diferentes.

b) Esquizofrenia

A história familiar é um critério frequentemente aceito em


pacientes esquizofrênicos, e a literatura também é associada a
pessoas de baixo nível socioeconômico. Infelizmente, nem sempre,
a genealogia do autista é analisada e, segundo Kanner, os
resultados intelectuais dos esquizofrênicos no período da infância
não são deficitários, registram-se distúrbios comportamentais e
transtornos do pensamento. Por outro lado, é identificado nos
autistas de QI baixo um estado comportamental mais parecido
com aqueles que têm retardo mental grave. Os autistas de QI
elevado têm como traço de diferença a ausência de alucinações e
delírios.
Um dos aspectos relevantes de diferenciação seria a idade na
qual aparecem os sintomas. No transtorno autista, aparecem
antes dos 36 meses, já nas manifestações típicas da
Esquizofrenia, começam durante ou após a puberdade, e é muito
raro surgir em crianças com menos de cinco anos. No Autismo, a
relação entre os sexos (M/F) tende a acometer os meninos (3 –
4/1), com uma incidência de duas a cinco crianças afetadas em
cada 10.000, enquanto os dados relativos à Esquizofrenia são bem
diferentes, há uma incidência provavelmente inferior a 1/1000, a
uma razão entre os sexos de 1,67/1, com leve predomínio em
homens. Existem algumas descrições muito pontuais, em torno da
possibilidade de que Esquizofrenia e Autismo poderiam ocorrer
sobrepostos, por haver relatos de tais combinações raras e
semelhanças comportamentais momentâneas, como o referido
caso descrito por Ornitz e Ritvo (apud LIPPI, 1987). Um garoto
de quatro anos exibe todas as características de Autismo (atraso
no desenvolvimento, distúrbio na modulação da percepção, no
comportamento, na linguagem e na motilidade). Analisado
novamente pela equipe aos nove anos de idade, perguntaram-lhe
por que se balançava e punha as mãos em frente ao rosto, ao que
respondeu: “O chão está vindo em minha direção”; “As paredes
estão se movendo para dentro e para fora”.

c) Deficiências Sensoriais (Surdez e Cegueira)

A ausente ou limitada quantidade de respostas aos estímulos


auditivos leva a pensar sobre o possível diagnóstico de surdez na
criança autista. Há sinais de reação a sons intensos por parte da
criança autista, e, ainda, exames indicam perda significativa de
audição. Percebemos em autistas alguns comportamentos
extremamente ansiosos que são impulsos reativos a sons bruscos
e repentinos ou à música muito alta. Em contrapartida, as
crianças autistas podem também reagir a sons de menor
intensidade e responder a sons fracos e músicas. No geral, as
respostas positivas nos contínuos trabalhos lúdicos com música
sempre aparecem com espaços de investigação. Se a criança tiver
surdez congênita, desenvolverá algum comportamento
semelhante a um traço autístico (estereotipias, caráter
introvertido, resistência à mudança), que vai sendo modificado à
medida que aprende a se comunicar socialmente. Também, nas
crianças com cegueira, são vistos comportamentos semelhantes às
expressões autísticas. Quando desenvolve a capacidade de
autonomia em locomoção, orientação e mobilidade, é comum que
a criança cega realize movimentos de braços e gesticulação da
mão em frente da face. Mas, as diferenças vão ficando nítidas
quando se percebe o interesse da criança deficiente visual, ao
procurar interação normal com pessoas e objetos no ambiente,
quando desenvolve um comportamento afetivo e interativo.

d) Distúrbios de Desenvolvimento da Linguagem

Não é fácil distinguir crianças autistas de crianças portadoras


de Distúrbios do Desenvolvimento da Linguagem Receptivo-
Expressiva. Alguns critérios são fundamentais na observação. As
crianças com transtornos da linguagem são capazes de utilizar a
comunicação não verbal para estabelecer relações no convívio
social e desenvolvem brincadeiras com jogos imaginativos,
demonstram interesse na participação e coerência nas conversas.
Ao contrário das crianças autistas, mesmo aquelas capazes de
falar, possuem um padrão de uso funcional da linguagem com
características específicas, como ecolalia retardada, frases
estereotipadas fora do contexto lógico de conversação, emitem
sons de tonalidade alta e baixa inesperadamente.

e) Privação Psicossocial

Graves transtornos no ambiente físico e emocional causam


marcas profundas, às vezes, irremediáveis no desenvolvimento da
personalidade de uma criança. Falta de interação afetiva com
adultos, privação materna, escassez de estímulos sensoriais,
vestibulares e cinestésicos, carência de proteção, contato físico,
reciprocidade de sentimentos, durante longos períodos de
hospitalizações ou por desestruturação familiar, podem gerar
atrasos na criança, talvez distúrbios na aquisição e no
desenvolvimento da linguagem e nas habilidades motoras,
alterações no curso dos relacionamentos como apatia ou
isolamento. A diferença fundamental nestas crianças é o avanço
progressivo quando inseridas em um ambiente harmonioso e rico
em estímulos, o que não ocorre com os autistas que levam mais
tempo para responder aos estímulos e às reações ao ambiente.

2.3 – Etiologias

Alguns estudiosos atribuem as causas do Autismo às


anormalidades orgânicas, neurológicas e biológicas que descrevem
várias patologias manifestadas em associação com o Autismo nas
fases pré-natais, perinatais e neonatais, fatores genéticos,
achados neuroanatômicos e achados bioquímicos.
Outros autores apontam fatores de origem psicogênica,
bastante discutidos nas primeiras décadas, desde o descobrimento
do Autismo por volta de 1940. Esses fatores parecem refutados
como etiologia preponderante do Autismo, conforme afirma
Gauderer (1992): “... esta teoria caiu totalmente em desuso,
devido à enorme gama de estudos científicos, documentado um
comprometimento orgânico neurológico central”.
Estudaremos, a seguir, algumas teorias que apontam as
causas do nascimento de uma criança autista na tentativa de
melhor estudar didaticamente e compreender como se originam.

2.3.1 – A Teoria Psicodinâmica

Ainda na década de 40, Kanner identifica fatores comuns às


famílias dos 11 primeiros pacientes por ele analisados: autistas
oriundos de famílias com padrão socioeconômico elevado, pais com
nível de inteligência superior à média, obsessivos, dedicados a
assuntos de teor abstrato, pouco afetuosos e emotivos e
introvertidos. A partir destes grupos, Kanner elaborou três
hipóteses: a primeira enfatiza fundamentos de natureza
psicogênica, os pais possuem uma estrutura psíquica patológica
que pode provocar o nascimento de filhos com condições
autísticas; a segunda sugere dois tipos de autismo: o orgânico,
ligado a patologias neurológicas, e o anorgânico, que destaca
fatores psicogênicos; por fim, a terceira hipótese defendida por
Kanner, em 1955, traz no bojo a possibilidade de um acidente
orgânico inato e de estresse psicogênico.
Surgiram, a partir daí, estudos que apresentaram uma gama
de novas hipóteses: ou argumentavam que o nascimento de um
autista seria provocado por possíveis situações de estresse no
ambiente familiar, ou a criança autista nasceria das patologias
psiquiátricas nos pais. E, ainda, estudos de caráter sociológico
relacionaram o nível de rendimento intelectual à classe social
elevada dos pais, o que levou Kanner a organizar uma estatística
das famílias dos autistas, destacando o padrão socioeconômico
alto.
Apesar de os argumentos dessas teorias não consolidarem os
fatores psicogênicos como causa maior do Autismo, é válido
sempre correlacionar situações do cotidiano do autista ao
repertório de reações diferentes desprendidas repentinamente e
com frequência.

2.3.2 – A Teoria Genética

Destaca-se, nesta teoria, a importância do estudo das famílias


dos autistas. Foram estudados os riscos nos grupos familiares de
nascerem filhos da mesma família com Autismo. Primos, irmãos,
irmãos gêmeos, sobrinhos, familiares em diferentes graus de
parentesco entre membros afetados pelo Autismo.
Quanto à metodologia do estudo de famílias, Roubertoux (apud
LEBOYER, 2003), durante a década de 80, aponta para o
aumento do risco de desenvolvimento do Autismo entre irmãos e
irmãs de autistas. Tratando-se dos estudos com gêmeos, os dados
revelam que a concordância para o Autismo em gêmeos
monozigóticos (gêmeos idênticos univitelinos) varia de 36% a
90%, e, em gêmeos dizigóticos (gêmeos não idênticos afetados), a
concordância é nula ou baixa. Quando são consideradas as
anormalidades cognitivas e sociais, o nível de concordância
aumenta para 92% entre os monozigóticos e 10% entre os
dizigóticos.
A Equação Biológica (Fenótipo = Genótipo + ambiente) pode
nos ajudar a examinar possibilidades de haver alterações
patológicas no genótipo e da influência de complicações exógenas
(apneia perinatal, nascimento retardado, convulsões neonatais) de
natureza não genética responsável por lesões cerebrais. Afinal,
vêm sendo descritos fenótipos diversificados que podem resultar
da soma determinada pela equação biológica: Autismos de
autofuncionamento no qual o indivíduo consegue um desempenho
normal ou acima da média em uma área de conhecimento
específica e em um inesperado momento de sua vida, autistas
apresentando ausência de comunicação verbal, com grande
habilidade nos desenhos, e autistas com sérios comprometimentos
na sociabilidade, porém possuem a fala funcional e a inteligência
normal. Enfim, são variados e bem notáveis os traços ligados ao
fenótipo, todavia, ainda, há muita contestação concernente ao
modelo genético. No contexto atual, são sugeridos indícios
comprovados da presença de uma transmissão heterogênea de
componentes genéticos no Autismo, uma interação entre
múltiplos genes lesados em certos cromossomos. Deste modo, é
aceita a existência de três a mais de dez genes relacionados com o
Autismo. Genes de desenvolvimento relacionados ao sistema
nervoso central, genes do sistema serotoninérgico e de demais
sistemas de regulação das funções neurais, identificados em
pacientes autistas, têm aberto significativos caminhos de estudo
nessa área.

2.3.3 – A Teoria Orgânica

Pesquisas vêm revelando a importância de se investigar a


influência das lesões neurológicas na alteração do
desenvolvimento do sistema nervoso central.
Um dado útil em nível de confrontação teórica reporta-se à
amplitude do conjunto de doenças orgânicas relacionadas não
apenas às condições neurológicas mas também às anormalidades
metabólicas, hereditárias e às infecções virais neonatais
constituídas em momentos distintos de formação do bebê. No
período pré-natal, as ocorrências patológicas mais frequentes são
a rubéola congênita e as hemorragias do primeiro trimestre.
Complicações perinatais são bastante evidentes, com um
quantitativo mais relevante nos casos de síndrome de Aflição
Respiratória e Baixo Apgar, além de outras patologias
manifestadas nos três primeiros anos de vida, a exemplo da
Fenilcetonúria, Esclerose Tuberosa e Convulsões apresentadas
sem tanta frequência, somando-se ainda ao aparecimento de
patologias posteriores à primeira infância. Em estudo recente, foi
identificado um aumento no volume cerebral dos autistas entre 8
e 12 anos de idade, mas não naqueles com mais de 12 anos.
Foram observados anormalidades no lobo temporal, região do
cérebro que, quando afetada, ocasiona modificações nos
comportamentos motor e social; perda de interesse e dificuldade
no reconhecimento de pessoas próximas e fatos do cotidiano;
problemas de dispersão no iniciar, continuar e concluir uma
atividade; e comportamento motor repetitivo. Em cerebelos
estudados, observou-se a diminuição de células de Purkinje, o que
tende a originar transtornos de atenção, excitação motora e
processos sensoriais anormais. São identificadas anormalidades
eletroencefalográficas (EEG) em 13% a 83% das crianças
autistas, entretanto, em métodos distintos de obtenção e
interpretação dos exames, em diferentes critérios usados para o
diagnóstico clínico, por existirem patologias associadas, identifica-
se uma variabilidade em relação aos resultados desses trabalhos
científicos, afirmando-se apenas indicações de falha de
lateralização cerebral.
Um dos achados mais consistentes está atribuído às vias
serotoninérgicas. A serotonina, neurotransmissor que atua nos
processos fisiológicos do organismo, quando apresentada em
níveis normais, regula o sono, controla a temperatura do corpo, a
dor, a agressividade e o comportamento sexual e, em condições
patológicas, provoca perturbação na modulação de estados
afetivos, retardo mental e hiperatividade. Cerca de um terço dos
pacientes autistas tem elevação da taxa de serotonina plasmática.
Os resultados das pesquisas sugerem que as elevadas taxas de
serotonina em autistas não são constantes e nem sequer todos são
hiperserotoninêmicos. Aproximadamente, 30% estão classificados
no subgrupo de serotonina elevada, supondo inclusive a
possibilidade de uma heterogeneidade clínica de casos patológicos
em crianças e adolescentes tanto na Neurologia quanto na
Psiquiatria no que concerne às pesquisas neurobiológicas.
M. J. T.

