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A DIDÁTICA HISTÓRICO-CRÍTICA: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA

EXTENSIONISTA

Érica Nayara Paulino Melo (UnB)1

Marina Margarita Martin Catoira (UnB)2

RESUMO

O presente trabalho se pauta no relato de experiência da ação extensionista “Círculos


formativos com professores iniciantes/ingressantes” descrevendo seus vínculos com os
passos da pedagogia histórico-crítica (GASPARIN, 2015) em consonância com a teoria
que orienta e estrutura a ação extensionista e relacionando a mesma com a organização
das ações desenvolvidas. O grupo adota uma perspectiva orgânica-processual de extensão
universitária e se orienta por métodos fundados no materialismo histórico, nessa vertente
extensionista o trabalho não é eventual, é processual, se constitui e se modifica mediante
sua realização, é dialético e prevê a retroalimentação. Em vistas dessa concepção de
extensão universitária processual-orgânica (REIS, 1996), as ações dos Círculos
Formativos partem da prática social vigente na Escola Classe 831 de Samambaia,
comunidade escolar onde é desenvolvido quinzenalmente desde o primeiro semestre de
2018. O objetivo desse projeto de extensão é propiciar aos professores iniciantes e
ingressantes da rede pública de educação do Distrito Federal, encontros de formação para
consolidação e fortificação da carreira. Para fins de contribuir com as reflexões derivadas
da experiência vivida, contou-se com o aporte teórico GASPARIN (2012, 2015), REIS
(1996), e SAVIANI (1999, 2013). Portanto, este artigo se desenvolve a partir da
observação participativa dos encontros descritos e pesquisa teórica. Assim, relatar uma
experiência no âmbito dessa ação extensionista e relacioná-la aos passos da didática para
a Pedagogia Histórico-Crítica, constitui-se como relevante nas discussões sobre formação
docente, uma vez que o referido projeto contribui com a formação inicial de estudantes
de graduação e com a formação continuada e permanente de professores da Educação
Básica e do Ensino Superior.

Palavras-chave: Formação Doente; Extensão Universitária; Círculos Formativos.

INTRODUÇÃO

A qualidade da educação pública, nos níveis básico e superior, é discutida


amplamente em diversas áreas do conhecimento, por diversos autores e,
consequentemente, é analisada a partir de diferentes perspectivas. Embora o estudo sobre
a qualidade abarque tal complexidade, a temática da formação docente é recorrentemente
citada como uma característica preponderante no entendimento desse constructo, uma vez

1
Graduanda do curso Pedagogia, pela Universidade de Brasília, campus Darcy Ribeiro.
ericaenpm@gmail.com
2
Graduanda do curso de Pedagogia na Universidade de Brasília. marimarcatoira@hotmail.com.
que está diretamente vinculada à constituição da profissionalidade docente (CRUZ, 2017)
e ao processo de ensino-aprendizagem dos estudantes.
Em vistas da formação inicial de futuros pedagogos, este artigo se pauta no relato
de experiência da ação extensionista “Círculos formativos com professores
iniciantes/ingressantes” descrevendo seus vínculos com os passos da pedagogia histórico-
crítica (GASPARIN, 2015). Este projeto foi elaborado pelo Grupo de Estudos e Pesquisas
sobre Formação e Atuação de Professores/Pedagogos – GEPFAPe da Faculdade de
Educação da Universidade de Brasília – UnB, a partir de uma perspectiva de extensão
processual-orgânica (REIS, 1996).
Nesta vertente da extensão universitária o trabalho não é eventual, é processual,
se constitui e se modifica mediante sua realização, é dialético e prevê a retroalimentação.
Assim, a universidade não mais detém o saber, mas o concebe em conjunto com a
comunidade. A vertente processual-orgânica da extensão universitária deve ser viva,
dialética e não atende somente às pessoas que o recebem ou à figura universitária de
autoridade que se deposita no docente (REIS, 1996). Por esta razão ainda, os Círculos
Formativos cedem o espaço do protagonismo aos estudantes da universidade e aos
sujeitos que se dispõem a partilhar dos momentos de formação desempenhados no
projeto.
Em vistas dessa concepção de extensão universitária processual-orgânica (REIS,
1996), as ações dos Círculos Formativos partem da prática social vigente na Escola Classe
831 de Samambaia, comunidade escolar onde é desenvolvido quinzenalmente desde o
primeiro semestre de 20183, com o intuito de propiciar aos professores momentos
formativos que colaborem com o constante processo de reflexão sobre o exercício do
trabalho docente. O objetivo desse projeto de extensão é propiciar aos professores
iniciantes e ingressantes da rede pública de educação do Distrito Federal, encontros de
formação para consolidação e fortificação da carreira. Em tais encontros, a reflexão sobre
as práticas diárias é fomentada, bem como são discutidos subsídios teóricos para
potencialização do processo de ação-reflexão-ação.

