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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

Instituto Multidisciplinar – Departamento de Letras


Língua Portuguesa no Tempo e no Espaço
Prof. Luiz Claudio

FONÉTICA-FONOLOGIA HISTÓRICAS

ACENTUAÇÃO
“No latim havia os limites [para a sílaba acentuada] entre a penúltima e a
antepenúltima sílaba [...]” (CÂMARA JR., J.M. História e estrutura da língua portuguesa, p.34)
“Generaliza-se um acento de intensidade, cuja posição é determinada de maneira
automática. Quando nenhuma ação contrária entre em jogo, a acentuação permanece a
mesma em galego português e em português contemporâneo. No latim imperial, a sílaba que
leva o acento é definida pelas seguintes regras:
“a)Palavras de duas sílabas: o acento recai na primeira. Ex.: séptem> port. sete,
dátum> port. dado.
“b)Palavras de três sílabas ou mais: o acento recai na penúltima sílaba se esta for
longa. Ex. amīcum> port. amigo, capĭlum1> port. cabelo; e recai na antepenúltima se a
penúltima for breve. Ex.: árbŏrem> port. árvore, hómĭnem> port. homem, quídĕcim> port
quinze”. (TEYSSIER, Paul. História da língua portuguesa. Lisboa/Portugal: Sá da Costa, 1994.
P.8)
“Por outro lado, [na passagem do latim ao português] surgiu a acentuação na última
sílaba, porque em certas estruturas fonológicas de vocábulo a sílaba átona final se esvaiu e em
outras estruturas se fundiu com a sílaba tônica precedente. [...] Assim, a acentuação final tem
origem românica, embora se tenha multiplicado, a seguir, com os empréstimos.
Os vocábulos portugueses de acentuação na antepenúltima sílaba raramente provêm da
evolução do latim vulgar (um exemplo é pêssego, do lat. persĭcum). Salvo em poucas condições,
houve na evolução da românia ibérica (como também em francês) a supressão da sílaba átona
precedente; daí, de solĭdum, apicŭla etc. termos soldo, abelha e assim por diante.
A maioria dos esdrúxulos [proparoxítonos] portugueses decorre do empréstimo em massa
de palavras do latim clássico, que se processou em português, especialmente a partir do séc. XVI;
entre elas vieram palavras gregas que o latim clássico tinha adotado e adaptado à sua estrutura.
Mas tarde houve empréstimos diretos do português ao grego clássico com a tendência a acentuá-
los e acordo com o princípio geral da prosódia latina. Também aumentaram o número de
esdrúxulos os empréstimos ao italiano pela língua literária portuguesa, a partir também do séc.
XVI, porque em italiano não houve a supressão românica da penúltima sílaba átona dos esdrúxulos
latinos.” (CÂMARA JR., p.34,35)

Esta passagem da quantidade à intensidade, operada no Latim Vulgar, teve por base estas
duas constantes:
a) Nas palavras proparoxítonas, cuja última sílaba continha um encontro consonantal
constituído por uma oclusiva e R, o acento tônico sofria diástole:
cáthedram>cathédra>cadeira; ténebras>tenébras>trevas.
b) Quando existia hiato com o I tônico, ocorria diástole:
– paríetem>pariétem>parede; mulíerem>muliérem>mulher.

1
Trata-se da quantidade da sílaba. No caso de capĭlum, uma vogal breve seguida de uma consoante
que trava a sílaba (ca-pĭl-um) constitui uma vogal longa. [Nota do original, com alterações.]
1
VOCALISMO TÔNICO
O Latim Clássico (LC) possuía um traço fonológico (ou seja, distintivo) que se perdeu: a
duração/quantidade. Por esse traço, cada vogal latina “se desdobrava em duas – uma longa,
de prolação mais demorada, e uma breve, de prolação rápida. A quantidade fazia assim de
cada vogal [...] um par opositivo de longa versus breve, que [...] se indicava pela sobreposição à
letra de um sinal diacrítico – ‘macron’ (ˉ) para a vogal longa e ‘braquia’ (˘) para a vogal breve.”
(CÂMARA JR., p.40). Assim, o LC possuía cinco fonemas vocálicos, que se desdobravam em dez
por conta da quantidade:

ī ū
ĭ ŭ
ē ō
ĕ ŏ
ā ă

“Pela quantidade os romanos distinguiam as significações linguísticas, quer dos


radicais (lexemas), quer dos sufixos ou flexões (morfemas). Assim, pela quantidade, ŏs, osso,
ōs, boca; [...] pōpulus (com o longo), álamo, de pŏpulos, povo, etc. Gramaticalmente também
não se confundiam, p. ex., rosă, nominativo ‘a rosa’, e rosā, ablativo, ‘com a rosa’; lĕgit,
presente ‘lê’, e lēgit, pretérito perfeito ‘leu’.
“Não se tratava de distinções mantidas artificialmente por gramáticos. Cícero nos diz
que, no teatro, a plateia vaiava os atores que errassem na quantidade.” (ELIA, Sílvio.
Preparação à linguística românica, p. 157)
Mais exemplos do caráter fonológico da duração nas vogais: lūto 'amarelo' vs.lŭto
'lodo' (ILARI, Rodolfo. Linguística românica, p.72); mālum 'maçã' vs.mălum 'mau', dĭco
'consagro' vs.dīco 'digo' (CÂMARA JR., p.40)
“No entanto, é certo que [a] oposição quantitativa se perdeu no latim vulgar, primeiro
nas átonas, depois nas tônicas.” (ELIA, p.157.)
Se o LC possuía o traço duração como distintivo, o mesmo não se dava com o traço
timbre/abertura da vogal. O que havia era uma tendência de as vogais longas serem fechadas,
e as breves, abertas. Mas essa distinção era de norma (cosseriana), e não de língua (langue),
portanto não era distintiva; assim, seu valor era apenas estilístico.
“Vários testemunhos de autores antigos, e sobretudo o exame das línguas românicas,
levam à conclusão de que, no latim vulgar, às diferenças de duração foram-se associando
diferenças de abertura que acabaram, num momento, suplantando as primeiras. Mais
exatamente, deve ter havido um momento em que a sílaba tônica de populus-povo, mantendo
sua duração breve, foi pronunciada também mais aberta que a sílaba tônica de populus-
choupo; num segundo momento, desapareceu a diferença de duração, e suas funções
distintivas passaram a ser desempenhadas pela abertura. Por um processo análogo, perdeu-se
a duração das demais vogais.” (ILARI, p.73)
Ou, em outras palavras: “A quantidade foi substituída pela qualidade ou timbre.
Segundo Meyer-Lubke, [...] as vogais longas (com exceção de a) pronunciavam-se como
fechadas e as breves, como abertas.” (id., ibid.) Assim, aquela tendência de norma estilística
do LC passa a uma distinção funcional, linguística, no Latim Vulgar (LV).
“Deve-se, porém, notar que, no latim vulgar, se criou uma nova quantidade: nas
sílabas abertas (isto é, não travadas por consoantes ou semivogal), as vogais eram
pronunciadas como longas e nas sílabas fechadas (isto é, travadas por consoante ou
semivogal) eram breves.
“A pronúncia das breves como abertas e das longas como fechadas (associado o
fenômeno ao desaparecimento da quantidade) levou a uma aproximação entre o i breve (isto
é, i aberto) e elongo(isto é, e fechado) [...]; e entre u breve (isto é, u aberto) e o longo (isto é, o
fechado) [...] Quer dizer que essas vogais, distintas no latim clássico, passaram a confundir-se

2
num só valor no latim vulgar, ou seja, i breve e e longoconvergiram para umsom e fechado e,
paralelamente, u breve e o longo confluíram no mesmo latim vulgar para o fechado.” (id., p.
158). Esquematicamente:
ī>i ū>u
ĭ>e ŭ>o
ē>e ō>o
ĕ> ŏ >ɔ
ā ă>a

“Acrescente-se que os ditongos ae e oe do latim clássico passaram, em latim imperial,


a vogais simples de timbres distintos.

Latim clássico Latim imperial Exemplos


ae caecum> port. cego
caelum> port. céu
oe e foedum> port. feo, hoje feio
poena > port. pena

“Assim, as dez vogais e dois dos ditongos do latim clássico forma substituídos por sete
vogais no latim imperial:
ī>i ū>u
oe, ĭ, ē > e ŭ, ō > o
ae, ĕ > ŏ >ɔ
ā, ă > a

“Já é este o sistema das vogais orais em galego-português medieval. E acrescente-se: [...] em
posição tônica o timbre das vogais de muitas palavras do galego-português e também do
português contemporâneo permaneceu o mesmo do latim imperial. [...] Este notável caráter
conservador do vocalismo português – convém advertir – comprova-se como uma tendência
geral.” (TEYSSIER, p.9.) Exemplos:
fīlo> fio sĭccu> seco lūna> lua lŭpu> lobo
tēla> teia dĕce> dez tōto> todo rŏta> roda
pāce> paz măre (com a breve) > mar

Mais exemplos:
- ī > irīvum > rio- ū > u secūrum > seguro
- ĭ > e ĭlle >ele- ŭ > o lŭcrum > logro
- ē > e secrētum> segredo - ŏ >ɔ nŏtula>nódoa
- ĕ > nĕbulam > névoa - ō > o sapōrem > sabor

“Como se vê, o português conservou bastante as vogais latinas. Não se verificou, p. ex.,
o fenômeno da ditongação, tão comum em outras línguas românicas.” (ELIA, Sílvio. Preparação
à linguística românica, p. 159) Por exemplo, o espanhol ditonga não só vogais em sílaba livre
(latim rota> esp. rueda; latim ferro > esp. fierro) mas também monotongos em sílaba tônica
travada: latim dente> esp. diente; latim festa> esp. fiesta; latim porta> esp. puerta; latim
chorda> esp. cuerda).
“Circunstâncias diversas contribuíram, não raro, para romper esse paralelismo entre as
vogais do latim imperial e as do português.” (Teyssier, p.9) Ou seja, “Em português [...] às
vezes não ocorre exata correspondência entre a quantidade da vogal latina e o timbre atual.
Deve-se isso a um fenômeno de harmonização à distância chamado metafonia,2 muito

2
Cf. Dic. Houaiss, s.v.metafonias.f. modificação do timbre de uma vogal da raiz ou de um sufixo
derivativo por assimilação à vogal de um sufixo flexional (p.ex., diacronicamente, temos em português o

3
importante em nossa língua materna. Em consequência desse fenômeno, primitivos ĕ e ŏ
tônicos passaram a e eo fechados (e não abertos, como seria foneticamente normal), quando
na sílaba final existe um u. Ex.: pŏrcu> porco; mĕtu > medo.
“Todavia, no feminino (final em -a) e no plural (final em -os), o timbre do e e do o se
apresenta normalmente aberto: porca, porcos, corvos, fogos, cadela (>catĕlla).
“Um iod postônico também fecha o timbre de um ĕ.Ex.: ... nĕruiu >nervo, sedeam >
*sĕdia (com e breve) >seja.
“Um ē sob a influência de um ī final passou a i. Ex.: uēnī>vim, fēcī>fiz.”(id., pp.162-163)
“Rôto procede de ruttu- <ruptu-. Nas palavras em que entra a combinação uct-, de
latim clássico, simplificada depois em utt-, a vogal u resiste em português à mudança em o:
fruto, produto (italiano prodotto), luto, luta (italiano lotta). Compara-se também o português
muito com o italiano molto< latim multu-.” (Said Ali, Gramática história da língua portuguesa,
p.23)
“Contrariamente à regra [da passagem de ĭ breve a e], conservou-se o ĭ tônico nas
terminações iciu-, ititu-, talvez por influência do segundo i: vício (vĭtiu-), ofício (officiu-), etc.”
(Id., p.24)
“O latim scrībere (com i longo) deu em português escrever (e não escriver) por analogia
de beber, receber, dever, etc.” (Id.ibid.)

VOCALISMO ÁTONO
De maneira geral, no que diz respeito ao tratamento do traço quantidade, a evolução
das vogais átonas foi o mesmo das tônicas, ou seja, as átonas também perderam o valor
linguístico da duração, antes mesmo das tônicas.

PRETÔNICAS INICIAIS (encontram-se em início de palavra).


Ora permaneceram, ora desapareceram por aférese (supressão de som inicial):
- amicu > amigo (permaneceu) - acutu > agudo (permaneceu)
- episcopu > bispo (sofreu aférese) - acume > gume (sofreu aférese)

“O o- inicial cai por causa da confusão entre o artigo o, mas no espanhol, língua em
que o artigo se diz el, não houve tal fenômeno (esp el obispo). O mesmo se teria passado,
segundo os autores, com:
• Lat abbatinam>abatina>a+batina> batina;
• latacumem> *a+gume>gume;
• latapothecam> *a+bodega>bodega;
• grlýgks> lat lynx> ital lonza> fr *lonce>l+once> port. onça
• horror> *o+ror>ror [...]
• grhōrológion> lat horologium> *orológio> *o+rológio>relógio.”3
(Viaro, Mário Eduardo. Etimologia. São Paulo: Contexto, 2010, p.140, 141, com alterações.)

Note-se que esse fenômeno aférese é ainda muito recorrente no vocalismo átono
português, como comprovam as variantes não cultas bandonar (por abandonar), guentar (por
aguentar), bservar (por observar).
PRETÔNICAS NÃO INICIAIS

fechamento das vogais médias [e] e [o], tornando-se [i] e [u], respectivamente, por assimilação a uma
vogal alta na desinência, como em [fezi] > [fizi] > fiz; [totu] > [todu] > tudo; o e aberto em ela, esta e
aquela explica-se por metafonia com o a da terminação)
3
Cf. Dic. Houaiss, s.v.ror /ô/ s.m.informalgrande porção de coisas ou de pessoas; quantidade ETIM f.
aferética de horror. Além disso, pode-se entender que a evolução de epíscopo para bispo também se
enquadra no caso de confusão entre a vogal inicial e o artigo, já que se documenta a variante obispo
durante o século XII; Provavelmente o e inicial passou a o por assimilação ao i tônico.

4
Geralmente o processo de evolução condenou-as ao desaparecimento pela síncope
(supressão de som medial), principalmente do -e- e do -i-, mas também, em menor número, do
-o- e do -u-. Ex.:
lat. *alicunum> port. algum lat. bonitate >port. bondade lat computare>port. contar
lat.follicare> port. folgar lat. honorare>port. honrar lat. judicare>judgar> port. julgar
lat.veritatem> *veredade> port. verdade
lat.vindicare> *vindegar>*vindgar>port. vingar

No entanto, há casos em que a pretônica medial, mesmo sendo -e- e -i-, se mantém. Ex.:
lat. civitatem>ciidade> port. cidade lat. *cupiditĭam>cobiiça> port. cobiça
lat.mirabilĭa> port. maravilha lat. salutare> port. saudar

POSTÔNICAS NÃO FINAIS


“Como o acento tônico, na maior parte das vezes, foi mantido na passagem do latim
para o português, grande número de proparoxítonas se transformou em paroxítonas por causa
da queda da primeira vogal átona (entre a tônica e a átona final), mais conhecida como sílaba
postônica.” (Viaro, p.143) Ou seja, “As átonas postônicas estão sujeitas a síncopes frequentes.
No entanto, nesse particular, há línguas em que elas resistem mais do que em outras.” (ELIA,
p.166) Ex.: lat.clas. calidum> lat.vulg. calda> port. calda
lat.clas. ocŭlum> lat.vulg. *oclu>port. olho
lat.clas. opĕra> lat.vulg. *óbera> port. obra
lat.clas. lepŏrem> lat.vulg. *lébore> port. lebre
lat.clas. speculum> lat.vulg. speclum >port. espelho
lat.clas. viridem> lat.vulg. virdi> port. verde
lat.hedera>port. hera

“O mesmo fenômeno encontra-se ainda vivo e, de fato, há síncopes que não são tão
recentes como parecem, por exemplo: abóbora>abobra já é documentada no século XIX.
Diminutivos como abobrinha, xicrinha e cosquinha podem permitir estabelecer o teminus a
quo de várias formas sincopadas, respectivamente abóbora>abobra, xícara > [' ik a] e
cócega> ['kɔska]. Praticamente todas as línguas românicas ocidentais participaram dessa
transformação [...].” (Viaro, p.143-144)
“A síncope da postônica, porém, não ocorreu em algumas variantes do latim falado,
conforme se depreende em transformações como:
lat.persĭcum>pêssego lat. *retĭnam>rédẽa>rédea
lat.macŭla> mágoa lat. pericŭlum>perigoo>perigo
lat.popŭlum>poboo>povo.
gr.ággelos> lat. angĕlus → angelum>angeo>anjo” (Id., p.144, com alterações.)

POSTÔNICAS FINAIS
Quanto às vogais finais, o A final conserva-se: rota> roda; aqua>água
O E final conserva-se parcialmente, pois cai quando precedido de consoante que possa
fechar a sílaba (R, S, Z, L, N): levare> levar; cruce>cruze>cruz; male> mal; bene>bem
O I final, longo ou breve, tem o mesmo destino do E final: vinginti> vinte
O O final conserva-se, mas há casos de apócopes: linteolu>lençol
O U final tem o mesmo destino do O final: caballu> cavalo.

DITONGOS
No Latim Clássico havia três ditongos: ae, au, oe. O Latim Vulgar, porém, apresentava
tendência para reduzir esses ditongos a vogais simples. Na passagem para o português temos:
- ae>é:lat. caelu>port. céu

5
- oe>ê: lat. poena >port. pena
lat.foeno > port.feno
- au>ou,au ou mesmo o: lat. audace >port. audaz
lat. aula > port. aula
lat. tauro > port. touro
lat.auricual> port. orelha
- ou alterna com oi:ouro e oiro
touro e toiro
louro e loiro
cousa e coisa
“Os ditongos ae, oe do latim clássico estavam desde longo tempo simplificados em e
quando se formaram os idiomas românicos. Foi maior a vitalidade do ditongo au, mas houve
sempre a tendência, principalmente em certas regiões, para transformá-lo em ou e simplificá-
lo por último na vogal o. assim veio do latim auru- português ouro, espanhol e italiano oro,
francês or; paucu- deu português pouco, italiano e espanhol poco, catalão poc. A par deste
ditongo antigo surgiu, em latim vulgar, outro ditongo au resultante de al nas combinações
alte-, alce- nos vocábulos *auteru (*autru) >alteru, *fauce>falce, *cauce>calce-. Também não
tardou a simplificar-se: português outro, francês autre, espanhol otro; português fouce, francês
faux; português couce.” (Said Ali, Gramática história da língua portuguesa, p.24-25)

Isto significa que a língua portuguesa possui dois ditongos de origem latina: au e ou
(oi). Contudo, é fácil constatar que a língua portuguesa apresenta mais ditongos. O
aparecimento destes dever-se-á à fase evolutiva dos romances (falares de origem românica).

CAUSAS DA DITONGAÇÃO
Como se pode constatar, o português contemporâneo possui muitos ditongos que não têm sua
origem no latim. A formação desses ditongos é resultado de determinados fenômenos
fonéticos:

DITONGOS ORAIS:
a. Por síncope da consoante intervocálica:
lat.vanitate>va-idade> port. vaidade
lat.vadi(t)>va-i > port. vai
lat. malum > ma-u > port. mau
Nesse caso, devido à queda da consoante sonora intervocálica, cria-se um hiato, sendo a
segunda vogal uma alta ou anterior [i] ou posterior [u]; essas vogais se transformam em
semivogais [y] e [w], respectivamente.
Ainda nesse tópico, mas com alguma diferença, encontram-se os exemplos a seguir:
velo> ve-o> véu
amatis>amades> ama-es > amais

Ocorre aí também a síncope de uma consoante sonora intervocálica, resultando um


hiato; no entanto, o segundo elemento desse hiato não é uma vogal alta [i] ou [u], mas sim
uma vogal média-alta [e] ou [o]. Para que ocorra a ditongação, é necessária uma oclusão na
articulação dessas vogais, passando [e] e [o] a, respectivamente, [i] e [u]. Só então se pode ter
a ditongação. Ou seja, por oclusão entende-se fechamento(ou abrandamento) do timbre das
vogais [e] e [o], passando, respectivamente, a [i] e [u].
Interessante é o caso de névoa, que procede do lat. nebŭla; com a queda da consoante
vozeada intervocálica -l-, e com a passagem do -u- breve postônico não final a [o], cria-se o
hiato: névo-a. Atualmente, dicionários escolares (como o Dicionário escolar Aurélio) aceitam a
possibilidade de haver aí um ditongo: névo:a. Para aceitar essa possibilidade de divisão

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silábica, deve-se entender que o -o- ortográfico pronuncia-se [u]. Com isso, percebe-se que os
fenômenos históricos são constantes na língua.
Ademais, essa oclusão de o em u e de e em i, para evitar o hiato, criando com isso o
ditongo, é um fenômeno presente ainda nos dias atuais: Joana, toalha, boato, magoar, voar,
soar (cf. suar), moeda, mágoa; teatro, chatear, basear, alardear, esfaquear (mas não cear).

b. Por epêntese (adição de um fonema em interior de palavra, no caso, de uma


semivogal para desfazer o hiato gerado pela queda de uma consoante sonora):
lat.arena>are-a>port. arei-a
lat.credo>cre-o>port. crei-o

c. Por metátese (trocana posição de um fonema):


lat.baĭsum> *bajio> *baijo>beijo
lat.capio>port. caibo
lat.primarium> port.ant. primairo> port. primeiro
lat.rabia>port. raiva
lat.habuit> *haube>houve
lat. *capuit> *caube>coube
lat. *traxuit> *trauxuit>trouxe

d. Por vocalização (devido a substrato celta ibérico pré-romano nas línguas da România
ocidental, entre elas o português):
nocte > noite
regnu> reino

DITONGO -ÃO
O ditongo final -ão, do português moderno representa as formas do português arcaico -am, -ã,
-õ, correspondentes às terminações latinas -anu, -ane, -one, -udine, -ant, -unt:
- veranu> verão
- paganu> pagão
- pane> pão
- cane> cão
- oratione> oração
- ratione> razão
- multitudine> multidão
- solitudine> solidão
- dant> dão
- sunt> são

Informação (orto)gráfica: A origem do til (~)


A síncope do n intervocálico e consequente nasalização da vogal anterior registrava-se
com uma forma menor do n, sobreposto à vogal nasalada. Posteriormente, do afastamento
das extremidades desse n, convertido em sinal diacrítico, nasceu o til (~), cujo emprego se
estendeu a outros casos de nasalização da vogal, substituindo muitas vezes o m e o
n.Exemplos: irmãidade, bõa, uirõ, cõ, mũdo, ẽ, dariã, cães, maão, hũu, rrãa, homẽes, apartã,
nõ, nẽ, hõde (Spina, Sigismundo. História da língua portuguesa. p.53).

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CONSONATISMO

A língua portuguesa conta com 19 fonemas consonantais, número bem maior do que
os que integravam o sistema consonântico do latim clássico, 12. Percebe-se, com isso, que a
língua portuguesa apresenta o ganho de sete consoantes, quatro das quais ( , , λ, )
produzidas na região palatal, ponto de articulação que não era utilizada no latim clássico. Por
isso, a palatalização é um processo muitíssimo importante para o estudo da evolução das
consoantes do latim ao português. Outra tendência relevante para o consonantismo é a
leni(za)ção, entendida como abrandamento articulatório.
Antes de entrar nos tópicos leni(za)ção e palatalização propriamente dito, segue um
quadro (retirado de TARALLO, Fernando. Tempos linguísticos, p.108) das consoantes
portuguesas e latinas (essas destacadas pelas linhas pontilhadas).

“(Lenição): A principal transformação registrada pelo sistema consonântico latino diz


respeito ao comportamento das consoantes intervocálicas. Foram tantas as consoantes
afetadas que este comportamento, designado por ‘lenição’ ou ‘abrandamento’, costuma ser
critério de divisão entre a România ocidental, onde se registra, e a România oriental, onde não
ocorre.
“Este complexo de fenômenos [...] começou pelo /-b-/ intervocálico, que passou de
oclusivo a fricativo /- -/ [...]. Esta fricativa sugere que não só o /b/, mas também as outras
oclusivas sonoras, /d/ e /g/, fossem enfraquecidas em posição intervocálica [...].
“Em segundo lugar, as oclusivas surdas /p t k/ assimilaram-se ao condicionamento
vocálico, sonorizando para /b d g/. Finalmente, as oclusivas geminadas, surdas e sonoras,
passaram da articulação longa para a breve [...]. Em cada nova etapa de evolução, o resultado
foi a produção de consoantes secundárias que ocuparam o lugar deixado vago pelas
correspondentes primárias, durante a etapa anterior. Trata-se de uma reação em cadeia, que
se pode esquematizar como segue:
“I -B- -D- -G-
↓ ↓ ↓
- - -δ- -ɣ-

“II -P- -T- -K-


↓ ↓ ↓
-b- -d- -g-
“III -PP- -BB- -TT- -DD- -KK- -GG-
↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓
-p- -b- -t- -d- -k- -g-

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“Mais tarde, com a fonologização das consoantes evoluídas, verificou-se um
progressivo enfraquecimento de [δ] e [ɣ] até à perda total de articulação. A fricativa lábia [ ]
não teve a mesma sorte, uma vez que, ou adquiriu articulação labiodental /v/, encontrando no
sistema uma correlação não vozeada em /f/ (português padrão, francês, italiano e romeno), ou
então passou a funcionar como uma variante alofônica de /b/ em posição intervocálica
(galego, português setentrional, castelhano e sardo).
“À partida, não se tratava, portanto, de uma mudança fonológica (mudança não
condicionada em que o sistema fonológico evolui mas acaba por manter o mesmo número de
unidades distintivas), mas de uma mudança fonética assimilatória (as consoantes sofrem os
efeitos de uma assimilação dupla exercida pelas duas vogais que as enquadram no contexto
sintagmático). Em Termos de traços distintivos, o que aconteceu nas duas primeiras fases foi
uma sucessiva extensão de traços articulatórios próprios dos segmentos vocálicos (a
continuidade e o vozeamento) aos segmentos consonânticos:
“I II
C > C C > C
[-cont] [+cont] [-voz] [+voz]
b p b
d > δ t d
g ɣ k g

“Esta cadeia de transformação é explicada, por alguns autores, por influência de um


fator extralinguístico, o substrato celta de grande parte da Europa ocidental. Todas as línguas
célticas modernas sofreram uma lenição em posição intervocálica de todas as consoantes: uma
lenição, portanto, mais ampla que a latina. O fato de regiões que não foram povoadas por
celtas, como a Romênia, a Sardenha e o sul da Hispânia, não terem romances afetados pela
lenização ajuda a relacionar o fenômeno com a presença pré-romana de celtas. No entanto,
Lloyd reconhece que uma explicação estrutural interna não é anulada por eventuais efeitos de
substrato. Essa explicação poderia ser encontrada na perda da quantidade, que afetaria
particularmente as consoantes geminadas, que se abreviariam e exerceriam pressão sobre as
suas correspondentes simples. Estas atenuar-se-iam, sonorizando as surdas, frecatizando as
sonoras:

“-pp > -p- secundário


-p- primário > -b- secundário
“-bb- > -b- secundário
-b primário > - - >-v-”
(CASTRO, Ivo. Curso de história da língua portuguesa. Lisboa: Univ. Aberta, 1991, p.106-108.)

É importante salientar que há, em latim, consoantes geminadas, sempre em posição


intervocálica, que “se simplificaram, resultando na correspondente simples (suppa>sopa;
abbate>abade; cattu>gato; additione>adição; bucca>boca; aggredire>agredir; officina>oficina;
ossu>osso [s]; flamma>chama; annu>ano; caballu>cavalo; ferru>ferro [R].” (MATTOS E SILVA,
Rosa Virgínia. O português arcaico: fonologia, morfologia e sintaxe. São Paulo: Contexto, 2006,
p.75)
“Além das oposições previstas nesse quadro, entretanto, cada consoante podia ficar
em oposição com uma articulação idêntica que se desdobrava numa geminação, entre duas
vogais, no vocábulo: /pp/, /bb/, /tt/ e assim por diante. [...] Tinha-se assim: agger 'monte', ao
lado de ager 'campo', annus 'ano', ao lado de anus 'anel', mollis 'mole', ao lado de molis 'tu_
móis'.” (CÂMARA JR., p.49)
“[O quadro das consoantes latinas] se caracteriza, especialmente, por uma grande
predominância de consoantes oclusivas [...]. Ao lado delas, há duas nasais [...], e d[u]as
constritivas [...]. Complementarmente, encontram-se duas consoantes do tipo chamado

9
‘líquida’ e um emprego consonântico das vogais /i/ e /u/ formando sílaba com uma vogal
seguinte como sucede com as consoantes propriamente ditas.” (CÂMARA JR, p.48)
É de se notar a simetria das consoantes oclusivas: para cada ponto de articulação
(genericamente, anterior, medial e posterior) há dois fonemas, um surdo e um sonoro.
“Quanto às demais consoantes, porém, faltava simetria tanto interna como em relação
à série oclusiva.
[...]
“O sistema português se tornou mais simétrico e equilibrado que o latino. Observe-se
que, à semelhança das oclusivas, as novas constritivas /v, z, , / preencheram as “casas vazias”
das sonoras e das posteriores; além disso, as nasais e líquidas apresentam no português
elementos posteriores / λ / inexistentes no latim.” (MATTOS E SILVA, 2006, p.79.)

Segue o quadro comparativo das consoantes portuguesas contemporâneas com as


latinas, levando em conta as geminadas (MATTOS E SILVA, p. 74).