Naturalidade: João Pessoa/PB. Internada desde 1990, foi


trazida por uma ativista dos Direitos Humanos, após denúncia
dos vizinhos de que a mesma vivia trancada em um quarto há 10
anos. Vivia com o irmão, também portador de transtornos
mentais, e encontrava-se em estado de desnutrição. Segundo
registro de internação, “paciente com deficit intelectual, humor
instável, desorientada no tempo e no espaço, risos imotivados,
atitude pueril, deambulação excessiva, descuido pessoal, rapport
prejudicado”. Apresentava também um quadro de mutismo,
tricolomania e enurese.
Quadro atual: conserva o mutismo. Dá mostras de entender o
que se fala, já estabelece laços e participa das atividades,
demonstrando interesse, segundo suas limitações. Ainda
apresenta o sintoma maníaco (tricotilomania) com frequência
bem menor. Faz sua própria higiene. Vai para as atividades
voluntariamente, realiza algumas tarefas da vida diária (como
lavar copos, limpar mesas e cadeiras, guardar os materiais
utilizados nas atividades).
Sono e apetite são preservados. Recebe visitas esporádicas do
irmão, onde ambos permanecem calados, sem comunicação.

“Pequeno”

Internado desde l995. Não se tem conhecimento de dados


pessoais. Foi trazido ao hospital pela Polícia. Consta no registro
de internação que encontrava-se na rua despido, em estado de
agitação psicomotora. Apresenta também mutismo, o gestual é
limitado a acenos de cabeça, e a aproximação ou o afastamento
das pessoas ocorre segundo suas necessidades: aproxima-se
quando quer solicitar algo (comida, roupa etc.) e afasta-se quando
não necessita de cuidados. Não aceita a medicação que lhe é
ministrada e, portanto, ela é diluída na comida. Raramente toma
banho sem ajuda. Algumas vezes, resiste ao banho. Permanece a
maior parte do tempo na enfermaria. Costuma guardar pequenos
objetos, sem valor aparente, retirados do lixo, os quais conserva
com zelo. Não apresenta evolução do seu quadro psicopatológico e
apresenta crises convulsivas.

L. T. L.

Hoje, com 12 anos, desde muito pequeno, relata a mãe, parecia


que não gostava de ninguém. Não olhava as pessoas, não gostava
de beijo ou de abraço. Chorava quando ouvia sons muito alto,
principalmente no carro. Ficava agitado. Conduz sempre na mão
direita ou debaixo do braço direito um tecido azul, que torce e
estica como se passasse a ferro. Fala sozinho, diz palavras soltas
ou que ouviu há pouco tempo. Não responde verbalmente, mas é
capaz de ir ao banheiro com supervisão, beber água e realizar
pequenas atividades domésticas como pegar objetos quando
solicitado ou abrir e fechar portas.

J. M. de S.

Menino com cinco anos. A família só soube do diagnóstico de


autista quando ele tinha quatro anos. Apesar de ser um bebê
arredio e sem linguagem, a família nunca esperou que fosse tão
grave (sic). Pensavam que ele era diferente, mas que, com o
crescimento e com a convivência com os outros irmãos,
melhorasse. Tem constantes crises de agressividade, se
autoagride, chegando a se machucar. A mãe é que cuida e leva-o
para escola. Ele estuda em uma escola particular e,
contrariamente ao que se esperava, fica na escola sem problemas.
Parece gostar do ambiente colorido e dos brinquedos. Atualmente
frequenta sessões de Fonoaudiologia, mas responde pouco à
estimulação. Embora tenha uma boa coordenação motora, não é
sempre que realiza as atividades solicitadas.
No acompanhamento dos prognósticos, é importante refletir
sobre a situação crônica e a probabilidade de acontecer variação
discreta ou mais intensa nas características previsíveis à síndrome
no decorrer da vida do autista. A maioria atinge a velhice, porém
conserva os problemas básicos de desvio na linguagem e no
comportamento (rotinas e manias), além de problemas
secundários, como transtornos de personalidade, afetivos, sociais e
catatonia. Percebe-se que alguns comportamentos vão surgindo e
outros desaparecendo na trajetória de vida do autista.
A literatura demonstra que o nível mental e a estimulação
precoce, combinados com o desenvolvimento das habilidades de
comunicação por volta dos cinco aos sete anos de idade, são fatores
bastante positivos para os melhores prognósticos.
Mesmo havendo desenvolvimento da linguagem funcional, é
provável que aconteçam anormalidades no uso da linguagem e na
ação de se expressar com as palavras.
Fala monótona sem modulações, fala em staccato (emitida com
intervalos), linguagem que substitui o significado compreensível
de uma palavra por outras palavras com significado incomum; nos
adolescentes, a linguagem é constituída por questões obsessivas,
quase sempre associadas a preocupações momentâneas.
O entendimento do valor funcional e da aplicabilidade de cada
símbolo percebido na realidade cotidiana depende do nível
intelectual no qual a criança se situa.
Expressar com habilidade por meio da fala os símbolos
apreendidos proporciona a criança a fazer uso das mais variadas
funções do cérebro, logo uma criança autista com um sutil desvio
no funcionamento deste órgão restringe a sua aptidão no
desempenho de atividades da vida diária. Tanto é que os
prognósticos menos otimistas no Autismo são atribuídos às
crianças com funcionamento intelectual inferior a 70.
Durante a vida adulta, são introvertidos e passivos, é possível
que um número bastante reduzido possa levar uma vida social
independente, exercendo uma profissão, pois, à proporção que as
crianças autistas se desenvolvem, vão evidenciando avanços
tímidos e incertos nos padrões qualitativos de comportamento, o
que não quer dizer cura. Segundo Gauderer (1992), algumas
vezes, crianças com retardo mental grave são suscetíveis a
convulsões. No Autismo, a idade de aparecimento das convulsões é
diferente dos indivíduos não autistas, cujas crises de convulsão
surgem no início da infância. As convulsões nos autistas, em geral,
ocorrem a partir dos sete anos. Cerca de 25% apresentam
convulsões entre 11 e 19 anos.
Consideramos que a definição do Autismo é um conceito
sempre em construção. Independentemente da terminologia que
se utilize, o mais importante é atendê-los. Identificam-se alguns
estereótipos, percebem-se alguns comportamentos ritualísticos,
encontram-se desempenhos de aprendizagem satisfatórios e, em
algumas atividades, a linguagem expressiva está presente. Hoje,
2015, vem sendo utilizado o Transtorno do Espectro Autista –
TEA, que envolve diferentes síndromes que afetam o
desenvolvimento, e a palavra inglesa “spectrum” é usada por se
tratar de diferentes situações, de diversas gradações de
comprometimentos, mas sempre relacionadas às perturbações da
comunicação e do relacionamento social.
Para compreender a extensão do termo Autismo com as
síndromes correlacionadas, inseridas no universo dos Transtornos
Invasivos do Desenvolvimento com base no DSM-IV (Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), estão incluídos
nesta categoria os transtornos de Rett, o transtorno
desintegrativo da infância, o transtorno de Asperger e o
transtorno autista.
Na literatura pesquisada, a descrição de diversas doenças
fundamentadas em aspectos metabólicos, neurológicos e
genéticos, estudados paralelamente à sintomatologia autística,
apresenta semelhança com a enunciação clínica do Autismo.
Neste sentido, como o objetivo deste estudo é discutir
pedagogicamente as questões do Autismo, serão estudados como
correlacionamos o grupo dos Transtornos Invasivos de
Desenvolvimento, terminologia que, nos últimos anos, tem sido
substituída com o conceito de Espectro Autístico.
Sugere-se ao leitor interessado em aprofundar o tema a leitura
do estudo de Assumpção (1994) – veja o item Referências no final
do trabalho – que aponta problemas de ordem genética,
neurológica e metabólica que envolvem o Autismo:
1.Infecções pré-natais: rubéola congênita, sífilis congênita,
toxoplamose, outras (citomegaloviroses)
2.Hipoxia neonatal
3.Infecções pós-natais: herpes simplex
4.Deficits sensoriais
5.Espamos infantis: síndrome de West
6.Doença de Tay-Sachs
7.Síndrome de Rett
8.Fenilcetonúria
9.Esclerose tuberosa
1
0.Neurofibromatose
1
1.Síndrome de Cornelia de Lange
1
2.Síndrome de Willians
1
3.Síndrome de Moebius
1
4.Mucopolissacaridoses
1
5.Síndrome de Turner
1
6.Síndrome do X Frágil
1
7.Outras alterações cromossômicas
1
8.Hipomelanose de Ito
1
9.Síndrome de Zunich
2
0.Intoxicações diversas

Síndrome de Rett

Como anteriormente esclarecemos, apenas algumas


correlações serão apresentadas, a exemplo da síndrome de Rett.
A síndrome de Rett (SR) é um distúrbio neurológico
incapacitante com grau de severidade considerável, de início
precoce, provoca a gradual regressão do desenvolvimento
psicomotor de meninas previamente normais.
No começo dos sintomas, o diagnóstico é complicado, pode ser
confundido com demais transtornos invasivos. Percebe-se,
contudo, sintomas mais específicos que repercutem no
reconhecimento da síndrome.
Foi relatada clinicamente por Andreas Rett em 1966. Um ano
antes, foram percebidos comportamentos atípicos em 22 meninas.
O desenvolvimento dessas meninas parecia se enquadrar em um
nível normal, dentro de um espaço de tempo de, pelo menos, seis
meses, verificando-se posteriormente um intenso agravamento
evolutivo do estado clínico.

Etiologia

Pelas pesquisas, não existem parâmetros que provem com


precisão a causa da síndrome de Rett, embora a deterioração
progressiva, após um tempo normal inicial transcorrido, possa
sugerir uma combinação com determinada desordem metabólica.
Também é provável ter ligações de base genética, pois é
diagnosticada somente em meninas. Os diversos relatos sinalizam
para a aceitação completa em gêmeas monozigóticas.

Sintomas e Sinais

• comprometimento na evolução psicomotora, considerado após


uma evolução normal das habilidades até, pelo menos, o
sexto mês de vida. Ausência de registros anormais no
desenvolvimento pré-natal e perinatal;
• após o terceiro mês de vida, é notada uma desaceleração de
crescimento da área craniana;
• a capacidade de comunicação receptiva e expressiva sofre um
decréscimo, atingindo certos níveis de danos estabelecidos
entre seis meses e um ano de idade. Os efeitos vão desde a
indiferença e a dispersão até o isolamento afetivo, pouco
respondendo aos estímulos ambientais, traços
comportamentais também vistos no Autismo;
• diminuição da ação de agarrar, segurar ou apanhar objetos.
O fato de pouco a pouco deixar de utilizar os movimentos dos
membros superiores faz surgir as estereotipias manuais, tais
como: retorcer as mãos, movimentos de esfregar e bater as
mãos e, muitas vezes, parecem simular o gesto de lavar as
mãos,.Isto vai acontecendo no intervalo de seis meses a dois
anos de idade;
• os distúrbios motores são considerados elementos
importantes, porque marcam a existência de um transtorno
neurológico em crescimento, diferenciando-se do Autismo.
Fraca coordenação motora que implica uma marcha e
posturas irregulares (instabilidade e rigidez);
• ocorre retrocesso das funções intelectuais e graves problemas
no desenvolvimento da linguagem;
• convulsões em até 75% dos portadores da síndrome de Rett,
problemas respiratórios, como apneia, hiperventilação e
respiração irregular no que diz respeito à coordenação da
expiração e inspiração. As escolioses severas são frequentes
nestes pacientes.

As pessoas portadoras desse transtorno podem apresentar,


durante o passar dos anos, desgaste muscular, rigidez e
suscetibilidade a nenhuma capacidade de linguagem, tornando-as
dependentes em potencial.
Crianças que trazem consigo as características da síndrome de
Rett podem receber diagnósticos da síndrome autística, devido às
deficiências nas relações sociais. Mas, ao analisar o curso dos dois
transtornos, ficam definidas as diferenças...
Os maneirismos no Autismo são mais acentuados. No
transtorno de Rett, as crianças perdem por completo suas
aptidões verbais, já os indivíduos autistas usam uma linguagem
provida de desvios, a exemplo da ecolalia, inversão pronominal e
neologismos. As anormalidades respiratórias e as convulsões
observadas no transtorno de Rett não são vistas no Autismo,
exceto possíveis convulsões que ocorrem na adolescência.

Tratamento

São orientadas intervenções medicamentosas, administrando


anticonvulsivantes para o controle do acesso convulsivo e seções
de fisioterapia aplicada à disfunção muscular. A terapia
comportamental cuja função é reforçar estímulos positivos
(aplaudir, abraçar, movimentar-se com a criança), de muita
utilidade no Autismo, é direcionada ao controle de comportamento
autodestrutivos dos portadores da síndrome de Rett. Em relação à
escolarização pelo comprometimento geral, são poucos os
progressos.

Prognóstico

Os problemas da síndrome são progressivos. Apesar de os


prognósticos não serem totalmente conhecidos pela comunidade
científica, estudos de casos mostram indivíduos que, quando
chegam à idade adulta, mantêm características cognitivas
equivalentes às dos primeiros anos de vida.

Transtorno Desintegrativo da Infância

Descrito em 1908 como uma deterioração lenta das funções


intelectuais, sociais e da linguagem, os Transtornos
Desintegrativos, conhecidos por síndrome de Heller ou por
psicoses desintegrativas, envolvem um conjunto de problemas
associados à evolução global do indivíduo.
Percebe-se a presença do desenvolvimento normal nos
primeiros anos de vida. No decorrer do tempo, o relacionamento
social, o desenvolvimento da comunicação e as práticas
comportamentais para a construção da elaboração do raciocínio e
das emoções são significativamente reduzidas. O
comprometimento intelectual é visto em uma quantidade
expressiva de casos e discute-se a existência ou não de dano
cerebral. Com a evolução destas complicações, é que a
caracterização deste transtorno desintegrativo da criança
aproxima-se da caracterização daquelas que possuem o Autismo.