Relatar uma experiência no âmbito dessa ação extensionista e relacioná-la aos


passos da didática para a pedagogia histórico-crítica, constitui-se como relevante nas
discussões sobre formação docente, uma vez que o referido projeto contribui com a

3
As atividades dessa ação extensionista perfazem a carga horária de 120 horas por semestre.
formação inicial de estudantes de graduação e com a formação continuada e permanente
de professores da Educação Básica e do Ensino Superior. Diante disso, cabe destacar que
os Círculos Formativos constituem um movimento dialético em que se reflete sobre a
práxis, visita a teoria e retoma a reflexão sobre a práxis. Este modelo de atuação é pautado
em proposições de Demerval Saviani (2013) e João Gasparin (2012). Portanto, os
Círculos Formativos se baseiam também na ação-reflexão-ação. Momento em que o
indivíduo atua no seu cotidiano, refletindo e dialogando em dialético movimento com a
práxis, transformando a ação a partir da reflexão e a reflexão a partir da mudança na práxis
inicial quando esta realimenta o fazer. Atrelada à ação-reflexão está a codificação e a
decodificação, que compreendem o surgimento de uma nova percepção e o
desenvolvimento de um novo conhecimento (STRECK; REDIN; ZIKOTSKI, 2010).

Haja vista o exposto, a discussão proposta surge da experiência no segundo


Círculo Formativo ocorrido no segundo semestre de 2019, no dia 30 de outubro de 2019,
na Escola Classe 831 de Samambaia, cuja temática abordada foi Jogos Matemáticos.
Nesse encontro reuniram-se, no horário de coordenação pedagógica, 10 professoras e 2
professores da instituição educativa, estudantes de graduação e professoras da UnB.

Para fins de contribuir com as reflexões derivadas da experiência vivida, contou-


se com o aporte teórico GASPARIN (2012, 2015), REIS (1996), e SAVIANI (1999). Tais
autores colaboram com o entendimento da relevância da extensão universitária
processual-orgânica e da didática para a pedagogia histórico-crítica na formação docente,
bem como discorrem sobre a transição entre o senso comum e a apreensão de conceitos
científicos.

Assim, o presente trabalho divide-se em três partes. Inicialmente, pretende-se


elucidar quais são os passos da pedagogia histórico-crítica. Em seguida, relatar a
experiência vivenciada no encontro do segundo Círculo Formativo do 2º/2019 à luz dos
passos da pedagogia histórico-crítica. Finalmente, tecer considerações acerca desse
percurso formativo.

OS PASSOS DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA

A proposta de Gasparin (2015), uma didática que compreende a pedagogia


histórico-crítica, volta-se para a sistematização de uma metodologia que implica na
utilização do conhecimento teórico na transformação da prática social:
O ponto de partida do novo método não será a escola, nem a sala de
aula, mas a realidade social mais ampla. A leitura crítica dessa
realidade torna possível apontar um novo pensar e agir pedagógicos.
Deste enfoque, defende-se o caminhar da realidade social, como um
todo, para a especificidade teórica da sala de aula e desta para a
totalidade social novamente, tornando possível um rico processo
dialético de trabalho pedagógico. (GASPARIN, 2015, p. 3)
Dessa maneira, o conhecimento científico é ininterruptamente vinculado ao
contexto social do estudante e as relações sociais que ele participa imediata e
mediatamente, pois “assumir essa teoria do conhecimento no campo da educação
significa trabalhar um conhecimento científico e político comprometido com a criação de
uma sociedade democrática e uma educação política” (GASPARIN, 2015, p. 8).
Segundo a proposta de Gasparin (2015), a pedagogia histórico-crítica pode ser
transposta para um esquema didático composto por cinco fases, a saber:
1º passo: Prática Social Inicial
2º passo: Problematização
3º passo: Instrumentalização
4º passo: Catarse
5º passo: Prática Social Final

