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Evolução da Língua Portuguesa

Contexto Histórico.

“Enquanto a língua é um rio caudaloso, longo e largo,


que nunca se detém em seu curso,
a gramatica normativa é apenas
um igapó, uma grande poça de água
parada, um charco, um brejo,
um terreno alagadiço,
á margem da língua.”

Marcos Bagno, Preconceito Linguístico.

Destacam-se alguns períodos:

1) Fase Proto-histórica

Compreende o período anterior ao século XII, com textos escritos em latim


bárbaro (modalidade usada apenas em documentos, por esta razão também
denominada de latim tabeliônico).

2) Fase do Português Arcaico

Do século XII ao século XVI, compreendendo dois períodos distintos:

a) do século XII ao XIV, com textos em galego-português;

b) do século XIV ao XVI, com a separação entre o galego e o português.

3) Fase do Português Moderno

Inicia-se a partir do século XVI, quando a língua se uniformiza, adquirindo as


características do português atual. A literatura renascentista portuguesa,
notadamente produzida por Camões, desempenhou papel fundamental nesse
processo de uniformização. Em 1536, o padre Fernão de Oliveira publicou a
primeira gramática de Língua Portuguesa, a "Grammatica de Lingoagem
Portuguesa". Seu estilo baseava-se no conceito clássico de gramática, entendida
como "arte de falar e escrever corretamente".

História da Língua Portuguesa no Brasil

1500 – Os cerca de 5 milhões de indígenas (estimativa), que habitam as terras


ocidentais da América do Sul na época da chegada dos portugueses, falam mais de
mil línguas, com dois grandes grupos principais: jê (no Brasil Central) e tupi-guarani
(no litoral).


1530 – Com a criação das vilas de São Vicente (1532) e Salvador (1549), se dá a
entrada oficial do Português no território. Os colonizadores adotam os idiomas
indígenas. Mas depois surgem as línguas gerais – próximas às dos índios -, faladas
pelos filhos de portugueses e nativas.


1538 – Os africanos escravizados trazem sua cultura (a banto e a sudanesa são as
principais), também influenciando o Português. Do banto vêm línguas como o
quicongo e o quimbundo. Palavras como bagunça, moleque e caçula são desse
grupo e que falamos até hoje.


1580 – A língua geral paulista, de base tupi, é registrada por expedicionários. Os
jesuítas e os bandeirantes são responsáveis por difundi-la. Para dizer gafanhotos
verdes, fala-se tucuriurie, para esbofetear, eipumpa n sovâ. Ela desaparecerá no
século 18.


1700 – Surge a língua geral amazônica, ou nheengatu, de base tupinambá.
Algumas palavras: tapioca, açaí, tipóia. Ela ainda é falada por 8 mil brasileiros.
Nasce o dialeto de Minas, mistura do Português com a evé-fon, falada por negros
originários da região da Costa da Mina, na África.


1759 – Os jesuítas, que conheciam o tupi e ensinavam as línguas gerais aos índios,
são expulsos. O Marquês de Pombal promulga uma lei para impor o uso do
Português. No entanto, as três línguas (tupi, africana e portuguesa) coexistem por
muito tempo no território.


1808 – A chegada da família real portuguesa marca a difusão da língua, com a
criação da Biblioteca Real e das escolas de Direito e Medicina. O fim da proibição
da existência de gráficas possibilita o surgimento de jornais e revistas e a
massificação de uma maneira de falar.


1850 – Com a chegada de imigrantes e o início da urbanização, há a intensa
assimilação do Português popular pelo culto e a incorporação de estrangeirismos.
Em vez de “tu és”, fala-se “você é” e “nós fizemos” divide espaço com “a gente fez”.

Assim como os demais idiomas, a nossa língua é viva, ou seja, se transforma


e se reinventa com as pessoas ao longo do tempo, expressando uma maneira de
organizar o mundo em nomes e estruturas linguísticas. Algumas alterações ocorrem
naturalmente; outras são determinadas formalmente, como o Acordo Ortográfico
implementado pela CPLP, em 2009, com o objetivo de facilitar o intercâmbio cultural
e científico entre os países que têm o português como idioma oficial – Brasil,
Portugal, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné-Equatorial, Moçambique, São
Tomé e Príncipe e Timor-Leste – e ampliar a divulgação do idioma e da literatura em
língua portuguesa.
A respeito da feira de ciências, nos interessa pensar e apresentar as mudanças na
língua portuguesa a partir da proclamação da república:

