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Perspectivas culturais no ensino das

artes

Apresentação
A cultura é dinâmica, se recicla incessantemente incorporando novos elementos, abandonando
antigos, mesclando os dois, transformando-os em um terceiro com novo sentido. Tratamos,
portanto, do mundo das representações, incorporadas simbolicamente na complexidade das
manifestações culturais. Cultura não é acessório da condição humana, é, sim, o essencial dela. O ser
humano é humano porque produz cultura, dando sentido à experiência objetiva, sensorial.

Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai estudar os conceitos de Cultura e de Hibridismo


Cultural, termo tão discutido na atualidade, e de que modo eles se relacionam com o ensino das
artes.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Definir o conceito de Cultura.


• Relacionar a Cultura ao Ensino de Artes.
• Descrever a Cultura Híbrida.
Desafio
A cultura se moderniza e se traduz em linguagens reatualizadas que são comuns aos diversos
sujeitos em idade escolar. Além disso, a escola aparece como um espaço privilegiado de práticas
coletivas, artísticas, de sociabilidades, representações, símbolos e rituais que os educandos buscam
para demarcar uma identidade. A sala de aula reflete uma experiência de convivência com
diferenças e, por que não citar, diferenças artísticas. Independentemente dos conteúdos
ministrados, da postura metodológica dos educadores, é um espaço potencial de criatividade, do
fazer artístico e também confronto de valores e visões de mundo, que interfere no processo de
formação, criação e educação dos alunos.

Sabendo disso, você, professor(a) de Artes, decide desenvolver aulas cada vez mais próximas da
realidade de seus alunos que, durante o intervalo, se reúnem para ouvir funk em seus celulares e
dançar. Em alguns dias, chegam a reunir na quadra várias turmas, para fazer “disputas de funk”, nas
quais um desafia o outro para mostrar o seu melhor na dança.

De acordo com o seu conhecimento teórico e o que você sabe sobre eles, escreva de que modo
você traria a realidade dos alunos para a sala de aula, analisando o papel da escola frente às
diferentes manifestações culturais.
Infográfico
Cultura significa todo aquele complexo que inclui o conhecimento, a arte, as crenças, a lei, a moral,
os costumes e todos os hábitos e aptidões adquiridos pelo ser humano. A cultura é o que comunica
o outro, em todas as suas particularidades...

Veja, no Infográfico a seguir, o que pensa cada um dos principais teóricos de Cultura, sobre o seu
conceito.
Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar.
Conteúdo do livro
As culturas, hoje, se encontram mescladas, dialogam entre si e, para muitos estudiosos, têm se
tornado homogeneizadas, recebendo, assim, uma nova nomenclatura “culturas”, não sendo mais
possível referir-se a elas como uma coisa una, heterogênea. Esse aspecto foi possibilitado pela
intensificação do processo de globalização, que proporcionou o encurtamento das distâncias e a
propagação, em escala mundial, da narrativa dos meios de comunicação, grandes responsáveis por
ligarem pessoas das mais diversas partes do mundo. Mas o fato é que essa homogeneização é
possibilitada, principalmente, pela uniformização do consumo. Apesar do processo de globalização,
que busca a mundialização do espaço geográfico – tentando, por meio dos meios de comunicação,
criar uma sociedade homogênea – aspectos locais continuam fortemente presentes. A cultura é um
desses aspectos: várias comunidades continuam mantendo seus costumes e tradições.

Acompanhe a leitura do capítulo Perspectivas Culturais no Ensino das Artes da obra "Metodologia
do Ensino de Artes", que serve como base teórica desta Unidade de Aprendizagem.

Boa leitura.
METODOLOGIA
DO ENSINO DE
ARTES
Cléa Coutinho Escosteguy
Romualdo Corrêa
Perspectivas culturais
no ensino de artes
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Compreender o conceito de cultura.


 Relacionar a cultura com o ensino de artes.
 Conhecer a cultura híbrida.

