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Como a criança que vagueia o canto

Soneto de separação
Ante o mistério da amplidão suspensa
De repente do riso fez-se o pranto
Meu coração é um vago de acalanto
Silencioso e branco como a bruma
Berçando versos de saudade imensa.
E das bocas unidas fez-se a espuma

E das mãos espalmadas fez-se o espanto.


Não é maior o coração que a alma

Nem melhor a presença que a saudade


De repente da calma fez-se o vento
Só te amar é divino, e sentir calma…
Que dos olhos desfez a última chama

E da paixão fez-se o pressentimento


E é uma calma tão feita de humildade
E do momento imóvel fez-se o drama.
Que tão mais te soubesse pertencida

Menos seria eterno em tua vida.


De repente, não mais que de repente

Fez-se de triste o que se fez amante


Soneto do amor total
E de sozinho o que se fez contente. Amo-te tanto, meu amor… não cante

O humano coração com mais verdade…


Fez-se do amigo próximo o distante
Amo-te como amigo e como amante
Fez-se da vida uma aventura errante
Numa sempre diversa realidade
De repente, não mais que de repente.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,

Soneto do Amigo E te amo além, presente na saudade.


Enfim, depois de tanto erro passado Amo-te, enfim, com grande liberdade
Tantas retaliações, tanto perigo Dentro da eternidade e a cada instante.
Eis que ressurge noutro o velho amigo

Nunca perdido, sempre reencontrado. Amo-te como um bicho, simplesmente,

De um amor sem mistério e sem virtude

É bom sentá-lo novamente ao lado Com um desejo maciço e permanente.

Com olhos que contêm o olhar antigo

Sempre comigo um pouco atribulado E de te amar assim muito e amiúde,

E como sempre singular comigo. É que um dia em teu corpo de repente

Hei de morrer de amar mais do que pude.

Um bicho igual a mim, simples e humano


A rosa de Hiroshima
Sabendo se mover e comover
Pensem nas crianças
E a disfarçar com o meu próprio engano.
Mudas telepáticas

Pensem nas meninas


O amigo: um ser que a vida não explica
Cegas inexatas
Que só se vai ao ver outro nascer
Pensem nas mulheres
E o espelho de minha alma multiplica...
Rotas alteradas

Soneto de contrição Pensem nas feridas

Eu te amo, Maria, eu te amo tanto Como rosas cálidas

Que o meu peito me dói como em doença Mas oh não se esqueçam

E quanto mais me seja a dor intensa Da rosa da rosa

Mais cresce na minha alma teu encanto. Da rosa de Hiroxima

A rosa hereditária

A rosa radioativa
Estúpida e inválida. Lá na úmida senzala,

A rosa com cirrose Sentado na estreita sala,

A antirrosa atômica Junto ao braseiro, no chão,

Sem cor sem perfume Entoa o escravo o seu canto,

Sem rosa sem nada. E ao cantar correm-lhe em pranto

Saudades do seu torrão ...


Retrato, de Cecília Meireles
Eu não tinha este rosto de hoje,
De um lado, uma negra escrava
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Os olhos no filho crava,
Nem estes olhos tão vazios,
Que tem no colo a embalar...
Nem o lábio amargo.
E à meia voz lá responde

Ao canto, e o filhinho esconde,


Eu não tinha estas mãos sem força,
Talvez pra não o escutar!
Tão paradas e frias e mortas;

Eu não tinha este coração


"Minha terra é lá bem longe,
Que nem se mostra.
Das bandas de onde o sol vem;

Esta terra é mais bonita,


Eu não dei por esta mudança,
Mas à outra eu quero bem!
Tão simples, tão certa, tão fácil:

— Em que espelho ficou perdida

a minha face?

Com licença poética Adélia Prado

Quando nasci um anjo esbelto, Psicologia de um vencido Augusto dos Anjos


desses que tocam trombeta, anunciou:

vai carregar bandeira.

