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A leitura traz ao homem plenitude; o discurso, segurança; e a escrita, precisão.

(Francis Bacon)

SONETO DE FIDELIDADE SONETO DA MADRUGADA


Vinícius de Moraes Vinícius de Moraes

De tudo ao meu amor serei atento Pensar que já vivi à sombra escura
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Desse ideal de dor, triste ideal
Que mesmo em face do maior encanto Que acima das paixões do bem e do mal
Dele se encante mais meu pensamento. Colocava a paixão da criatura!

Quero vivê-lo em cada vão momento Pensar que essa paixão, flor de amargura
E em seu louvor hei de espalhar meu canto Foi uma desventura sem igual
E rir meu riso e derramar meu pranto Uma incapacidade de ternura
Ao seu pesar ou seu contentamento Nunca simples e nunca natural!

E assim, quando mais tarde me procure Pensar que a vida se houve de tal sorte
Quem sabe a morte, angústia de quem vive Com tal zelo e tão íntimo sentido
Quem sabe a solidão, fim de quem ama Que em mim a vida renasceu da morte!

Eu possa me dizer do amor (que tive): Hoje me libertei, povo oprimido


Que não seja imortal, posto que é chama E por ti viverei meu ódio forte
Mas que seja infinito enquanto dure. Nesse misterioso amor perdido.

SONETO DE QUARTA-FEIRA DE CINZAS SONETO DE CONTRIÇÃO


Vinícius de Moraes Vinícius de Moraes

Por seres quem me foste, grave e pura Eu te amo, Maria, eu te amo tanto
Em tão doce surpresa conquistada Que o meu peito me dói como em doença
Por seres uma branca criatura E quanto mais me seja a dor intensa
De uma brancura de manhã raiada Mais cresce na minha alma teu encanto.

Por seres de uma rara formosura Como a criança que vagueia o canto
Malgrado a vida dura e atormentada Ante o mistério da amplidão suspensa
Por seres mais que a simples aventura Meu coração é um vago de acalanto
E menos que a constante namorada Berçando versos de saudade imensa.

Porque te vi nascer de mim sozinha Não é maior o coração que a alma


Como a noturna flor desabrochada Nem melhor a presença que a saudade
A uma fala de amor, talvez perjura Só te amar é divino, e sentir calma…

Por não te possuir, tendo-te minha E é uma calma tão feita de humildade
Por só quereres tudo, e eu dar-te nada Que tão mais te soubesse pertencida
Hei de lembrar-te sempre com ternura. Menos seria eterno em tua vida.

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A leitura traz ao homem plenitude; o discurso, segurança; e a escrita, precisão. (Francis Bacon)

NÃO COMEREI DA ALFACE A VERDE SONETO DO AMOR TOTAL


PÉTALA Vinícius de Moraes
Vinícius de Moraes
Amo-te tanto, meu amor… não cante
Não comerei da alface a verde pétala O humano coração com mais verdade…
Nem da cenoura as hóstias desbotadas Amo-te como amigo e como amante
Deixarei as pastagens às manadas Numa sempre diversa realidade
E a quem maior aprouver fazer dieta.
Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
Cajus hei de chupar, mangas-espadas E te amo além, presente na saudade.
Talvez pouco elegantes para um poeta Amo-te, enfim, com grande liberdade
Mas peras e maçãs, deixo-as ao esteta Dentro da eternidade e a cada instante.
Que acredita no cromo das saladas.
Amo-te como um bicho, simplesmente,
Não nasci ruminante como os bois De um amor sem mistério e sem virtude
Nem como os coelhos, roedor; nasci Com um desejo maciço e permanente.
Omnívoro: deem-me feijão com arroz
E de te amar assim muito e amiúde,
E um bife, e um queijo forte, e parati É que um dia em teu corpo de repente
E eu morrerei feliz, do coração Hei de morrer de amar mais do que pude.
De ter vivido sem comer em vão.

