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O português

não procede do latim


Uma proposta de classiicação das línguas
derivadas do galego
MARCOS BAGNO

N
unca é demais lembrar que a questão ce era falado em toda a Galécia Magna, que outro
dos nomes que se dá às línguas escapa nome se poderia dar a essa língua que não seja
da órbita dos especialistas (ilólogos, galego? Por que chamar de galego-português uma
gramáticos, linguistas) e se vincula muito mais língua que surgiu “antes de Portugal, antes do
a problemáticas de natureza política, cultural, Português”, como faz, por exemplo, o dicionário
econômica e ideológica. Aurélio no verbete abaixo?
Quando o conde Afonso Henriques se tornou
o primeiro rei de Portugal (por volta dos mea- galego-português. [...] Língua românica que era fala-
dos do século XII), a língua que se falava em seu da a N.O. da Península Ibérica ... e cujas fronteiras,
Condado Portucalense com certeza não era di- a E., eram o leonês e o castelhano e, ao S., abaixo
ferente da que os habitantes da Galiza falavam. do rio Minho, os dialetos moçárabes que ali se
Essa certeza se irma no fato do galego moderno desenvolviam. [Atestada pelo menos desde o séc.
ainda ser muito semelhante ao português europeu VIII, os primeiros documentos nela conhecidos e
e, mais ainda, ao português brasileiro, e ao fato redigidos por inteiro datam do séc. XII. No séc.
dos dialetos do norte de Portugal apresentarem XII Portugal, mas não a Galiza, torna-se indepen-
muitas semelhanças com os dialetos do sul da dente de Leão e se estende para o S., criando-se
Galiza. Outra comprovação é a documentação es- assim uma fronteira política que, no séc. XIV, já
crita que sobrevive desde aquelas épocas remotas: seria também uma fronteira linguística: ao N., o
produzidos na Galiza ou no território que viria galego, e ao S., o português.]
a ser Portugal, esses textos são registrados numa
língua que podemos dizer que é uma só. Esse texto do verbete exibe algumas incoerências,
A esse respeito, vale a pena citar as palavras a começar pelo próprio nome dado à língua. Se ela
de Esperança Cardeira, autora portuguesa de um é “atestada pelo menos desde o séc. VIII”, quan-
livro sobre a história da sua língua: do ainda não existia a entidade política chamada
Portugal (e nem mesmo o Contado Portucalense)
À entrada do ano mil, no Noroeste peninsular, a e se somente no século XIV se estabeleceria uma
Galécia Magna, uma região que se estendia da Ga- “fronteira linguística” entre o galego e o portu-
liza a Aveiro abarcando, ainda, uma faixa das As- guês, por que chamar a língua de “galego-portu-
túrias, delimitava já um romance com contornos guês” e não simplesmente de galego, uma vez que
peculiares. [...] Não é ainda Portugal, não é ainda a entidade político-geográica chamada Galécia
língua portuguesa. [...] Antes de Portugal, antes do existia desde a época dos romanos?
Português, no limiar do século X, já estava consti- O desejo ansioso de aproximação, no período
tuído um romance [...] (2006: 36-37). renascentista, entre a recém-normatizada “língua
portuguesa” e sua divina mãe, o latim, se mani-
Se “não é ainda Portugal, não é ainda língua por- festa explicitamente no discurso dos primeiros
tuguesa” e se a própria autora diz que esse roman- gramáticos, imbuídos ideologicamente da missão


Á B USC A D O T ESO URO

de conferir estatuto de beleza, riqueza, elegância e Marcos Bagno é profesor da Universidade de Brasilia
funcionalidade para a língua que a partir de então e investigador colaborador do Instituto da Lingua Galega.
seria um dos muitos instrumentos do imperialis-
mo português. Ainal, era preciso que um povo
conquistador como o português também tivesse,
como o povo romano conquistador, uma língua
digna de se tornar elemento de uniicação de um
império que estava para ser criado:

