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Primeira geração
Contexto histórico e cultural
O século XX começa no Brasil com governos que contribuem para a manutenção dos interesses
das oligarquias rurais diante da relevância da exportação cafeeira para a economia nacional. Com o
avanço do processo de industrialização, a necessidade de novos profissionais especializados cria
oportunidades para as classes não dominantes. A migração interna, motivada pela crise da cultura
canavieira, altera a estrutura social, que se transforma ainda mais com o grande contingente de imi-
grantes europeus que chega ao país. A experiência política e sindical dos imigrantes contribui para a
difusão de ideias socialistas e para a luta por melhores condições de trabalho. Nesse contexto cres-
cem as tensões políticas, também impulsionadas pela fundação do Partido Comunista Brasileiro
e do movimento tenentista.
A burguesia industrial em ascensão, que alça São Paulo à condição de estado líder, ganha destaque
nesse momento de mudanças. A cidade torna-se propícia para ser o berço da vanguarda intelectual que
surge. O projeto modernista então concebido não visava, contudo, ao envolvimento político: sua proposta
era derrubar os padrões estéticos conservadores e expressar a nova realidade cosmopolita e industriali-
zada, em harmonia com as aspirações da nova burguesia.
No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói da nossa gente. Era preto retinto e filho do
medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Ura-
ricoera, que a índia tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma.
Já na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro passou mais de seis anos não falando. Si
o incitavam a falar exclamava:
— Ai! que preguiça!...
e não dizia mais nada. Ficava no canto da maloca, trepado no jirau de paxiúba, espiando o
trabalho dos outros e principalmente os dois manos que tinha, Maanape já velhinho e Jiguê na
força do homem. O divertimento dele era decepar cabeça de saúva. Vivia deitado mas si punha
os olhos em dinheiro, Macunaíma dandava pra ganhar vintém. E também espertava quando a fa-
mília ia tomar banho no rio, todos juntos e nus. Passava o tempo do banho dando mergulho, e as
mulheres soltavam gritos gozados por causa dos guaiamuns diz-que habitando a água-doce por lá.
ANDRADE, Mário de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. Rio de Janeiro: Agir, 2008. p. 13-14.
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Vei, a Sol
[...]
Quando Vei com suas filhas chegaram do dia e era boca da noite
as moças que vinham na frente e encontraram Macunaíma e a por-
tuguesa brincando mais. Então as três filhas de luz se zangaram:
— Então é assim que se faz, herói! Pois nossa mãe Vei não falou pra
você não sair da jangada e não ir brincar com outras cunhãs por aí?!
— Estava muito tristinho! o herói fez.
— Não tem que tristinho nem mané tristinho, herói! Agora que
você vai tomar um pito de nossa mãe Vei!
E viraram muito zangadas pra velha:
— Veja, nossa mãe Vei, o que vosso genro fez! Nem bem a gente foi
no cerradão que ele escapuliu, deu em cima duma boa, trouxe ela na
vossa jangada e brincaram até mais não! Agora estão se rindo um pro
outro!
Então a Sol se queimou e ralhou assim:
— Ara ara, ara, meus cuidados! Pois não falei pra você não dar em
cima de nenhuma cunhã não!... Falei sim! E inda por cima você brinca
com ela na jangada minha e agora estão se rindo um pro outro!
— Estava muito tristinho! Macunaíma repetiu.
— Pois si você tivesse me obedecido casava com uma de minhas
filhas e havia de ser sempre moço e bonitão. Agora você fica pouco
tempo moço tal-qualmente os outros homens e depois vai fican-
do mocetudo e sem graça nenhuma. Macunaíma sentiu vontade de
chorar. Suspirou.
— Si eu soubesse...
ANDRADE, Mário de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. p. 56-57.
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