Etiologia

De causa desconhecida, tem sido associado a estados


neurológicos, abrangendo perturbações convulsivas, esclerose
tuberosa e diversos transtornos metabólicos. Os dados
epidemiológicos não são precisos, estima-se um caso em cada
10.000 meninos e a uma razão de quatro a oito meninos para uma
menina

Sintomas e Sinais

A idade mínima para referência, conforme o DSM-IV, é de dois


anos. Antes disso, é visto um desenvolvimento supostamente livre
de traços anormais. A literatura admite um campo delimitador
que varia entre um e nove e entre três e quatro anos de idade
para o diagnóstico.
Perda repentina ou sutil ao longo de vários meses das
habilidades de comunicação verbal e não verbal, visível regressão
nas interações com as pessoas, perturbações motoras, ansiedade,
impulso à repetição de atos, diminuição do interesse nas práticas
de jogos (brincadeiras de faz de conta, muito presente durante a
infância) e problemas no controle esfincteriano são traços
presentes.
Existe a perda de habilidades em algumas áreas: linguagem,
comportamento social, controle urinário ou intestinal, jogos
(cognição) e motricidade. Há comprometimentos no
desenvolvimento da interação social, na comunicação, nos padrões
de conduta restritivos repetitivos e em alguns comportamentos
estereotipados.
O Transtorno Desintegrativo da Infância se distingue do
Autismo inicialmente por apresentar perda na formação de
habilidades adquiridas antes das manifestações dos sintomas e,
posteriormente, na construção de frases, situação que não
acontece nos indivíduos autistas.

Tratamento

Por causa da proximidade clínica com o Autismo, o tratamento


defendido a favor do transtorno desintegrativo segue critérios de
interferência similares aos dirigidos às crianças portadoras do
transtorno autístico.

Prognóstico

Pessoas que apresentam declínios progressivos das funções


cognitivas, motoras e de linguagem em geral são diagnosticadas
com retardo mental considerado de grau moderado.

Síndrome de Asperger

O médico austríaco Hans Asperger, em 1944, relata uma


síndrome a qual denomina “psicopatia autista”, considerando-a
como um distúrbio do desenvolvimento associado a alterações
orgânicas e enfatizava a hipótese de uma lesão de integração de
informações. O relato original explicitava a existência de crianças
com sérios comprometimentos de interação social recíproca, além
de peculiaridades comportamentais diferentes, se comparadas ao
conjunto de atitudes normais, inteligência em níveis aceitáveis e
sem atrasos no desenvolvimento de linguagem.
Sendo assim, pessoas com algum retardo mental e sem atrasos
de linguagem têm sido diagnosticadas como portadoras do
transtorno de Asperger ou síndrome de Asperger, definição
contida na décima revisão da Classificação Internacional de
Doenças (CID-10).
Na vida adulta, estes indivíduos são considerados excêntricos,
diferentes e com comportamentos estranhos.

Etiologia

A causa da síndrome de Asperger é desconhecida. O que se


sugere é uma semelhança com o Autismo, estudada à luz de
hipóteses genéticas, metabólicas, infecciosas e perinatais
(problemas transcorridos durante o parto).

Sintomas e Sinais

Comprometimentos qualitativos acentuados na relação social,


como gestos comunicativos não verbais anormais, expressão
facial, postura do corpo e contato visual com outras pessoas, são
marcados por notáveis perturbações.
Apresentam, muitas vezes, dificuldade para estabelecer
relacionamentos com pessoas do seu grupo social, pois parecem
não desenvolver uma disposição espontânea para compartilhar
atividades, interesses ou realizações.
Desenvolvem também padrões pessoais de comportamento
restritos, repetitivos e aparentemente inflexíveis, conduzindo-os
às rotinas e aos rituais específicos de natureza não funcional.
Nota-se a presença de alguns maneirismos motores e
insistente preocupação em seguir os mesmos roteiros de atitudes
que interferem na vida ocupacional e social.
Não existem atrasos significativos na linguagem nem no
desenvolvimento cognitivo.

Tratamento

Os modelos de intervenção, como Educação Especial e


Modificação de Comportamento, usados no tratamento do
Autismo, tendem a exercer influência satisfatória na motivação
das potencialidades intrínsecas dos portadores da síndrome de
Asperger.

Prognósticos

Desenvolvem uma escolarização dentro da normalidade sem


problemas expressivos de aprendizagem. As questões mais
comprometidas referem-se ao comportamento e às relações
sociais.
Aconselha-se a adoção de uma programação individualizada,
em duplas ou em pequenos grupos, dependendo da habilidade do
educador em controlar as situações inesperadas e do grau de
relacionamento estabelecido entre os indivíduos a serem
atendidos, objetivando aproveitar, pedagogicamente, o máximo do
atendimento. É importante estabelecer metas pedagógicas,
objetivos a médio e longo prazo e metodologias especiais
direcionadas ao autista. Tais questões devem estar norteadas
pelas concepções e pelas abordagens estudadas pelo educador, o
que lhe proporciona, além de uma segurança acadêmica, um leque
de possibilidades no programa a ser desenvolvido.
Sabemos que o processo de crescimento e funcionamento do
cérebro é decisivo no desempenho das funções psicológicas e que a
ligação dos neurônios entre si (sinapses) e a arborização dendrítica
têm início na gestação e atingem níveis elevados de
desenvolvimento até três ou cinco anos, diminuindo o ritmo após
essa idade.
Lesões no lóbulo frontal alteram a capacidade de organizar
ações para se adaptar às mudanças do ambiente, são responsáveis
por restrições de afetos, ausência de empatia, comprometimento
do controle sobre a atenção. Esta complexa rede de formação do
sistema nervoso central se justapõe desde o nascimento a vários
níveis de funcionamento passíveis de interrupções, distorções,
estagnação temporária e retrocessos em sua evolução e
maturação, comprometendo o desenvolvimento normal do ser
humano.
A indicação de um planejamento pedagógico individual para o
portador de Autismo se propõe exatamente pela individualidade
dos casos, ideia esta que estamos apresentando durante todo o
estudo, a importância dos contextos sociofamiliares, econômicos e
culturais, que interferem no aprendizado. Tais interferências
diferem de pessoa a pessoa no que concerne ao estágio de
desenvolvimento, grau de comprometimento da patologia e a idade
no período do tratamento.
Uma segunda questão na importância do trabalho
individualizado refere-se ao entendimento citado por Fernandes
(2004): “atingir o nível real de desenvolvimento da criança e seu
perfil de habilidades e dificuldades”. Da complexidade dos
sujeitos, resultam implicações que interferem nos resultados de
um único tratamento, daí a sugestão da interdisciplinaridade de
abordagens terapêuticas, respeitando a fase de desenvolvimento e
a intensidade dos comprometimentos.
Os transtornos do Espectro Autístico apresentam diferenças
baseadas na análise de variáveis, como etiologia, idade de
manifestação das alterações comportamentais, características
específicas dos desvios de desenvolvimento em cada transtorno do
espectro avaliado, diagnóstico, funcionamento intelectual, perfil
neuropsicológico e prognóstico. O conhecimento dessas variáveis
também ajudará a possibilidade de combinar diferentes princípios
de abordagens terapêuticas e educacionais, uma vez que não
existe um tratamento específico indicado para influir em todas as
áreas afetadas.
A compreensão em nível de tratamento é heterogênea.
Diferentes autistas podem beneficiar-se com um determinado tipo
de atendimento orientado por métodos da Psicoterapia, enquanto
outros autistas podem desenvolver-se a partir de atendimentos
norteados por uma abordagem comportamental.
O que se propõe neste estudo é atender os autistas viabilizando
a redução dos traços autísticos no sentido das relações sociais, da
aprendizagem e da escolarização, motivando permanentemente a
expansão e possível maturação da capacidade das áreas
comprometidas, a fim de obter resultados mais funcionais, na
perspectiva de um desenvolvimento pessoal, por meio de
oportunidades pedagógicas que os impulsionem a desenvolver e
concretizar trabalhos que sejam úteis para atender às suas
necessidades do cotidiano.
Ensiná-los a lavar as mãos, tomar banho, vestir suas roupas,
calçar os sapatos, desempenhar tarefas simples de organização do
mobiliário do quarto, na cozinha, acompanhá-los guardando
talheres, pratos, deixar que arrumem a mesa antes das refeições,
enfim, tornando-os autônomos e independentes no trato das
habilidades pessoais, são exercícios de valorização das experiências
compartilhadas de contato social, da interação com o mundo
externo e do sentimento de autorrealização.