SONETO DE DEVOÇÃO SONETO DE SEPARAÇÃO


Vinícius de Moraes Vinícius de Moraes

Essa mulher que se arremessa, fria De repente do riso fez-se o pranto


E lúbrica aos meus braços, e nos seios Silencioso e branco como a bruma
Me arrebata e me beija e balbucia E das bocas unidas fez-se a espuma
Versos, votos de amor e nomes feios. E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

Essa mulher, flor de melancolia De repente da calma fez-se o vento


Que se ri dos meus pálidos receios Que dos olhos desfez a última chama
A única entre todas a quem dei E da paixão fez-se o pressentimento
Os carinhos que nunca a outra daria. E do momento imóvel fez-se o drama.

Essa mulher que a cada amor proclama De repente, não mais que de repente
A miséria e a grandeza de quem ama Fez-se de triste o que se fez amante
E guarda a marca dos meus dentes nela. E de sozinho o que se fez contente.

Essa mulher é um mundo! — uma cadela Fez-se do amigo próximo o distante


Talvez… — mas na moldura de uma cama Fez-se da vida uma aventura errante
Nunca mulher nenhuma foi tão bela! De repente, não mais que de repente.

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SONETO DE CARNAVAL SONETO DO AMIGO


Vinícius de Moraes Vinícius de Moraes

Distante o meu amor, se me afigura Enfim, depois de tanto erro passado


O amor como um patético tormento Tantas retaliações, tanto perigo
Pensar nele é morrer de desventura Eis que ressurge noutro o velho amigo
Não pensar é matar meu pensamento. Nunca perdido, sempre reencontrado.

Seu mais doce desejo se amargura É bom sentá-lo novamente ao lado


Todo o instante perdido é um sofrimento Com olhos que contêm o olhar antigo
Cada beijo lembrado uma tortura Sempre comigo um pouco atribulado
Um ciúme do próprio ciumento. E como sempre singular comigo.

E vivemos partindo, ela de mim Um bicho igual a mim, simples e humano


E eu dela, enquanto breves vão-se os anos Sabendo se mover e comover
Para a grande partida que há no fim E a disfarçar com o meu próprio engano.

De toda a vida e todo o amor humanos: O amigo: um ser que a vida não explica
Mas tranquila ela sabe, e eu sei tranquilo Que só se vai ao ver outro nascer
Que se um fica o outro parte a redimi-lo. E o espelho de minha alma multiplica...

SONETO DE DESPEDIDA SONETO 01


Vinícius de Moraes Luís Vaz de Camões
Amor é um fogo que arde sem se ver;
Uma lua no céu apareceu é ferida que doi e não se sente;
Cheia e branca; foi quando, emocionada é um contentamento descontente;
A mulher a meu lado estremeceu é dor que desatina sem doer.
E se entregou sem que eu dissesse nada.
É um não querer mais que bem querer;
Larguei-as pela jovem madrugada é um andar solitário entre a gente;
Ambas cheias e brancas e sem véu é nunca contentar-se de contente;
Perdida uma, a outra abandonada é um cuidar que ganha em se perder.
Uma nua na terra, outra no céu.
É querer estar preso por vontade;
Mas não partira delas; a mais louca é servir a quem vence, o vencedor;
Apaixonou-me o pensamento; dei-o é ter com quem nos mata, lealmente.
Feliz - eu de amor pouco e vida pouca
Mas como causar pode seu favor
Mas que tinha deixado em meu enleio nos corações humanos amizade
Um sorriso de carne em sua boca se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Uma gota de leite no seu seio.

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SONETO 02 SONETO 04
Luís Vaz de Camões Luís Vaz de Camões

Quem vê, Senhora, claro e manifesto Quem diz que Amor é falso ou enganoso,
o lindo ser de vossos olhos belos, ligeiro, ingrato, vão, desconhecido,
se não perder a vista só em vê-los,
Sem falta lhe terá bem merecido
já não paga o que deve a vosso gesto.
Que lhe seja cruel ou rigoroso.
Este me parecia preço honesto;
mas eu, por de vantagem merecê-los, Amor é brando, é doce e é piedoso;
dei mais a vida e alma por querê-los, Quem o contrário diz não seja crido:
donde já me não fica a mais de resto. Seja por cego e apaixonado tido,
E aos homens e inda aos deuses odioso.
Assim que a vida e alma e esperança
e tudo quanto tenho, tudo é vosso,
e o proveito disso eu só o levo. Se males faz Amor, em mi se vêem;
Em mim mostrando todo o seu rigor,
Porque é tamanha bem-aventurança Ao mundo quis mostrar quanto podia.
O dar-vos quanto tenho e quanto posso
Que, quanto mais vos pago, mais vos devo. Mas todas suas iras são de amor;
Todos estes seus males são um bem,
Que eu por todo outro bem não trocaria.