E por a muita semelhança que a nossa língua tem


com ela [a latina] e que é a maior que nenhuma lín-
gua tem com outra, & tal que em muitas palavras
& períodos podemos falar que sejam juntamente
latinos & portugueses (Duarte Nunes de Leão,
1606). que a “língua portuguesa” é uma ilha direta da
“língua latina”.
E mostrando nós que a portugueza participa No mesmo gesto, se cumpriu também uma
mais da latina, & que na cópia, pronunciação, outra tarefa, desta vez não explicitada, oculta,
brevidade, ortograia, aptidão para todos os es- dissimulada: apagar a verdadeira origem do por-
tilos, não é inferior a nenhuma das modernas tuguês, sua real genealogia, que é a de ser uma lín-
antes igual a algumas das antigas, com razão lhe gua derivada, não do latim clássico, nem sequer
poderemos dar o louvor de lingua perfeita, & de do latim vulgar, mas sim uma língua derivada do
ser uma das melhores do mundo (Manoel Seve- galego.
rim de Faria, 1624). O que aprendemos e ensinamos no Brasil e em
Portugal até hoje nas aulas de história da língua
Em sua magníica epopeia Os Lusíadas, publica- portuguesa é uma falácia histórico-geográica: “o
da em 1572, monumento ideológico de louvor português vem do latim”. Nada disso: o portu-
ao nascente imperialismo português, Luís de Ca- guês vem do galego. O galego é que é, sim, uma
mões escreve: língua derivada da variedade de latim vulgar que
se criou no noroeste da Península Ibérica.
Sustentava contra ele Vênus bela, A linguística histórica tradicional passa por
afeiçoada à gente Lusitana, cima dos mapas, dos documentos de época, para
por quantas qualidades via nela realizar sua missão ideológica.
da antiga tão amada sua Romana; Ora, no ano de 891, a região chamada Gallae-
nos fortes corações, na grande estrela, cia compreendia os territórios espanhóis que hoje
que mostraram na terra Tingitana, se chamam Galícia, parte do que depois (e ata
e na língua, na qual, quando imagina, atualidade) são Astúrias, Leão e Castela, e também
com pouca corrupção crê que é a Latina. (I, 33) o território hoje português que vai do rio Minho
até o rio Mondego, que banha Coimbra. E entre
O discurso de equiparação do povo português os séculos VIII e XI existiu um reino da Galiza
com o povo romano e, por conseguinte, da língua que incluía, também, uma área equivalente a mais
portuguesa com a língua latina, encontra aqui sua de um terço do atual território português.
mais sublime e artística expressão. Os livros de história chamam de Reconquis-
O processo ideológico de criação da “língua ta o longo período em que os reinos cristãos
portuguesa” cumpriu, portanto, uma tarefa explí- travaram luta contra os reinos mouros, muçul-
cita – conectar o português diretamente ao latim, manos, estabelecidos na Península Ibérica desde
estabelecendo uma genealogia de mão única, em 711. A Reconquista se deu do inal do século VIII