6.1 – Educação Especial: construindo uma educação


inclusiva

Educação Especial é uma modalidade terapêutica norteada por


concepções, metodologias e técnicas fundamentadas na Psicologia,
na Pedagogia, na modificação de comportamento e na terapia de
linguagem. Entendemos que o modo de atendimento educacional
precisa ser visto em uma expectativa conceitual ampla,
concentrada no estudo teórico-cientifíco das disfunções
neurológicas, dos desvios nas funções psicológicas e cognitivas que
alteram o funcionamento comportamental do portador de
transtornos do Espectro Autístico.
Como consequência desse prévio juízo em nível de senso
científico, virão as intervenções de aplicação pedagógica, pelas
quais o professor confrontará na práxis as realidades dele, sujeito
pesquisador e construtor, sujeito dirigido por suas intenções de
minimizar sintomatologias, maximizando potencialidades. Ainda
agregando-se neste conjunto, virá a própria realidade evolutiva do
educando deficiente no espaço terapêutico, a qual o educador
avaliará respaldado por critérios psicopedagógicos, sugerindo
mudanças nos planos de aula de acordo com as especificidades dos
comportamentos do educando.
O PEP-R (Perfil Psicoeducacional Revisado) é uma proposta de
avaliação que consiste no teste do coeficiente de desenvolvimento
do aluno autista, evidenciando a idade cronológica adequada ao
nível de desenvolvimento. A aplicação deste método avaliativo
enfatiza a comunicação visual, pois considera que a dificuldade de
compreensão do aluno interfere na eficácia dos resultados. São
sete áreas de desenvolvimento avaliadas pelo PEP-R – imitação,
performance cognitiva, cognitiva verbal, coordenação olho-mão,
coordenação motora ampla, coordenação motora fina e percepção.
A Educação Especial para autistas, na perspectiva inclusiva,
segue a ideia de uma política de ensino estruturado, que é
indiscutivelmente eficiente e eficaz no tratamento dos transtornos
autísticos, mas pode flexibilizar-se no sentido de conceber aspectos
metodológicos centrados em um modelo de pensamento relativo,
que envolve experiências construídas em um espaço terapêutico
mais maleável. Na perspectiva do ensino estruturado, concepção
que, segundo Gutstein (apud FERNANDES, 2004), obedece a um
modelo de pensamento absoluto no qual a sala de aula é
organizada em espaços divididos, visando atender ao ensino
individual, ao trabalho independente, ou seja, em uma mesa, o
aluno executa atividades aprendidas anteriormente com o
professor, e conta-se também um espaço de descanso, que inclui
atividades livres, mas com postura adequada. O problema é saber
se esta postura é adequada ao desenvolvimento do ser humano
autista ou ao aprendizado condicionante de uma ideia de educação
mecanicista. Outras ideias de destaque no âmbito da Educação de
autistas tratam da funcionalidade dos programas de atividades e
do uso de um sistema visual (os autistas demonstram bom
desempenho nas habilidades visório-especiais), cuja finalidade é
orientar o aluno no espaço escolar, por meio de cartões com
instruções simples. Por exemplo, uma sequência de representações
– símbolos – para ajudá-los no caminho ao banheiro ou construir
uma agenda contendo fotos das atividades facilitará a realização
dos trabalhos. Cada atitude concretizada pelo aluno nas rotinas de
trabalho deve ser percebida por ele como útil para sua vida. A
execução de experiências concretas vivenciadas no ambiente
sociointeracionista, integrando as práticas de desenvolvimento
cognitivo indispensáveis, passa a assumir grande valor educativo
na relação entre ensino e aprendizagem, é nestes instantes que a
ação participativa do professor-mediador representa o diferencial
positivo para ajudar o aluno autista na organização da consciência
sobre si mesmo, a ter a percepção do corpo ocupando espaços na
realidade externa e, posteriormente, a ter a consciência de que
existem pessoas interagindo.
A proposta inclusiva da Educação (um direito assegurado) tem
por fim conscientizar os(as) professores(as) sobre as bases
filosóficas, político-educacionais, jurídicas, éticas, responsáveis
pela formação de competências do profissional que participa
ativamente dos processos de integração, desenvolvimento e
inserção da pessoa deficiente na vida produtiva em sociedade;
evidenciar o direito legal mediante dever do Estado com a
educação; e garantir, conforme determina a Constituição da
República Federativa do Brasil no seu artigo 208, inciso III, o
atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. O
conteúdo do citado dispositivo constitucional encontra redação
quase idêntica no capítulo V, da Educação Especial, artigo 58 da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Já na óptica do
conceber filosófico, a Educação Especial baseia-se no intento da
valorização plena da dignidade humana, independentemente da
situação socioeconômica na qual a pessoa se encontra. São
documentos essenciais à universalização da formação de uma
consciência igualitária, includente e solidária: a Declaração
Universal dos Direitos do Homem, a Convenção Sobre os Direitos
da Criança e as declarações das Nações Unidas (Declaração de
Salamanca) culminadas no documento Regras Padrões Sobre a
Equalização de Oportunidades para Pessoas com Deficiências. No
parecer da ação pedagógica, a preocupação da Educação Geral
deve ser o desenvolvimento integral – corpo, psiquismo, espírito –
do ser humano, preparando-o já nas primeiras infâncias para a
vida produtiva, fundada no equilíbrio das intenções individuais e
dos interesses normativos voltados à regulação da vida coletiva.
Respeito ao educando e ao direito à educação de qualidade são
características assinaladas no ideal do Estado Democrático de
Direitos. Nesta visão universal da educação, aparece como parte
integrante a Educação Especial, cuja efetiva materialização
acontece quando se identificam atrasos ou alterações no
desenvolvimento global da criança, estendendo-se ao longo da vida
do cidadão, com o firme propósito ético-moral de valorizar suas
potencialidades, gerando oportunidades sociais, educacionais e
profissionais, isentas de quaisquer resquícios segregacionais.
Afinal, todo ser humano é valioso e, independentemente da forma
física ou psicológica pela qual se apresenta ao mundo, deve
desfrutar de uma vida plena e decente em condições que lhe
garantam sua qualidade moral, favoreçam sua autonomia e
facilitem sua participação ativa na comunidade, de maneira que as
pessoas do grupo social acolham a pessoa deficiente, sentindo-a
presente e participante nas atividades de trabalho e lazer,
conscientes da necessidade de respeitar as limitações físicas,
orgânicas e psíquicas da pessoa portadora de deficiência.
Ratificar perante pais, profissionais e comunidade científica a
possibilidade de discutir políticas educacionais a favor da melhoria
na qualidade de ensino dos portadores de Autismo e síndromes
correlatas, trazendo informações relevantes, é parte da ação
profissional, encontra-se escrito em uma das laudas produzidas no
I Encontro Brasileiro de Práticas Terapêuticas, ocorrido em março
do ano de 1994, em Minas Gerais, cujo texto informa à sociedade
civil que o programa TEACCH (Tratamento e Educação para
Autistas e Crianças com Deficiências Relacionadas à
Comunicação) é atualmente na Carolina do Norte um Programa
de Estado, sendo utilizado nos sistemas locais de ensino. No
Brasil, esse programa é referência em algumas escolas, sendo
citado também pela Coordenadoria Nacional para Integração da
Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE como proposta de
intervenção educacional. Fundamentando-me nestes documentos,
busco respaldo no princípio do ajuste econômico com a dimensão
humana e no princípio de legitimidade, garantidos no documento
Subsídios para a Organização e Funcionamento de Serviços de
Educação Especial – Área da Deficiência Mental, do Ministério da
Educação e do Desporto – MEC, e no artigo 208 da Constituição da
República Federativa do Brasil para defender a viabilização de
uma discussão a respeito da necessidade de implementar uma
política de ampliação da qualidade do ensino nos estabelecimentos
públicos e privados de assistência ao portador de Transtornos
Abrangentes do Desenvolvimento, contemplando a formação
especializada e contínua do professor, no conhecimento e na
aplicação do programa de intervenção TEACCH, ajustado a outras
concepções científicas que abranjam recursos técnico-
metodológicos aprovados.
Do conjunto de dados gravados em entrevistas com
profissionais da Psiquiatria, da Neuropediatria e da
Fonoaudiologia, obtivemos declarações positivas adicionadas a
críticas construtivas referentes à assistência terapêutica
educacional, quando perguntara sobre os efeitos da Terapia
Ambiental ou Educação Especial no atendimento da
sintomatologia autística. Vejamos as opiniões: “A terapia
pedagógica é no atual contexto recomendada como terapia de
primeira linha para o tratamento da criança autista, no sentido de
impulsionar a socialização, ensinando-lhe o significado do seu
modo de viver e, por meio desse processo de terapia pedagógica de
convivência, de escolaridade, poder-se-ia também trabalhar a
questão afetiva. A terapia pedagógica defendida na visão da
Psicopatologia é uma Pedagogia em que a criança aprende
vagarosamente, não é uma Pedagogia curricular, pois eu não
posso estabelecer que, no final do ano, esta criança seja aprovada
da 1ª para a 2ª série. Os processos de desenvolvimento são lentos,
e o professor deve avaliar muito mais o trabalho pedagógico do
que a capacidade do próprio autista, porque o processo em termos
de avaliação e recuperação é irregular, mas sabemos que há
absorção”. (Dr. Genário Alves Barbosa, Psiquiatra Infantil)
“A Pedagogia educa e, quando o faz, controla os instintos e os
impulsos, condicionando o indivíduo autista ou deficiente a uma
rotina de conduta. A Pedagogia também ensina comportamentos
por imitação”. (Drª Sônia Maia Farias, neuropediatra e professora
de Neuropediatria da Universidade Federal da Paraíba)
Trabalhar naquilo que o autista direciona a atenção significa
motivá-lo a estabelecer vínculos de convivência entre pessoas,
mesmo que seja em escala de avanços e retrocessos. Quando
Kanner, psiquiatra austríaco que deu início à descrição do
Autismo, acompanhou seus 11 casos originais, havia dois casos
que se sobressaíam. Um deles transformou a fixação que tinha por
números em um bem-sucedido trabalho em um banco. O outro,
quando criança, um fazendeiro encontrou um alvo para sua
fixação. Ele disse que o menino poderia contar as fileiras de pés de
milho ao arar a terra. Apresentamos o caso de um jovem autista
fascinado por água, sua conduta diante do mundo objetal é
imatura se for comparada à idade cronológica. Por exemplo,
relaciona-se com brinquedos pondo-os na boca, mas, mesmo assim,
mostra notável interesse durante as brincadeiras com água.
Entraremos em detalhes sobre as atividades lúdicas, os
procedimentos, os resultados e outras evidências no capítulo do
Estudo de Caso no Contexto das Práticas Psicopedagógicas.
7.1 – TEACCH

O método TEACCH (Treatment and Education of Autistic and


Related Communication Handicapped Children), que traduzido
em português significa Tratamento e Educação para Autistas e
Crianças com Deficiências Relacionadas à Comunicação, é um
programa de intervenção terapêutica educacional e clínico. Teve
como marco preponderante a formulação do conceito de Autismo a
partir da compreensão dos distúrbios do desenvolvimento
relacionados à comunicação, à intervenção social e à cognição.
Baseado neste raciocínio, o Dr. Eric Schopler e sua equipe de
pesquisadores desenvolveram na Universidade da Carolina do
Norte (1966) os pressupostos científicos do método TEACCH, cuja
metodologia de trabalho consistiu-se em uma intensa observação
comportamental das crianças autistas, em variadas situações e
diante de diferentes estímulos. Dos estudos criteriosos do Dr. Eric
Schopler e dos autores, resultam conclusões sobre o
comportamento das crianças autistas. Analisemos: os distúrbios de
comportamento do autista podem ser modificados à proporção que
ele consegue entender o êxito de suas expressões verbal ou gestual
no ambiente, bem como o que se espera dele em certas
circunstâncias. A criança autista exprime melhor a percepção
visual do que a percepção auditiva durante as estimulações,
responde a ela positivamente quando estimulada em ambientes
organizados, ou seja, o funcionamento comportamental adaptativo
do autista é consideravelmente melhor em condições estruturadas.
A programação das atividades (tempo, duração, material), da
previsibilidade e das rotinas organizadas em quadros, painéis ou
agendas é uma das características dos princípios metodológicos
dirigidos ao aprendizado do aluno autista. Para cada sequência de
trabalho, existe um local recomendado: espaços para a realização
de atividades individuais com a presença do terapeuta, para as
atividades em grupo; outro local destinado ao momento do lanche;
e mais um local delimitado chamado de tempo livre, onde são
selecionados materiais e atividades direcionados aos interesses das
crianças. Tais interesses são descobertos na realidade familiar,
informados pelos pais nas entrevistas com a equipe de
profissionais.
Princípios norteadores do método TEACCH:
1.busca do entendimento exaustivo de como é, como pensa,
como age a criança e o adolescente autista;
2.determinação de objetivos específicos e claramente definidos
com relação ao programa terapêutico;
3.especificação dos repertórios de comportamento que o autista
pode ou não realizar, sem ênfase a rótulos, categorizações e
suposições de caráter interpretativo;
4.elaboração de planos terapêuticos individuais dirigidos aos
comportamentos-alvo com especificação das respostas;
5.adaptação dos métodos terapêuticos à problemática específica
da criança ou do adolescente;
6.atenção constante naquilo que vemos a criança ou o
adolescente fazer, registrando os acontecimentos;
7.seleção cuidadosa de comportamentos que sejam realmente
relevantes;
8.seleção criteriosa de comportamentos que respeitem e
mantenham alguma semelhança com aquilo que a criança já
saiba fazer ou esteja fazendo;
9.divisão do comportamento final esperado em informações que
serão apresentadas em pequenas quantidades em uma
sequência progressiva e repetida;
1
0.utilização de esquemas de reforçadores e de estímulos de
preparação produzindo um condicionamento secundário.

A filosofia do método TEACCH está fundamentada na máxima


behaviorista de que só é possível teorizar e agir sobre o que é
cientificamente observável. O TEACCH consolida-se como uma
linha de pensamento indutivo, mensurável e determinista e
enfatiza a objetividade, suprimindo análises subjetivas. O trabalho
de intervenção do terapeuta é baseado na determinação de
objetivos bem definidos e direcionados aos comportamentos que se
pretende mudar, com o propósito de extinguir ou amenizar
comportamentos indesejáveis, reforçando, positivamente, os
estímulos que aumentam a probabilidade das condutas entendidas
como adequadas e, negativamente, todo estímulo que produza
condutas inadequadas à convivência social.
É bom salientar que o Behaviorismo envolveu fortemente o
pensamento e a prática da Psicologia adotada em escolas e
consultórios até 1950. Um segundo ponto de reflexão se refere à
afirmação de Gauderer (1993), ao dizer que os psicanalistas nunca
fizeram estudos comparativos quanto às suas técnicas
terapêuticas. Ele responde às pesquisas do método TEACCH
realizadas com estudos comparativos, concedendo-nos subsídios
para, na medida do possível, desenvolver propostas diferentes.
Tais pesquisas revelam que crianças autistas detêm maior
capacidade de absorver aprendizados em uma proposta de
trabalho estruturado, contra-argumentando a ideia de intervenção
mais livre e interpretativa.
A linguagem é uma capacidade geneticamente determinada na
espécie humana, isto é, o que diferencia o ser humano das demais
espécies. Com base nesta marca natural, o esperado em condições
normais é que haja desenvolvimento regular aliado à maturação
das partes constituintes do principal órgão ligado ao
funcionamento da linguagem, o cérebro. Quando acontece algum
acidente no percurso, há uma desestruturação em termos de
apreensão sensorial, processamento mental de recuperação e
encadeamento de imagens introjetadas, além de falhas na
exteriorização de ações que vão atribuir significado às coisas
presentes no mundo objetal, fazendo com que as pessoas não
reconheçam as intenções do indivíduo com problema e sintam
dificuldade em transmitir informações para a pessoa deficiente. O
problema no Autismo é um acentuado comprometimento na
aptidão de assimilar e expressar o significado abstrato existente
nos signos e nos símbolos que são representações criadas e
nomeadas culturalmente. Daí o fato de o autista reagir com
hostilidade a determinadas situações, mostrar comportamento
introvertido, se utilizar do outro como instrumento para alcançar
um objeto. Devido à dificuldade de comunicação, usa a mão do
adulto, levando-a à torneira, à geladeira, à garrafa ou ao copo,
tentando transmitir uma mensagem de necessidade orgânica.
A teoria da Psicologia da linguagem ou Psicolinguística atua
nos Distúrbios Abrangentes do Desenvolvimento como terapêutica
psicopedagógica e juntamente com a terapia comportamental
fundamentam o método TEACCH. Os aspectos metodológicos
psicolinguísticos do TEACCH convergem para a importância
atribuída à funcionalidade dos conteúdos ensinados e ao sentido
pragmático aplicado no espaço de vivência da pessoa autista. Para
cumprir com os objetivos pedagógicos planejados, são utilizados
estímulos visuais, fotos, figuras, cartões que orientam o autista na
escola e nos ambientes de sua casa. Estímulos corporais,
linguagem não verbal que enfatiza gestos, movimentos do corpo,
aplausos, apontar um objeto pretendido. Estímulos
audiocinestésico-visuais, sons e movimentos são associados às
fotos. O apoio visual de cartões com fotos, desenhos, símbolos,
palavras escritas, materiais concretos sequenciados favorece o
trabalho em nível de nome, objeto e ação ensinado, para que a
comunicação tenha significado. Após a criança demonstrar
desenvoltura na atividade ensinada, a conduta adquirida passa a
fazer parte da rotina de trabalho do aluno.
O método TEACCH recebe críticas porque aplica uma
abordagem determinista. No pensamento determinista, não é
considerado o espaço para motivação de livre escolha. Nesta
concepção, há uma reduzida confiança na vivência de ações
espontâneas, entendidas por teóricos da Psicologia humanista
como expressão da potência humana que acontece
independentemente de uma exaustiva prática educacional
condicionante.

