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DESAFIANDO O MITO DE 1922

CARDOSO, Rafael. Modernidade em preto e branco: arte e imagem, raça e


identidade no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2022. 372 p.

De vez em quando, aparece um livro apesar de sua grande prosperidade”


que desloca o debate em torno de um (p. 18). As inovações estéticas da
determinado assunto de tal forma que geração anterior foram ofuscadas por
se torna impossível, ou, no mínimo, este mito propagado por intelectuais
desaconselhável, entrar na discussão paulistas durante a segunda metade do
sem lidar com ele. Estes livros século XX. O centenário da Semana
raramente apresentam argumentos de 1922 ocasionou uma infinidade
inteiramente novos, mas conse- de eventos e publicações, em grande
guem captar e sintetizar de modo parte comemorativas, tornando a
instigador uma crítica que circula Modernidade em preto e branco uma
há algum tempo. Como trechos de intervenção bem-vinda. Bem escrito e
pavimentação sobre caminhos de enriquecido com uma impressionante
terra, eles se estendem e solidificam coleção de ilustrações coloridas, está
trilhas previamente batidas. É o caso destinado a se tornar um clássico
do novo estudo de Rafael Cardoso, da historiografia da modernidade
Modernidade em preto e branco, que cultural brasileira.
defende uma compreensão tempo- Seguindo a injunção de Perry
ralmente expansiva do modernismo Anderson de que devemos falar em
brasileiro que desafia o “mito de “multiplicidade de modernismos”
1922” associado à Semana de Arte (p. 17), Cardoso rejeita qualquer
Moderna em São Paulo, descrita definição formalista relativa a
como uma cidade “ainda provinciana princípios estéticos ou categorias

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estilísticas. O modernismo foi, incipiente, a eletrificação urbana e a
ao invés disso, reação a uma chegada de novas tecnologias de trans-
condição de modernidade marcada porte e comunicação. Como em outras
por profunda ambivalência, já que cidades daquela época, a “belle époque
a promessa de liberdade pessoal, tropical” do Rio de Janeiro alimentou
novas oportunidades de emprego e uma cultura francófila na literatura,
emergentes formas de representação arte visual, arquitetura e no plane-
democráticas coincidiram com a jamento urbano. Um concomitante
exploração capitalista do trabalho, desprezo e medo pela vasta população
novas tecnologias de violência e a de negros e mestiços se baseou em uma
destruição de formas de vida tradi- ideologia de supremacia branca, típica
cionais, levando a um sentimento de das elites intelectuais durante a era do
alienação e insegurança, sobretudo racismo científico. A destruição dos
para os habitantes das cidades. Com o cortiços do centro da cidade para dar
advento da modernidade capitalista, lugar aos projetos de renovação urbana
“tudo que é sólido se desmancha inspirados no barão Haussmann,
no ar”, para lembrar a expressão de que reformou Paris no século XIX,
Marx. Contra a narrativa evolucio- levaria à formação de favelas, local
nista da história da arte, com  sua de moradia para uma grande parte da
periodização correlata a uma população pobre, incluindo antigos
sucessão de estilos, Cardoso aponta escravizados, imigrantes recém-
para “uma  série de modernismos -chegados e veteranos da guerra de
alternativos, que se entrecruzam e Canudos. Por outro lado, o Rio de
se sobrepõem a partir da década de Janeiro do início do século XX
1890” (p. 17). também contou com grandes escritores
O surgimento desses modernismos afrodescendentes, como Lima Barreto
plurais no Brasil ocorreu dentro de e João do Rio, a primeira geração de
um contexto histórico marcado pela sambistas, como Donga e Pixinguinha,
abolição da escravatura, o fim da e uma comunidade artística inter-racial
monarquia e a fundação da Primeira que estava profundamente envolvida
República, que coincidiu com a com a vida social e a cultura popular
imigração europeia, a industrialização da cidade.

