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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE LETRAS
LÍNGUA PORTUGUESA VI

COMENTÁRIO CRÍTICO ÀS PERIODIZAÇÕES DA


HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA

ANA BEATRIZ RAMOS DE LUCA ALVES


DANIELA BARBOSA RIBEIRO
IVONE CORREIA DOS SANTOS

PROFESSORA THAÍS ARAÚJO


Turma: 1

13/08/2022
2022.1
1 Do latim aos primeiros textos em galego-português (século XIII)

O historiador francês Paul Teyssier inicia o capítulo nos falando desta língua galego-portuguesa que,
antes do português, inaugura a escrita na Península Ibérica: “Os primeiros textos escritos em português
surgem no século XIII. Nessa época o português não se distingue do galego, falado na província (hoje
espanhola) da Galícia. Essa língua comum - o galego-português ou galaico-português - é a forma que toma o
latim no ângulo noroeste da Península Ibérica" (1982, p. 6).
O linguista Ismael da Silva Coutinho vai explicar a formação da língua portuguesa como um
contínuo e ininterrupto. Antes da conquista romana, vários povos habitavam a Península Ibérica, a
invadiram e aí se estabeleceram. Por volta de 1100 a.C., os gregos foram expulsos de feitorias comerciais
pelos fenícios. Em torno de V a.C., os celtas invadiram a península, vindos da Gália, e se misturaram aos
iberos. No século III a.C., após a conquista de Cartago, importante feitoria sob domínio fenício na costa
africana, os romanos penetraram e dominaram a Península. As batalhas entre romanos e lusitanos do sul
duram até 25 a.C., quando os romanos dominam toda a faixa ocidental da Ibéria.
A Península foi então dividida em três territórios: Tarraconense, Bélica e Lusitânia. Para Coutinho,
esta foi a primeira intervenção oficial para separar a área que viria a se tornar Portugal, dividindo-a da
Hispânia. Os celtiberos, após alguma resistência, submeteram-se aos romanos, adotando-lhes a língua e os
costumes. “O latim, levado pelos legionários, colonos, comerciantes e funcionários públicos romanos,
impôs-se pela força das próprias circunstâncias; tinha o prestígio de língua oficial, servia de veículo a uma
cultura superior, era o idioma da escola.” (COUTINHO, 1990, p. 49)
O latim se vulgarizou na Ibéria, e o que se falava nas ruas se distanciou do latim clássico. Este foi
mantido nas escolas e nos conventos. O latim falado pelo povo como instrumento de comunicação, no
entanto, “não demorou muito que se modificasse na boca dos habitantes da terra” (ibid., p. 51).
Entre as mudanças fonéticas observadas nesse período, Teyssier destaca: a adoção de um acento
tônico automático, abandonando-se as regras latinas; a perda das oposições de quantidade, que
diferenciavam vogais breves de longas, mantendo as oposições de timbre resultantes dos diferentes graus de
abertura, a palatalização de certas consoantes, fazendo com o que o galego-português ganhe seis novos
fonemas: /ts/ (hoje /s/, ex.: cidade), /dz/ (hoje /z/, ex.: prezar), /dž/ (hoje /ž/, ex.: gente), /š/ (ex.: roxo), /lh/
(ex: filho), e /nh/ (ex.: senhor).
A partir do século V, povos ditos bárbaros, de origem germânica (vândalos, suevos e visigodos)
invadiram os domínios romanos na península. Embora vencedores, adotaram os costumes e a língua da
região. Em quase 300 anos de dominação, com o fechamento de escolas e o desaparecimento da nobreza
romana, alteraram bastante o latim vulgar. Uma dessas alterações diz respeito aos encontros consonantais cl
e ct, que serão resolvidos diferentemente em regiões diferentes ([lh] em galego-português, [j] em leonês, por
exemplo), e a ditongação de vogais breves tônicas no castelhano.
Em 711, os árabes invadiram a região, entrando pelo norte da África, e derrotaram os hispanogodos.
Estes, seduzidos pela sofisticação da nova civilização, adotaram o árabe como língua oficial e incorporaram
vários aspectos da cultura que se instalava, passando a ser designados moçárabes. Durante o domínio árabe,
o povo continuou a falar o romance local, ou seja, o latim vulgar modificado. Uma parcela da população
cristã, no entanto, refugiou-se nas montanhas das Astúrias, e dali partiram para o processo da Reconquista.
Com a consolidação dos reinos de Leão e Castela, o Conde de Borgonha torna-se genro de D.
Afonso VI e recebe o território que se tornará o Condado Portucalense. Seu filho, o D. Afonso Henriques,
inaugura a nacionalidade portuguesa (a partir da Batalha de Ourique, em 1139) e se torna o primeiro rei de
Portugal em 1143. Apesar desta distinção política, Coutinho deve à ocupação da Hispânia ocidental por
celtas e suevos a diferenciação do latim na fala do norte e noroeste da península.
O linguista Manuel Said Ali tem outra visão acerca da classificação desses diversos falares da
România. Para ele, esta divisão não deve obedecer a critérios políticos ou de prestígio social, uma vez que
não há consenso entre os cientistas. Se o neogramático Meyer Lübke afirma que as línguas românicas
dividiram-se nos diversos idiomas; Said Ali compreende que para cada um desses idiomas, havia diversos
dialetos, abordagem moderna que ainda não foi profundamente explorada.
Said Ali tampouco distingue dialeto e língua: “ não há diferença essencial senão a circunstância de
ser a língua aquele dialeto que (...) se preferiu empregar como linguagem de chancelaria, servindo para a
escritura de todos os documentos oficiais. O dialeto, que se adotou na corte dos reis, passou a ser o falar da
gente culta, ficando por fim a linguagem usada nas produções literárias” (1964, p. 18). Dessa forma,
entende-se que para o linguista a evolução da língua é positiva e enriquecedora, e não degenerativa.
O latim vulgar, imperial, falado em todos os cantos do império romano, teria sido a base a partir da
qual formaram-se os novos falares, contra o latim clássico, no qual foram escritas as obras clássicas. Seja
porque os falantes das províncias não conseguiam pronunciar as palavras do latim, seja porque não
percebiam os novos sons, ou porque incorporaram palavras de seus dialetos de origem, as inovações foram
alterando os falares. Estas palavras, assim como vocábulos tomados do latim erudito, não obedeceram às leis
fonéticas, sofrendo modificações por leis de analogia.

