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O Modernismo e a
Busca de Raízes
As TRA SFORMAÇÔES radicais por que passaram as artes visuais na Europa, 6.1 Detalhe da ilust. 6.37.
durante as primeiras décadas deste século - fovismo, expressionismo, cubis-
mo, dadaísmo, pur isrno, construtivismo -, entraram na América Latina como
parte de uma "vigorosa corrente de renovação", começada nos anos 1920.
Esses movimentos europeus, no entanto, não entraram como estilos já pron-
tos e individualizados, mas foram, em geral, adaptados segundo as idios-
sincrasias, o espírito inovador e o jeito de cada artista. Quase todos que
abraçaram o modernismo o fizeram no estrangeiro. Alguns per maneceram
na Europa; outros, como Barradas com. seu "vibracionisrno ", criaram uma
maneira modernista distinta que lhes era peculiar [ilust. 6.2,3,4,5], ou no
caso de Rivera com relação ao cubismo e de Torres-García com o constru-
tivismo, eles próprios contribuíram, em momentos de vital importância,
para o desenvolvimento destes movimentos na Europa. O fato de ser ameri-
cano, porém, marcou a obra até mesmo daqueles que eram internacio-
nalistas dos mais convictos. Os artistas que voltaram para a América Lati-
na, depois de uma temporada relativamente curta no estrangeiro, passa-
ram a criar de um modo diferente, valendo-se de formas do modernismo
que eram especificamente americanas.
A relação entre arte radical e política revolucionária foi, talvez, uma ques-
tão ainda mais crucial na América Latina do que na Europa, por essa épo-
ca; a reação de escritores, artistas e intelectuais viu-se marcada, sobretudo, 6.2 Rafael Barradas, Estudo (1911), óleo sobre papelão,
46x54 cm; M useo Nacional de Artes Plásticas,
por dois acontecimentos: as revoluções mexicana e russa. O impacto da Montevidéu.
revolução mexicana foi enorme, e as atividades dos pintores muralistas ao
6.3 Rafael Barradas, Composição (1917), aquarela sobre
interpretar e disseminar os ideais da revolução, promovendo a idéia de uma papel, 51x54 cm; Museo Nacional de Artes Plásticas,
arte para o povo e ajudando na concretização de um nacionalismo cultu- Montevidéu.
ral sob condições revolucionárias, foram sentidas para além das fronteiras
do México e constituíram-se em importantes fatores nos debates relati-
vos à arte e à cultura contemporâneas.
Os diferentes grupos e movimentos que formavam a avant-çarde, bem
C01110 suas contrapartidas na Europa, se davam a conhecer através de ma-
nifestos, revistas, exposições e conferências. Entre as revistas, as mais sig-
nificativas foram: Klaxon (1922) e a Revista de Antropofagia (1928), em São
Paulo; Actual e EI Machete (1924), no México; Martln Fierro (1924), em
Buenos Aires, e Ama/.lta (1926), no Peru .' Os debates nelas desenvolvidos
e os pronunciamentos contidos nos manifestos (muitos dos quais figuram
no Apêndice) revelam que havia uma série de resistências fundamentais e
áreas de divergência. Enquanto muitos movimentos mantinham o princí-
pio da unidade orgânica da revolução na arte e na política (El Machete, como
a voz do Sindicato de Trabalhadores Técnicos, Pintores e Escultores, por
exemplo, e Amauta), outros insistiam na autonomia artística. As opiniões,
aqui, variavam bastante, e também variavam nos debates sobre outras ques-
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depois de iniciada a guerra de 191-+, seguida da dispersão dos cubistas 6.8 Diego Rivcra , Paisaoeni zapatista - A gllerrilha (1915);
Museo de Arte Moderno, Cidade do México (INBA).