No primeiro passo, chamado Prática Social Inicial, refere-se a uma primeira


aproximação ao contexto do estudante que vincula-se ao conteúdo científico que será
estudado, “caracteriza-se por uma preparação, uma mobilização do aluno [...] é a primeira
leitura da realidade, um contato inicial com o tema a ser estudado” (GASPARIN, 2015,
p. 13). É importante que os estudantes reflitam sobre as relações sociais e o conteúdo
sistematizado.
O segundo passo, chamado Problematização, concerne a continuação das
reflexões propostas nas primeiras etapas, entretanto, nesse momento, são apresentadas
questões problematizadoras que emergem do próprio cotidiano dos estudantes e estão
relacionadas ao conteúdo:
Selecionar as principais interrogações levantadas na prática social a
respeito de determinado conteúdo. Essas questões, em consonância
com os objetivos de ensino, orientam todo o trabalho a ser
desenvolvido pelo professor e pelos alunos. Essa fase consiste, na
verdade, em selecionar e discutir problemas que tem sua origem na
prática social, descrita no primeiro passo desse método, mas que se
ligam e procedem, ao mesmo tempo, do conteúdo a ser trabalhado.
(GASPARIN, 2015, p. 35)

A instrumentalização, terceiro passo, é o momento em que o conhecimento


científico é apresentado aos estudantes, com o intuito de subsidiá-los no processo de
emancipação humana. É possibilitado aos estudantes a reflexão sobre a sua própria prática
social inicial em vistas do conteúdo estudado que é, assim, vinculado às questões
problematizadoras propostas no segundo passo.
No penúltimo passo, denominado Catarse, os estudantes necessitam expressar as
novas percepções acerca dos problemas sociais e do próprio contexto em que se situam,
e também, “mostrar o quanto se aproximou da solução dos problemas anteriormente
levantados sobre o tema em questão. Esta é a fase em que o educando sistematiza e
manifesta o que assimilou” (GASPARIN, 2015, p. 123).
Na prática social final, quinto e último passo, é necessário propiciar aos estudantes
a experiência de efetivação do conhecimento aprendido, facilitando a materialização da
teoria na realidade vivencial deles.
É importante observar que a espiral é ascendente, todas as etapas do processo
didático pautado em uma pedagogia histórico-crítica elevam o estudante, partindo de uma
prática social inicial e culminando, após a catarse, em uma prática social final. A prática
social final é baseada na real apreensão dos conteúdos e habilidades desenvolvidos no
processo didático, na extrapolação do senso comum e ascensão ao saber erudito acerca
de determinada matéria. Habitus é uma das formas como Saviani (1999) irá caracterizar
a nova prática social. Ele define o habitus como uma aquisição intelectual irreversível e
exemplifica com habilidades como conduzir um veículo.
O saber sistematizado, sincrético, acerca do tema abordado é irreversível, desde
que o ciclo proposto tenha de fato culminado em uma mudança na prática social do
indivíduo, compelindo-o a incorporar novos hábitos ou novas percepções sobre a própria
realidade vivida.
Ora, considerando que a educação é um fenômeno humano e que este ser não pode
dissociar sua existência do ato educativo (SAVIANI, 1999), é correto afirmar que as
pessoas estarão sempre adquirindo novos conhecimentos e, se consideramos um espaço
de formação docente (inicial ou continuada), estes conhecimentos e habilidades sempre
se estruturarão, em uma vertente histórico-crítica de didática, da forma como a espiral
acima nos demonstra. Portanto, a prática final realmente incorporada e apreendida, o
habitus, será o ponto de partida para uma próxima sistematização de saberes sincréticos.
É correto, desta maneira, considerar que o movimento seja cíclico, retornando,
após a prática social final, à prática social inicial. Não pela manutenção do estudante em
uma condição pré-existente, mas por considerar que a partir da incorporação do habitus,
do saber sincrético, da mudança de paradigmas, a prática social final será a prática social
inicial de novos processos.
O SEGUNDO CÍRCULO FORMATIVO 2º/2019