Dentre os diversos falares presentes na península à época da formação do território português, foi o
galego-português, falado mais ao norte, o dialeto que se tornou a base da língua portuguesa - neste ponto
concordam Coutinho e Said Ali. Foi justamente a partir do norte que se deu a reconquista do território então
ocupado pelos mouros. No entanto, quanto aos primeiros textos escritos em português, os dois linguistas
divergem: para Said Ali, os primeiros textos escritos em português datam do século XII (com palavras em
português presentes em textos escritos em latim “bárbaro” já no século IX), enquanto Coutinho os localiza
no século XIII.
Desta época, Teyssier assinala três inovações no galego-português: a palatalização do l nos grupo
iniciais pl, cl e fl para o ch ([tš]), a queda do l e do n intervocálicos. No âmbito da morfossintaxe, a
declinação nominal se simplifica até desaparecer, o gênero neutro desaparece, os sistemas dos modos e
tempos verbais alteram-se e incorporam perífrases; os artigos definidos se formam a partir dos pronomes
demonstrativos e as desinências casuais são expressas por preposições ou pela colocação da palavra na frase
- que se torna bem mais rígida, .
Serafim da Silva Neto, por sua vez, partiu dos conceitos de sincronia e diacronia, elaborados por
Ferdinand de Saussure, para estudar a história da língua portuguesa: “podemos encarar globalmente o
conjunto das fases de uma língua, traçando-lhe a história, desde a origem até a fase atual. Trata-se, neste
caso, de estabelecer uma série de cadeias, ou de sincronias (...)” (1976, p. 84). O estudo diacrônico, ou seja,
das fases da língua, de seus elementos hereditários, de novas formações e dos empréstimos, mostraria que a
língua portuguesa seria a continuação do latim, a “fase atual desse idioma” (ibid., p. 85).
Silva Neto está de acordo com Coutinho e Said Ali na constatação de que o latim vulgar, e não o
clássico, é o antepassado da língua portuguesa como a conhecemos. Concorda com Coutinho na
hierarquização dos dialetos/línguas, contra a posição de Said Ali que vê na predominância de um sobre os
outros apenas uma questão de poder.
Desta forma, a periodização de Serafim da Silva Neto divide, neste primeiro momento da língua: o
latim lusitânico, da invasão romana até o século V, em que houve uma diversificação linguística a partir das
invasões bárbaras (daí a ideia de degeneração da língua); o romanço lusitânico, do século V ao IX, em que o
latim se transforma em romanço, pelas mutações do latim e as influências de povos germânicos e árabes, e o
português proto-histórico, do século IX ao XIII, em que os cristãos foram levando a língua para o sul, mas
ainda exclusivamente na fala, não escrita.