SISTEMA LATINO “CLÁSSICO”


ponto de
articulação
Labiais anteriores posteriores
modo de simples geminadas simples geminadas simples geminadas
articulação
oclusivas su. p -pp- t -tt- k -kk-
so. b -bb- d -dd- g -gg-
constritivas su. f -ff- s -ss- – –
so. – – – – – –
nasais m -mm- n -nn- – –
laterais – – l -ll- – –
vibrantes – – - - – –

SISTEMA PORTUGUÊS ATUAL


ponto de
articulação
labiais anteriores posteriores
modo de
articulação
oclusivas su. p t k
so. b d g
constritivas su. f s
so. v z
nasais m n
laterais – l ʎ
vibrantes – R

Palatalização
“Entre as inovações fonéticas do latim imperial, algumas terão consequências
importantíssimas. É o caso da palatalização.
“Nos grupos escritos ci, ce e gi, ge, as consoantes c e g pronunciavam-se em latim
clássico como as inicias das palavras portuguesas quilha, queda eguizo, guerra, ou seja, eram
oclusivas velares. Mas em latim imperial o ponto de articulação destas consoantes aproximou-
se do ponto de articulação das vogais i e e que se lhes seguiam, isto é, da zona palatal, levando
à pronúncia [kyi], [kye] e [gyi], [gye]. Esta palatalização iniciou-se já na época imperial em
quase toda a România e iria ocasionar modificações importantes: [kyi] e [kye] passaram a [t i]
e a [t e] e, finalmente, a [tsi], [tse]; ex.: ciuitātem> port. cidade, centum> port. cento, reduzido
a cem. Para os grupos gi, ge o resultado da palatalização será inicialmente um yodsimples [y],
que desaparece em posição intervocálica; ex.: regina> port. rainha, frigidum> port. frio. Mas,
em posição inicial, este yod passa a [d ]; ex.: gente (donde o g representa na Idade Média

10
[d ]); ex.: iulĭum> port. julho. Em galego-português medieval os grupos gi, ge e ju eram
pronunciados em todas estas palavras [d i], [d e] e [d u].” (Teyssier, p.10).
O português transformou, então, as africadas pré-palatais [ts] e [d ] em,
respectivamente, nas fricativas palatais [s] e [ ]. Além disso, “O [s] assim formado, a partir do
*[k] original se sonoriza, ou seja, se torna [z], em português, em posição intervocálica: lat
vicinum>vezi o>vizinho. [...] Desse modo, como resultado da palatalização inicial, temos:
• lat. dulcem>douce>doce (cf. esp dulce);
• lat. ducentos>duzentos;
• lat. decem> *dece>dez;
• lat. genĕrum>genro;
• lat. ferrugĭnem>ferrugem;
• lat. fugio>fujo.” (Viaro, op.cit., p.176)

Quanto ao grupo ju, indicado acima, afirma Viaro (p.174) que a semivogal latina [y],
grafada j, se consonantizou em [ ], exemplificando: lat. cujus ['ku:yus] >cujo [ku. u]. Mais
exemplos (além de julĭum>julho, já apresentado por Teyssier): lat. judīce>juiz; lat.
jūnctum>junto; lat. adjūtare> port. ajudar; lat. conjŭgis>port. cônjuge. É o que também afirma
Câmara Jr. (p.51): o “/i/ consonântico evoluiu no romanço em geral para uma consoante plena,
de caráter palatal, que em português se fixou como / /, em confluência com o reflexo de /g
(ei)/: iustum>justo”. Note-se que a semivogal i (grafada j) se palatalizou não só antes de u, mas
também antes de outras vogais: /y/am> / /á; /y/acere > / /azer.
A palatalização afetou, ainda que parcialmente, os grupos latinos consonânticos inicias
pl-, cl- e fl-. Parcialmente porque esses grupos reconheceram, também, a transformação da
lateral [l] em tepe [ ], como comprovam os seguintes exemplos: lat. placerem>prazer; lat.
duplare> port. dobrar; lat. miraculum> *miraclu>miragre>milagre; lat. flacum> port. fraco.
No entanto, além dessa passagem da lateral ao tepe (denominada rotacismo), esses
grupos se palatalizaram na lateral [ʎ].

Ex.: lat. implere> port. encher;


lat.planum> port. chão;
lat.plenu>cheo> port. cheio;
lat.pluviam> port. chuva;
lat.clavem> port. chave;
lat.clamare>port. chamar;
lat.mascŭlum>masclu> port. macho;
lat.oculŭm>oclum> port. olho;
lat.afflare> port. achar;
lat.flagrare>port. cheirar;
lat.flammam> port. chama;
Esse fenômeno se encontra consolidado no século X, o que permite dizer que nessa
época já era o galego-português uma língua distinta do latim vulgar.

A passagem do lat. filium ao port. filho, do lat. allium ao port. alho e do lat. folia ao
port. folha comprova que o grupo -li-, quando seguidos de uma vogal, passa também à lateral
palatal [ʎ]. Nesse caso, importa apontar que essa deriva pode acabar indo de encontro à que
determina a síncope das consoantes sonoras intervocálicas, já que o grupo -li- pode também
vir antecedido de uma vogal, o que levaria à queda da lateral -l-, o que de fato ocorre em
certos casos, como do lat. salio ao port. saio.
A mesma palatalização de -li- seguido de vogal sofreu uma série de grupos consoante+i
seguido de vogal:

11
-di- que passa a [ ](lat. hodie> port. hoje; lat. invidiam> port. inveja; lat.; cf. lat.
medium> port. meio);
-gi- que passa a [ ](lat. spongiam> port. esponja, lat. fugio > port. fujo; cf. lat. navigiu>
port. navio);
-si- que passa a [ ](lat. basium> *bazi-u >*baziu > *baijo> port. beijo; lat.
ecclesiam>eigreija>igreja);
-ssi- que passa a [ ], com a metátese do -i-(lat. *bassium> *['ba yo] > port. baixo; lat.
passionem> port. paixão);
-ti- que passa a [z] (lat. tristitiam > port. tristeza; lat. rationem>razom>razão) ou a [s]
(lat. puteum>*putiu> port. poço; lat. pretium> port. preço);
-ni- que passa a [ ] (lat. araneam > *arania> port. aranha; lat. venio >venho; lat.
ciconiam> port. cegonha; lat. seniorem> port. senhor).

Assim, esquematicamente, tem-se a palatalização de:


→ /k/ e /g/ antes de /e/ e /i/, passando respectivamente a [s] e [ ];
→ [y] antes de [u], passando a [ ];
→pl-, cl-, fl-, passando a [ʎ] (à parte da transformação dos mesmos grupos em pr-, cl-, fr);
→ -li- antes de vogal, passando a [ʎ];
→-di-,-gi-, -si- antes de vogal, passando a [ ];
→ -ssi- antes de vogal, passando a [ ] e havendo metátese do -i-;
→ -ti- antes de vogal, passando a [ ] ou a [ ];
→ -ti- antes de vogal, passando a [ ].

Essas palatalizações apresentadas são apenas algumas das que ocorreram na


passagem do latim ao português. Mas já são suficientes para deixar transparecer que o
elemento condicionante da transformação de um som em palatal é o yod [y].
“O movimento contrário, de despalatalização, embora muito menos comum, também
existe no português brasileiro. A pronúncia -lh-> [l] é comum no Nordeste brasileiro [...] e,
certamente, provém de dialetos lusitanos, dada a recorrência em determinadas palavras:
• companhia> [kõpɐ'nia];
• mulher> [mu'l ];
• lhe> [li].”
(Viaro, op.cit., p.179)

“Para se obter uma descrição global de todos estes fenômenos de palatalização, deve
atentar-se no feixe de traços distintivos de que participa o /j/: trata-se de um segmento
[-cons], [-sil] (está em causa uma semivogal) que, para além disso, se define por traços de
corpo da língua [+alt], [-rec]. Ora verifica-se que as consoantes que em latim vulgar vão evoluir
para palatais são, também elas, consoantes ‘linguais’, articuladas com o corpo da língua. Pode
concluir-se então que a palatalização por /j/ vai apenas afetar consoantes homorgânicas,
deixando intactas labias como /p b f/. das consoantes assimiladas, as que se definem por ser
[-alt] sofreram uma elevação:

t ʧ
d ʤ
> –– [j]
l λ
n ɲ
“Por outro lado, as consoantes que eram articuladas com a língua em posição recuada
adiantaram o ponto de articulação tornando-se [-rec]:

k ʧ

12
g > ʤ –– [j]

(Castro, op.cit., p.110-111)

Fatores que influenciam na mudança consonantal


• Posição: inicial, interna, final
• Vizinhança: isolada, dobrada (geminada), final

CONSOANTES INICIAIS
Geralmente se conservam. Por exemplo, “Aféreses de consoantes são mais incomuns
do que aféreses de sílabas, que ocorrem no fenômeno do truncamento, estudado pela
Morfologia e comum na gíria, como em: paranoia>noia. Por vezes, tais truncamentos são
usados também como explicações de étimos, como em esquina>quina. [...]” (Viaro, p.140)

Porém, há a considerar algumas exceções:


- cattu >gato
- palore >bolor
- libelu >nível
- vesica >bexiga
- vota >boda (ô)

Ademais, a aspiração inicial [h] sofre apagamento. Assim: ['hamu] > ['am ].

CONSOANTES INTERNAS INTERVOCÁLICAS


Oclusivas: sonorização das surdas (devido a substrato celta ibérico pré-romano nas
línguas da România ocidental, entre elas o português):
Lat. sicuro> port. esp. seguro Lat. vita> port. esp. vida
Oclusivas: queda das sonoras
Lat. frigidu> port.frio Lat. sedere> port. se.er >ser
Lat. credere> port.cre.er>crer Lat. legere> port.le.er>ler
Lat. magister> port. ma.estre>me.estre>mestre
A queda não foi categórica para o G, que por vezes se vocalizou (lat. leges> port. lei;
lat. plaga> port. praia) ou se manteve (lat. rogare> port. rogar; lat. pagannu> port. pagão).
A queda dessas consoantes aumentou exponencialmente o número de hiatos na
língua, o que não é do agrado popular; por isso, esses hiatos foram sendo desfeitos, como já se
viu antes, pela ditongação. Aqui se percebe que, além da ditongação, os hiatos também
podem ser desfeitos por crase.
Lateral /l/ e nasal /n/: tendem a se manter em todas as línguas, exceto no port., o que
se torna um traço caracterizador dessa língua (Fenômeno
devido a substrato basco ibérico pré-romano):
Lat. celu> port. céu, esp. it. cielu, fr. ciel Lat. solo>so.o>só
Lat. tela>te.a> teia. Lat. luna >lua, esp. it. luna, fr. lune
Lat. manu>mã.o> mão Lat. vinu>vĩ.o>vinho
A síncope desses fonemas levou, mais uma vez, a um grande número de hiatos, que
foram sendo desfeitos, ao longo da história, por crase (solo), por ditongação com inserção de
semivogal (tela) ou com transformação de vogal em semivogal (manu), e por desenvolvimento
de uma outra consoante nasal (vinu).

13
Consoantes duplas: o -ll-, o -rr-, o –nn- e o -mm- simplificam-se no português.
Lat. caballu> port. cavalo
Lat. terra> port. terra(o -rr- do português representa uma vibrante forte, enquanto no
latim representa uma pronúncia na qual se articula
duas consoantes, uma velar e outra alveolar)
Lat. flamma> port. chama
Lat. annu> port. ano
Como a queda do N intervocálico se encontra consolidado no século X, entende-se que
nessa época já era o galego-português uma língua distinta do latim vulgar.

Betacismo/degeneração de b > β > v (Fenômeno devido a substrato basco ibérico pré-


romano):
Lat. caballus> port. cavalo
Lat. nubes> port. nuvem
Lat. faba> port. fava

CONSOANTES FINAIS
a) O [m]em fim de vocábulo sofre normalmente um processo de apagamento.Pode
conservar-se em monossílabos. Assim:['mensam] > ['mensa]; ['libr m]>['libr ].
Mas: ['kwem]pode continuar ['kwem].

b) O [t]final sofre processo de apagamento. Assim:['amat] > ['ama].

GRUPOS CONSONANTAIS INICIAIS


“Tal como as consoantes simples, mantiveram-se bastante em latim vulgar os grupos
consonânticos. Alguns deles só em português registraram evolução, como sejam PL-, CL-, FL-,
cuja convergência para a africada [ʧ] é precisamente uma das marcas da diferenciação do
romance galego-português antigo.” (Castro, op.cit., p.111.)
Assim: lat. [pl]uvia- > gal.port. [ʧ]uv(i)a > port. [ʃ]uva
lat. [cl]avi- > gal.port. [ʧ]ave > port. [ʃ]ave
lat. [fl]amma- > gal.port. [ʧ]ama > port. [ʃ]ama

Além disso,o [s]inicial, seguido de[p]/[t]/[k]/[x]sofre a prótese de[e]. Assim: ['spatha]


> [es'patha]; ['stare] > [es´tare]; ['skribo] >[es'kribo]; ['sxɔla] > [es´xɔla].

Por fim, o grupo /kw/ passa a /k/ antes de vogal inacentuada: quaterno >caderno.
Se o mesmo grupo for seguido de vogal acentuada, ele se mantém: quattuor > quatro.
Exceto se o grupo em questão anteceda vogal palatal: quintu > quinto.
O grupo [gw], de origem germânica, mantém-se antes de [a]: wardon > guardar, ou
simplifica-se em [g] antes de vogais palatais: *wisa > guisa.

14
GRUPOS CONSONANTAIS INTERNOS
Há várias assimilações: -rs- > -ss-: persicum > pêssego; persona > pessoa
-ps- > -ss-: ipse > esse; gypsum > gesso
-pt- > -tt-> -t-: captare > catar
-ns- > -s-: pensare > pensar; sponsum > esposo
-nf- > -f-: infantem > ifante (cult. Infante)

Há ainda a assimilação da última consoante de um prefixo à consoante inicial da base:


adversum > avesso; suterrare > soterrar; admonestare > amoestar

O comportamento do grupo [gw] interno não difere do inicial: língua > língua
(manutenção do grupo [gw]):sangue > sangue (simplificação do grupo em [g]).

Os grupos -pr- e -tr- são sempre seguidos de vogal; como o elemento -r- desses grupos
é um fone sonoro, o -p- e o -t- encontram-se em um ambiente cercado de fones sonoros,
portanto comportam-se da mesma maneira que se comportariam se estivessem entre vogais,
ou seja, sonorizam-se: capra>cabra; petra>pedra

Alguns fenômenos mais comuns:


(1) manutenção do(s) som(s) inicial(is);
(2) sonorização de consoante surda intervocálica;
(3) queda de consoante sonora intervocálica;
(4) simplificação de consoantes geminadas;
(5) queda de som(s) final(is);
(6) crase, para evitar hiato;
(7) ditongação por vocalização de consoante travadora de sílaba;
(8) ditongação, com alteração na estrutura silábica;
(9) oclusão de vogal, para posterior ditongação, com alteração na estrutura silábica;
(10) transformação de vogal breve e alta em média alta;
(11) transformação de vogal breve e média alta em média baixa;
(12) transformação de oclusiva glotal em fricativa palatal, por influência de i/e seguinte;
(13) queda de vogal em sílaba postônica não final, para evitar a proparoxítona;
(14) transformação de grupo consonantal cl, pl, fl em fricativa palatal;
(15) desenvolvimento de nasalidade em consoante nasal palatal, para evitar hiato

abbatis> abade: _______________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

acceptu> aceito: _______________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

acētu > azedo: ________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

15
acuto> agudo: _______________________________________________________________

____________________________________________________________________________

altĕru > outro: _________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

amātum > amado: ______________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

amōrem > amor: _______________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

aprĭle > abril: __________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

ăqua > água: __________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

ăquila > águia: ________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

aurīfice > ourives: _______________________________________________________

______________________________________________________________________

auro> ouro: ___________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

aves> aves: ____________________________________________________________

______________________________________________________________________

bĭbit > bebe: ____________________________________________________________

______________________________________________________________________

blandu>brando: ________________________________________________________

______________________________________________________________________

blastemare> lastimar: ____________________________________________________

______________________________________________________________________

16
bonnum> bom: _________________________________________________________

______________________________________________________________________

braciu /brakiu/ >braço /braso/: _____________________________________________

______________________________________________________________________

būcca > boca: ___________________________________________________________

______________________________________________________________________

caballus> cavalo: ______________________________________________________

______________________________________________________________________

caecum> cego: _________________________________________________________

______________________________________________________________________

caelu> céu: ____________________________________________________________

______________________________________________________________________

calĭdum > caldo: ________________________________________________________

______________________________________________________________________

canna> cana: ___________________________________________________________

______________________________________________________________________

capĭllus > cabelo: ________________________________________________________

______________________________________________________________________

capra> cabra: __________________________________________________________

______________________________________________________________________

carum> caro: ___________________________________________________________

______________________________________________________________________

cathedra> cadeira: _______________________________________________________

______________________________________________________________________

cera /kera/ > cera /sera/: ___________________________________________________

17
______________________________________________________________________

cĭsta /kista/ > cesta /cesta/: _________________________________________________

______________________________________________________________________

clave>chave: __________________________________________________________

______________________________________________________________________

clavu> cravo: __________________________________________________________

______________________________________________________________________

cŏlŏbra > coovra (ant.) > cobra: ____________________________________________

______________________________________________________________________

comĭte > conde: _________________________________________________________

______________________________________________________________________

conceptu> conceito: _____________________________________________________

______________________________________________________________________

credĕre > crer: __________________________________________________________

______________________________________________________________________

crĭspu > crespo: _________________________________________________________

______________________________________________________________________

crudĕles > cruel: ________________________________________________________

______________________________________________________________________

dare> dar: _____________________________________________________________

______________________________________________________________________

debemus> devemos: _____________________________________________________

______________________________________________________________________

diabolo> diabo.o: _______________________________________________________

______________________________________________________________________

dico> digo: ____________________________________________________________

18
______________________________________________________________________

dies> dia: _____________________________________________________________

______________________________________________________________________

dixi /diksi/ > disse /dise/: __________________________________________________

______________________________________________________________________

effectum> efeito: _______________________________________________________

______________________________________________________________________

faba> fava: ____________________________________________________________

______________________________________________________________________

facere> fazer: __________________________________________________________

______________________________________________________________________

faeces /faekes/ > fezes /f zes/: ______________________________________________

______________________________________________________________________

fascŭlu > facho: _________________________________________________________

______________________________________________________________________

ferŏcis /ferokis/ > feroz /feros/: _____________________________________________

______________________________________________________________________

fīcum > figo: ___________________________________________________________

______________________________________________________________________

fīlum > fio: _____________________________________________________________

______________________________________________________________________

flaccu> fraco: __________________________________________________________

______________________________________________________________________

flagrare> cheirar: _______________________________________________________

______________________________________________________________________

19
flamma>chama: ________________________________________________________

______________________________________________________________________

foedum> feio: __________________________________________________________

______________________________________________________________________

freno> freio: ___________________________________________________________

______________________________________________________________________

fructu> fruito: __________________________________________________________

______________________________________________________________________

gestus /gestu/ > gesto /ʐesto/: ______________________________________________

______________________________________________________________________

gigantis /gigantis/ > gigante /ʐigante/: ________________________________________

______________________________________________________________________

glattire>latir: __________________________________________________________

______________________________________________________________________

glute>grude: ___________________________________________________________

______________________________________________________________________

gradu> grau: ___________________________________________________________

______________________________________________________________________

gŭtta > gota: ____________________________________________________________

______________________________________________________________________

implere> encher: ________________________________________________________

______________________________________________________________________

inflare> inchar: _________________________________________________________

______________________________________________________________________

integru> inteiro: ________________________________________________________

20
______________________________________________________________________

ipse> esse: _____________________________________________________________

______________________________________________________________________

ipsu> isso: _____________________________________________________________

______________________________________________________________________

iūstum /iustum/ > justo /ʐusto/: _____________________________________________

______________________________________________________________________

lacrima> lágrima: _______________________________________________________

______________________________________________________________________

lacu > lago: ____________________________________________________________

______________________________________________________________________

latrone > ladrão: _________________________________________________________

______________________________________________________________________

lătu > lado: ____________________________________________________________

______________________________________________________________________

lŭpu > lobo: ___________________________________________________________

______________________________________________________________________

lŭtu > lodo: ____________________________________________________________

______________________________________________________________________

macŭla > malha: ________________________________________________________

______________________________________________________________________

macŭla > mancha: _______________________________________________________

______________________________________________________________________

magis > ma.is: _________________________________________________________

______________________________________________________________________

malum > ma.u: __________________________________________________________

21
______________________________________________________________________

manĭca > manga: ________________________________________________________

______________________________________________________________________

manu> mã.o: ___________________________________________________________

______________________________________________________________________

mascŭlu> macho: _______________________________________________________

______________________________________________________________________

mĕlle > mel: ____________________________________________________________

______________________________________________________________________

mĭnus > menos: _________________________________________________________

______________________________________________________________________

multu> muito: __________________________________________________________

______________________________________________________________________

muto> mudo: __________________________________________________________

______________________________________________________________________

nĭgru > negro: __________________________________________________________

______________________________________________________________________

noctis> noite: __________________________________________________________

______________________________________________________________________

octo> oito: _____________________________________________________________

______________________________________________________________________

ocŭlus > oc’lu > olho: ____________________________________________________

______________________________________________________________________

pacare> pagar: _________________________________________________________

______________________________________________________________________

22
pāce > paz: _____________________________________________________________

______________________________________________________________________

palpare > poupar: ________________________________________________________

______________________________________________________________________

pauco > pouco: __________________________________________________________

______________________________________________________________________

pĕde > pé: ____________________________________________________________

______________________________________________________________________

pĕtra > pedra: ___________________________________________________________

______________________________________________________________________

pĭra > pêra: _____________________________________________________________

______________________________________________________________________

placere >prazer: ________________________________________________________

______________________________________________________________________

pleno > che.o> cheio: ____________________________________________________

______________________________________________________________________

plorare > chorar: ________________________________________________________

______________________________________________________________________

pluvia >chuva: _________________________________________________________

______________________________________________________________________

pŏrta > porta: ___________________________________________________________

______________________________________________________________________

post> pós: _____________________________________________________________

______________________________________________________________________

23
prātu > prado: ___________________________________________________________

______________________________________________________________________

prŏbare > provar: ________________________________________________________

______________________________________________________________________

pūgnu > punho: _________________________________________________________

______________________________________________________________________

pūru > puro: __________________________________________________________

______________________________________________________________________

pŭteo > poço: ___________________________________________________________

______________________________________________________________________

quaero > quero: _________________________________________________________

______________________________________________________________________

quattro > quatro: ________________________________________________________

______________________________________________________________________

quĭd > que: _____________________________________________________________

______________________________________________________________________

rauco > rouco: __________________________________________________________

______________________________________________________________________

regnu > reino: _________________________________________________________

______________________________________________________________________

respectu > respeito: ______________________________________________________

______________________________________________________________________

rēte > rede: _____________________________________________________________

______________________________________________________________________

rīvus > rio: _____________________________________________________________

______________________________________________________________________

24
rŏsa > rosa: _____________________________________________________________

______________________________________________________________________

salīre > sair: ____________________________________________________________

______________________________________________________________________

saccus> saco: __________________________________________________________

______________________________________________________________________

sapore> sabor: __________________________________________________________

______________________________________________________________________

scena > cena: ___________________________________________________________

______________________________________________________________________

scientia > ciência: _______________________________________________________

______________________________________________________________________

scorpione > escorpião: ____________________________________________________

______________________________________________________________________

scutu > escudo: _________________________________________________________

______________________________________________________________________

secūru > seguro: _________________________________________________________

______________________________________________________________________

sex /s ks/ > seis: ________________________________________________________

______________________________________________________________________

sĭtis > sede: ____________________________________________________________

______________________________________________________________________

soles > sóis: ____________________________________________________________

______________________________________________________________________

solĭdatu > soldado: _______________________________________________________

______________________________________________________________________

25
solĭtariu > solteiro: _______________________________________________________

______________________________________________________________________

sŏlo >so.o> só: _________________________________________________________

______________________________________________________________________

stare>estar: ____________________________________________________________

______________________________________________________________________

sŭppa > sopa: ___________________________________________________________

______________________________________________________________________

tauro> touro: ___________________________________________________________

______________________________________________________________________

tēla> teia: _____________________________________________________________

______________________________________________________________________

tauro> touro: ___________________________________________________________

______________________________________________________________________

tĕrra > terra: ____________________________________________________________

______________________________________________________________________

tōtu > todo: ____________________________________________________________

______________________________________________________________________

uacca> vaca: ___________________________________________________________

______________________________________________________________________

vicino> vizinho: ________________________________________________________

______________________________________________________________________

vidi> vi: ______________________________________________________________

______________________________________________________________________

vinu> vinho: ___________________________________________________________

______________________________________________________________________

26
virĭte > verde: __________________________________________________________

______________________________________________________________________

vīta > vida: _____________________________________________________________

______________________________________________________________________

27
MORFOLOGIA NOMINAL HISTÓRICA

OS CASOS LATINOS
Os casos latinos [...] tinham grande importância na morfologia de substantivos,
adjetivos e pronomes. Seu uso traz grande dificuldade para o discente que se propõe aprender
a língua latina. Entretanto, os casos não existiam só na morfologia do latim, pois eles existem
também em línguas modernas,como o alemão, o russo e o polonês. Em português, há apenas
resquícios dos casos latinos, como nos pronomes pessoais.Seu emprego estava relacionado
com categorias semânticas ou sintáticas. Podemos explicitar melhor:
• O acusativo estava relacionado com a função de Objetivo ou objeto sintático.
• O nominativo estava relacionado com a função de Agentivo ou sujeito sintático.
• O genitivo estava relacionado com a ideia de Possuidor ou de Todo.
• O dativo estava relacionado com a ideia de Beneficiário.
• O ablativo estava relacionado com a ideia de Ponto de partida.
• O vocativo estava relacionado com a ideia de Alocutário.
• O acusativo e o ablativo também podiam se relacionar com vá rios tipos de
Locativo, dependendo da preposição empregada.

• acusativo → objeto direto ou predicativo do objeto direto.


• nominativo → sujeito ou predicativo do sujeito.
• genitivo → adjunto adnominal (restritivo).
• dativo → objeto indireto ou complemento nominal.
• ablativo → adjunto adverbial
• vocativo → vocativo.
• O acusativo e o ablativo também podiam se relacionar com vários tipos de
Locativo, dependendo da preposição empregada.

Em relação à morfologia dos casos, deve-se dizer que os casos eram formados por
desinências, que variavam conforme o grupo ou declinação da palavra. Observem-se as
variações morfológicas que podem ocorrer na palavra mensa: mensa, mensae, mensam,
mensarum, mensis, mensas. Ou na palavra discipulus: discipulus, discipule, discipuli, discipulo,
discipulum, discipulorum, discipulis, discipulos. Ou na palavra consul: consul, consulis, consuli,
consule, consulem, consules, consulum, consulibus.
Para o falante de latim clássico, essas variações eram perfeitamente compreensíveis e
o falante notava imediatamente as diferenças de sentido ligadas às variações. Percebia, por
exemplo, as diferenças de sentido ligadas a variações como consule e consuli.
No decorrer do tempo, porém, o falante menos culto começou a pronunciar com
menos exatidão essas variações e passou a recorrer a outros meios para entender o significado
das sentenças. Dois recursos passaram a ser utilizados: a ordem das palavras na sentença e o
uso das preposições.
No latim clássico, a ordem das palavras numa sentença como a que segue:
Tigris uorat leonem.
poderia ter várias outras formulações como:
Tigris leonem uorat.
Leonem tigris uorat.
Leonem uorat tigris.
Vorat tigris leonem.
Vorat leonem tigris.

28
Entretanto, o significado de ‘O tigre devora o leão’, sendo o tigre o Agentivo e o leão o
Objetivo, continuaria o mesmo. São as desinências dos casos que indicam o sentido.
No momento, porém, em que as desinências, por razões de processos fonológicos,
passam a se confundir, a ordem das palavras na sentença se torna um fator importante para
sentido. Veja-se o exemplo acima modificado: ['tigre 'vɔra le'one]
Se tivéssemos [le'one 'vɔra 'tigre], o falante entenderia que é ‘o leão que devora o
tigre’.
O segundo fator importante na estruturação das sentenças na variante popular do
latim [VP] foi o emprego muito acentuado das preposições. As preposições eram empregadas
no latim clássico para exprimir locativos ou outras categorias semânticas. Vejam-se os
exemplos abaixo:
Claudius de arbore cadit ‘Claudio cai da árvore’.
Claudius cum puella saltat ‘Claudio dança com a menina’.
Claudius ad fenestram assidit.

Nesses exemplos foram empregadas as seguintes preposições: de, com sentido de


'proveniência'; ad, com sentido de 'proximidade'; cum, com sentido de 'companhia'.

Com o tempo, as preposições foram adquirindo novas funções e substituindo os casos.


Assim, o genitivo que exprimia 'posse', foi substituído pela preposição de. Veja-se o seguinte
exemplo da variante culta (com genitivo): Claudius librum Augusti capit ‘Claudio fecha o livro
de Augusto.
Esse exemplo, na VP, tomaria a seguinte forma:['klodi 'kape 'livr de a'gust ].
O seguinte exemplo da variante culta (com dativo): Claudius librum Augusto dat.
tomaria, na variante popular, a seguinte forma: ['klodi 'da 'livr ad a'gust ]
Nesse exemplo, a preposição ad substituiu o dativo.
A preposição cum indicava, na variante culta, a companhia. O instrumento era
expresso pelo simples ablativo. Veja-se o exemplo: Claudius calamo scribit.
Na VP, o instrumento passaria, nesse exemplo, a ser expresso pela preposição cum:
['klody es'kribe k m 'kalәmo].
Com o tempo, as formas dos casos se reduzem a duas (em certas regiões), isto é, a
nominativo e a outra forma geral, ou a uma única forma (por exemplo, na Hispânia).
Dessa forma, todo o sistema de casos da variante culta se destruiu. Resumindo,
podemos dizer o seguinte:
1 - Nominativo e acusativo se confundem (especialmente na região da Hispânia).
2 - O genitivo é substituído pela preposição de.
3 - O dativo é substituído pela preposição ad.
4 - O ablativo instrumental é substituído pela preposição cum.
5 - Na prática, as desinências dos nomes (substantivos e adjetivos) ficam reduzidas às
seguintes: no singular: -ә, - , -e; no plural: -әs, -os, -es.

