Feminismo negro, interseccionalidade e política emancipatória. In: Parágrafo. Dossiê "Comunicação e Desigualdades", v. 5, n. 1. Trad. Bianca Santana. Jun/Jul 2017.
Em seu ensaio: Se perdeu na tradução? Feminismo negro, interseccionalidade e
política emancipatória, Patrícia Collins discute a importância da interseccionalidade entre feminismo negro e outras causas sociais. Para tanto, a ensaísta aborda a luta para que ocorresse essa intersecção, pautada na máxima de que “A liberdade é indivisível”, e na percepção de que as mulheres afro-americanas jamais poderiam obter sua liberdade emancipatória lutando apenas por seus interesses, mas sim, lutando por todos os grupos oprimidos, seja por raça, sexo, etnia, nacionalidade ou orientação sexual. Sendo assim, Hill Collins analisa a trajetória de algumas intelectuais afro- americanas, que atuaram entre 1950 e 1980, como June Collins, que seguiram essa linha de pensamento e tiveram que lutar pela liberdade emancipatória desses grupos, seguindo estratégias, como a tentativa da inserção dessas lutas no meio acadêmico. Dessa forma, Hill Collins investiga essa “tradução” dos movimentos sociais para o formato acadêmico, e a qualidade com que foi executada essa tradução, que segundo a ensaísta, foi imperfeita, ao abraçar algumas ideias, e ignorar ou censurar outras. Além disso, a ensaísta investiga, o que se perde nessa tradução para os ambientes materiais, sociais e intelectuais, visto que são distintas comunidades de interpretação, com diversos graus de poder. Tratando sobre a origem do movimento de interseccionalidade nos EUA, Hill Collins aponta a importância das políticas femininas negras, mesmo que esta ligação não seja reconhecida em narrativas contemporâneas. Segundo o ensaio, textos como The black woman (1970) e A black feminist statement (1982), traziam a percerpção da interseccionalidade, visto que eram conscientes de que tratar de raça ou gênero de forma isolada resultaria em um panorama incompleto das injustiças sociais. Além disso, tais manifestos sugeriam essa interconexão, que significava poder, pautados na percepção de que raça, gênero, classe social e sexualidade moldavam a experiência da mulher negra. No entanto, ainda segundo Hill Collins, o movimento de interseccionalidade enfrentou e enfrenta desafios, ao ingressar no ambiente acadêmico, afinal, quando ideais simbólicos são deslocados de um ambiente social para outro, a tendência é que mudem. Assim sendo, o ingresso de mulheres negras nas universidades trouxe a energia dos movimentos sociais, mas também encontrou barreiras em normas acadêmicas, como o enquadramento à política partidária. Dessa forma, não demorou até que essa diversidade que inundou o ambiente acadêmico, começasse a se dividir entre definições e nomenclaturas, e passassem a disputar espaço e legitimação na política acadêmica. A partir da década de 90, o conceito de interseccionalidade ganha força entre vários campos de estudos, amparado pela legitimação pelo ambiente acadêmico. No entanto, é perceptível o afastamento de seu ponto de origem (movimentos sociais, impulsionados pelo movimento feminino negro), agora raramente mencionado. O artigo intitulado “Mapping the margins: intersectionality, identity politics and violence against women of color” (1991), de Kimberly Crenshaw, marca a tradução do conceito de interseccionalidade para o ambiente acadêmico. Segundo Hill Collins, Crenshaw obteve reconhecimento em seu texto, por este focar nas experiências de mulheres negras, tanto no meio social, quanto no acadêmico, colocar a sim mesma como feminista negra, expor a limitação do pensamento mono- categórico, analisar problemas sociais que rendem ações efetivas e estabelecer interconexões, propondo o trabalho conjunto dos diversos movimentos sociais. Nos anos 1990 e início de 2000, a interseccionalidade ganha ainda mais força em diversos campos de estudo, a partir do crescimento do interesse no conceito e pelo engajamento interdisciplinar. Dessa forma, a interseccionalidade passa a ser considerada em campos como: estudos jurídicos, política pública, saúde pública e teoria pós- colonial. Vale destacar, que “apesar da centralidade dos estudos das mulheres para interseccionalidade, seria um erro considera-la um projeto exclusivamente feminista, ou uma variante dessa teoria” (p.12). Segundo Hill Collins, o crescimento acadêmico das ideias ditas interseccionais são um verdadeiro sucesso. No entanto, é preciso atentar para algumas questões, como quais dos ideais originais e construindo ao longo das décadas, foram mantidos, e quais não foram. Ou ainda, como a interseccionalidade encontra lugar em meio a um ambiente acadêmico consideravelmente e crescentemente neoliberal. Segundo a ensaísta, se faz cada vez mais necessário refletir sobre o uso desses ideias por pesquisadores contemporâneos, que muitas vezes ficam presos ao âmbito do acreditar e não executam a fase do “agir” seguindo essas ideias e princípios éticos. Há uma dedicação maior em descrever a verdade, em detrimento do ato de questiona-la, reforçando a o privilégio da verdade sobre a justiça, que muitas vezes descamba em entendimento corrompido com hierarquias do poder. A agenda neoliberal, de maneira astuta, segue uma sequência de etapas que culminam na contenção do poder emancipatório da interseccionalidade, ao apropriar, reformular e descartar ideais advindos do conceito de interseccionalidade, sobre a justificativa da impossibilidade de mudanças satisfatórias. Além disso, reações contrárias a iniciativas de justiça social, em países como o Brasil, compravam a popularidade de conceitos neoliberais. Ou seja, conceitos como justiça social, equidade e democracia participativa, dão cada vez mais espaços a ideais individuais, como a meritocracia, indo assim na contramão aos ideais que envolvem o coletivo, base dos preceitos originais da interseccionalidade.
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