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Modernismo no Brasil -

Primeira geração
  Contexto histórico e cultural
O século XX começa no Brasil com governos que contribuem para a manutenção dos interesses
das oligarquias rurais diante da relevância da exportação cafeeira para a economia nacional. Com o
avanço do processo de industrialização, a necessidade de novos profissionais especializados cria
oportunidades para as classes não dominantes. A migração interna, motivada pela crise da cultura
canavieira, altera a estrutura social, que se transforma ainda mais com o grande contingente de imi-
grantes europeus que chega ao país. A experiência política e sindical dos imigrantes contribui para a
difusão de ideias socialistas e para a luta por melhores condições de trabalho. Nesse contexto cres-
cem as tensões políticas, também impulsionadas pela fundação do Partido Comunista Brasileiro
e do movimento tenentista.
A burguesia industrial em ascensão, que alça São Paulo à condição de estado líder, ganha destaque
nesse momento de mudanças. A cidade torna-se propícia para ser o berço da vanguarda intelectual que
surge. O projeto modernista então concebido não visava, contudo, ao envolvimento político: sua proposta
era derrubar os padrões estéticos conservadores e expressar a nova realidade cosmopolita e industriali-
zada, em harmonia com as aspirações da nova burguesia.

  Semana de Arte Moderna de 1922 e seus desdobramentos


Em fevereiro de 1922, ocorreu, no Teatro Municipal de São Paulo, a Semana de Arte Moderna, uma
mostra de artes plásticas, acompanhada por apresentações literárias e musicais. De caráter contestador,
o evento contribuiu para a consolidação do Modernismo, por ter promovido a reunião da produção ar-
tística de vanguarda e a discussão das novas tendências.
Nos anos seguintes, várias publicações alimentaram tal discussão, dentre as quais o Manifesto da poesia
Pau-Brasil, de Oswald de Andrade, que propunha o resgate das raízes das culturas indígena e africana e
sua incorporação a uma poesia sem preconceito linguístico, que valorizasse a produção cultural brasi-
leira. Esse debate ideológico prosseguiu, em 1928, com o Manifesto antropófago, do mesmo autor, cuja
proposta era a de que o artista brasileiro “devorasse” as tendências europeias e, ao digeri-las, criasse uma
nova arte nacional.

  Arte da primeira geração


Uma das propostas fundamentais da primeira geração do Modernismo é a valorização da cultu-
ra nacional. Esta deveria ser a base da produção artística, que incorporaria influências modernas
do exterior, sem abrir mão de ser autenticamente brasileira. Em sua reflexão sobre a formação da
cultura local, os modernistas reconhecem a mistura de fatores culturais nacionais e estrangeiros,
recusando-se a ratificar a figura do nativo brasileiro autônomo e idealizado anteriormente propos-
ta pelo Romantismo.
O movimento em direção ao universo nacional evidencia-se, igualmente, na inclusão da fala popular
nos experimentos estéticos dessa geração, que se distancia radicalmente dos recursos formais consagra-
dos por parnasianos e simbolistas. Apresenta-se, ainda, na escolha dos temas, que se apropriam do co-
tidiano – o movimento das metrópoles e os acontecimentos prosaicos.
Todas essas inovações acabam confrontando o gosto da burguesia, que compõe a maior parte do
público com acesso à nova produção. A preferência pela estética mais conservadora persiste, já que a
maioria não compreende a ruptura brusca com os padrões anteriores e, por isso, acaba, inclusive, tor-
nando-se alvo da crítica dos artistas, independentemente de estes precisarem dos recursos burgueses
para viabilizar sua arte.
A primeira geração do Modernismo retrata temas do cotidiano, como o movimento das metrópoles e
os acontecimentos prosaicos. Sua linguagem faz experimentos e é próxima da fala simples do brasileiro
comum. Os autores dialogam com o Romantismo no que se refere à busca por uma identidade nacional.
Distinguem-se dele, contudo, por buscarem um retrato não idealizado do nativo brasileiro.
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Oswald de Andrade
Oswald de Andrade ajuda a dar forma ao Modernismo com seus manifestos e seu livro Pau-
-Brasil, de 1925, marcado pelos experimentos de linguagem.
Sua linguagem sintética e prosaica é explorada com irreverência em Memórias sentimentais de
João Miramar e Serafim Ponte Grande, obras fundamentais do Modernismo. Nelas, a escrita tele-
gráfica aparece como a principal responsável pela libertação da sintaxe tradicional.