O acusativo como caso lexicogênico do português (e do espanhol)


A partir das reduções no número de declinações para apenas e de casos para apenas
dois, o latim vulgar passa a ter o seguinte paradigma para os substantivos:

Primeira declinação
sing. pl.
Nominativo luna lune
Acusativo luna lunas

29
Segunda declinação
sing. pl.
Nominativo annus anni
Acusativo annu,o Annos

Terceira declinação
sing. pl.
Nominativo canes canes
Acusativo cane canes
(DOCKHORN, N. História da língua portuguesa. Mimeo)

Mas as línguas românicas foram ainda mais além em seu processo de perdas.
Informam-nos os compêndios que algumas fizeram o nominativo sobreviver (o romeno, o
italiano, o provençal e o francês antigos) enquanto outras, como o espanhol o português,
deram vida somente ao acusativo. (TARRALO, p.122-123)

Há ainda resquícios dos outros casos no português, como comprovam os exemplos a


seguir:
1. O nominativo ministra nomes próprios: Apolo, Enéias, Marcos etc., e comuns:
deus, câncer; e pronomes pessoais retos: eu, tu, ele, nós, vós, eles, além dos
demonstrativos este, esse, aquele.
2. O vocativo da: ave-maria.
3. O genitivo contribui com os patronímicos: Fernandes, Mendes, Lopes, além de
estar presente em vários compostos: terremoto (terrae motu), freguês (filiu
eclesiae), mordomo (maior domus).
4. O dativo aparece em substantivos compostos: crucifixo (cruci fixu) e nas formas
pronominais: mim (mihi), ti (tibi), si (sibi), lhe (illi).
5. O ablativo fornece nomes próprios de lugares: Sagres (Sacris); advérbios: agora
(hac hora), além de transparecer em português nas orações reduzidas participais e
gerundiais: feitas as partes (partibus factis), fundada a cidade (condita civitate),
nascendo o sol (oriente sole).

“nascer”, “sol” significam


“Este”, “ele”, “o”, “o” apontam

(Morfossintaxe): As alterações [observadas na fonética-fonologia] tiveram enormes


repercussões na morfologia e na sintaxe latinas, que reagiram em cadeia. Vamos observar esse
processo, destacando de entre os pormenores e particularizações necessárias as linhas
principais de encadeamento: a perda de quantidade das desinências casuais levou à redução
de casos; esta tornou mais difícil a identificação, por via flexional, das funções sintáticas, daí o
recurso a outros processos, como a ordem de palavras [e ampliação do uso das preposições].
As alterações fonéticas e fonológicas que desencadearam a evolução foram de dois
tipos:
a) perda da oposição quantitativa:
nom., voc. REGINӐ
REGINA
abl. REGINĀ

30
b) perda da consoante final M do acusativo:
REGINӐM > REGINA

Desta maneira, temos no singular do nome REGINA quatro casos que convergem para
a mesma forma, o que impossibilita a distinção de função de sujeito, objeto direto e
circunstancial, por via flexional. No plural, o sistema latino clássico diferenciava nominativo e
acusativo nas duas primeiras declinações:
nom. REGINAE / acus. REGINAS
nom. DOMINI / acus. DOMINOS

Mas nas ouras três declinações, ambos os casos coincidiam [...].


Estes exemplos bastam para mostrar como era fácil confundirem-se as formas de
diversos casos. No fim, o que veio a prevalecer na România ocidental foi a forma do acusativo:
REGINA(M) / REGINAS
DOMINU(M) / DOMINOS
HOMINE(M) / HOMINES
SENSU(M) / SENSUS
DIE(M) / DIES

Os nomes das línguas ocidentais, na sua quase totalidade, evoluem a partir de formas
acusativas, como estas: port. virgem [deriva] do acusativo VIRGINE(M) e não do nominativo
VIRGO.[…]
Embora, como afirma Roncaglia, o acusativo fosse historicamente o caso que sobrevive
da declinação latina, alguns vestígios foram deixados pelos outros casos:
Nominativo: Sobretudo aparecem vestígios em nomes próprios de pessoa ou entidade
personificada, cujo uso como sujeito agente era a forma mais usual na qual se apresentava:
MARCUS > Marcos; DOMINICUS > Domingos; JUPITER > Júpiter
Vocativo: Raramente apresenta uma forma diferente da usada para o nominativo (do
qual se diferenciava na 2ª declinação), sendo progressivamente eliminado o seu uso. Alguns
vestígios ficaram, como seja: AVE MARIA.
Genitivo: Normalmente, é substituído pelas formas de + ablativo ou acusativo, e às
vezes pelo dativo. [...]
Dativo: foi substituído em geral pela construção ad + acusativo, já documentada em
Plauto (dab ad carnificem). A substituição foi facilitada pelo fato de coincidirem por vezes na
forma o genitivo e o dativo, e também o ablativo: [...] Vestígio do caso dativo em português é,
por exemplo: ILLI > lhe
Ablativo: Tendo em conta que se reuniam neste caso o instrumental, o locativo e o
ablativo, muito cedo precisou de preposições para determinar o seu valor. As línguas
românicas conservam restos do caso ablativo em:
a) advérbios acabados em -mente, baseados na forma ablativa do adjetivo;
b) locuções fossilizadas, do tipo HAC HORA (agora);
c) formas de gerúndio -ando, -endo.

(Consequências sintáticas da evolução do sistema causal): A partir da situação criada


pelo desaparecimento dos casos, a articulação sintática passou a ser assegurada no latim
vulgar por dois processos:

a) Ordem de palavras
A ordem de palavras, por ser livre, não tinha praticamente importância sintática no
latim clássico. O equivalente latino da frase Paulo dá-me o livro seria a maior parte das vezes
disposto assim: Paulus mihi librum dat. Com o sujeito no início e o verbo no fim, precedido
pelos diversos complementos. Mas a verdade é que estas quatro palavras podiam ser

31
combinadas de 24 maneiras diferentes, todas aceitáveis, embora não idênticas no seu valor.
Como observa Väänänem, a ordem mais habitual SUJ + COMPL. + VERBO ‘só se abandonava
para pôr em destaque um elemento da frase ou para obter uma série de palavras adequada às
necessidades da eufonia e da expressividade.
É o que se nota numa frase como“Maxima enim inter duos fratres exorta dissensio
erat”, em que o relevo maior vai para o adjetivo Maxima (a frase pode traduzir-se por ‘havia
estalado uma grave discórdia entre os dois irmãos’, ou, pondo o latim em ordem românica,
Erat enim exorta máxima dissensio inter duos fratres).
Esta última é a ordem que vai instaurar predominante no latim vulgar: SUJ + VERBO +
COMPL. Com efeito, em textos tardios, como a Peregrinatio Egeriae (séc. V), pode-se ler
Nos ergo sabbato sera ingressi sumus montem...
(Nós, no sábado à tarde, subimos o monte...)

b) Uso de preposições
No trecho seguinte, Rafael Lapesa expõe resumidamente quais as relações entre o
sistema casual e as preposições:
“las desinencias casuales no bastaban para expresar con precisión las distintas relaciones
encomendadas a cada una, y ya desde el latín más arcaico se auxiliaban con preposiciones
especificadoras. Incluso en el lenguaje literario contendían el genitivo y el ablativo con de para
indicar relaciones partitivas, de materia, de origen, de referencia, etc.; así alternaban ‘pauci
militum’ y ‘pauci de nostris’, ‘piscis glebas’ y ‘templum de marmore’, ‘generis Graeci’ y ‘Arglica
de gente’, ‘indignus avorum’ y ‘digni de caelo’. Igual ocurría en muchos contextos con el dativo
(‘accidere animo’, ‘accomodare corpori vestem’, ‘delegata primoribus pugna’) y el acusativo
com ad (‘accidere ad animum’, ‘accomodare rem ad tempus’, ‘studiosos ad illum volumen
delegamus’). Las construcciones com de + ablativo y ad + acusativo invadieron los restantes
domínios del genitivo (‘de Deo munos’, ‘de sorere nepus’) y del dativo (‘hunc ad carnificem
dabo’, Plauto; ‘ad me magna nuntiavit’). El acusativo se empleó con preposiciones que antes
eran exclusivas de ablativo: inscripciones pompeyanas dan ‘cum iumentum’, ‘cum sodales’ en
vez de ‘cum iumento’, ‘cum sodalibus’.”

(CASTRO, Ivo. Curso de história da língua portuguesa. Portugal: Universidade Aberta, 1991,
p.118-123)

Texto de autoria do prof. Airto Ceolin (UFRRJ/IM/Latim)

LATIM

- Preposições e Casos
Em português, a preposição é uma palavra que, colocada entre duas outras, estabelece uma
relação de dependência da segunda com a primeira. A palavra que vem antes da preposição é o
determinante (regente / antecedente / subordinante); a palavra que vem depois é o termo
determinado (subordinado / consequente / regido). Portanto, no nosso idioma, a preposição tem um
papel essencial de relação subordinativa (liga e subordina uma palavra à outra).
O determinante pode ser um substantivo (casa de pedras), um adjetivo(difícil de entender), um
pronome (muitos de nós), um advérbio (referentemente ao tema) ou verbo (gosto de você). O
determinado é constituído de substantivo (coração de papel), adjetivo (vibrou de feliz), verbo (gosta de
trabalhar.
Em latim, não é a mesma coisa. A preposição latina tem dupla função:
1ª) cada preposição rege um caso (in luna = in> preposição, luna> caso ablativo; ad lunam = ad>
preposição, lunam> acusativo);
2ª) explicitar o sentido do caso. Veja a seguir como se dá a explicitação do caso.

Relaç ão ent re C as o e P r epo s iç ão

32
Somente os casos acusativo e o ablativo aceitam a regência de preposições.
Portanto, a palavra que vem depois de uma preposição estará ou no caso acusativo ou no caso
ablativo. O caso é um morfema que indica a função sintática e a preposição vem especificar, precisar o
sentido do caso. Para você entender melhor:
Preposição com ablativo:
Já sabemos que há dois casos que aceitam preposição: o acusativo e o ablativo. O ablativo
latino possui um morfema próprio para indicá-lo, mas conserva três sentidos, oriundos de antigos casos
do indoeuropeu.
1º) ablativo propriamente dito: expressa ideia de origem, separação, afastamento a partir de
um pontoo. Para dar essa ideia, ele não precisa de preposição, apenas do morfema de caso.
Ex.: Aqua venerunt. (Chegaram da água). Não sabemos, no entanto, se o afastamento é de
dentro da água ou se de próximo dela, pois isso não foi explicitado. Para especificar essa ideia, será
necessário usar uma preposição que rege ablativo e que contenha a ideia que desejamos especificar.
Assim, se quisermos dizer que a origem é "de dentro da água para fora", devo usar uma preposição
especificadora: EX (também pode ocorrer na forma E).
Exaqua venerunt (Vieram da água ou seja de dentro para fora da água).
Se quisermos dizer que o afastamento se deu da "proximidade da água", digo
Abaqua venerunt (Vieram da água, ou seja, de perto da água).
Nos dois exemplos, a palavra aqua está no caso ablativo singular (terminado em –a), que indica
separação a partir de, origem, afastamento. A preposição ex expressa o tipo de afastamento (de dentro
para fora) e a preposição aboutro tipo de afastamento (de junto de). Observe então que a preposição
não estabelece a dependência, mas rege um caso (ou acusativo ou ablativo) e o especifica.
No indo-europeu, além dos casos indicados na tabela acima, havia mais dois: o locativo e o
instrumental, ambos com um morfema específico para cada um, e expressando circunstâncias
diferentes. O latim fez o sincretismo desses casos, conferindo-lhes o morfema do ablativo. É por isso
que o ablativo pode indicar, semanticamente, três situações:
1. Ablativo propriamente dito, já visto acima, (de origem, separação, afastamento);
Preposições: ab / a = de, de junto de, a partir de;
de = de, de cima de, sobre;
ex / e = de, de dentro de.
2. Locativo (lugar onde, geralmente precedido da preposição in, em);
3. Instrumental (com ideia de instrumento, meio ou companhia, comumente com a
preposição cum, com).
Nos três casos a forma é a mesma e a função sintática também: adjunto adverbial. Durante o
curso, esses aspectos serão aprofundados.
O ablativo instrumental ocorre com a preposição cum, usada quando indicamos pessoa; quando
indica ideia de coisa, costuma ser omitida.

Preposição com acusativo:


Outro CASO que pode vir regido de preposição é o acusativo. O acusativo, na função de objeto
direto, nunca vem preposicionado em latim.
Quando preposicionado, porém, não exerce a função de objeto direto, mas assume valor
adverbial (é adjunto adverbial). Costuma vir preposicionado quando o adjunto adverbial expressa ideia
de “ponto de chegada, destino, movimento, dinamismo”. Já o adjunto adverbial com ablativo costuma
expressar uma situação mais estática.
Acusativo objetivo = objeto direto, complemento de um verbo transitivo de modo imediato,
sem especificação. Ex.: Petrus vidit lunam.

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Acusativo adverbial = adjunto adverbial, preposicionado, relacionado com um verbo intransitivo
ou circunstancial, indicando movimento dirigido ou extensão.
Ex.: eo villam ou eo ad villam = vou para a casa de campo.
Resumindo:
O adjunto adverbial ocorre em três situações em latim, a saber:

1. ablativo simples
2. ablativo regido de preposição
3. acusativo adverbial regido de preposição

PREPOSIÇÃO - SÍNTESE
As preposições latinas sempre regem um caso: ou o acusativo ou o ablativo.

Oriundas de antigos advérbios prepostos a uma palavra do indo-europeu, as preposições possuem


valor adverbial, modificando o valor do caso.
Ex. Rana ex aqua saltat (A rã salta da água) - o ablativo aqua indica a origem do salto, e a preposição
modifica indicando que tal origem é de dentro de;
mas em Rana ab aqua saltat (A rã salta da água) – o ablativo aqua indica a origem do salto, mas a
preposição ab indica que o ponto de origem é do lado de;
em, Rana de saxo saltat (A rã salta de uma pedra) – ablativo saxo indica a origem do salto e a
preposição de indica que a origem é de cima de.

Preposição + acusativo adverbial:


ad (a, para, até, em) intra (dentro de, no interior de)
inter (entre, no meio de, durante), trans (além de
supra (sobre, em cima de, acima) per (através de)
ante (antes, diante de) post / postquam (depois de)
apud (junto de, na casa de, na obra de, no meio de) propter (por causa de)
circa (ao redor de) ob (diante de)
contra (contra, em face de) prope (perto de
in (para dentro de, em direção de, até, em, contra)

Preposição + ablativo:
ab / a (de, de junto de, a partir de, do lado de) prae (diante, em presença de)
cum (com, em companhia de, contra)), pro (diante, no lugar de, em favor de)
de (de, sobre, de cima de, do alto de) procul (longe de)
ex / e (de, de dentro de) simul (ao mesmo tempo de)
sine (sem) in (em, dentro de)

Objetivo = objeto direto


Acusativo
Adverbial > com preposição = adjunto adverbial

Ablativo propriamente dito – de origem, ponto de partida (prep.: ab, de ,


ex)
Ablativo Locativo – lugar onde (prep..: in)
Instrumental – instrumento, meio, modo, companhia (prep.. cum, com)

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AS DECLINAÇÕES LATINAS
Os nomes latinos se distribuíam em cinco declinações, de acordo com suas
terminações. Se levarmos em conta que havia seis casos, cada nome latino apresentava, pelo
menos teoricamente, trinta flexões diferentes. No entanto, já no latim clássico, substantivos
de quinta podiam ser também declinados seguindo o paradigma da primeira (avarities,ei ou
avaritia,ae; luxuries,ei ou luxuria,ae; materies,ei ou matéria,ae). Ainda no latim clássico havia
também a possibilidade de alguns substantivos se declinarem tanto pela quarta quanto pela
segunda (domus,us e domus,i; fructus,us e fructus,i).
Além disso, “Muitas dessas trinta (supostamente diferentes) combinações [...]
apresentavam desinências idênticas [...] Com a tendência do latim vivo e falado a obscurecer e,
aos poucos, cancelar o final (ou os segmentos finais) das palavras, natural foi, portanto, que
tanto o número de declinações quanto o número de casos fossem drasticamente reduzidos.”
(TARALLO, Fernando. Tempos linguísticos: Itinerário histórico da língua portuguesa. São Paulo:
Ática, 1990. P.122) Por isso, das cinco declinações clássicas, restaram três no latim vulgar.

(Evolução do sistema de declinações): Embora os substantivos se repartissem na língua


literária, e segundo prescrições gramaticais, pelas cinco declinações que já conhecemos, na
língua falada, distribuíam-se apenas por dois grupos, se não contarmos com alguns outros
casos particulares:
a) Os temas em -a, femininos – antiga 1ª decl. –, que absorviam uma parte dos
nomes pertencentes à 5ª (effigies>effigia, materies>materia, luxuries>luxuria), à 3ª
(neptis>nepta, megestes>magesta), e ainda à 4ª (nurus>nora, socrus>socra). A
evolução do gênero neutro contribuirá com outros nomes para este grupo [...]
b) Os temas em -u / -o, masculinos – antiga 2ª decl. –, onde acabam por entrar
també os os nomes da 4ª decl., exceto aqueles que passa à 1ª: domus, fícus, laurus,
aparecem com declinação duvidosa na literatura clássica. Em Popeia, encontram-se
genitivos do tipo fructi por fructus, revelando que esta palavra já mudara da 4ª para a
2ª declinação no séc. I d.C.

OS GÊNEROS NOMINAIS LATINOS


A distribuição dos três gêneros pode ter sido inicialmente fundada na concepção,
talvez animista, de animado, daí masculino ou feminino segundo o gênero natural, ou de
inanimado ou neutrum, ‘nem um nem outro’, ou indiferente ao gênero, ressaltando-se que a
referência foi sempre o gênero natural. Na prática, porém, o gênero gramatical e o gênero
natural coincidiam com pouca frequência, pois essa distribuição sempre foi dependente da
visão do mundo [...] vinculada a aspectos culturais e regionais, não raro subjetivos. Assim, no
lat. lit. eram femininos os nomes daquilo que, de alguma forma, estivesse ligado à mãe-terra:
terras (Aegyptus clara [Egito claro]), ilhas (Delus parva), cidades (Corinthus saeva), árvores
(cerasus florida) etc., embora pertençam à segunda declinação, que engloba naturalmente
masculinos. Opostamente os nomes da primeira declinação são regularmente femininos, mas
os designativos de profissões (nauta, pirata, poeta, scriba) são masculinos (agricola laboriosus,
nauta validus) por serem atividades masculinas. De modo geral, o traço temático ‘animado’
permitia distinguir o masculino do feminino, como servus – serva ‘escravo – escrava’,
enquanto o neutro (ferrum, marmor, cornu) se relacionava a temas com o traço ‘inanimado’.
Formalmente, esse traço de ‘inanimado’ era marcado pelo fato de os neutros terem sempre o
nominativo, o acusativo e o vocativo iguais no singular e sempre a flexão /-a/ nos mesmos três
casos no plural. [...]
No lat. vulg., a maior inovação, em relação ao gênero gramatical, foi o
desaparecimento do neutro, pelo menos no singular. Contudo, a distinção entre masculino e
neutro sempre apresentou problemas desde a época arcaica [...]. A língua do povo

35
transformou em masculinos: a) os neutros em /-um/ da segunda declinação
(templum>templus; dorsum>dorsos); b) os neutros da terceira, como por exemplo cadaver
mortus (numa inscrição em Pompeia) capus por caput, maris / marem por mare, papaverem
por papaver; c) os poucos neutros da quarta: cornus por cornu, gelus por gelu, genus por genu,
‘joelho’ [...]. Esse foi um dos meios pelos quais se eliminou o gênero neutro. Entretanto,
perfazendo parte do sistema da língua, sobreviveu até quase a fase romance, com vestígio
ainda mais tardios. [...]” (BASSETTO, Bruno F. Elementos de filologia românica: história interna
das línguas românicas. São Paulo: Edusp, 2010, p. 195-196.)

(Evolução do gênero: desaparecimento do neutro): Juntamente com as reduções


casuais e declinacionais, esta mudança constitui uma das mais importantes operadas no latim
vulgar. A divisão genérica, se assim podemos chamar-lhe (Neutro-Masculino-Feminino),
corresponde a uma estruturação psicológica da realidade nas línguas indo-europeias, que
tendiam a ‘espiritualizar’ o mundo:

inanimado neutro
gênero
animado feminino
masculino

Esta divisão deixara de ser muito clara já no latim clássico, tendo-se perdido a noção
de que o neutro era um gênero distinto do masculino. A CoenaTrimalchionis abunda em
neutros mudados para o masculino, caelus, vinus, fatus, balneus, estando algumas destas
mutações atestadas por autores mais antigos ainda. Frequentemente, à falta do artigo, que
não existia, era o adjetivo realmente o que exprimia o gênero do substantivo. As desinências
do masculino e do neutro confluíram na maioria dos casos. Esta ambiguidade, unida às
evoluções fonéticas subsequentes (especialmente a queda do -m final), provocou o
desaparecimento do neutro, assimilando-se às desinências do masculino e do feminino dos
outros casos.
Enquanto os neutros da 2ª declinação, e da 4ª, se fundiram com o masculino da 2ª, no
singular: templum>templos, os neutros plurais em -a assimilaram-se ao feminino singular,
conservando um certo valor coletivo: LIGNA >lenha; OPERA >obra, MILLA >milha. (CASTRO,
Ivo, op.cit., p.123-124.)

Certos neutros desenvolveram, certamente de um plural com sentido coletivo, uma


forma feminina em /-a/ e com genitivo /-ae/, no lat. vulg. e tardio e não poucas passam para
as línguas românicas; [...]
Formas provenientes de um neutro plural com sentido coletivo, ainda que se tenha
perdido por vezes o sentido coletivo, encontram-se nas línguas românicas, como lat. folium>
pl. folia> port. folha [...]; lat. ferramentum, ‘instrumento de ferro’ > pl. ferramenta> port.
ferramenta [...]; lat. *rama (<masc. ramus) > port., cast., cat., prov. rama [...]; lat. vestimentum
/ vestimenta > port., cast., cat., vestimenta [...]
Populares em toda a România, os nomes de frutas são exemplos da passagem do
neutro plural para o feminino singular. [...] os nomes de árvores eram femininos em lat., ao
passo que os das frutas eram neutros: malus, ‘macieira’, – malum, ‘maçã’, pl. mala. No lat.
vulg., os nomes de árvores passaram a masculinos; caso também os neutros, segundo a
tendência geral, tivessem passado a masculinos, neutralizar-se-ia a distinção entre árvores e
frutas. Evitou-se tal neutralização, transformando-se o neutro plural, não raro com sentido
coletivo, em feminino singular, resultando as formas românicas femininas: lat. cerasea e
ceresea> port. cereja [...]; lat. pirum>pira> port. [...] pera [...]. O nome da árvore, lat. pirus,

36
ficou apenas no log. piru, it. pero, rom. pӑr, sempre masculinos; as outras línguas o designam
por derivados sufixais: port. pereira [...]
Portanto, o neutro característico do ind.-eur. e do lat. deixou apenas vestígios nas
línguas românicas. Mesmo levando em conta os chamados coletivos e algumas formas, como
port. algo, aquilo, isto, tudo, não se chega a constituir um gênero propriamente neutro.”
(BASSETTO, op.cit., p.197-198)

É importante observar, para a tipologia nominal latina, que, enquanto a expressão do


caso e do número era nítida no substantivo [através de desinências], a do gênero só se
tornava, em princípio, claramente explícita através de um adjetivo.
O substantivo lupus (nominativo) era masculino, ao lado de quercus 'carvalho', que era
feminino, com as mesmas desinências de lupus em todos os casos (acusativo, por exemplo,
quercum); mas 'um carvalho abatido' é quercus abiecta, com a marca de feminino no adjetivo,
que referindo-se [sic] a puer vimos no masculino (abiectus).” (MATTOSO CÂMARA JR., J.
História e estrutura da língua portuguesa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Padrão, 1979. P.72).
A conclusão que se pode tirar disso é que o gênero era no latim uma característica
lexical e não gramatical; ou seja, não havia uma marcação desinencial, como há no português,
para marcar o gênero latino. A partir daí, devido a uma reinterpretação, como expressão de
gênero, dos paradigmas de declinações,“[...] firmou-se a tendência para interpretar como
femininos os substantivos que se declinavam pela 1ª declinação, e como masculinos os que se
declinavam pela 2ª. Em outras palavras, sobre o tipo dominus (masculino, 2ª
declinação)/domina (feminino, 2ª declinação) ou bonus/bona, definiu-se um procedimento
morfológico para indicar diferença de gênero que ainda é produtivo nas línguas românicas (cp.
em port. o tipo lobo/loba com base no qual se definiu a forma de palavras bem mais recentes,
como brasileiro/brasileira, jagunço/jagunça, candango/candanga.
Quanto à 3ª declinação, que compreendia nomes masculinos, femininos e neutros,
permaneceu como uma classe de nomes com tema em -e, cujo gênero não podia ser inferido
da terminação; até hoje as línguas românicas têm uma classe de nomes com essa
característica; ponte, feminino em port., não se distingue na forma de monte, masculino, e o
adjetivo forte não muda de forma ao mudar de gênero.” (ILARI, Rodolfo. Linguística românica.
3ª ed. São Paulo: Ática, 2007. P.91-92)

OS NÚMEROS NOMINAIS LATINOS


Singular e plural são as opções de número, herdadas pelo lat. do ind.-eur. e
transmitidas às línguas românicas. O antigo dual perdeu-se; contudo, tendo feito parte do
sistema, restam vestígios inclusive nas línguas românicas, v.g., lat. ambo, -ae, -o, ‘ambos’, ‘os
dois ao mesmo tempo’, lat. vulg. ambi, -ae> port. cast. ambos [...], além de certo número de
compostos (port. ambianular, ambidestro, ambidestreza, ambigênia, ambilateral [...]).”

O ARTIGO
Semanticamente, o artigo tem a função de uma ‘pequena articulação’, pois relaciona o
substantivo com algo anterior conhecido, ao menos pelo contexto, uma vez que o substantivo
deve ser definido de alguma forma, a fim de que se possa empregar o artigo, definido por
natureza. [...]
O lat. não conhecia o artigo como também o ind.-eur. Os autores lat. sentiram sua
falta, especialmente quando traduziam o grego com seus definidos [...], antigos
demonstrativos [...]. Conforme observou Leumann [...], ‘o essencial no uso do artigo é a
ausência (da ideia) de demonstração’. E o demonstrativo lat. que melhor se prestava a essa
função era o ille illa, illud por seu caráter anafórico [...]. Nota-se crescente esvaziamento de
sua significação demonstrativa até à de clara função própria do artigo [...]. (BASSETTO, op. cit.,
p. 223-224)

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O uso frequente do elemento dêitico na língua falada acarretou uma maior presença
dos demonstrativos – ille ou ipse, segundo as regiões – para referir objetos ou seres já
mencionados no discurso. Este uso anafórico dos demonstrativos começou a diluir-se com sua
presença diante de substantivos, estivessem ou não já anteriormente presentes. Foi desse
modo que os ditos demonstrativos se esvaziaram de conteúdo anafórico, dando lugar ao
aparecimento de um elemento desconhecido da gramática latina, o artigo definido:
ILLU(M) > fr. le, cast. el, port. o
ILLOS > fr. les, cast. los, port. os
ILLA(M) > fr. la, cast. la, port. a.

O artigo indefinido seguiu um processo parecido a partir do numeral UNUS, cujo


significado inicial (‘algum, qualquer um, certo’) se diluiu, começando a ser usado diante de um
substantivo não mencionado anteriormente, ou introduzindo alguma conotação expressiva ou
de novidade.” (CASTRO, op.cit., p.124)

São os autores unânimes quanto ao fato de o sistema do latim clássico não possuir
artigo, e de essa classe de palavras ter surgido somente nos derradeiros momentos do latim
falado, já em uma fase pré-romanço. Não há dúvida ou desacordo, tampouco, quanto ao fato
de o artigo definido ter ‘nascido’ de um pronome demonstrativo, mais especificamente, ille,
em sua forma acusativa. Assim:
- Masculino singular: ĭllu>elo>lo>o
- Feminino singular: ĭlla>ela>la>a
- Masculino plural: ĭllus>elos>los>os
- Feminino plural: ĭllas>elas>las>as

É até muito fácil explicar como de ĭllu, ĭlla,ĭllus,ĭllas chegamos ao sistema moderno:
conforme vimos anteriormente, o /ĭ/ se fechou em /e/; as consoantes geminadas foram
simplificadas (daí: elo, ela, elos, elas); e o /e/ inicial cairia posteriormente por estar o artigo em
posição proclítica – elos campos > los campos. Esse /l/, agora inicial, quando em posição
intervocálica (de los campos), seguindo a evolução fonética normal das consoantes, durante a
passagem do latim ao português, teria sofrido queda que, desta posição, se generalizou para
todas as outras, daí resultando o sistema moderno: o, a, os, as.
[...]
Destaquem-se ainda duas propriedades dos artigos: em primeiro lugar, sua função
dêitica/mostrativa que se manifesta a partir de sua própria evolução a partir de um
demonstrativo; em segundo lugar, seu caráter proclítico ao nome [...] o aproxima da classe dos
pronomes. [...] (TARALLO, Fernando. Tempos linguísticos: itinerário histórico da língua
portuguesa. São Paulo: Ática, 1990, p.137-138.)