A Proclamação da República Brasileira,


também referida na História do Brasil
como Golpe Republicano ou Golpe de
1889,[1] foi um golpe de Estado
político-militar, ocorrido em 15 de
novembro de 1889, que instaurou a
forma republicana presidencialista de
governo no Brasil, encerrando a
monarquia constitucional parlamentarista do Império e, por conseguinte, destituindo o então
chefe de Estado, imperador D. Pedro II, que em seguida recebeu ordens de partir para o
exílio na Europa.[2]

A proclamação ocorreu na Praça da Aclamação (atual Praça da República), na


cidade do Rio de Janeiro, então capital do Império do Brasil, quando um grupo de militares
do exército brasileiro, liderados pelo marechal Manuel Deodoro da Fonseca, destituiu o
imperador e assumiu o poder no país, instituindo um governo provisório republicano, que se
tornaria a Primeira República Brasileira.
Utilizando a proclamação da república como um marco para a nossa feira de
ciências, temos que:
1890 a 1930 - Pico da imigração de europeus e asiáticos. Nesse período chegaram ao
Brasil cerca de quatro milhões de imigrantes, principalmente italianos, portugueses,
espanhóis, alemães, árabes, turcos e japoneses.
1922 – A Semana de Arte Moderna leva o Português informal para as artes. Ao mesmo
tempo, os migrantes vão para a cidade, e o rádio e as novidades urbanas chegam até o
campo. Assim, as variedades linguísticas passam a se influenciar mutuamente.
Em 1922, fazia apenas 33 anos que a República havia sido proclamada no país, e o Brasil
ainda era ainda muito ligado à cultura européia, especialmente portuguesa.


1930 a 1950 – Com o advento da TV, o americanismo chega ao Brasil e, com ele, novos
termos. A criatividade na fala e nas manifestações artísticas movimentam o mundo das
palavras. Expressões populares ganham a boca de todos, como “acabar em pizza” e “jogar
a toalha”.

Fonte: SIQUEIRA FILHO, Boris Dimitri de et al. O estrangeirismo no texto joralístico: as colunas
sociais e o high society. 2009.

1980 – A Constituição de 1988 garante o direito de índios e negros residentes de antigos
quilombos (local onde viviam escravos fugidos) preservarem seu idioma. Atualmente mais
de 220 povos indígenas falam cerca de 180 línguas no território brasileiro.
Podemos compreender que a entrada de grande número de africanos no Brasil, com suas
diferentes culturas e línguas, passou por um processo de adaptação, certo ajuste cultural e
linguístico com a assimilação de novas palavras e, consequentemente, a forma como elas
orientavam o entendimento da nova realidade vivida em português. Entretanto, também
podemos visualizar a presença das palavras africanas nos diferentes espaços da cultura
brasileira. Nesta história, as arestas de como a realidade brasileira era significada são
alargadas diante das palavras das babás, amas de leite e mucamas, negros e negras que,
com seus fazeres e saberes, marcaram a dinâmica da vida privada dos lares brasileiros. No
ambiente da vida pública, o conhecimento de ferreiros, marceneiros e quitandeiras
edificavam o cotidiano das ruas com suas palavras[1].

O Museu da Língua Portuguesa, ao expor o acervo de palavras africanas que


entraram no vocabulário da língua portuguesa, favorecia reconhecer à história a população
africana no Brasil como agente da cultura e da língua portuguesa que se desenhava sobre
este solo. No setor Palavras Cruzadas do museu, por exemplo, visualizávamos palavras
que nos ensinaram a nomear determinados comportamentos, como: bagunça (criar
desordem e confusão), lengalenga (realizar uma conversa enganosa), dengo (ser astucioso
e sedutor, faceirice), encabular (provocar ou sentir vergonha), xingar (insultar, ofender com
palavras), zangado (estar com sentimento de raiva, irritado), zonzo (atordoado, tonto).

Essas são algumas das palavras africanas que continuam vivas a significar
comportamentos e relações sociais, outras ganharam o sentido de gíria na língua
portuguesa falada no Brasil, como babaca (para dizer bobo), borocoxô (triste), biboca,
cafofo ou mocambo (forma de nomear uma casa simples), cafundó (lugar distante), calombo
(calo na cabeça), cambada (grupo de pessoas), coroca (velho), fuçar (procurar), fulo
(bravo), fuzuê (confusão), sacana (de comportamento duvidoso), molambento
(mal-arrumado), tribufu (pessoa feia), urucubaca (uma forma de nomear o estado de falta de
sorte), xodó (fazer um carinho).