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Raul Bopp
Sua obra de maior destaque é Cobra Norato, um poema de 33 partes ambientado na Amazô-
nia. Bopp retoma mitos e lendas das culturas negra e indígena e faz um panorama da situação
dos negros no Brasil. A liberdade na forma e na linguagem permeia sua obra.
Manuel Bandeira
Um dos poetas brasileiros de maior relevância, faz experimentos com as estéticas romântica e
simbolista antes de chegar ao lirismo prosaico de linguagem simples que se tornaria sua mar-
ca registrada. A aproximação da proposta modernista o leva a produzir poemas mais espontâ-
neos, com versos livres, e já carregados de seu lirismo característico.
A temática escolhida e a forma de abordá-la são bastante particulares, embora alinhadas com
o universo cotidiano da primeira fase modernista: os pequenos acontecimentos rotineiros, a in-
fância, as ruas. O amor, a ausência e a morte, contudo, também são temas recorrentes.
Alcântara Machado
A vida dos imigrantes, principalmete os italianos, foi o principal universo de sua obra. Um
dos primeiros grandes autores do Modernismo paulista, retratou como ninguém a agitação da
metrópole nas primeiras décadas do século XX. O estilo cinematográfico e a linguagem co-
loquial e concisa, assim como as onomatopeias, os estrangeirismos e a sintaxe inovadora,
são característicos de sua prosa, que, com esses recursos, expressa muito bem o período de
mudanças que a sociedade brasileira atravessava.
Mário de Andrade
Artista eclético de muitas ocupações, é uma das fontes da inquietação e da inventividade
que marcaram o início do Modernismo brasileiro. Sua poesia múltipla e complexa exemplifica
os caminhos que a literatura modernista percorreu. O “Prefácio interessantíssimo” de seu livro
Pauliceia desvairada (1921) explica a relação de sua obra poética com as tendências tradicionais
e vanguardistas. Entre essas últimas, defendia o uso da linguagem popular e nacional, do ver-
so livre e da escrita automática, recurso popular entre os surrealistas.
Macunaína: o herói sem nenhum caráter, de 1928, é o grande destaque de sua prosa. A me-
tamorfose do “herói de nossa gente” – que dá nome à obra – em negro, branco e indígena ao
longo da narrativa torna-o uma representação do povo brasileiro. A obra evidencia traços do
Modernismo no Brasil, como a ruptura com a tradição dos heróis e o retrato de nossa cultura
nativa, além de se valer da linguagem inventiva, com recursos como a omissão de pontuação e
o uso de termos coloquiais. Veja o trecho inicial da obra.

No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói da nossa gente. Era preto retinto e filho do
medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Ura-
ricoera, que a índia tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma.
Já na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro passou mais de seis anos não falando. Si
o incitavam a falar exclamava:
— Ai! que preguiça!...
e não dizia mais nada. Ficava no canto da maloca, trepado no jirau de paxiúba, espiando o
trabalho dos outros e principalmente os dois manos que tinha, Maanape já velhinho e Jiguê na
força do homem. O divertimento dele era decepar cabeça de saúva. Vivia deitado mas si punha
os olhos em dinheiro, Macunaíma dandava pra ganhar vintém. E também espertava quando a fa-
mília ia tomar banho no rio, todos juntos e nus. Passava o tempo do banho dando mergulho, e as
mulheres soltavam gritos gozados por causa dos guaiamuns diz-que habitando a água-doce por lá.
ANDRADE, Mário de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. Rio de Janeiro: Agir, 2008. p. 13-14.

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Todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Questões

1. (Ufam) Sobre o Modernismo no Brasil, afirma-se corretamente que:


a) não obteve êxito em suas propostas, em nenhum aspecto.
b) se deu apenas na poesia, principalmente da década de 1930.
c) o movimento nasceu gorado, pois copiou os princípios das vanguardas
europeias.
d) revolucionou o modo de se fazer literatura e pensar criticamente o país.
e) pretendia restabelecer a tradição romanesca no Brasil.
2. (PUC-RS) Para responder, ler o trecho de Memórias sentimentais de João Mira-
mar, de Oswald de Andrade.

A costa brasileira depois de um pulo de farol sumiu como um peixe.