Introdução
A cultura é parte do ser humano, nela está o que regula nossa convivência
e nossa comunicação em sociedade. Uma cultura não é estática, ela está
em constante mudança de acordo com os acontecimentos vividos por
seus integrantes.
Neste texto, será abordado sobre o conceito de cultura e sua relação
com o ensino das artes, bem como o estudo sobre a cultura híbrida que
tanto se fala na atualidade.

O que é cultura?
A antropologia estuda o fenômeno do homem, a mente do homem, seu corpo,
sua evolução, origens, instrumentos, artes ou grupos – não simplesmente em
si mesmos, mas como elementos ou aspectos de um padrão geral ou de um
todo. Para enfatizar esse fato, os antropólogos tomaram uma palavra de uso
corrente para nomear o fenômeno e difundiram seu uso. Essa palavra é cultura.
Quando se fala como se houvesse apenas uma cultura, como em cultura
humana, isso se refere muito amplamente ao fenômeno do homem; por outro
lado, quando se fala sobre uma cultura ou sobre culturas da África, a referência
ocorre em relação às tradições geográficas e históricas específicas, casos
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especiais do fenômeno homem. Assim, a cultura se tornou uma maneira de


falar sobre o homem e sobre casos particulares do homem quando visto sob
uma determinada perspectiva.
Quando se fala de pessoas que pertencem a diferentes culturas, estamos,
portanto, nos referindo a um tipo de diferença muito básico entre elas, sugerindo
que há variedades específicas do fenômeno humano.
A cultura é dinâmica e se recicla incessantemente, incorporando novos
elementos, abandonando antigos, mesclando os dois e transformando-os num
terceiro com novo sentido. Tratamos, portanto, do mundo das representações,
incorporadas simbolicamente na complexidade das manifestações culturais.
Cultura não é acessório da condição humana, mas sim o essencial. O ser hu-
mano é humano porque produz cultura, dando sentido à experiência objetiva,
sensorial. É o que diz o conceito de “cultura” defendido por Geertz (1989),
segundo o qual o homem é um animal amarrado a teias de significados que
ele mesmo teceu, sendo a cultura essas teias e sua análise.
A cultura é pública porque o significado também é. Fica marcado, portanto,
o caráter eminentemente social das identidades. Ainda aqui, os membros
escolhem aderir ao conjunto de práticas e crenças vinculadas a tal identidade,
“[...] a mais essencial de todas as criações ou invenções modernas [...]”, como
afirma o sociólogo polonês Bauman (2008). Daí a importância da interação
social do “outro” na construção dos espaços simbólicos onde expressamos
nossa existência humana em termos de múltiplas identidades.
Portanto, quando se diz que “fulano é sem cultura”, a referência é sempre
onde nossos pés pisam. Ou seja, pressupõe-se que essa pessoa não se adeque
aos princípios, valores, comportamentos e atitudes específicos da cultura em
que estamos inseridos e que compartilhamos no dia a dia. Já no senso comum,
isso também pode significar que a pessoa em questão possui pouco estudo,
uma vez que a referência, nesse caso, passa a ser a erudição e o acesso aos
saberes mais elaborados.
A cultura em seu sentido antropológico, por outro lado, transcende a noção de
refinamento intelectual (cujo adjetivo é “culto”, e não “cultural”). A cultura per-
mite traduzir melhor a diferença entre nós e os outros e, assim fazendo, resgatar
a nossa humanidade no outro e a do outro em nós mesmos (DAMATTA, 1997).
Ao seguirmos essa perspectiva, tornamo-nos mais respeitosos com relação ao
outro, pois este outro nada mais é do que nosso espelho, refletindo a unidade na
diversidade. Para além da tolerância, perseguimos a convivência e a harmonia.
Logo, é muito importante trazer o conceito de hibridismo cultural de Canclini
(2011), pois ele é pioneiro ao pensar o conceito de hibridismo cultural sob um
viés político que se estabelece por meio de interações entre as culturas de elite
Perspectivas culturais no ensino de artes 3