franceses - com muitos indo para o [ront -, ele, ao lado de Picasso, Gris e
Severini, continuaram com suas invenções e buscas exploratórias. Em 1915,
Rivera pintou uma obra-prima indiscutivelmente cubista. "Lembro-me",
diria mais tarde, "que nesse tempo eu estava empenhado ern buscar no mais
fundo de minha alma a verdade sobre mim mesmo. A revelação mais escla-
recedora surgiu numa tela cubista, 05 zapotisras [sic], que pintei em 1916
[sic]. Ela mostrava um chapéu de camponês mexicano pendurado por cima
de um caixote de madeira, atrás de um rifle. Executada sem qualquer estudo
preliminar no meu ateliê em Paris, ela é provavelmente a expressão mais
fiel da atmosfera mexicana que já consegui captar."? A tela Paisagem zapatistn
- A guerrilha [ilust. 6.8], como certas obras dessa época de Picasso e Gris,
apresenta uma imagem central (uma natureza-morta) colocada contra uma
paisagem, mas em vez de ser percebida através da moldura de uma janela,
ela "flutua" no espaço aberto. O céu se desdobra num impossível reflexo
de intensa cor azul, abaixo do horizonte; uma paisagem montanhosa com
crateras vulcânicas faz, na parte superior, a moldura para o chapéu, enquan-
to, embaixo, copas de árvores viradas ao contrário penetram no azul. No
sofisticado diálogo cubista entre representação e realidade (no caso, o pa-
pel/rolllpe-I'O?il preso à tela por um prego pintado, os recursos à maneira
do jogo de formas positivas-negativas derivadas de papiers col/és e o uso
muito recente do pontilhismo decorativo), Rivera introduz especificamente
objetos mexicanos, como o chapéu e um serape (poncho mexicano) de cores
brilhantes. Parece não haver dúvida de que ele estava dando uma resposta
às notícias sobre a revolução, traz idas por nova leva de refugiados mexi-
6.9 Diego Rivera , Nat ure za morta (0111 iJOlldJOIII(1915),
canos chegada a Paris, entre os quais vinha seu amigo Martín Luis Guzmán.
óleo sobre tela, 92x73 cm; coleção jacques e Natasha
O México estava próximo do estado da anarquia e do caos;" mas, talvez, Gelman.
Rivera fosse movido pela visão de um país arrancado de seu sono e de uma
terra restituída a seu povo. Isso, o líder revolucionário Zapata, que ocupa-
ra por uns tempos a Cidade do México no final de 1914, havia prometi-
do em seu "Manifesto aos mexicanos", de agosto daquele ano.
Rivera rejeitou o cubismo antes da volta ao México. Em 1917, pôs-se
a estudar seriamente Cézanne, tendo, como Picasso, começado a fazer pre-
viamente uma série de retratos e naturezas-mortas de cunho realista. Mas,
diferente de Picasso, que sempre conservou um estilo cubista alternativo,
Rivera abandonou por completo o cubismo em 1918, embora sua fantás-
tica capacidade para compor espacialmente os murais lhe revelasse a for-
mação cubista, e o mural Criação [ilust. 7.6] estivesse diretamente ligado a
seus primeiros quadros cubistas. "Em seus desenhos ingrescos, Rivera, por
pequeno período, afastou-se de um certo cubismo, para assumir um estilo
de representar verdadeiramente moderno, onde complicadas construções
espaciais se acham disfarçadas por notório realismo. Já era o prenúncio de
uma tendência que ele iria firmemente manifestar enquanto elaborava os
rudimentos de um estilo de mural fundamentado no modernismo e no
realismo socialista."?
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Não podemos aceitar como nova a arte que meramente contribui para
novas técnicas. Isso seria brincar com as mais fala ciosas ilusões da atua-
lidade. Nenhuma estética pode reduzir a arte a uma questão de técnica.
A natureza revolucionária das escolas ou correntes contemporâneas
não reside na criação de nova técnica. Tampouco reside na destruição
de uma velha técnica. Reside, sim, na rejeição, na dispensa e no ridícu-
lo da idéia burguesa de absoluto."
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Os pulmões da Rússia
sopram em nossa direção
o vento da revolução social."
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e a escola", abordava, de maneira nova, o Brasil com sua cultura mulata e 6.12 Tarsila do Amaral, Antropojag)« (1929), óleo sobre
tela, 1,26x1,42 m; Fundação José e Paulina Nemirovsky.