De uso frequente, as palavras sunga e tanga, por exemplo, deixaram de ser


associadas aos trajes africanos e indígenas para compor peças do vestuário masculino e
feminino brasileiro, o que sinaliza a mudança de costumes com a apropriação dessas peças
e consequentemente das palavras que as nomeiam.

Era visível a surpresa do público do museu em descobrir não apenas as palavras


africanas que falamos em português como também a mudança de significado que algumas
sofreram. Em sua língua de origem, por exemplo, a palavra beleléu, encontrada na
expressão da gíria paulista “ir para o beleléu”, nomeava um local que compreendemos no
Brasil por cemitério, e a palavra samba significava um ato de oração. Outros exemplos se
somavam a estes na explanação do educador do museu: banguela se referia na origem ao
nome de uma etnia africana conhecida como benguelas; macumba era um instrumento
musical; a palavra ginga referia-se ao nome de uma rainha de Matamba (região Banto); e
quindim, da ideia original de delicadeza, tornou-se um doce feito com ovos, coco e açúcar.
Na relação com o público do museu, a história das palavras e seus novos usos eram
comentados[3].

A palavra quilombo significa aldeia e agrupamento, mas também pode significar o


corpo e o pensamento que não se reconhece como propriedade do outro. O quilombo
atualiza-se no corpo, com novos sentidos e significados que circulam nas escolas de samba
(como a Vai-Vai), nas casas de candomblé e umbanda, nos bailes black, na produção de
uma imprensa negra, numa literatura afro-brasileira e nas congadas festejadas em vários
estados brasileiros.

A cultura é algo que está no corpo, nos gestos, na memória, na forma de andar, no
contorno das expressões verbais e não verbais, não é possível perdê-la, a mudança de um
contexto cultural para outro acompanha adaptações e recriações dadas em palavras, por
isso podemos falar num movimento de antropofagia simbólica no lugar de uma simples
assimilação de palavras e práticas[4].

As línguas mudam ao acompanharem a história dos seus falantes, essa é a história


da língua portuguesa em solo brasileiro, ela também pode adaptar-se às novas relações
linguísticas e culturais. No Brasil, a manutenção da estrutura latina da língua portuguesa
não a impediu de acolher uma nova sonoridade em relação à sua matriz e incorporar um
grande vocabulário de palavras que veio de outras línguas.

A lista abaixo inclui alguns dos extensos vocábulos do português brasileiro que têm
as línguas indígenas em suas origens.

Comidas: maracujá, açaí, caju, tapioca, mandioca (ou macaxeira, aipim), paçoca, cacau,
pipoca
Animais: tatu, jaguar, ariranha, paca, arara, buriti, jacaré, sabiá
Lugares: Pará, Curitiba, Paraná, Sorocaba, Pernambuco, Manaus, Copacabana, Iguaçu,
Anhangabaú, Macaranã, Guarujá, Bauru
Nomes: Moacir, Iracema, Maiara, Ubirajara, Iara, Cauby, Kauane, Tainara,
Termos e expressões: pereba, “nhem nhem nhem”, capenga, xará, cutucar, socar, canoa,
muquirana, mirim


1990 – A entrada da TV em mais de 90% dos lares acaba com o isolamento linguístico, mas
as comunidades reagem às influências, absorvendo, adaptando ou rejeitando-as, mas
sempre mantendo sua identidade. Surgem leis contra o analfabetismo. Nasce o “internetês”.
Internetês é um neologismo (de: Internet + sufixo -ês) que designa a linguagem utilizada no
meio virtual, em que "as palavras foram abreviadas até o ponto de se transformarem em
uma única expressão, duas ou no máximo cinco letras", onde há "um desmoronamento da
pontuação e da acentuação", pelo uso da fonética em detrimento da etimologia, com uso
restrito de caracteres e desrespeito às normas gramaticais.[1]

Para Silvia Marconato, o internetês é uma "forma de expressão grafolinguística que