e indígena. Para o autor, o processo de hibridação garantiria a sobrevivência da


cultura indígena e levaria a um processo de modernização da cultura de elite.
O hibridismo cultural, para o autor, traz consigo a ruptura da ideia de pureza.
É uma prática multicultural possibilitada pelo encontro de diferentes culturas.
Nesse sentido, são apontados pelo autor dois processos principais que,
segundo ele, possibilitaram a desarticulação cultural na América Latina: o
descolecionamento e a desterritorialização. Ambos os processos foram
fundamentais para a expansão dos gêneros “impuros”, que, de acordo com
ele, são a expressão máxima do hibridismo cultural.
O descolecionamento dá sentido, sobretudo, ao fim da produção de bens
culturais colecionáveis, resultando na quebra de divisões entre cultura eli-
tista, popular e massiva. O descolecionamento seria possibilitado pelo uso de
recursos tecnológicos como a fotocopiadora, o videocassete e o videogame,
que destituiriam as referências que ancoravam o sentido das coleções. Eles
permitem que um bem cultural seja reproduzido e disponibilizado mais fa-
cilmente para a população.
Já o processo de desterritorialização, segundo fator responsável pela
desarticulação cultural na América Latina, não é entendido, conforme tenciona
Canclini (2011), tendo como ponto de alicerce apenas as questões geográfi-
cas. Ele é fundamentado, sobretudo, pela transnacionalização dos mercados
simbólicos, ocasionada pela descentralização das empresas e a disseminação
dos produtos pela eletrônica e telemática.
As culturas hoje se encontram mescladas, dialogam entre si e, para muitos estu-
diosos, têm se tornado homogeneizadas, recebendo assim, uma nova nomenclatura
– “culturas” –, não sendo mais possível referir-se a elas como algo heterogêneo.
Esse fator foi possibilitado pela intensificação do processo de globalização, que
proporcionou o encurtamento das distâncias e a propagação, em escala mundial,
da narrativa dos meios de comunicação, grandes responsáveis por ligarem pessoas
das mais diversas partes do mundo. Contudo, o fato é que essa homogeneização
é possibilitada, principalmente, pela uniformização do consumo.
Veja:

O mundo está aí, mais integrado como nunca. A telefonia celular e a In-
ternet tornaram possível a profecia de Marshal McLuhan de que o planeta
se transformaria numa aldeia global. A revolução tecnológica transforma
as novas conquistas em sonhos de um mundo melhor. Contudo, o que se
vê em nossos dias é o desmonte dos Estados em nome da liberdade de
comércio – liberdade que é, diga-se de passagem, sinônimo de condições
que favoreçam o laissez-faire. Na esteira do fenômeno globalizatório,
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ocorre a difusão dos hábitos de certas culturas consideradas dominantes.


Como consequência, tais hábitos e modismos são padronizados, o que
promove uma homogeneização cultural. (SEIXAS, 2009)

Figura 1. Diversidade Cultural.


Fonte: Annasunny24/Shutterstock.com.

Apesar do processo de globalização, que busca a mundialização do espaço


geográfico – tentando, por meios de comunicação, criar uma sociedade homo-
gênea –, aspectos locais continuam fortemente presentes. A cultura é um desses
aspectos: várias comunidades continuam mantendo seus costumes e tradições.

A cultura e o ensino de artes


Desde os primórdios da escola no Brasil, as metodologias de ensino e os pro-
cessos de aprendizagem em Arte, disciplina também chamada de Educação
Artística, são temas de reflexão entre pesquisadores e educadores da área.
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Essa disciplina, juntamente com o ensino escolar, sofreu várias reformulações