7.2 – ABA – Análise Aplicada do Comportamento

No atendimento comportamental analítico do Autismo, é feita


uma análise da criança ou do adolescente autista, tendo como
finalidade identificar habilidades já assimiladas pela pessoa, daí,
então, são ensinadas habilidades que o autista ainda não domina.
Cada habilidade ensinada por etapas obedece a uma organização
de atendimento individual. Os trabalhos de estimulação ao
aprendizado de novas aptidões são apresentados ao aluno por
auxílio de uma indicação ou instrução. Caso o aluno necessite de
apoio para começar e prosseguir na atividade, o terapeuta
intervém agindo como mediador, sua ajuda é concedida até que o
autista consiga executar a tarefa com autonomia, evitando o
reforço à dependência.
As respostas positivas de mudança do comportamento, em
decorrência das ações pedagógicas favoráveis, dão provas ao
terapeuta de que o aprendizado está fluindo. Logo, é observado na
lógica comportamental, que, quando um evento particular de
Estímulo-Resposta é reforçado (recompensado), o indivíduo é
fisiologicamente condicionado a reagir, tendendo a repetir as
respostas positivas ou agradáveis referentes ao processo de
aprendizagem e sociabilização. Respostas problemáticas e
inadequadas (birras, fugas repentinas) não são reforçadas. Vale
lembrar que o Reforço é uma das bases fundamentais na teoria
Estímulo-Resposta de Skinner. Quanto aos procedimentos de
avaliação no método ABA, eles consistem na análise detalhada de
dados e fatos ocorridos na relação entre ensino e aprendizagem,
registrando todas as tentativas e os resultados, com o objetivo de
descobrir quais são os eventos que funcionam como reforço
positivo ou negativo. Nesta intervenção, é aplicada mais uma ideia
da teoria de Skinner – o condicionamento operante – mecanismo
de aprendizagem que introduz novas condutas, reforçando-as a
partir do processo de modelagem.
Os métodos TEACCH e ABA estão consolidados na Psicologia
behaviorista, que parte da premissa básica de que o
comportamento do ser humano é controlado pelo ambiente e pelos
genes. Portanto, a principal crítica dirigida a tais métodos reside
na prática de uma concepção de educação mecanicista,
adestradora, mais inclinada a robotizar do que a promover as
genuínas potencialidades humanas. Outra crítica ao ABA diz
respeito ao custo elevado de treinamento e implantação.

7.3 – Sistema de comunicação por meio da troca de figuras

A ideia do Sistema de Comunicação por meio da Troca de


Figuras (PECS), originalmente conhecido como Picture Exchange
Communications System, é ajudar crianças e adultos portadores
da síndrome autística ou portadores de outros distúrbios de
desenvolvimento a adquirir habilidades de comunicação. A
habilidade de comunicação fundamental envolve a capacidade de
enviar e receber informações do ambiente onde a pessoa
estabelece relações, saber expressar o que deseja para obter algo e
satisfazer necessidades (comunicação expressiva). Ora, quando o
autista pede verbal ou gestualmente uma coisa a alguém, naquele
instante, ele percebe a existência da pessoa, mantendo pelo menos
uma instantânea interação que também ocorre com objetos.
Apoiar-se naquilo que o autista tem como aptidão, para estimular
nele a assimilação de informações recebidas por outrem,
ensinando-o a perceber a função contida nos elementos concretos
(signos/símbolos) da cultura em que vive, é o que caracteriza a
comunicação receptiva. O PECS utiliza esse mecanismo expressivo
e receptivo da comunicação para ensinar a pessoa autista a
perceber que, pela comunicação, se alcança a realização de
desejos. Manipular um objeto (brinquedo), saciar a vontade de
comer ou beber são alguns exemplos da necessidade de
comunicação intrínseca pertencente ao ser humano.
Um dos pressupostos da metodologia do PECS é descobrir o que
motiva a pessoa com Autismo ou com síndromes correlatas a
querer se comunicar, que elementos da realidade são mais
atraentes e qual razão (o porquê) o induz à vontade de comunicar-
se. Esta é uma dimensão da comunicação funcional que marca
qualquer sistema de comunicação, provocar sentidos funcionais de
comunicação. Outro passo é ensinar a criança ou o adolescente os
meios que possibilitarão condições de ela ou ele se expressar,
evitando dependência constante das pessoas, para atender às suas
necessidades básicas (comer, beber, lavar-se). Os meios, a forma
ou o como a pessoa se comunica são:
• comunicação motora e gestual (deslocar-se em direção a algo
ou apontar);
• fazer uso de objetos;
• usar figuras para indicar alguma vontade;
• expressar sons relacionados à determinada coisa percebida;
• usar palavras;
• comunicar-se por linguagem de sinais;
• fazer uso de sentenças ou de palavras escritas.
Ainda estão inseridos na comunicação funcional o contexto e o
conteúdo. O contexto trata dos momentos nos quais a pessoa
expressou atos comunicativos e para quem foram direcionados. No
conteúdo, é avaliado o teor da mensagem e o que é que o emissor
da fala quer dizer naquela situação.
Antes do PECS estimular o aprendizado de habilidades de
comunicação, o método avalia capacidades e habilidades da pessoa
portadora de deficiência. Este método de intervenção promove a
aquisição e o desenvolvimento da linguagem, baseando-se nos
estudos da moderna Psicologia da linguagem ou Psicolinguística.

7.4 – Son-Rise

Apresentando algumas boas ideias do programa Son-Rise.


Trata-se de um método educacional para crianças autistas,
desenvolvido pelo The Autism Treatment Center, em
Massachusetts, nos Estados Unidos.
No início dos anos 1970, o casal Kaufman, por meio de uma
abordagem afetiva e criativa, associada a uma atitude positiva de
participação e com a elaboração e aplicação de atividades
direcionadas ao desenvolvimento de habilidades e informações do
mundo exterior ao cotidiano do autista.
Esses pais criaram também atalhos comunicacionais verbais ou
não verbais onde qualquer sinalização de interação é aproveitada e
transformada em aprendizagens.
O Programa Son-Rise, de base domiciliar, necessita, para obter
sucesso, da disponibilidade dos pais, do envolvimento da família,
de uma equipe multiprofissional, para que as sessões individuais,
de caráter lúdico, social, emocional e cognitivo aconteçam com
experiências pedagógicas otimizadoras.

7.5 – Ambientes estruturantes

Muitos materiais do cotidiano dos lares das famílias de autistas


podem servir de espaços de aprendizagens. A configuração das
coisas da casa pode e deve ser aproveitada como pistas para
formação de conceitos ou fixação da sonoridade e grafia da
palavra. Aprender e saber guardar adequadamente seus
pertences, ajudar nas atividades domésticas, dar a localização dos
objetos, a partir das palavras escritas e fixadas na estante, no
armário, nos objetos da casa ou nos espaços onde a família circula.
Em muitos momentos, os ambientes estruturantes podem
ajudar a construção da autonomia da criança e do adolescente
autista, dando segurança pela identificação das coisas, dos fazeres
e das atividades da casa. Um dos maiores ganhos dos ambientes
estruturantes é a identificação das letras, do som e da grafia das
palavras que, no reconhecimento do significado delas, servem de
elementos fundamentais nos processos de alfabetização.
Antes denominada de terapia da palavra, atualmente as
correntes mais avançadas da Fonoaudiologia dão preferência ao
uso da denominação Terapia de Linguagem. Os estudiosos desta
área entendem que o conceito de terapia da palavra, da forma
como estava sendo aplicado, precisaria de uma reformulação. Um
dos argumentos citados aponta para a tendência de uma prática
profissional limitada de somente ensinar a criança a dizer
algumas palavras e usar as palavras em resposta a determinados
estímulos. A Terapia de Linguagem ultrapassa tal pretensão, não
refuta por completo a terapia da palavra, contudo insere-lhe a
compreensão do amplo conhecimento de todo o processo de
aquisição e desenvolvimento da linguagem, é tão necessária
quanto às demais intervenções, pelo motivo da gravidade na
deficiência de comunicação da criança autista. Uma das
finalidades principais dela é desenvolver o processo de formação
da linguagem em uma direção de experiências pragmáticas. Não é
um processo apenas de correção, esta linha de terapia propõe
ajudar o autista a organizar e estruturar a linguagem.
A questão básica no atendimento das alterações de uma
linguagem desorganizada não se resume somente a corrigir e
ensinar palavras, a ênfase está em despertar a criança para
pronunciar palavras, relacionando-as ao objeto: bola para bola,
casa para casa, talheres na mesa que quer dizer uso nas refeições,
isto significa ensinar a associar. A criança autista pode até dizer
“asa” para “casa”, mas o que vale é aprender a falar, relacionando
o nome à representação concreta, ou seja, assimilar o objeto em si
motiva o autista ao desenvolvimento funcional.
Os estudos na intervenção terapêutica em linguagem, na
última década, revelam, segundo Fernanda Dreux (et al.), que a
intervenção na comunicação é um recurso essencial na inclusão
educacional de crianças com distúrbios abrangentes do
desenvolvimento, visto a grande dificuldade encontrada por
educadores em manter relacionamentos de comunicação. Com
base nestas pesquisas, reuniu-se aqui, os principais pontos de
vista identificados nos trabalhos dos teóricos:
• o progresso da criança se faz em um contexto de flexibilidade
do uso dos meios comunicativos. Métodos mais
disciplinadores de trabalho e organização do ambiente,
métodos comportamentais que introduzem habilidades que a
criança não possui, reforçando-as positivamente, sistemas de
estimulação das habilidades de comunicação por meio da
troca de figuras. O direcionamento dado no tratamento
depende do funcionamento orgânico de cada autista e da
evolução dos sintomas;
• aquisição de habilidades comunicativas flexíveis e uso social e
pragmático da linguagem apreendida são objetivos
imprescindíveis na elaboração do programa de atendimento;
• melhoria na qualidade de vida das crianças e suas famílias. A
participação da família contribui para a continuidade e a
avaliação mais efetiva dos trabalhos de intervenção;
• a criação de situações que reforçam as habilidades de atenção
compartilhada e de jogo compartilhado. Dinâmicas lúdicas
para despertar atenção e o interesse pelas pessoas mostram-
se benéficas na mudança positiva do comportamento
autístico;
• estimulação do desempenho sociocognitivo. Interação
pragmática, aprender o objeto e sua aplicabilidade,
combinado às tarefas em nível de domínio cognitivo (atenção,
memorização, sequência, diferenças);
• observar e motivar tendências de bom desempenho,
delineando qual área (cognitiva, motora, sensorial,
linguagem) encontra-se menos ou mais afetada;
• aplicação de programas terapêuticos desde a infância até a
vida adulta, logo após diagnóstico preciso, favorece um perfil
social mais adaptado;
• uso de brinquedos, atividades lúdicas, esportivas e
construtivas (oficinas), em um ambiente ativo de interação;
• presença de resultados eficazes na produção de situações de
superação e resolução de problemas no processo de terapia de
linguagem, auxiliado por atividades dialógicas com reduzido
grupo de crianças;
• Fernandes (2004) sugere um mediador adulto participando
das oficinas de linguagem. Nestas oficinas, são realizadas
atividades de interação verbal e não verbal em pequenos
grupos. Uma das ideias é valorizar o grupo, vendo-o como
centro das intenções do terapeuta.

Alexander e Wolfe (apud FERNANDES, 2004) trazem o


seguinte argumento: “O fato de se saber que essas crianças têm
dificuldades em lidar com mudanças no ambiente não deve
conduzir à rigidez ambiental, pois isso ampliaria a interferência
dessa dificuldade”. Tive a impressão, após interpretar o conteúdo
das ideias desta linha de terapia, que o cerne de suas propostas
tende a contestar, em parte, o Método de Intervenção TEACCH
(Tratamento e Educação para Autistas e Crianças com Deficits
Relacionados com a Comunicação). Analisar continuamente as
particularidades evolutivas do comportamento de pessoas do
Espectro Autístico no espaço de práticas, a fim de inserir
trabalhos mais dinâmicos, observando a heterogeneidade dos
desvios comportamentais e, caso seja necessário, redimensionar os
elementos estruturantes (conteúdos, objetivos, métodos, técnicas)
dos planos de aulas, parece obedecer à lógica de um procedimento
válido. Vejamos a experiência. Se, em um dia, o aluno pega um giz
de cera verde para rabiscar a folha, em outro dia, damos a ele
três, quatro, cinco gizes de cera azul, vermelho, roxo dispersos
sobre a mesa, ou colocados debaixo de um copo transparente. Cria-
se um espaço de incentivos diversificados, e a equipe avalia
reações anormais e constrói estratégias mais convenientes àquele
aluno. Proporcione, pelo menos, em alguma situação as iniciativas
do aluno autista, motivar o proceder autônomo o induz a sentir-se
capaz de atingir um objetivo, superando obstáculos com suas
capacidades.
A Psicoterapia traz em si um universo de procedimentos
cientificamente aceitos, que consolidam-se nas diversificadas
ideias enunciadas nas teorias. Tais ideias expressarão ao longo da
existência humana o interesse do homem em conhecer e controlar
a fértil, fascinante e paradoxal vida interior. É difícil escrever algo
sobre Psicoterapia sem sequer citar as grandes concepções de
investigação desta área, que vão desde a Psicanálise de Sigmund
Freud e Carl Gustav Jung, passando pelo Behaviorismo clássico
de John Broadus Watson e pelo célebre behaviorista norte-
americano Burrhus Frederic Skinner, até a Gestalt-terapia dos
Perls, todos buscando desvelar os mistérios da mente humana,
seja na direção subjetiva do inconsciente, seja na direção do
categórico objetivismo behaviorista ou na crença gestáltica da
exteriorização da genuína potência humana, que, reprimida por
padrões de condutas desejadas pela sociedade, cede lugar a um
tipo de ethos humano artificial. Pouco a pouco, surge no ser
humano uma crosta ou couraça que anestesia a essência autêntica
do Ser, fazendo-nos exteriorizar personalidades fictícias e de
voláteis aparências. Com tal conduta, o homem vive fantasias em
um estado de pseudofelicidade.
Bom, voltemos ao estudo do autêntico modo de ser autístico.
Apesar das contestações, a Psicoterapia pode beneficiar a criança
autista. Agora, há de se examinar qual técnica, dentre as várias
existentes na Psicoterapia, ajudará a criança atendida, pois a
aplicação de uma delas depende da avaliação das diferenças
clínicas de cada caso estudado, sendo necessário apreciar o grau
de retardo das funções cognitivas, o nível de desenvolvimento, a
capacidade da fala, a capacidade da comunicação expressiva,
receptiva e funcional. Crianças autistas possuindo elevado grau de
comprometimento das funções cognitivas e da capacidade de
comunicação expressivo-receptiva, muito provavelmente, não se
beneficiarão com a intervenção de recursos da ludoterapia,
tenderão a apresentar alguns resultados positivos com as técnicas
da teoria comportamentalista.
Inspirados nas ideias da dialógica psicoterapêutica para
construção e composição das relações com outros sujeitos
históricos e sociais, a partir das vivências nestes cenários
existenciais onde são necessárias experiências compartilhadas, o
aprendizado servirá de força propulsora na elaboração de
contribuições que trabalhos iguais a este atuam como facilitadores
para outras experiências pedagógicas. Cito Martin Buber para
complementar minha crença no potencial humano solidário.

