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PERIODIZAÇÃO DA EVOLUÇÃO DA ORTOGRAFIA

PORTUGUESA

      A história da ortografia portuguesa divide-se em três períodos distintos:


FONÉTICO, PSEUDO-ETIMOLÓGICO e SIMPLIFICADO.

      1. PERÍODO FONÉTICO

      Este período inicia-se com os primeiros documentos redigidos em português e


termina no século XV.

      A escrita neste período caracteriza-se pela forte tendência para ortografar as
palavras tal qual eram pronunciadas: honrra; ezame; etc. Porém, a ausência de uma
normalização ortográfica conduzia a uma variação na representação dos sons da
linguagem falada. O som /i/, por exemplo, era representado ora por i ora por y; a
nasalalização realizava-se através do m ou do n o do til (bem, ben, b~e), etc.

      Por outro lado, a ortografia não acompanhou a evolução que se operava no oral,
conservando-se palavras como "ler" e "ter" grafadas com vogal dupla: «leer», «teer>.

      2. PERÍODO PSEUDO-ETIMOLÓGICO

      Inicia-se no século XVI e prolonga-se até 1911, ano em que é decretada a reforma
ortográfica, fundada nos preceitos da gramática de Gonçalves Viana, publicada em
1904.

      Com a chegada do Renascimento e a admiração dos humanistas pela cultura


clássica, motivou uma atenção particular para o Latim. Esta atitude levou a que os
eruditos aproximassem o mais possível a língua portuguesa à sua língua-mãe. Este facto
provocou o abandono da simplicidade da representação fonética e deu lugar a uma
escrita com base etimológica. Assim, começámos a assistir ao aparecimento de grafias
como fecto (feito), regno (reino), etc.; a um frequente emprego de consoantes duplas
(metter, fallar, etc); à ocorrência dos grupos dígrafos PH, CH, TH e RH (pharmacia,
lythografia, Matheus, Achiçles, etc.).

      Por outro lado, o pretensiosismo, aliado a uma certa ignorância, levou à prática de
exageros. Entre outros casos, deixamos como exmplo o seguinte: introduziram-se letras
que não eram pronunciadas, como esculptura; astma; character; etc.; o y passou a
figurar em muitos vocábulos, como lythografia, typoia, lyrio, etc..

      No fundo, o que se pretendia era transformar a escrita em etimológica, mas a


ignorância não permitiu que tal se realizasse total e plenamente. Daí o nome "Pseudo-
Etimológico". Segundo J. J. Nunes «por este processo recuavam-se bastante séculos,
fazendo ressurgir o que era remoto, e punha-se de lado a história do nosso idioma...»

      Mas não se pense que os critérios ortográficos, no decorrer deste longo período,
foram aceites de forma pacífica. Aliás, cedo as reacções ganharam eco. Em 1576,
Duarte Nunes de Leão, um dos primeiros gramáticos portugueses, critica a pseudo-
etimologia. Tal reprovação surge, em 1633, por Álvaro Ferreira Vera, na sua
"Ortographia ou arte para escrever certo na lingua portuguesa". Já no século XVIII, D.
Francisco Manuel de Melo (pelo menos em uma das suas obras: "Segundas Três Musas
do Melodino) opta por uma ortografia simplificada, pondo praticamente de lado o uso
de consoantes dobradas, grafando f em vez de ph, e substituindo o dígrafo ch, com o
som de /k/ por qu (farmacia - pharmacia; Aquiles - Achiles).

      No século XVIII, Luís António Verney, com "O verdadeiro método de estudar",
não só propunha uma ortografia simplificada, como, usando precisamente essa mesma
ortografia, fazia desta sua obra um exemplo a seguir.

      Apesar disso, o que acontecia na quase totalidade dos escritos, sobretudo a partir da
publicação, em 1734, da "Ortografia ou arte de escrever e pronunciar com acerto a
lingua portugueza", de João Madureyra Feijó, era o recurso à grafia mais complexa.

      Em relação aos acentos, o seu uso era muito restrito e o seu emprego não obedecia
às regras de hoje.