SONETO 03 SONETO 05
Luís Vaz de Camões Luís Vaz de Camões

Por que quereis, Senhora, que ofereça Alma minha gentil, que te partiste
a vida a tanto mal como padeço? Tão cedo desta vida descontente,
se vos nasce do pouco que mereço, Repousa lá no Céu eternamente,
bem por nascer está quem vos mereça. E viva eu cá na terra sempre triste.

Sabei que, enfim, por muito que vos peça, Se lá no assento Etéreo, onde subiste,
que posso merecer quanto vos peço; Memória desta vida se consente,
que não consente Amor, que em baixo preço Não te esqueças daquele amor ardente,
tão alto pensamento se conheça. Que já nos olhos meus tão puro viste.

Assi que a paga igual de minhas dores, E se vires que pode merecer-te
com nada se restaura, mas devei-ma, Algũa cousa a dor que me ficou
por ser capaz de tantos desfavores. Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

E se o valor de vossos servidores Roga a Deus, que teus anos encurtou,


houver de ser igual convosco mesma, Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
vós só convosco mesma andai de amores. Quão cedo de meus olhos te levou.

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A leitura traz ao homem plenitude; o discurso, segurança; e a escrita, precisão. (Francis Bacon)
SONETO 06 SONETO 08
Luís Vaz de Camões Luís Vaz de Camões

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Pois meus olhos não cansam de chorar
Muda-se o ser, muda-se a confiança: Tristezas não cansadas de cansar-me;
Todo o mundo é composto de mudança, Pois não se abranda o fogo em que abrasar-me
Tomando sempre novas qualidades. Pôde quem eu jamais pude abrandar;

Continuamente vemos novidades, Não canse o cego Amor de me guiar


Diferentes em tudo da esperança: Donde nunca de lá possa tornar-me;
Do mal ficam as mágoas na lembrança, Nem deixe o mundo todo de escutar-me,
E do bem (se algum houve) as saudades. Enquanto a fraca voz me não deixar.

O tempo cobre o chão de verde manto, E se em montes, se em prados, e se em vales


Que já coberto foi de neve fria, Piedade mora alguma, algum amor
E em mim converte em choro o doce canto. Em feras, plantas, aves, pedras, águas;

E afora este mudar-se cada dia, Ouçam a longa história de meus males,
Outra mudança faz de mor espanto, E curem sua dor com minha dor;
Que não se muda já como soía. Que grandes mágoas podem curar mágoas.

SONETO 07 SONETO 09
Luís Vaz de Camões Luís Vaz de Camões

Transforma-se o amador na cousa amada, Busque Amor novas artes, novo engenho
Por virtude do muito imaginar; Para matar-me, e novas esquivanças;
Não tenho logo mais que desejar, Que não pode tirar-me as esperanças,
Pois em mim tenho a parte desejada. Que mal me tirará o que eu não tenho.

Se nela está minha alma transformada, Olhai de que esperanças me mantenho!


Que mais deseja o corpo de alcançar? Vede que perigosas seguranças!
Em si somente pode descansar, Pois não temo contrastes nem mudanças,
Pois com ele tal alma está liada. Andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas esta linda e pura semideia, Mas conquanto não pode haver desgosto
Que como o acidente em seu sujeito, Onde esperança falta, lá me esconde
Assim co'a alma minha se conforma, Amor um mal, que mata e não se vê.

Está no pensamento como ideia; Que dias há que na alma me tem posto
E o vivo e puro amor de que sou feito, Um não sei quê, que nasce não sei onde;
Como a matéria simples busca a forma. Vem não sei como; e dói não sei porquê.