sua atmosfera tropical contrastando com a indústria moderna. Isso repre-
sentava uma extraordinária mudança de consciência nos poetas e artistas
ricos, bem-educados e altamente europeizados que constituíam o grupo de
modernistas - uma mudança não para uma versão qualquer do nacionalis-
mo, mas num sentido que tinha a ver com a forma de colonização. Essa
consciência foi "levada ao paroxismo com o "Manifesto Antropófago" de
Oswald de Andrade, em 1928, que nos exortava a devorar nosso coloniza-
dor (... ) para apropriar-nos de suas virtudes e poderes, e transformar o tabu
num toterri"."? Nesse manifesto (Apêndice 6.4), Andrade procurou reunir
as contradições do' brasileiro: moderno z pr imitivo, indústrialindolência,
centralismo/regionalismo, Europa/ América. "Da Revolução Francesa ao
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6.15 Tarsila do Amaral, Estrada de Ferro Central do Brasil (1924), óleo sobre tela, l,42xl,26 m; Museu de Arte Contemporânea da
Universidade de São Paulo.
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Pedra Figari foi uma figura única, e sob certos aspectos, também à parte
na história da pintura latino-americana. Advogado com uma carreira públi-
ca de sucesso, começou a dedicar-se exclusivamente à pintura em 1921,
aos sessenta anos de idade. ào era, como muitas vezes ele mesmo disse,
interessado na pintura pela pintura - no ofício de pintor propriamente,
mas, de preferência, parecia considerar-se uma espécie de guia para as futu-
ras gerações de artistas:"Minha convicção sempre foi no sentido de elevar
nossa cultura e de nos fazer amar as coisas americanas que são realmente
nossas."!"
o romancista cubano Alejo Carpentier descreveu o amor de Figari pelas
formas de expressão americana:
Para Figari, nada mais adorável no mundo do que aquelas coisas que as
pessoas ridículas, artificiais e bem-nascidas de nosso país consideram
como" defeitos", desoladas por não verem as cidades tropicais se tor-
narem reproduções de Piccadilly. Pátios coloniais, bandas locais saindo
pelas ruas, festas de negros, danças e canções populares, guitarras, tam-
6.18 René Portocarrero, Diabinho /10. 3 (1962), óleo
bores, cores brilhantes, blocos de carnaval, sedas e percais escandalosos; sobre [ela, 50,5x-l5,5 cm; Museo acional, Palacio de
são estes os temas que o inspiraml" Bellas Artes, Havana.
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ximaçâo que precisa ser abordada com precauções. A maneira de Figari, 6.24 Pedro Figari, Toque de oraciôn (s/ d), óleo sobre
papelão, 69x99 cm; Museo Nacional de Artes Plásticas,
comparativamente, é mais grosseira e rudimentar; ele pintava fazendo bor- Montevidéu.
rões de modo a generalizar particularidades, mas sempre restringindo os
motivos decorativos que, em Vuillard, se espalham pela superfície inteira,
enquanto, nele, são colocados onde naturalmente ocorreriam - nos vesti-
dos de algodão, por exemplo [ilust. 6.24].
Ninguém como Borges explicou tão claramente a peculiar natureza da
memória num país onde o investimento no novo envolve uma total ne-
gação do passado. A respeito de Figari, escreveria Borges:
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Nem Xul Solar nem Figari formaram uma "escola", a despeito de terem 6.30 Xul Solar, Paisagem (1938), aquarela sobre papel
sido ambos artistas de sucesso em Buenos Aires.Já Joaquín Torres García, fixado em prancha, 31,7x37 em; coleção particular,
Buenos Aires.
mesmo tendo passado a maior parte de sua carreira longe da terra natal, o
Uruguai, vivendo na Espanha e na França, e mais tarde nos Estados Unidos,
ao regressar, em 1933, fez muitos seguidores, exercendo duradoura influência, 6.26 Xul Solar, Dança de santos (1925), aquarela sobre
papelão, 25x31 cm; coleção Marion e Jorge Helft, Buenos
inclusive sobre o desenvolvimento de uma tradição construtivista na América. Aires.
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Qualquer cultura primitiva progride nesta linha. Sua arte, sempre geo-
métrica na expressão, é um ritual, qualquer coisa de sagrado.
Esse é o problema que o artista dos dias de hoje tem de enfrentar;
esse também é o desejo que está manifesto na moderna expressão ar-
tística.
Ao elevarmos o termo "estrutura" a um plano universal, podemos
determinar o signo como algo natural e, com isso, ele pode apreender
a essência daquele ponto de incidência entre o existente e o abstrato.