Verbos
A tendência para a passagem de estruturas sintéticas a analíticas manifesta-se também
na conjugação verbal. A língua falada preferia o uso de perífrase ao uso de desinências. É assim
que desaparecem as formas simples da voz passiva: APERIUNTUR, AMABUNTUR >cantare
habeo, dicere habeo, que a princípio tinham o valor de obrigação (‘hei de amar, tenho que
dizer). Uma construção semelhante, CANTARE HABEBAM, deu lugar à formação de um novo
modo, o condicional românico (‘cantaria’)” (CASTRO, op.cit., p.124-125)

OS VERBOS E A TENDÊNCIA ANALÍTICA


O latim clássico é, como já afirmado, uma língua sintética. Tal característica se pode
comprovar, por exemplo, pelo fato de as funções sintáticas de nomes se caracterizarem, nessa

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língua, por flexão morfológica de caso; para além dos nomes, o caráter sintético do latim
também é observado nos verbos, já que no latim clássico as perífrases verbais eram em
número muito reduzido. “O verbo do latim clássico era uma palavra particularmente rica,
dotada de uma grande variedade de desinências [...]” (ILARI, Rodolfo. Linguística românica. 3ª
ed. São Paulo: Ática, 2007, p.96.)
Já se analisou que, na passagem do latim às línguas românicas, se privilegiaram
construções analíticas, com o alargamento de usos, significações e funções das preposições. A
tendência analítica se observa também na classe dos verbos.
Por exemplo, no latim clássico, a voz passiva era expressa através de desinências,
assim como o tempo, a conjugação etc., caracterizando-se como forma analítica. Já no latim
vulgar, “perdeu-se a passiva sintética, compensada por uma passiva analítica baseada
principalmente no verbo sum” (id., p.98).
Havia em latim clássico o tempo verbal denominado futuro imperfeito, caracterizado
pela flexão verbal, p.ex. amabo, vendam. Já nas línguas românicas ocidentais esse tempo foi
substituído pela perífrase verbal constituída pelo infinitivo do verbo principal com o verbo
habere no presente do indicativo, p.ex. amare habeo, vendere habeo (algo paralelo com o que
hoje se tem em hei de amar, hei de vender). Habeo passou por transformações fonéticas
(habeo>aio>ai>ei) resultando no português atual nas formas amarei e venderei. Há inclusive
autores, como Celso Pedro Luft, que não interpretam tais formas como sintéticas, ou seja, não
consideram -ei como desinência verbal, mas sim como formas analíticas, como perífrases
verbais. A favor dessa interpretação está a colocação pronominal mesoclítica (amar-te-ei,
vender-te-ei).
O supino, forma nominal do verbo latino (um tipo de substantivo verbal), também
sofreu influência da deriva analítica. “O supino, com sufixo em -to ou -so, foi a única forma
verbo-nominal latina que se perdeu completamente em português. Auxiliava a declinação do
infinitivo e tinha apenas três casos, o acusativo, usado com verbos de movimento para indicar
finalidade, e o dativo-ablativo, cujo emprego era comum com adjetivos do tipo facilis,
iucundus, fas, etc. Tanto sua forma de acusativo (ex.: pugnatum, doctum, rectum, captum,
auditum) quanto de ablativo (ex.: pugnatu, doctu, rectu, captu, auditu) podiam ser substituídas
pelo gerúndio antecedido de ad. Ex.: miles uenit pugnatum/ad pugnandum ‘o soldado veio
para lutar’; puer difficilis doctu/ad docendum ‘criança difícil de ser educada’. (SOUZA, Mariza
Mencalha de. Formas nominais latinas: ressonâncias em português. In:
http://www.filologia.org.br/viicnlf/anais/caderno11-08.html. Acesso em 28/09/2011)

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FONTES DO LATIM VULGAR

As fontes do LV são muito escassas. Os gramáticos latinos não se interessavam por


um estudo descritivo. Naquela época, anterior à linguística, o LV era visto com preconceito.
Mesmo assim, conseguimos obter as seguintes fontes:

1 – Inscrições
• em pedras mortuárias;
• em tabuletas;
• em vasos;
• em broches (artesanato em ouro com dedicatória);
• em portas

Importantes inscrições foram os graffiti de Pompéia (frases rabiscadas com carvão


em paredes e muros; anúncios de espetáculos circenses). São posteriores a 60 d.C. e
anteriores a 79 d.C., data em que Pompéia foi sepultada por uma erupção do Vesúvio.
Um tipo especial de inscrição foram as Tabellae Defixionum, tábuas com textos de
magia, maldição, escritos em lâminas de chumbo, bronze, estanho, mármore e terracota
e colocados em tumbas ou poços onde pudessem ser transmitidos às entidades
maléficas. Datadas dos séculos II e III da era cristã, eram mensagens anônimas,
endereçadas a entidades maléficas, motivadas por sentimentos negativos, como ciúme,
inveja, vingança, rivalidade etc.

2 – Autores
Trata-se de autores de cultura média ou abaixo da média. Nos próprios autores
literários, encontramos manifestações de Latim Vulgar no gênero epistolar ou em
consequência da natureza de certos personagens (como, por exemplo, cartas de Cícero a
Peto; sátiras de Horácio; comédias de Plauto).
O principal texto em prosa foi a Coena Trimalchionis (de Petrônio), fragmento da
narrativa Satyricon. Esta cena narra um banquete para o qual foram convidadas pessoas
de condição humilde.
Vetus Latina – tradução da Bíblia, anterior a S. Jerônimo. Feita por orientais,
provavelmente judeus, pessoas de instrução pouco apurada. – século II d.C.
Narrativa Peregrinatio Aetreriae ad Loca Santa – livro de viagens destinado pela
monja Egéria a suas sorores. Século IV d.C (381-388 dC) a noroeste da Península Ibérica.

3 – Livros técnicos
Mulomedicina Chironis – tratado de veterinária – século IV d.C. Seu autor tanto pode
ter sido Quíron quanto Cláudio Hêmero. Trata-se de uma tradução do grego.
De Re Coquinaria – tratado de culinária. Autora: Apicius.

4 – Gramáticos
Os gramáticos ajudam, pelo seu testemunho, mas as indicações deles não têm valor
científico porque, naquela época, a Filologia não era uma ciência. Os valores são, apenas,
informativos. Os principais gramáticos foram:
Varrão- séc. I a.C. – tratado De língua latina , de que nos restaram fragmentos;
Quintiliano – século I d.C.;
Prisciano – século V d.C.;
O mais importante: Consêncio (século II d.C.) – autor de Ars de barbarismis et
metaplasmis;

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Mais importante livro: Appendix Probi (anexado a um texto gramatical de Probo).
Autor anônimo. Data provável: século III d.C. Apresenta as formas incorretas da língua e
suas respectivas correções. Ex.: ansa non asa.

5 – Glossários
Listas em que, na Idade Média, catalogavam-se as palavras latinas ao lado das formas
romances. Notas explicativas; anotações marginais. Não pertencem à fase latina, mas
prestam informação sobre o romanço. Estendem-se dos séculos VII a X d.C. e fazem a ponte
entre o latim corrente e os primeiros textos das línguas românicas.
Mais importantes:
De Reichenau – século VIII d.C.;
De Cássel - século VIII d.C. (Ex.: pulchra: bella)

6 – Formulários e fontes menores


Textos dos séculos VI a IX;
Notas tironianas (estenográficas);
Erros de copistas nos manuscritos entre os séculos IV a IX. Ex.: Vixit: vissit, viscit,
vicsit.

7 – Método Histórico-comparativo: comparação entre as línguas românicas.


Ex: fr. Travailler; esp. Trabajar; it. Travagliare – LV * tripaliare<tripalium, instrumento
de tortura.
Durante muito tempo, foi considerado o mais importante meio de reconstrução do
latim usual. Hoje, embora se admita seu grande valor, recomenda-se tomar cuidado com
formas hipotéticas, a fim de evitar exageros e conclusões precipitadas.
Assim, não possuímos textos intencionalmente escritos em LV. Mas, ainda assim, o
valor dos textos que nos restaram é enorme porque nos revelam expressões da fala viva e
real.

Obs.: Recomendamos a leitura de História do latim vulgar,de Serafim da Silva Neto, para
aprofundamento.

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Um panorama da evolução do registro escrito da língua portuguesa
por Elis de Almeida Cardoso

Hieróglifos, ideogramas ou, simplesmente, letras? Seja qual for o sinal gráfico
utilizado, registrar as palavras para atingir um interlocutor distante no tempo e no espaço é o
principal objetivo da escrita. O uso das letras (grafemas), representando os sons da fala,
constitui a chamada escrita (grafia) alfabética.
A ortografia, da combinação dos elementos de origem grega orto- (reto, direito,
correto, normal) e -grafia (representação escrita de uma palavra), é, segundo o dicionário
Houaiss, "o conjunto de regras estabelecidas pela gramática normativa que ensina a grafia
correta das palavras".
As pessoas que escrevem errado e cometem os chamados erros de português, tão
criticadas por professores de língua, na maioria das vezes, são tidas como ignorantes. Trocar
ch por x, g por j ou s por z, na verdade, não são propriamente erros de português, são erros de
ortografia. As confusões ortográficas são, entretanto, totalmente compreensíveis, uma vez que
nenhum sistema gráfico é perfeito - a escrita é uma tentativa de representação da fala e, por
isso, ninguém conseguirá escrever exatamente como fala.
A escrita é, portanto, artificial. Saber qual letra escolher na hora de escrever uma
palavra é uma tarefa que exige memorização (principalmente a visual) e treino. Que atire a
primeira pedra quem nunca se enganou. Desconhecer ortografia não significa desconhecer
gramática. É simplesmente desconhecer uma simples convenção, um decreto que tem o
objetivo de sistematizar a forma das palavras.

Cabeças e sentenças
Mas nem sempre foi assim. Já houve uma época em que cada escritor grafava as
palavras como queria e, assim, para uma mesma palavra podiam se encontrar inúmeras
formas. Escrever 'hoje' sem h, seria, hoje, algo inadmissível, porém, o primeiro documento
escrito em terra brasileira, a Carta de Caminha, inicia-se desta maneira: "Datada deste porto
seguro davosa jlha da vera cruz oje sesta feira primeiro de mayo de 1500..." - ainda bem que as
versões escolares da carta apresentam a ortografia vigente, se não haveria muito professor de
cabelo em pé, querendo corrigir os erros do escrivão da armada de Cabral.
Até o século 16, havia uma tentativa de representar por meio da escrita os sons da
fala, ou seja, o que se percebe, nos documentos mais antigos, é uma grafia fonética. De
qualquer maneira, não existia uma norma, uma padronização. Houve, portanto, nesse período,
muita instabilidade gráfica. O som de /i/ podia ser representado graficamente por i ou y. Além
disso, nota-se que a pronúncia das palavras varia de indivíduo para indivíduo e de região para
região, o que pode alterar uma grafia que se baseia na fonética. Em documentos dos séculos
12 ao 15, uma palavra tão comum como igreja aparece com dez grafias diferentes: ygreja,
eygreya, eygleyga, eigreia, eygreia, eygreyga, igleja, igreia, igreja e ygriga.
No século 16, com o Renascimento, o latim volta a ter muito prestígio. Os latinismos
enriquecem o léxico português, e passam a ser valorizadas formas gráficas restauradas, com
base no latim - regno por reino, fructo por fruto.

O bonito complicado
Há nesse momento, segundo gramáticos como J.J. Nunes, um recuo nos tempos. A
ortografia fonética era muito mais simples, mas, para fazer com que a língua portuguesa
ganhasse status de língua de cultura e se aproximasse do almejado padrão clássico, foram
valorizados os grupos ch (com som de k), ph, rh, th. A palavra tipografia, por exemplo, era
grafada typographia. Essa fase da ortografia, chamada de pseudo-etimológica, perdura até o
início de século 20. Pseudo-etimológica, porque, no afã do uso do elegante y, uma palavra
como lírio - do grego leírion por meio do latim lilìum - era grafada lyrio, ou seja, o y não existia
na forma original da palavra.

42
Essa vontade de escrever complicado para ficar bonito permanece até hoje. Em pleno
século 21, há quem prefira grafias que chamem a atenção, principalmente para registrar
nomes próprios: Thays e Raphael são formas tão comuns quanto Taís e Rafael.
Se, por um lado, no século 16, a ortografia pseudo-etimológica agradava, por outro,
gramáticos tentavam a volta da simplificação. Em 1576, Duarte Nunes de Leão publicou a sua
Orthographia da Lingoa Portuguesa (a própria palavra ortografia era grafada com th e ph),
tentando melhorar a "scriptura" que, segundo o autor, andava "mui depravada". Em
Ortographia ou Arte para Escrever Certo na Lingua Portuguesa (1633), Álvaro Ferreira de Vera
criticou o desrespeito à pronúncia na escrita.
No século 18, foi a vez de Luiz António Verney ir contra a escrita de base etimológica.
Em sua obra Verdadeiro Método de Estudar (1746), criticou o emprego das letras dobradas
(quando não pronunciadas), o uso do c antes do t, do ch por /k/. Achava ainda que consoantes
não pronunciadas como o g e o h deveriam simplesmente desaparecer.

Simplificação
No século 19, Antonio de Moraes Silva, no prefácio de seu Diccionario da Lingua
Portugueza (7ª edição, Lisboa, 1877), diz que a falta de uma ortografia fixa causava muitas
oscilações e trazia, sem dúvida, muitos problemas ao dicionarista. Escritores como Garrett e
Castilho brigavam pela simplificação ortográfica.
Dessa forma, o século 20 começou com a ortografia mergulhada no mais perfeito caos,
ou melhor, chaos. Cada um escrevia de acordo com suas próprias idéias, ou seja, havia
praticamente uma ortografia para cada escritor.
Em 1904, Gonçalves Viana, foneticista, filólogo e lexicólogo português, apresentou em
um volume intitulado Ortografia Nacional uma proposta de simplificação ortográfica. Ele
próprio sabia que se tratava de um grande desafio. Afinal, valorizar aspectos da fala,
afastando-se do latim, tornava a língua mais popular. Isso desagradava, sem dúvida, aos
doutos.
Gonçalves Viana não se abateu diante das críticas, ao contrário, enfrentou-as, dizendo
que a ortografia etimológica "é uma superstição herdada, um erro científico, filho de um
pedantismo que (...) assoberbou os deslumbrados adoradores da antiguidade clássica". Para
ele, o domínio da escrita deveria atingir o maior número possível de pessoas: quem soubesse
ler, teria que saber escrever.

Novos tempos
As regras apresentadas por Gonçalves Viana estão muito próximas das que vigoram
hoje. Basicamente eram as seguintes:
1) supressão de todos os símbolos da etimologia grega: th, ph, ch (= k), rh e y;
2) redução das consoantes dobradas, com exceção de rr e ss;
3) eliminação das consoantes nulas, quando não influíssem na pronúncia da vogal anterior;
4) regularização da acentuação gráfica.
Se apenas em 1911 uma comissão de filólogos se reuniu em Portugal para oficializar a
nova ortografia, em 1907 as influências de Gonçalves Viana já haviam chegado ao Brasil. Nesse
ano, foi elaborado pela Academia Brasileira de Letras (ABL), a partir de uma proposta de
Medeiros de Albuquerque, um projeto de reformulação ortográfica. Em 12 regras, o Brasil se
antecipava, modernizando a ortografia.
Em 1912, João Ribeiro redigiu a regulamentação desse projeto, aprovado em 1907, e,
em 1915, a Academia Brasileira de Letras aprovou o projeto de Silva Ramos, que ajustou a
reforma brasileira aos padrões da reforma portuguesa de 1911.
Porém, dando um passo para trás, em 1919, o Brasil, que se havia antecipado em
relação a Portugal, revoga, por indicação do acadêmico Osório Duque Estrada, tudo que tinha
sido estabelecido em 1907. Ou seja, nada de reformas e nada de simplificações. Enquanto
Portugal aplicava a nova ortografia, o Brasil regredia três séculos.

43
Simplificação
Em 1929, a Academia tentou restaurar o sistema ortográfico simplificado, mas não
houve aceitação popular. Em 30 de abril de 1931, finalmente é assinado um acordo Brasil-
Portugal. O Brasil adota o projeto português de 1911.
O vaivém ortográfico, entretanto, não parava por aí. Depois de oficializado em 1933, o
acordo de 1931 é derrubado pela Constituição Brasileira de 1934, que mandava voltar à
ortografia da Constituição de 1891. Isso é verdadeiramente incrível! Em pleno século 20,
depois de toda a revolução modernista, voltar ao ph! Não é preciso dizer que a revolta foi
geral. Professores, escritores, editores, juristas e até a própria ABL clamavam contra esse
infeliz decreto. Só em 1938 a paz ortográfica é restabelecida com a volta do acordo de 31.
Iniciou-se a partir daí um processo de uniformização da ortografia brasileira e
portuguesa, que culminou no acordo de 1943. Nesse momento, os governos dos dois países
assinaram a convenção "para a Unidade, Ilustração e Defesa do Idioma Comum". Foi nomeada
uma comissão responsável pela preparação do Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua
Portuguesa. Em 1945, o acordo tornou-se lei em Portugal. O Brasil manteve a ortografia do
Vocabulário de 1943.
Em 1971, no governo Médici, um novo decreto é assinado. A ortografia de 1943 sofreu
pequenas alterações. Essa foi a última reforma e perdura até hoje. Em Portugal, o decreto de
1945 não foi alterado.

Sem fim
Mas, ao que parece, o ponto final dessa história não chega nunca. Descontentes com
a existência de duas grafias diferentes e alegando que isso pode trazer problemas não só
linguísticos, mas também políticos, os acadêmicos voltaram a insistir em uma nova reforma. A
partir de 1975, após a independência das colônias portuguesas africanas (São Tomé e Príncipe,
Guiné-Bissau, Cabo Verde, Angola e Moçambique), o problema se agravou, já que passaram a
ser sete os países envolvidos numa tentativa de uniformização ortográfica.
Em maio de 1986, no governo Sarney, houve uma primeira tentativa de se
estabelecer um acordo ortográfico, envolvendo os sete países de língua portuguesa. Após um
encontro, no Rio de Janeiro, foi elaborado um novo acordo. Por ser considerado muito radical -
o projeto propunha a supressão dos acentos nas proparoxítonas e paroxítonas -, acabou sendo
rejeitado, principalmente por Portugal, e condenado ao fracasso.
Contudo, se a persistência vence, em 1990 lá estavam os acadêmicos e
representantes de governo novamente reunidos - agora em Lisboa -, debatendo (e batendo-se
por) uma unificação ortográfica. Desse encontro, ficou decidido que: os signatários do acordo
deveriam transformá-lo em lei; a Academia de Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de
Letras seriam responsáveis pela publicação de um vocabulário ortográfico comum da língua
portuguesa.

Novo acordo
Esse novo texto, bem menos problemático que o de 1986, tinha dois grandes
objetivos:
1) fixar e delimitar as diferenças entre os falantes da língua, e
2) criar uma comunidade com uma unidade linguística expressiva para ampliar seu prestígio no
âmbito internacional.
Publicado por Antônio Houaiss (A Nova Ortografia da Língua Portuguesa, São Paulo,
Ática, 1991), o novo acordo deveria entrar em vigor em 1994. Não foi o que aconteceu.
Ratificado, em 1996, apenas por Portugal, Brasil e Cabo Verde - prevendo-se que Timor Leste
também o aceite, já que, depois de sua independência, tornou-se membro da Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa (CPLP) -, o acordo continua adormecido. Quase dez anos se
passaram e, até agora, a ortografia vigente no Brasil é a do acordo luso-brasileiro de 1943

44
(sancionado pelo Decreto-Lei nº 2.623, de 21 de outubro de 1955, e simplificado pela Lei nº
5.765, de 18 de dezembro de 1971).
Além das diferenças em relação ao uso do trema (em Portugal esse sinal gráfico não é
usado e no Brasil é obrigatório nos grupos que, qui, gue, gui, quando o u for átono e
pronunciado), ao emprego do hífen e principalmente à acentuação (o Antônio brasileiro é o
António português), é o tratamento dado às chamadas consoantes mudas o que mais chama a
atenção entre a ortografia européia e a brasileira: acto, baptismo, correcção e óptimo, em
Portugal, correspondem a ato, batismo, correção e ótimo no Brasil. O acordo de 1994 dava
conta dessa questão.

Dificuldades atuais
Viu-se, até aqui, o quanto é difícil chegar a um consenso em relação às regras
ortográficas. Parece que nunca se alcançará o ideal. Por mais que a ortografia se aproxime da
fonética - e já ficou provado que é realmente o desejável -, a língua falada, além de apresentar
variações geográficas, muda no tempo muito rapidamente e não há forma de escrita que
consiga acompanhar todos esses matizes e todas essas transformações.
É necessário que haja uma única forma gráfica, sem dúvida. O que seria do português
brasileiro se para a palavra colégio o paulista grafasse coléjo, o carioca culégio e o baiano
cólégio. Haveria uma retomada da confusão medieval.
O pior problema, entretanto, é o fato de um único grafema ser correspondente a
vários fonemas (sons). O x corresponde a /s/ - máximo, /z/ - exame, /ch/- Xuxa - além de ks
(dois fonemas) - tóxico -, e a um único fonema corresponderem vários grafemas: o som /s/
pode ser escrito com c, ç, s, ss, sc, sç, x, xc, z.
Muitas vezes, o que se percebe é que o uso atropela as regras, principalmente no que
diz respeito à grafia das palavras de origem estrangeira. Diz a regra que o x, deve ser usado em
palavras provenientes de línguas modernas. Daí a grafia de shampoo deveria ser xampu. Assim
registra o dicionário. Não há, porém, nenhuma marca de xampu disponível nos supermercados
brasileiros.
O ç, por convenção, deve ser usado em palavras de origem tupi. É o que deveria
ocorrer com o sufixo -açu, por ter essa origem. A cidade paulista de Pirassununga não segue a
regra. Foz do Iguaçu, recentemente, quis ser Foz do Iguassu, alegando que o ç não faz parte do
universo on-line. A mudança não pegou.
Já que o assunto é ss, a velha e boa mussarela, aquela, da pizza (e não pítça),
simplesmente não existe. O que existe é a muçarela, isso mesmo, com ç, ou ainda a mozarela.
Mozarela? Sim, do italiano mozzarella. Dá para engolir?
O século 20 acabou, e a questão ortográfica não se resolveu por completo. Há muito
ainda o que discutir sobre o uso das letras, dos acentos e até do hífen. Enquanto os problemas
continuam atormentando acadêmicos e parece que não terão fim tão cedo, adolescentes do
novo milênio adotam em seus blogs uma nova ortografia. No chamado internetês, o k substitui
o qu (aki = aqui), o x vale por ss (axim = assim) e o h transforma-se em acento agudo (ateh =
até). Seria o prenúncio da ortografia virtual? Só o tempo dirá.

Elis de Almeida Cardoso é doutora em Letras, professora de Língua Portuguesa na


Universidade de São Paulo e autora do capítulo “A Formação Histórica do Léxico da Língua
Portuguesa” (A língua que falamos: São Paulo: Globo, 2005. org. Luiz Antônio da Silva).

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ORTOGRAFIA DA LÍNGUA PORTUGUESA

"É lamentável pensar que a etimologia seja inútil", diz prof. Mário E. Viaro
Postado por João Almeida em 25 de Novembro de 2014 às 10:17am
POR THAÍS NICOLETI, para Folha de S.Paulo

(In<http://tirandodeletra.com.br/grupos/etimologia/forum/e-lamentavel-pensar-
que-a-etimologia-seja-inutil-diz-prof-mario-e> Acesso: 29/11/2014)

A ida do debate sobre o Acordo Ortográfico ao Senado, depois de implantado, reacendeu as


discussões sobre a ortografia no país. As críticas propriamente ditas, porém, têm sido poucas.
O hífen de “co-herdeiro” e cognatos, eliminado pela ABL no Vocabulário brasileiro, parece
coisa superada. Das célebres exceções (arco-da-velha, pé-de-meia, água-de-colônia, cor-de-
rosa, mais-que-perfeito) pouco já se fala.

Restaram, é verdade, críticas ao fato de o Acordo não ter resolvido o dilema, de resto talvez
insolúvel, do prefixo “pré”, tônico ou átono, separado por hífen ou justaposto sem hífen.

À parte isso, existe a já conhecida proposta ortográfica do professor Ernani Pimentel, que tem,
pelo menos, o mérito de ser uma proposta. Mais que levantar poeira, o professor propõe
aquilo que lhe parece ser a panaceia para os males do ensino de língua em sua fase inicial ou
para as dificuldades dos professores diante das questões de concurso público, já que, pelo
jeito, as bancas examinadoras insistem em aferir a competência linguística dos candidatos por
meio do conhecimento deles acerca da convenção ortográfica.

Na opinião do professor Pimentel, a ortografia deve procurar espelhar ao máximo a pronúncia


das palavras. O leigo não demora a empolgar-se com a ideia, que chega a ser sedutora à
primeira vista. A quantidade de problemas que o raciocínio um tanto simplista oculta, porém,
desencoraja qualquer verdadeiro especialista em língua a abraçar a causa.

Temos aqui no blog procurado conversar com pesquisadores que conhecem os problemas
profundamente e todos eles têm trazido grandes contribuições a esse debate.

Desta vez, o entrevistado foi o professor Mário Eduardo Viaro, livre-docente de Língua
Portuguesa pelo Departamento de Línguas Clássicas e Vernáculas, da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Coordenador do Núcleo de Apoio à
Pesquisa em Etimologia e História da Língua Portuguesa da USP, ligado à Pró-Reitoria de
Pesquisa, Viaro tem-se dedicado especialmente ao estudo da etimologia das palavras. É autor
doManual de etimologia, da editora Globo, e do volume Etimologia, da editora Contexto, no
qual propõe pensar a etimologia cientificamente. Além de colunista da revista Língua, Viaro é
o responsável pelo suporte etimológico do Beco das Palavras, espaço lúdico do Museu da
Língua Portuguesa, no qual os visitantes podem constituir palavras com base em seus
elementos de composição.

O professor Viaro, sempre ponderado em suas reflexões, lamenta o fato de ainda haver
professores que não veem a importância do estudo dessa disciplina ou que acham que
ninguém mais se dedica a ela. Segundo ele, “se ninguém estuda, deveria estudar”. E vai além:
“O abandono da erudição linguística pelo ensino moderno, alicerçado pelos valores
imediatistas da atualidade, nos prende num presente sem vínculos com nosso passado e com
nosso futuro”.

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Sempre atento ao risco do fascínio exercido pela pseudoetimologia, alerta sobre a necessidade
de estudar cientificamente o tema: “A etimologia científica está distante da pseudoetimologia
tanto quanto a astronomia está da astrologia”.

Para Mário Eduardo Viaro, não é a ortografia o grande vilão do ensino da língua materna. Na
sua opinião, “o problema é mais profundo: deve-se a algum tipo de crise moderna do saber, às
condições de ensino e ao modo como é conduzido”.

Conversar com Viaro, como ler seus livros, é um convite ao mundo do saber. Como faz questão
de dizer, “ao contrário do que se prega, ser erudito nos torna mais humanos e mais tolerantes,
menos vinculados às óbvias necessidades da nossa existência, que podem parecer prementes,
mas são apenas o que são: necessidades”.

Leia a seguir a entrevista com Mário Eduardo Viaro:

Thaís Nicoleti – Como sabemos, o Acordo Ortográfico de 1990 tornou-se tema de debate no
Senado. Seus críticos têm afirmado que as mudanças ortográficas advindas dele são muito
difíceis de aprender, pois, além de desnecessárias, são incoerentes. Um deles, o prof. Ernani
Pimentel, apresentou uma proposta revolucionária, segundo a qual todo o sistema
ortográfico do português seria alterado, a fim de que a grafia das palavras espelhasse ao
máximo a sua pronúncia para facilitar o aprendizado. O senhor também vê esse grau de
dificuldade de apreensão das mudanças propostas pelo Acordo, bem como incoerências?

Mário Eduardo Viaro – Toda ortografia de qualquer língua com algum tipo de tradição
histórica é complexa. Mesmo o italiano, que abandonou a letra H no Renascimento, utiliza-a
em dígrafos CH e GH e na conjugação do verbo “ter”, que tem a mesma origem do nosso verbo
“haver”. A ideia revolucionária de começarmos do zero causa muitos problemas. Foi assim
quando a língua turca mudou de alfabeto da noite para o dia no começo do século XX.
Mudanças desse tipo são traumáticas não só para adultos que têm hábitos consolidados, mas
para crianças que estão no processo de alfabetização ou de aquisição de vocabulário.
Nenhuma língua natural é coerente stricto sensu, porque as regras que a compõem são
heranças de séculos e, portanto, sujeitas a preferências distintas em diferentes épocas. As
exceções são normais. Apenas poderíamos esperar coerência de uma língua artificial criada,
como o esperanto. Mesmo assim, abundam os casos de incoerência nessa língua, pois, quando
chegamos a um detalhamento maior, vemos que está longe de ser uma língua lógica, no
sentido filosófico. Quanto à falta de necessidade, discordo. Os países que compõem a
lusofonia necessitavam de padronização para a língua escrita, isto é, para a sua ortografia (e
não, obviamente, para o seu léxico, para as suas preferências morfológicas e sintáticas). Em
meio à consolidação desse processo surge essa proposta, mas o perigo é que cada um pode
propor como bem quiser “soluções melhores” e isso, se não for bem administrado, pode gerar
o caos.

TN – Houve quem criticasse o fato de a Comissão de Lexicografia e Lexicologia da ABL ter


feito uma Nota Explicativa sobre o Acordo composta de 15 itens. Considerou-se que esses 15
itens, em que se explicam critérios, é a prova cabal de que o trabalho foi malfeito,
apressado. O senhor concorda com isso?

