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ESTRUTURALISMO E SEMIÓTICA
de, tal como a criança poderia tomar uma atriz por uma fada
real. Havemos de notar que toda literatura, desligada que é de
qualquer preocupação sórdida, seja no fim mais ou menos ca-
paz de nos dizer de que modo devemos votar. Frye situa-se na
tradição humanista liberal de Arnold, desejando, como diz,
uma "sociedade livre, sem classes e urbanà' . O que ele quer di-
zer com "sem classes", tal como Arnold o fizera antes, é de fato
uma sociedade que subscreva universalmente seus próprios va-
lores liberais de classe média.
Há um certo sentido no qual a obra de Northrop Frye pode
ser considerada como "estruturalistà'; significativamente, ela
é contemporânea ao crescimento do estruturalismo "clássico"
na Europa. O estruturalismo, como a palavra mostra, ocupa-se
das estruturas e, mais particularmente, do exame das leis gerais
pelas quais essas estruturas funcionam. Como Frye, o estrutu-
ralismo também tende a reduzir os fenômenos individuais a
meros exemplos dessas leis. Mas o estruturalismo propriamen-
te dito encerra uma doutrina característica que não existe em
Frye: a convicção de que as unidades individuais de qualquer
sistema só têm significado em virtude de suas relações mútuas.
Tal noção não decorre da simples convicção de que devemos
ver as coisas "estruturalmente". Podemos examinar um poema
como uma "estrutura,, e, ao mesmo tempo, tratarmos cad a um
de seus itens como mais ou menos significativos em si mesmos.
Pode ser que o poema encerre uma imagem sobre o sol e ou-
tra sobre a lua, e pode ser que estejamos interessados em ver
como essas duas imagens se combinam para formar uma es-
trutura. Mas s,§_~ ~ e~~é!~~~ ct~ q~~p-
do pretendemos~-º significado de cada imagem só existe em
-----'"' '~-- - - -'·,, ~ - --..---------
----
rela ão às outras imagens. As imagens não têm um significado
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3. Ver "Closing Statement: linguistics and poetics", em Thomas A. Sebeok (org.), Style
in language (Cambridge, Mass., 1960).
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4. lbid., p. 358.
5. Ver "Two aspeccs of language and cwo types of aphasic discurbances", em Roman
Jakobson e Morris Halle, Fundamentais of Language (Haia, 1956).
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significado. Os ~ to~ ~êf!1 uma existência coleti,va semiobjeti-
~ -;~ Ji~ 'l:IIBDlifil''._ .'lt.,
va, revelam sua própria "lógica concreta"' com total indiferença
pelas imprecisões do pensamento individual, e reduzem qual-
quer consciência particular a uma mera função deles mesmos .
A narratologia consiste na generalização desse modelo além
dos "textos" não escritos da mitologia tribal, para outros tipos
de histórias. O formalista russo Vladímir Propp já havia feito
uma estréia promissora com sua Morfologia do conto folclórico
( 1928), que reduziu ousadamente todos os contos folclóricos
a sete "esferas de ação" e a 31 elementos fixos, ou "funções" .
Qualquer conto folclórico, individual, apenas combinava essas
"esferas de ação" ('?.hsró i, o ~m.te, o ~ o; a ~ s? a rQcura- j J
~i~1 de maneiras específicas. Sendo drasticamente econô-
mico, esse modelo ainda podia sofrer uma maior redução. A
Semântica estrutural (1966) de ~ ~Je·JJJ&s, julgando dema-
siado empírico o esquema de Propp, conseguiu resumir ainda
mais a sua exposição, trazendo à luz o conceito de af!if;!}!e, que
não é nem a narrativa específica, nem uma personagem, mas
uma unidade estrutural. Os seis actantes, Sujeito e Objeto, Emis- .
meron pode, dessa forma, ser lido como uma espécie de frase
ampliada, que combina essas unidades de diferentes maneiras.
E assim como a obra se volta, dessa forma, para sua própria
estrutura semilingüística, também para o estruturalismo toda
obra literária, ao descrever aparentemente uma realidade ex-
terna, está secretamente olhando de soslaio para seus próprios
processos de construção. Em última análise, o estruturalismo
não só repensa tudo, desta vez como linguagem, mas o faz
como se a linguagem fosse seu tema.