Bem, seria essa a melhor explicação daquilo que entendemos por Arte
Construtivista. rr
Apesar de modificada posteriormente, existe no início certa obrigação 6.35 Armando Reverón, Figura com V (s/ d), óleo sobre
tela, 50x45 em; coleção Sawas.
para com um aspecto do modernismo europeu que está presente na maioria
das obras incluídas nesta seção. O pintor venezuelano Armando Reverón,
no entanto, bem como Dr.Atl e Figari, praticamente permaneceram imunes
às radicais transformações por que passava a pintura nos anos que imedia-
6.33 Joaquín Torres-García, Arte construtiva COI/l grande sol,
tamente precederam à Primeira Grande Guerra. Ele teria sido, mais do que (1942), óleo sobre papelão, 75x48 em; coleção Sucesión
por estas, influenciado pela rejeição que, desde o começo, a pintura aca- Augusro Torres, Nova York.
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6.37 Armando Reverón, Paisagem do porto de Cuaira (s/ dêmica manifestou contra os impressionistas, e, depois de seu retorno da
d), óleo e têmpera sobre tela, 65xSl crn; coleção Sawas.
Europa em 1915, abandonou definitivamente os estilos em moldes acade-
micistas que caracterizaram sua formação em Caracas; telas dessa época
mostram ter sido Reverón um talentos o colorista. Estimulado pelo Cir-
culo de Bellas Artes (fundado em 1912 para opor-se às restritivas aborda-
gens da Academia de Bellas Artes) - uma organização da qual faziam par-
te artistas e escritores e exercia grande influência sobre a nova geração de
artistas venezuelanos -, ele se dedicou à pintura da natureza, sobretudo às
6.36 Armando Reverón, Praia de Macuto (c. 1934), óleo
e têmpera sobre tela de aniagem, O,96xl ,OS m ; coleção paisagens a céu aberto. Em 1921, Reverón mudou-se para Macuto, no li-
particular. toral, onde viveu pelo resto da vida. Começando em 1916 a fazer um uso
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O Movimento
Muralista Mexicano
Os MURALlSTAS mexicanos produziram a mais importante arte revolucio-
nária, de sentido popular, ocorrida neste século, e a influência deles em
toda a América Latina - mais recentemente, por exemplo, em murais pin-
tados na Nicarágua - tem sido contínua e de longo alcance. Houve tem-
pos, durante a década de 1930, em que ela também se fez sentir na Ingla-
terra e nos Estados Unidos, mas depois disso só raramente encontramos
as idéias dos muralistas fazendo parte do discurso artístico.'
A grande dificuldade está em encontrar uma maneira que possibilite a
apresentação do mural, pois embora já se tenham produzido murais por-
táteis, eles não conseguem transmitir a sensação que dão quando vistos em
seus ambientes. Foram pintados murais por todo o México, nos lugares mais
variados: em palácios e encantadoras igrejas coloniais, em pátios de pré-
dios ministeriais, em escolas, museus e câmaras legislativas, em lugares,
enfim, que vão desde escuras e mal projetadas escadas até imponentes fa-
chadas de modernos edificios.
Os muralistas constituíam o grupo mais atuante e criativo que formava
a vanguarda cultural revolucionária do México, com forte sentido do valor
social de sua arte. A violenta revolta de 1910 contra o regime de Porfir io
Díaz que, por dez anos ficaria explodindo e sendo abafada, frequentemente
deixava vazia a cadeira presidencial do México. A revolução, um aconteci-
mento de proporções cataclísmicas,jamais totalmente atrelado a qualquer
programa ou corrente de opiniões - apesar de que a luta de Zapata pela
reforma agrária em Morelos fosse e ainda continua a ser uma questão funda-
mental-, veio trazer uma nova consciência ao México." A posse do primei-
ro líder revolucionário, Alvaro Obregón, no cargo de presidente, em 1920,
iniciou um período de esperança e otimismo durante o qual nasceria o
movimento muralista. "A revolução revelou-nos o México", disse Octavio
Paz. "Ou melhor, deu-nos olhos para enxergar. E deu olhos aos pinto-
res.( ... )"3 Diferente da reação dos romancistas, em que se percebia certa
falta de firmeza, os pintores inundavam as paredes com torrentes de ima-
gens, reproduz idas das mais variadas formas: realista, alegórica, satírica e
apresentando as muitas faces da sociedade mexicana, com suas aspirações
e conflitos, sua história e múltiplas culturas.