Cargo muito pesado pra mulher,

esta espécie ainda envergonhada. Eu, filho do carbono e do amoníaco,

Aceito os subterfúgios que me cabem, Monstro de escuridão e rutilância,

sem precisar mentir. Sofro, desde a epigênese da infância,

Não tão feia que não possa casar, A influência má dos signos do zodíaco.

acho o Rio de Janeiro uma beleza e

ora sim, ora não, creio em parto sem dor. Profundissimamente hipocondríaco,

Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina. Inauguro linhagens, Este ambiente me causa repugnância...

fundo reinos Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia

— dor não é amargura. Que se escapa da boca de um cardíaco.

Minha tristeza não tem pedigree,

já a minha vontade de alegria, Já o verme — este operário das ruínas —

sua raiz vai ao meu mil avô. Que o sangue podre das carnificinas

Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem. Come, e à vida em geral declara guerra,

Mulher é desdobrável. Eu sou. Anda a espreitar meus olhos para roê-los,

E há-de deixar-me apenas os cabelos,


Canção do africano Castro Alves
Na frialdade inorgânica da terra!
 Hino à Bandeira do Brasil Vencedoras da idade e das procelas...
Salve, lindo pendão da esperança,

Salve, símbolo augusto da paz! O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas


Tua nobre presença à lembrança Vivem, livres de fomes e fadigas;
A grandeza da Pátria nos traz. E em seus galhos abrigam-se as cantigas

E os amores das aves tagarelas.


Recebe o afeto que se encerra

Em nosso peito juvenil, Não choremos, amigo, a mocidade!


Querido símbolo da terra, Envelheçamos rindo! envelheçamos
Da amada terra do Brasil! Como as árvores fortes envelhecem:

Em teu seio formoso retratas


Na glória da alegria e da bondade,
Este céu de puríssimo azul,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
A verdura sem par destas matas,
Dando sombra e consolo aos que padecem!
E o esplendor do Cruzeiro do Sul.
Língua Portuguesa

Recebe o afeto que se encerra Última flor do Lácio, inculta e bela,

Em nosso peito juvenil, És, a um tempo, esplendor e sepultura:

Querido símbolo da terra, Ouro nativo, que na ganga impura

Da amada terra do Brasil! A bruta mina entre os cascalhos vela…

Contemplando o teu vulto sagrado, Amo-te assim, desconhecida e obscura,

Compreendemos o nosso dever; Tuba de alto clangor, lira singela,

E o Brasil, por seus filhos amado, Que tens o trom e o silvo da procela

Poderoso e feliz há de ser. E o arrolo da saudade e da ternura!

Recebe o afeto que se encerra Amo o teu viço agreste e o teu aroma

Em nosso peito juvenil, De virgens selvas e de oceano largo!

Querido símbolo da terra, Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Da amada terra do Brasil!


Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”

Sobre a imensa Nação Brasileira, E em que Camões chorou, no exílio amargo,

Nos momentos de festa ou de dor, O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

Paira sempre, sagrada bandeira,


A Esperança
Pavilhão da Justiça e do Amor!
A Esperança não murcha, ela não cansa,

Também como ela não sucumbe a Crença,


Recebe o afeto que se encerra
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Em nosso peito juvenil,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.
Querido símbolo da terra,

Da amada terra do Brasil!


Muita gente infeliz assim não pensa;

Velhas Árvores No entanto o mundo é uma ilusão completa,

Olha estas velhas árvores, mais belas E não é a Esperança por sentença

Do que as árvores novas, mais amigas: Este laço que ao mundo nos manieta?

Tanto mais belas quanto mais antigas,


Mocidade, portanto, ergue o teu grito,

Sirva-te a Crença do fanal bendito,

Salve-te a glória no futuro -- avança!

E eu, que vivo atrelado ao desalento,

Também espero o fim do meu tormento,

Na voz da Morte a me bradar; descansa!

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