nesse processo de ensinar e em diferentes períodos de modo geral.
Para que o processo de ensino e aprendizagem de artes aconteça com
eficácia, é necessário que o professor trabalhe com os conhecimentos de sua
formação acadêmica – como, por exemplo, Artes Visuais, Música ou Teatro
–, porém ele deve fazer relações com os saberes das outras linguagens/áreas
da Arte, proporcionando ao aluno uma perspectiva de maior conhecimento
do que foi produzido ao longo dos anos pela humanidade.
O papel do professor contemporâneo pode ser também o de conseguir
promover um diálogo crítico entre os alunos sobre as infinitas possibilidades
de compreensão dos conteúdos artísticos e de si próprios. Afinal, o professor
deve ser aquele que o aluno sempre acredite ser quem sabe mais, para que dele
o aluno tenha a consciência de sempre ter algo de novo a aprender.
O ensino de artes também deve proporcionar ao aluno uma perspectiva de
maior conhecimento do que foi produzido ao longo dos anos pela humanidade.
E a produção de hoje? Não tem ou terá importância ou mesmo valor? Sem a
devida correlação entre passado, presente e futuro desses conteúdos para os
sujeitos/alunos – que pode ser feita pelo professor, de forma horizontal –, o
conceito histórico de Arte não terá a menor importância para os alunos e, por
conseguinte, continuaremos a formar cidadãos, pela Arte, passivos e indiferentes
às manifestações artísticas culturais, sejam elas locais, nacionais ou universais.
Nesse sentido, vale recorrer à afirmação de Richter (2003), em seu livro
Interculturalidade e estética do cotidiano no ensino das artes visuais, quando
se refere aos novos paradigmas que deve ter o ensino de artes na contempo-
raneidade, principalmente se levarmos em conta a grande diferença cultural
existente em nossos grupos sociais.
O ensino de artes na escola precisa preservar essa linha de encantamento
do universo estético das crianças para poder não somente contextualizar o
ensino da Arte em si, mas também contextualizá-lo em relação ao meio cultural
e estético em que as crianças estão inseridas. Para tanto, é preciso ampliar o
conceito de Arte, adotando uma visão antropológica de cultura, na tentativa
de encontrar caminhos para a realização de uma experiência de ensino das
artes visuais com caráter de pós-modernidade, e uma postura de dissolução
entre as fronteiras da arte popular e da arte dita erudita.
Pode-se dizer, então, que é necessário privilegiar um conceito de cultura
para estudar e ensinar a produção artístico-cultural, pensando-se em um
ensino culturalista somente se o fizermos sem nenhum sentido dicotômico
entre cultura popular ou cultura erudita, ou, ainda, cultura universal ou cul-
tura particular. Defende-se a ideia de que atualmente esse ensino deverá ter
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como “atravessador”, principalmente para estabelecer a inter-relação entre o


próprio e o alheio, os recursos tecnológicos existentes nas escolas e os de poder
pessoal dos próprios alunos ou dos professores, posto que, como bem observa
Pozo (2002), “[...] a informatização do conhecimento tornou muito mais acessí-
veis todos os saberes ao tornar mais horizontais e menos seletivos a produção
e o acesso ao conhecimento”. Além disso, devemos ter sempre em mente que
a multiplicidade de identidades que se formaram, e ainda se formam, a cada
dia nas salas de aula é uma realidade que veio para permanecer e continuar
sendo formulada e reformulada.
A escola é um espaço sociocultural e deve ser compreendida na ótica da
cultura sob um olhar mais detalhado, que leva em conta o dinamismo do fazer
cotidiano, levado e feito por homens e mulheres, trabalhadores e trabalhadoras,
negros e brancos, adultos e adolescentes, enfim, alunos e professores deste
espaço – sujeitos sociais e históricos.
Falar da escola como espaço sociocultural implica, assim, desvelar o papel
dos sujeitos na trama social que a constitui enquanto instituição. A discussão
das relações entre escola, arte e cultura é inerente a todo o processo educa-
tivo. Não há educação que não esteja envolvida na cultura da humanidade e,
particularmente, no momento histórico em que se situa. Não se pode conceber
uma experiência pedagógica “desculturizada” em que a referência cultural não
esteja presente. A escola é, sem dúvida, uma instituição cultural. Portanto, as
relações entre escola e cultura não podem ser concebidas como entre dois polos
independentes, mas sim como universos entrelaçados, como uma teia tecida
no cotidiano e com fios e nós profundamente articulados (MOREIRA, 2006).
O que não pode ser esquecido é que os alunos chegam à escola marcados
pela diversidade, reflexo dos desenvolvimentos cognitivo, afetivo e social,
evidentemente desiguais em virtude da quantidade e qualidade de suas ex-
periências e relações sociais prévias e paralelas à escola.
Dessa forma, o espaço de educação necessita apreender os educandos como
sujeitos socioculturais. O educador não pode ter uma visão homogeneizante
e estereotipada do aluno; ele deve dar outro significado a ele. Trata-se de
compreendê-lo na sua diferença enquanto indivíduo que possui uma história,
com visões de mundo, escalas de valores, sentimentos, emoções, desejos,
projetos, lógicas de comportamentos e hábitos que lhe são próprios.
O que cada um deles é, ao chegar à escola, é fruto de um conjunto de
experiências sociais vivenciadas nos mais diferentes espaços sociais. Assim,
para compreendê-lo, temos de levar em conta a dimensão da “experiência
vivida”. Como lembra Thompson (1981), é a experiência vivida que permite
apreender a história como fruto da ação dos sujeitos.
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Figura 2. Troca de experiências vivenciadas.