Quando, seguindo nosso caminho, encontramos um homem


que, seguindo o seu caminho, vem ao nosso encontro, temos
conhecimento somente de nossa parte do caminho, e não da
sua, pois esta nós vivenciamos somente no encontro.
(BUBER, 1979, p.88)

Realmente, eu me realizo com o outro, que se faz em mim pela


convergência de desejos, conjugados em um determinado espaço
de circunstâncias.
Descreverei, sob o formato de conversação, as questões
partilhadas nos encontros com duas pessoas, uma delas mãe de
um autista.
– Diga-me: Quais as principais abordagens psicoterápicas
aplicadas no atendimento do portador de Distúrbios Abrangentes
do Desenvolvimento no contexto atual?
– (Eliana Lima – psicóloga) Faço menção a José Raimundo
Facion, a fim de justificar que, segundo este autor, “o trabalho
interdisciplinar de forma integrada se faz sempre necessário. Os
profissionais devem usar procedimentos e técnicas em comum,
discutindo com os pais sobre as necessidades da criança e sobre o
que ela consegue entender e executar. Para isso sugere-se um
profissional de apoio, com o objetivo de organizar e orientar o
tratamento, assim como, analisar a evolução do quadro do
paciente” (FACION, p.62). Destaco a Terapia Comportamental.
Incluímos sob o nome Terapia Comportamental qualquer uma das
várias técnicas específicas que utilizam princípios de aprendizado
para adquirir, mudar ou transformar o comportamento humano.
– Adentrando nas questões práticas, comente sobre os métodos
utilizados para o diagnóstico e o atendimento da criança ou do
adolescente.
– (Rivalina Macêdo – psicóloga especialista e mãe de um
adolescente autista) Avaliar a capacidade auditiva, realizar
exames do tipo eletroencefalograma, imagens por tomografia
computadorizada e por ressonância magnética. Avaliar a criança
em termos de seu desenvolvimento, de modo que se identifique
como se apresentam suas habilidades emocionais, sociais,
cognitivas e comunicativas por meio da observação direta da
criança no seu ambiente natural – em casa, na escola –, realização
de entrevistas com os pais, os professores ou outros responsáveis.
Podem-se utilizar instrumentos padronizados para fins de
avaliação, como SAB-2 (aplicado antes de dois anos de idade),
IBSE (de 6 a 48 meses), CHAT (18 meses a 36 meses), CARS
(indivíduos de todas as idades) e ADI-R (usado a partir dos 18
meses). A partir dessas informações, será possível estabelecer
metas e objetivos, necessários e adequados para o atendimento.
– Pergunto agora: Quais as perspectivas sobre os prognósticos?
– (Eliana Lima) Se o tratamento utilizar abordagens
estruturadas, planejadas e comprovadas cientificamente, as
perspectivas serão positivas.
– Diante da sua experiência, que comportamentos autísticos
podem ser modificados durante os períodos de intervenção?
– (Eliana Lima) Melhoram no relacionamento com outras
pessoas e nas situações (referência ao isolacionismo), surgimento e
manutenção de contato visual, minimização de conduta
autoagressiva, redução da repetição de movimentos e atividades
(estereotipias).
– Finalizando esse fecundo encontro, pergunto: Qual sua
opinião a respeito da educação especial no âmbito das discussões
de inclusão social?
– (Eliana Lima) Positiva. Acredito que a inclusão social é
possível, mas, como todo processo de mudança, é passível de sofrer
oscilações, nem sempre com resultados desejados, contudo, estas
oscilações atuam como pontos fortalecedores e questionadores,
ocorrendo aprendizagem nas partes envolvidas.
Definimos como responsabilidade ética toda atitude daquele
que lida com pacientes inclusos no Espectro Autístico, que busca
diligentemente averiguar as causas associadas aos sintomas dos
distúrbios, avaliando a Psicopatologia da pessoa e a extensão da
toxidade da droga no organismo.
A sinceridade na relação do profissional com os pais ou os
responsáveis, explicando por meio de palavras acessíveis a
necessidade do uso de algum medicamento, suas particularidades
e possíveis efeitos, com a devida cautela, levando em consideração
condições emocionais e culturais, ainda é o caminho viável para
evitar reações temerosas motivadas pelo desconhecimento. O
tratamento farmacológico é administrado em casos especiais e por
períodos não muito longos e objetiva diminuir comportamentos
mal adaptativos (crises de agitação, agressividade,
comportamento autodestrutivo), com o propósito de proteger a
integridade física do paciente, ajudando-o a permanecer em uma
condição de saúde que lhe permita progredir nas outras propostas
terapêuticas. A Academia Americana de Psiquiatria notifica
oficialmente, em 1979, que as drogas neurolépticas (conhecidas
como antipsicóticos) não têm influência favorável na pessoa
portadora de retardo mental e raramente ajuda o autista. A
indicação dessa droga bastante tóxica do ponto de vista
farmacológico é para o tratamento de esquizofrênicos.
Um dos problemas das drogas neurolépticas está na redução
das capacidades mnêmicas e de aprendizagem, no entanto estudos
provam que o efeito de embotamento cognitivo tem origem nas
dosagens administradas em níveis desproporcionais. Nestas
pesquisas, houve a comprovação de que, em certos pacientes
autistas e sob condições muito particulares, há melhoras na
aprendizagem porque diminuem os sintomas, como
hiperatividade, inquietação, irritabilidade, afeto instável e
estereotipias. Segundo a opinião do pesquisador Carl King,
professor de farmacologia, da Universidade de Tulane,
recomenda-se usar neurolépticos em uma duração média de dois a
três meses no máximo, em casos muito bem selecionados.
Os principais efeitos colaterais das drogas neurolépticas são:
disforia e sensação de mal-estar; depressão; sedação profunda;
discinesia tardia, reação que pode demorar a desaparecer e
consiste em movimentos involuntários, distúrbios psíquicos
refletidos na motilidade, na contração de músculos, nos tremores
de mãos e em uma sensação difusa de querer saltar para fora do
próprio corpo.
O caso que descreveremos é resultado das experiências
educacionais vividas nos encontros com dois autistas adultos,
porém jovens, em um período de dois anos e meio, alunos da
Associação Pestalozzi da Paraíba, uma escola de educação
especial, entidade filantrópica, considerada de utilidade pública
pela Lei Municipal n.º 2.256, de 17 de fevereiro de 1978, e pela Lei
Estadual de n.º 4.074/79, registrada na vara privativa da infância
e da juventude, em 29 de novembro de 1991, e no conselho
Nacional de Serviço Social, sob n.º 167/97, campo de obtenção de
dados e desenvolvimento sistematizado de estudos sobre a
Psicopatologia autística, onde também ocorreram às intervenções
fundamentadas em certos princípios behavioristas e gestálticos,
aplicados por meio das atividades de natureza psicopedagógica,
orientadas à estimulação cognitiva, psicomotora, sensorial e
afetiva, sendo criteriosamente planejadas conforme as
características clínicas (laudo médico analisado), as limitações e as
potencialidades individuais, específicas a cada ser humano,
sempre objetivando ajudar o educando autista a expressar suas
capacidades, potencializando, por meio dos recursos lúdico-
pedagógicos, os caminhos de aprendizagem pelos quais o aluno,
em algum instante imprevisto, demonstrará que quer e pode se
comunicar com a realidade na qual está inserido, seja por gestos,
sons ou movimentos corporais, o que significa a resposta para
continuar estimulando e reforçando as habilidades cognitivistas e
sociointeracionistas, na busca da melhora dos problemas
comportamentais relacionados aos distúrbios da síndrome do
Autismo.
A despeito de a pesquisa ter focalizado dois autistas,
apresentaremos somente o estudo daquele com um quadro de
características mais intensas, para que tenhamos conhecimento de
maior abrangência acerca das manifestações sintomáticas de um
autista clássico, bem como dos efeitos da terapia educacional em
um comportamento autístico de considerável comprometimento.
Por questões éticas, faremos alusão ao autista citando as iniciais
do seu nome e sobrenome. G. de O. L. nasceu de parto cesariano
em 8 de maio de 1987. A mãe conta que não ouviu o choro do bebê
e, ainda, relata sérias complicações de ordem física e psicológica
que a envolveu durante o pré-natal. No oitavo mês de gravidez,
sente intensas dores, e o bebê deixa de mexer, fato que preocupa a
mãe, fazendo-a procurar orientação médica. O médico que a
atendeu reconhece ser uma situação atípica, recomendando-lhe
fazer exercícios de estimulação. A mãe menciona acontecimentos
marcantes. Entre o terceiro e o quarto mês de gestação, discute
violentamente com o marido, sendo agredida fisicamente. Ela diz
que o período pré-natal foi caracterizado por perturbações
emocionais e carência alimentar. Segundo o laudo médico
expedido em 16 de maio de 1995, sob a responsabilidade da
Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador de Deficiência
(FUNAD), G. de O. L. foi avaliado pela equipe multidisciplinar
desta fundação, concluindo que o mesmo é portador de Deficiência
Mental e Autismo, necessitando acompanhamento especializado
de reabilitação. Após o diagnóstico, os pais recebem orientação de
apoio para encaminhamento e, por razões de conveniência, a
família decide matricular G. de O. L. na Associação Pestalozzi,
escola de educação especial, próxima ao local em que reside. Na
instituição Pestalozzi, a equipe de profissionais avalia o paciente,
entrevista os pais com a finalidade de conhecer a estrutura
familiar, no tocante aos aspectos sociais, econômicos e afetivos,
além do modo de vida diário do autista. Tal procedimento
possibilita a construção de um planejamento educacional de acordo
com as reais necessidades do aluno.
Consta no histórico do aluno G. de O. L. um conjunto variado
de acentuadas alterações comportamentais, principalmente nos
primeiros períodos do atendimento: Isolacionismo; apatia (mesmo
permanecendo perto das pessoas, mantém ausência de ação
expressiva); resistência à participação nas atividades (birra,
enrijecimento do corpo, ficando temporariamente estático);
reações agressivas (empurrou a professora uma única vez durante
a aula); comportamento repetitivo, ritualístico (passa um objeto
entre os dedos da mão, põe a cadeira mais de uma vez em uma
mesma posição); insistente desejo por água; risos aparentemente
sem motivos; só um registro de fuga repentina correndo pelo pátio
da escola; emite sons com frequência irregular; abre a boca e
parece dizer a vogal “a”; atende por comunicação gestual aos
pedidos simples, tipo: pare, venha, pegue; leve agitação
psicomotora durante as estimulações; defasagem na coordenação
motora fina e ampla (equilíbrio); interesse por partes da roupa ou
do corpo daquele que se aproxima dele; relaciona-se com os objetos
cheirando-os e levando-os à boca; traços fisionômicos diferentes
(caretas); movimento oscilatório do corpo; gira bruscamente a
cabeça; com frequência, pressiona o ouvido com o polegar; evita
contato visual direto; prefere olhar as pessoas de lado; esquiva-se
no contato com o corpo de outra pessoa.
De acordo com informações da família, registradas nos
documentos de controle individual do aluno, o mesmo, ao
ingressar na escola em 2 de fevereiro do ano de 2000, encontrava-
se sob o uso dos medicamentos Diazepan e Ampliquitil.
O encontro com G. de O. L. aconteceu em novembro do ano de
2003. Fora dito que este jovem, na época com 15 anos de idade,
tinha interesse por água: abria a torneira e punha as mãos na
água, o que causava nele risos. Passamos então a observar o modo
como esse adolescente se relacionava com as coisas à sua volta.
Dia após dia, a lógica dos acontecimentos confirmara que o
caminho seria descobrir nele o ponto de partida para começar a
organizar os trabalhos de intervenção. Outra referência articulada
aos fatos examinados com bastante atenção dizia respeito à
consolidação da certeza de que a primeira iniciativa de interação,
utilizando o recurso da água, seria o meio mais viável para
estabelecer um vínculo, afinal, o querer participar de atividades
com água estava partindo da vontade emanada de sua vida
interior e não apenas de modelos prontos padronizados. Vale
lembrar que eu, ainda, não tinha a resposta dessa conjectura,
contudo, acredito na potência realizadora atemporal do ser
autista, creio na vivência do possível e da superação. Mesmo
assim, buscamos validar com mais precisão a referida intuição
racional, indagando ao renomado psiquiatra infantil Genário Alves
se uma fixação autística pode indicar um canal de comunicação,
facilitando o desenvolvimento da ideia de construir atividades
pedagógicas. Em uma entrevista realizada no dia 4 de agosto do
ano de 2003, gravada em fita k-7, ele respondeu que o fato de o
autista expressar certa afeição pela água pode ser o começo para
estimular a própria afetividade a partir desse contato com a água
e o terapeuta. Ainda disse: “Nós temos de identificar meios,
mecanismos pelos quais permitam chegar até essas pessoas, tendo
de valorizar aquilo que o autista apresenta, então é correto
explorar por meio dessa fixação uma relação com a criança ou o
adolescente, tentando conhecê-la em todos os aspectos”. Durante
semanas (dois dias em cada), explorou-se o uso do elemento água
devido às respostas positivas de interação. Realizamos práticas
simples do tipo encher uma garrafa de plástico e chocalhar a água
dentro da garrafa. Repetia a tarefa, pondo menor quantidade de
líquido e colorindo-o e, com isso, eu provoquei uma mudança na
situação, trabalhando a percepção de cor, peso da garrafa,
movimento dos braços, além da percepção auditiva ao ouvir o som
do balançar da água no recipiente fechado. Enchia a garrafa,
colocando-a perto dele. Utilizamos a comunicação gestual,
apontando para o objeto. Às vezes, demorava a responder, mas
tornava a direcionar a mão pegando a garrafa. Também fazíamos
questão de que ele entregasse a garrafa em múltiplas direções
(direta, esquerda, no alto, em baixo). Em outros momentos, G. de
O. L. movia-se ora para molhar as mãos debaixo da torneira, ora
para apertar bolas de sopro cheias d’água.
Com a continuidade, começamos a exercer sucessivas práticas,
visto que percebera a importância de produzir um espaço rico em
estímulos. De certo que as intervenções por meio deste conjunto
de experiências pedagógicas não podiam acontecer aleatoriamente,
então organizo um planejamento de trabalho, especificando a
sequência das tarefas para os respectivos dias, tempo de duração,
objetivo a alcançar com o aluno, procedimentos, material utilizado
e, ainda, resultados observados em cada área estimulada.
Agrupou-se, a seguir, uma exposição detalhada, referente à
composição estrutural das práticas registradas nestes roteiros de
atividades, ilustrando com fotos que nos daria a visualização dos
brinquedos, os trabalhos realizados e a forma como os alunos
interagem com os materiais.

