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Jean Caune
Professor emérito da Université Stendhal, Grenoble 3
Groupe de Recherche sur les Enjeux
de la Communication (Gresec)
E-mail: jean.caune@wanadoo.fr
Jean Caune - As relações entre cultura e comunicação: núcleo epistêmico e forma simbólica
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nação causal que faz com que as transforma- instituições, da admnistração do político, e
ções da organização de um empreendimento também no setor do lazer e da cultura.
dependam das inovações técnicas, tanto no
domínio da produção quanto no domínio da 1.2 As indústrias culturais
administração, não é viável. As inovações técnicas, em matéria de pro-
A experimentação das novas tecnologias dução e de difusão das imagens e dos sons,
ou, mais precisamente, de sua difusão, foi participaram da emergência e do desenvolvi-
abordada segundo dois procedimentos: mento da “época da reprodutibilidade técni-
• aquele da oferta que se preocupa com os ca”, da qual Walter Benjamin foi um dos mais
meios de assegurar a penetração das no- apurados analistas. Seu mérito foi o de ressal-
vas tecnologias; tar a recepção feita pelo espectador (Benja-
• aquele da demanda que, contrariamente, min, 1939). Essa época deu origem às indús-
tem sua base nas necessidades hipotéticas trias culturais que constituem a sua principal
dos indivíduos e se questiona sobre a ca- fonte de valor e de lucros. As pesquisas de
pacidade das tecnologias em dar respos- Martín-Barbero se situam nessa perspectiva.
tas a tais necessidades. De fato, este autor se recusa a examinar a cul-
Essa última orientação tem seus funda- tura em sua simples dimensão de enunciado,
mentos em uma visão determinista e fun- e a situa como um momento da construção
cionalista da natureza das necessidades cul- do sujeito individual e coletivo. A cultura, se-
turais que mostrou seus limites. Ela supõe, gundo ele, requer ser avaliada em função de
na verdade, que o lugar dos novos produtos sua recepção, das apropriações e dos desvios
está profundamente inscrito nas demandas que ela ocasiona. Estes dois últimos pontos
sociais. Ela constrói a hipótese de que cada de vista realizam um descentramento da
nova tecnologia corresponde a determinadas análise cultural. Esse descentramento ques-
atividades ou comportamentos que podem tiona o modo como a análise cultural pode
ser isolados. ser conduzida tanto pelas pessoas que des-
A inovação é o fruto do encontro entre valorizam a cultura de massa e as indústrias
uma técnica, uma organização e um quadro culturais ilustradas por uma certa esquer-
cultural dentro do qual ela se desenvolve. A da radical, na França e nos Estados Unidos,
técnica, incluindo as relações sociais e a or- quanto pelos setores corporativistas que, na
ganização, são constituídas através da me- França, consideram que a cultura de massa é,
diação das técnicas, sejam elas materiais ou em si mesma, um instrumento de alienação
relacionais. A convergência entre os fatores (Lasch, 2001). Cinqüenta anos depois, Ben-
técnicos e as condições culturais deram lu- jamin, assim como Martín-Barbero, rejeita
gar a inúmeros trabalhos, em particular para esse ponto de vista funcionalista, que perce-
pensar as condições de difusão da inovação be o processo de comunicação de maneira
(Flichy, 1995). O modelo “difusionista” da determinista, unívoca e essencialmente de-
inovação parece ultrapassado, uma vez que terminado pela difusão de conteúdos.
a inovação se apresenta como um processo Os primeiros trabalhos franceses sobre as
atravessado por conflitos permanentes, pelas indústrias culturais souberam escapar à visão
estratégias de atores e pelas alianças e com- elitista de Theodor Adorno e de Max Horkhei-
promissos estabelecidos entre eles (Callon, mer, os quais culpavam a indústria cultural de
1989; Latour, 1992). Se considerarmos as desvirtuar a criação artística (1974). Assim, a
práticas sociais e as relações sociais institu- tese fundadora da obra Capitalisme et indus-
ídas, veremos que a inovação, que não deve tries culturelles (Huet et alii, 1978) desenvolvia
ser reduzida à produção de bens, se desen- uma lógica baseada nos atores, na qual os edi-
volveu de maneira desigual nos domínios da tores assumem uma função central ao garantir
produção e da difusão do saber, da gestão das a articulação das atividades artísticas, técnicas,
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que resulta da criação e da utilização de uma se como um conteúdo veiculado pela comu-
técnica, transforma-a em uma produção nicação – nem situados em planos paralelos,
cultural específica. Ele coloca em evidência em correspondência analógica.