'explodiu' principalmente entre adolescentes que passam horas na frente do computador no
Orkut, Facebook, Twitter, Google+, Skype, Instagram, Badoo, WhatsApp, Ask.fm, YouTube,
Reddit, Tumblr, e-mail, Viber, Snapchat em chats ou qualquer outras redes sociais, blogues
e comunicadores instantâneos em busca de interação — e de forma dinâmica" e aponta que
estudiosos veem aspectos positivos na simplificação do idioma nesta nova escrita.[2]
Ressalta-se porém que o internetês pode ser usado em ambientes informais e
virtuais, visto que em situações sociais formais e presenciais
2009 - A partir do dia 1º de janeiro de 2009 entrou em vigor o Novo Acordo Ortográfico, e
este trouxe algumas alterações significativas quanto à acentuação, acréscimo de algumas
letras que vieram compor o nosso alfabeto, extinção total do trema, entre outras.
Com o objetivo de estabelecermos uma familiaridade maior sobre estas mudanças,
observaremos a seguir algumas pontuações.
O novo acordo ortográfico da Língua Portuguesa foi feito com o objetivo de unificar a grafia
de países que tem como língua oficial a língua portuguesa. Entrou em vigor em 1º de
janeiro de 2006.
Esse acordo foi feito entre os países: Portugal, Brasil, Angola, São Tomé e Príncipe,
Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e Timor Leste que compõem a Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Através do novo acordo ortográfico da língua portuguesa, a comunicação entre esses


países passou a ser mais fluida, mais fácil.

Como o novo acordo ortográfico da língua portuguesa, a ortografia da língua passou por
mudanças que envolvem:

• O alfabeto
• Acentuação
• Consoantes mudas
• Uso das letras maiúsculas e minúsculas

* O nosso alfabeto, que antes era composto por 23 letras, atualmente possui 26, pois as
letras K, W e Y passaram a incorporá-lo.

Sua utilização se faz presente na grafia de nomes próprios, tais como Yara, Kátia, entre
outros, como também para especificarmos unidades de medida como Kg, Km, Watts.

- O acento diferencial utilizado para distinguir algumas palavras como para (verbo parar) de
para (preposição), não existe mais.

Fato semelhante acontece com os demais vocábulos:

Pera (substantivo) e pera (preposição)


Pelo (substantivo) e pelo (preposição)

- As formas verbais pertencentes a terceira pessoa do plural referente aos verbos:

Crer – ler – dar – ver, não recebem mais o acento circunflexo.

Assim como os substantivos:

enjoo – voo – perdoo (forma verbal)


- Não se usa mais o acento dos ditongos abertos éi e ói das palavras paroxítonas.

assembleia – colmeia – jiboia – joia – heroico

- O acento permanece nas oxítonas terminadas éu(s) , ói(s), e éis(s). Veja:

chapéu (s) – troféu(s) – herói(s) – anéis - fiéis

- Nas palavras paroxítonas, não se usa mais o acento no i e no u tônicos quando vierem
depois de um ditongo.

feiura – bocaiuva - Sauipe

- Observação importante: O acento permanece se a palavra for oxítona e o (i) ou (u)


estiverem no final ou seguidos de (s). Observe:

Piauí – tuiuiú (s)

- O (i) ou (u) tônicos dos hiatos, não antecedidos de ditongos também continuarão
acentuados.

saída – juíza – saúde - graúna

- Quanto ao emprego do hífen, há algumas regras específicas, tais como:

- Algumas perderam o hífen, como é o caso de:

paraquedas – mandachuva – pé de moleque

- Em palavras terminadas por uma vogal e iniciadas pelas consoantes “r” ou “s”.

Antes – ante-sala, auto-retrato, anti-social, ultra-sonografia, extra-seco


Agora – antessala, autorretato, antissocial, ultrassonografia, extrasseco

Embora o hífen ainda permaneça nos prefixos terminados pela letra “r” e iniciados por ela
mesma:
hiper-resistente – super-realista – inter-regional

- Nas palavras em que os prefixos terminam em vogal, acompanhadas por outra com a
mesma vogal, acrescenta-se o hífen:

Antes – microondas, microônibus, antiinflamatório


Agora – micro-ondas, micro-ônibus, anti-inflamatório.

A título de aprofundamento….
ENTREVISTA COM A PROFESSORA ISABEL VEGA:

Geralmente, a maneira de falar se renova mais rápido do que o modo como se escreve. Por
que isso ocorre?

