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O FEMINISMO É PARA TODO MUNDO

bell hooks
Apresentação da autora
Antes de entrar nas discussões do texto, é preciso que a gente conheça um pouco sobre
a autora e de suas motivações pra escrita de um texto tão valioso quanto este.
Envolvida com teoria e prática feminista a mais de anos, Gloria Jean Watkins como
foi batizada, nasceu em Hopkinsville, ao sul dos EUA em 1952. O nome bell hooks foi
adotado por ela como uma homenagem a sua avó materna e sua escrita com letra minúscula
também foi um símbolo de luta, visto que foi a maneira que ela encontrou para evidenciar a
importância de seus escritos e não da sua figura, para evitar o personalismo e valorizar a
coletividade. Com uma longa trajetória acadêmica, bell escreveu e publicou mais de 30
livros, em que apresenta sua visão de mundo empática e de resistência sobre a luta contra o
racismo, a importância do amor, a desigualdade social e de gênero e a crítica ao sistema
capitalista. A autora faleceu aos 69 anos em 2021, mas deixou um grande legado através dos
seus textos.
A obra: o feminismo é para todo mundo
O livro o feminismo é para todo mundo foi publicado pela primeira vez nos anos 2000 e
vem falar sobre como o feminismo vem evoluindo e se desenvolvendo dentro da sociedade
contemporânea. Logo no prefácio ela já mostra que sua vontade era a de construir um
movimento feminista de massa e promete trazer uma narrativa simples e acessível
justamente pra ir contra a ideia de que o feminismo não é um movimento popular por muitas
vezes se apresentar cheio de termos acadêmicos rebuscados não atingindo uma grande
quantidade de pessoas.
1- Políticas feministas: em que ponto estamos
No capítulo 1 “Políticas feministas: em que ponto estamos”, a autora começa definindo o
feminismo como um movimento para acabar com o sexismo, a exploração sexista e com a
opressão, evidenciando ainda que indiretamente que o sexismo seria o problema
independentemente de ser praticada por homens ou por mulheres. Ela acredita que a não
compreensão do sexismo faz com que as mídias de massa patriarcal propaguem a ideia de
que o feminismo é apenas como um movimento anti-homem feito por mulheres brancas
economicamente privilegiadas que tem como foco a liberdade para abortar, para ser lésbica e
para desafiar as situações de estupro e de violência doméstica.
Devido grande influência da cultura cristã, que dentre vários outros exemplos, criou a
narrativa de que Eva era submissa a Adão por ter sido feita a partir de sua costela, as pessoas
continuam acreditando na submissão da mulher ao homem. Ainda que muitas mulheres já
saiam de casa para trabalhar, sejam chefes de família e tenham o domínio de seu corpo e de
sua sexualidade, acredita-se equivocadamente que a dominação masculina ainda esteja
intacta na noção de vida doméstica. Da mesma forma, muitas feministas acreditam que todos
os espaços femininos são ausentes de sexismo e de influência do patriarcado.
No feminismo contemporâneo, a bell chama a atenção para o fato de que as discussões
sobre as desigualdades de classe precederam as discussões de raça. Desde o início, o
movimento feminista foi marcado pela polarização de ideias: enquanto as pensadoras
reformistas queriam apenas a igualdade de gênero, as mulheres negras, tidas como
revolucionárias queriam ir além da mudança do sistema, reivindicando mais direitos para as
mulheres. Por ser mais fácil de se concretizar em decorrência do cenário econômico da época
e por permitir que ainda houvesse a supremacia branca, a ideia de igualdade de gênero no
mercado de trabalho foi mais difundida do que as pautas de raça e isso deixou claro para as
mulheres negras que enquanto a supremacia branca existisse, elas jamais alcançariam a
igualdade dentro do patriarcado capitalista. Contudo, apesar da diferença entre essas duas
reivindicações, bell hooks chama a atenção para a importância da sororidade entre as
mulheres para a criação e efetividade de uma plataforma política que abordasse essas
diferenças.
Quando a igualdade econômica começou a ser conquista, a maioria das mulheres deixou
até mesmo de considerar as noções do feminismo revolucionário, que inicialmente era mais
aceito nos círculos acadêmicos e ficara restrito a um público pequeno.
O feminismo como um estilo de vida introduziu a ideia de que poderia haver tantas
versões do feminismo quantas fossem as mulheres existentes, e que, independente do
posicionamento político de uma mulher ela também poderia ser abarcada pelo movimento.
Apesar dessa ideia tornar o movimento mais acessível, a autora termina o capítulo tem
perdido espaço por não ter seu objetivo bem definido e acabar deixando de lado a ideia de
que o feminismo é de fato um movimento para acabar com a opressão sexista.
2- Conscientização: uma constante mudança de opinião
Assim como a ideia defendida por Simone de Beauvior, hooks começa o segundo
capítulo afirmando que feministas, não nascem feministas, mas são formadas. Era uma
escolha da mulher aderir às políticas feministas e agir em prol delas. Da mesma forma que
os homens, as mulheres também foram durante toda a sua vida socializadas para acreditar em
pensamentos e valores sexistas, a diferença reside simplesmente no fato de que esses ideais
patriarcais são vantajosos para os homens. E então antes que as mulheres pudessem mudar o
patriarcado, elas precisaram tomar consciência da situação e mudar primeiramente a si
mesmas.