MEV – Não acho de modo algum que se trata de um trabalho malfeito e desorganizado. Uma
coisa é idealizar uma reforma, outra é a sua implementação. As próprias soluções
revolucionárias teriam que passar necessariamente por esse processo. Essa Nota Explicativa,
salvo engano, tentou preservar o Acordo e adicionar coerência a algumas regras, que

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poderiam entrar em conflito. A coerência também é o que norteia o discurso das propostas
mais arrojadas. Por exemplo, a Nota assinala que a regra que abolia o acento circunflexo
de ôo (atualmente voo, perdoo sem o circunflexo) entrava em conflito com a regra das
paroxítonas terminadas em -n (que deviam ser acentuadas graficamente) em palavras
como herôon. O estudo de casos particulares é inevitável quando trabalhamos com um
número muito grande de palavras, como o VOLP. Daí até concluirmos que é preciso fazermos
uma reforma radical na ortografia há um salto imenso. Eliminamos todos os acentos e
retiramos o H, que faremos então com a terceira pessoa do verbo “haver”, que se
tornará a, como a preposição e o artigo? Caberia aí uma exceção. Isso é fácil de perceber
agora, mas, quando nos deparamos com centenas de milhares de palavras, surgem muitos
problemas que não se esperavam no nível teórico de quem lançou a ideia.

TN – A proposta do sr. Ernani Pimentel, de natureza fonética ou fonológica (o senhor pode


explicar a diferença aos nossos leitores), segundo ele, simplificaria a ortografia do idioma,
tornando-a “lógica” e acessível a todos. O senhor considera viável adotar uma escrita
fonética ou fonológica?

MEV – A única escrita fonética que existe é a do Alfabeto Fonético Internacional. Usar uma
escrita puramente fonética seria um absurdo, pois significaria representarmos toda a variação
diatópica, diamésica, diastrática de uma língua. Nenhuma língua de cultura conseguiria
sobreviver. A proposta do sr. Pimentel é fonológica, de modo que não pretende representar
sons, mas fonemas, que são unidades abstratas e mentais. Numa escrita fonética, os vários
sons que chamamos de r numa palavra como “português” (segundo a pronúncia caipira,
carioca, nordestina) teriam de ter representações distintas para o mesmo fonema. Escritas
com pretensão fonológica já foram implementadas, como ocorreu com o italiano, mas, mesmo
assim, privilegiaram-se alguns dialetos. Nossa escrita atual é parcialmente fonológica. Não
fazemos distinções importantes como a diferença entre os dois sons – aberto e fechado – da
vogal E e da vogal O. Isso parecia imprescindível no séc. XVI para o gramático João de Barros,
mas ninguém, salvo ele mesmo, usou essa distinção gráfica. Mesmo com apoio do governo, às
vezes uma mudança radical não emplaca. O imperador Cláudio inventou três letras novas para
o alfabeto latino, que só foram usadas durante seu governo. Na verdade, quando se fala de
tradição em escrita, usamos a palavra no seu sentido etimológico de “transmissão
consuetudinária”. Não vemos QE em vez de QUE nas línguas europeias, exceto no albanês (ou
em transliterações de línguas como o hebraico ou o árabe). A tradição do Q seguido de U é
longa demais para ser substituída: a meu ver seria menos radical usar o K, que também era
usado pelos romanos em pouquíssimas palavras e é erroneamente associado a alfabetos
germânicos.

TN – Confrontado com o argumento da importância de preservar a informação etimológica


das palavras, o sr. Pimentel afirma que hoje não se estuda mais etimologia, que ninguém
sabe a origem das palavras. Além disso, ele diz o seguinte: “A nossa etimologia é
arcaica, precisamos atualizá-la”. Como o senhor, que é conhecido por seus trabalhos na área
de etimologia, vê essas afirmações?

MEV – A etimologia é um estudo científico tanto quanto a lexicologia, a morfologia e a sintaxe.


De fato, a etimologia herdada pelo intenso desenvolvimento de pesquisas linguísticas do
século XIX acabou sendo abandonada após as duas guerras mundiais a favor de um estudo de
viés sincrônico e estruturalista, embora a pesquisa etimológica seja ininterrupta quando
pensamos nos estudos do indo-europeu. Uma retomada da necessidade dos estudos
etimológicos se viu apenas por volta da década de 90 do século passado. E, no caso do
português, a etimologia é importantíssima, pois o português é a única língua europeia sem um

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dicionário etimológico à altura. No Brasil, salvo Antônio Geraldo Cunha e o dicionário Houaiss,
ninguém trabalhou seriamente com etimologia e, apesar de terem feito muito, há muitíssimo
ainda por ser feito. Nós mesmos tentamos recuperá-la agora, com a fundação do Núcleo de
Apoio à Pesquisa em Etimologia e História da Língua Portuguesa (NEHiLP). Há dez anos
trabalho com a divulgação da etimologia, tanto no Beco das Palavras (Museu da Língua
Portuguesa) quanto na minha coluna na revista Língua Portuguesa. Portanto, obviamente não
concordo com essa frase que, a bem dizer, nem faz sentido. A escrita de base etimológica é
algo muito diferente da etimologia. Iniciada em português de uma forma sistemática por
Duarte Nunes de Leão, a chamada escrita etimológica propõe rememorar as grafias das línguas
de origem (basicamente o grego e o latim) pelos famosos Y, PH, TH e CH (com som de “qu” ).
Pela escrita etimológica, em vez de “asma”, escreveríamos “asthma”, em vez de “cristão”
escreveríamos “christão” e, em vez de “fotografia”, escreveríamos “photographia”. Ninguém,
que eu saiba, retoma a proposta de uma escrita etimológica. No português, o que temos é
uma escrita metade fonológica, metade etimológica, pois sobrevivem o H mudo e as várias
leituras do X. Mas a diferença entre SS e Ç não é puramente etimológica. Há ainda hoje
provavelmente pessoas no norte de Portugal que distinguem esses dois sons, ou seja, tratam-
nos como dois fonemas. O primeiro é ápico-alveolar, semelhante ao S do espanhol europeu, e
o segundo, dorso-alveolar, semelhante ao nosso S. Isso foi atestado por Leite de Vasconcelos
nos seus Opúsculos, no início do século XX. Também naquela mesma região, são (ou eram)
dois fonemas distintos o CH e o X: o primeiro grafema nessas comunidades se pronuncia(va)
como o CH espanhol e o segundo, como o nosso X. Em suma, essas comunidades fazem pares
fonológicos idênticos ao que o inglês faz entre chip e ship. Se hoje há pouquíssima gente que
faz essa distinção (se houver), no passado essa era a regra em metade de Portugal. Além
disso, observamos que, grosso modo, ao nosso SS equivale um S no espanhol, e ao nosso Ç, um
Z. Esse conhecimento, que permite uma rede de relações entre línguas, transcende a prática
de simplesmente alfabetizar. Portanto é lamentável pensar que a etimologia seja inútil e que
ninguém estude ou queira estudar etimologia. Se ninguém estuda, deveria estudar. O
abandono da erudição linguística pelo ensino moderno, alicerçado pelos valores imediatistas
da atualidade, nos prende num presente sem vínculos com nosso passado e com nosso futuro.
Faz-nos acreditar que tudo em que acreditamos nasceu hoje, criando uma cegueira para as
semelhanças entre as línguas, as culturas e as pessoas. Em suma, ao contrário do que se prega,
ser erudito nos torna mais humanos e mais tolerantes, menos vinculados às óbvias
necessidades da nossa existência, que podem parecer prementes, mas são apenas o que são:
necessidades.

TN – No bojo dessa discussão, diante de uma defesa da etimologia, um ou outro


leitor pergunta por que, então, deixamos de usar “ph” e passamos a usar “f”. O senhor
gostaria de falar um pouco sobre esse processo?

MEV – Deixamos de usar pelos mesmos motivos aventados pelo sr. Pimentel. No entanto,
como isso foi feito por linguistas capacitadíssimos como Gonçalves Viana, Carolina Michaelis,
Adolfo Coelho e Leite de Vasconcelos, houve o sucesso que conhecemos hoje. O discurso,
contudo, era praticamente o mesmo. O problema na época foi a eliminação de consoantes
mudas, de consoantes dobradas (exceto rr e ss) e a simplificação das grafias que remontavam
à ortografia grega (como y, rh, ph, th etc). Mantiveram-se o H mudo e as letras homófonas que
conhecemos (ss/ç, g/j etc.). Mas a verdade é que, diferentemente do que se passava com o
espanhol ou com o francês, não havia ortografia tal como entendemos agora e isso era tarefa
de cada gramático. A reforma de 1911 foi a primeira da história da língua portuguesa. E não foi
de todo simplificadora, pois introduziu muitíssimas regras de acentuação. Ao longo dos
séculos, algumas pessoas escreviam algumas palavras com f enquanto outras usavam a escrita
etimológica com ph. Essa cisão ortográfica é decorrência do debate iniciado em Portugal na
segunda metade do século XVI que nunca havia sido solucionado.

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TN – Também há na língua palavras de mesma origem com grafias diferentes
(erva/ herbanário; úmido/ húmus; extensão/ estender; fêmur/ femoral). Como isso se
explica?

MEV – A grafia “úmido” era mais frequente no Brasil. Em Portugal grafava-se “húmido”,
respeitando-se a etimologia. Penso que se manterão as duas grafias. O que se esquece é que
uma regra ortográfica, seja etimológica, seja fonológica, deve estender-se para todos os casos,
mas as palavras têm diferentes frequências de uso e isso dificulta que seja implementada na
prática. Se procuro a palavra “erva” no Google, tenho mais de 10 milhões de ocorrências. Se
escrevo “herbanário”, tenho pouco mais de 13 mil. As pessoas não têm consciência histórica
das palavras a não ser quando estudam linguística histórica ou etimologia, de modo que
naturalmente não sabem que o radical da palavra “ombro” é o mesmo da palavra “humeral”.
Levando isso às últimas consequências, “ombro” deveria ser escrito com H. A mesma confusão
se dava quando se escrevia “ontem” com H, até o século XIX, por pura analogia com a palavra
“hoje”. O uso do X no prefixo ex- de origem latina é confuso mesmo: teoricamente, palavras
com es- são palavras vindas diretamente do latim vulgar, que gerou a língua portuguesa,
enquanto palavras com ex- são palavras eruditas, que foram introduzidas no português
imitando o latim (e o francês) desde o século XV. “Fêmur” e “femoral” respeitam a ortografia
latina (pois a palavra latina femur tinha o genitivo femoris, donde extraíamos o radical femor-
para criar os derivados). Trata-se de uma acidente histórico que pronunciemos hoje o U e o O
nessas duas palavras da mesma forma. Pergunto-me por que não escrever, usando a mesma
lógica, a palavra “menina” com I, pois, de norte a sul no Brasil, com raras exceções, a
pronúncia é “minina”. A pronúncia com E surgiu tardiamente em Portugal. Desde as cantigas
de Santa Maria, temos comprovações da grafia com I, que é muito mais frequente.
Demagogicamente eu poderia defendê-la, mas ao mesmo tempo ignoraria as minorias
brasileiras e privilegiaria as minorias portuguesas. O mesmo argumento pode ser estendido a
várias outras situações: o ditongo OU é pronunciado como monotongo na língua normal e
como ditongo na língua mais cultivada aqui no Brasil, já em Portugal a pronúncia
monotongada é a padrão, mesmo nos discursos cultos, e o ditongo tem algo de regional.

TN – Se viéssemos a abolir o dígrafo “ch” do início das palavras, substituindo-o pela letra
“x”, perderíamos uma informação etimológica importante para o aprendizado de
correlações semânticas, como as de chuva/ pluviométrico, chumbo/plúmbeoou chão/ plano,
entre muitos outros exemplos. Penso que a manutenção do “ch” concorra para o
aprendizado da ortografia não como um simples exercício de silabação mas como um saber
inserido numa perspectiva histórica. Como o senhor vê esse caso em particular?

MEV – De fato, muitas palavras que têm CH no início são palavras latinas que começariam com
PL, CL, FL. Trata-se de algo característico do galego-português, pois, nessa mesma posição, o
castelhano desenvolveu um LL. A palavra clavis em latim remete ao português chave e ao
espanhol llave; a palavra pluvia em latim remete ao português chuva e ao espanhol lluvia etc.
O espanhol padrão não distingue v e b, apesar de serem um único som e fazem isso por causa
da etimologia das palavras. O português (excetuando os dialetos do norte de Portugal já
mencionados) não distinguem ch de x, mas quase sempre grafamos com x palavras de origem
indígena, africana ou árabe (há exceções, porém). Não há nenhuma razão semântica para a
manutenção desses pares a não ser preservação histórica. Sempre me lembro de que, para
fazerem a catedral da Sé atual, demoliram a antiga catedral, que era do século XVI. Isso sim eu
penso que seja desnecessário. Argumentava-se que a igreja antiga necessitava de reparos, não
tinha capacidade de abrigar muitos fiéis etc. e demoli-la foi rápido. Precisaram de décadas
para reerguer a nova. É isso que provavelmente acontece com mudanças malpensadas, feitas
de repente. Normalmente há perda quando se institui a tabula rasa. Perdemos um patrimônio
histórico por causa de um discurso apaixonado. Se há problemas no aprendizado da ortografia,

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isso não se deve à dificuldade intrínseca da nossa ortografia, que é bastante moderada quando
a comparamos com a do inglês e a do francês. O problema é mais profundo: deve-se a algum
tipo de crise moderna do saber, às condições de ensino e ao modo como é conduzido, e não à
ortografia. Se fosse assim, teríamos altíssimas taxas de analfabetismo no Japão, cuja escrita é
muitíssimo complexa. Não é o que vemos.

TN – A etimologia sempre exerceu uma espécie de fascínio nas pessoas. Não há quem não
goste de ouvir a história de uma palavra – principalmente quando há uma curiosidade em
torno dela. Na opinião do sr. Pimentel, porém, o estudo da etimologia que se fazia era a
“decoreba” de prefixos gregos e latinos, o que era algo infrutífero. O senhor acha que é
possível ensinar etimologia no ensino médio e/ou fundamental ou isso realmente não
é necessário ou mesmo possível?

MEV – Meu trabalho com a difusão da etimologia é grande, mas é preciso ser realista: não se
aprende etimologia da noite para o dia. O conhecimento de tupi, de quimbundo ou de iorubá
também é importante, mas há poucas pessoas que se dedicam a isso. Obrigar o ensino dessas
línguas no ensino médio e fundamental seria utópico. Quando se fala de obrigatoriedade do
ensino da etimologia, imagino milhares de professores ensinando justamente a
pseudoetimologia divertida que aparece por aí. Isso me dá calafrios. A etimologia científica
está distante da pseudoetimologia tanto quanto a astronomia está da astrologia. Penso que o
pontapé inicial deve ser dado dentro das universidades, formar gente capacitada e, num
futuro distante, poderíamos pensar nisso. Não há “decoreba”, mas a erudição necessária não
se constrói de um dia para o outro e a qualidade dos profissionais que ensinariam etimologia
teria de ser boa, caso contrário, é melhor deixar do jeito que está para não darmos mais
passos atrás. Sou autor de um livro que pretende ensinar etimologia, Manual de etimologia, da
editora Globo, e de outro que pretende pensar a etimologia cientificamente, Etimologia, da
editora Contexto. Mas insisto: não é preciso saber etimologia profundamente para entender as
pouquíssimas grafias etimológicas que sobreviveram na escrita atual. Nesse sentido, opor
etimologia a alfabetização me parece um absurdo. A etimologia auxilia a alfabetização, jamais
a atrapalha.

TN – O sr. Pimentel gosta de lembrar uma história vivenciada por ele próprio que envolve a
suposta palavra “xaxo” (ou “chacho”). A palavra, pronunciada dessa forma por seu
motorista, deixou-o em dúvida sobre o uso do X ou do CH. Nenhum dos dois conhecia a
grafia do termo. Segundo o professor, se a ortografia seguisse a pronúncia, não haveria
problema, pois bastaria usar a letra X. O filólogo maranhense Antônio Martins de Araújo,
porém, explicou durante audiência pública no Senado que a palavra em questão é “sacho”
[devidamente dicionarizada]. Como vemos, a variação de pronúncia no vasto território do
país parece ser um entrave a uma ortografia de base fonológica.

MEV – Se “sacho” ou “chacho” é uma palavra regional, deve ter poucas ocorrências em sua
frequência de uso, quando se pensa no âmbito nacional ou em toda a lusofonia. São
justamente essas palavras que geram as exceções, porque muitas vezes não sabemos a
etimologia da palavra (e não devemos inventar uma se não sabemos). Isso pode parecer um
defeito da ortografia atual, mas haverá esse mesmo problema com qualquer proposta
revolucionária, com certeza. A fruta conhecida como “uvaia”, de origem tupi, é muitas vezes
reinterpretada no interior de São Paulo como “uvalha”, pois os falantes pensam que cometem
a pronúncia [i] do LH, como em “telhado”, que é transformado em “teiado”. O mesmo
podemos pensar de “macaxeira”, que rarissimamente é pronunciada com o ditongo EI:
invariavelmente as pessoas que usam essa palavra monotongam. E devia ser assim, pois a
palavra é tupi e, apesar de ser uma planta, não é, etimologicamente falando, aparentada com

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“mangueira”, “roseira”, “trepadeira”. Qual seria a solução do sr. Pimentel nesses casos?
“Macaxera”? Se sim, estará indo a favor da etimologia da palavra.

TN – Na proposta do sr. Pimentel, registra-se a abolição dos dígrafos QU e GU, o que daria
origem a grafias como QEIJO e GERRA. Ele não explica o que seria feito nos casos em que há
dupla pronúncia, como líquido ou sanguinário, por exemplo, nos quais há oscilação quanto à
pronúncia do “u” átono. Palavras como CASA e MESA, por exemplo, seriam as grafias do que
hoje escrevemos CAÇA/ CASSA e MEÇA. A palavra LOUSA não identificaria o quadro-negro
ou uma lápide funerária, pois seria a nova grafia de LOUÇA (o “ç” também é abolido,
segundo a proposta). Como bem lembrou a linguista Stella Maris Bortoni, a tradição
ortográfica ajuda na compreensão da morfologia dos verbos (ela citou o dígrafo “ss” como
marca de imperfeito do subjuntivo). Diante de tudo isso, o senhor considera simplificadora
essa proposta?

MEV – Também tenho dúvidas com relação às formas oscilantes, que antigamente eram
marcadas com e sem trema. Aqui voltamos à antiga ortoépia (ou ortoepia) que gramáticos
muito ferrenhos, como Napoleão Mendes de Almeida, relativizavam. Ora, eu pronuncio
“adquirir” com [k] mas ouço muitas pessoas pronunciando com [kw]. Quem faz dessa última
forma não está totalmente errado, pois se trata de uma palavra culta, um latinismo
tardiamente introduzido na língua, mas, novamente, o uso é que determina a pronúncia. A
proposta é simplificadora, sim, mas veja, também gera complicações: o E de “mesa” é fechado
e o E de “meça” é aberto. Se grafamos doravante “meza” e “mesa” resolvemos o caso das
pronúncias representadas por várias letras/ dígrafos, mas não resolvemos o caso das várias
letras (como o E) que têm várias pronúncias. Uma simplificação moderna sobre uma
simplificação antiga. Só com a avaliação de todo o vocabulário português (que é bastante
extenso) saberíamos o impacto dessa reforma, que, como disse, seria precipitada sem o
auxílio de filólogos e linguistas.

TN – Uma das críticas que o senhor Pimentel faz ao Acordo Ortográfico é a de que ele foi
pensado no século passado e, portanto, reflete um mundo antigo. Chega a afirmar que “os
psicólogos e biólogos já constatam que boa parte das crianças de hoje estão nascendo com
um par a mais de cromossomos ativados, o que significa estar a humanidade passando por
verdadeira mutação genética que traz uma visão quântica da realidade, descomunalmente
superior à antiga visão linear a que os adultos ainda estamos condicionados”. E prossegue:
“Hoje o estudante, e qualquer indivíduo, ri de quem aceita regras com exceções. Não faz
sentido perder tempo. Ou o que se lhe ensina é lógico, prático ou não lhe desperta
interesse”. O senhor acha que esse tipo de afirmação pode embasar uma discussão sobre
ortografia?

MEV – Esses apelos à ciência são totalmente absurdos e descabidos. No fundo há o espírito
da tabula rasa atuando. Uma mutação genética só ocorreria se o ser humano estivesse
correndo risco de sobrevivência. Ao que tudo indica, a espécie humana impera no planeta.
Esses argumentos não têm pé na realidade, pois envolvem pressupostos sobrenaturais com os
quais não comungo e lamentaria muito que fossem aceitos para embasar algo que afastaria
com certeza o ideal atual de unificação ortográfica entre os países lusófonos.

TN – Numa das audiências públicas de que participei, houve críticas ao que foi entendido
como falta de sistematização da grafia de palavras que têm o prefixo pré- ou pre-. As críticas
foram dirigidas ao corpus do Vocabulário Ortográfico da ABL, que registra “pré-qualificado”
e “prequestionado”, “preexistente”, “preembrião/pré-embrião”. Segundo os críticos, as
pessoas não têm como saber qual é a grafia correta, já que existe variação de pronúncia. O

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professor Cipro Neto sempre menciona uma aula que deu na Bahia, na qual seus alunos lhe
disseram que, por lá, a pronúncia da palavra “preconceito” é “pré-conceito”. Existe alguma
forma de resolver esse problema de grafia?

MEV – Não, não existe. O pre- vem do latim prae- seja ele pronunciado com vogal aberta ou
fechada. Esse expediente de separar os componentes da palavra para destacá-los
etimologicamente, como nesses exemplos, é algo que ficou em moda na filosofia e começou,
salvo engano, com Heidegger. A consciência de que temos um prefixo aí é variada. Pouca
gente sabe que prestar tem o mesmo prefixo, historicamente falando.

TN – O sr. Pimentel também costuma usar o argumento da inclusão social para defender o
seu projeto. Segundo ele, a complexidade do sistema ortográfico do português cria grandes
dificuldades de ensino e aprendizagem e, na sua nova ortografia, esse problema deixaria de
existir. O senhor acha que ele pode ter razão nisso?

MEV – É o mesmo argumento usado em 1911. De lá para cá, não saberia opinar se houve
avanços ou não nesse sentido por causa da simplificação da ortografia. Aparentemente não foi
só por isso. Os governos tiveram a sua responsabilidade.

TN – Finalmente, o senhor considera oportuna essa discussão sobre o Acordo, capitaneada


pelo prof. Pimentel, que é coordenador do grupo de trabalho técnico da Comissão de
Educação do Senado brasileiro? Segundo o prof. Carlos Faraco, em entrevista a este blog, o
processo de implantação está avançado e envolve muitas instituições e professores
universitários dos oito países signatários do Acordo. Cada país já está elaborando seu
Vocabulário Ortográfico Nacional e todo esse material será reunido no Vocabulário
Ortográfico Comum. O senhor vê alguma possibilidade de Pimentel ter sua proposta
concretizada?

MEV – Eu espero que não. Concordo com o prof. Faraco. Seria uma pena desandar todo esse
processo que tem sido feito por muita gente competente e de maneira séria e equilibrada.

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EVOLUÇÃO

Mattoso Camara Jr. (1999, s.v.):


EVOLUÇÃO– Conjunto de mudanças (v.) que sofre uma língua em sua estrutura interna (v.). o
nome foi adotado nos meados do séc. XIX, a exemplo das ciências naturais, onde «evolução»
significa o crescimento gradual e paulatino de um organismo até atingir a plenitude. Muitos
linguistas rejeitam ou pelo menos evitam o termo, porque na língua não há a rigor um
crescimento, mas apenas mudanças e, muito menos, a marcha para a plenitude. A ilusória
impressão em contrário resulta de uma confusão entre o crescimento em certos aspectos da
cultura (técnicas, pensamento científico, atividade literária) com a língua que serve de veículo
a essa cultura (v.). apesar de tudo, o caráter paulatino e gradual das mudanças, num
encadeamento estreito, é inegável para muitas mudanças na língua e por isso o uso do termo
se justifica, despojada em linguística a sua significação da noção de crescimento ou progresso.
Neste sentido linguístico, particular, a evolução se opõe ao empréstimo, que é uma mudança
proveniente da adoção de elementos provenientes de outra língua distinta (v.
empréstimos).assim, em português, abutre é uma evolução do latim vulture-, mas condor é um
empréstimo a uma língua indígena americana, e de vulture- para abutre há uma série de
mudanças graduais e encadeadas (vultre, bultre, buitre, a (art. fem.) buitre, abuitre, abutre);
em condor a mudanças em português foi a adoção do termo. A evolução, assim entendida, é
logo apreensível nas mudanças fonéticas, mas se estende a todo o sistema da língua (cf.
Camara Jr., 1959, 38). Em lugar do termo, Sapir lançou outro – DERIVA (ing. drift), que assinala
apenas o encadeamento das mudanças numa direção nítida (Sapir, 1954, 165).

DIACRONIA

Mattoso Camara Jr. (1999, s.v.):


DIACRONIA– Termo adotado por Saussure (Saussure, 1922, 177) para designar a transmissão
de uma língua, de geração em geração, através do tempo, sofrendo ela nesse transcurso
mudanças em todos os níveis (v.), cujo conjunto constitui a evolução linguística (v.). o estudo
diacrônico é assim a história interna (v.) da língua. Compreende a gramática histórica (v.), a
semântica histórica (v.) e a história do léxico (v.).
A diacronia da língua portuguesa parte do latim vulgar até nossos dias. Divide-se
convencionalmente emcinco grandes períodos, ou FASES, que se distinguem entre si por um
conjunto de mudanças essenciais: 1ª fase: latim vulgar imperial (até séc. IV); 2ª fase: romanço
lusitânico (v.) (séc. IV – séc. XI); 3ª fase: protoportuguês (séc. X – séc. XI); 4ª fase: português
arcaico (v.) (séc. XII – séc. XV); 5ª fase: português moderno (v.) (séc. XVI em diante). Não se
deve confundir essas divisões convencionais com o que em sincronia se chama um estado
linguístico (v.).

ROMANCO

Mattoso Camara Jr. (1999, s.v.):


ROMANÇO– Termo derivado do latim medieval romancium para designar qualquer língua
românica, em contraste com o latim; ex.: «...texto que se pode fazer em romanço» (i.e., em
português, não em latim) (Vasconcelos, 1926, 14, n.). Assim usa-se romanço como um coletivo
para o conjunto das línguas românicas ou, parcialmente, para uma dessas línguas. Mas aplica-
se de preferência o termo para designar a fase final do latim vulgar imperial, depois do séc. II,
d.C., quando já contrasta com o latim clássico em virtude de profundas inovações (v.
românicas, criações) e se diferencia de região para região na România (v.), como fase

54
preliminar das línguas românicas; daí, falar-se em romance ibérico e, mais particularmente,
romanço português, que se situa entre o séc. V e o séc. IX.
Do conceito de romanço como coletivo para «línguas românicas» chegou-se ao termo
PROTORROMANÇO, para designar os traços fonológicos, morfológicos e sintáticos latinos que
explicam os traços correspondentes nas línguas românicas. É um termo criado estritamente
dentro do comparatismo das línguas românicas (v.), ou gramática comparativa românica;
distingue-se do conceito de latim vulgar (v. latim) por ser uma dedução teórica do método
comparativo, ou PROTOLÍNGUA, e só abrange o que se pode reconstruir pela comparação das
formas e fonemas românicos. Os fatos do latim vulgar que não apresentam reflexo nas línguas
românicas, não entram na configuração do protorromanço; em compensação entram nele
fatos do latim clássico, opostos ao do latim vulgar, documentado, mas que se prolongam em
língua românica pela corrente erudita.

referências
HOUAISS, Antônio, VILLAR, Mauro. 2001.Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de
Janeiro: Objetiva.
GALLISSSON, R. & COSTE, D.1983.Dicionário de didática das línguas. Coimbra: Almedina.
MATTOSO CAMARA JR. Joaquim. 1999.20ª ed. Dicionário de linguística e gramática: referente
à língua portuguesa. Petrópolis: Vozes.
TRASK, R. L. 2008.Dicionário de linguagem e linguística. 2ª ed. [Trad. de Rodolfo Ilari. Rev.
técnica Ingedore Villaça Kock, Thaïs Cristófaro Silva.] São Paulo: Contexto.