2 O galego-português (de 1200 a aproximadamente 1350)

Ao abordar o capítulo 2 sobre o galego-português (1200 a 1350) observa-se que, segundo os


presentes autores (Coutinho/de Vasconcelos; Said Ali; da Silva Neto e Teyssier), acreditou-se durante muito
tempo que os mais antigos textos escritos em galego-português datavam dos últimos anos do século XII.
Porém, estudos recentes advindos desses autores mostraram, contudo, que esses escritos apareceram no
começo do século XIII.
Tanto para Teyssier como para os demais autores acima mencionados, os primeiros textos foram
organizados particularmente no tempo dos trovadores – o Cancioneiro da Ajuda (fins do século XIII, início
do século XIV). Estes cancioneiros contêm três categorias de poesias: as cantigas d’amigo, cantigas d’amor
e as cantigas d’escarnho e mal dizer. Esses textos poéticos e cantados mais antigos são do século XI e XII,
nos quais aparecem versos em romanço moçarábico.
Concordam os presentes autores que, ao início do século XIII, surgem escritos (documentos oficiais
e particulares) inteiramente em “língua vulgar”. Um dos textos mais antigos deste período é o testamento de
D. Afonso II, datado de 1214. Ancorados nesse contexto, os autores citados comungam do conceito de que,
na segunda metade do século XIII, determinados escritos portugueses se purgavam de mesclas de elementos
galego-leonês, e isso causado pela migração dos falares galegos-portugueses do norte para as regiões
meridionais da Península. Na segunda metade do século XIII, estabelecem-se certas tradições gráficas, no
mesmo contexto em que se percebe uma minuciosa evolução do sistema morfossintático do
galego-português, segundo Teyssier.
Os autores Coutinho e Said Ali distinguem esse contexto do das traduções de obras latinas, francesas
e espanholas, e das grafias das leis, forais, lendas, do Livro da Corte Imperial e dos textos de Rui de Pina.
Pedimos licença para apresentar brevemente a evolução do sistema morfossintático do galego-português:
Exemplos:

1. Vogais:
Em galego-português, os fonemas vocálicos eram mais numerosos quando tônicos:
/i/ /u/
/ẹ/ /ọ/
/ę/ /ǫ/
/a/
Ex: /i/: aqui ; /ę/: perde; /ẹ/: verde; /a/: mar; /ǫ/: pós; /ọ/: pôs.

Em posição átona final o sistema estava reduzido a:


(/i/)
/e/ /o/
/a/
Ex: vendi, parti. No início do século XIV essas formas apresentam um -e final: vende, parte.
A partir daí o sistema se reduz então, aos três fonemas representados pelas letras -e, -a, -o.

Em posição átona não final, ou seja, em posição pretônica, as oposições entre /ẹ/ e /ę/ e entre
/ǫ/ e /ọ/ desapareciam. O sistema reduzia-se então aos cinco fonemas seguintes:
/i/ /u/
/e/ /o/
/a/
Ex: quitar; pecar; trazer; conhocer, burlar.