Exercícios Aplicados em Nível de Cognição


Os objetivos traçados para aquela aula consistiam na
estimulação da coordenação olho-mão e da coordenação motora
fina, por meio do encaixe das peças de plástico. Nesta atividade
lúdica, os autistas são incentivados a construírem formas com
peças de encaixe do brinquedo Lego. A princípio, faço uso de peças
pintadas com uma única cor. Dando continuidade ao exercício
lúdico, outras peças de cor oposta à cor inicial são colocadas sobre
toda a área da mesa, propiciando ao aluno um ambiente
diversificado de situações e alternativas. G. de O. L. necessita de
apoio direto quando se trata de começar a interagir com as peças
do brinquedo, também não impõe continuidade ao ritmo da
atividade na qual se envolve, todavia, mesmo diante dos
impedimentos, consegue concretizar parte das tarefas sem ajuda.
Agora são entregues folhas de papel ofício em branco e lápis de
cera de várias cores. Todas as folhas são pintadas. Depois, sem o
auxílio de tesoura, usando a força das mãos e a movimentação dos
punhos, o aluno rasga as folhas, colando os recortes das formas
dos papéis rasgados nos espaços da cartolina. Novamente, é
preciso ajudar G. de O. L., segurando sua mão para melhor apoio
do lápis entre os dedos para inicialização dos rabiscos, para rasgar
as folhas e para colar os pedaços na cartolina. Ora compreende
que é para riscar a folha em branco, ora mostra-se apático, insiste
em fazer círculos justapostos. Os objetivos contemplados buscam
motivar o educando a perceber os limites de uma superfície plana,
impulsionar a exteriorização de potencialidades estéticas, além de
fortalecer o vínculo interpessoal nas relações entre ensino e
aprendizagem. Utilizou-se nestas atividades peças plásticas
rígidas de encaixe, lápis de cera, cola bastão não tóxica lavável,
cartolina, folhas de papel ofício.
A tarefa de empilhamento tem destaque na ação sobre os
materiais concretos. Após o empilhamento completo dos objetos,
antes espalhados na mesa, desconstroe-se a situação, reforçando a
possibilidade de refazer e recriar a partir daquilo que é
aparentemente estável. A intenção é fazer com que o aluno
perceba a mudança das coisas, pois o tubo verde pode ficar em
uma posição naquela montagem e, em outra, o mesmo tubo pode
estar embaixo, ou lá no alto, no topo da torre, mas essa posição
não é eterna. É parte integrante desse trabalho o estímulo à
coordenação das ações construtivas, experimentadas com certa
lógica de arrumação, sequência de formação e distância.
Observamos em G. de O. L. a fixação em um único alvo de
trabalho; a dificuldade em distribuir as quantidades de peças por
cada torre levantada, para evitar o excesso e a consequente queda,
o que mostra a presença de um deficit na organização lógica das
ações; que os ruídos despertam grande interesse nele; que gosta de
produzir sons, barulhos; e que bate objetos na mesa ou contra
outros objetos. Respondeu muito bem aos comandos de
comunicação, pois eles facilitaram a execução do encadeamento
das ações para conclusão da atividade, sendo um dos principais
objetivos gerar mecanismos que permitissem a comunicação
expressivo-receptiva por comandos curtos, como pare, siga, em
cima, tirar, reforçados gestualmente. O indicado nesta tarefa é
sentar olhando de frente, posição do rosto na mesma altura do
aluno. Outro recurso necessário ao atendimento tem por fim
oferecer ao aluno um intervalo de descanso entre as atividades,
você pode colocar uma música suave e deitar-se ao lado dele.

Aqui o trabalho lúdico motiva o educando a pôr e retirar


formas geométricas, que serão encaixadas nos espaços de uma
folha de madeira vazada com corte idêntico às peças geométricas.
Os objetos foram entregues em ordem crescente, facilmente
dispostos perto do aluno, depois dificultou-se (criação de situações-
problema), pondo uma ou mais peças na parte de baixo da mesa,
por exemplo. Mais uma vez, enfatizou-se o ato de interagir com o
concreto, até porque, a função simbólica é uma aptidão seriamente
comprometida na síndrome do Autismo. G. de O. L. evidencia
dificuldade em compreender as orientações, prefere iniciar o
encaixe sem seguir instruções e, de repente, interrompe a
atividade, necessitando de ajuda para dar continuidade e
conclusão, muito embora, é na atividade de encaixe,
enfileiramento, empilhamento que ele demonstra desempenho
com maior número de êxito.

Exercícios Aplicados em Nível de Psicomotricidade


Objetivos Esperados: motivar a percepção corporal, a relação
entre corpo e espaço, trabalhar a coordenação global, estimulando
o equilíbrio, a orientação do corpo e o fortalecimento da
musculatura ampla. A atividade psicomotora é caracterizada pelo
uso de uma corda flexível disposta no solo, formando linhas
paralelas, compreendendo entre uma volta e outra um
espaçamento próximo aos 30cm. A primeira etapa trabalhará com
as linhas no sentido horizontal; na segunda etapa, monta-se um
conjunto de linhas no sentido vertical. O aluno é incentivado a
movimentar-se sem tocar nas linhas, ele deve, passo a passo, pisar
na área demarcada pelas voltas da corda. As primeiras repetições
constam de exercícios orientados e, em seguida, tenta-se provocar
repostas autônomas. O trabalho segue uma série de repetições
com pausa para relaxamento, entretanto considere tal sequência
como referencial. Respeitar as limitações orgânicas é fundamental
para uma harmoniosa evolução. G. de O. L. se mostra
participativo, atendendo aos pedidos, mas, ainda assim, apresenta
leves tremores musculares, comprometimento significativo quanto
ao equilíbrio do corpo, gira a cabeça, demonstra instabilidade do
olhar, presença de estereotipias, respostas com ritmo de marcha
alterado.
Deve-se dispor determinado número de arcos de plásticos
(bambolês), organizados de modo que todos fiquem enfileirados.
Prossegue-se motivando o aluno a repetir os movimentos do
professor, que consistem em pular cada bambolê – dois pés juntos,
pé direto sem o pé esquerdo, tocar no chão, depois inverte. A
princípio, as atividades são livres, podendo acrescentar mais
recursos de estimulação, a exemplo de o aluno pular segurando
um bastão ou uma bola. Lembre-se de que é indispensável aplicar
este ou aquele procedimento, obedecendo às particularidades
próprias da pessoa autista. O ritmo e a complexidade do conjunto
de atividades são graduais, dependem das respostas do
comportamento individual analisadas detalhadamente. Não se
esqueça do tempo de descanso entre os exercícios.
A atividade também prevê que os arcos sejam ordenados em
outras direções ao final das sequências de trabalho. Os bambolês
devem estar dispostos da esquerda para a direita e, inversamente,
em posição diagonal, utilizando os quatro cantos da sala.
A meta pretendida a favor do aluno combina diferentes
aspectos: fortalecimento da expressão corporal, promover o
deslocamento do corpo em múltiplas direções (lateralidade e
direcionalidade), favorecer o ordenamento das ações e estimular o
equilíbrio do corpo. Os resultados observados em G. de O. L.,
ainda que inconstantes, foram a presença de movimentos
desordenados: pisa nos bambolês e, em determinados momentos,
direciona os passos para dentro do círculo com o pé direito reto,
formando um ângulo próximo de 90º, enquanto o pé esquerdo fica
em uma posição oposta, aproximadamente 130º; em outros
momentos, sequer consegue coordenar o posicionamento do corpo
dentro e fora do círculo. Necessita de intervenção direta para
ordenar seus movimentos, mas o apoio não é contínuo. Há
evidência de defasagens na atenção e no equilíbrio do corpo. Ele
conclui as tarefas, respondendo com positividade ao chamado pelas
instruções: pare, vem, dentro, fora.

Foram utilizados materiais concretos geométricos (cubos,


quadrados, retângulos, triângulos) de superfície lisa, colocando-os
na mesa, ou fazendo com que a pessoa autista segure um a um
separadamente. Ao trabalhar com o cubo, põe-se na mão dele e o
ajuda a apertar o objeto, fechando sua mão. O procedimento é
idêntico para a manipulação dos demais objetos. As respostas são
avaliadas. Se for conveniente, o grau de complexidade será
aumentado, entregando-lhe os objetos de dois em dois,
simultaneamente.
Após a série de repetições com cada material, não se
esquecendo do necessário tempo de intervalo, vem a etapa
posterior, referente à organização das peças geométricas em uma
caixa de isopor. Nessa fase, o autista é estimulado a arrumar tais
peças dentro da caixa, cuja área interna possui relevo irregular,
assim o aluno é induzido a executar ações de maior domínio sobre
as representações concretas. Isto implica distribuir e organizar os
objetos, adequando-os às características físicas do local
apresentado (ênfase no conhecimento lógico), trabalhando, desse
modo, o binômio psiquismo-movimento versus movimento-
psiquismo. Ao proporcionar essas práticas espera-se contribuir
para o incentivo ao desenvolvimento da psicomotricidade fina, a
redução do isolamento autístico, além do estímulo à percepção por
meio da manipulação de objetos com formas variadas. Os
resultados vistos expõem, de início, certa resistência à interação,
pois o problema está na dificuldade em compreender as
informações. Apesar disso, envolve-se no trabalho pedagógico,
mantendo contato com a realidade sentida, agindo sobre os objetos
projetados no ambiente social.

