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HISTÓRIA INTERNA DO LATIM

Aspectos gramaticais:
mudanças sonoras
Antes de iniciar o estudo da evolução das
palavras, observe alguns sinais gráficos
que são usados em gramática histórica:

> este sinal é usado para indicar que uma


palavra passou de uma língua para outra,
no nosso caso, do latim ao português.
Exemplo:
computare > comptare > contar
* o asterisco colocado antes de uma palavra
significa que ela não está documentada. Usa-
se para indicar palavras hipotéticas ou aquelas
que não estão dicionarizadas, que não fazem
parte da língua culta. Exemplo:
claro > *craro; mulher > *muié

 a flecha indica um processo de derivação de


palavra dentro da mesma língua. Exemplo:
rapaz  rapaziada
O português herdou o alfabeto do
latim e conservou a pronúncia de
grande parte das letras latinas,
exceto algumas, como veremos a
seguir.
No latim, considera-se que há três
pronúncias, das quais a mais tardia
e mais popular foi a que continuou
nas línguas românicas.
Pronúncia clássica, ou restaurada

Foi reconstituída através de


pesquisas fonéticas e teria sido
usada pelas elites de Roma, no
período clássico (106 - 43 a. C.).
Hoje, é usada nas academias e
nos congressos de estudos
clássicos.
Apresenta as seguintes características:

-Vogais em geral pronunciam-se abertas,


mesmo quando seguidas de consoantes
nasais: campus = [kámpuss]; semper =
[sémper]
-O ditongo AE pronuncia-se ái: Caesar =
[Káissar]; caelum = [káilum]
-O ditongo OE pronuncia-se ôi: poena =
[pôina]
-O J tem som de i: justus = [iustuss]
-O V tem sempre valor de u: victor =
[uíctor]; vita = [uita]
-O Y tem som de i labilizado (como em
francês): lyra = [liira]
7) O C tem sempre som de k: Cicero
= [Kíkero]
8) O CH soa como k: chorda =
[korda]; schola = [skola]
9) O G tem sempre som de g: pagina
= [páguina]; germen = [guérmen]
10) O H é levemente aspirado (como
em inglês)
11) O S intervocálico soa sempre
surdo: casa: = [cassa]
12) O grupo PH soa como f: philosophia =
[filossofia]
13) No grupo GN pronunciam-se ambas
as letras: agnus = [ág-nuss]
14) TI pronuncia-se linguodental (como em
italiano): titulus [títuluss]
15) X soa sempre como KS: maximus =
[máksimuss]
16) Também o C duplo seguido de E ou de
I pronuncia-se como ks: accentus =
[akséntuss]
Pronúncia romana, ou
eclesiástica (da ecclesia =
igreja)
- É usada nos cânticos
religiosos e bastante
conhecida; foi difundida pela
Igreja católica de Roma, por
isso é italianizada:
1) CE e CI soam tche e tchi: CAELUM =
[tchélum]; CICERO = [tchítchero]
2) GE e GI soam dje e dji: GEORGICAE
= [djeórdjike]
3) GN soa nh: AGNUS = [anhus]
4) O J continua como i: JURO = [iuro]
5) O S final continua forte: FLORES =
[floress]
6) O Z soa dz: ZELUS = [dzéluss]
Pronúncia tradicional, regional
(em que cada país segue o
sistema sonoro da própria língua)
É usada pelos magistrados e
pelos estudiosos do latim em
geral. No Brasil, assemelha-se
muito à do português, com poucas
exceções:
1) As vogais e consoantes finais são
pronunciadas claramente.
2) O c tem som de ss diante de e e de i:
Cicero; cena = [ssíssero, ssena > ceia]
3) O g tem som de j antes de e e de i:
pagina = [pájina]
4) A sílaba ti, precedida de vogal, tem
som de ssi: oratione = [orassione]; só
conserva o som de ti quando precedida
de s, t e x: ostium, Attius, mixtio
5) O u maiúsculo é igual ao v e é
pronunciado como consoante: Victoria
6) O ditongo ae pronuncia-se é: caelum
= [ssélum > céu]
7) O ditongo oe pronuncia-se ê: poena
= [pêna > pena]
8) O y tem som normal de i
9) O j se consonantiza (iam > já)
10) O m e o n podem nasalizar as
vogais precedentes
11) O s intervocálico se sonoriza [z]
QUANTIDADE E ACENTUAÇÃO

As vogais latinas podem ser breves ou


longas (levam o dobro de tempo das
breves para serem pronunciadas).
Essa propriedade das vogais
denomina-se QUANTIDADE
(duração).
Diacronia [evolução] de processos fonéticos:

