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Introdução
Durante séculos uma das últimas e mais peculiares peças do Bardo - como era
conhecido Shakespeare - foi pivô simbólico para a reflexão exterior e interior sobre
um continente inteiro: as Américas. A obra trata-se da peça A Tempestade, e suas
figuras, notavelmente Próspero, Ariel e Caliban, foram disputadas como símbolos
representativos para nações, relações (de colonização), objetivos, espíritos,
essências, estéticas, etc. Principalmente dentro da reflexão sobre a América Latina,
essas figuras se viram, nos últimos séculos, disputadas em sua representação e
significação.
Neste sentido, é curioso observar que, enquanto alguns dos mais importantes
autores que movimentaram estes conceitos tenham o feito dentro do gênero de
ensaio ou manifesto, estes autores foram também consagrados poetas de suas
épocas. É o caso de Rubem Dário, José Enrique Rodó, Roberto Fernández
Retamar, etc. Partindo desta observação e tomando interesse em expandir um
pouco a reflexão sobre a discussão da América Latina num âmbito cultural, este
ensaio se propõe a esboçar uma reflexão sobre como as ideias de diferentes
autores que mobilizaram o universo simbólico de A Tempestade - no caso, o
movimento do arielismo por um lado, e os autores que se ligaram à Caliban ou a
ideia de “canibal”, por outro - se traduzem na produção literária desses escritores
para além do gênero de manifesto, adentrando, principalmente, a sua produção
poética.
O Arielismo
Estabelecido pelo livro “Ariel” de José Enrique Rodó, más gestado antes por
autores como Rubén Darío e Paul Groussac, o arielismo utiliza das figuras de
“Caliban e Ariel como símbolos para marcarem a diferença da região em relação
aos EUA, identificando latinos com um espiritualismo desinteressado que
contrastaria com o utilitarismo materialista de anglosaxões” (RICUPERO, 2014).
Assim, em grossas palavras, o arielismo ressalta a elevação espiritual, beleza
cultural e nobreza da América Latina, comparando-a a Ariel - “a parte nobre e alada
do espírito” (RODÓ, 1957) - e rechaça a opulência vulgar e utilitária dos Estados
Unidos, comparando-os à Caliban, um monstro de natureza vulgar e materialista -
“símbolo de sensualidade e torpeza” (RODÓ, 1957). Procurando completar a tríade
de personagens, seria possível, principalmente na obra de Rodó, identificar
Próspero como representando uma elite intelectual e cultural, capaz de organizar e
conciliar as naturezas opostas de Ariel e Caliban. Assim, pensando politicamente,
Ariel representaria um governo aristocrático e Caliban a democracia - democracia
estadunidense, isto é - e esta elite de Prósperos seria capaz de resolver a dialética
proposta.
Vamos analisar alguns poemas destes autores. Claro que, sendo este ensaio
apenas um rascunho, não iremos analisar mais que um poema por autor, o que é
pouco para tirar qualquer conclusão significativa, mas suficiente para este esboço.
Comecemos com um poema de Rodó:
Neste poema podemos ver um claro alinhamento com uma das principais ideias
expressas em Ariel: o culto à uma elite intelectual e cultural, que está ligada, assim
como este poema, à figuras "clássicas" da cultura europeia - em geral ibérica. O
poema é uma exaltação destas figuras, seguindo a forma de um soneto.
Desta forma, podemos ensaiar dizer que o arielismo na literatura assume a forma
de um modernismo idealista, com características românticas, clássicas e por vezes
parnasianas, elementos presentes na primeira fase do modernismo
hispano-americano em geral. A exaltação de uma elevação cultural da arte e do
espírito, que deveria se sobrepor ao materialismo vulgar é, possivelmente, seu tema
mais marcante e que está de acordo com a produção mais ensaística e ideológica
do movimento.
Caliban
Antropofagia
Lá vem o lança-chamas
Pega a garrafa de gasolina
Atira
Eles querem matar todo amor
Corromper o pólo
Estancar a sede que eu tenho doutro ser
Vem do flanco, de lado
Por cima, por trás
Atira
Atira
Resiste
Defende
De pé
De pé
De pé
O futuro será de toda a humanidade
Bibliografia:
CESAIRE, Aimé. Une tempête. Paris : Éditions du Seuil, 1969 (há edições em inglês
e espanhol).