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até o ano de 1492, quando a cidade de Granada, la, para receber o título nobiliárquico de “língua
último baluarte mouro na Espanha, foi tomada espanhola”.
pelos exércitos de Castela e Aragão. Do outro lado, literalmente do outro lado do
Nesses quase oitocentos anos, o mapa da Pe- rio Minho, fronteira natural que sempre demar-
nínsula Ibérica sofreu profundas modiicações. cou os dois territórios, está Portugal: país inde-
Existiu, inicialmente, um Reino da Galiza, aliado, pendente, reino autônomo desde o século XII,
vassalo ou dominante do Reino de Leão (segundo Estado soberano, inimigo secular de Castela,
as épocas), que compreendia o condado da Galiza sempre muito cioso de preservar sua liberdade
e o condado Portucalense. Uma série de conlitos política diante da vizinha Espanha, mais podero-
políticos, de casamentos e disputas feudais entre sa e maior. Sem poder se expandir para além do
herdeiros, incluindo uma guerra de ilho contra território conquistado até 1249, os portugueses se
mãe, levou inalmente à batalha de Ourique, no lançam ao mar, empreendendo as grandes nave-
ano de 1139, em que o conde Afonso Henriques, gações que vão fazer de Portugal o pioneiro do
após uma vitória contra os muçulmanos, se au- colonialismo e do imperialismo modernos, além
toproclamou “Rei de Portugal”, “Rex Portucalen- do reintrodutor da economia escravagista na ida-
sis”, rompendo deinitivamente com a vassalagem de moderna.
do condado com relação à coroa de Leão. Com isso, temos uma língua, o português,
A partir de então, os reis portugueses vão, por língua de um Estado soberano, e temos o galego,
conta própria, prosseguir a luta contra os mouros, que sempre viveu no inferno do não-ser, porque
estendendo cada vez mais ao sul os seus domínios. lhe falta precisamente um Estado soberano. Já em
Lisboa é conquistada em 1147 e o processo ter- 1606, o gramático português Duarte Nunes de
mina em 1249, com a tomada de Faro. Portugal Leão deixa explícita a diferença entre as línguas
ixa então os limites de seu território, praticamen- de Galiza e de Portugal, uma considerada pobre
te inalterados desde 1249 até hoje. Nesse mesmo e rústica, e a outra considerada rica e elegante, e
processo de expansão territorial política, vai se ex- atribui essa diferença à autonomia política:
pandindo o território em que a língua românica
falada na antiga Gallécia é levada para o sul junto […] as quais ambas [galega e portuguesa] eraõ
com os colonizadores que passam a ocupar as te- antigamente quasi hũa mesma, nas palavras & nos
rras de onde os mouros são expulsos e que eram diphtongos e na pronunciação que as outras de
terras muito pouco povoadas. Desaparecem os Hespanha naõ tem. Da qual lingoa Gallega a Por-
chamados dialetos moçárabes, falares românicos tuguesa se aventajou tanto, quanto na copia e na
fortemente inluenciados pela língua dos conquis- elegancia della vemos. O que se causou por em
tadores muçulmanos, e que eram escritos com o Portugal haver Reis e corte que he a oficina onde
alfabeto árabe. A língua que veio do extremo Nor- os vocabulos se forjão e pulem e onde manão
te se expande até o extremo sul da franja ocidental pera os outros home s, o que nunqua houve em
da Península Ibérica. É esse até hoje o domínio Galliza…
territorial do galego e do português, dois nomes
distintos para designar uma nebulosa de conceitos Ao contrário de uma considerável maioria dos lin-
políticos, culturais e ideológicos. guistas nossos contemporâneos, que preferem se
A questão política vai ser determinante para ater ao exame da “língua em si” e desconsiderar
designar as línguas. A Galiza passou a formar tudo o que não seja sistêmico e estrutural, Duar-
parte da coroa de Castela e Leão em 1230 e a par- te Nunes de Leão apresenta a diferença entre o
tir de aí foi perdendo a sua autonomia política a galego e o português não em termos puramente
favor de Castela. Esse quadro político apresenta, linguísticos, ou pelo menos não somente nesses
de um lado, a Galiza: um território sem governo termos, mas atribuindo essa diferença ao fato de
próprio durante 750 anos, uma região que é em em Portugal “haver reis e corte”. Com isso, Duar-
tudo tributária e dependente de um Estado cen- te antecipa em trezentos anos a visão contida na
tral espanhol, marcado, ao longo de sua história, frase atribuída a Max Weinreich: “Uma língua é
por uma forte política de silenciamento das iden- um dialeto com exército e marinha”. Portugal ti-
tidades étnicas sub-estatais, de esmagamento das nha e tem exército, marinha e aeronáutica. A Ga-
lutas em favor da autonomia dos povos subme- liza nunca teve nada disso.
tidos à sua coroa e de substituição planejada das Também é por isso que foi necessário, no pe-
línguas locais pela língua oicial, castelhana, que ríodo de expansão colonial portuguesa, no perío-
deixa de ser um dialeto local, o dialeto de Caste- do de airmação da identidade portuguesa e da
consolidação de um reino centralizado, airmar

