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Segunda geração
Contexto histórico e cultural
A subida de Getúlio Vargas ao poder, na década de 1930, marca o fim da República Velha no
Brasil e a inauguração de uma fase de transformações profundas, diante da necessidade de moder-
nização do país para assumir posição mais relevante no contexto internacional. Foi um período de
grande desenvolvimento industrial, mas também de atenção aos atrasos sociais que o interior
do país sofria.
O mundo presencia o enfrentamento de duas ideologias opostas: o socialismo/comunismo, conso-
lidado pela Revolução Russa (1917), e o liberalismo, abalado pela Crise de 1929. Tendências totali-
tárias também crescem internacionalmente, como o nazismo alemão e o fascismo italiano. No Brasil,
Vargas gradativamente passa a imitar o modelo do fascismo, implantando aos poucos um governo to-
talitarista, com o apoio da burguesia média, da Igreja, das classes latifundiária e industrial e também
dos militares.
No campo das artes e da cultura, o advento do cinema comercial contribui para a popularização da
arte, que ganha público por se tornar acessível às massas. A música ganha espaço paralelamente, tam-
bém em sua vertente mais popular.
Por terem se tornado mais acessíveis, os meios de comunicação também passam a ser usados para a
propaganda política e a divulgação das ideologias correntes.
Assim, cresce a cobrança aos intelectuais por uma orientação ideológica: entre a perspectiva de
igualdade e transformação social do comunismo e a estabilidade promovida pelo paternalismo fascista,
que também poderia reduzir as desigualdades sociais.
O quinze
Foi Conceição quem os descobriu, sentados pensativamente debaixo do Cajueiro: Chico Bento
com os braços cruzados, e o olhar vago, Cordulina de cócoras segurando um filho, e um outro me-
nino mastigando uma folha, deixando escorrer-lhe pelo canto da boca um fio de saliva esverdeada.
[...]
Afinal ali estavam. Foi realmente com dificuldade que os identificou, apesar de seus olhos já se
terem habituado a reconhecer as criaturas através da máscara costumeira com que as disfarçava
a miséria.
E marchou para eles, com o coração estalando de pena, lembrando-se da última vez em que
os vira, num passeio às Aroeiras feito em companhia do pessoal de Dona Idalina: Chico Bento,
chegando do campo, todo encourado, e Cordulina muito gorda, muito pesada, servindo café às
visitas em tigelinhas de louça.
Por sinal, nesse dia, Cordulina pedira a Conceição e a Vicente que aceitassem ser padrinhos da
criança que estava por nascer.
Conceição, porém, nunca vira o afilhado. Já estava na cidade, ao tempo do batizado.
E lembrara-se de ter achado graça ao ver, na procuração que enviara, seu nome junto ao de Vicente,
num papel sério, eclesiástico, em que eles se tratavam mutuamente por nós, bem expresso na fórmula
final: “reservando para nós o parentesco espiritual”... Conceição gostara daquele nós de bom agouro,
que simbolizava suas mãos juntas, unidas, colocadas protetoramente, pela autoridade da Igreja, sobre
a cabeça do neófito...
Enfim, ali estavam.
E a criança que outro tempo trazia Cordulina tão gorda, era de certo aquela que lhe pendia do
colo, e que agora a trazia tão magra, tão magra que nem uma visagem, que nem a morte, que só
talvez um esqueleto fosse tão magro...
[...]
A moça dirigiu-se a Cordulina.
— E você, comadre, como vai? Tão fraquinha, hein?
A mulher respondeu tristemente:
— Ai, minha comadre, eu sei lá como vou!... Parece que ainda estou viva...
— É este, o meu afilhado?
Mas Conceição, que tivera a intenção de o tomar ao colo, recuou ante a asquerosa imundície da
criança, contentando-se em lhe pegar a mão – uma pequenina garra seca, encascada, encolhida...
QUEIRÓS, Raquel de. O quinze. São Paulo: Siciliano, 1993. p. 88-89.
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Eu maior que o mundo: Alguma poesia (1930) e Brejo das almas (1934). Questões amo-
rosas e existenciais, vida em sociedade.
Eu menor que o mundo: Sentimento do mundo (1940), José (1942), A rosa do povo
(1945). Poesia social.
Eu igual ao mundo: Novos poemas (1948), Claro enigma (1951), Fazendeiro do ar (1955),
Vida passada a limpo (1959), Lição de coisas (1962). Filosófico-metafísica e negatividade.
Notícias
Entre mim e os mortos há o mar
e os telegramas.
Há anos que nenhum navio parte
nem chega. Mas sempre os telegramas
frios, duros, sem conforto.
Na praia, e sem poder sair.
Volto, os telegramas vêm comigo.
Não se calam, a casa é pequena
para um homem e tantas notícias.
Vejo-te no escuro, cidade enigmática.
Chamas com urgência, estou paralisado.
De ti para mim, apelos,
de mim para ti, silêncio.
Mas no escuro nos visitamos.
Escuto vocês todos, irmãos sombrios.
No pão, no couro, na superfície
macia das coisas sem raiva,
sinto vozes amigas, recados
furtivos, mensagens em código.
Os telegramas vieram no vento.
Quanto sertão, quanta renúncia atravessaram!
Todo homem sozinho devia fazer uma canoa
e remar para onde os telegramas estão chamando.
ANDRADE, Carlos Drummond de. In: Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1988. p. 154-155.
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Receita de mulher
As muito feias que me perdoem
Mas beleza é fundamental. É preciso
Que haja qualquer coisa de flor em tudo isso
Qualquer coisa de dança, qualquer coisa de
[haute-couture*
Em tudo isso (ou então
Que a mulher se socialize elegantemente
[em azul, como na República Popular Chinesa).
Não há meio-termo possível. É preciso
Que tudo isso seja belo. É preciso que súbito
Tenha-se a impressão de ver uma garça apenas
[pousada e que um rosto
Adquira de vez em quando essa cor só
[encontrável no terceiro minuto da aurora.
Vinicius de Moraes.
* haute-couture: alta-costura.
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A Rosa de Hiroxima
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
5 Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
10 Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
15 A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.
MORAES, Vinicius de. Antologia poética.
3. Neste poema,
a) a referência a um acontecimento histórico, ao privilegiar a objetividade,
suprime o teor lírico do texto.
b) parte da força poética do texto provém da associação da imagem tradi-
cionalmente positiva da rosa a atributos negativos, ligados à ideia de
destruição.
c) o caráter politicamente engajado do texto é responsável pela sua despreo-
cupação com a elaboração formal.
d) o paralelismo da construção sintática revela que o texto foi escrito origi-
nalmente como letra de canção popular.
e) o predomínio das metonímias sobre as metáforas responde, em boa medi-
da, pelo caráter concreto do texto e pelo vigor de sua mensagem.
4. Os aspectos expressivo e exortativo do texto conjugam-se, de modo mais evi-
dente, no verso:
a) “Mudas telepáticas”. (v. 2)
b) “Mas oh não se esqueçam”. (v. 9)
c) “Da rosa da rosa”. (v. 10)
d) “Estúpida e inválida”. (v. 14)
e) “A antirrosa atômica”. (v. 16)
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