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Cardoso critica a tendência de se da ilustração, do humor e do jorna-
entender o modernismo segundo as lismo, sobretudo a crônica, em vez
esferas linguísticas do inglês, francês das belas artes e da literatura. Antes
ou alemão, ignorando que o termo disso, o estudo Cinematógrafo de
“modernismo” foi cunhado pela letras: literatura, técnica e moder-
primeira vez em espanhol, na década de nização do Brasil (1987), de Flora
1880, pelo poeta nicaraguense Ruben Süssekind, mostrou como a técnica
Darío. O poeta foi um dos primeiros literária se transformou ao adotar
defensores latino-americanos do novas estratégias de representação
parnasianismo francês, um estilo associadas à fotografia, ao cinema e
literário altamente formalista que ao desenho gráfico. Um dos insights
rejeitou os impulsos nacionalistas do mais aguçados de Süssekind foi
romantismo e promoveu o credo esteti- mostrar que poetas canônicos como
cista da l’art pour l’art. Seu poema Olavo Bilac, o principal proponente
mais famoso, “El cisne” (1888), do parnasianismo no Brasil, estavam
um soneto alexandrino, exaltava a muito mais sintonizados com a moder-
graciosa ave como um símbolo da nidade urbana, tanto na forma quanto
renovação artística anunciada pelo no conteúdo, ao mesmo tempo que,
modernismo. Em 1906, Darío passou enquanto jornalistas e publicitários,
pelo Rio de Janeiro onde se encontrou produziam diariamente crônicas sobre
com membros da elite literária, a vida cotidiana e propagandas para
incluindo Elysio de Carvalho, ateu e vender produtos. De certa forma, eles
anarquista, tradutor de Oscar Wilde, levavam vidas duplas, uma reservada
que publicou naquele mesmo ano um ao elevado reino da poesia e a outra –
livro sobre o poeta nicaraguense para suas ocupações diurnas – aos ritmos
o público brasileiro (p. 22). da vida e do comércio da cidade.
Modernidade em preto e branco Enfocando a cultura visual,
dialoga com o livro de Mônica Cardoso chama nossa atenção para
Pimenta Velloso, Modernismo no pintores como Eliseu Visconti e
Rio de Janeiro (1996), que mostrou Gustavo Dall’Ara, o fotógrafo
que a modernidade artística surgiu Augusto Malta e os artistas gráficos
no Rio do fin de siècle nos domínios J. Carlos, Raul Pederneiras e Calixto

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Cordeiro, conhecido como “K. Lixto”, Cardoso conta a história de
que ilustravam uma série de revistas um grupo de artistas boêmios que
como O Malho, Fon-Fon! e Careta. participavam do carnaval, dançavam
Esses artistas produziram algumas das o maxixe nos salões de festa e se
primeiras imagens da vida cotidiana divertiam nos cafés e cabarés do
nas favelas. Uma rua da favela (1890), centro da cidade e no bairro adjacente
de Visconti, e Tarefa Pesada: Favela da Lapa. Somos apresentados ao
(1913), de Dall’Ara, são caracterizadas grupo multidisciplinar de artistas e
pelo naturalismo documental que escritores imortalizados no quadro
Cardoso compara favoravelmente ao Boêmia, de Helios Seelinger (1903),
Morro da favela, de Tarsila do Amaral que Cardoso descreve como uma
(1924), que sugere “a estetização da espécie de alegoria das noitadas
miséria” (p. 64). As ilustrações de cariocas. Como “manifesto visual”
J. Carlos, em contraste, são frequen- de um novo espírito artístico (p. 103),
temente imbuídas de estereótipos a pintura foi notada por sua técnica
racistas semelhantes aos encontrados descontraída e solta, seduzindo o júri
nos Estados Unidos, que retratam a do salão da Escola Nacional de Belas
favela como um espaço de negritude Artes (ENBA), que concedeu ao
estigmatizada. A obra de J. Carlos artista um cobiçado prêmio de viagem
é mais interessante quando está para estudar na Europa. Os boêmios
zombando da alta sociedade ou das no quadro de Seelinger incluíam os
celebridades estrangeiras, como principais artistas e escritores do
F. T. Marinetti, o futurista italiano que dia, alguns dos quais, como João do
se tornou propagador do fascismo, Rio, Rodolpho Chambelland, Raul
que fez uma viagem ao Rio, em 1926, Pederneiras e K. Lixto, se  interes-
e visitou o Morro da Favela. Em uma saram particularmente pelo potencial
capa para O Malho, J. Carlos mostra estético do carnaval, que lhes oferecia
um Marinetti arrogante, com um um contexto para o encontro entre a
rosto que parece uma máscara branca, elite e as classes populares. K. Lixto
pairando sobre o Morro da Favela, foi um dos vários ilustradores da
numa postura ridícula de comando época que emprestou seus conside-
enquanto olha para o céu. ráveis talentos como cenógrafo às