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também o caráter autônomo, independente e so- o condado Portucalense, assim chamado por cau-
berano da “língua portuguesa”, deinitivamente sa do nome da cidade de Portucale, a atual cidade
considerada como outra língua, sem vínculo com do Porto.
o galego, pobre linguajar entregue à própria sorte Desde que os romanos se estabeleceram na
como falar regional, submerso numa permanente Galécia, ali foi se constituindo uma língua româ-
diglossia, relegado aos usos menos prestigiados, nica com características próprias e que, por causa
conservado durante séculos apenas nas áreas ru- do nome do lugar, só pode ser chamada de galego.
rais, sujeito à castelhanização crescente e ininte- E foi esse galego que se falou no Condado Portu-
rrupta de seu léxico, de sua fonologia e de sua calense e no reino de Portugal. Somente por uma
gramática. necessidade ideológica de airmação nacionalista
Diante disso, era ideologicamente impossível é que se pode utilizar um termo anacrônico como
respeitar os fatos históricos e geográicos, uma “galego-português” para designar uma língua que
vez que eles sempre airmavam, e airmam, que a em tudo era galega e que só viria a ser chama-
língua dos portugueses se originou na antiga Ga- da de português no reinado de D. Dinis, que em
lécia, foi a língua do praticamente extinto reino 1290 instituiu o que se chamava de “língua vul-
da Galiza, não sendo portanto uma descendente gar” como língua da corte e dos documentos oi-
direta do nobre latim. Esse ocultamento da histó- ciais do reino, reino que por se chamar Portugal
ria prosseguiu até o século XIX quando, sob um transferiu à língua “vulgar” o seu próprio nome:
verniz cientíico, surgiu o termo híbrido “galego- “língua portuguesa”.
português” para designar a língua arcaica, a lín- O português, portanto, não “veio do latim”.
gua românica peculiar, distinta do castelhano e do A língua que tem esse nome, português, é na
leonês, falada no extremo noroeste da Península verdade a continuação histórica, com outro nome,
Ibérica. da língua românica que se desenvolveu na região
Ora, essa porção noroeste da Península Ibéri- desde sempre chamada Galécia-Galícia-Galiza, ou
ca tem sido chamada de Galícia ou Galiza desde seja, do galego.
muito séculos antes da era cristã. Os gregos se re- As primeiras diferenciações que ocorreram
feriam a ela como Kallaikía, terra dos kallaikoi, nessa língua, à medida que o reino de Portugal
nome que os próprios habitantes da região, pro- se expandia para o sul, provavelmente se devem à
vavelmente falantes de alguma língua céltica, imposição desse galego às populações moçárabes
davam a si mesmos. Quando os romanos con- que viviam abaixo do rio Mondego, que banha
quistaram a Península Ibérica, no século II a. C., Coimbra. Como a corte portuguesa se estabeleceu
deram à região o nome de Gallaecia. Esse nome em Lisboa em 1255, a variedade da língua que se
vem sendo usado, então, ininterruptamente, nos desenvolveu em torno da capital, e que tem traços
últimos dois mil e duzentos anos para designar muito característicos e muito diferentes das varie-
aquela área, com diferentes extensões territoriais, dades faladas mais ao norte, se tornou a norma
ora maiores, ora menores. Como já vimos, no sé- do português. As variedades do norte de Portugal,
culo XI, existiu o reino da Galiza, que englobava principalmente as faladas entre o rio Douro e o