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SONETO 010 VELHO
Luís Vaz de Camões Cruz e Souza

Erros meus, má Fortuna, Amor ardente Estás morto, estás velho, estás cansado!
Em minha perdição se conjuraram; Como um suco de lágrimas pungidas
Os erros e a Fortuna sobejaram, Ei-las, as rugas, as indefinidas
Que para mim bastava Amor somente. Noites do ser vencido e fatigado.

Tudo passei; mas tenho tão presente Envolve-te o crepúsculo gelado


A grande dor das cousas que passaram, Que vai soturno amortalhando as vidas
Que já as frequências suas me ensinaram Ante o repouso em músicas gemidas
A desejos deixar de ser contente. No fundo coração dilacerado.

Errei todo o discurso de meus anos; A cabeça pendida de fadiga,


Dei causa a que a Fortuna castigasse Sentes a morte taciturna e amiga,
As minhas mal fundadas esperanças. Que os teus nervosos círculos governa.

De Amor não vi senão breves enganos. Estás velho estás morto! Ó dor, delírio,
Oh! Quem tanto pudesse, que fartasse Alma despedaçada de martírio
Este meu duro Génio de vinganças! Ó desespero da desgraça eterna.

IRONIA DE LÁGRIMAS A MORTE


Cruz e Souza Cruz e Souza

Junto da morte é que floresce a vida! Oh! que doce tristeza e que ternura
Andamos rindo junto a sepultura. No olhar ansioso, aflito dos que morrem…
A boca aberta, escancarada, escura De que âncoras profundas se socorrem
Da cova é como flor apodrecida. Os que penetram nessa noite escura!

A Morte lembra a estranha Margarida Da vida aos frios véus da sepultura


Do nosso corpo, Fausto sem ventura… Vagos momentos trêmulos decorrem…
Ela anda em torno a toda criatura E dos olhos as lágrimas escorrem
Numa dança macabra indefinida. Como faróis da humana Desventura.

Vem revestida em suas negras sedas Descem então aos golfos congelados
E a marteladas lúgubres e tredas Os que na terra vagam suspirando,
Das Ilusões o eterno esquife prega. Com os velhos corações tantalizados.

E adeus caminhos vãos mundos risonhos! Tudo negro e sinistro vai rolando
Lá vem a loba que devora os sonhos, Báratro a baixo, aos ecos soluçados
Faminta, absconsa, imponderada cega! Do vendaval da Morte ondeando, uivando…

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ESCÁRNIO PERFUMADO LIVRE


Cruz e Souza Cruz e Souza

Quando no enleio Livre! Ser livre da matéria escrava,


De receber umas notícias tuas, arrancar os grilhões que nos flagelam
Vou-me ao correio, e livre penetrar nos Dons que selam
Que é lá no fim da mais cruel das ruas, a alma e lhe emprestam toda a etérea lava.

Vendo tão fartas, Livre da humana, da terrestre bava


D’uma fartura que ninguém colige, dos corações daninhos que regelam,
As mãos dos outros, de jornais e cartas quando os nossos sentidos se rebelam
E as minhas, nuas – isso dói, me aflige… contra a Infâmia bifronte que deprava.

E em tom de mofa, Livre! bem livre para andar mais puro,


Julgo que tudo me escarnece, apoda, mais junto à Natureza e mais seguro
Ri, me apostrofa, do seu Amor, de todas as justiças.

Pois fico só e cabisbaixo, inerme, Livre! para sentir a Natureza,


A noite andar-me na cabeça, em roda, para gozar, na universal Grandeza,
Mais humilhado que um mendigo, um verme… Fecundas e arcangélicas preguiças.

ALMA SOLITÁRIA SONETO 01


Cruz e Souza Álvares de Azevedo

Ó Alma doce e triste e palpitante! Já da morte o palor me cobre o rosto,


que cítaras soluçam solitárias Nos lábios meus o alento desfalece,
pelas Regiões longínquas, visionárias Surda agonia o coração fenece,
do teu Sonho secreto e fascinante! E devora meu ser mortal desgosto!

