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Formação da Literatura Portuguesa: literatura medieval

A formação da identidade portuguesa e a questão linguística

A formação da literatura portuguesa dá-se num contexto específico: o da organização da própria


identidade pátria. Para os processos de formação da identidade nacional, um elemento tornou-se
primordial: a língua. É importante compreender a existência de um elo entre os atos de ser e de sentir-se
português e o falar da língua portuguesa.

Pelo menos a partir do século XII, há uma distinção entre a língua falada no território ibérico e a língua da
escrita oficial: a latina. Nesse momento, os principais falares são oriundos do mesmo tronco linguístico, o
galego. Tanto o galego-português, que viria a originar a língua portuguesa, como o castelhano são
desdobramentos dessa língua neolatina.

O período pré-românico O galego-português

2.2. O período românico

Embora a Península Ibérica fosse habitada desde muito antes da ocupação romana, pouquíssimos traços
das línguas faladas por estes povos persistem no português moderno.

A língua portuguesa, que tem como origem a modalidade falada do latim, desenvolveu-se na costa oeste da
Península Ibérica (atuais Portugal e região da Galiza, ou Galícia) incluída na província romana da Lusitânia. A
partir de 218 a.C., com a invasão romana da península, e até o século IX, a língua falada na região é o
romance, uma variante do latim que constitui um estágio intermediário entre o latim vulgar e as línguas
latinas modernas (português, castelhano, francês, etc.).

Durante o período de 409 d.C. a 711, povos de origem germânica instalam-se na Península Ibérica. O efeito
dessas migrações na língua falada pela população não é uniforme, iniciando um processo de diferenciação
regional. O rompimento definitivo da uniformidade linguística da península irá ocorrer mais tarde, levando
à formação de línguas bem diferenciadas. Algumas influências dessa época persistem no vocabulário do
português moderno em termos como roubar, guerrear e branco

A partir de 711, com a invasão moura da Península Ibérica, o árabe é adotado como língua oficial nas
regiões conquistadas, mas a população continua a falar o romance. Algumas contribuições dessa época ao
vocabulário português atual são arroz, alface, alicate e refém.

No período que vai do século IX (surgimento dos primeiros documentos latino-portugueses) ao XI,
considerado uma época de transição, alguns termos portugueses aparecem nos textos em latim, mas o
português (ou mais precisamente o seu antecessor, o galego-português) é essencialmente apenas falado na
Lusitânia.

O período pré-românico

2.3. O galego-português
No século XI, à medida que os antigos domínios foram sendo recuperados pelos cristãos, os árabes são
expulsos para o sul da península, onde surgem os dialetos moçárabes, a partir do contato do árabe com o
latim.
Mapa da reconquista cristã do território de Portugal
Com a Reconquista, os grupos populacionais do norte foram-se
instalando mais a sul, dando assim origem ao território português,
da mesma forma que, mais a leste na Península Ibérica, os leoneses
e os castelhanos também foram progredindo para o sul e ocupando
as terras que, muito mais tarde, viriam a se tornar no território do
Estado espanhol.

Com o início da reconquista cristã da Península Ibérica, o galego-português consolida-se como língua falada
e escrita da Lusitânia. Em galego-português são escritos os primeiros documentos oficiais e textos literários
não latinos da região, como os cancioneiros (coletâneas de poemas medievais):

 Cancioneiro da Ajuda - Copiado (na época ainda não havia imprensa) em Portugal em fins do
século XIII ou princípios do século XIV. Encontra-se na Biblioteca da Ajuda, em Lisboa. Das suas 310
cantigas, quase todas são de amor.
 Cancioneiro da Vaticana - Trata-se do códice 4.803 da biblioteca Vaticana, copiado na Itália em fins
do século XV ou princípios do século XVI. Entre as suas 1.205 cantigas, há composições de todos os
gêneros.
 Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa - Entre as suas 1.664 cantigas, há composições de
todos os gêneros.

Crónica da Batalha de Uclés (século X - Dom Alfonso VI)


 Identificação entre a língua e o sentimento.
 Presença no imaginário ibérico

Segundo António José Saraiva, no século XII, as crónicas eram escritas em latim – embora não mais na sua
modalidade clássica. Nesse momento, foi escrita uma crónica sobre a batalha de Uclés, ocorrida em 1108.
Em tal crónica, há uma passagem na qual a escrita em latim é interrompida.

Essa passagem narra um acontecimento terrível e muito emotivo: a dor sentida pelo rei de Leão e Castela,
Afonso VI, ao perder o seu filho. A sua fala sentida não é narrada em latim, mas na sua língua materna, o
galego.