Muitas foram as razões para o predomínio das artes visuais e a primazia 7.2 Juan O'Gorman, Francisco 1- Modero (estudo
cultural do muralismo. A primeira diz respeito ao compromisso que ti- preliminar para o mural da sala da revolução no castelo de
nha o filósofo e revolucionário José Vasconcelos - nomeado, por Obregón, Chapultepec), (s/d), lápis sobre papel e tela, um dos cinco
painéis, 4,50x1, 10m; coleção Vicky e Marcos Micha.
presidente da Universidade e ministro da Educação - com o programa
do mural; o que havia de extraordinário nesse projeto, quando compa-
rado com outros lançados sob as mesmas condições revolucionárias, era
7.1 Diego I~ivera, detalhe de O homem, controlador do
a ausência de qualquer imposição concernente ao estilo e à temática.Vas- universo(1934), afresco, Museo deI Palacio de Bellas Artes,
concelos deixava os artistas livres para escolher seus temas, com !mpre- Cidade do México (lNBA).
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7.3 Fernando Leal, A epopéia de Bolívar: "Bolivar quando visíveis conseqi.iências. Seu plano visionário estava fundamentado numa
menino", "O libertador", "A morre de Bolívar" (1930),
teoria social que se inspirava ao mesmo tempo em conceitos pitagóricos
aquarela sobre papel, 52x47,5 em (cada um); coleção
Fernando Leal Audirac. e no positivisrno de Cornte. Sustentava ele que a evolução de uma socie-
dade se dá através de três estágios, sendo o mais avançado o da estética,
no qual o México revolucionário não tardaria a entrar. "Embora Vascon-
celos compartilhasse poucos pontos de vista da Corporação dos Pinto-
res com sua estética coletivista, acreditava piamente que os mexicanos
somente seriam ganhos para a causa quando tivessem sua sensibilidade
estética despertada.":' Convicto de que os mexicanos eram mais sensíveis
às artes visuais do que à música, ele foi o primeiro a permitir que se en-
tregassem as paredes da recém-construída Escuela Nacional Preparatoria
(ENP)Õ a um turbulento grupo de jovens artistas que ele buscava nas es-
colas de arte e nos ateliês, ou no caso de Rivera e Siqueiros, artistas já
maduros, na Europa, atraindo-os de volta ao México.
A segunda razão deve-se ao fato de que, no México, a idéia de projetos
para murais é parte de uma tradição que vinha de longa data." Dr. AtI
(Gerardo Murillo), durante o breve tempo que passou como diretor da
Escola de Belas-Artes em 1914, escreveu: "Os arquitetos, pintores e esculto-
res, em vez de trabalhar visando a uma exposição ou a um diploma, deve-
riam construir prédios ou de corá-Ios". 7 E, apesar da maior parte dos pin-
tores não ter tanta consciência dos murais de sua terra quanto dos afrescos
italianos,já em épocas pré-colombianas os muros das cidades eram cobertos
de pinturas." A pr irncira vez que Rivera se deu conta disso foi quando,
acompanhando Vasconcelos a Yucatán, em 1921, em Chichén-l tzá, conhe-
ceu o templo dos Jaguares. Por motivos práticos, no entanto, qualquer "tra-
dição só realmente existia em teoria, e a alegação dos pintores jovens de
que estavam começando a partir do zero não era apenas uma questão de
retórica. Os estudos que tinham feito não os preparara para a pintura mura-
lista, e as histórias que se contam sobre como eles se haviam metido, por
conta própria, a fazer murais, às vezes chegam a ser de extrema comicidade.
No início, houve uma guerra entre os adeptos da encáustica" - usada por
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moderno, tanto em termos da temática como do elnprego de técnicas, a 7.6 Diego Rivera, A criação (1922-1923), encáustica e
palavra de ordem dele - "Uma Nova Direção para uma nova geração de folha de ouro; Anfiteatro Bolívar, Escuela Preparatoria
Nacional, Cidade do México.