Fonte: Dmitriy Domino/Shutterstock.com.

É a partir das manifestações culturais e artísticas que o educando conta as


suas vivências, traz à tona a sua realidade de vida e também da comunidade.
Eles experimentam suas situações e relações produtivas como necessidades,
interesses e antagonismos e elaboram essa experiência em sua consciência
e cultura, agindo conforme a situação determinada. Assim, o cotidiano se
torna espaço e tempo significativos porque expressa sentimentos, frustrações
e sonhos em todas as manifestações artísticas.

O responsável definitivo da natureza, sentido e consistência do que os alunos e alunas


aprendem na sua vida escolar é este vivo, fluido e complexo cruzamento de culturas
que se produz na escola entre as propostas da cultura crítica, que se situa nas disci-
plinas científicas, artísticas e filosóficas; as determinações da cultura acadêmica, que
se refletem no currículo; as influências da cultura social, constituídas pelos valores
hegemônicos do cenário social; as pressões cotidianas da cultura institucional, pre-
sente nos papéis, normas, rotinas e ritos próprios da escola como instituição social
específica; e as características da cultura experiencial, adquirida por cada aluno através
da experiência dos intercâmbios espontâneos com seu entorno (GÓMEZ, 1998, p. 17).

Nesse sentido, a cultura se moderniza e se traduz em linguagens reatuali-


zadas que são comuns aos diversos sujeitos em idade escolar. Além disso, a
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escola aparece como um espaço privilegiado de práticas coletivas, artísticas,


de sociabilidades, representações, símbolos e rituais que os educandos buscam
para demarcar uma identidade.
Assim, o cotidiano na sala de aula reflete uma experiência de convivência
com as diferenças e – por que não citar? – diferenças artísticas. Independente-
mente dos conteúdos ministrados e da postura metodológica dos educadores, é
um espaço potencial de criatividade, do fazer artístico e também do confronto
de valores e visões de mundo que interfere no processo de formação, criação
e educação dos alunos.

O hibridismo cultural
Podemos definir “culturas híbridas” como um rompimento entre as barreiras
que separa o que é tradicional e o que é moderno, entre o culto, o popular e
o massivo. Em outras palavras, culturas híbridas consistem na miscigenação
entre diferentes culturas, ou seja, uma heterogeneidade cultural presente no
cotidiano do mundo moderno.
Essa miscigenação une traços distintos de diferentes visões de mundo,
formando, assim, uma nova cultura, que resultará na elaboração de signos de
identidades. Esse processo dá origem a uma identidade própria de um povo,
uma cultura local.
Segundo Canclini (2011), grande antropólogo e considerado um dos maiores
investigadores em comunicação e estudos culturais, a cultura é como um
processo em constante transformação, diferenciando-se da tradicional visão
patrimonialista e adotando uma postura de mobilidade e ação. Esse mesmo
autor também defendeu o polêmico conceito de relativismo cultural. Segundo
ele, todas as culturas possuem formas próprias de organização e caracterís-
ticas que lhes são intrínsecas e que, embora possam nos parecer estranhas,
devem ser respeitadas. Neste segundo sentido, sua postura naturaliza a cultura
humana. Ele considerou o consumo como uma das principais características
da cultura contemporânea.
Já sobre cultura híbrida, Canclini (2011) trabalha com o cenário latino-
-americano e remete à compreensão de acabar com a dualidade constituída a
partir de campos de disciplinas segmentadas para entender um processo unido,
já que extinguiu as fronteiras entre massivo, popular e culto. Ele se ocupa tanto
dos usos populares quanto dos cultos, tanto dos meios de comunicação massivos
quanto dos processos de recepção e apropriação simbólica. O entrelaçamento
desses elementos foi o que o autor chamou de culturas híbridas.
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A explicação para esse processo estaria na quebra e mescla das diferentes