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rio Minho, apresentam muitas semelhanças com aproximadamente), junto com línguas trazidas
as variedades meridionais do galego faladas em te- por imigrantes europeus e asiáticos (alemães, ita-
rritório espanhol, enquanto a fronteira linguística lianos, japoneses, coreanos, sírio-libaneses, polo-
entre o galego meridional e o português seten- neses, ucranianos, espanhóis, galegos etc.), além
trional é mais bem gradual. O deslocamento do dos resquícios de línguas africanas. Na fronteira
pólo irradiador da norma, do norte para o centro do Brasil com o Paraguai ocorre uma penetração do
de Portugal, e a exclusão dela dos traços própios espanhol paraguaio e do guarani em terras brasi-
do galego e dos dialetos portugueses do norte, é leiras, bem como um uso cada vez mais intenso
que deu ao que se chama “língua portuguesa” sua do PB em território paraguaio. No extremo nor-
feição tão característica e tão distinta das demais te do Brasil, no Amapá, na região limítrofe com
línguas ibéricas, incluindo o galego, e incluindo o a Guiana Francesa, se usa uma língua crioula de
brasileiro. No entanto, exatamente como ocorreu base francesa denominada lanc patoá. Uma inten-
na Espanha, o nome “português” ou “língua por- sa imigração de bolivianos para o Brasil, sobre-
tuguesa” passou a designar uma variedade especí- tudo na cidade de São Paulo, faz crescer o uso
ica, a lisboeta, relegando todos os demais falares do espanhol boliviano, do quéchua e do aimará
ao status de “dialetos regionais”. naquela metrópole.
Essa língua portuguesa, já com esse nome, é O português uruguaio é empregado no norte
que veio nas caravelas usadas pelo imperialismo do Uruguai, nas áreas limítrofes com o estado do
português para invadir e conquistar terras em Rio Grande do Sul. Não tem origem em algum
outros continentes. tipo de migração de brasileiros para aquele país: ao
Como se vê, é mais do que justiicado conside- contrário, é uma língua ancestral, falada há sécu-
rar a existência de uma família de línguas derivadas los naquela área, que foi incorporada ao território
do galego e, mais tarde, do português europeu me- uruguaio no processo de independência do país.
dieval tardio, da mesma forma como os tratados Durante muito tempo, foi alvo de perseguição,
de linguística histórica consideram a existência de condenação e combate por parte da administração
uma família de línguas indo-europeias e, a partir política e educacional uruguaia, de modo que seus
de cada uma dessas línguas, a existência de subfa- falantes sempre se sentiram desprestigiados e mar-
mílias de línguas como a românica, a germânica, ginalizados. Recentemente, porém, uma nova lei
a eslava, a céltica, a báltica etc. Passado meio mi- nacional de educação (2008) reconheceu o caráter
lênio da expansão marítima de Portugal, é forçoso plurilíngue da nação uruguaia e lançou disposi-
reconhecer esse processo de diversiicação da lín- tivos legais para o ensino de e em português uru-
gua implantada em outros territórios fora da Eu- guaio na região fronteiriça.
ropa, por força da mudança linguística que, sendo Nas ex-colônias portuguesas da África, o por-
da própria natureza sociocognitiva da linguagem, tuguês sempre enfrentou a concorrência de outras
é por isso mesmo, inevitável. línguas, mais amplamente usadas pela população.
Os gallaeci legaram seu nome ao povo que tem Em alguns países, seu uso é praticamente restrito
vivido na Galiza, os galegos. É na Galiza que vai à administração pública e ao ensino, o que explica
surgir a língua da qual vão se originar todas as por que, aos ouvidos brasileiros, as formas que o
línguas que hoje incluímos no grupo portugale- português assumiu naquele continente soem pa-
go – um nome em que a descendência histórica recidas com o português europeu, que serve de
invertida, uma vez que a língua galega é a matriz base para o padrão a ser usado pelos órgãos oi-
de todas as demais. Esse grupo portugalego com- ciais e pelo sistema educacional.
preendes 34 línguas (vid. mapa): No Timor-Leste, somente 5% da população
A situação sociopolítica de cada uma dessas usa o português timorense, sendo essa popu-
línguas apresenta suas peculiaridades. A condição lação essencialmente idosa. O desaparecimento
de língua materna hegemônica, além de língua oi- do português em Timor-Leste se deve à invasão
cial do Estado, só existe no português brasileiro e que a Indonésia promoveu no país quando ele
no português europeu. se declarou independente de Portugal em 1976.
Essa condição, no entanto, não deve ser con- O exército indonésio se apoderou de Timor-Leste
fundida com monolinguismo, uma ideologia e promoveu um verdadeiro genocídio, assassinan-
muito presente na sociedade brasileira, onde do cerca de ¼ da população total. O português
historicamente se tem ocultado a realidade plu- foi proibido e reprimido, junto com a religião ca-
rilíngue do país. Além do português brasileiro, tólica. Somente vinte e cinco anos depois, graças
certamente hegemônico, são faladas cerca de 200 a fortes pressões internacionais pela libertação do
outras línguas, a maioria delas indígenas (180 país, foi proclamada a República Democrática

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18 GALICIA
29 PORTUGAL

21 11/25
CABO VERDE 5
2 /28 22 6
24 19
GUINÉ-BISSAU 9 3
30 12 15
20
1 32
SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE
13 10 14
16
17
8 7 4
23 ANGOLA
33
27 26
31
MOÇAMBIQUE