      Nos inícios do século XIX, Almeida Garrett apresentava-se como defensor de uma
escrita simplificada e insurgia-se contra a ausência de uma norma regularizadora da
ortografia. E, seguindo este mesmo espírito, muitos outros, entre os quais Castilho,
ergueram a sua voz em defesa de uma reforma ortográfica.

      Todavia, e tal como acontecera com os adeptos da grafia etimológica, também a


'febre' de simplificação da ortografia levou a que se cometessem numerosos disparates e
a que, em finais do século XIX se assistisse a uma ortografia quase anárquica (cada um
seguia o que se lhe afigurava mais adequado).

      3. PERÍODO SIMPLIFICADO

      Desde a Ortografia Nacional até aos nossos dias.

      Com vista a normalizar os documentos oficiais, o Governo nomeou uma comissão


para estabelecer uma normalização da ortografia. Esta limitara-se a seguir e oficilizar as
propostas defendidas por Gonçalves Viana, em 1907.

      A reforma de Gonçalves Viana prescrevia:

      a) «Proscrição absoluta e incondicional de todos os símbolos da etimologia grega:


th,ph, ch (=>K), rh e Y;

      b) Redução das consoantes dobradas a singelas, com excepção de RR e SS,


mediais, que têm valores peculiares;

      c) Eliminação das consoantes nulas, quando não influem na pronúncia da vogal que
as precede;

      d) Regularização da acentuação gráfica.»

      Esta reforma foi tornada obrigatória em 1911.


      Em 1911, as Academias de Letras do Brasil e de Ciências de Lisboa, celebraram um
acordo ortográfico, com vista a solucionar divergências ortográficas entre o português
de Portugal e o português do Brasil.

      Em 1943, os dois países tentam um novo entendimento, de onde resultou o Pequeno
Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, redigido pela Academia de Letras do
Brasil.

      Este Vocabulário serviu de referência até aos nossos dias, e impunha como regras o
seguinte:

      A. Emprego do H:

      O H não tem valor fonético na língua portuguesa, como já o não tinha no Latim. Só
se emprega como inicial quando a etimologia o exige:

                  hoje,
                  haver,
                  hélice;
                  etc.

      Como medial, só se emprega nos dígrafos:

      __ CH, LH e NH:

                  ;mancha,
                  malha,
                  vinho,
                  etc.

      __ e nos compostos unidos por hífen, nos casos em que o segundo elemento é
iniciado por H:

                  pré-história;
                  super-homem;
                  etc.

      B. Emprego do CH:

      O digrama CH, inexistente em Latim, é o resultado da evolução fonética dos grupos
consonantais latinos PL, CL e FL:

                  pluvia > chuva;


                  masclu > macho;
                  afflare > achar;
                  etc.

      C. Emprego do X:

      O X português corresponde:


      a) ao X latino:

                  coxu > coxo;


                  laxare > deixar;
                  examen > exame;
                  exaguare > enxaguar;
                  etc.

      b) à palatalização do S em grupos como SSI ou SCE:

                  passione > paixão;


                  russeu; > roxo;
                  pisce > peixe;
                  miscere > mexer;
                  etc.

      D. Distinção entre S e Z:

      __ Escreve-se com S:

      a) Quando a letra S portuguesa corresponde a um S latino:

                  mensa > mesa;


                  rosa > rosa:

      b) nos sufixos -ESA e -ISA, quando referidos a títulos nobiliárquicos e a profissões:

                  princesa;
                  poetisa
                  etc.

      __ Escreve-se com Z:

      a) Nos casos em que o Z resulta da evolução dos grupos TI, CI e CE latinos:

ratione > razão;

vicinu > vizinho;

feroce > feroz; etc.

      b) Nos substantivos abstractos derivados de adjectivos qualificativos: beleza,


pobreza, robustez, altivez, etc.

      c) No sufixo -IZAR de origem grega: organizar, civilizar, e seus derivados:


organização, civilização; etc.

      E. Emprego de SS:

      O S surdo português, em posição medial, geralmente provém:


      a) de um SS latino: ossu > osso; assistire > assistir; etc.

      b) de uma assimilação: ipse > esse; persona > pessoa; dixi (dicsi) > disse; etc.

      F. Emprego do Ç:

      O Ç provém da evolução de CE, CI, TE e TI latinos seguidos de vogal: lancea >
lança; minacia > ameaça; matea > maça; pretiu > preço.