Para esclarecer nossa visão da narratologia, podemos exa-
minar finalmente a obra de Gérard Genette. Em seu Discours
narratif(l972), Genette estabelece uma distinção na narrati-
va entre récit, pelo qual entende a ordem dos acontecimentos
no texto; histoire, que é a seqüência na qual esses acontecimen-
tos ocorreram "realmente", como podemos deduzir do próprio
texto; e narration, que se relaciona com o próprio ato de nar-
rar. As duas primeiras categorias equivalem a uma distinção
clássica dos formalistas russos entre "tramà' e "histórià': uma
história de detetives começa habitualmente com a descoberta
de um corpo e finalmente recua para mostrar como ocorreu o
assassinato, mas essa trama de acontecimentos inverte a "his-
tórià' ou a cronologia real da ação. Genette identifica cinco
categorias centrais de análise narrativa. A "ordem" refere-se à
ordem temporal da narrativa, como ela pode operar por pro-
lepse (antecipação), analepse (retrovisão) ou anacronia, que se
refere às discordâncias entre "história e "trama". A "duração"
significa o modo como a narrativa pode elidir episódios, .ex-
pandi-los, sumarizá-los, fazer uma pequena pausa, e assim por
diante. A "freqüêncià' envolve questões relacionadas com a pos-
sibilidade de um acontecimento ocorrer uma vez na história e
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ser narrado uma vez, ocorrer uma vez mas ser narrado várias
vezes, acontecer várias vezes e ser narrado várias vezes, ou acon-
tecer várias vezes e ser narrado uma única vez. A categoria de
"modo" pode ser subdividida em "distâncià' e "perspectivà'.
A distância concerne às relações da narração com os seus pró-
prios materiais: é uma questão de recontar a história (diagese)
ou representá-la (mimese), é a ~~rra~Xª- contada em lingua-
gem direta, indireta ou "indireta livre". A "eers ectivà' é o que
tradicionalmente se poderia chamar de "pol!~,~ e:yJl~~" e
que também pode ser subdividido de várias maneiras: o nar-
rador pode saber mais do que as personagens, menos do que
elas,· ou estar no mesmo nível; a narrativa pode ser "não loca-
lizadà', feita por um narrador onisciente, exterior à ação, ou
"focalizada internamente", feita por uma personagem de uma
posição fixa, de várias posições, ou do ponto de vista de várias
personagens. Pode haver uma forma de "focalização externà',
na qual o narrador sabe menos do que as personagens. Final-
mente, existe a categoria da "yp_J,;, que se relaciona com o pró-
prio ato da narrativa, com o tipo de narrador e destinatário da
narrativa, que estão implícitos. São possíveis, nesse caso, vá-
rias combinações entre o "tempo da narrativà' e o "tempo nar-
rado", entre a ação de contar a história e os acontecimentos que
contamos; podemos falar dos acontecimentos antes ou depois
de eles ocorrerem, ou (como no romance epistolar) enquanto
ocorrem. Q.114,ri:~~ r pode ser "~ t½Jodie -~~~~' (isto é, ausen-
te de sua própria narrativa), "~.!!lR4~ g 'tico" (presente na
narrativa, como as histórias contadas na primeira pessoa), ou
"~ut~2~:~~ ico" (quando não só está dentro da história, como
também é o seu personagem principal). Estas são apenas algu-
mas das classificações de Genette; mas um aspecto importante
160 1 TEORIA DA LITERATURA: UMA INTRODUÇÃO
6. Ver Benedetto Croce, Aesthetic (Nova York, 1966); Erich Auerbach, Mimesis
(Princeton, NJ, 1971); E. R. Curtius, European Literature and the Latin Middle Ages
(Londres, 1979); Leo Spitzer, Linguistics and Literary History (Princeton, NJ, 1954);
René Wellek, A History ofModern Criticism 1850-1950 (Londres, 1966) .
162 1 TEORIA DA LITERATURA: UMA INTRODUÇÃO
11. Ver Jacques Derrida, "Limited Inc. ", Glyph 2 (Baitimore e Londres, 1977).
12. Ver Richard Ohmann, "Speech Acts and the Definition of Literature", Philosophy
and Rhetoric 4 ( 1971).
1801 TEORIA DA LITERATURA: UMA INTRODUÇÃO
13. Ver Simon Clarke, The Foundations ofStructuralism (Brighton, 1981), p. 46.
184 I TEORIA DA LITERATURA: UMA INTRODUÇÃO