O mar era um oleado azul. O sol afogado queimava arranha-céus de
nuvens.
Dois pontos sujaram o horizonte faiscando longínquos bons dias
sem fio.
Os olhos hipócritas dos viajantes andavam longe dos livros – agora
polichinelos sentados nas cadeiras vazias.

A aproximação do texto literário à prosa cinematográfica, caracterizada pela


, permite afirmar que o fragmento acima, de autoria de Oswald de An-
drade, enquadra-se na estética .
a) simultaneidade de imagens – modernista
b) exaltação de objetos – romântica
c) presença da ironia – realista
d) idealização da paisagem – pós-moderna
e) exploração do local – simbolista
(Udesc) De acordo com a leitura do excerto e da obra Macunaíma, de Mário de
Andrade, responda à questão 3.

Vei, a Sol
[...]
Quando Vei com suas filhas chegaram do dia e era boca da noite
as moças que vinham na frente e encontraram Macunaíma e a por-
tuguesa brincando mais. Então as três filhas de luz se zangaram:
— Então é assim que se faz, herói! Pois nossa mãe Vei não falou pra
você não sair da jangada e não ir brincar com outras cunhãs por aí?!
— Estava muito tristinho! o herói fez.
— Não tem que tristinho nem mané tristinho, herói! Agora que
você vai tomar um pito de nossa mãe Vei!
E viraram muito zangadas pra velha:
— Veja, nossa mãe Vei, o que vosso genro fez! Nem bem a gente foi
no cerradão que ele escapuliu, deu em cima duma boa, trouxe ela na
vossa jangada e brincaram até mais não! Agora estão se rindo um pro
outro!
Então a Sol se queimou e ralhou assim:
— Ara ara, ara, meus cuidados! Pois não falei pra você não dar em
cima de nenhuma cunhã não!... Falei sim! E inda por cima você brinca
com ela na jangada minha e agora estão se rindo um pro outro!
— Estava muito tristinho! Macunaíma repetiu.
— Pois si você tivesse me obedecido casava com uma de minhas
filhas e havia de ser sempre moço e bonitão. Agora você fica pouco
tempo moço tal-qualmente os outros homens e depois vai fican-
do mocetudo e sem graça nenhuma. Macunaíma sentiu vontade de
chorar. Suspirou.
— Si eu soubesse...
ANDRADE, Mário de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. p. 56-57.

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3. Assinale a alternativa correta:
a) Macunaíma trai o pacto que fizera com Vei e, por isso, perde a imortalidade
bem como a oportunidade de iniciar uma nova família: casar-se com uma das
filhas de Vei.
b) Quando as filhas da luz encontraram Macunaíma brincando com outras
cunhãs, justificaram a atitude dele pela tristeza em que se encontrava.
c) A mãe Vei, que era mensageira da luz, zangara-se com a portuguesa ao

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encontrá-la brincando com Macunaíma, pois tencionava transformá-la em
uma cunhã.
d) As expressões “E inda por cima...” e “Si eu soubesse...” constituem infra-
ções ao padrão formal da língua escrita, em relação à ortografia, o que fere
um dos objetivos da nova proposta da corrente modernista.
e) Da oração “Estava muito tristinho! o herói fez” infere-se que Macunaíma,
ardiloso como era, tentava arranjar argumentos para convencer a cunhã a
brincar com ele novamente.
4. (UFPR) Leia atentamente os trechos de poemas de Manuel Bandeira.

[...] Vede como primo


Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma. [...]
(Os Sapos)

[...] Abaixo os puristas


Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo o lirismo que capitula ao que quer que seja
[fora de si mesmo. [...]
(Poética)

Sobre esses trechos, assinale a alternativa incorreta:


a) Há a reflexão sobre o próprio fazer poético, que propunha uma estética
bem diferente da proposta por Olavo Bilac em “Profissão de Fé”.
b) No contexto de “Os Sapos”, há cinquenta anos o autor já tinha proposto
normas rígidas para o fazer poético, antecipando o Parnasianismo.
c) Os Sapos são metáforas que se referem aos poetas parnasianos, que pri-
mavam por um rigor na métrica e na versificação.
d) Em forma de manifesto, Manuel Bandeira expressa boa parte da demanda
dos modernistas quanto à forma de se fazer poesia.
e) O “lirismo raquítico e sifilítico”, que Bandeira combate, é próprio dos poetas
ultrarromânticos do século XIX.
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