expressões que organizam os sistemas culturais, não sendo mais papel do
culto ou do massivo produzir determinadas culturas, mas sim que o que se
produz atualmente seja abarcado pelo processo de globalização. Ele também
explica que a cultura já não mais diferencia classes sociais, devido a uma
maior circulação de bens simbólicos. Essas possiblidades transclassistas
aumentam o processo de hibridação, e, como consequência, surgem novas
formas de identidade social.
Para o pesquisador, o processo de hibridação cultural da América Latina
provém até mesmo do processo de colonização, em que foram absorvidas
diferentes culturas de diferentes povos, causando a miscigenação que é tão
presente nesse local e interferindo no processo de uma identidade forte e
única, que, segundo ele, seria o passo crucial para a modernização da América
Latina – não se prender a modelos preconcebidos, mas sim encontrar o seu
próprio caminho.
Porém, para abordar e estudar as culturas híbridas, Canclini (2011) defende
a necessidade da adoção de um enfoque que também poderia ser chamado
de híbrido, pois resulta da combinação da antropologia com a sociologia, da
arte com os estudos das comunicações.
Para esse processo de hibridação cultural, Canclini (2011) procura achar
alguns motivos que definam o porquê desse acontecimento. Apesar da comple-
xidade do assunto, o autor consegue explicar o processo de hibridação devido
a três razões: a primeira seria a queda dos grandes centros disseminadores
de cultura – com essa variedade cultural crescente no mundo, não há mais
um grande centro que transmita a cultura e que a emita de forma homogenia,
provocando, assim, uma pluralidade de culturas, quebrando o padrão antigo
da sociedade. A segunda é a disseminação de gêneros “impuros”: tomando
como exemplo os ritmos musicais, podemos perceber que diversos ritmos
se misturaram com o tempo e se espalharam, criando uma variação nova de
ritmos ao redor do globo.
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Figura 3. Hibridação cultural.


Fonte: oneinchpunch/Shutterstock.com.

O mesmo pode ser visto na cultura: a mistura de costumes causou uma


disseminação de gêneros misturados, causando uma variação cultural muito
rica. A terceira razão é, por fim, a desterritorialização.

Em suas obras, Nestor García Canclini critica o chamado “eurocentrismo” daqueles que
querem compreender a cultura local a partir dos padrões europeus, considerando-a,
por isso, atrasada e não civilizada.
Perspectivas culturais no ensino de artes 11

Contudo, nossas identidades culturais, em qualquer forma acabada, estão à


nossa frente. “Estamos sempre em processo de formação cultural [...]” (HALL,
2003). O mesmo autor afirma que a cultura é uma produção que possui seus
recursos, sua matéria-prima e seu “trabalho produtivo”. Cuche (2002) aponta
que, da mesma forma como a cultura, “[...] a identidade se constrói, descons-
trói e se reconstrói, segundo as situações [...]”. Ela está incessantemente em
movimento; cada mudança social a leva a se reformular de modo diferente.