Quantas zonas de luz purificante, Do leito embalde no macio encosto


quantos silêncios, quantas sombras várias Tento o sono reter!... já esmorece
de esferas imortais, imaginárias, O corpo exausto que o repouso esquece...
falam contigo, ó Alma cativante! Eis o estado em que a mágoa me tem posto!

que chama acende os teus faróis noturnos O adeus, o teu adeus, minha saudade,
e veste os teus mistérios taciturnos Fazem que insano do viver me prive
dos esplendores do arco de aliança? E tenha os olhos meus na escuridade,

Por que és assim, melancolicamente, Dá-me a esperança com que o ser mantive!
como um arcanjo infante, adolescente, Volve ao amante os olhos por piedade,
esquecido nos vales da Esperança?! Olhos por quem viveu quem já não vive!

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SONETO 02 SONETO 01
Álvares de Azevedo Gonçalves Dias

Pálida à luz da lâmpada sombria, Baixel veloz, que ao úmido elemento


Sobre o leito de flores reclinada, A voz do nauta experto afoito entrega,
Como a lua por noite embalsamada, Demora o curso teu, perto navega
Entre as nuvens do amor ela dormia! Da terra onde me fica o pensamento!

Era a virgem do mar, na escuma fria Enquanto vais cortando o salso argento,
Pela maré das águas embalada! Desta praia feliz não se desprega
Era um anjo entre nuvens d’alvorada (Meus olhos, não, que amargo pranto os rega,)
Que em sonhos se banhava e se esquecia! Minha alma, sim, e o amor que é meu tormento.

Era mais bela! O seio palpitando... Baixel, que vais fugindo, despiedado,
Negros olhos as pálpebras abrindo... Sem temor dos contrastes da procela,
Formas nuas no leito resvalando... Volta ao menos, qual vais tão apressado.

Não te rias de mim, meu anjo lindo! Encontre-a eu gentil, mimosa e bela!
Por ti – as noites eu velei chorando, E o pranto qu'ora verto amargurado,
Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo! Possa eu então verter nos lábios dela!

ONTEM À NOITE VAIDADE


Casimiro de Abreu Florbela Espanca

Ontem — sozinhos — eu e tu, sentados, Sonho que sou a Poetisa eleita,


Nos contemplamos, quando a noite veio: Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Queixosa e mansa a viração dos prados Que tem a inspiração pura e perfeita,
Beijava o rosto e te afagava o seio, Que reúne num verso a imensidade!

Que palpitava como — ao longe — o mar, Sonho que um verso meu tem claridade
E lá no céu êsses rubins pregados Para encher todo o mundo! E que deleita
Brilhavam menos, que teu vivo olhar! Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Co'a mão nas minhas, no silêncio augusto, Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Tu me falavas, sem mentido susto, Sonho que sou Alguém cá neste mundo …
E nunca a virgem, que a paixão revela, Aquela de saber vasto e profundo,
Passou-me em sonhos tão formosa assim! Aos pés de quem a Terra anda curvada!

Vendo a noite tão pura, e a ti tão bela, E quando mais no céu eu vou sonhando,
Eu disse aos astros: — dai o céu a ela! E quando mais no alto ando voando,
Disse a teus olhos: — dai amor p'ra mim Acordo do meu sonho … E não sou nada! …”

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MERGULHO(S) A MINHA DOR


Maria João Brito de Sousa Florbela Espanca

"Sonho que sou a Poetisa eleita", A minha Dor é um convento ideal,


A que nunca desiste, nem se evade, Cheio de claustros, sombras, arcarias,
A que quando se lê, nunca se aceita, Aonde a pedra em convulsões sombrias
A que só escreve em plena liberdade... Tem linhas dum requinte escultural.

"Sonho que um verso meu tem claridade" Os sinos têm dobres de agonias
Dessa que tanto brilha e mal se enfeita, Ao gemer, comovidos, o seu mal...
Dessa que toda é espontaneidade E todos têm sons de funeral
E que nunca se esconde de quem espreita... Ao bater horas no correr dos dias...

"Sonho que sou Alguém cá neste mundo (...)", A minha Dor é um convento. Há lírios
Que encontro sempre o verso em que me afundo, Dum roxo macerado de martírios,
Que, ao senti-lo, me rendo extasiada Tão belos como nunca os viu alguém!