34

1. Angolar/São Tomé (ilha de) 2. cabo-verdiano/Cabo Verde (África) 3. crioulo da costa de Coromandel/Coromandel (Índia) 4. crioulo de Ambom/
Ambom (Indonésia) 5. crioulo de Bengala/Bengala (Índia) 6. crioulo de Bombaim/Bombaim (Índia) 7. crioulo de Flores/Flores (Indonésia) 8. crioulo
de Java/Java (Indonésia) 9. crioulo de Korlai/Korlai (Índia) 10. crioulo de Macassar/Macassar (Indonésia) 11. crioulo de Macau (macaense)/Macau
(China) 12. crioulo de Quilom/Quilom (Índia) 13. crioulo de Tellicherry/Tellicherry (Índia) 14. crioulo de Ternate/Ternate (Indonésia) 15. crioulo de
Trincomalee e Batticaloa/Trincomalee e Batticaloa (Sri Lanka) 16. fá d’Ambô/Ano Bom (África) 17. forro (santomense)/São Tomé (África) 18. Galego/
Galiza (Espanha) 19. Kriol/Guiné-Bissau (África) 20. Kristang/Malásia (Ásia) 21. língua da casa/Damão (Índia) 22. língua dos velhos/Diu (Índia)
23. Lunguyê/Príncipe (África) 24. Papiamento/Curação, Aruba, Bonaire (Antilhas) 25. patuá maquista/Macau (China) 26. português angolano/Angola
(África) 27. português brasileiro/Brasil (América do Sul) 28. português cabo-verdiano/Cabo Verde (África) 29. português europeu/Portugal (Europa)
30. português guineense/Guiné-Bissau (África) 31. português moçambicano/Moçambique (África) 32. português santomense/São Tomé e Príncipe
(África) 33. português timorense/Timor Leste (Indonésia) 34. português uruguaio/Uruguai (América do Sul)

do Timor-Leste. A língua mais difundida é o té- frentam profundas crises, é inevitável reconhecer
tum (da família austronésia). Além dela, outras a importância geopolítica e socioeconômica do
quinze línguas são empregadas no território, que país e, consequentemente, de sua língua majo-
tem cerca de 800 mil habitantes. ritária.
Todas as demais línguas ou modalidades do Reconhecendo o vínculo histórico entre o ga-
grupo faladas na Ásia são extremamente minori- lego e o português brasileiro e, sobretudo, admi-
tárias, algumas já em franca via de extinção, como tindo a importância do conhecimento da língua
as de Diu e Damão, na Índia, conservadas apenas galega para um conhecimento mais profundo da
pelos mais idosos, sem que tenham sido transmi- própria língua dos brasileiros, é mais do que dese-
tidas às gerações mais novas. O papiá kristang (de jável – senão obrigatório – estreitar os vínculos en-
“papear”, isto é, “falar”, e “cristão”) tem cerca de 3 tre os estudiosos dessas duas línguas, que muito
mil falantes na península malaia, essencialmente têm a contribuir uns com os outros. Com isso, co-
idosos. Na antiga colônia portuguesa de Macau, rrigiríamos a injustiicada situação de quase abso-
devolvida à China em 1999, o português sempre luto desconhecimento dos brasileiros da existência
foi língua minoritária e hoje é falado por cerca de mesma do idioma galego e de seus laços genéticos
0,2% de uma população de 540 mil habitantes. com a língua majoritária do Brasil ■
O crioulo maquista está praticamente extinto.
De todas essas línguas, evidentemente, o por-
tuguês brasileiro ocupa um posto de liderança
que o distancia grandemente das demais. Falado
por 200 milhões de pessoas, é a terceira língua Referências
materna mais empregada no Ocidente (depois do Cardeira, Esperança. O essencial sobre a história da língua portu-
espanhol e do inglês). Com a recente e rápida as- guesa. Lisboa, Caminho, 2006.
censão do Brasil como potência emergente num Ferreira, Aurélio B. H. Dicionário Aurélio Século XXI. Rio de Janei-
cenário em que Estados Unidos e Europa en- ro, Nova Fronteira, 2009.

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