pintores e escultores americanos" - clamava por uma arte nova, dinâmica
e construtiva: "Precisamos viver nossa maravilhosa e dinâmica época!" As
raizes de sua linguagem estavam na estética modernista do cubismo e do
futurismo que, com a reavaliação pelos cubistas da arte "primitiva", iria a-
judar a confirmar a nova atitude para com a cultura nativa do México:"Pre-
cisamos absorver (... ) a força construtiva de suas obras, nas quais existe e-
vidente conhecimento dos elementos da natureza", e, ao mesmo tempo, pedia
ele que se evitassem "as lamentáveis reconstruções arqueológicas (indianisrno,
primitivismo, americanismo) que, apesar de tão em. moda hoje, estão nos
conduzindo para efêrneras estilizações." 15 Siqueiros dava ênfase "às gran-
des massas primárias - cubos, cones, esferas, cilindros, pirâmides - que de-
veriam ser as vigas de toda a arquitetura plástica. Deixem-nos impor o es-
pírito construtivo sobre o puramente decorativo (... ) a base essencial de uma
obra de arte é a estrutura da forma, magnífica e geométrica (... )" - idéias
que provavelmente contribuíram para a futura realização de alguns dos mais
brilhantes e descornprometidos murais, como A velha ordem de Orozco (1926),
Afesta da cruz (1924), de Montenegro, e a Usina de açúcar (1923), de Rivera ,
nos quais a "estrutura geométrica da forma" escapa de suas amarras cubistas
para fundir-se esplendidamente com. a verdadeira arquitetura.
O movimento rnuralista concentrava-se cada vez mais nas mãos de "Los
Tres Grandes": Rivera, Orozco e Siqueiros. Mas no princípio, nos heróicos
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7.13 Diego Rivera , Indústria de Detroit (parede sul) sua expressão mais espetacular, no sentido próprio desta palavra - COI11 uma
(1932-1933); The Detroit Institute of Arts, comprado pela forte crítica social relacionada à exploração dos trabalhadores. Caracterís-
sociedade dos fundadores, Edsel B. Ford Fund e doado
por Edsel B. Ford. tico também é o contraste entre o México industrial e o México rural; este
último celebrado por Rivera mais como vital e pitoresco do que como atra-
sado e indigente. (Uma apresentação mais na linha de Gam.io COI11 contrastes
entre o México rural, atrasado e supersticioso, e o moderno México indus-
trializado, cujas riquezas naturais são amplamente exploradas, aparece num
afresco de Juan O'Gorm.an, intitulado O crédito transforma o México [ilust.
7.15], pintado nos anos 1960 para aquele que, hoje, é o Banco Internacio-
nal, na Cidade do México.) A maneira como passa Rivera da representação
da vida cotidiana, num realismo simplificado, para a alegoria e o símbolo é,
em parte, possível por tratar-se de composições destinadas a painéis; mais
tarde, ele iria absorver os mesmos elementos em complexos padrões for-
mais de grande precisão, como se vê em sua obra Homem lia encrueiih adaí"
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7.14 Juan O'Gorman, Cidade do México (1942), têmpera sobre maso nita, O,66x1 ,22 m; Museo de Arte Moderno, Cidade do México (INBA).
7.15 a e b Juan O'Gorman O crédito transforma o México (1965), afresco, 2,40x3,OO m; Banco Internacional, Cidade do México.
7.18, 19 e 20 Diego Rivera , 1 de maio em Moscou
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7.29 José Clemente Orozco, Prometeu (1930), têmpera com uma grande massa de devotos católicos. Os zapatistas, por exemplo,
sobre masonita, 61,2x81 cm; Museo de Arte Moderno,
Cidade do México (INBA).Versão do mural executado iam para as batalhas, montados em seus cavalos, sob a proteção da bandei-
no meSITlOano para o Pomana College, Califórnia. ra da Virgem de Guadalupe [ilust. 7.17].
