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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CAMPUS REITOR JOÃO DAVID FERREIRA LIMA


LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURAS
PRODUÇÃO TEXTUAL ACADÊMICA I
PROFESSOR: THIAGO JORGE SANTOS

RESENHA

O ROTEIRO CINEMATOGRÁFICO IL DECAMERON DE PIER PAOLO PASOLINI


Fernando dos Santos

SIEGA, Paula Regina. Il Decameron de Pier Paolo Pasolini: da prosa medieval ao roteiro
cinematográfico. Alea: Estudos Neolatinos, Rio de Janeiro, vol. 14/2, p. 201-216, jul-dez
2012.

Como é possível observar nas múltiplas discussões teóricas em torno do processo de


adaptação de uma obra literária para o cinema, a fidelidade ao texto original nem sempre é
almejada pelo autor(a) da obra fílmica. Por esse viés, também podemos ponderar as
potencialidades nas aproximações e rupturas que o cineasta opera em relação ao texto
original tendo como foco o roteiro cinematográfico.
O artigo que analisamos nesta resenha objetiva este percurso. Realizando uma precisa
leitura comparada entre a prosa medieval do escritor Giovanni Boccaccio e a escrita moderna
do roteiro cinematográfico de Pier Paolo Pasolini, a autora evidencia os “efeitos poéticos”
(SIEGA, 2012, p. 204) que o cineasta italiano produz ao recriar o texto literário. Atentando
principalmente para dois temas que permeiam o roteiro: o sexo e a morte, Siega investiga, a
partir de cenas que recorta dos episódios de ambos os textos, quais são os procedimentos
estéticos adotados pelo autor para expressar uma crítica ao seu tempo e representar uma
“cultura milenar, destinada a desaparecer sob a irresistível ascensão neocapitalista” (Ibid., p.
215).
De forma a introduzir a área em que se situa a sua pesquisa, a autora, no tópico
intitulado “Leitura como campo de aplicação teórica”, elabora um breve panorama dos
estudos da recepção, tendo como base as teorias dos críticos literários Hans Robert Jauss e
Wolfgang Iser. Através deste panorama, Siega demonstra como se dá o jogo dialético entre
texto e receptor e assinala, de forma muito concisa e peremptória, como o roteiro, enquanto
estrutura textual, possui a “particularidade de colocar-se como ponto de intersecção entre
duas leituras” (Ibid., p. 203) – do roteirista no processo de leitura do texto literário original e
a do leitor do roteiro. É significativo pontuar que o artigo de Siega elege um caminho diverso
do senso comum no que diz respeito às análises de adaptações cinematográficas, estas tendem
a se voltar diretamente para a obra acabada: o filme, enquanto sua análise se volta para a
pré-produção, para o texto não filmado.
No segundo tópico “Linguagem como leitura do mundo: a poética realista de
Pasolini” a autora se atém, efetivamente, na análise do roteiro em paralelo ao texto medieval.
Siega mostra ao leitor que com a trilogia da vida – da qual Il Decameron é o primeiro filme –
o olhar do cineasta italiano “se concentra nas possibilidades de expressão artística da
realidade sexual” (Ibid., p. 205), diferentemente da sua filmografia anterior. Com exemplos
de recortes dos episódios, como o de Ciappelletto e Masetto, a autora demonstra como são
operados recursos estéticos que evidenciam uma releitura criativa do texto literário por
Pasolini. Alguns destes recursos são: a presença do dialeto napolitano, a linguagem
metafórica e a “transfiguração do público refinado no das classes baixas” (Ibid., p. 209). A
presença do “senso de morte que permeia a escrita de Pasolini” (Ibid., p. 215) focalizada,
principalmente, no personagem Ciappelletto, é também comentada pela autora no tópico.
Com uma linguagem límpida, e que contém breves incursões à passagens poéticas, a
leitura do artigo “Il Decameron de Pier Paolo Pasolini: da prosa medieval ao roteiro
cinematográfico” é recomendada para pesquisadores da área de literatura e cinema, pois
apresenta reflexões imprescindíveis para se pensar a adaptação cinematográfica de obras
literárias, bem como a potencialidade do roteiro cinematográfico enquanto obra textual única.

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