Inicialmente, é importante salientar, que no início de cada semestre letivo, as


professoras coordenadoras do projeto, visitam a comunidade escolar e escutam em rodas
de conversa os anseios e expectativas dos professores participantes da ação extensionista.
Esse encontro vincula-se ao primeiro passo da didática proposta por Gasparin, quando há
o encontro entre anseios e expectativas dos docentes da educação básica, que expressam
características de sua prática profissional, relatam experiências e selecionam temas para
estudo. Ocorre principalmente nesta etapa, uma discussão sobre a necessidade de
vincularem os conhecimentos científicos a prática social cotidiana, como forma de
potencializar o processo de ação-reflexão-ação.
Desta maneira, no dia 30 de outubro, às 14h00, o Círculo Formativo cujo tema foi
Jogos Matemáticos, foi iniciado pela fase de problematização. A problematização
proposta pelos estudantes extensionistas consistiu numa dinâmica inicial sobre o
tangram,um típico quebra-cabeças japonês, elaborada para suscitar reflexões e
questionamentos sobre a prática social dos professores. Assim, cada dupla necessitava
montar uma imagem, colaborando entre si: um integrante da dupla montava as peças e o
outro era responsável por, sem observar o que é desenvolvido pelo parceiro, dar as dicas
a fim de formar a imagem proposta.
Os professores mostraram-se empolgados durante essa atividade, interagindo
bastante entre si, sorrindo e colaborando. Ao final da dinâmica, uma professora falou que
a maior dificuldade durante a dinâmica foi a comunicação entre as duplas, outra falou que
a dificuldade foi lembrar o nome das formas geométricas, um professor lembrou que os
sentidos de direção mudavam de acordo com a posição de quem falava, outra falou em
lembrar alguns conceitos matemáticos tais como o ângulo de 90º.
A problematização lança sobre os professores um convite a refletir a atual práxis
social que estes empreendem dentro de suas realidades individuais e coletivas. O objetivo
desse despertar é instigar uma reflexão crítica e um envolvimento protagonista no
decorrer das atividades que se enredam ao longo da tarde de realização do círculo.
Ao ser confrontado com a incumbência de levar temas diversos de maneira
sistematizada, dinâmica e significativa à Escola Classe 831 de Samambaia, o grupo de
extensionistas lança mão de outros professores e/ou estudantes da pós-graduação da
Universidade de Brasília e Instituto Federal para trabalhar os temas solicitados. Como no
encontro relatado o tema tratado foi Jogos Matemáticos, a doutoranda professora Érica
Santana, convidada para mediar a discussão sobre esse tema, iniciou a fase de
instrumentalização explicando que sua pesquisa trata sobre a aplicação de jogos
matemáticos dentro da sala de aula, em vistas de potencializar a atratividade da
matemática.
Com o intuito de provocar os professores a refletirem sobre as próprias práticas e
conhecimentos, a professora Érica fez perguntas, tais como: Qual a diferença entre jogo
e brincadeira? Quais as características dos jogos matemáticos? A escola não é espaço de
jogo para muitas crianças, mas não é possível que os professores de matemática façam da
escola um espaço de jogo?É possível tornar o futebol um jogo totalmente cooperativo?
Vocês utilizam jogos? O que é preponderante na escolha dos jogos?
Os professores expressaram diversos entendimentos sobre os jogos matemáticos,
salientando que sua principal característica é o desenvolvimento do raciocínio lógico.
Informaram também, que utilizam jogos matemáticos em sala, entretanto, conforme
relato de uma professora, há contratempos:
Trabalhar com jogos é importante mas é muito difícil, por exemplo, eu
trabalho numa sala de quarto ano, tenho que ter tudo organizado,
todos os materiais, explicar bem direito as regras para então começar,
e no final do dia estar bastante cansada por ter gritado, pulado.
(PROFESSORA 1)
Diante disso, a professora Érica falou sobre a necessidade de estruturar um bom
planejamento de aula. A seguir, a palestrante propôs a efetivação da atividade “Tarde de
autógrafos” que foi vivenciada pelos professores de forma empolgante, visto que eles
expressaram estar apreciando a proposta. Nesse momento, todos conversaram sobre a
relevância da determinação de regras durante os jogos, sendo que um professor enfatizou
essa percepção, utilizando para tanto, o relato de uma experiência com estudantes que
jogavam diariamente pega varetas na escola, tendo em conta que eles próprios
organizavam as regras do jogo e zelavam para que elas fossem cumpridas.
No decorrer da tarde, Érica explicou que nem todo jogo era matemático, mas que
muitos possibilitam a assimilação de conceitos da matemática. Ela falou sobre
características importantes dos jogos, como por exemplo, o espaço, as regras, o tempo, a
formação de grupos sociais, etc. Em relação às regras, ela explicou que a criança executa
as regras de forma automática e leve, pois a brincadeira é extremamente lúdica e é a
efetivação das regras do jogo.
Érica expôs cuidados na escolha dos jogos: nem todos gostarão dos jogos
propostos; jogos muito simples são inadequados, mas também não podem ser muito
difíceis, pois precisam ter linguagem acessível. A escolha deve considerar que o tempo
de aprendizagem é muito maior e mais longo que o tempo da aula e o tempo do jogo. Por
isso o jogo precisa fazer parte do processo de aprendizagem.
A fala da especialista vem fomentada por um interesse real por parte de todos os
