Você está na página 1de 1

ANÁLISE E (RE)CRIAÇÃO DA CANÇÃO DA RIBEIRINHA

Fernando Santos

Canção da Ribeirinha

No mundo ninguém se assemelha a mim


enquanto a minha continuar como vai,
porque morro por vós, e ai!
minha senhora de pele alva e faces rosadas,
quereis que vos retrate
quando vos vi sem manto!
Maldito dia! me levantei
que não vos vi feia!

E, minha senhora, desde aquele dia, ai!


Tudo me foi muito mal,
e vós, filha de don Pai
Moniz, e bem vos parece
de ter eu por vós guarvaia,
pois eu, minha senhora, como mimo
de vós nunca recebi
algo, mesmo que sem valor.

Estrofe ausente:

Reluz teu cabelo louro igual ouro! Perco-me.


Entrelaçado no âmago da minha loucura.
A guarvaia caída e sua pele rubra,
afasta a penumbra.
Minha boca não oculta
tua ternura, eterna…
Contraio-me diante de tanto esplendor,
restam herpes e a flor.

Tida como marco inaugural do Trovadorismo, a Canção da Ribeirinha (1189 ou 1198),


atribuída a Paio Soares de Taveirós, é de difícil classificação em um dos gêneros das cantigas
trovadorescas. Assim sendo, almejei na última estrofe (cobla) que (re)criei manter o aspecto
dúbio que ronda a composição de Taveirós.
Iniciei a minha estrofe com versos que exaltam o amor do eu lírico pela dama filha de
don Pai Moniz, além da sensualidade presente. O que caracterizaria, assim como nos versos
da primeira estrofe de Taveirós, a Canção da Ribeirinha como uma Canção de Amor. Todavia,
nos dois últimos versos “Contraio-me diante de tanto esplendor, / restam herpes e a flor”,
tentei restaurar o aspecto satírico através da inserção da palavra “herpes”, apontando para as
Cantigas de Escárnio. À visto disso, poderia designar a Canção da Ribeirinha, ou Cantiga da
Guarvaia, como cantiga de “escárnio de amor”1.

1 MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. São Paulo, Cultrix, 1997.

Você também pode gostar