Para tentar mudar a realidade que viviam, foi preciso aprender sobre o patriarcado e as
suas ferramentas de dominação e opressão. Os primeiros grupos de conscientização que
surgiram tinham mais um caráter de terapia do que de transformação social. Nessas reuniões,
que aconteciam sempre na casa de alguém, as mulheres se sentiam seguras para se abrirem e
falarem sobre as suas feridas ao mesmo tempo que era a oportunidade das pensadoras e
ativistas feministas recrutarem novas mulheres para o movimento.
Com o passar do tempo a atuação desses pequenos grupos foram ganhando novos
contornos: o feminismo começou a ser teorizado em material impresso e ganhou espaço
dentro das academias com a criação dos estudos de mulheres como disciplina acadêmica,
contudo, na tentativa de impedir que a disciplina fosse concretizada, exigia-se o que as
professoras tivessem concluído o doutorado o que fez com que muitas fossem demitidas por
não possuírem a titulação, além do fato de que essas mulheres tinham salários muito mais
baixos que colegas que ministravam em outras disciplinas. Com isso as salas de aula
acabaram substituindo os grupos de conscientização informal e isso fez com que o
movimento perdesse seu potencial fundamentado na difusão em massa porque os espaços
acadêmicos ainda eram locais privilegiados de classe.
Não demorou muito para que mais e mais mulheres passassem a se denominarem
feministas. A institucionalização dos estudos do feminismo deu visibilidade ao movimento a
partir da publicação dos trabalhos que eram produzidos na disciplina e o desmantelamento
dos grupos de conscientização fez com que o movimento mudasse seu foco. No início da
década de 1980 o movimento perde força pela difusão da ideia de que independente da
orientação política, qualquer mulher pudesse ser feminista.
Hooks termina chamando a atenção para o fato de que é essencial também a criação de
grupos de conscientização feminista para homens para que fosse ensinado a eles sobre o que
é o sexismo e como ele poderia ter sido transformado, enfraquecendo também a ideia de que
o feminismo era um movimento anti-homem e evitando a criação de grupos antifeministas
formado por homens. Ela defende que sem ter homens como aliados na luta, o movimento
feminista não vai progredir.
3- A sororidade ainda é poderosa
No terceiro capítulo hooks relembra a época em que o slogan “sororidade é poderosa” foi
utilizada pela primeira vez. Ela conta como foi sua experiência estudando em uma faculdade
só de mulheres e depois como foi quando ela, por sugestão de uma professora sua, se
mudasse para a Stanford para que ela pudesse entrar em um programa mais intenso de
escrita. Ela fala que na sala em que haviam homens, as mulheres pouco conversavam,
tomavam menos iniciativas, elas não tinham forças em suas falas e a todo tempo a
inteligência e a capacidade das mulheres era questionada e desafiada pelos homens,
chegando ao ponto de ela duvidar de si mesma. E foi nessa mesma época que o feminismo
chegou então ao campus e as estudantes e professoras passaram a reivindicar o fim da
descriminação de gênero dentro e fora das salas de aula.
Foi também em seu período de estudos na Stanford que ela, aos 19 anis, começou a
escrever seu primeiro livro “Eu não sou uma mulher? Mulheres negras e o feminismo” que
teve como base o período dessas manifestações na faculdade e que passou a criticar o
sexismo internalizado que decorria da socialização que as mulheres tinham desde a infância
para se enxergarem como inferiores aos homens e se verem como inimigas de outras
mulheres. A todo o tempo a ligação entre mulheres era desestimulada pelo patriarcado que
considerava como uma traição, enquanto os homens eram a todo tempo estimulados a se
unirem e darem apoio uns aos outros.
E essas transformações que aconteciam nos espaços acadêmicos também se refletiram
para os espaços domésticos e profissionais, onde as mulheres passaram a reivindicar também
o direito o controle da sua sexualidade, da sua opção ou não pelo uso de métodos
contraceptivos, pelos direitos reprodutivos, pelo fim dos estupros e dos abusos sexuais e pelo
fim da discriminação nos ambientes de trabalho. Desafiar o pensamento sexista das mulheres
era o primeiro passo para criar uma sororidade poderosa entre as mulheres capaz de balançar
a nação.
A década de 1970 e 1980 foi um momento de grandes conquistas para o movimento
feminista revolucionário. Elas entenderam que a força que a solidariedade política entre
mulheres representava para o movimento, indo a sororidade muito além do simples
reconhecimento as experiências das mulheres e da compaixão compartilhada em casos de
sofrimento comum. Ela representava o comprometimento compartilhado de lutar contra a
injustiça patriarcal e jamais teria sido possível alcançar essa sororidade sem que fossem
superados os limites de raça e classe.
Mas como o feminsmo não foi um movimento linear e teve seus momentos de altos e
baixos, na década de 1980 a ideia de sororidade construída começou a enfraquecer quando
principalmente as mulheres brancas privilegiadas começaram a adquirir poder sem precisar
abrir mão do sexismo internalizado, passando a não mais se preocupar com, por exemplo, a
questão do racismo sofrido pelas mulheres negras e o sentimento que se tinha era o de que o
comprimetimento das mulheres com a luta era o mesmo de quando o feminismo
contemporâneo começou, ou seja, quase nenhum.
E hooks termina o capítulo dizendo que foi através das tentativas e dos erros que a teoria
feminista adquiriu um corpus capaz de ensinar as novas defensoras do movimento o que
precisa ser feito para criar, sustentar e proteger a solidariedade feminina. E o mais importante
de tudo é não esquecer que as mulheres não vão magicamente adquirir uma consiciencia
feminista quando chegarem a vida adulta, sendo necessário que estas sejam ensinadas e
estimuladas a viverem essa prática.

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