integrantes do Círculo Formativo. Para aqueles que desenvolvem a ação extensionista o
tema é de interesse por, além de serem sempre temas de relevância à formação docente,
ser objeto de estudo, de pesquisa e se dar em um espaço de significado, preparado,
produzido pelos estudantes da Universidade de Brasília. Ao mesmo passo, os professores
da Escola Classe se interessam pois estão envolvidos em um espaço de aprendizagem
significativa, sendo que estes mesmos optaram pelo tema a ser desenvolvido.
Fica caracterizada, assim, a instrumentalização proposta por Gasparin (2015),
uma vez que a professora Érica, parte das vivências dos professores para, então, subsidiá-
los com os conhecimentos teóricos pertinentes às relações sociais e as demandas deles,
evidenciando “uma relação triádica, marcada pelas determinações sociais e individuais
que caracterizam os alunos, o professor e o conteúdo” (GASPARIN, 2015, p. 49).
Após essa fase, iniciou-se o lanche. A equipe do lanche é talvez uma das equipes
de maior complexidade em organização, uma vez que as integrantes do grupo se articulam
entre si e promovem uma organização coletiva, onde cada integrante do projeto participa
e contribui para a concretização do lanche. Partindo de uma perspectiva humanizadora
que compreende o sujeito de forma não fragmentada, pensar em um bem-estar, na
construção de um espaço receptivo à socialização compreende parte do processo.
O lanche ocorreu às 15h40, após as atividades introdutórias, sendo um momento
em que os professores podem compartilhar entre si, de maneira mais informal e dividir
opiniões para na segunda parte do encontro, participarem do debate já com uma percepção
socializada.
Em seguida, ocorreu o debate, momento dedicado para exposição de dúvidas,
novas ideias e reflexões, como por exemplo: como minhas ações têm se relacionado com
o tema proposto, onde posso melhorar, como posso contribuir para o sucesso de meus
pares? O debate foi mediado pela professora Érica e constitui-se enquanto espaço de
trocas de experiências, fortalecimento dos pares, sistematização dos vínculos existentes
entre os conhecimentos científicos e a prática social dos professores.
Assim o debate é um momento de partilha coletiva, de construção conjunta, de
refletir a própria práxis individual e sua representatividade no grupo.
Posteriormente, a dinâmica de catarse foi exposta aos integrantes do Círculo
Formativo, consistindo em uma variação do tradicional jogo adedonha: inicialmente
cinco frases foram apresentadas, sendo que para cada uma, foi sorteada uma letra que
deveria ser utilizada para iniciar uma palavra que completaria a frase. Na tabela abaixo é
possível verificar as frases letras e palavras:
Frases Letras Palavras
Jogar é... o Ótimo, objetivo, observar o adversário,
organização.
O jogo na matemática é... s Saudável, socializa, sintetiza, soma saberes,
soluciona, satisfaz.
Minha maior dificuldade i Impossível, interagir, imaginar, inquietude, incluir,
com jogos matemáticos é... instigar, inspirar.
Descobrir que usar o jogo c Criatividade, cooperação, compreender,
é... cumplicidade, capacitar, competitivo, concentrar.
Jogar em sala exige... f Flexibilidade, força, fé, foco, felicidade, facilitar a
aprendizagem.
A catarse, é a incorporação do habitus, a partir do que foi desenvolvido
coletivamente. Consiste na sistematização de um conhecimento sincrético. A catarse se
dá na reformulação dos elementos apresentados, passando, segundo Saviani (1999), da
síncrese à síntese. Assim, os estudantes passam a serem capazes de gerarem tessituras
acerca do tema explorado com a mesma propriedade que aqueles que elaboraram o
encontro. Para Gasparin (2012), estes alcançam um “novo nível de aprendizagem”.
A atividade contou com a colaboração de todos os presentes, foi um momento de
sistematização prazerosa e permitiu que se tornasse evidente o novo olhar dos professores
sobre os jogos, matemáticos ou não. Abordou, esta dinâmica de catarse, vários elementos
que cercam a atividade lúdica e compõe o fazer do ato educativo para o desenvolvimento
do raciocínio lógico-matemático.
Por fim, o Círculo Formativo foi finalizado com a exposição de referências
bibliográficas para estudos sobre o tema jogos matemáticos. Também foram entregues
lembrancinhas para cada professor, embora as lembrancinhas possam parecer um mimo,
elas extrapolam esta condição, pois são uma representação carinhosa à qual está
conectada a rememoração das atividades do Círculo Formativo no qual foram
distribuídas. Elas estão sempre relacionadas ao tema e, com efeito, possuem relação direta
com a incorporação de novas práticas, buscando fomentar o habitus.
Vale destacar o agradecimento especial pelo momento do lanche, que foi feito por
uma das docentes da escola 831, destacando a importância que este momento
desempenha, não só para a estruturação do processo didático, mas para os docentes em
formação em uma perspectiva afetiva, de cuidado e carinho. Em nome da escola, uma
professora agradeceu a presença dos extensionistas ressaltando que deveríamos voltar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante o exposto, podemos concluir que a atividade dos Círculos Formativos
consiste em uma ação de formação inicial e continuada que busca a incorporação de novos
saberes e novas práticas, por parte dos envolvidos no processo. É uma ação extensionista
não assistencialista e o empreendimento de ações que visam um ideal de sociedade, um
ideal de educação e busca estes por meio do desenvolvimento histórico-crítico dos
conteúdos.