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Grandes Sociedades, os grupos carna- representação negra e desigualdade
valescos de classe média branca que racial como sugerido pelo contraste
dominaram o carnaval do Rio até o entre o folião branco indo dormir e o
advento das escolas de samba, no final operário negro que precisa trabalhar
da década de 1920. Ao mesmo tempo, após as festividades (p. 132).
ele criou algumas das mais dinâmicas O modernismo carioca era,
ilustrações de capa com temas carna- segundo Cardoso, “de fabricação
valescos para O Malho e Fon-Fon! própria”, com uma gama de práticas
Pintores acadêmicos treinados na e discursos divergentes, “sem ser
ENBA também voltaram sua atenção importado pronto de algum teórico
para o carnaval como uma forma de ou movimento autorizado” (p. 146).
vivenciar a sociedade para além da As expressões visuais mais inovadoras
comunidade das belas artes (p. 127). da modernidade carioca surgiram no
A pintura Baile à fantasia (1913), domínio das artes gráficas relacionadas
de Rodolpho Chambelland, apresenta com a nova cultura dos periódicos de
quatro casais de foliões fantasiados, grande circulação. Em graus variados,
sensualmente enlaçados enquanto elas estavam comprometidas com a
dançam o maxixe, que um crítico art nouveau, um estilo internacional
da época elogiou por sua “técnica de artes decorativas e arquitetura
colorista” e “grande caráter local” que “virou febre Rio de Janeiro”
(p. 130). O dia seguinte (1913), com sua “sinuosidade vegetal, suas
de Arthur Timotheo da Costa, retrata curvas assimétricas e seus ornamentos
um homem branco de ressaca, vestido característicos” (p. 149). Promovida
de Pierrot, sendo levado à casa por um por artistas eruditos como Eliseu
amigo. Um trabalhador negro limpa Visconti, Helio Seelinger e o influente
a calçada depois do carnaval, sob o crítico Gonzaga Duque, que contri-
olhar atento do motorista atrás do buíram para revistas de curta duração
volante de um automóvel, então uma como Atheneida, Renascença e
novidade para os mais ricos. O mais Kósmos durante a primeira década do
renomado pintor negro do início século XX, a art nouveau teve conti-
do século XX, Timotheo da Costa nuidade nas revistas já citadas na década
estava em sintonia com questões de seguinte (p. 155). A art nouveau era