Isabel Vega: A fala acontece de maneira muito mais espontânea do que a escrita. Por isso,
a gente tem uma dificuldade grande na hora de escrever. Na hora de falar, a gente fala até
demais, fala bobagem, depois é que a gente pensa, muitas vezes, no que a gente fala. E a
escrita não. A escrita, como é algo que tem maior permanência, as pessoas têm muito mais
cuidado ao escrever, porque a pessoa pode ser vítima de uma crítica. A língua oral é muito
mais dinâmica, muito mais criativa, mais ágil, e muito menos permanente, com aquela ideia
de que “as palavras o vento leva”. Então, a permanência, de fato, das regras é mais
observada na língua escrita mesmo.

O que são os fatores de mudança da língua? Há alguns que influenciem mais do que
outros?

I.V.: Existem inúmeros fatores de mudança na língua que podem ser agentes cognitivos, por
exemplo, a maneira como a pessoa interpreta aquilo que foi dito, de uma maneira mais
particular ou não, dependendo do contexto, da bagagem cultural que a pessoa tem de vida
mesmo. Mas os fatores, de fato, que determinam na mudança coletiva da língua têm muito
a ver com a idade das pessoas; com a formação delas; com as religiões, porque existe um
arcabouço de algumas estruturas que diferenciam sempre um traço de cultura de outro; o
fator espacial também, se é uma pessoa que mora num grande centro urbano ou numa
propriedade rural, ou se mora no Brasil, em Moçambique, em Portugal. Então, a língua tem
uma diversidade enorme, porque tem uma contribuição enorme em relação a espaço, a
questão da classe social mesmo, quanto tempo tem de estudo, o quanto investe em cultura,
em viagens. Existem inúmeros fatores. Eu não sei se existe assim, em especial, um que
predomine sobre o outro, mas existem aqueles que a gente percebe mais, que chamam
mais atenção. Eu diria que chama muita atenção a diferença em relação a menos
escolaridade e a mais escolaridade e acho que uma linguagem mais envelhecida, das
pessoas com mais tempo de vida, mais idosas, e a garotada, os adolescentes, essa
diferença aí é bastante. Mas não sei se um fator predomina em relação a outro.

Qual foi o fator determinante para a diferenciação da nossa língua portuguesa do português
de Portugal e como se deu essa modificação?

I.V.: O que os teóricos afirmam e o Gilberto Freire, no Casa Grande e Senzala, tem um
capítulo extremamente importante que joga luz sobre esse assunto, é a influência do negro
na vida da sociedade brasileira. E ele fala isso em diversos aspectos, em relação até a
diminuição da mortalidade infantil, porque faz parte, e fazia no século XIX mais ainda, da
cultura portuguesa, assim que as crianças nasciam, elas eram embrulhadas em panos e
mais panos, não podiam entrar em contato com a luz porque os olhos eram muito frágeis e
isso gerava uma mortalidade absurda de recém-nascidos porque o umbigo inflamava,
enchia de bactérias. As crianças não pegavam sol, ficavam ali naquela escuridão daquele
quarto, com um monte de pano amarrado, então era absurda a taxa de mortalidade. E
quando os negros, as mucamas sobretudo, começaram a cuidar das crianças, a primeira
coisa que elas fizeram foi algo que tinha a ver com a cultura delas, que é dar banho nas
crianças. Então, as crianças nasciam e as mucamas davam banho nelas – o que faz parte
da cultura africana –, começaram a vestir roupas leves, aquelas roupinhas de algodão,
roupinhas de pagão como se dizia antigamente. As crianças já não ficavam num quarto
escuro, mas numa penumbra, à luz do sol, e isso fez com que as crianças deixassem de
morrer. Então, a influência do negro na sociedade brasileira é de uma importância absurda.
E, assim como em coisas que a gente nem lembra, nem pensa nisso, que é a questão da
mortalidade do recém-nascido, também é na linguagem. Porque os negros vieram para cá
para interagir com os portugueses que aqui estavam, com os brasileiros, e ninguém ensinou
a eles a língua portuguesa. Eles tiveram que aprender sozinhos. E, ao aprender sozinhos
no contato com os outros, eles foram criando uma porção de estruturas que, hoje, a gente
encontra mais associada à linguagem oral, justamente pela condição dos negros, de estar
associada a uma circunstância muito mais oral do que escrita. Então, isso diferencia
bastante a questão da colocação pronominal, a questão do negro usando próclise para
diferenciar do comando do senhor, que usava ênclise. Isso é uma das coisas que contribuiu
bastante não só em termos de vocabulário, mas em termos da estrutura mesmo da sintaxe.
Pode-se dizer também que a cultura indígena teve uma certa influência ou foi menos do que
a cultura negra?