Devem ser trabalhados os movimentos cinestésicos


longitudinais e circulares, dando-lhe a oportunidade de assimilar a
noção de limite em uma área de trabalho. O professor deverá
ensiná-lo a rabiscar garatujas apenas no espaço das folhas, gerar
um campo dinâmico de impressões, com o propósito de estimular
os sentidos e a atividade mental e fazer com que o educando
desenvolva um maior controle sobre o movimento do braço, a
rotação do punho, o domínio de preensão de objetos entre os dedos
e, por meio disso, haverá um favorecimento à maturação
psicomotora em relação à linha imaginária que divide o corpo em
duas partes simétricas (lei próximo-distal). Aqui o enfoque
principal se baseia em conduzir a expressividade livre dos
conhecimentos já adquiridos. O professor atua na função de
mediador, conduzindo a prática até a efetivação dos objetivos
lançados no plano de aula, porém aguarda as reações construtivas
do aluno, diante das fontes geradoras de estímulos. Novamente, o
que se deseja é ver a materialização de componentes relacionais
inclusos no conceito do desenvolvimento psicomotor. Conforme
afirmam Palácios e Mora (1995), tais componentes caracterizam
“o fato de que por meio do movimento e das ações, o indivíduo
entra em contato com pessoas e objetos”. Ora, atingindo este
comportamento pretendido na intervenção, fica evidente a
contribuição dada à redução dos problemas de distanciamento
relacional, típicos na síndrome do Autismo, contando, ainda, com a
aceitação ou uma maior tolerância por parte do autista às
mudanças no ambiente. G. de O. L. responde às expectativas,
rabisca traços e círculos, escolhe o giz de cera espontaneamente,
dirige o olhar aos movimentos quando risca as folhas. Até então,
são notados risos desconexos, discreta agitação motora, com
movimentos estereotipados da cabeça e balanços do corpo.
Até a finalização dessa pesquisa, considerando o diálogo com os
pais e a convivência junto a G. de O. L., o mesmo não toma
nenhuma medicação, participa de rotinas de trabalho, ajudando
sua mãe a enxugar talheres, varre alguns cômodos da casa, põe a
comida no seu prato, acompanha o padrasto nos momentos de
lazer. Nem todas as solicitações feitas têm respostas, pois
permanece o mutismo, emite sons parecidos com “a”, “ba”, “au
au”, “hum”, existe risos inesperados sem sentido, tem apego a
detalhes da roupa ou do corpo, leva os objetos à boca, possui
algumas reações de resistência a alterações em objetos da casa,
que insiste em colocá-los no mesmo local.
As proposições deste estudo objetivaram potencializar a
socialização do ser humano autista, desenvolvendo atividades
psicopedagógicas de estimulação às capacidades cognitiva,
psicomotora, sensorial e afetiva realizadas no espaço escolar e
familiar, modificando o comportamento autístico para uma
conduta mais autônoma, adaptada ao convívio na sociedade.
A pesquisa também buscou conhecer as realidades da
Psicopatologia e as realidades da vida do portador da síndrome, a
partir da observação do comportamento de autistas, em mais de
uma escola de educação especial, visitas às famílias com registro
de informações, aplicação de enquetes e questionários aos
professores e aos profissionais das áreas que convergem ao tema
abordado.
Como todo ser humano, o autista também pode ser sociável,
embora apresente dificuldades de comunicação. As pessoas
necessitam de motivação, porém os autistas respondem a ela
positivamente quando interagem durante as atividades de
estimulação. As repostas à atividade educacional progridem e
regridem, variando e movimentando a qualidade e o ritmo da
aprendizagem, principalmente quando o autista, se afasta por
certo período, do ambiente que o motiva, daí a importância da
continuidade do atendimento e da estimulação. Neste aspecto em
particular, a colaboração da família é fundamental.
Pelos estudos e pelas pesquisas ora realizadas, salientamos que
o que a pessoa autista precisa é de um espaço de estímulos
planejados individualmente, executados individual ou
coletivamente, construído em uma concepção metodológica
flexível, com traços cognitivistas e sociointeracionistas cuja
tônica, antes de qualquer nomenclatura, seja o progresso do
aluno, o respeito às suas diferenças e aos ritmos de
desenvolvimento, sobretudo considerando seus contextos
sociofamiliares e culturais, antes de rotulá-los com algum termo.
Pretender estudar o Autismo é uma posição pedagógica e
acadêmica que traz consigo a necessidade do desenvolvimento de
uma atitude de investigação, de estímulo a continuar
pesquisando, analisando, discutindo com outros estudiosos, pois
muito ainda precisa ser descoberto sobre esta síndrome, uma vez
que pouco ainda se sabe. É um trabalho repleto de possibilidades,
e encontra-se um vasto campo de argumentações, hipóteses e
metodologias, que constituem as correntes de estudiosos e
pesquisadores ligados a diferentes escolas: francesas, inglesa e
norte-americana, com concepções e proposições que, em alguns
momentos, divergem e, em outros momentos, se aproximam.
A formação mais sólida, nas questões que atravessam o tema,
depende da busca pelo diálogo interdisciplinar, com profissionais
da Psiquiatria, Neurologia, Pediatria, Fonoaudiologia,
Fisioterapia, Psicologia, Pedagogia, que tenham experiência e
conhecimento específico, por meio de estudos, pesquisas,
entrevistas, análise de casos, observação de comportamentos dos
autistas na sala de aula e na vivência do contexto familiar. O
conhecimento dos relatos da família, desde os estágios do
desenvolvimento das crianças até as questões de aquisição de
hábitos, habilidades, atitudes, fixações, manias ou quaisquer
outras informações, constitui uma fonte ilustrativa de troca de
experiências e referências para o planejamento das possíveis
atividades pedagógicas e educacionais que podem ser
desenvolvidas com eles.
Depois de vivenciar e analisar a realidade do campo de
pesquisa, constatamos que é importante para o progresso pessoal
e social dos autistas, visando à sua inclusão socioeducacional, a
participação dos pais, dos professores e daqueles que estudam e
lidam com a temática, em grupos interessados, para possibilitar a
troca de experiências e as reflexões das concepções das
Psicopatologias inseridas nesta categoria de classificação, a noção
de conceito, diagnósticos, etiologias, prognósticos, formas de
atender e elaborar atividades de estimulação, ajudando a criança
no próprio espaço familiar. Aprofundar o conhecimento das
teorias psicológicas que fundamentam os métodos de intervenção
propostos, questionar os paradigmas educacionais que
influenciam a formação do professor, o que ele, cidadão construtor
da história da educação, pensa sobre a educação especial, sua
opinião nas questões das políticas curriculares e de inclusão faz
parte da necessária articulação entre a família e a escola destas
crianças.
Outro aspecto importante é discutir com todos os segmentos
sociais as políticas de atendimento, refletindo com os pares, se são
apenas discursos ou constituem uma possibilidade de execução
prática, de reconhecimento de direitos sociais por meio de uma
política participativa. Estas reflexões certamente propiciarão aos
grupos participantes a formação de uma consciência crítica.
Desenvolver trabalhos pedagógicos direcionados às crianças e
aos adolescentes portadores da síndrome do Autismo é
aparentemente desafiador, mas, quando cada acontecimento se
transforma em possibilidade tão real e envolvente, a sensação é
de que as etapas estão sendo vencidas. A própria convivência
motivada por atos construídos sobre bons sentimentos faz nascer
uma genuína sensibilidade capaz de aguçar os sentidos à
percepção daquele pedido tímido, às vezes, pronunciado por
palavras ou gestos e, na ausência destes, expressado no olhar, ora
discreto, ora tão profundo que nos impressiona. São essas
realizações e a relação constante, fazendo-nos com o outro, que
alimentam a disposição para doar um pouco de atenção àquela
participação em uma brincadeira, quem sabe a paciência na
medida certa naquele único instante, onde muitos chegam cheios
de vontade, mostrando um objeto de uso pessoal ou algo que
signifique para eles um elo com o mundo.
No decorrer deste estudo, percebeu-se quanto é importante
manter os autistas e as pessoas portadoras de outras síndromes
sob um ambiente rico em estímulos, participando ativamente das
situações familiares. Porém, para que isso ocorra
conscientemente, os membros da família precisam conhecer seus
filhos, devem ir a palestras, cursos de formação, se comunicar
com outras famílias, com o objetivo de partilhar experiências e
aprender diferentes maneiras de ajudar seus filhos. Evitem isolar
a pessoa portadora de algum tipo de deficiência, tampouco se
isolem com vergonha do mundo. Apareçam, criem organizações,
formando grupos de estudo para conversar, ampliar
conhecimentos e reivindicar direitos por meio de discussões
políticas.
O Autismo é um grave distúrbio do desenvolvimento, e tal
verdade não pode ser omitida, mas não precisa ser agregada com
tabus e preconceitos. A terapia ambiental ou pedagógica associada
às intervenções terapêuticas de profissionais da Fonoaudiologia,
da Fisioterapia, da Psicologia, da Psiquiatria e da Neurologia
favorece a diminuição dos problemas e aumenta a socialização. A
criança, o adolescente e o adulto autista aprendem, sim, e gostam
de estar perto de pessoas que as abracem, mas o que acontece em
certos casos é a dificuldade com relação à sensação tátil, devido às
anormalidades neurológicas, então a aproximação deve acontecer
gradualmente. Ficar perto dessas pessoas transforma-nos em
seres mais humanos, quando estamos dispostos a
compreendermos nós e eles.
Abrace-os, ame-os. Nos primeiros contatos, talvez haja medo,
vontade de se afastar, todavia reconheça esta pequenez, pois
conhecendo-se fica mais fácil sobrepujar certas limitações. Sem
dúvida, estes seres humanos portadores de amor poderão
despertar muitos sentimentos adormecidos, dando um sentido
divino ao nosso viver, mostrando-nos, por exemplo, que a essência
das coisas reside na simplicidade, na humildade, na infinita
riqueza de ser livre de atitudes preconceituosas. Sejamos normais
o suficiente para assumir que somos humanos, gostamos de
brincar, herdamos a riqueza da bondade, do amor solidário que
existe na vida interior de cada pessoa desde o instante da
concepção. Devemos resistir às influências que matam o ser
humano em vida, apesar de sermos constantemente motivados,
instigados a gostar muito mais daquilo que nos é conveniente ou
adequado às regras de uma sociedade consumista, competitiva,
egocêntrica, orientada pelo ideal de um hegemônico padrão de
beleza ou de riqueza. É preciso compreender que a verdade que
liberta é aquela que torna o homem livre, e a liberdade consiste
na capacidade de discernir por si, reconhecendo que nada saberá
se não tiver humildade para buscar em Deus a sabedoria do
caminhar conforme os preceitos do amor e dos princípios de uma
convivência social justa e democrática onde as diferenças não
sejam motivos de discriminações e preconceitos.
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Referências
Conheça também da Wak Editora
50 Dinâmicas no Enfoque Holístico – Eliane Porangaba Costa

Afetividade e Inteligência – Cláudio Saltini


Afeto e Aprendizagem – Eugênio Cunha

Alfabetização e Formação de Professores – Carmen Sanches Sampaio

Ana e o Dr. Finkelstein – Lúcio Packter


Aprendizagem, Linguagem e Pensamento – Luiza Elena L. R. do Valle e Francisco Assumpção Jr.
(orgs.)

Aprendizagem: Tempos e Espaço do Aprender – Fabiane Ortiz Portella e Fabiane Romano de Souza
Bridi (orgs.)

Aquisição da Leitura e Escrita – Mariângela Stampa


Arteterapia – arquétipos e símbolos – Dulcinea da Mata Ribeiro

Arteterapia – métodos, projetos e processos – Angela Philippini (org.)

Arteterapia com Crianças – Vanessa Coutinho


Arteterapia com Idosos – Vanessa Coutinho

Arteterapia em Revista – Ângela Philippini (org.)

Arteterapia: A transformação pessoal pelas imagens – Maria C. Urrutigaray

Autismo e Inclusão – Eugênio Cunha

Autismo, Linguagem e Educação – Sílvia E. Orrú

Brincar e Viver – Projetos em Educação Infantil – Ivanise Meyer

Brinquedoteca Hospitalar – org. Drauzio Viegas


Ciclos em Revista 6 volumes – Andréa Rosana Fetzner (org.)

Criança e a Arte, A – o dia a dia na sala de aula – Aurora Ferreira

Crônicas Para Uma Nova Escola – Danilo Gandin

Dificuldades de Aprendizagem em Leitura e Escrita – Geraldo Peçanha


Distúrbios de Aprendizagem e de Comportamento – Lou de Olivier

Educação Ambiental Consciente – Carly Machado (org.)


Educação Ambiental Urbana – Vilson Carvalho

Educação e Psicanálise – Jane Patrícia Haddad


Fundamentos Biológicos da Educação – Marta Pires Relvas

Gestão Democrática – Wendel Freire (org.)

Gestão Educacional – José do Prado Martins

Impressões Sonoras – Márcia Victorio

Inclusão – Fátima Alves

Mitologia e Vivências – Bosco Oliveira e Ingrid Oliveira


Motivação no Ensino e na Aprendizagem – Fabiane Kauark e Iana Muniz

Para Entender o Novo Acordo Ortográfico – Lucíola Medeiros Brasil

Para Entender Psicopedagogia – João Beauclair

Para Entender Síndrome de Down – Fátima Alves

Psicopedagogia – Trabalhando Competências – João Beauclair

Psicopedagogia e Arteterapia – Lou de Olivier

Psicopedagogia Empresarial – Marília Maia Costa


Quem não Cola Não Sai da Escola – José Abrantes

Recrutamento e Seleção – Danielle Cocenza e Marília Maia Costa

Reencantamentos – para libertar histórias – Angela Philippini


Sou Professor – Trabalhando Autoestima e Motivação... – Serrano Freire

Técnicas de Dinâmica – Eliane Porangaba Costa


Tecnologia e Educação – Wendel Freire (org.)

Temas atuais em Pedagogia Empresarial – Amélia Escotto A. Ribeiro


Temas Interdisciplinares na Educação – Luiza Elena L. R. do Valle, Quézia Bombonatto e Maria
Irene Maluf (orgs.)

Teoria e Prática em Psicomotricidade – Geraldo Peçanha


Terapia Familiar: Mitos, Símbolos e Arquétipos – Paula Boechat

Valores – Marília Maia Costa


Voo da Águia: uma autobiografia – Maria Dolores Fortes Alves
Acesse o site: www.wakeditora.com.br
e-mail: wakeditora@uol.com.br

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