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bem adequada aos artistas dedicados seguintes, irromperam movimentos de
a quebrar barreiras entre artes acadê- vanguardia em vários países hispano-
micas e aplicadas, incluindo um jovem -americanos. No Brasil, Manoel
Emiliano Di Calvalcanti que mais Bandeira ridicularizou o formalismo
tarde aplicaria elementos do estilo em dos parnasianos em “Os sapos” (1919)
sua capa do programa de exposições (“A grande arte é como lavor de
da Semana de 1922. joalheiro”), que leu na Semana de
Os modernistas cariocas, segundo 1922, seguido por “Ode ao burguês”,
Cardoso, nunca assumiram a “postura de Mário de Andrade (“Eu insulto o
agressiva de oposição” que definiu burguês-funesto! O indigesto feijão
as vanguardas em outros contextos com toucinho, dono das tradições!”).
históricos (p. 136). De  fato, o termo Esses escritores certamente não se
“vanguarda” raramente aparece no entendiam como modernistas no
livro, o que está de acordo com o sentido parnasiano ou simbolista
projeto de Cardoso de considerar associado a Darío. Críticos literários
“uma multiplicidade de modernismos” e historiadores há muito entenderam o
(entre 1890 e 1945), vistos em termos modernismo brasileiro como análogo
de diferença e não de ruptura. às vanguardas hispano-americanas e
Há vantagens nessa abordagem, ligado a vanguardas históricas como
que evita a falácia historicista implícita o cubismo, o surrealismo, o constru-
na expressão “pré-modernismo”, tivismo e o dadaísmo. Não está claro
que felizmente caiu em desuso. como Cardoso entende as vanguardas
No entanto, também obscurece pontos em relação aos modernismos de fin
de descontinuidade e revolta. Já em de siècle. Será que representaram
1911, apenas cinco anos após a visita uma ruptura, como a maioria dos
triunfante de Ruben Darío ao Rio de estudiosos têm argumentado, ou uma
Janeiro, o poeta mexicano Enrique iteração meramente “agressiva”
González Martínez escreveu “Tuércele do modernismo?
el cuello al cisne de engañoso Cardoso chama a atenção
plumaje”, um soneto que clamava por para os problemas do modernismo
torcer o pescoço do cisne e deixar para paulista, assim como seu elitismo,
trás o modernismo dariano. Nos anos suas polêmicas gratuitas e sua inflada

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autoimportância. Sua crítica mais a um coro de estudiosos contempo-
incisiva é dirigida a Oswald de Andrade râneos que tem criticado a antropofagia
e Tarsila do Amaral, retratados como por apropriar-se das culturas alheias,
paulistas brancos e ricos que sabiam se resultando no “apagamento de vozes
posicionar como modernos “segundo marginalizadas” (p. 218). No entanto,
padrões parisienses” para melhor tal conclusão subestima a crítica
convencer os formadores de opinião anticolonial da civilização cristã,
(p. 23). O quadro A Negra (1923), mercantil e patriarcal do movimento
de Tarsila, ele argumenta, “deve [sua antropofágico e seu desejo utópico
fama] mais à voga primitivista pela de uma alteridade radical, que aspira
chamada négrophilie que fazia sucesso tornar-se o outro ao reconhecer o outro
em Paris, do que aos debates sobre a em si. Dos concretos aos tropicalistas,
questão racial” no Brasil (p. 206). de Elza Soares a Emicida, de Hélio
Escreve com razão que a obra, Oiticica a Adriana Varejão, a antro-
que retrata uma mulher negra nua, pofagia tem inspirado um espírito
sentada, com traços desfigurados, não de cosmopolitismo e invenção nas
pode ser interpretada como “afirmativa artes brasileiras.
da identidade afro-brasileira” (p. 206). A pesquisa de Cardoso é meticu-
Mas não considera se “o caráter losa, mas tende a ignorar contraexem-
ambivalente” da obra poderia sugerir plos importantes que atenuariam
uma crítica paródica, tanto do primi- ou complicariam seus argumentos.
tivismo parisiense como das imagens Ele observa com razão que os moder-
estereotipadas e pejorativas que nistas de 1922 criticaram a geração
circulavam no Brasil, assim como os anterior por copiar modelos europeus,
desenhos racistas de J. Carlos. mas estavam igualmente presos
Anos mais tarde, Oswald e aos modelos parisienses. Continua,
Tarsila, entre outros, lançariam a entretanto, que  por isso “deixaram de
antropofagia, um movimento que reconhecer expressões vibrantes da
exaltava a figura do índio selvagem, vida moderna, como a cultura nascente
que praticava o canibalismo ritual dos do samba e do Carnaval” (p. 90), uma
inimigos vencidos como um símbolo afirmação que é mais difícil de sustentar.
de autonomia cultural. Cardoso se une É bem conhecido que a extensa