Orozco achava que seus colegas pintores, no nacionalismo deles, confun-
diam pintura com arte folclórica. "A pintura", dirá ele, "em sua mais alta
expressão e a pintura como arte menor folclórica diferem essencialmente
nisto: a primeira possui imutáveis tradições universais de que ninguém pode
separar-se (... ) a segunda tem apenas tradições locais." Ele negava-se a "pin-
tar índios com sandálias e calças de algodão sujas, e é claro", dirá ainda, "que
desejo de todo o coração que as pessoas vestidas assim possam, um dia, aban-
donar estas roupas e tornar-se civilizadas". 24Também se negava a pintar pro-
paganda: "Uma pintura não deveria ser um comentário, mas a coisa em si;
7.30 David Alfaro Siqueiros, Et/w}?rafia (1939), esmalte não uma reflexão, mas uma compreensão; não uma interpretação, mas a coisa
sobre prancha de composição, 1,22xO,82 111; The Museurn
of Modern Art, Nova York; Abby Aldrich Rockefeller a ser interpretada." Mais tarde, numa carta aberta de 1944, Siqueiros avisa-
Fund. va-o de que sua "expressão ideológica estava perdendo em clareza" 25 Mas
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7.31 José Clemente Orozco, Hisp anoamcrica (1932- Orozco persistiu em sua recusa de comprometer-se ideologicamente. Sua
1934), afresco; Dartmouth College, New Hampshire,
Estados Unidos. pintura estava estruturada segundo uma dialética interna entre o poder e
os perigos dos tradicionais ícones e mitos políticos da revolução na qual,
7.32 José Clemente Orozco, Al'Igloamerica (1932-1934),
também ele, uma vez, "cheio de entusiasmo, havia depositado fé".
afresco; Darmouth College, New Hampshire, Estados
Unidos. É interessante a comparação que se pode estabelecer entre o tratamento
dado à história por Orozco nos murais do Darmouth College e o que é
dado por Rivera no imenso friso do mural que está no Palácio Nacional da
Cidade do México. Na Baker Library do Dartmouth College, Orozco pintou
o curso da civilização americana e sua moderna condição industrial. Na
ocasião, disse ele: "As raças dos dois continentes americanos estão, agora,
adquirindo consciência da própria personalidade que emerge de duas corren-
tes culturais, a indígena e a européia [ilust. 7.31,32]. O grande mito ameri-
cano, Quetzalcoatl [ilust. 7.33,34], está bem vivo; ele abrange os dois elemen-
tos e, por sua natureza profética, chama a atenção para a responsabilidade
que têm igualmente as duas Américas na criação de uma autêntica civilização
americana.":" Ambos os pintores tratam a história da América como uma
progressão, mas Orozco fará, depois, a era moderna retroceder, satiricamente,
como se fosse uma grotesca imagem espelhando o passado: em Dartmouth,
o Moderno sacrifício humano e a Moderna migração do espírito são, no fim, con-
frontados com o A ntigo sacrifício humano e a Antiga migração. Eisenstein, "vi-
sitando Orozco e pedindo-lhe para pôr no mítico Quetzalcoatl a barba de
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7.33 José Clemente Orozco, A cabeça de Quetzalcoatl (c.
1932-1934), creiom sobre papier calqué, 81,7x61 em; The
Museum of Modern Art, Nova York, doado por Clemente
Orozco.
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7.38 Diego Rivera , História da medicina no México: o pOIlO em termos realmente indígenas, não através da pura e simples reprodução
clama por unia saúde melhor [detalhe (1953»), afresco;
Hospital de Ia Raza , Cidade do México. de imagens do passado pré-colombiano, como o fizera, anteriormente, ao
pintar a estátua de Xochipilli na parede da escada do Ministério da Educa-
ção, e quando quis figurar fantasiosamente as civilizações pré-hispânicas
que se encontram nos corredores do Palácio Nacional (1942-51), mas
tentando entender e usar, criativamente, as estruturas e a iconografia pré-
colombianas. Suas ilustrações para o livro maia Papal Vuh [ilust. 9.16,17] e
o mural que pintou no Hospital de Ia Raza, intitulado História da medicina
no México: o povo clama por uma saúde melhor (1953) [ilust. 7.38], revelam
seu enorme interesse pelo pensamento científico e mágico das civilizações
indígenas, e o uso, cada vez mais acentuado, que faz de uma estrutura
dualística (o sol e a lua, por exemplo, que presidem as duas partes da História
da medicina) provavelmente deriva da mesma fonte.
De todas as obras dos muralistas, a de Siqueiros é de longe a mais difícil
de ser reproduzida com algum sucesso. Isso se deve ao estilo, à técnica e
aos espaços escolhidos para situá-Ia. Os lugares foram selecionados por ele,
ou modificados, ou construídos de modo a permitir que toda a área da
parede ficasse completamente envolvida pelo clima pictórico da criação.