As ações desempenhadas no projeto almejam a democratização do ato


extensionista, a elevação dos sujeitos à uma concepção científica dos conteúdos, a
formação de docentes que promovam o raciocínio crítico sobre a própria realidade, o
desenvolvimento de uma reflexão sobre a própria prática social, modificando-a e
aprimorando a percepção sincrética sobre a realidade vivenciada.

O papel da educação, para os Círculos Formativos e as pessoas que os compõem,


em consonância com Saviani (1999) é selecionar o que deve ser aprendido dentro do
conhecimento acumulado historicamente, o saber sincrético é o que se almeja,
fomentando a elaboração de percepções críticas e práticas sociais atuantes, onde os
sujeitos protagonizam a própria existência, e, para tanto, os próprios processos
educativos. A educação é, nesta concepção, um ato contra-hegemônico. O papel da
educação é desmantelar as estruturas opressivas vigentes, por meio de uma educação para
a consciência filosófica, ou seja, o desenvolvimento da capacidade de observar os
problemas* que se apresentam na realidade vivida e buscar saídas para tais impasses.
(SAVIANI, 2013).

Assim se fundamenta e se desenvolve, conforme o relato disponibilizado,


seguindo a vertente do materialismo histórico, pautando-se em uma perspectiva
processual-orgânica de extensão, aderindo a uma didática histórico-crítica e
horizontalizando as relações desenvolvidas nos Círculos Formativos, cedendo o
protagonismo aos sujeitos sobre o próprio processo de aprendizagem, pautando-se na
dialogicidade e na valorização das relações humanas no contexto das atividades
propostas.

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* Problema indica uma situação de impasse, trata-se de uma ocasião que se impõe objetivamente. É no
enfrentamento dos problemas que a realidade apresenta que reside a filosofia (SAVIANI, 2013).

REFERÊNCIAS

CRUZ, Shirleide da Silva. Professor polivalente: profissionalidade docente em análise. 1


ed. Curitiba: Appris: 2017.

GASPARIN, J.L. Uma didática para a pedagogia histórico-crítica. 5. ed. rev. Campinas,
SP. Autores associados, 2012/2015.

REIS, Renato Hilário dos. Histórico, Tipologias e Proposições sobre a Extensão


Universitária no Brasil. Linhas Críticas. v. 2, n. 2, 1996. In:
http://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/download/6094/5042

SAVIANI, D. Sobre a natureza e especificidade da educação. Brasília, ano 3, n. 22,


jul/ago. 1999.

SAVIANI, D. Educação: do senso comum à consciência filosófica. - 19. ed. - Campinas,


SP: Autores Associados, 2013.

TONIOLO, J. M. dos S. de A. Dialogando sobre a proposta: Os Círculos dialógicos


Investigativo-Formativos. Inter-Ação, Goiânia, v. 42, n. 2, p. 520-537, maio/ago. 2017.

ZIKOTSKI, J. Diálogo/Dialogicidade. In: STRECK, D. R.; EDIN, E.; ZIKOTSKI, J.


(Org). Dicionário Paulo Freire. 2. Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.

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