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pesquisa etnomusicológica de Mário numerosas referências à fotografia,
de Andrade menosprezou a música teatro, cinema, música popular,
popular urbana, mas ele também foi carnaval, e até mesmo à recém-
o autor de “Carnaval Carioca”, talvez -inventada televisão, que logo se
o melhor poema modernista dedicado tornaria uma tecnologia de entreteni-
precisamente à “cultura nascente do mento de massa.
samba e do Carnaval”: Ficamos com uma imagem
distorcida dos modernistas paulistanos
Em baixo do Hotel Avenida em 1923
Na mais pujante civilização do Brasil como estetas chatos e mal-humorados,
Os negros sambando em cadência. recolhidos em seus ateliês e salões em
Tão sublime, tão áfrica!
São Paulo, ignorantes de seu privilégio
de classe, da cultura popular e das
O próprio Pixinguinha lembrou tecnologias modernas. É uma imagem
que Mário de Andrade sempre que espelha a visão redutora da elite
acompanhava os sambistas durante cultural da belle époque tropical do
suas visitas ao Rio, de acordo Rio que Cardoso procura desmentir.
com João Baptista Pereira em seu No final da Introdução, Cardoso
estudo clássico, Cor, profissão e oferece estes contrastes:
mobilidade. Por sua vez, Oswald
Comparadas à fina manipulação que
saudou aos “cordões de Botafogo” Lampião exerceu sobre a imprensa
como uma espécie de antídoto para por meio de mídias como fotografia
e cinema, as estratégias de Oswald
Wagner, o epítome da música erudita
de Andrade para promover a
europeia, e os declarou “bárbaro e Antropofagia mais parecem
nosso” em seu “Manifesto da Poesia travessuras de um colegial peralta.
Pau-Brasil” (1924). O que quer que Comparadas ao poder retumbante
de um desfile de Carnaval, as ideias
se pense da linguagem exaltadora de Mário de Andrade sobre música
desses trechos, eles sugerem que ecoam os corredores vazios da
os modernistas paulistas não torre de marfim. Comparadas
ao arrojo gráfico de K. Lixto ou
ignoraram a cultura popular. Tanto J. Carlos, obras de arte produzidas
no “Manifesto da Poesia Pau-Brasil” com o intuito declarado de serem
como no subsequente “Manifesto revolucionárias parecem hoje
insípidas (p. 37).
Antropófago”  (1928) encontramos

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São boutades divertidas, mas o J. Carlos melhor comparado com seus
que significam essas comparações? contemporâneos internacionais, como
Como podemos comparar as estra- o tcheco Alfons Mucha, o alemão
tégias promocionais de um poeta de Adolfo Hohenstein e o inglês Aubrey
vanguarda com as de um cangaceiro Beardsley, que também trabalhavam
procurado por um cineasta local com a estética art nouveau?
enquanto era caçado pelas autori- Apesar de minhas ressalvas sobre
dades federais? Talvez a manipulação a discussão de Cardoso com os moder-
da mídia por Lampião seja melhor nistas paulistas, o seu estudo é uma
comparada ao uso mais impactante realização notável. Publicado em inglês
(e obviamente obsceno) da fotografia como Modernity in Black and White:
por aqueles que exibiram como adver- Art and Image, Race and Identity
tência sua cabeça cortada e as de outros in Brazil, 1890-1945 (Cambridge
cangaceiros – uma mise-en-scène University Press, 2021), já foi
macabra analisada no último capítulo agraciado como um dos vencedores do
de Modernidade em preto e branco. Prêmio Roberto Reis, concedido pela
Quais ideias sobre música poderiam Brazilian Studies Association. Mais
se comparar ao “poder retumbante” importante, tem provocado numerosos
de um desfile carnavalesco? Havia debates e servido como pedra de toque
críticos de música da belle époque para a reavaliação do modernismo
tropical cuja escrita tinha um poder tão brasileiro. Embora o livro focalize
forte e lúdico? Suponho que Tarsila do o modernismo carioca e sua relação
Amaral é alvo da última farpa, mas não com o mito de 1922, ele serve também
me lembro de ela ter se declarado como um convite para repensar os
revolucionária. De qualquer forma, modernismos brasileiros além do eixo
não seria o arrojo gráfico de K. Lixto e Rio-São Paulo.

Christopher Dunn
Universidade de Tulane

doi: 10.9771/aa.v0i66.52076

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