      G. Distinção entre G e J:

      a) O G português representa geralmente o G latino: gelu > gelo; agitare > agitar;
etc.

      b) o J provém:

      1. da consonantização do I semiconsoante latino: iactu > jeito; iam> já; maiestate >
majestade; etc.;

      2. da palatalização do S + I, ou do grupo DI + Vogal: basiu > beijo; caseu > queijo;
hodie > hoje; radiare > rajar; etc.

      A obediência a estas novas regras acabava com os exageros do período pseudo-
etimológico e promovia uma certa aproximação ao período fonético.

      Embora o objectivo essencial da reforma de 1911, pela aproximação da ortografia à


grafia fonética, fosse pôr fim ao despotismo da tendência etimológicaO essencial da
reforma ortográfica de 1911 foi acabar com o despotismo da etimologia, a verdade é
que não se eliminaram totalmente os hábitos anteriores, dos quais continuou a perdurar,
entre outros, o uso de consoantes mudas, como homem, directo, sciência, etc.)

      Além disso, no que respeita à utilização dos acentos, esta reforma distanciou-se da
escrita dos primeiros tempos. Os acentos passaram a ser frequentes e, em particular,
todas as palavras esdrúxulas possuíam obrigatoriamente acento.

      No essencial, as prescrições da reforma de 1911 vigoram até aos nossos dias, mas
sujeitas a algumas tentativas de de ajustamento, entre portugueses e brasileiros, com
vista a uma maior uniformização do idioma falado nos dois países, como as que tiveram
lugar em 1920, 1929 e 1931.

      A grande reforma seguinte, em 1945, resultante de um acordo ortográfico entre


Portugal-Brasil, sofrendo algumas alterações em 1971, continua a ser norma oficial da
ortografia por que nos regemos ainda hoje.

      II. TENTATIVAS PARA A UNIFORMIZAÇÂO DA LÍNGUA


PORTUGUESA ENTRE PORTUGAL E O BRASIL

      Considerando as tentativas para uma uniformização da língua portuguesa entre


portugueses e brasileiros, nota-se que, exceptuando uma quase unidade no século XIX,
têm sido sempre pautadas por perspectivas divergentes.
      É visível o interesse que ambos os países sentem em encontrar uma norma
ortográfica comum. Tal já vem a ser demonstrado desde 1907, ano em que a Academia
Brasileira de Letras, sob a orientação de nomes ilustres, como Euclides da Cunha, Rui
Barbosa e outros, projectava uma reforma idêntica à defendida por Gonçalves Viana.
Mas o facto da reforma de 1911 ter sido feita sem qualquer intervenção do Brasil,
motivou que, durante anos, os dois países utilizassem ortografias completamente
diferentes (Portugal, com a ortografia moderna e o Brasil ainda com a ortografia
pseudo-etimológica)

      Em 1924, reunem-se, pela primeira vez, as duas Academias (a Brasileira de Letras e
a das Ciências de Portugal). Em 1931, as duas Academias chegaram a um acordo
preliminar, dando-se assim alguns passos na convergência ortográfica entre os dois
países. Mas os Vocabulários publicados em 1940, pela Academia das Ciências, e, em
1943, pela Academia Brasileira de Letras, continham ainda algumas divergências.

      Depois, ainda em 1943, tentou-se de novo uma Convenção Ortográfica, na qual teve
origem o Acordo Ortográfico de 1945. Porém, enquanto em Portugal foi oficializado
pelo Governo, o Congresso brasileiro não procedeu à sua ratificação.

      De tentativa em tentativa, parece que nenhuma das partes pretende ceder a
divergências quantas vezes mais emotivas que linguísticas, e as negociações para a
uniformização ortográfica não vão passando de projectos. Vários têm sido os encontros
__ 1971, 1973-1975, 1986 e 1990 __, mas tudo continua adiado... para uma só
ortografia... ou para a separação definitiva? E, ainda que digam que nos entendemos, a
verdade é que parece entendermo-nos cada vez menos. A solução seria acabar de vez
com preconceitos e definirem consentânea e definitivamente uma reforma justa não
pelos povos mas pela língua que os une (ou desune).

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