a intencionalidade comunicacional presente
na produção da exposição (Davallon, 2000). 2.1 Abordagem pretendida
Tal concepção, que confere à exposição uma As distinções necessárias entre cultura e
dupla dimensão de significação e de comuni- comunicação se definem em um campo de
cação, possui uma natureza semântico-prag- conhecimento trabalhado pelas ciências hu-
mática. Assim, o sentido da exposição con- manas e sociais e delimitado pelas condições
siste em investigar os efeitos que ela provoca materiais, técnicas e políticas de uma socie-
sobre o receptor: ao mesmo tempo no plano dade. Dito de outra maneira, essas distinções
sensível e no plano inteligível. O estatuto da devem remeter a uma inscrição dentro de
exposição como um agenciamento de coisas uma história dos modos de produção e de
não a define como um objeto semiótico a difusão das informações, das técnicas de co-
priori. Ela se transforma em tal objeto atra- municação, dos dispositivos de circulação e
vés da atividade de compreensão do visitante de recepção da arte. As questões que aqui se
dentro do quadro comunicacional no qual a apresentam são de duas naturezas.
exposição se inscreve. Essa abordagem, que
conjuga o objeto cultural e a perspectiva
comunicacional, nos obriga a interrogar os
tipos de relações que caracterizam a exposi-
A aproximação entre
ção, independetemente de seus conteúdos e as noções de cultura e
de sua apresentação (mise en scène). de comunicação não é
Meu objetivo é o de efetuar uma operação da ordem das circuns-
de articulação entre os dois tipos de discur- tâncias históricas ou
so acima mencionados, a fim de examinar técnicas. Uma não se
como as noções de cultura e de comunica-
constitui sem a outra
ção se entrecruzam e estabelecem seus con-
tornos dentro do campo das ciências sociais
e humanas. Desejo, portanto, estabelecer as
fronteiras elásticas nas quais os processos A primeira diz respeito à identificação
comunicacionais e os fenômenos culturais dos traços comuns aos processos culturais
se confrontam para tecer os temas de uma e aos processos de comunicação (Caune,
experiência partilhada. 2006). A partir dessa proximidade conceitual
podemos notar que a reflexão sobre os fatos
2. Os modos de articulação da cultura e sobre os modos de comunicação
nos coloca diante da questão das relações en-
A aproximação entre as noções de cultura tre indivíduo e sociedade. Se a cultura é um
e de comunicação não é da ordem das cir- fato de sociedade, só pode existir uma cul-
cunstâncias históricas ou técnicas, ainda que tura manifesta, transmitida e vivida pelo in-
a industrialização da cultura e o desenvolvi- divíduo. Se os suportes de comunicação são
mento das comunicações de massa tenham específicos de uma determinada sociedade,
contribuído a deslocar as fronteiras, a mo- as relações de comunicação envolvem os in-
dificar os atores e a confundir as funções. Na divíduos através das relações intersubjetivas
verdade, a cultura e a comunicação formam e através dos fenômenos de recepção ligados
uma estranha parceria. Uma não se constitui aos meios de comunicação. O segundo ponto
nem se explica sem a outra. Os fenômenos relaciona-se aos respectivos papéis desempe-
não são nem perfeitamente ajustados (um nhados por esses fenômenos na construção
contendo o outro) – a cultura apresentando- da realidade social e do mundo vivido. A con-
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o teatro (entendido enquanto representação técnica, como uma matriz que gera uma vi-
em ação de um texto), a dança (concebida são específica de uma sociedade na qual os
enquanto arte do movimento no espaço) e o fenômenos da cultura e da comunicação se
happening (visto enquanto intervenção e per- sobrepõem. Falta ainda reconhecê-la nas for-
formance) (Caune, 2006). mas contemporâneas presentes nos meios de
A colagem, compreendida como moda- comunicação, nas exposições, nos espetácu-
lidade particular de representação, pode ser los e em certas modalidades de hibridação de
considerada, para além de sua dimensão práticas culturais.
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