Ditongação
Os ditongos da língua portuguesa são latinos ou
românicos, conforme remontam ao latim ou só
aparecem na época de formação dos romanços.
A tendência dos ditongos serem reduzidos a
simples vogais começa com os falantes do latim
vulgar, em formas como: CAESAR > CESAR;
POENA > PENA; CLAUDIUS > CLODIUS.
Destes ditongos: ae (pretônico) passa para i
ou e:
aequale > igual; aetate > idade;
laetitia > lediça (arcaico) e Letícia;
aestivu > estio;
aestimare > esmar (arc.) e estimar.
ae (tônico) passa para é: caelu > céu;
caecu > cego;
praesto > presto;
quaerit > quer;
faeces > fezes.
ai passa para ei:
Na última fase de uso do latim vulgar, surge o
ditongo ai, que dá ei em português. Esta mudança
teria se dado no séc. IX: *amai > amei, *hai > hei.
A perda do -o da forma *haio se explica pelo
frequente emprego proclítico deste verbo, quando
auxiliar. (haio amar > hei de amar; amar haio >
amarei)
O ai de laicu > leigo constituía em um hiato, o que
explica a sonorização: c > g.
Este ditongo pode ter se originado da queda de
fonema medial:
probavi > probai > provei, habeo > *haio > hei;
Ou pode ter provindo da transposição do -i- para a
sílaba anterior:
area > aira > eira; basiu > *baijo > beijo, (caseu >
casiu > caijo > queijo, primariu > *primairo >
primeiro;
Ou pode ter resultado da vocalização do c antes de t
e s: lacte > *laite > leite; laxare > *laixar > leixar
(port. arc.). Nas formas capiam > caiba e sapiam >
saiba não se deu a modificação do ditongo, porque a
transposição teria ocorrido em época tardia. Há
exemplos de ai > ei em documentos portugueses
desde o século IX.
au passa para ou: thesauru > tesouro, tauru > touro,
paucu > pouco, causa > cousa, lauru > louro, auru
> ouro, raucu > rouco, pausare > pousar.
Desde o Império, por influência dialetal, este ditongo
tendia a ser transformado em o, na língua da plebe:
paupere > *popere > pobre, auricula > oric(u)la >
orelha; fauce > *foce > foz; cauda > coda > coa
(arc.), laudat > *lodat > loa. No princípio de palavra,
quando átono, este ditongo perde o -u- por
dissimilação, no latim vulgar, caso a sílaba tônica
seguinte contenha a vogal u: augustu > agustu >
agosto, auguriu > *aguriu > agoiro, auscultare >
ascultare > ascuitar e escuitar (arcs.) > escutar.
O ditongo au pode ainda:
a) provir da queda de fonema medial: amavit >
amaut > amou, vado > vao > *vau > vou;
b) b) originar-se da transposição do -u- para a
sílaba anterior: habui > hauve > houve, cepi >
capui > *caube > coube, sapui > *saube >
soube;
c) c) resultar da vocalização do l antes de c, p, t:
falce > *fauce > fouce e foice, palpare >
*paupar > poupar, alt(e)ru > *autro > outro.
O ditongo eu passa para o na linguagem popular:
Eusebiu > Osébio, Eulalia > Olália ou Olalha,
Eugenio > Ogênio.
Em leuca > légua houve transposição da vogal.
Esse ditongo ocorre em um número reduzido de
palavras latinas.

O português possui um número muito maior de


ditongos do que o latim. Vejamos algumas razões
para esta mudança:
CAUSAS DA DITONGAÇÃO
a) A síncope ou queda de fonema medial:
malu > mau, palu > pau, lege > lei, vadit >
vai.
b) A vocalização ou transformação de
consoante em vogal, em certos grupos
consonantais: alt(e)ru > *autru > outro, factu
> *faito > feito, conceptu > conceito, absentia
> ausência, regnu > reino, calce > *cauce >
couce ou coice.
c) A metátese ou transposição de fonema: primariu >
primairo > primeiro, librariu > *livrairo > livreiro,
ferrariu > *ferrairo > ferreiro, denariu > *d~inairo >
dinheiro, op(e)rariu > *obrairo > obreiro. Em todos
estes exemplos, em que a transposição do i é antiga,
ai deu regularmente ei. Em caso contrário, quando se
operou em época mais recente, ai não se modificou:
rabie > rabia > ravia > raiva, capiam > cabia >
caiba, sapiam > sabia > saiba, apiu > aipo.
d) A epêntese [inclusão] de uma vogal para desfazer
o hiato: credo > creo > creio, tela > tea > teia, frenu
> fre~o (arc.) > freo > freio.
Das palavras latinas terminadas em –tione, cuja
pronúncia da sílaba ti precedida de vogal tinha
o som de ssi, originaram-se as nossas palavras
terminadas em –ção:
actione > ação;
emotione > emoção;
oratione > oração.
A terminação –one vai resultar no ditongo nasal
“ão”: passione > paixão;
reunione > reunião.
DIACRONIA DOS HIATOS
No latim popular, encontram-se exemplos de hiatos
que são desfeitos: parietem > paretem; cohortem >
cortem; quietus > quetus; antiquus > anticus;
quattuor > quattor.
A língua portuguesa, que é a continuidade do
latim falado, também manifesta uma forte
tendência para evitar os hiatos. Esse processo
teria começado no século XIII. No Cancioneiro
Geral (1516), a fusão de vogais é um fato comum.
Desfaz-se o hiato:
a) pela crase (fusão) de vogais
originariamente iguais: teer > ter,
leer > ler, seer > ser; ou que se
tornaram tais por assimilação:
escaecer > esquecer, paomba >
pomba, maestre > mestre;
b) pela absorção de uma vogal por consoante da
mesma natureza sonora: angeo > anjo, rigeo > rijo;

c) pela ditongação proveniente de um -i-


introduzido antes da átona final: cea > ceia; fea >
feia, tea > teia;
[Andréa > Andréia; Cléa > Cléia...]

d) pelo desenvolvimento do som palatal de


transição -nh-: m~ia > minha, v~io > vinho.
Cada uma das línguas românicas formou seu
sistema sonoro, às vezes mais próximo, às vezes
mais distante do latim. Vimos aqui, brevemente, o
que ocorreu com a língua portuguesa. Para ampliar
seus conhecimentos, indicamos a leitura dos
seguintes textos da nossa bibliografia:

ILARI, Rodolfo. Características fonológicas do


latim vulgar, p. 72-77 do livro Linguística
românica.
NASCENTES, Antenor. Fonética, p. 29-45,
Elementos de filologia românica.

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