2. Ditongos:
Eis as combinações ocorrentes:
Timbre final -i: Timbre final -u:
ui iu
ei oi eu ou
ai au
Ex: primeiro, mais, coita, fruito, partiu, vendeu, cautivo, cousa.
3. Consoantes:
O sistema pode ser assim reconstituído:

Labiais Dentais-alveolares Palatais Velares

Oclusivas:

surdas /p/ /t/ /k/

sonoras /b/ /d/ /g/

Constritivas:

surdas /f/ /ts/, /s/ /tš/, /š/

sonoras /v/ /dz/, /z/ /(d)ž/

Nasais /m/ /n/ /nh/

Laterais [l] /lh/ /ł/

Vibrantes:

brandas /r/

fortes /ř/

Semivogais /y/ /w/

Exemplos:
Oclusivas: /p/: pan; /b/: ben, cabo; /t/: tio; /d/: dia; /k/: crer; /g/: gostar, guerra.
Constritivas: /f/: fazer; /tš/: chaga; /ts/: çapato; /v/: vida; /s/: passo; /dz/: zarelhon; /z/: casa; /(d)ž/:
já, cajón; /š/ leixar.
Nasais: /m/: mar; /n/: nojo; /nh/: venho.
Laterais: [ l ] dental: ler; /lh/: espelho/; /ł/ velar: mal.
Vibrante: /r/ brando: fero; /ř/ forte: ferro.
Semivogais: /y/: dormio; /w/: resguardo, quando.

4. Vogais nasais:
As vogais /i/, /e/, /a/, /o/ e /u/ são nasalizados por uma consoante nasal impulsiva, seguida de
outra consoante. Ex.: pinto, ou no final da palavra: fim, comum.
5. Encontros vocálicos:
As desnasalizações do tipo alhĕo > alheo vieram aumentar o número já importante das
palavras que possuíam duas vogais em hiato. Estes “encontros vocálicos” que resultam das
desnasalizações só fizeram aumentar um fenômeno já considerável. O galego-português
passou a ter um número maior de palavras que comportavam vogais em hiato.

3 O português europeu (do século XIV aos nossos dias)

Teyssier inicia o terceiro capítulo, que trata do português europeu do século XIV aos nossos dias,
estabelecendo o deslocamento para o Sul da capital do reino de Portugal como um acontecimento central
para o entendimento de sua evolução. Junto do rei e da corte, também se mudaram para Lisboa as
instituições que exerciam papel central na produção de conhecimento e cultura. O que se verifica, então, é a
irradiação de inovações da região Sul, cujo dialeto passa a constituir a norma, para o Norte, que assume
papel periférico no panorama linguístico.
A partir desse momento, o português passa a constituir-se em território meridional, afastado de sua
origem na Galícia. O galego já distanciava-se do português desde o século XI e não era mais utilizado como
língua literária. As mudanças fonéticas que sofreu contribuíram para separá-lo ainda mais do português.
Nesse contexto, a distância física imposta pela mudança da capital propiciou a intensificação do afastamento
entre o galego e o português. A Galícia e os falares setentrionais passaram a ser considerados provincianos,
contrastando com os falares urbanos do Sul.
O autor, em seguida, aborda os problemas de periodicidade na divisão da evolução do português em
períodos. Teyssier afirma que a questão da distinção entre períodos é muito complexa e se propõe apenas a
examinar os processos ocorridos nas diversas instâncias da língua:

É possível determinar, na história da língua portuguesa do século XIV até aos dias atuais, períodos
que permitam esclarecer-lhe satisfatoriamente a evolução? Não é fácil a resposta. Alguns estudiosos
distinguem na evolução do português dois grandes períodos: o “arcaico”, que vai até Camões (século
XVI), e o “moderno”, que começa com ele. Outros baseiam a sua periodização nas divisões
tradicionais da história - Idade Média, Renascimento, Tempos Modernos -, ou nas “escolas” literárias,
ou simplesmente nos séculos... Trata-se, em verdade, de um problema muito complexo, que não será
abordado aqui. Contentar-nos-emos em isolar, na evolução histórica, vários eixos que permitam
ordenar, esclarecer e melhor compreender os fenômenos lingüísticos. (TEYSSIER, 1982 , p. 31)