A crónica sobre a batalha de Uclés ganha força ao identificar a língua ao sentimento. Essa perceção é
importante e estará presente, mais tarde, no imaginário ibérico. Afonso VI veio a ser, justamente, avô do
primeiro rei de Portugal: Afonso Henrique, que ainda escreve seu testamento em latim, apesar do
predomínio, no período de sua morte, do galego-português em seu reino.
 Século XIII
 O primeiro documento escrito em língua portuguesa.

Testamento de Afonso II
Já o neto de Afonso Henrique, Afonso II, optou por escrever o seu testamento em português, no século XIII,
legando, assim, um dos primeiros documentos escritos na nossa língua.

Portanto, a língua portuguesa, desde os seus primórdios como língua galego-portuguesa, torna-se uma
instância poderosa de organização identitária. Como expressão de linguagem, a literatura assumiu um papel
importante nesse processo organizacional. Podemos considerar a poesia galego-portuguesa como uma
dimensão fundamental nas reflexões sobre a identidade portuguesa. Agora, conheceremos algumas das
suas expressões.

 O domínio da cultura e da educação pela Igreja Católica, na Idade Média


 O profano e o sagrado no universo medieval
 Os autos

A partir do século XII:

– Um novo tipo de expressão artística aparece: os cancioneiros e os jograis de poesia trovadoresca.


– Feiras medievais e ambiente palaciano. Surgimento da cantiga →união entre palavra e música

Durante a Idade Média, o domínio da vida cultural e da educação pertencia ao universo da Igreja Católica.

No romance O nome da rosa, de Umberto Eco, esse monopólio cultural da Igreja é figurado artisticamente.
A obra narra uma série de assassinatos ocorridos num mosteiro e que são, pouco a pouco, desvendados.
Descobre-se, então, que os monges morriam envenenados por uma tinta com a qual se escreviam cópias de
livros proibidos pela Igreja Católica. A trama representa um pouco do universo limitado e opressivo da
cultura erudita medieval.

Além do ambiente cultural controlado tão estritamente pela Igreja Católica, havia a cultura popular. Na
verdade, não podemos considerá-la, todavia, como uma cultura laica, pois é ligada, ainda, à Igreja, como
ocorre com os autos medievais, que representavam histórias bíblicas e a vida de santos, por exemplo. No
universo medieval, muitas vezes, o profano emerge como sagrado e vice-versa.

Porém, a partir do século XII, surgiu, em Portugal, um novo tipo de expressão artística: os cancioneiros e os
jograis de poesia trovadoresca. Esse tipo de poesia transitava tanto entre as feiras medievais como entre as
cortes dos palácios e era apresentado sempre acompanhado pela música. Muitos jograis eram verdadeiros
espetáculos.

Conselhos para escrever melhor


Esqueça essa história de que antigamente as pessoas escreviam melhor.
Se uma pessoa está na face da Terra há muito tempo, é natural que se incomode com mudanças culturais.
Mas você não pode deixar suas tradições e opiniões transformarem seu texto em um autêntico José de
Alencar. A verdade é que a língua muda rápido, e desde que o mundo é mundo professores e acadêmicos
estão reclamando da decadência moral e linguística. Pinker faz até uma coletânea de exemplos de várias
épocas. Em 1478 o tipógrafo William Caxton afirmou que "nossa língua tal como é usada hoje difere de
longe daquela que era usada e falada quando eu nasci". Já um anônimo de 1917 foi categórico: "Nossos
calouros não sabem soletrar, não sabem pontuar. Todos os colégios estão desesperados, porque os alunos
desconhecem os rudimentos básicos".

Fuja do jargão de sua área do conhecimento. Rápido.


Já tentou ler um texto jurídico? Ou o manual de instruções para a instação de um roteador em casa? Ou
mesmo um dos artigos científicos que a GALILEU lê todos os dias para te atualizar? Pois é, a redação é
indecifrável em grande parte dos casos. Pinker afirma que é difícil para uma pessoa saber como é para
outra pessoa não saber o que ela sabe. Em outras palavras, quando você entende tudo de um assunto, tem
a impressão de que todo entende pelo menos um pouquinho. A consequência é o que ele denomina
"maldição de conhecimento". Em resumo: evita abstrações demais, e use palavras que todo mundo
conhece. Não vai doer nada, e vai te ajudar a enviar sua mensagem ao maior número possível de pessoas.

Evite transformar verbos em substantivos.