Você pode saber mais sobre culturas híbridas aces-


sando ao vídeo de Nestor Garcia Canclini. Acesse o
link ou utilize o código a seguir:

https://goo.gl/w3VqSX

Brandão (2002) reforça que a cultura é um conjunto diverso, múltiplo, de maneiras de


produzir sentido; uma infinidade de formas de ser, de viver, de pensar, de sentir, de
falar, de produzir e expressar saberes, não existindo, por conta disso, uma só cultura
ou culturas mais ricas ou evoluídas do que outras ou gentes ou povos sem cultura.
12 Perspectivas culturais no ensino de artes

BAUMAN, Z. O medo líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.


BRANDÃO, C. R. A educação popular na escola cidadã. Petrópolis: Vozes, 2002.
CANCLINI, N. G. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4.
ed. São Paulo: UNESP, 2011.
CUCHE, D. A noção de cultura nas ciências sociais. 2. ed. Bauru: EDUSC, 2002.
DAMATTA, R. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro.
6. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.
GÓMEZ, A. I. P. As funções sociais da escola: da reprodução à reconstrução crítica
do conhecimento e da experiência. In: GIMENO SACRISTÁN, J.; PÉREZ GÓMEZ, A.
Compreender e transformar o ensino. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.
HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2003.
MOREIRA, M. A. A teoria da aprendizagem significativa e sua implementação em sala
de aula. Brasília: UnB, 2006.
POZO, J. Aprendizes e mestres: a nova cultura da aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2002.
RICHTER, I. M. Interculturalidade e estética do cotidiano no ensino das artes visuais. [S.l.]:
Mercado de letras, 2003.
THOMPSON, E. A miséria da teoria: ou um planetário de erros. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

Leitura recomendada
ESCOSTEGUY, C. C.; CONTE, D.; MAGALHÃES, M. L. A Vila Pedreira e o Centro de Educação
Trindade: espaços de elaboração cultural. In: FREITAS, E. C.; SARAIVA, J. A.; HAUBRICH,
G. F. (Org.). Diálogos interdisciplinares: cultura, comunicação e diversidade no contexto
contemporâneo. 2. ed. Novo Hamburgo: FEEVALE, 2017. p. 257-270. Disponível em:
<http://www.feevale.br/Comum/midias/339adbfd-20e5-4a6c-8d0e-837d20377b4c/
Di%C3%A1logos%20Interdisciplinares-2-edicao.pdf>. Acesso em: 04 jul. 2017.
Dica do professor
Trabalhar com perspectivas culturais em sala de aula é uma ótima oportunidade de problematizar
situações contemporâneas como a questão indígena no Brasil.

Veja, no vídeo a seguir, como trabalhar o tema em sala de aula, estando sempre atento para não
estereotipar quem é o indígena, afinal, ele não é um personagem que existe apenas no imaginário
do período de colonização do país.

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Exercícios

Segundo os textos-base da Unidade de Aprendizagem, marque a opção que melhor expressa


1) o conceito de cultura.

A) a) Cultura significa todo aquele complexo que inclui o conhecimento, a arte, as crenças, a lei, a
moral, os costumes e todos os hábitos e aptidões adquiridos pelo ser humano no convívio
familiar e que o acompanha pela vida.

B) b) Cultura é o conjunto de manifestações artísticas, sociais, linguísticas e comportamentais de


um povo ou civilização.

C) c) Cultura é um conjunto de ideias, comportamentos, símbolos e práticas sociais aprendidos


de geração em geração e na escola.

D) d) Cultura é o estudo do fenômeno do homem, se dedicando especialmente à mente, para


que seja explicado a vida desse indivíduo e suas manifestações culturais.

E) e) Cultura é aquilo que aprendemos de erudito.

As culturas, hoje, se encontram mescladas, dialogam entre si, recebendo, assim, uma nova
2) nomenclatura. Escolha a alternativa que explica o Hibridismo Cultural.

A) a) São diferentes expressões que organizam os sistemas culturais, evidenciando tudo aquilo
que é considerado culto.

B) b) É a quebra e mescla das diferentes expressões que organizam os sistemas culturais, não
sendo mais papel do culto ou do massivo produzir determinadas culturas, mas sim que, o que
seja produzido seja globalizado.