I.V.: Eu acho que menos. Eu acho que a cultura indígena vai favorecer bastante o
vocabulário, algumas músicas, alguns ritmos, mas, em termos de língua portuguesa, não
vejo essa mudança na estrutura. Porque a interação maior que houve, em termos de língua,
foi realmente no trato dos portugueses e dos brasileiros com os africanos. Até pelo volume
dessa interação, porque os índios não se prestaram muito, como costumam dizer os
historiadores, à escravidão. Eles preferiam morrer a serem escravos e os negros não.
Então, a gente chega a uma época, por exemplo, do começo do século XIX, em que a gente
tem 3 milhões de habitantes e quase 2 milhões são negros. A influência de fato na língua é
absurda e, por isso, a diferença maior com a língua portuguesa falada em Portugal.

Por que muitos termos e gírias utilizados antigamente – como “supimpa”, “mancebo”,
“moçoila” – não são mais tão usados? Em linhas gerais, como ocorreu esse processo?

I.V.: Na verdade, sempre existe o embate entre o novo, que está chegando e quer
conquistar o seu espaço, e aquilo que é o mais antigo, e é natural. Isso acontece em
relação a roupas, em relação a tudo. As pessoas mais novas querem o seu espaço e têm
que ter esse espaço para ter essa renovação. E as gírias também, elas representam um
determinado grupo e uma faixa etária. Na minha época de criança, por exemplo, era muito
comum dizer “mandar brasa”: “olha, vamos mandar brasa! Fazer tal coisa”, um pouco aí do
resquício da jovem guarda. E hoje, por exemplo, quando eu chego para os meus alunos, até
os do curso [preparatório para o CACD], e digo “olha, vamos mandar brasa!”, eles olham
para mim assim com um risinho de “como assim?”; os do [Colégio] Pedro II riem e dizem: “o
que é isso, professora? Mandar brasa? Vai ter churrasco?” (risos). Eles não entendem e
para mim é algo absolutamente natural. Mas eles têm as gírias deles também. E a gente vai
conhecendo as gírias deles também e é assim que a vida vai acontecendo, né? O novo
precisa ter espaço. E aí, para o novo chegar, o mais antigo tem que deixar de ser usado. É
mesmo uma renovação: o antigo tem que sair para dar espaço pro novo, e esse novo vai
virar antigo e o outro novo vai vir, e é assim.

A respeito da realidade plural da língua, o que você pensa sobre a figura tradicional do
gramático no imaginário coletivo? Como essa representação intensifica a ideia de que
existe uma definição precisa e objetiva do que é certo e errado na língua?
I.V.: As pessoas têm esse padrão mesmo. E não precisa nem ser “o gramático”. O professor
de Português já causa um certo constrangimento. Quando você está em algum lugar e
alguém fala assim “nossa, ela é professora de Português”, todo mundo se cala porque
começa a prestar atenção no que vai dizer, porque o professor de Português está ali com a
vara de marmelo na mão para dar na cabeça de um que falar errado. Então, existe sim essa
ideia de que o professor de Português é o carrasco que vigia maneira de falar das pessoas
porque ele sabe, ele é o guardião da língua, ele é o guardião da pureza vernácula do
idioma. E, infelizmente, há alguns professores mais antigos, alguns gramáticos mais antigos
que gostam desse lugar de guardião. Então, acabam aumentando um pouco isso, com essa
ideia de correção: a pessoa fala alguma coisa e o professor tem que corrigir, porque, afinal
de contas, ele é o professor. E isso é uma grande bobagem, porque o espaço de correção é
o espaço de sala de aula, não é o espaço de conversa. É um pouco arbitrário, um pouco
autoritário. Mas as pessoas têm essa ideia do professor de Português e do gramático como
aquele que sabe tudo, que não erra e que vigia os outros, porque ele, sim, sabe qual é a
língua certa. E é uma bobagem porque isso gera, nas pessoas em geral, um certo trauma.
Eu vejo muito os meus alunos do Clio, menino grande (risos), com graduação,
pós-graduação, enfim, viagens e uma bagagem cultural enorme e acham que não sabem
Português. Dizem: “ah, eu não sei Português. Português é muito complicado. É difícil. Como
é que você sabe Português?”. E é uma matéria como outra qualquer, né? Mas o problema
são esses traumas de incapacidade, como se a pessoa não se sentisse capaz, natural, na
sua própria língua, no seu próprio idioma. Isso é uma pena, mas existe. Infelizmente, existe.
A primeira aula que a gente tem no curso, a gente fala exatamente sobre esse tema, para
desmistificá-lo. Porque a língua é a que nós usamos, como a roupa é a que nós vestimos.