É o caso, por exemplo, do imenso mural que fez para o Hospital de Ia Raza,
onde, de maneira ininterrupta, a pintura ocupa as paredes sem quinas e o
teto ovalado. Siqueiros empregava tintas industriais, pistola de jato e se
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7.39 David Alfaro Siqueiros, D. Porflrio e suas cortesãs (1957), afresco; Museo Nacional de Historia, Cidade do México (INAH).
7.40 David Alfaro Siqueiros, Revolucionário a cavalo (1957), afresco; Museo Nacional de Historia, Cidade do México (INAH).
7.41 David Alfaro Siqueiros, O povo pega em armas também valeu da técnica da fotografia quando usou um projetor para
(1957), afresco; Museo Nacional de Histor ia , Cidade do
México (INAH). distender as imagens sobre a parede, como ele mesmo explica em seu
importante livro Como pintar um mural.
Diferente de Orozco e Rivera, ele raramente pintou temas ligados à
história mexicana, estando muito mais absorvido pela luta de classes no
México de sua época. O "pôs ter-mural" Retrato da burguesia (originalmente
chamado "Retrato do Fascismo") é o "primeiro trabalho no gênero a
empregar fotografias contemporâneas para figurar um tema político, no
caso a Guerra Civil Espanhola e suas conseqüências". Esse mural tem uma
complexa relação com a dificil administração de Lázaro Cárdenas e com
as próprias experiências de Siqueiros quando lutava por um governo repu-
blicano na Guerra Civil Espanhola." A primeira vez que usou o tema da
revolução diretamente num mural foi no Castelo de Chapultepec, numa
sala com paredes especialmente construídas e alas arredondadas e salientes.
A revolução contra a ditadura de Poifirio Díaz é uma fantástica mistura de in-
teligência e sátira no retrato que faz da decadente corte de Díaz e na
emocionante descrição dos momentos cruciais da revolta que conduziria
à revolução, "cheia de retratos reais feitos em cima de fotografias dos heróis
revolucionários (...)" 28 Situado como está num lugar de recreação pública,
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o MOVIMENTO MURALlSTA MEXICANO
esse mural tem também uma função didática que ele diariamente exerce
[ilust.7.39,40,41].
Siqueiros também desenvolveu um tema baseado na invasão espanhola
do México, "Cuauhtémoc contra o mito", no qual o último imperador
asteca que, diferentemente de seu tio Moctezuma, tentara defender o povo
contra os espanhóis e se recusara a sucumbir aos mitos fatalísticos que iden-
tificavam Cortés com o retorno do deus Quetzalcoatl, sendo, por isso, trans-
formado em símbolo da resistência contra a exploração colonial/capitalista.
A ênfase posta numa arte de caráter histórico e voltada para o povo sem-
pre esteve presente - e isso nada tem de surpreendente - na obra dos
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7.45 David Alfaro Siqueiros, Torso feminino (s/ d),
piroxênio sobre masonita, 1,14xO,93 rn; Museo de Arte
Alvar y Carmen T. de Carrillo Gil, Cidade do México
(INBA). Estudo para o torso da figura central em A nova
democracia (1944-45), Museo del Palacio de Bellas Artes.
muralistas; por outro lado, todos eles deixaram também pinturas de cavalete 7.47 Diego Rivera, Natasha Celman (1943), óleo sobre
tela, 1,55xl ,20111; coleção Jacques e Natasha Gelman.
que, muitas vezes, repetem os temas e assuntos tratados nos murais. A in-
constância do patrocínio freqüentemente os levava a aceitar encomendas
particulares para murais e retratos. As pinturas de cavalete de Orozco permi-
tiram que ele não só pintasse cenas independentes que achava inapropriadas
para a arte do mural, como também imagens abstratas como ·as de seu
quadro Paisagem metafísíca, de 1948 [ilust. 7,43]. Em uma escala menor da
pintura de cavalete, também Siqueiros produziu dinâmicas e fortes imagens
que não caíram, como algumas vezes aconteceu com seus murais, na arma-
dilha da confusão e do exagero pictóricos [ilust. 7.45,46]. As pinturas de
cavalete de Rivera tanto incluem retratos de figuras da sociedade como
imagens que, embora vinculadas muito de perto com certos fragmentos
de seus murais, se bastam a si mesmas [ilust. 7.47].
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