55
HIPÓTESES INTERPRETATIVAS DA CONSTITUIÇÃO DO PORTUGUÊS NO BRASIL

• CRIOULIZAÇÃO PRÉVIA

PIDGIN

Houaiss (2001, s.v.):


pidgin/'p"dZ«N/ [ing.] s.m.SLINGlíngua compósita, nascida do contatoentrefalantes de inglês,
francês, espanhol, português etc. comfalantes dos idiomas da Índia, da África e das Américas,
servindo apenascomosegundalínguaparafins limitados, esp. comerciais cf. crioulop.
estávelSLINGaqueleque atingiu algumgrau de desenvolvimentogramatical p.
expandidoSLINGaqueleque atingiu umgrau de desenvolvimentogramaticalsemelhante ao das
demaislínguasnaturaisGRAM pl.: pidgins (ing.) ETIM red. de pidgin English (1876) 'língua
simplificada us. para a comunicaçãoentrepessoas de diferentesnacionalidades', orign.
'inglêscomercial'; pidgin é a pronúncia chinesa da pal. inglesa business

Trask (2008: p.228-229):


pídgin (pidgin) – Uma língua auxiliar criada por pessoas que não têm nenhuma língua
em comum. Muitas e muitas vezes, na história da humanidade, povos que não tinham em
comum uma língua foram atirados juntos num mesmo lugar, e foram obrigados a interagir. Às
vezes, a língua de um dos grupos é aprendida pelo outro e é usada como uma língua franca,
mas, às vezes, acontece uma coisa completamente diferente: palavras de uma ou mais das
línguas dos povos envolvidos são tomadas e alinhavadas numa colcha de retalhos que permite
uma forma bastante rudimentar de comunicação. É nisso que consiste o pídgin. Um pídgin não
é a língua materna de ninguém, e não é de modo algum uma verdadeira língua: não tem uma
gramática reconhecível, é muito limitado naquilo que pode veicular, e diferentes pessoas o
falam de maneiras diferentes. Ainda assim, funciona para objetivos simples, e com frequência
é aprendido por todos na área.
Os pidgins surgem sempre que as condições são favoráveis, e muitos deles foram
criados apenas nos últimos séculos. Alguns foram criados ao longo das costas orientais e
ocidentais da África, para facilitar o comércio entre africanos, europeus e árabes. Muitos
outros foram construídos na América do Norte e no Caribe, sobretudo para permitir que os
escravos africanos falassem entre si e com seus senhores europeus. Outros ainda foram
criados no Extremo Oriente, principalmente para fins de comércio. As plantações de açúcar do
Havaí atraíram trabalhadores de uma dúzia de países da Ásia e do Pacífico, e isso levou à
criação de mais de um pídgin.
Há vários destinos possíveis para um pídgin. Em primeiro lugar, ele pode cair em
desuso. É o que acontece com o pídgin havaiano, hoje completamente suplantado pelo inglês,
a língua de prestígio atual. Em segundo lugar, pode continuar em uso por várias gerações, ou
mesmo por vários séculos, como aconteceu com alguns pidgins da África ocidental. Em
terceiro lugar, pode sofrer uma mudança bem mais impressionante, tornando-se uma língua
materna. Isso acontece quando o pídgin é a única coisa que as crianças de uma comunidade
podem usar com outras crianças. Sempre que isso acontece, as crianças tomam o pídgin e o
transformam numa língua de verdade, fixando e elaborando a gramática, e expandido
amplamente o vocabulário. O resultado é um crioulo, e as crianças que o criam são os
primeiros falantes nativos desse crioulo.
Ver: hipótese do biprograma; crioulo; língua natural

Gallison & Coste (1983: p.560):


Pidgin, s. m.
Falar compósito e veicular, que corresponde a necessidade, geralmente limitadas [sic]
(comerciais, por exemplo) e que resulta de uma combinação de línguas vernáculas com o

56
inglês. Os pidgins são idiomas acessórios e de contacto que não substituem a língua de origem
dos que os falam, mas são usadas em vez desta em determinados tipos de intercâmbios.
Constata-se, entretanto, que certos pidgins chegaram a alargar seu campo para além das
necessidades limitadas que lhes tinham dado origem. Neste aspecto, podem ser considerados
de maior extensão que os sabires com os quais compartilha as principais características:
gramática rudimentar, léxico pouco desenvolvido.
OBSERVAÇÃO: O estudo dos pidgins pode interessar indiretamente à aprendizagem das
línguas estrangeiras. Tem sido objecto de reflexão a possibilidade de haver analogia entre as
gramáticas e os estados de língua transitórios que se observam em indivíduos que aprendem
uma língua, por um lado, e os fenómenos de pidignização, por outro (pidgin é então tomado
num sentido genérico, sem referência particular ao inglês).

CRIOULO

Houaiss (2001, s.v.):


criouloadj.s.m.[...] 8LING diz-se de oucada uma das línguas mistas nascidas do contato de
umidiomaeuropeucomlínguas nativas, ou importadas, e que se tornaram línguas maternas de
certascomunidades socioculturais: crioulos franceses (Haiti, Martinica, Guadalupe), crioulos
ingleses (Jamaica, Estados Unidos), crioulos portugueses (África, Índia, China), crioulos
neerlandeses (Indonésia) [Apesar de freq. serem crioulos geograficamente afastados e
oriundos de famílias linguísticas diferentes, apresentam muitas semelhançasjáque atendem a
necessidades básicas de comunicação.] cf. pidgin, sabir

criouloadj.s.m.LING1 m.q. línguafranca ('língua formada de elementos')


2p.ext.qualquerlínguamista originada do atendimento a necessidadesfundamentais de
comunicação, que ger. possui uma gramática simplificada cf. crioulo e pidgin ETIM fr. sabir
(1852) 'falar compósito mesclado, de árabe, de espanhol, de italiano e de francêsfalado na
África do norte e no Levante', alt. do v. esp. saber; cf.Si ti sabir, ti respondir...nobaléturco do
BurguêsGentil-homem, de Molière

Trask (2008: p.70-71)


crioulo (creole) – Uma língua que deriva de um pídgin. Um pídgin não é uma língua
natural, é apenas um sistema de comunicação rudimentar, alinhavado por pessoas que não
têm uma língua comum. Quando um pídgin se estabelece numa sociedade multilíngue, então
pode muito bem chegar um momento em que aparece uma geração de crianças que dispõem
apenas do pídgin para falar entre si. Nesse caso, quase inevitavelmente, as crianças
transformam o pídgin numa verdadeira língua, completada por um vocabulário amplo e um
rico sistema gramatical. Essa nova língua é um crioulo, e as crianças que o inventaram são os
primeiros falantes nativos desse crioulo. O processo pelo qual se transforma um pídgin em um
crioulo é a crioulização (creolization).
Inúmeros crioulos passaram a existir durante os últimos séculos, frequentemente por
causa da ação dos colonizadores europeus. Falantes de inglês, francês, espanhol, português e
holandês estabeleceram colônias na África, na Ásia e nas Américas, em áreas onde as línguas
locais eram muito diferentes, e em muitos casos os europeus importaram escravos africanos
que falavam uma outra das dezenas de línguas africanas da época. [...]
O Caribe foi uma área particularmente fértil para a criação de crioulos, pois os
europeus e os africanos (e em menor grau os americanos nativos) foram forçados a construir
inúmeros pidgins locais, muitos dos quais sobreviveram, sendo transformados em crioulos.

57
Em determinada época, foi bastante difundida a crença de que todos os crioulos se
teriam originado de um único crioulo ancestral, graças a uma intensa substituição do léxico
(relexificação), mas esta ideia não é mais levada a sério.
Quando um crioulo mantém o contato com a língua de prestigio com base na qual foi
especialmente construído pode sofrer uma significativa descrioulização – uma adaptação que
o aproxima daquela língua padrão prestigiada – e o resultado pode ser um continuum de
crioulos, um leque de variedades que vão desde uma versão do crioulo altamente
conservadora (o basileto) até algo mais ou menos parecido com o modelo prestigiado (o
acroleto), passando por variedades descrioulizadas (os mesoletos).
No final do xéclo XIX, o estudo dos crioulos teve como pioneiros o trinitário-tobagense
John Thomas, o americano Addison Van Name e o alemão Hugo Shuchardt. O assunto nunca
foi propriamente esquecido desde então, mas prosperou sobretudo a partir dos anos 1970, e é
hoje encarado como uma área de investigação importante. Os linguistas que estudam a
mudança linguística que ocorrem em nossos dias descobriram que a crioulização é uma rica
fonte de informações, particularmente no que diz respeito à construção de novos sistemas
gramaticais. As semelhanças notáveis que há entre crioulos, do ponto de vista da gramática,
levaram a propor a hipótese do bioprograma.
Ver: hipótese do bioprograma; pídgin

Gallison & Coste (1983: p.560):


Crioulo, s. m.
Chamam-se crioulos certas espécies de sabirs ou de pidgins que se tornaram, historicamente,
línguas maternas de algumas comunidades. Na sua maior parte, os crioulos (que se encontram
na Ásia, África e América) resultam de contatos entre línguas locais (africanas por exemplo) e
línguas européias (francês, português, inglês, holandês, espanhol) durante períodos em que as
potências coloniais reuniam (para o tráfico e para a escravatura em particular) as populações
locais que, por sua vez, tinham línguas vizinhas mas diversas.
Diferentemente dos sabirs e dos pidgins, os crioulos não são falares acessórios. Alguns têm
hoje um estatuto oficial e tradição escrita.

Os adeptos dessa hipótese defendem a ideia de que o português popular brasileiro


(PPB) apresenta as características das línguas crioulas, como redução de vários tipos, a perda
de pronomes átonos (na morfologia) e a falta de concordância (na sintaxe); na fonologia,
redução de codas. Dentre essas, destacam-se, como argumento para sustentar a tese da
crioulização no PPB, a falta de concordância no SN e no SV, com consequências morfológicas
(como a perda das desinências -s -ste, a da mesóclise, e as substituições de “vós” e “nós”
por, respectivamente, “vocês” e a “gente”, assim como a de formas verbais sintéticas por
construções perifrásticas) e fonológicas (como o apagamento de consoantes em final de
palavras).
Para além de argumentos linguísticos, sustenta essa tese o fato de se terem
transportado para o Brasil um enorme contingente de escravos africanos. Ademais, a
distribuição dos africanos no Brasil não foi uniforme; por exemplo, no Rio de Janeiro havia
mais escravos da etnia kimbundu, enquanto na Bahia a supremacia era de iorubás.
Deve-se levar em conta também que, no século XVII, se deslocaram para o Brasil
fazendeiros de São Tomé, ilha africana de colonização portuguesa onde havia (e ainda há) uma
língua crioula de base portuguesa. Assim, deve-se concluir que no Brasil do século XVII havia
falantes de língua crioula.

58
• TRANSMISSÃO LINGUÍSTICA IRREGULAR (TLI)

Na forma normal como uma língua é adquirida, ao que se denomina transmissão


linguística regular (TLR), a pessoa apreende a língua quando criança – fase ideal para esse
processo –, a partir de sua interação corriqueira com o grupo familiar e social de que faz parte.
Desta maneira, a criança não possui ainda nenhuma outra estrutura linguística internalizada e
é constantemente exposta a dados linguísticos. Assim, a criança assimila a língua de maneira
inconsciente, sem levar em conta que ações normativizadoras (como as da família e da escola)
auxiliam nesse processo.
Diferentemente, na transmissão linguística irregular (TLI), adultos, que já possuem
uma língua materna, devem aprender outra língua, sem, no entanto, terem acesso suficiente a
ela. Esses adultos percebem que devem, por motivos sociais, aprender outra língua, o que
torna esse processo consciente. Pesa o fato de não haver ações normativizadoras nessa
situação, apenas a própria necessidade de se comunicar.
Esse conceito é mais amplo do que o de crioulização, pois engloba tanto a
circunstância em que outra língua emerge do contato linguístico quanto a em que essa
emergência não se configura. Assim, para os adeptos dessa hipótese, só um conceito amplo de
TLI é capaz de interpretar determinados processos históricos em que uma dada língua sofre
alterações significativas em decorrência de seus padrões de uso ao ser assimilada por
contingentes de falantes de outras línguas, sem que isso gere línguas pidgins e crioulas.
No caso da constituição histórica da realidade linguística brasileira, os autores que
defendem essa hipótese acreditam que o contato entre as línguas dos numerosos
contingentes de falantes africanos e indígenas em contato com o português pode ter gerado
diversas crioulizações leves em diferentes períodos de tempo, mas as suas inovações teriam
sido absorvidas e diluídas. Para esses teóricos, não houve no Brasil um crioulo de base
portuguesa estável e amplamente difundido, mas uma crioulização leve, cujos traços podem
ser identificados a partir da análise dos atuais dialetos rurais, preservados em virtude do
distanciamento das comunidades rurais em relação aos grandes centros urbanos. No entanto,
pontuam ainda esses autores que as características desses dialetos rurais se originariam de um
processo mais intenso de TLI que teria afetado o antecedentehistórico desses dialetos.
Nessa perspectiva, maior teria sido o processo de reestruturação gramatical que
caracteriza a TLI, o qual seria marcado duplamente por uma simplificação dos dispositivos
morfossintáticos” e pela recomposição “da estrutura gramatical erodida. Ter-se-ia, então, três
características fundamentais do processo de TLI: (a) perda, ou variação no uso, de morfologia
flexional e palavras gramaticais; (b) alteração dos valores dos parâmetros sintáticos em função
de valores não marcados; e (c) gramaticalização de itens lexicais para preencher as lacunas na
estrutura linguística.

• DERIVA SECULAR

Segundo essa hipótese, o PB é uma espécie de continuação do português arcaico, com


pequenas alterações, haja vista não se ter conseguido até hoje identificar nenhuma
característica do português do Brasil que não tenha um ancestral claro em Portugal.

59
Nessa perspectiva, não se nega a importância da influência africana e indígena para
nossa cultura, mas contato entre línguas no Brasil se limitou a “acelerar tendências já
prefiguradas no sistema linguístico do português.

Síntese parcial do artigo “Três hipóteses e alguns caminhos para melhor compreender o
processo constitutivo do português brasileiro”, de Alex Batista Lins. In:
http://books.scielo.org/id/3fz/pdf/oliveira-9788523208714-14.pdf

60
O PORTUGUÊS QUE CABRAL FALAVA
Ana Maria Martins Machado
Professora de Literatura Portuguesa e Brasileira do Curso Alafa, de preparação de
vestibulandos do Instituto Rio Branco (Itamarati).

O Português que nós falamos, hoje, é mais parecido com o que Cabral falava do que
com o que fala o quintandeiro luso lá do bairro ou o que se fala em Portugal atualmente. Pelo
menos na pronúncia. Segundo testemunhas portuguesas do século XVI, “nós falamos com
grande repouso, como homens assentados”. Isso não corresponde à realidade do falar que se
ouve, hoje em dia, nas ruas de Lisboa ou do Porto. O ritmo lusitano atual, muito mais
apressado, se distingue da calma brasileira ao enunciar as frases, tendo a língua evoluído de
modo um pouco diferente, a esse respeito, em Portugal e no Brasil. No tempo de Cabral, os
portugueses também não trocavam o b pelo v, embora já o fizessem os galegos, habitantes da
Galícia, região ao Norte de Portugal. O e e o o final das palavras eram pronunciados i e u, como
hoje no Brasil, ao dizermos Henriqui e sapatu. Também semelhante à nossa língua atual era a
pronúncia clara das vogais pretônicas, vogais das sílabas anteriores às tônicas. Assim, Cabral
mandou que se cortassem dois troncos e se amarrassem seus pedaços, e não os p'daços, como
diriam hoje os portugueses, para construir uma cruz para a missa. E Caminha observou as
pessoas, e não p'ssoas que viviam na terra recém-descoberta.
Outros textos da época atestam formas como gingiva, milhor, mintiroso, otono,
exprimentar, embaxada e outros, mostrando que as palavras se escrevem de maneira algo
diferente eram assim pronunciadas, como nós pronunciamos até hoje no Brasil. E havia
também outros vocábulos que continuam a existir com essa forma pelo interior da nossa terra,
como despois, alevantar, ajuntar, ou té (em vez de até).
Esses fenômenos podem ser explicados pelo caráter conservador da língua dos povos
colonizados, que querem imitar o idioma da metrópole. Procurava-se cuidar zelosamente das
formas já estabelecidas, rejeitando as inovações, com medo de se falar uma língua diferente
da da corte. E esta, por sua vez, ia mudando mas aqui não se tomava conhecimento disso. A
ausência de escolas, de jornais, de publicações contribuía para esse distanciamento, e a língua
se transmitia oralmente, tendendo a conservar as formas e a pronúncia existentes. Por isso,
nas colônias portuguesas na América, na África e na Ásia, a língua se fixou em moldes
conservadores, sofrendo depois a influência dos nativos ou de povos com quem tivesse
contato íntimo, como os negros no Brasil. De tal modo foram elas se diferenciando – embora
continuem sendo, essencialmente, a mesma língua –, que já no século seguinte o padre
Antônio Vieira observava: “A língua portuguesa tem o avesso e o direito. O direito é como nós
a falamos, e o avesso como falam os naturais.”
Assim, apesar de todas aquelas semelhanças entre a nossa língua e a do século XVI,
estranharíamos se lêssemos nos jornais a seguinte notícia:
“E seguindo o Surveyvor 3 por este céu de longo, decorridas cerca de 64 horas de sua
partida, desceu em dereitura à Lua, a ver se achava alguma abrigada e bom pouso. O qual se
achou no lado ocidental do gran mar a que chamam das Tormentas – que só é oceano no
nome. E a ancoragem foi limpa.
Esta terra parece-me que, da ponta que mais para o sul vimos até a outra ponta que
contra o norte vem de que nós deste pouso houvamos, será tamanha que haverá nela bem
vinte ou vinte e cinco léguas. Traz em algumas partes grandes barreiras. E a terra de cima é
bem chã e macia e muito cheia de pequenos objetos que parecem rochas. Até agora não
pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal ou ferro, nem lha vimos.
Pero as águas são mui raras; desconhecidas. Em tal maneira é granulosa que, querendo-a
aproveitar, perder-se-a nela tudo; por causa das águas que não tem!”
Ora, se o português que Cabral falava era assim tão parecido com o nosso, por que
esta nova “carta de Caminha” tem um sabor tão velho? Porque o idioma evoluiu, foi mudando.
Vimos que há muitos pontos de contato na pronúncia de palavras ou no ritmo da língua. Mas a

61
língua não é só pronúncia e ritmo. Os sons formam palavras. E as palavras constituem o léxico,
que mudou um pouco do século XVI para cá, embora a maioria das palavras permaneça. Os
marinheiros de Cabral falavam com saudade nos requebrados das mulheres e diziam, nas
horas de tempestades marinhas, palavrões que continuam a existir hoje, mas não
compreenderíamos suas interjeições de medo ou surpresa. Não usamos mais as formas
apocopadas (cortadas no final) mui e gran, em vez de muito e grande. Dizemosporém e rosto,
não pero e rostro. Voltamos, não volvemos ou tornamos. As palavras também saem de moda e
muitas continuam a existir em nosso vocabulário, sem sere usadas na linguagem quotidiana.
Porém, as diferenças maiores não estão nas palavras, mas sim na sintaxe, ou seja, na
maneira pela qual as palavras se arrumam nas frases e nelas desempenham suas funções. Uma
das primeiras coisas que observamos em textos antigos é ao grande emprego da coordenação,
comas orações ligadas pela conjunção e. A língua não desenvolvera plenamente a
subordinação, a noção de que há informações principais, complementadas por circunstâncias a
elas subordinadas, que indicam quando, onde, porque, como, apesar de que ou para que a
ação se fez. Por isso, essas e outras conjunções subordinativas eram mais raras. Era muito
maior o emprego do particípio, do gerúndio e do infinitivo, este muitas vezes regido pela
preposição por, com sentido de para (“por não amedrontar aquela gente”). Não mais
começamos períodos com pronomes relativos (o qual, cujo, etc.). O emprego dos tempos
verbais se modificou e dizemos “se fosse perto”, não “se fora perto”, embora continue a existir
a expressão quem me dera!,em que o mais-que-perfeito do indicativo é usado pelo imperfeito
do subjuntivo. Nosso agente da passiva, geralmente, é regido pela preposição por, e não
dizemos “recebido da gente da terra”, mas “pela gente”. Não dizemos ninguém não sabe, mas
entendemos, se alguém disser. E usamos expressões populares do português que Cabral
falava, a toda hora:
__ Você está emagrecendo à olhos vistos. O que é que há?
__ Tenho andado numa roda viva, meu velho.
Enfim, numa boa edição crítica, que explique as dificuldades maiores, ler um autor
antigo é muito mais fácil do que parece. E vale a pena.

62
"Só a partir da segunda metade do século XVIII é que o Brasil pode começar a ser
definido como um espaço de língua dominante portuguesa, devido à conhecida política
linguístico-cultural desenvolvida pelo Marquês de Pombal. A repressão ao uso de línguas
indígenas, sobretudo de base tupi – tronco linguístico mais difundido na área já colonizada –,
desencadeada por essa orientação política, tirou o Brasil de um rumo que poderia tê-lo levado
a ser um país de base linguística majoritariamente indígena.
Os dois séculos e meio de colonização que precederam a decidida política pombalina
recobrem múltiplas situações de contacto linguístico, entre falantes da língua portuguesa e
centenas de línguas autóctones (continuam vivas e em uso, por minorias, é claro, ainda cerca
de 180 delas) e múltiplas línguas africanas, chegadas ao Brasil desde 1538 até à extinção do
tráfico no século XIX." (Rosa Virgínia Mattos e Silva, 1995, " O Português são dois")

São os seguintes os dados históricos relativos à implantação do Português no Brasil: a


língua portuguesa, em sua versão europeia do final do século XV, foi trazida para o território
americano em 1500, quando Cabral aportou no Brasil. Caminha, o escrivão de Cabral, relatou
que foi impossível "haver fala ou entendimento de proveito", por isso trocaram impressões
como mudos, gesticulando.
Datam de 1540 e 1550 as primeiras notícias sobre a língua dos índios, relatadas por
europeus que a aprenderam, transformando-se em "línguas", termo utilizado para designar os
intérpretes para o português.

Os jesuítas tiveram um importante papel nos estudos das línguas indígenas. O Padre
Manuel da Nóbrega incentivou os estudos do tupi, mas nunca pôde aprendê-la, por ser gago.
Numa carta datada de 1549, escreveu

"trabalhamos de saber a língua deles, e nisto o Padre Navarro nos leva vantagem a
todos. Temos determinado de ir viver às aldeias, quando estivermos mais assentados e
seguros e aprender com eles a língua e il-los (sic) doutrinando pouco a pouco.
Trabalhei por tirar em sua língua as orações e algumas práticas de Nosso Senhor e não
posso achar língua (intérprete) que m’o saiba dizer, porque são eles tão brutos que
nem vocábulos têm. Espero de as tirar o melhor que puder com um homem (Diogo
Álvares, o Caramuru), que nesta terra se criou de moço."

Nessa década, falavam-se várias línguas e alguns colonos portugueses aprendiam pelo
convívio, sem lições, o tupi e outras línguas indígenas e as africanas, pois os negros da Guiné já
haviam sido introduzidos no Brasil, como atestam as cartas de Nóbrega.
Destaca-se, entre os jesuítas, o Padre José de Anchieta, que percebeu a existência de
enorme variedade de línguas em função das diferentes nações indígenas existentes.
Confirmando essa diversidade, lemos em Pero de Magalhães Gândavo, 1575:

63
"a língua de que usam, toda pela costa é uma, ainda que em certos vocábulos difere
n’algumas partes, mas não de maneira que deixem uns aos outros de entender, e isto
até altura de vinte e sete graus, que daí por diante há outra gentilidade, de que nós
não temos tanta notícia, que falam já outra língua. Esta de que trato, que é geral pela
costa, é muito branda, e a qualquer nação fácil de tomar". (Pero M. Gandavo, "História
da Província de Santa Cruz" Ed. no Annuario do Brasil, Rio de Janeiro, 1931, p.73.)

Fernão Cardim foi o primeiro a descrever a diversidade de nações e língua:

"em toda esta província há muitas e várias nações de diferentes línguas, porém uma é
a principal que compreende algumas dez nações de índios; estes vivem na costa do
mar, e em uma grande corda do sertão, porém são todos estes de uma só língua, ainda
que em algumas palavras discrepam e esta é a que entendem os portugueses; é fácil, e
elegante, e suave, e copiosa, a dificuldade está em ter muitas composições. (...) Eram
tantos os desta casta que parecia impossível poderem-se extinguir, mas os
portugueses tanto os têm combatido que quase todos são mortos, e lhes têm tal medo
que despovoam a costa e fogem pelo sertão adentro até trezentas ou quatrocentas
léguas." (Do princípio e origem dos índios do Brasil e de seus costumes, adoração e
cerimônias", in Tratado da terra e da gente do Brasil. São Paulo, Companhia Editora
Nacional,1939).

Estes tupi da costa foram, em grande parte, subjugados e aculturados pelos


portugueses; serviram-lhes de guias e aliados na marcha de penetração da terra. De acordo
com os tupi, os portugueses consideravam todos os demais indígenas como "tapuias", que era
o nome para "inimigo" em tupi. A partir daí, criou-se uma dicotomia tupi-tapuia, que ficou
valendo por muito tempo como uma divisão étnica e linguística.
Cardim enumera, então, os de línguas diferentes: os potiguar, os viatã, os tupinambá,
os caeté, e muitos outros grupos, num conjunto de 76 diferentes nações e línguas diferentes,
povos mais selvagens, distintos dos que viviam próximo ao mar. Quanto aos tapuias, dizia que
"não se pode fazer conversão por serem muito andejos e terem muitas e diferentes línguas
dificultosas."(Ob.cit., pp.180-181) Consta ainda de suas anotações a informação de que "os
meninos índios que frequentavam a escola de ler e escrever eram bilingues, falavam sua língua
e o português". (Ob.cit., pp.278-279)
Rosa Virgínia Mattos e Silva (1995), em artigo sobre a sócio-história do português
brasileiro, afirma:

"Sabe-se que no Brasil se usavam para mais de mil línguas autóctones, de vários
grupos linguísticos, no início da colonização. Cálculo recente leva o Prof. Aryon
Rodrigues (1993:91) a propor 1.175 línguas, das quais 85% foram dizimadas no período
colonial, depois e continuam a desaparecer porque isso aconteceu com seus falantes --
dos cinco milhões em 1500, variados culturalmente e linguisticamente em mais de
1500 povos, calculam-se 800.000 indivíduos no final da colonização, talvez 300.000 no
fim do império, cerca de 262.000 hoje, falantes de cerca de 180 línguas."

Anchieta, falando dos costumes do Brasil, confirma a existência de uma língua geral de
origem tupi, que dominou a região do litoral brasileiro do início da colonização até meados do
século XVIII: "todos os da costa que têm uma mesma língua comem carne humana." Em
outra correspondência, deu esta outra informação: "como os padres sacerdotes não
sabiam a língua da terra, serviam os irmãos de intérpretes para as doutrinas e
peregrinações e confissões, ainda dos mestiços, mulheres e filhos dos portugueses,
principalmente nas confissões gerais, para melhor se darem a entender e ficarem

64
satisfeitos." Depreende-se daí que os mestiços, os filhos e mulheres (índias) dos portugueses
precisavam de intérpretes, porque não falavam português. Anchieta foi o primeiro a escrever
nessa língua brasílica, a "Arte da gramática da língua mais usada na costa do Brasil".
Os tupi do litoral, entre a Bahia e o Rio de Janeiro, formavam uma série de tribos
bastante homogêneas, cultural e linguisticamente. Os dialetos que falavam foram aprendidos
pelos brancos, desenvolvendo-se uma língua geral de intercurso, que era fundamentalmente
o dialeto tupinambá, de um dos grupos mais importantes e mais em contacto com os
portugueses. Os missionários jesuítas o estudaram, descreveram normativamente e ensinaram
em tratados gramaticais, para fins especialmente de catequese. Ele servia não só para as
relações com os índios tupi, mas também para os contactos com todos os índios em geral. As
nações não-tupi o aprendiam com relativa facilidade (o que não acontecia com a língua
portuguesa). Assim se estabeleceu a língua geral tupi, ao lado do português, na vida cotidiana
da colônia. Constituiu-se até como língua escrita e literária, pois os missionários traduziam
para ela as orações cristãs e nela compunham hinos religiosos e peças teatrais, semelhantes
aos autos da literatura hispânica. Nessa língua indígena, de intercurso, que os brancos falavam
com desembaraço, o português atuou como superstrato modificando sobretudo a fonologia
tupi, adaptando para o português vogais e consoantes muito diferentes das portuguesas. Em
relação às formas gramaticais, especialmente no verbo, firmaram-se noções de tempo futuro,
de modo subjuntivo e assim por diante. Em contacto com o português, que paralelamente se
radicou na colônia, esse tupi de intercurso atuou como adstrato, pois tratava-se de duas
línguas coexistindo no mesmo território.
O predomínio da língua geral firmou-se com os bandeirantes, pois todos ou quase
todos falavam apenas esta língua, não sabiam o português. A respeito do papel que teve a
língua geral, vale lembrar esta anotação do Padre Antonio Vieira, em carta datada de 12 de
junho de 1694, informando que o uso do tupi foi de tamanha amplitude que sem ele era de
certo modo impossível viver integrado ao meio social ou tirar dele qualquer benefício:

"certo que as famílias dos portugueses e índios de São Paulo estão tão ligadas hoje
umas às outras, que as mulheres e os filhos se criam mística e domesticamente, e a
língua que nas ditas famílias se fala é a dos índios, e a dos portugueses a vão os
meninos aprender à escola." (Obras várias, 1856, pp.239-251)

Já no século XVII, houve um desenvolvimento da mestiçagem étnica, cultural e


linguística, com a tentativa de lusitanização do índio e a indianização do português, e ainda
com a africanização dos índios e brancos, uns assimilando-se aos outros.
O historiador Sérgio Buarque de Holanda, referindo-se ao estreito contacto entre
portugueses e índios, escreveu com muita propriedade: "se é verdade que, sem a presença
fortemente acusada do índio, os portuguesas não poderiam viver no planalto, com ela
não poderiam sobreviver em estado puro. Em outras palavras, teriam de renunciar a
muitos dos seus hábitos hereditários, de suas formas de vida e de convívio, de suas
técnicas, de suas aspirações, e o que é bem significativo, de sua linguagem. E foi, na
realidade, o que aconteceu." (Raízes do Brasil. Rio de Janeiro, Ed. José Olympio, 1948,
pp.189-191)

65
Embora tendo prevalecido sobre as demais línguas aqui postas em contacto, o
português não poderia deixar de sofrer modificações e de receber influências e contribuições.
A influência tupi é mais significativa no vocabulário, conforme se verifica nos exemplos abaixo:

Topônimos: Abaeté, Andaraí, Aracaju, Anhangabaú, Atibaia, Araxá, Baependi, Bagé,


Bauru, Borborema, Butantã, Caçapava, Cabuçu, Caju, Carioca, Catete, Catumbi,
Cambuquira, Gamboa, Guanabara, Guaratiba, Jacarepaguá, Jurujuba, Inhaúma, Irajá,
Icaraí, Itajaí, Maracanã, Pavuna, Pará, Paraná, Paranaguá, Paranaíba, Paraopeba,
Paranapanema, Tijuca, Taubaté, Tamandaré, Tabatinga, Sumaré, etc.