C) c) O processo de Hibridação Cultural provém até mesmo do processo de colonização, no qual


foram absorvidas apenas as culturas indígena e africana.

D) d) O Hibridismo Cultural é um fenômeno histórico-social que foi marcado apenas pelo


deslocamento do povo Grego, quando iniciaram suas viagens.

E) e) O Hibridismo Cultural se por três processos: o descolecionamento, desterritorialização e a


globalização. Processos de grande importância para a composição cultural dos povos.

O professor aparece com um novo papel dentro da sociedade. Sua função agora é de
3) educador, mediando o processo ensino-aprendizagem, levando o aluno a construir seu
conhecimento. Como se dá a prática desse educador frente à diversidade cultural?

A) a) O educador não pode estar envolvido socialmente com seu aluno, pois sua
responsabilidade é educá-lo no sentido de reconhecer sua importância na comunidade
escolar.

B) b) O educador deve expor ao aluno os conceitos da verdadeira cultura, ao confrontar-se com


exemplos da cultura popular trazidos pelo aluno.

C) c) O educador na sala de aula não pode abrir mão do diálogo com seus alunos e
principalmente ouvi-los quando se fizer necessário e deixá-los relatar suas experiências de
identidade cultural.

D) d) O Educador deve ser firme, trabalhando com os alunos manifestações populares, mas de
forma a evidenciar a qualidade das manifestações eruditas.

E) e) O Educador deve assumir o compromisso de atualizar-se uma vez por ano, na busca de
novos saberes e de novos conceitos teóricos que invalidem manifestações culturais de menor
valor.

O ensino de Artes deve proporcionar também ao aluno uma perspectiva de maior


4) conhecimento. Sendo assim, o ensino de Artes será satisfatório ao aluno se:

A) a) Aprender a pintar e desenhar de forma criativa, deixando aflorar seu lado criativo,
demonstrando suas emoções.

B) b) Tiver o contato com diversos tipos de materiais e a história que envolve cada um deles.

C) c) Aprender apenas a se expressar sem conhecer sobre a cultura ou história artística.

D) d) Tiver um maior conhecimento pelo que foi produzido ao longo dos anos pela humanidade,
pois é de suma importância que faça correlação com o presente,passado e futuro.

E) e) Tiver um maior conhecimento apenas sobre a arte contemporânea, pois dará subsídio para
trabalhos modernos e qualificados.

A Escola deve ser compreendida como um lugar multicultural. Dessa forma, esse espaço
5) deve:

A) a) Encantar os educandos com aulas diversificadas, mas não necessitando contextualizar com
o meio em que vivem.

B) b) Adotar uma visão antropológica para poder conhecer cada um dos educandos.
C) c) Encantar e dinamizar o momento da prática a fim de que os educandos possam aprender
com mais facilidade.

D) d) Priorizar o trabalho cultural, mas com o foco da contemporaneidade.

E) e) Encantar e contextualizar em relação ao meio cultural e estético em que as crianças estão


inseridas. Ampliar o conceito de arte, na tentativa de encontrar caminhos para a realização de
uma nova experiência de artes.
Na prática
A cultura permite traduzir melhor a diferença entre nós e os outros e, assim, faz resgatar a nossa
humanidade no outro e a do outro em nós mesmos. (DA MATTA, 1981). Ao seguirmos essa
perspectiva, tornamo-nos mais respeitosos com relação ao outro, porque este outro nada mais é do
que nosso espelho, refletindo a unidade na diversidade. Para além da tolerância, perseguimos a
convivência e a harmonia.

Acompanhe a seguir, como Ana e seus alunos descobriram que conhecer e respeitar a diversidade
de culturas pode promover uma verdadeira aproximação humana.

Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!


Saiba +
Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor:

Curta-metragem "Vida Maria", que reflete sobre identidade e


transmissão de cultura de uma geração à outra

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ENSINO DE ARTE E CULTURA VISUAL: PERSPECTIVAS


METODOLÓGICAS DE UMA PRÁTICA INCLUSIVA

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Diversidade Cultural no Brasil

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