O fechamento brusco da peça pode ocasionar a quebra de suas dobradiças. Não é difícil topar com um aviso
como esse na caixa de um produto qualquer. Soa péssimo, e o pecado está em não assumir as ações. Por
que usar "ocasionar a quebra" se "quebrar" é tão mais simples? Pinker chama esse tipo de substantivo de
"zumbi", e dá uma boa sugestão: trazer todos de volta à vida verbal: Fechar a peça bruscamente pode
quebrar suas dobradiças.

Diminua a distância entre palavras relacionadas entre si.


Ouviram do Ipiranga as margens plácidas... De um povo heróico o brado retumbante.
Que tal colocar na ordem? As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo
heróico. Ufa! Vamos do hino nacional a Os Lusíadas, de Camões.
As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

O sujeito são "as armas e os barões assinalados". O verbo, "cantando".


Você não viu o verbo na estrofe acima? Pois é. A não ser que você seja Camões, separar os dois dessa
maneira não é uma boa maneira de escrever um e-mail para seu chefe. À proposito, ele está destacado
na estrofe abaixo, 14 versos depois.
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis, que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
E aqueles, que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando;
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

Use as vozes passiva e ativa para dirigir o olhar do leitor para o que interessa.
A voz passiva é considerada por alguns gramáticos e revisores uma grande inimiga de uma boa redação.
Não seja tão radical. Como você pode perceber pela frase anterior — que está em voz passiva — começar
uma frase por seu objeto é um ótimo jeito de chamar a atenção do leitor para o que realmente interessa. O
contrário pode até dar certo: Alguns gramáticos e revisores consideram a voz passiva uma grande ... Mas
tiraria o foco do assunto da frase.

Pinker também lembra que ela pode tirar do caminho sujeitos que não interessam para quem lerá a frase.
Em helicópteros foram levados ao local do incêndio, o ouvinte não precisa saber quem são os pilotos.
Políticos e jornalistas sabem muito bem disso, e podem usar a passiva para omitir o sujeito quando, na
verdade, ele é de interesse público, como em R$ 25 milhões foram desviados de uma empresa estatal em
vez de João da Silva desviou R$ 25 milhões de empresa estatal.

Use sinônimos para não repetir palavras, mas não exagere na dose.

Não é uma boa ideia repetir uma palavra vezes demais. João é legal. João foi à escola. Lá, João falou com
seus amigos. É por isso que no gênero jornalístico uma instrução comum é não repetir palavras essenciais
para a matéria na mesma página. Buscar sinônimos, porém, pode te levar a construções desconfortáveis.

Isso acontece, em primeiro lugar, porque não há tantos sinônimos assim: gato pode ser trocado
por bichano ou felino, mas seu nome científico, Felis catus, já seria um exagero fora de um texto
especializado. Outro é que é preciso tomar cuidado para usar palavras na sua ordem de abrangência. Dá
para dizer O ônibus acelerou. As pessoas caíram dentro do veículo. Já O veículo acelerou. As pessoas caíram
dentro do ônibus não deixa claro que o veículo em questão é um ônibus. A categoria "veículo" engloba
muitas coisas, entre elas, ônibus.

Tome cuidado com ambiguidades sintáticas.


A polícia cercou o ladrão do banco na rua Santos. Afinal, o ladrão do banco da rua Santos foi cercado em um
lugar qualquer ou o ladrão de um banco qualquer foi cercado na rua Santos? Quando conhecemos
uma história, o significado de uma frase parece óbvio. Tão óbvio que não temos o costume de revisar para
ver se alguém poderia entender algo completamente diferente.

O artificial torna-nos menos inteligentes


Imagine que no Natal venha a estar disponível uma aplicação que lhe permite fazer a sua própria
música a partir de uma mistura de alguns acordes de Sérgio Godinho e José Afonso, poemas da
Garota Não e de Fausto Bordalo Dias e uns arranjos de José Mário Branco. Tudo possível ao
carregar simplesmente num botão. Haverá direitos de autor que foram extorquidos? Nada
daquilo será de sua lavra, mas boa sorte para quem tentar disputar em tribunal a precedência
artística, será dificilmente identificável a inspiração de cada uma das componentes da mistura – e
a aplicação pode fazer duas diferentes com os mesmos ingredientes em segundos. A indústria
musical pode transmutar-se no futuro imediato e a produção artística pode esgotar-se nesse
processo. Esta possibilidade suscita várias questões difíceis.