Antropônimos: Araci, Baraúna, Cotegipe, Caminhoá, Guaraciaba, Iracema, Iraci, Jaci,


Juraci, Jurema, Jupira, Jucá, Moema, Piragibe, Sucupira, Ubirajara, Araripe, Sinimbu,
Bartira, Graciema, Inaiá, Irani, Jacira, Jandira, Iara, Oiticica, etc.

Flora: abacaxi, brejaúva, buriti, carnaúba, capim, caruru, cipó, jacarandá, jaboticaba,
peroba, pitanga, canjarana, caroba, jiquitibá, mandioca, aipim, imbuia, ingá, ipê, sapé,
taquara, tiririca, araticum, maracujá, caju, caatinga, etc.

Fauna: araponga, acará, caninana, capivara, coati, curiango, curió, gambá, irara, jacu,
jaburu, jararaca, juriti, lambari, nhambu, mandi, paca, piranha, sabiá, sanhaço,
maitaca, saúva, tamanduá, siriema, tanajura, tatu, urubu, saracura, surubi, sucuri,
sagui, etc.

Usos, Costumes, Crenças, Moléstias: arapuca, jacaá, pari, tipiti, urupema; moqueca,
curau, mirandó; saci, caipora, curupira, cuca; sapiroca, catapora, sapiranga; pororoca,
piracema, carijó, sambanga, sarambê, punga, etc.

Fraseologia: estar ou andar na pindaíba, andar ao uatá ou atá, chorar pitanga, estar à
tocaia ou de tocaia, cair na arataca, estar em arataca, ficar de bubuia, etc.

Aglutinação Fonética: zoreia, zunha, zoio (por as orelhas, as unhas, os olhos), de onde
vêm formações como (= olhar)

A colônia brasileira ganhou um novo elemento desde os princípios do século XVII,


quando, em escala cada vez mais crescente, se desenvolveu o tráfico de negros africanos,
como escravos, para o Brasil, onde se distribuíam pelos grandes latifúndios e pelos centros
urbanos. A importância da presença negra no processo de aculturação observado na colônia se
explica por dois fatores: o primeiro, de caráter geral, decorre do fato de se formar entre o
senhor e o escravo um tipo de convivência mais direta do que aquela até então existente entre
o colonizador e o índio; o segundo, de caráter mais específico, resulta da suposição de que,
sendo os negros originários de colônias portuguesas da África, já teriam contacto com a língua
dos brancos.
Vieram para o Brasil negros das mais variadas nações, pois era política colonial
portuguesa diversificar a composição do elemento africano para dificultar sua unidade e
mantê-los submissos. Havia, portanto diferentes grupos étnicos, com uma grande variedade
de línguas. Eram negros da Guiné, da Costa da Mina, de Angola, de Moçambique, do Congo,
enfim, de muitas partes da África. Num documento, escrito em 1583, há informação de que

66
havia três ou quatro mil escravos da Guiné no meio de três mil vizinhos portugueses e de oito
mil índios cristianizados. (Fernão Cardim, "Narrativa epistolar", in Tratados da terra e da
gente do Brasil, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1939).
Nina Rodrigues, o primeiro a estudar as línguas e dialetos africanos no Brasil, afirmou
que "as línguas africanas faladas no Brasil sofreram para logo grandes alterações, já com a
aprendizagem do português por parte dos escravos, já com a língua africana adotada como
língua geral pelos negros aclimados ou ladinos. (...) De fato, ninguém iria supor que falassem a
mesma língua todos os escravos pretos. (...) Em tais condições tornou-se necessidade
imperiosa para os escravos negros adotar uma língua africana como geral, em que todos se
entendessem." (Nina Rodrigues. Os africanos no Brasil. Companhia Editora Nacional, São
Paulo, 1945, pp.205-248)
Dentre as muitas línguas africanas faladas no Brasil, destacam-se o nagô ou ioruba na
Bahia, e o quimbundo ou congoesa no norte e no sul. A língua nagô, falada como língua geral
na Bahia, foi aprendida por muitos outros escravos para entenderem-se uns com os outros. No
Rio de Janeiro, a grande maioria dos escravos negros era banto, daí o predomínio do
quimbundo, ambundo e outras línguas.
Apesar da insuficiência de informações sobre a procedência muito variada dos negros
brasileiros, sabe-se que os negros da Guiné predominaram na Bahia, enquanto os bantos
preponderaram no Estado do Rio de Janeiro e em Minas Gerais, as regiões de maiores
contingentes negros. Mas os da Guiné possuíam várias línguas e muitos dialetos.

Embora menos acentuadamente, a área do vocabulário também apresenta alguma


influência africana:

Da Língua Nagô: Ogum, Orixá, vatapá, abará, cará, acarajé, afurá, alujá, babalaô,
babalorixá, Exu, orô, Oxum, Xangô, aberém, acassá, afofiê, agogô, etc.

Do Quimbundo: moleque, cachimbo, quitanda, maxixe, samba, molambo, banguê,


banzar, caçula, cafuné, camundongo, canga, carcunda, cochilar, dengue, fubá,
marimbondo, marimba, birimbau, mocambo, muxiba, quitute, senzala, sungar, xingar,
etc.

Desta maneira, à variedade de línguas indígenas, que Vieira denominou babel,


agregou-se a babel das línguas africanas. Diante desta multidão de línguas indígenas e
africanas, o português, para impor-se, usou os mais variados recursos. Uma das primeiras
medidas foi determinar que os índios fossem instruídos em língua portuguesa. Mas os jesuítas,
por conhecerem o tupi (reduzida por eles à língua geral) melhor que os representantes de
outras ordens religiosas e melhor também que os colonos recém-chegados, mantiveram a
barreira línguística como forma de manter seu domínio sobre os índios. Começa desta forma
um período antijesuíta, que teve sérias consequências.
Um marco na imposição do Português como língua dominante no Brasil é a Lei do
Diretório, promulgada pelo Marquês de Pombal, em maio de 1757, durante o governo de D.
João VI. Tinha como um dos principais objetivos impôr a língua portuguesa como língua oficial

67
na região que abrangia os estados de Pará e Maranhão, que soma um terço do atual território
brasileiro. Um dos artigos desse diretório criticava duramente a língua geral, chamando-a de
"invenção verdadeiramente abominável e diabólica"; para acabar com ela, tratou de
estabelecer o uso da língua portuguesa, não consentindo que "meninos e meninas e todos
aqueles índios, que forem capazes de instrução (...) usem língua própria das suas nações, ou da
chamada geral, mas unicamente da portuguesa". (Artigo 6 do Diretório).
Em agosto de 1759, um Alvará renovava a lei do Diretório, datando daí o uso
obrigatório da língua portuguesa, com todo o seu poder unificador, e, em consequência, o
abandono progressivo da língua geral, que, na verdade, já se encontrava restrita, sobretudo
em São Paulo, às comunidades rurais do interior.
Apesar das objeções a essa imposição, quando o Diretório foi abolido, em 1798, a
língua portuguesa já tinha se expandido e sido adotada nas regiões tipicamente tupi do Brasil,
ainda que muitos indivíduos tivessem dificuldade em usá-la.
Resumindo a questão da "vitória" da língua portuguesa no Brasil colonial, pode-se
dizer que, durante três séculos, o português e o tupi, ou língua geral, existiram lado a lado,
influenciando-se reciprocamente e cruzando-se. O tupi era a língua doméstica, familiar e
corrente dos colonos, e o português, a língua oficial, que as crianças, mamelucos e também
filhos de índios aprendiam nas escolas mas não falavam em casa. A realidade linguística era
muito complexa, porque, com o português, conviviam as várias línguas indígenas e as várias
línguas faladas pelos negros no Brasil.
O processo cultural que impôs uma língua vitoriosa sobre as outras não foi fácil, nem
sempre pacífico. Mas aprender a língua portuguesa se tornou quase uma questão de
sobrevivência. Alguns africanos, por exemplo, aprendiam rápido, outros sofriam verdadeiros
processos de adestramento, mas todos, índios e negros, tinham que aprendê-la. A variedade
de tribos indígenas e africanas facilitou a obra portuguesa, que, como foi dito, preferiu, por
medida de segurança, importar grupos dialetais diferentes, que não se entendiam e deviam se
esforçar para buscar na fala portuguesa o meio de comunicar suas necessidades pessoais e
sociais.
A guerra contra os índios e os negros, subjugando-os todos, era também uma guerra
linguística e cultural, que resultava num desentendimento total, numa fragmentação de
culturas e línguas. Acrescente-se a isto o fato de que o português do Brasil e o de Portugal já se
apresentavam em formas desiguais.
A "vitória" real e verdadeira se deu quando, na Assembleia Constituinte de 1823,
representantes de várias províncias brasileiras falaram uns com os outros, notando as
diferenças de prosódia, mas a igualdade da língua que era falada por todos. Era a primeira vez
que brasileiros falavam sua própria língua, a qual se formara competindo com línguas
indígenas e negras, e na qual se notavam variações provenientes dos diferentes grupos do
português falado em regiões diversas. A "vitória" do português dependeu mais de fatores
históricos que linguísticos.

Diversidade e unidade: a aventura linguística do português

"Um rápido diagnóstico demográfico, baseado na síntese recente de Antônio


Houaiss, O português no Brasil (1985), é um argumento que sustenta a afirmativa
anterior: no século XVI, na extensão ocupada do litoral brasileiro, viviam cerca de
trinta mil brancos e mestiços integrados, um ou dois milhões de indígenas (em
rápido processo de decréscimo populacional) e cerca de trinta mil negros (desde a
África, já na viagem, desarticulados de seus grupos de origem, como se sabe, e
por isso sem condições de manter efetivamente vivas as suas línguas de origem);
já no século seguinte, a penetração interiorana avançava, a população branca e

68
mestiça integrada subia para duzentos mil, a indígena ainda era significativa - um
e meio milhão de habitantes - e a negra crescia para quatrocentos mil (HOUAISS,
1985: 44).
O instrumento de intercomunicação verbal principal nesse período histórico -
se pode deduzir teoricamente e dados empíricos da história, embora rarefeitos, o
confirmam - não seria a língua portuguesa, nem nenhuma das línguas africanas
que aqui chegaram, pelo que antes se disse, mas sim uma língua geral de base
indígena, com predomínio certamente da língua geral da costa, certamente
marcada pela versão dos jesuítas missionários.
Sabe-se que não é o português a língua das reduções e missões jesuíticas,
sabe-se que nas fazendas e no ambiente rural em geral (e o que seria urbano
então no Brasil?), na casa dos senhores e dos outros era uma língua, não a
portuguesa transplantada, mas com interferências certamente dela, que se
constituía. De base indígena e com marcas africanas era aceita, entretanto, pelo
poder leigo e da igreja, esta que foi a legitimadora da língua geral para a
catequese e domínio dos indígenas nos primeiros tempos coloniais.
Confluindo no século XVIII, entre outros, fatores demográficos significativos
tais como o avanço da população branca e mestiça integrada (cerca de quinhentos
mil) e alcançando um milhão a população escrava negra, associados à nova
política colonial pombalina, se definiu por aquele século o português como língua
dominante.
Daí por diante a escolarização em português, o processo de urbanização
crescente, a vinda da corte para o Brasil no início do século XIX, entre outros
fatores, definiram a língua portuguesa como língua nacional e oficial, é óbvio que
com suas marcas próprias, devidas não só a um processo natural de mudança
intrínseca a qualquer língua, mas diferentemente marcada do processo de
mudança do português europeu, não só pelas interferências das línguas indígenas
como das línguas africanas que aqui se encontraram com o português."

(SILVA, Rosa Virgínia Mattos e. Diversidade e unidade: a aventura


linguística do português. Curso de história da língua portuguesa. Lisboa,
Universidade Aberta, 1991.)

A língua portuguesa foi levada ao continente africano devido à expansão colonial


portuguesa. Imposta como língua do colonizador em Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique,
Angola, São Tomé e Príncipe, ela conviveu sempre com uma imensa diversidade de línguas
nativas, que servem, efetivamente, como instrumento de comunicação na vida diária. O
português constituiu-se como a língua da administração, do ensino, da imprensa e das relações
com o mundo exterior.
A partir do processo de descolonização que se seguiu à revolução de 25 de abril de
1974, as cinco repúblicas independentes estabeleceram o português como língua oficial, ao
lado das inúmeras línguas tribais, de famílias linguísticas de origem africana. Oficialmente, esse
"português da África" segue a norma europeia, mas no uso oral se distancia cada vez mais,
aproximando-se muito do português falado no Brasil.
Ao lado dessa situação linguística, existem inúmeras línguas crioulas. São o resultado
da simplificação e da reestruturação do português, feitas por populações africanas que a
adotaram por necessidade -- no caso, a questão da escravatura dos negros. Os crioulos

69
portugueses começaram a formar-se desde os primeiros contactos entre portugueses e
africanos, provavelmente no século XV. Apesar de uma base lexical comum, os crioulos
africanos são, hoje, muito diferentes do português na sua organização gramatical.

CARLOS PEREIRA, Eduardo. Gramática histórica. São Paulo. Secção de Obras d’O Estado de São
Paulo, 1919.
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70
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TEYSSIER, Paul. História da língua portuguesa. Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora, 1984.
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Editora da UFBA, 1996.
-------------------------------------------- "A sócio-história do Brasil e a heterogeneidade do português
brasileiro: algumas reflexões". 1995
-------------------------------------------- O Português arcaico - fonologia. São Paulo, Contexto, 1991.
-------------------------------------------- O Português arcaico - morfologia e sintaxe. São
Paulo,Contexto, 1993.
-------------------------------------------- Estruturas trecentistas - elementos para uma gramática do
português arcaico. Lisboa, IN-CM, 1989.
-------------------------------------------- O português são dois. Texto apresentado no Congresso
Internacional sobre o Português. Lisboa, 1994.
-------------------------------------------- Diversidade e unidade: a aventura linguística do português.
Curso de história da língua portuguesa. Lisboa, Universidade Aberta, 1991.
WILLIAMS, Edwin B. Do latim ao português. Rio de Janeiro, Biblioteca Tempo Universitário,
1973.

71
O PORTUGUÊS DO BRASIL
QUESTÕES DE SUBSTRATO, SUPERSTRATO E ADSTRATO
Afrânio da Silva Garcia (UERJ)
INTRODUÇÃO
O objetivo desse trabalho é o de apresentar, de maneira clara e sucinta, o que vêm a
ser substrato, superstrato e adstrato e de que maneira eles influíram no português do Brasil.
Além disso, por achar pertinente, inclui um estudo do substrato, superstrato e adstrato no
português europeu, já que o português chegou ao Brasil já influenciado por eles.
Para efeito de apresentação, dividi meu trabalho em três partes: na primeira,
apresento as definições de Mattoso Câmara Jr., Wilton Cardoso & Celso Cunha, e Martinet,
seguidas de um resumo de tais definições; na segunda, apresento os efeitos do substrato,
superstrato e adstrato no português europeu e, em seguida, procuro resolver a questão a
respeito das influências indígenas e africanas no português do Brasil, se elas seriam uma
influência de substrato ou adstrato e de que maneira se manifestaram essas influências; por
último, apresento as conclusões a que cheguei com meus estudos.
Quanto à importância do meu trabalho, acho-o bastante interessante como um
resumo do que foi escrito a respeito do assunto, ou seja, substrato, superstrato e adstrato,
inclusive com indicações bibliográficas para uma pesquisa mais profunda.
Em relação a sua originalidade, acredito que, apesar do muito que se tem escrito sobre o
assunto, será garantida pela minha visão pessoal do tema e, conseqüentemente, da minha
maneira pessoal de apresentá-lo.

DEFINIÇÕES DE SUBSTRATO, SUPERSTRATO E ADSTRATO


Muito embora a maioria dos lingüistas utilize, hoje em dia, os conceitos de substrato,
superstrato e adstrato, o sentido que eles atribuem a tais termos varia um pouco, o que torna
necessário uma tentativa de definição de tais conceitos, antes de começarmos a lidar com
eles.
Para tal fim, apresento as definições de Mattoso Câmara Jr., de Wilton Cardoso e Celso Cunha
e de Martinet, para depois apresentar uma definição que resuma essas três definições.

A definição de Mattoso Câmara Junior


Mattoso Câmara Junior apresenta, em seu Dicionário de Linguística e Gramática, as
seguintes definições:
a)substrato- nome que se dá à língua de um povo que é abandonada em proveito de
outra que a ela se impõe, geralmente como conseqüência de uma conquista política;
b)superstrato- nome que se dá à língua de um povo conquistador, que a abandona para
adotar a língua do povo vencido;
c)adstrato- toda língua que vigora ao lado de outra (bilingüismo), num território dado, e
que nela interfere como manancial permanente de empréstimos.

A definição de Wilton Cardoso e Celso Cunha


Wilton Cardoso e Celso Cunha, por sua vez, nem chegam a abordar o que seja adstrato.
Eles fazem a seguinte definição:
a) substrato – toda influência que a língua desaparecida imprime no idioma
sobrevivente;
b) superstrato – a influência de outras línguas sobre a primitiva, que todavia se mantém.

72
A definição de Martinet
Martinet não só define adstrato e superstrato, como apresenta duas definições para
substrato:
a) substrato1 – língua que existia numa certa região, mesmo que não tenha influenciado
a língua posterior;
b) substrato2 – língua antiga e, eventualmente, desaparecida que deixou vestígios na
língua que chegou e predominou;
c) superstrato – conjunto de elementos lingüísticos trazidos por uma língua vinda do
exterior que coexistiu algum tempo com a língua local;
d) adstrato – língua que conviveu ou convive em pé de igualdade com a língua local.

Resumo das definições


Como vimos, a definição dos termos substrato, superstrato e adstrato varia bastante,
assim como o que cada autor abrange com cada termo. Assim sendo, o árabe, que Mattoso
classifica como adstrato, é caracterizado como superstrato por W. Cardoso e C. Cunha, os
quais também classificam o grego como exemplo de substrato, além das línguas pré-romanas
apontadas por Mattoso.
Se fizéssemos um resumo das três definições, partindo-se sempre do mais geral,
teríamos:

1) Substrato – língua nativa desaparecida de um povo dominado, que adotou a língua do


dominador;
2) Superstrato – língua nativa de um povo dominador desaparecida, em virtude de este
povo ter adotado a língua do povo dominado;
3) Adstrato – qualquer língua que conviveu ou convive em pé de igualdade (bilingüismo)
com outra língua.

Essa conceituação abrangeria quase todas as influências que a língua portuguesa sofreu
em sua formação, quer como português de Portugal, quer como português do Brasil, ficando
de fora apenas: as palavras de empréstimo às línguas modernas: galicismos, anglicismos,
palavras de origem alemã, italiana, espanhola, russa, húngara, turca, polonesa e asiática; e as
palavras de empréstimo às línguas de cultura: latinismos, helenismos, palavras de origem
hebraica ou sânscrita.

SUBSTRATO, SUPERSTRATO E ADSTRATO NO PORTUGUÊS


Podemos definir as influências de substrato, superstrato e adstrato como pertencentes
a dois tipos: aquelas referentes ao português de Portugal e aquelas referentes ao português do
Brasil. Como o Brasil, após a colonização portuguesa, nunca foi conquistado por nenhuma
outra nação, a questão das influências devidas ao superstrato não se aplica ao português do
Brasil.

Substrato, superstrato e adstrato no português europeu


O substrato do português europeu é constituído pelas línguas ibéricas, anteriores à
conquista romana. São elas:
1) Ibérico – exerceu bem pouca influência, não chegando a mais de trinta palavras. As
mais importantes são: barro, baía, bezerro, balsa, cama, esquerdo, garra, manto e
sapo.

73
2) Celta – sua influência, embora pequena, é bem maior, mas compreende, além do
substrato, palavras de importação recente, como menir, dólmen, druida e bardo, e
palavras incorporadas ao latim antes da conquistada Península Ibérica. As palavras
de origem céltica mais importantes são: bico, cabana, caminho, camisa, carro,
cerveja, gato, gordo, lança, légua, peça e touca.

3) Fenício e púnico – é quase nula a influência do fenício e sua variante dialetal, o púnico
(de Cartago). A única palavra de pura origem fenícia incontestável é barca, enquanto
as palavras de origem púnica são mapa, mata e saco.

3) Grego – embora sejam inúmeras as palavras portuguesas de origem grega, raras são
as que se pode atribuir, sem margem de dúvida, ao período de dominação grega na
Península Ibérica, anterior à conquista romana. São elas: bolsa, cara, corda, calma,
caixa, ermo, governar, golfo e órfão.

O superstrato, representado pelas palavras de origem germânica, introduzidas pelos


visigodos, suevos e vândalos, constitui-se numa influência bem mais acentuada do que aquela
do substrato. São, na maior parte das vezes, palavras ligadas à vida militar e aos costumes
próprios dos germanos, tais como a guerra e o saque. As mais importantes são: acha, arauto,
arreio, agasalho, albergue, anca, aspa, barão, banco, banho, branco, brasa, brandir, dardo,
esgrimir, espiar, elmo, espeto, estaca, estribo, espora, estampar, escarnecer, feudo, fato, feltro,
fralda, fresco, ganso, garbo, guarda, grupo, galardão, guia, lata, lasca, liso, marco, morno, rico,
roupa, roubar, saga, sopa, tirar, trepar, trégua e os pontos cardeais: norte, sul, leste, oeste.
Além das palavras de origem germânica devidas ao superstrato, existem ainda as que já
haviam sido introduzidas no latim à época da conquista romana da Península Ibérica, como
guisa e roca (pré-góticos), harpa, carpa, sabão, burgo, coifa, bando e arenga, assim como
outras, cuja origem se prende não ao germânico, mas ao alemão: nomes de elementos
químicos, talco, obus e valsa.

O adstrato compreenderia, de acordo com a definição final resumida exposta


anteriormente, as seguintes línguas:
1) Árabe – embora tenha ocorrido uma grande influência árabe, ela se limitou quase
que exclusivamente ao vocabulário. As palavras de origem árabe são fáceis de
reconhecer pela presença do artigo invariável al, quer inalterado ou reduzido a a,
quando antes de x, z, c e d: arroz, azeite, açougue e aduana.
Os nomes árabes mais freqüentes relacionam-se a:
a) Plantas: algodão, alecrim, alface, alfafa, alfazema, açafrão, açucena, alcachofra,
benjoim e bolota.
b) Instrumentos variados: alaúde, tambor, alicate, alfanje, algema, aljava, almofariz e
gaita.
c)Ofícios e oficinas: alcaide, alfaiate, alferes, almoxarife, califa, emir; aduana, alcova,
aldeia, armazém, arrabalde e arsenal.
d) Alimentos e bebidas: aletria, acepipe, álcool, almôndega e xarope.
e) Medidas: alqueire, arroba e quintal.

Além dessas temos palavras de significação vária: álcali, alarde, alarido, alcunha,
algazarra, álgebra, azulejo, alvará, almofada, alcatéia, azeviche, azar, cáfila, javali, cifra e zero;
os adjetivos garrido, forro, mesquinho e baldio;uns poucos verbos, como alcatifar; e a
interjeição oxalá(proveniente do árabe “in sha Allah”).

2) Provençal ou occitânico- já que este conviveu longamente com o português, a


influência do provençalou, modernamente, occitânico, pode ser enquadrada como

74
influência do adstrato. Apesar da longa convivência entre o português e a “langue
d'Oc”, no entanto, a presença de palavras de origem Provençal é bem menor do que
seria de se esperar, concentrando-se, basicamente, em vocábulos relacionados com
a vida nas cortes, tais como: alba, balada,bedel, coxim, cadafalso, estandarte,
homenagem, jogral, justa, paliçada, refrão, sirventês, trova, truão, tropel, vassalo e
vianda. Além dessas, temos algumas palavras de uso mais geral, como: alegre, anel,
artilharia, salitre, rouxinol e viagem.

Substrato e adstrato no português do Brasil


A questão que se levanta em relação aos elementos indígenas e africanos no
português de ultramar é se eles seriam um exemplo de substrato, isto é, a língua nativa
desaparecida de um povo dominado, ou de adstrato, ou seja, uma língua que conviveu com
outra em estado de bilinguismo, antes de desaparecer. As evidências indicam ser a segunda
hipótese a mais acertada, uma vez que:
1) Nunca houve um real contato dos colonizadores portugueses com as línguas indígena
ou africana no Brasi1. Havia, isto sim, duas diferentes línguas de intercurso, isto e,
línguas simplificadas para entendimento mútuo entre dois povos de línguas diversas,
que necessitam se comunicar. Por um lado, tínhamos a língua geral, uma versão
simplificada da língua tupi, que era usada pelos brancos e mamelucos (filhos de índia
com branco) em seus contatos com os aborígenes. É importante notar que essa
língua geral já existia muito antes da chegada dos portugueses ao Brasil, sendo usada
pelos índios da tribo tupi como meio de comunicação com as demais tribos de
famílias linguísticas diferentes, que falavam as famosas línguas travadas, de
aprendizado dificílimo. Por outro lado, tínhamos um semicrioulo português, com o
qual os portugueses se comunicavam com os negros escravos e, também, com os
índios e mestiços. Essa comunicação entre brancos e negros através desse
semicrioulo português era facilitada pelo fato de haverem já os negros aprendido tal
português na África, nas possessões portuguesas de onde tinham sido comprados. À
exceção dos padres jesuítas e dos mercadores de escravos e tripulantes de navios
negreiros, praticamente nenhum português entrou em contato direto com qualquer
outra língua que não fosse a língua geral ou o semicrioulo português.
2) Os índios brasileiros, salvo raríssimas exceções,jamais abandonaram sua língua para
adotar a do conquistador; pelo contrário, no começo da colonização, a língua geral
era mais falada do que a portuguesa, devido à grande superioridade numérica dos
mamelucos e índios sobre a população branca.

A língua geral só deixou de ter importância pelo fato de os portugueses terem


chacinado seus falantes, como nos diz Serafim da Silva Neto: “um documento jesuítico nos diz
que as 40 mil almas... estavam reduzidas a 400.”
Os negros também não abandonaram seu português crioulo para aprenderem a língua
portuguesa padrão. O principal motivo disto foi que o Brasil, profundamente escravocrata e
racista, não fornecia qualquer tipo de educação aos negros; a estes, bastava que soubessem o
português crioulo, para que pudessem entender as ordens e cumpri-las.
As evidências aqui apresentadas servem para caracterizar tanto os elementos tupis
como os africanos como influência do adstrato, e não do substrato, no português do Brasil. É
digno de nota o fato de que tanto a língua geral como o semicrioulo português serem línguas
de intercurso, donde seria de se esperar que influenciassem o português da mesma forma; tal
fato, no entanto, não se deu. Enquanto a língua geral teve influência, quase que
exclusivamente, sobre o léxico, a influência do semicrioulo português se exerceu, basicamente,
sobre a morfologia e a fonologia.

75
Influência da língua geral sobre o português do Brasil
Como dissemos, tais influências se verificaram principalmente no léxico, pela
introdução de inúmeras palavras novas. Essas palavras são, geralmente, relacionadas a:
1) Animais – araponga, arara, capivara, curió, cutia, gambá, jibóia, jacaré, jararaca, juriti,
lambari, paca, piranha, quati, sabiá, saúva, tamanduá, tatu e urubu.
2) Plantas – abacaxi, capim, carnaúba, cipó, imbuia, ipê, jabuticaba, jacarandá, jequitibá,
mandioca, peroba, pitanga, sapé, taquara e tiririca.
3) Utensílios – arapuca e jacá.
4) Alimentos – moqueca e pipoca.
5) Fenômenos naturais – piracema e pororoca.
6) Crendices – saci, caipora e curupira.
7) Doenças – catapora

Além disso, cita-se como influência da língua geral o uso de ele(e suas variantes) como
acusativo, ao invés do pronome oblíquo o (e suas variantes), mas o uso de ele como objeto
direto já se manifestava como uma tendência provável de evolução do português antes
mesmo do descobrimento do Brasil.

Influência do semicrioulo português sobre o português do Brasil


A influência do semicrioulo português manifesta-se sobre três níveis de estruturação
da língua, que são:
1) Fonológico – apresentando os seguintes casos:
a) redução de ditongo a vogal: do tô por doutor; isquêro por isqueiro;
b) transformação do lh em iode: muié por mulher; oiá por olhar;
c) assimilação dos grupos consonantais em nasal: tomano por tomando; quano por
quando; tamém por também;
d) queda dorfinal:amôpor amor;muiépor mulher; fazê por fazer;
e) queda do l final: generá por general; papé por papel.

2) Morfofonológico – apresentando os seguintes casos:


a) queda da primeira sílabado verbo estar, como em eu tô:
b) aglutinação fonética, como em zóio por olhos; zunhap or unhas; e zoreia por
orelhas.

3) Morfológico – manifesto por:


a) simplificação da flexão verbal, reduzida a somente duas pessoas, como em:
“eu compro” “tu/você compra” “ele/ela compra”
“nós compra” “vocês compra” “eles/elas compra”
b) queda da flexão de número do determinado, como ocorre em: “as muié” por “as
mulheres”; “esses home” por “esses homens”.

Houve, também, uma influência desse semicrioulo português sobre o léxico, mas
reduzida quase que exclusivamente a coisas típicas africanas, tais como:
a) Religião: macumba, mandinga, candomblé, babalaô e orixá;
b) Comida: tutu, angu, abará, cachaça e vatapá;
c) Instrumentos: agogô, samba, maracatu e ganzá;
d) Doenças: caxumba, calombo, calundu e banzo;
e) Objetos de uso: cachimbo, carimbo, miçanga e tanga;
f) Animais e plantas: camundongo, marimbondo, inhame, chuchu, jiló, maxixe e quiabo;
g) Locais: mocambo, quilombo e senzala;
h) Pessoas e relações pessoais: moleque, mucama, milonga, molambo, muxoxo, quizília
e dengo.