Não existe um certo e um errado. É isso?

I.V.: Existem os certos, existem os errados, de acordo com os contextos em que essa língua
é usada. Ontem mesmo um aluno me perguntou, a gente estava saindo da sala e ele falou
assim: “professora, quando a gente usa assim ‘a ti te digo’… Porque eu li isso na bíblia, mas
isso não é horroroso?! Isso está errado? Porque está na bíblia”. Bom, se está na bíblia tem
que estar certo, né? (risos). É a ideia que as pessoas têm. Eu falei: “olha, ‘a ti te digo’ tem
duas figuras de linguagem aí: uma é a inversão, porque você pega o objeto e traz pra
frente; e a outra é o pleonasmo, que é o ‘te’. Então, pegar o ‘a ti’, trazer pra frente e repeti-lo
na forma do ‘te’, oblíquo, na verdade, você está usando duas figuras de linguagem. Então,
não está errado”. “Mas pleonasmo não é vício?” (risos). “Depende do contexto. Aí, não. Aí,
é um reforço. O vício de linguagem é quando você precisa ser claro, ser conciso, e você usa
a linguagem de uma maneira que não está adequada. Então, se você diz ‘eu tenho que
subir para cima’, aí é um vício de linguagem, porque o ‘subir’ já está dizendo que é para
cima. Agora, o ‘a ti te digo’ está só reforçando o realce no receptor, no interlocutor. Então,
não é erro. Por que como é que você vai dizer que usar uma figura de linguagem é erro?
Não é erro, é estilo”. “Ah, mas se eu escrever isso numa segunda fase [do CACD]?”. Aí, é
erro. E por que é um erro na segunda fase? Não pelo uso do pleonasmo ou da inversão,
mas porque, na segunda fase, eles [a banca] contam palavras e a linguagem tem que ser
concisa e objetiva. O errado é você usar a figura de linguagem. Não o pleonasmo, é
qualquer figura de linguagem. Então, a gente tem que, o tempo inteiro, estar com a cabeça
ligada porque não é erro. Existe a ideia de adequação e não adequação, daquilo que flui
mais para informar, de maneira mais objetiva, ou atrapalha a comunicação. É com isso que
a gente trabalha o tempo todo.

O tema “variação da língua” costuma ser abordado nos concursos públicos de Carreiras
Internacionais (CACD, OfChan, Abin e MDIC)? Como esse conteúdo costuma aparecer nas
provas?

I.V.: Exatamente como eu estava falando ainda agora. É um tema bastante caro, sobretudo
pro CACD, porque o diplomata é aquele que a gente imagina que é o que mais sabe e
melhor sabe usar o idioma. Ele precisa representar o país, está numa situação de alto nível,
de trocas, de convencimento, de persuasão, então ele precisa dominar o idioma de uma
maneira muito grande. Ele tem que estar muito afinado com o idioma e, justamente, nas
suas diversas realizações. E, por isso, o concurso tem duas fases, que são tão distintas. Na
primeira fase, eles querem que o candidato tenha uma visão linguística da coisa, da língua;
a questão da variação volta e meia é colocada; a língua oral muito mais valorizada do que a
língua escrita porque, justamente, ela é mais autentica, mais dinâmica, mais representativa
do nosso tempo. Eles querem essa visão linguística na primeira fase. Na segunda fase, eles
esquecem a linguística e querem a gramática tradicional, mais castiça possível. Então, eles
testam os candidatos das duas maneiras: do ponto de vista do domínio da língua teórico, no
reconhecimento dos vários usos, e na questão prática, em que eles elegem a norma
padrão. Isso volta e meia cai em concurso, na primeira fase, na segunda fase e, sobretudo,
na escrita da segunda fase. Nos outros concursos, às vezes, cai em alguns textos, mas é
mais diluído. No CACD, não. No CACD, é um assunto… é o primeiro capítulo do Celso
Cunha [bibliografia para o concurso]. Então, é matéria de língua portuguesa.

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