O uso de um recorte histórico já possibilita a distinção tradicional em dois períodos, que Teyssier
chega a utilizar: “Para a morfologia, a sintaxe e o vocabulário, o fim do século XVIII e o início do século
XIX parecem ter sido uma época de transição entre o português clássico e o que se pode chamar o português
moderno e contemporâneo.”(TEYSSIER, 1982, p. 60)
Quando trata da evolução fonética do português, Teyssier diz, no entanto, que “no nível das unidades
distintivas (os fonemas), a evolução do português, [...], seguiu um ritmo próprio que parece totalmente
independente das divisões cronológicas da história política ou da história literária.” (TEYSSIER, 1982, p.
55). Apesar disso, ao longo do capítulo, quando trata da morfologia, da sintaxe e do vocabulário, é possível
identificar momentos em que parece haver novamente uma tentativa de periodização por meio da adoção de
critérios históricos e literários:

No que se refere ao vocabulário e à sintaxe, a evolução do português reflete os grandes períodos que
se podem distinguir na história cultural e literária: o desenvolvimento da prosa literária nos séculos
XIV e XV, o Renascimento, o italianismo, o humanismo, a censura inquisitorial, a Contra-Reforma e
o controle da educação pelos jesuítas, a reação neoclássica e a Arcádia, o liberalismo e o romantismo,
o realismo e o naturalismo, etc. (TEYSSIER, 1982, p. 32)

Pode-se afirmar, desse modo, que a abordagem de Teyssier da evolução morfológica, sintática e
lexical do português se aproxima das periodizações de Ismael da Lima Coutinho, na medida em que ambas
utilizam critérios históricos e se dividem em dois grandes grupos. Aproxima-se também da periodização de
Said Ali, uma vez que ambos os autores acreditam que a adoção de um só critério de classificação é
insuficiente.
A seguir, são citados diversos fatores que tiveram papel importante no processo de evolução da
língua. Aos descobrimentos e à expansão territorial da língua portuguesa se deve o enriquecimento do léxico
com empréstimos da África, da Ásia e da América. A história cultural e literária, por sua vez, trouxe
inúmeras inovações sintáticas. As influências estrangeiras, em especial do francês, também se traduzem em
contribuições lexicais, que são catalogadas nas obras dos gramáticos, lexicógrafos e filólogos da época. É
nessas obras, fruto da cultura humanista, que Teyssier se apoia para encontrar registros da mudança
linguística. Dentre elas podemos citar a Orthographia (1576) de Duarte Nunes de Leão, a Grammatica de
Fernão de Oliveira (1536) e a New Portuguese Grammar de António Vieira Transtagano (Londres, 1768),
cuja tradução francesa é repetidamente utilizada por conter comparações esclarecedoras entre aspectos
fonéticos do francês e do português.
O autor dedica grande parte do capítulo a descrever os processos de evolução fonética do português.
A eliminação dos encontros vocálicos foi um desses processos que mais gerou repercussões na língua. Os
encontros vocálicos, comuns no galego-português, resultam da queda de consoantes intervocálicas, em
especial o -d, o -l e o -n. Os mecanismos pelos quais ocorreu a eliminação dos encontros vocálicos são o
desenvolvimento de uma consoante entre vogais, a contração de duas vogais em uma vogal única, a
contração de duas vogais orais em um ditongo oral e a contração de uma vogal nasal e de uma vogal oral em
ditongo nasal. Resulta desse processo o
enriquecimento do sistema fonológico das vogais no decorrer dos séculos XIV e XV. Este sistema é
doravante constituído por oito vogais orais: /i/, /ẹ/, /ę/, /a/, /ä/, /ọ/, /ǫ/ e /u/, tanto em posição pretônica
quanto em posição tônica. Reduz-se a três vogais em posição final: /E/, /A/ e /O/. As combinações de
ditongos orais, aumentadas de três, passam a ser onze: ei, éi, ai, ói, oi, ui, iu, eu, éu, ai, ou. Enfim, as
nasais compreendem agora três ditongos. (TEYSSIER, 1982, p. 38)