76
É importante ressaltar que muitas das influências desse semicrioulo português, nos
campos morfológico e fonológico, senão todas, já existiam como tendências atuantes ou
possibilidades latentes na língua portuguesa padrão, havendo mesmo certas modificações,
imputadas ao semicrioulo português, que remontam ao latim vulgar. Além disso, mesmo no
léxico, a influência foi pouca, já que muitas das palavras de origem africana existentes no
português já existiam à época do descobrimento do Brasil, como é o caso de inhame.

CONCLUSÃO
Pelo que vimos até o momento, podemos chegar às seguintes conclusões:
1) A influência do substrato no português é de pouca importância, resumindo-se ao
léxico, mesmo assim num número pequeno de palavras.
2) A influência do superstrato, apesar de bem maior, é resumida também ao léxico e
muito especializada, sendo que muitas de suas formas, como garbo, saga, elmo,
arauto, etc., tornaram-se obsoletas ou excessivamente restritas.
3) A influência do adstrato é a mais importante de todas. Com exceção do provençal,
todas as línguas que conviveram com o português, quer em Portugal: o árabe, quer
no Brasil: a língua geral e o semicrioulo português, penetraram bastante no nosso
léxico, sendo que o semicrioulo português serviu, ainda, para detonar certas
potencialidades latentes do português e intensificar o processo de evolução já
existente, de uma maneira muito mais intensa, é claro, nas populações de baixo
nível de escolaridade e instrução.

BIBLIOGRAFIA
CÂMARA JÚNIOR, J. Mattoso.Dicionário de lingüística e gramática. 10ª ed. Petrópolis: Vozes,
1981. p. 42, 227-228 e 230.
------. Dispersos. 2ª ed. Rio de Janeiro : Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1975. p.71-87
------. História e estrutura da língua portuguesa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Padrão, 1919. p. 1-11 e
26-31.
CARDOSO, Wilton e CUNHA, Celso F. da.Estilística e gramáticahistórica;português através de
textos. Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, 1918. p. 133-148 e 238-250.
COUTINHO, Ismael de Lima.Pontos de gramática histórica. 7. ed. rev. Rio de Janeiro: Ao Livro
Técnico, 1982. p. 32-33, 189-191 e 323-341.
SILVA NETO, Serafim da.Introdução ao estudo da língua portuguesano Brasil. Rio de Janeiro:
Presença, 1977. p. 18-209.

77
NOLL, Volker. (2008) O português brasileiro: formação e contrastes. [ed. or. alemã: 1999;
trad. de Mário Eduardo Viaro] São Paulo: Globo.

Reproduzem-se a seguir alguns tópicos dos capítulos 3 (“As peculiaridades do português


brasileiro em contraste com o português europeu”, que, da p. 47 à p. 113, dá os aspectos
sincrônicos do PB, apresentando particularidades diatópicas e diastráticas, e mesmo
diafásicas) e 7 (“A formação das peculiaridades do português brasileiro em comparação com o
português europeu”, que, da p. 219 à p. 259, discute as características do PB à luz da
linguística histórica e descritiva) da obra de Noll.

Fonética e fonologia
Vocalismo
Vogais orais tônicas
1) “O português dispõe de um sistema vocálico de quatro aberturas, dentro do qual
abertura e fechamento são fonologicamente relevantes. Entre as vogais orais, /i/, /e/, /ε/, /ɐ/,
/a/, /ɔ/, /o/, /u/ possuem, no português europeu, um status de fonema.
“Uma diferença com o português brasileiro ocorre com o /ɐ/. Em ambas as variedades,
o /a/ em sílaba tônica é pronunciado aberto ([a]). Seguindo-se-lhe uma nasal ([n ɲm]), conduz
ao fechamento da vogal (pano, banho, cama [ɐ]). Além disso, existe no português europeu
(Portugal central) uma fraca oposição fonológica entre /a/ e /ɐ/, que define a distinção entre
presente e pretérito perfeito do indicativo na primeira pessoa do plural da primeira
conjugação (pres. cantamos [ɐ] vs. pret. perf. cantámos [a]). No português brasileiro ambos
convergem numa única forma <cantamos> [kɐ̃'tɐ̃mus]. As vogais [a] e [ɐ] possuem, no
português brasileiro, o status de alofones. Ao lado disso, deve-se observar que vogais tônicas
em sílaba aberta diante de nasal tendem, no português brasileiro, a submeter-se a uma
nasalização heterossilábica (PB[kɐ̃'tɐ̃mus] ...).” (pp.49-50)
“A falta da oposição fonológica entre [a] e [ɐ] no português brasileiro e a consequente
concordância do presente com o pretérito perfeito na primeira pessoa do plural da primeira
conjugação remonta à situação fônica do português do século XVI, que provavelmente
reconhecia [a] e [ɐ] somente como alofones diante de nasal. ... Teyssier e Azevedo Maia
partem do fato de que a oposição etimologicamente imotivada (cantamos vs. cantámos),
válida somente na língua padrão atuale para a zona central de Portugal, ainda não se havia
estabelecido no século XVI. Nos dialetos setentrionais, ambas as formas se fundem em [a], ao
passo que no Sul a pronúncia é [ɐ].” (p.220)

Vogais orais pretônicas


2) “Quanto às vogais orais em posição pretônica, o português europeu dispõe de sete
fonemas (/i/, /e/, /ε/, /a/, /o/, /ɔ/, /u/), dos quais /e/, /a/, /o/ se reduzem respectivamente a
[ə] ..., [ɐ], [u]. No português brasileiro, a qualidade das vogais tende a ser mantida (/a/ [a], /e/
[e], /o/ [o]). Dessa forma, não ocorre, para o /a/ pretônico, no português brasileiro, a
alternância vocálica motivada pelo acento entre formas verbais rizotônicas e arrizotônicas (PE
fala ['a] – falamos [ɐ'] vs. PB fala ['a] – falamos [a']), assim como a oposição entre a e à.” (p.51)
“A realização distinta das vogais orais em posição pretônica no português europeu e
brasileiro remonta ao desenvolvimento do português europeu no século XVIII. Após a
resolução dos hiatos medievais, o português dispunha, no início do século XVI, de oito vogais
orais (/i/, /e/, /ε/, /ə/, /a/, /o/, /ɔ/, /u/) na posição pretônica. O português brasileiro
simplificou esse sistema para cinco fonemas (/i e a o u/), eliminando as vogais semi-abertas, de

78
modo que /e/ e /o/ nas áreas meridionais são articuladas de modo fechado. A abertura das
pretônicas /e/ [ε], /o/ [ɔ], existente no Norte e no Nordeste, pode ser vista como uma
variante na diminuição do número de vogais pretônicas para cinco fonemas ([i ε a ɔ u]) vs. [i e
a o u]). Dado que, nessa área, se trata meramente de uma tendência de abertura, enquanto na
região meridional o fechamento se apresenta amplamente generalizado, a abertura das
pretônicas parece ser a evolução mais recente.
“A diferença da qualidade vocálica pretônica entre o português europeu e o brasileiro
é comentada em 1767 por Monte Carmelo no Compendio de orthografia. No português
europeu, esboçava-se por volta do final do século XVII um desenvolvimento que, na segunda
metade do século XVIII, já estava completo, reduzindo as pretônicas /e/, /a/, /o/
preponderantemente para [ə] ..., [ɐ], [u].” (p.221)

17) “No sul do Brasil (no Paraná, muito menos em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul),
em São Paulo, no sul de Minas Gerais, no Mato Grosso do Sul, em Mato Grosso, em Rondônia
e em Goiás, ocorre, sobretudo nas áreas rurais e em posição implosiva, uma variante
retroflexa do /r/, que é conhecida como r-caipira.
“Trata-se de uma aproximante, que, como o /r/ em geral, tem uma gama articulatória,
isto é, varia em grau de retroflexão ([rɽɻ]). Para representá-la, adotamos o símbolo [r]. Ela se
parece com o /r/ do inglês americano e é bastante comum no interior de São Paulo (quarto
['kwartu]. ... Além da posição implosiva, o r-caipira pode ocorrer na posição intervocálica e em
clusters.4 ... Além disso, o r-caipira aparece de forma esporádica em outros estados
brasileiros.” (pp. 72-73)
“A variante retroflexa /r/ [r], descrita como r-caipira e encontrada sobretudo no
interior do Estado de São Paulo, no sul de Minas Gerais e no Paraná, é uma inovação do
português brasileiro. Não pode ser associada com o substrato indígena, ... visto que o tupi-
guarani apenas conhece o /r/ apical e o r-caipira tampouco é típico do espanhol de fronteira
do Paraguai.” (p. 237)

A realização de /s/
16) “Uma diferença notável na pronúncia do português brasileiro em relação a europeu se
pauta nas variantes do /s/ implosivo.5 No português europeu, o /s/ antes de consoantes
surdas, bem como no final de palavras, realiza-se como a pré-palatal [ʃ] (visto ['viʃtu], dois
['doịʃ]), antes de consoantes sonoras, pronuncia-se como [ʒ] (mesmo ['meʒmu], os bois
[uʒ_boịʃ]). Refere-se a essa pronúncia como chiado ou chiamento. Em comparação com o
português brasileiro, o chiamento do português europeu chama a atenção sobretudo em final
de palavra. No sintagma, o /s/ antes de vogal tanto no português europeu quanto no
português brasileiro é pronunciado como [z] alveolar (os amigos, PE [uz_ɐ'miγuʃ], PB
[uz_a'migus]).
“No português brasileiro há preponderantemente uma distribuição alofônica entre [s]
e [z], sendo [s] realizado antes de consoantes surdas e em final absoluto e [z] antes de
consoantes sonoras assim como em sintagmas seguidos de vogal. Com isso, [z] assume, no
português brasileiro, as posições que [ʒ] ocupa no português europeu. Essa distribuição de /s/
não abrange, contudo, a totalidade do território linguístico brasileiro. Uma conhecida exceção
é a fala carioca que, como o português europeu, possui um chiamento generalizado, ou seja,
tanto em situação pré-consonantal quanto em final de palavra.

4
Nota do original: “Ferreira Netto (2001: 100) cita praça ['prasa] em Taubaté (SP).”
5
Nota do original: “Implosivo: posição de fim de sílaba, quer antes de consoante, quer em final de
palavra.”

79
“Entre as variedades do português brasileiro, o carioca assume uma posição especial
que se baseia no status do Rio de Janeiro, como ex-capital brasileira. A pronúncia do Rio de
Janeiro foi declarada, no Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada (1938) como norma
da linguagem teatral brasileira. Excetuou-se, no entanto, o chiamento. No Primeiro Congresso
Brasileiro da Língua Falada no Teatro (1958), as duas variedades de /s/ implosivo foram
aceitas, finalmente, para a linguagem teatral. Embora a capital tenha sido substituída por
Brasília, em 1960, a fala carioca ocupa uma posição importante, tanto quanto antes, o que,
sem dúvida, se reflete no tocante à importância da cidade como centro da produção televisiva
e filmográfica. Na pesquisa, a fala da antiga capital costumava ser utilizada como variedade de
contraste com o português europeu. Considerando uma análise equilibrada das variedades do
português brasileiro, isso nem sempre se apresenta como vantajoso.
...
“Portanto, no Brasil, ... pode-se descrever basicamente três constelações de diferentes
distribuições da realização do /s/ implosivo:
“(1) os alofones [s] e [z] nos Estados meridionais (Rio Grande do Sul, Santa Catarina,
Paraná), em São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Goiás.
“(2) uma região intermediária no Nordeste, entre a Bahia e o Maranhão, que usa,
com restrições, [s] e [ʃ] como variantes livres em posição pré-consonantal.
“(3) regiões com chiamento mais ou menos generalizado: o litoral de Santa Catarina,
as cidades de Santos, Rio de Janeiro, Recife (tendencialmente), a Baixada
Cuiabana e a região de Belém, com continuação na área do rio Amazonas.
“Visto que São Paulo e o Sul do Brasil, como também a região intermediária no
Nordeste realizam predominantemente [s] em posição final, é justificada a divisão de [s] : [z],
tipicamente válida e sistematizada para o português brasileiro.” (pp. 62-66)
“A palatalização do /s/ implosivo [ʃ] (chiamento) iniciou no português europeu,
provavelmente, no final do século XVII ‘em grande área do Sul’, o que se refere ao centro e ao
Sul de Portugal.
...
“...A concordância da realização do /s/ no falar carioca e no português europeu (é)
vista como uma relação causal... o chiamento do Rio de Janeiro é uma consequência da
mudança provisória da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808 e a Independência do
Brasil em 1822. ... Em virtude da transferência da Corte, condicionada por pressões políticas da
França, vieram cerca de 15 mil portugueses para a capital do Brasil, ‘para 'relusitanizar' o Rio
de Janeiro’. A explicação ... segue o modelo tradicional da influência de adstrato, ou seja, do
português europeu sobre a fala carioca.
...
“A reflexão ... acerca da ‘dialect imitation’ é relativizada, contudo, já em 1826, quando
se leva em conta a caracterização negativa do português europeu, feita pelo Visconde de
Pedra Branca, no que tange a ‘l'âpreté dans la prononciation’ e ‘l'arrogance des expressions’.6
Sob esse ponto de vista, uma influência de adstrato, motivada pelo prestígio do [ʃ] europeu,
parece menos convincente, uma vez que o prestígio político durou apenas poucos anos até a
independência em 1822.
“O inglês Alexander Caldcleug, que morou no Brasil entre 1821 e 1823, ... (e) que
conhecia bem o Rio de Janeiro, associava o chiamento, por volta de 1823, somente ao
português europeu.
...
“Paranhos da Silva (1879) nega enfaticamente que o /s/ no português brasileiro
corresponda à pronúncia [ʃ]. Não faz referência a nenhum chiamento no Rio de Janeiro, apesar
de se mencionarem regionalismos em outra passagem. ... Paranhos da Silva (1880) volta

6
“a aspereza da pronúncia” e “a arrogância das expressões”.

80
novamente ao tema do chiamento, a pós a descrição de correspondências fonéticas distintas
para o <x> no português brasileiro:
‘... palavras como excesso, excepto, excitar ... que os estrangeiros amigos, ... da
ortografia latina, mas da pronúncia mourisca, leem ech-césso, ech-céto, ech-citar; e
que nós os Brasileiros lemos <<eséso, eséto, esitar>>║Ora, seria uma verdadeira
calamidade para os ouvidos brasileiros que todos esses valores se reduzissem ao
som de chiante mourisca; o qual só pode ter lugar de vez em quando...’
“Depois de descrever a realização alveolar do /s/ como brasileira, Paranhos da Silva
acaba concedendo, sem detalhamento, a possibilidade de uma chiante ‘mourisca’ [ʃ] no
português brasileiro. Provavelmente quer dizer, com isso, que havia uma variante livre
ocasional [ʃ] para o [s] implosivo. De qualquer forma, porém, Paranhos da Silva não teria
caracterizado a alta frequência do [ʃ] como uma ‘calamidade para os ouvidos brasileiros’, se o
chiamento estivesse sido difundido no Rio de Janeiro, então capital do Brasil.
“Leite de Vasconcellos relata, em 1901, a partir de um encontro com um habitante de
São Paulo:
‘J'ai entendu un habitant de São Paulo prononcer l' -s comme dans le sud du
Portugal, c.-à-d., x, ex.: trêx = três, dôix = dois’7
“Para a cidade de São Paulo, o [-ʃ] não é típico. Talvez se tratasse de um falante de
Santos (SP). Surpreende que Leite de Vasconcellos cite essa ocorrência casual no “Dialecte
brésilien” e não mencione uma possível palatalização no Rio de Janeiro. Em 1921, finalmente,
Nascentes, expressando-se diretamente a respeito da pronúncia do Rio de Janeiro, diz:
‘As classes cultas pronunciam o s final, mudando entretanto numa chiante, como
no Sul de Portugal. Há quem atribua esta pronúncia ao influxo português, sem
explicação maior’
“Segundo essa caracterização diastrática, o próprio Rio de Janeiro ainda não possuía,
de maneira evidente, um chiamento generalizado no começo do século XX. Uma influência
preponderante de adstrato lusitano no surgimento do chiamento carioca é, por conseguinte,
rechaçada devido às seguintes razões de história linguística:
“(1) A pronúncia portuguesa foi criticada no começo do século XIX por Pedra Branca
de modo geral e, na sequência, por Paranhos Silva, em especial com relação ao
[ʃ].
“(2) Não existe nenhuma característica fonética do português europeu que tenha
influenciado paralelamente o falar carioca. Isso diz respeito, sobretudo, à
redução das vogais átonas, típicas do português europeu do começo do século
XIX, que permaneceu estranha ao falar carioca.
“(3) O encontro -sc- (descer, nascer) deveria ser realizado como [ʃs], como ocorre no
português europeu, no caso de uma influência de adstrato no falar carioca. No
entanto, pronunciava-se [s] no Rio de Janeiro, assim como em todas as outras
regiões brasileiras que palatalizam.
“(4) No século XIX, não há nenhum testemunho para a palatalização do /s/ no Rio de
Janeiro.
“Os atuais documentos falam a favor de um desenvolvimento gradual da palatalização,
a qual ocorreu possivelmente na segunda metade do século XIX, partindo da alta sociedade e,
de forma evidente, ainda não havia concluído no começo do século XX. Pode-se partir do fato
de que haja, no português brasileiro, uma disposição para o desenvolvimento próprio de um
chiamento mais tardio, em comparação com o português europeu. ...
...

7
“Percebi um habitante de São Paulo pronunciar o -s como no sul de Portugal, ou seja, x, ex.: trêx = três,
dôix = dois”

81
“A constelação geolinguística no Brasil deixa claro ser impossível que uma irradiação
do chiamento possa ter ocorrido a partir do Rio de Janeiro para o resto do país. O
desenvolvimento do chiamento em Belém, no Norte do país, demonstra, por fim, que também
o chiamento no Rio de Janeiro pode ter sido iniciado de maneira independente, sem estar
diretamente associado à presença da Corte portuguesa.” (pp. 229-234)

“Na língua popular brasileira, há ainda uma tendência para a queda do /s/ em final de
palavra (rapaz [ha'paị]), que nas regiões interioranas é bastante difundida.” (p. 66)
“A queda fonética de /s/ na língua popular brasileira é uma particularidade que deve
ser vista no contexto da queda das apócopes consonantais (também ocorre com /r/ e /l/
finais). Assim, observa-se que um contexto sonoro (nasal ou líquida seguinte) incentiva a
queda de /s/ (vamos lá [vɐmu'la]) e também ocorre, como no português europeu, em situação
pré-consonantal, por exemplo, em mesmo ['memu]. Isso encontra paralelo no francês antigo,
que perdeu o /s/ implosivo em contexto sonoro no século XI, enquanto sua queda em
contexto surdo ocorreu apenas no século XIII. As línguas românicas orientais perderam o /s/
final já na Antiguidade. Mas também as línguas românicas ocidentais tendem à perda da
consoante, da mesma forma como ocorreu no francês.” (pp. 234-235)

25) “A formação do plural se restringe, na língua popular brasileira, sobretudo à marcação


da primeira posição no sintagma nominal (as casa# branca#) ... Trata-se, com isso, de um
fenômeno morfológico que não tem ligação com a também popular queda esporádica do /s/
final. A formação defectiva de plural não é, no português brasileiro, aliás, restrita à língua
popular. Também na língua coloquial é possível, numa atmosfera mais amigável, entre falantes
cultos, verificar violações análogas da norma culta. (p.78)
“A limitação da marca de plural à primeira posição (as casa# branca#) na língua
popular brasileira manifesta-se como redução, por economia linguística, de uma marca
morfológica redundante. ... Corresponde ao desmantelamento sucessivo da flexão, típico das
línguas flexionais. Esse desenvolvimento também se consumou no code phonique do francês
(le [lə] bon pain vs. les [le] bons pains).” (p.244)

28) “O fenômeno do português brasileiro mais chamativo no âmbito da sintaxe e mais


discutível com referência ao distanciamento da norma europeia é a posição proclítica dos
pronomes objetos átonos. O português europeu diferencia basicamente as oração principais
afirmativas, com ênclise, das orações subordinadas e das orações negativas, com próclise.
Além disso, a posição proclítica na oração principal do português europeu está associada, por
um lado, a indefinidos introdutores da oração (algo, alguém, algum, cada, mesmo, muito,
pouco, qualquer, tanto, todo, tudo, vários), bem como a advérbios (ainda, bem, já, mal,
sempre, só, talvez, também). ...
“No português brasileiro, a próclise se generalizou da forma mais ampla possível. Isso
diz respeito também ao imperativo e ao gerúndio. Exceções de posição enclítica ocorrem
apenas em contextos oficiais (p. ex., em conferências) e, de preferência, quando o meio escrito
interfere (p. ex., por meio de um manuscrito em questão). Além disso, existem no Brasil, na
língua falada, poucas formas enclíticas cristalizadas. Ocorrem de preferência em conexões com
o reflexivo se (acabou-se ou acabou), mas também no verbo ir-se (vou-me embora vs. vamos
embora). Alguns verbos reflexivos suprimem o pronome, no português brasileiro (PE/PB
formal sente-se vs. PB informal senta). A esses pertencem também casar, deitar, levantar,
sentir, vestir.
“A ênclise permanece restrita, no português brasileiro, à língua escrita e se apoia nesse
meio, primariamente, no uso tradicional. Não corresponde, contudo, de modo algum, a um
uso estabelecido ou a um uso linguístico sentido como natural, ao contrário do que ocorre

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com outros fenômenos, na troca da forma oral para a escrita. Desse modo, identificam-se
quase sempre, na língua escrita, transgressões às normas europeias. Contudo, não se trata, de
modo algum, de casos optativos, mas de identificações básicas para uma ênclise, como mostra
o seguinte título do artigo: ‘A vida se renova na seca no Pantanal’ (Veja, 12/10/1994: 100). Na
língua escrita, mostra-se frequentemente uma maior observância da ênclise como modo de
medir quão oficial é a notícia. Enquanto se favorece basicamente a posição proclítica na
reprodução do discurso direto, imitando, assim, a língua falada, em vários caos, é visível uma
tendência à ênclise em entrevistas com personalidades consideradas, em princípio, muito
sérias (políticos, economistas etc.).
“Ao contrário das regras da gramática europeia, na língua escrita brasileira apenas um
princípio é vigente para a colocação pronominal: o de que a ênclise vale para a primeira
oração:
‘Nunca inicie frase com o pronome oblíquo. Essa forma só poderá ser admitida na linguagem
coloquial (crônicas, principalmente) ou na transcrição de declarações populares: Me deixem
dizer uma coisa. / Lhe pedi socorro, mas ele não ouviu’ (Martins, 1992: 254)
...
“Evitar a primeira posição do pronome objeto átono é obrigatório na língua escrita
brasileira, exceto na reprodução do discurso direto. Isso não diz respeito somente ao início da
frase stricto sensu, mas também à primeira posição após uma pausa na fala (→ colocação de
vírgulas).
‘O tricampeão, por sua vez, casou-se com a socialite brasiliense Viviane Leão, de 25 anos’ (Veja,
27/9/1995: 58)
...
“Basicamente, a posição do pronome no português brasileiro escrito interfere com:
“• o uso oficial das regras, que às vezes pode corresponder à norma europeia. Por
meio disso, ocorrem também ênclises pronominais na língua escrita quando um
sujeito nominal antecede um verbo;
“• o uso d língua falada. Posições proclíticas ‘erradas’ na língua escrita brasileira
encontram sempre uma explicação na língua falada e apontam para a generalização
da próclise;
“• a percepção sintático-estilística do autor, que pode aplicar nuances individuais
sobre a regra da primeira posição. Às vezes, também, ocorrem, no português
brasileiro, casos enclíticos que não condizem com a norma europeia.

“Na posição dos pronomes objetos, resultam-se as seguintes diferenças específicas


entre o português europeu e o brasileiro: com o imperativo, o português brasileiro evita a
ênclise (PE desculpe-me vs. PB me desculpe). Com construções infinitivas, o português
brasileiro falado privilegia a posição antes do infinitivo (PE querem ver-nos / querem-nosver vs.
PE eles querem nos ver). Somente os pronomes da terceira pessoa são pospostos, na
linguagem mais formal, nesse caso (PB quero vê-lo / quero ver ele).
“Na língua escrita portuguesa, a posição enclítica, até o século XVIII, se limita ao fato
de se evitar o pronome numa posição inicial em oração principal afirmativa. Isso corresponde
ainda hoje à regra da língua escrita brasileira.” (p.83-85)
“A atual regra, para o português europeu, é, por conseguinte, o resultado de um
desenvolvimento que conduziu a uma ampliação sistemática da ênclise em orações principais
afirmativas até o século XVIII. ... isso significa que o uso escrito brasileiro não rompe, de forma
alguma, com a tradição do português. Ao contrário, tendo recusado a inovação europeia de
ampliação da ênclise nos séculos XVIII e XIX, o português brasileiro se aproxima mais do uso
linguístico original.
“Como fundamentação para a ampliação da ênclise no português europeu, referiu-se à
redução das vogais átonos ocorrida no século XVIII (cf. me [mə], te, lhe, o [u], a [ɐ]). Isso pode,
contudo, não ter sido decisivo, pois o galego também ampliou a ênclise em orações

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afirmativas, sem que tivesse ocorrido uma redução das vogais átonas. Com a generalização da
próclise na língua falada, o português brasileiro segue o desenvolvimento comum das línguas
românicas.” (p.248-249)

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QUESTIONÁRIO
1ª parte: O vocalismo
1) Como é o sistema das vogais no latim, no que diz respeito aos seus traços distintivos, e
como foi o desenvolvimento desses traços?
2) A vogal portuguesa /e/ é oriunda de que sons latinos? E a vogal /ɛ/?
Responda essa questão observando as seguintes palavras: lat. saeculu >port. século; lat.
poena> port. pena; lat. pĕtra> port. pedra; lat. cĭrca > port. cerca; lat. debēre> port. dever.
Aproveite para discutir a relação entre duração e abertura das vogais médias.
3) A vogal portuguesa /o/ veio, em geral, da vogal latina o longo, e a vogal portuguesa
/ɔ/, da latina o breve. No entanto, nem sempre essa evolução foi respeitada, como o
lat. nŏvu, que derivou o port. novo. Explique o motivo de essa palavra não ter seguido
a tendência geral da evolução do latim ao português.
4) Com a queda das consoantes sonoras intervocálicas, criaram-se muitos hiatos na
língua. Esses hiatos, no entanto, não se adaptavam ao espírito da língua e foram sendo
desfeitos ao longo do tempo. Quais as maneiras que a língua encontrou para desfazer
esses hiatos.
Responda a questão observando as seguintes palavras: lana>lã.ã>lã; avena>ave.a>aveia;
vinu>vĩ.u>vinho; caelu > ce.o > céu.
5) Qual o condicionamento linguístico para a queda das seguintes vogais: lat. pulĭca>
port. pulga; lat. opĕra> port. obra?
6) Explique por que a vogal inicial da palavra latina acume- caiu em seu desenvolvimento
para a palavra portuguesa gume.
7) Explique a lenização, a partir dos seguintes dados: flamma- >chama; lupu- >lobo.
8) Explique o condicionante que fez com que o a lateral alveolar [l] se desenvolve na
lateral palatal [ʎ] na evolução do latim filiu- ao português filho.

2ª parte: O consonantismo

9) Confrontando o quadro das consoantes latinas com o das portuguesas, percebemos


que esse último apresenta um maior número de consoantes e que é mais equilibrado.
Explique qual o processo fundamental para o acréscimo de novas consoantes e em que
consta esse maior equilíbrio.
Responda a segunda parte dessa questão levando em conta os seguintes dados: facere
/fakere/ >fazer /fazex/; regere /regere/ >reger /re er/; fi.li.u>fi.liu>filho;
te.ne.o>te.nio>tenho.

10) Na evolução do latim ao português, o que acontece com as consoantes sonoras


intervocálicas, com as consoantes surdas intervocálicas e com as consoantes
geminadas? Aproveite para determinar qual a tendência geral determinante para
esses fenômenos.
Responda a segunda parte dessa questão levando em conta os seguintes dados:vidi>
ma.gis>mais; lupu- >lobo; flamma- >chama.

11) Explique as três assimilações que se percebem para a transformação de [k] em [z] na
palavra latina facere /fakere/ > port. fazer /fazex/?
12) Explique o condicionante que fez com que o a lateral alveolar [l] se desenvolve na
lateral palatal [ʎ] na evolução do latim filiu- ao português filho.

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3ª parte: A morfologia histórica – os nomes e o verbo

13) Explique o fato histórico que confere à palavra portuguesa lenha a noção de
coletidade.
14) Explique, a partir de dados históricos, por que atualmente há a possibilidade da
mesóclise – colocação de pronomes átonos entre o radical e as desinências verbais das
formas verbais de futuro do presente e futuro do pretérito – no português
contemporâneo. Para tanto, baseie-se no corpus a seguir:

amare habeo>amare a(b)eo >amare aio >amare ei(o)>amarei;


amare habebam>amare a(b)e(b)a(m)>amare aea>amare ea>amare ia>amaria

4ª parte: o português no Brasil


15) Apresente, sucintamente, as três hipóteses interpretativas do Português brasileiro.
16) Explique por que o fenômeno da XXXXX é um conservadorismo do PB, apesar de ele
ter se alterado do século XVI para cá.
17) Dê quatro motivos pelos quais não se deve considerar o chiamento carioca como uma
consequência da vinda da corte portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808.
18) Apresente outros dois fenômenos fonético-fonológicos (distintos dos já discutidos nas
questões 11 e 12) que sejam mais conservadores no PB do que no PE.
19) Apresente outros dois fenômenos que sejam mais inovadores no PB do que no PE.
20) Explique por que se considera que a atual colocação de pronomes átonos no PB, em
que se prefere a próclise do que a ênclise, é conservadora.
21) Explique por que a articulação pré-palatal do -s final de sílaba é um conservadorismo
do PB em regiões como Rio de Janeiro, Santos, Recife, Belém e Baixada Cuiabana.

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