Produção e meios de produção


A primeira questão é que o meio de produção é novo. A música que sairá dessa aplicação será,
ainda assim, um produto cultural, mas é uma nova forma de cultura, que eleva o pastiche, além
do roubo da propriedade intelectual, a um novo patamar. A arte, neste caso, será só o simulacro
da arte. Então, produzir-se-à mais não se produzindo nada e a cultura será uma forma de
incultura e a inspiração uma artimanha. Para combater este risco, diversos escritores processaram
as empresas que oferecem aplicações de inteligência artificial – e há hoje uma corrida nesse
mercado – por terem treinado os seus algoritmos com textos seus, sem autorização. Piratearam
para ensinar um programa a piratear.
As implicações deste sistema são gerais. Antes mesmo da aplicação que estou a imaginar que finja
que somos bons músicos, já há uma que permite fingir que se é um escritor, como o ChatGPT. Há
já literatura escrita deste modo nas livrarias. E há um pânico nas escolas entre quem se tinha
empenhado em estimular a criatividade, pedindo aos alunos que escrevessem ensaios,
investigassem e fundamentassem uma opinião, em vez do exame de cruzes. Tudo isso acabou,
passou a ser indistinguível um trabalho sério e um ficheiro cuspido por um algoritmo. O sistema
de ensino readaptar-se-à recuando ao tempo da chamada oral.

Produção e regulação
A segunda questão é o próprio modo de produção. A sociedade moderna regula a forma de
construir um automóvel ou outra máquina: há materiais aceitáveis e outros recusados, os
processos são patenteados e verificáveis. Em contrapartida, produzem-se agora algoritmos
inverificáveis, o meio de produção cultural do século XXI. Aplicados à criação de artefactos, sejam
textos ou músicas, ou jogos, o seu modo de tomar decisões não é escrutinável: é como se
fossemos proibidos de saber como funciona a caixa de velocidades do automóvel.
O que tem sido mais discutido é como este poder algorítmico gera comunidades autocentradas e
recompensa a escalada da agressividade emocional, de que os discursos de ódio são felizes
utilizadores. De facto, a hipercomunicação impede os modos conhecidos de intermediação,
supera em rapidez qualquer tentativa de confirmação ou desmentido, e é direccionável por uma
caixa negra que, ao contrário dos outros meios de produção que existem na sociedade moderna,
é extra-legal e portanto está acima do alcance da regulação. Mas há outra das suas facetas que
começa a merecer atenção: a ambição de nos absorver num mundo virtual que ocupe a nossa
vida, desde crianças (no Reino Unido, um quarto das crianças até aos 4 anos tem o seu aparelho
para ver streaming). O projeto Metaverso esmoreceu, mas foi só o primeiro lance deste jogo.
E, na verdade, a imersão na colmeia digital já conseguiu resultados potentes. A vida virtual é uma
ansiedade, altera-nos a noção de tempo, promove a multiplicidade de tarefas e impõe a
necessidade de uma sociabilidade reconfortante pela trivialização da comunicação permanente.
Na base dessa transição está a colonização da nossa capacidade de leitura e de concentração. A
University College de Londres concluiu agora um estudo de cinco anos sobre os hábitos de leitura,
a partir do registo das pesquisas feitas por milhões de utilizadores em duas grandes bibliotecas
que oferecem acesso a jornais, textos online e outros recursos digitais. A conclusão é
esmagadora: os leitores já não leem, saltitam, ou seja, são conduzidos pelo algoritmo. Usam uma
página ou duas de uma fonte, seguem para outro texto e isto “são sinais de uma nova forma de
leitura em que os utilizadores buscam horizontalmente através de títulos e procuram resultados
imediatos. É como se estivessem online para evitar ler no sentido tradicional”, dizem os autores
do estudo.
Por esta razão, a Suécia vai deixar de usar manuais escolares online, pois as crianças precisam de
aprender a ler um livro. O diretor de educação da OCDE acrescenta que “quanto maior e mais
frequente for a utilização da tecnologia digital na sala de aula, pior será o desempenho dos alunos
[até] no teste de leitura digital”. Assim, o meio de produção condiciona a nossa forma de
aprender e de pensar, não só na formatação da linguagem, como também da nossa memória e
imaginação. As aplicações que parecem oferecer-nos um produto cultural, enganando os nossos
amigos quanto às nossas capacidades musicais ou os professores quanto ao estudo, estão de
facto a mudar o nosso padrão de atenção e a nossa capacidade de expressão. A inteligência
artificial está a mudar a humanidade, tornando-a mais estúpida.

(no Expresso)

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