A unificação das formas do singular dos substantivos terminados em -ã-o, -an e -on, que passam
todas a a -ão, enquanto os plurais permanecem os mesmos, é uma evolução originada no sul que se espalha
para o norte.
No caso da permanência da distinção entre /b/ e /v/ no português, apesar de em galego-português /b/
e /v/ terem sido fonemas distintos, no Centro-Norte de Portugal há hoje um fonema bilabial único, e nessa
região se perde a distinção entre /b/ e /v/, que se conserva no Sul.
A evolução do sistema das sibilantes também distingue os falares do Sul e do Centro-Norte, e
demonstra a primazia do Sul sobre o Norte na formação das normas linguísticas. O galego-português
medieval possuía os quatro fonemas /ts/, /s/, /dz/ e /z/. Em 1500, /ts/ e /dz/ perdem o traço oclusivo. A
oposição entre os dois pares de fonemas é preservada devido a diferenças no ponto de articulação. No final
do século XVI o português passou a utilizar somente /s/ e /z/. No norte ocorre um processo semelhante,
porém os fonemas utilizados são /ś/ e /ź/, fenômeno denominado “s beirão”. Em certas regiões os quatro
fonemas se conservam. A evolução do sistema de sibilantes divide Portugal em três áreas:

a) Centro-Sul (português comum): confusão das pré-dorsodentais e das ápico-alveolares em favor das
pré-dorsodentais; b) zona intermédia do Noroeste-Centro-Leste: a mesma confusão, mas em favor das
ápico-alveolares (“s beirão”) e c) Zona arcaica do Nordeste: conservação dos quatro fonemas
primitivos. (TEYSSIER, 1982, p. 43-44)

A monotongação de ou [ọw] em [ọ], a passagem de [tš] a [š] e a pronúncia chiante de s e z


implosivos demonstram a permanência do paradigma antigo no Norte, enquanto o Sul adota inovações. A
monotongação, que começou provavelmente no século XVII, atinge a maioria das palavras. No Norte, o
antigo ditongo ou [ọw] continua em uso. Em algumas palavras ou se transformou em oi para evitar a
monotongação. O fonema [tš], por sua vez, já existia no galego-português, escrito ch. No século XVII, [tš]
desaparece e se confunde com [š]. A pronúncia [tš] se preserva em certos lugares do Norte. Já a pronúncia
chiante de s e z implosivos é a norma no português europeu atual. Os s e os z em final de sílaba são
pronunciados como chiantes ([š] ou [ž]). No Norte e no Nordeste, especialmente na região do “s beirão”, a
articulação desses sons é percebida de forma diferente.
A “redução” das vogais átonas [ẹ] e [ọ] ocasionou uma redistribuição das unidades distintivas, sem
alteração em seu número. A vogal [ë] substitui [ẹ] e a vogal [u] toma o lugar de [ọ]. A monotongação dos
ditongos ou se relaciona com esse fenômeno, uma vez que o [ọ] citado é o mesmo que substitui ou.
Um fenômeno de monotongação que não entrou para a norma linguística foi a monotongação de ei
em /ẹ/. Esta inovação se restringe ao Norte, região de origem, não tendo sido admitida pelo falar do Sul.
No decorrer do século XIX, ocorre a passagem de [ẹ] a [ä] antes de iode ou consoante palatal e surge
a pronúncia uvular do /r/ forte. Já existia uma oposição fonológica entre um /r/ brando e um /r/ forte em
posição intervocálica, como no espanhol. A mudança no ponto de articulação propiciou o surgimento da
pronúncia uvular, que se popularizou a partir de Lisboa.
Em relação à morfologia e à sintaxe, do século XIV ao XVI, as transformações sofridas pelo
português fixaram-nas de modo que pouco variaram desde então:

A morfologia do nome e do adjetivo absorve as consequências das evoluções fonéticas: os plurais dos
nomes em ão são fixados (tipo mãos, cães e leões), assim como o feminino dos adjetivos em ão. São
eliminadas as formas átonas dos possessivos femininos (ma, ta, sa). Os anafóricos em e (h)i
desaparecem como palavras independentes. O sistema-dos-dêíticos atinge, em fins do século XVI, a
forma que irá conservar até os nossos dias. O emprego do homem, com o sentido do “on” francês,
desaparece durante o mesmo período, assim como o partitivo. As duas preposições per e por
reduzem-se a uma única, por, mas em combinação com o artigo definido é pelo que suplanta polo.
(...) Na morfologia do verbo, os paradigmas simplificam-se sob o efeito da analogia. As primeiras
pessoas do tipo senço, menço, arço são substituídas por sinto, minto, ardo. Os particípios passados em
udo da segunda conjugação cedem lugar a ido. Certas alternâncias vocálicas são regularizadas. A
conjugação de ser, que resulta da fusão em um paradigma único dos paradigmas de dois verbos, um
dos quais representa o latim sum e o outro o latim sedeo, está praticamente fixada na segunda metade
do século XVI. Quanto à segunda pessoa do plural, ela perdeu o seu -d- intervocálico desde o século
XV e as formas que daí resultaram fixaram-se em -ais, -eis e -is. (TEYSSIER, 1982, p. 56)

No léxico, é expressiva a penetração na língua de formas eruditas originadas no latim. Esse processo
se intensificou nos séculos XV e XVI, devido à influência de formas literárias e do humanismo
Renascentista, que reestabeleceu o prestígio do latim. O latinismo também afeta a sintaxe: “A imitação da
sintaxe latina alimentou o gosto das frases longas, sobrecarregadas de subordinadas, mas deu à língua
clássica uma complexidade e uma maleabilidade toda nova.” (TEYSSIER, 1982, p. 58-59)
Atualmente, está em curso uma transformação do sistema fonológico do Português europeu devido à
tendência ao enfraquecimento das vogais átonas. Apesar disso, a evolução mais perceptível ocorre na
morfologia e na sintaxe dos verbos:

A segunda pessoa do plural cai em desuso; o emprego da mesóclise no futuro e condicional fica
reservada a certos registros da língua escrita; o próprio futuro, bem presente no sentido modal, é cada
vez menos empregado no sentido temporal; o condicional conhece restrições de empregos análogos; o
mais-que-perfeito simples (cantara, tivera) confina-se na língua escrita, e somente com o seu sentido
temporal. Em compensação, o perfeito, o imperfeito e o futuro do subjuntivo permanecem tão atuais
quanto em português clássico, e as regras da concordância dos tempos são respeitadas, mesmo na
conversa familiar. (TEYSSIER, 1982, p. 60)

Desse modo, a periodização de Teyssier distingue a evolução fonológica da evolução morfológica,


sintática e lexical. Enquanto a mudança fonética parece não acompanhar nenhum critério definido, a
evolução morfológica, sintática e lexical se relaciona intimamente à história cultural e literária, podendo ser
dividida em dois grandes períodos: clássico, até Camões, e moderno, de Camões aos dias de hoje. Apesar
dessa evolução ainda estar em curso, a tendência à marginalização dos falares do Norte se mantém como
uma característica do cenário europeu do português atual.

REFERÊNCIAS

ALI, M. Said. “História resumida da língua portuguesa”. In: Gramática histórica da língua portuguesa.
Rio de Janeiro: Acadêmica, 1964 [1931].
COUTINHO, Ismael de Lima. “História da língua portuguesa”. In: [Pontos de] Gramática histórica. Rio
de Janeiro: Padrão, 1990.
NETO, Serafim da Silva. “História da língua portuguesa. Períodos”. In: Introdução ao estudo da filologia
portuguesa. Rio de Janeiro, 1976.
TEYSSIER, Paul. História da língua portuguesa. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

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