"E quanto mais no céu eu vou sonhando", Nesse triste convento aonde eu moro,
Mais neste Tejo meu vou mergulhando, Noites e dias rezo e grito e choro,
Mais sinto que fui sempre água salgada... E ninguém ouve... ninguém vê... ninguém...

CHARNECA EM FLOR SE TU VIESSES VER-ME...


Florbela Espanca Florbela Espanca

Enche o meu peito, num encanto mago, Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
O frêmito das coisas dolorosas... A essa hora dos mágicos cansaços,
Sob as urzes queimadas nascem rosas... Quando a noite de manso se avizinha
Nos meus olhos as lágrimas apago... E me prendesses toda nos teus braços...

Anseio! Asas abertas! O que trago Quando me lembra: esse sabor que tinha
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas A tua boca... o eco dos teus passos...
Murmurar-me as palavras misteriosas O teu riso de fonte... os teus abraços...
Que perturbam meu ser como um afago! Os teus beijos... a tua mão na minha...

E, nesta febre ansiosa que me invade, Se tu viesses quando, linda e louca,


Dispo a minha mortalha, o meu burel, Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E, já não sou, Amor, Sóror Saudade... E é de seda vermelha e canta e ri

Olhos a arder em êxtases de amor, E é como um cravo ao sol a minha boca...


Boca a saber a sol, a fruto, a mel: Quando os olhos se me cerram de desejo...
Sou a charneca rude a abrir em flor! E os meus braços se estendem para ti...

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VERSOS ÍNTIMOS A OBSESSÃO DO SANGUE


Augusto dos Anjos Augusto dos Anjos

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável Acordou, vendo sangue… – Horrível! O osso


Enterro de tua última quimera. Frontal em fogo… Ia talvez morrer,
Somente a Ingratidão – esta pantera - Disse. Olhou-se no espelho. Era tão moço,
Foi tua companheira inseparável! Ah! certamente não podia ser!

Acostuma-te a lama que te espera! Levantou-se. E eis que viu, antes do almoço,
O Homem que, nesta terra miserável, Na mão dos açougueiros, a escorrer
Mora entre feras, sente inevitável Fita rubra de sangue muito grosso,
Necessidade de também ser fera A carne que ele havia de comer!

Toma um fósforo, acende teu cigarro! No inferno da visão alucinada,


O beijo, amigo, é a véspera do escarro. Viu montanhas de sangue enchendo a estrada,
A mão que afaga é a mesma que apedreja. Viu vísceras vermelhas pelo chão …

Se a alguém causa ainda pena a tua chaga E amou, com um berro bárbaro de gozo,
Apedreja essa mão vil que te afaga. O monocromatismo monstruoso
Escarra nessa boca de que beija! Daquela universal vermelhidão!

AO LUAR SOLITÁRIO
Augusto dos Anjos Augusto dos Anjos

Quando, à noite, o Infinito se levanta Como um fantasma que se refugia


A luz do luar, pelos caminhos quedos Na solidão da natureza morta,
Minha táctil intensidade é tanta Por trás dos ermos túmulos, um dia,
Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos! Eu fui refugiar-me à tua porta!

Quebro a custódia dos sentidos tredos Fazia frio e o frio que fazia
E a minha mão, dona, por fim, de quanta Não era esse que a carne nos conforta…
Grandeza o Orbe estrangula em seus segredos, Cortava assim como em carniçaria
Todas as coisas íntimas suplanta! O aço das facas incisivas corta!

Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado, Mas tu não vieste ver minha Desgraça!
Nos paroxismos da hiperestesia, E eu saí, como quem tudo repele,
O Infinitésimo e o Indeterminado… -Velho caixão a carregar destroços-

Transponho ousadamente o átomo rude Levando apenas na tumbal carcaça


E, transmudado em rutilância fria, O pergaminho singular da pele
Encho o Espaço com a minha plenitude! E o chocalho fatídico dos ossos!

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A ESPERANÇA SONETO
Augusto dos Anjos Augusto dos Anjos

A Esperança não murcha, ela não cansa, Aurora morta, foge! Eu busco a virgem loura
Também como ela não sucumbe a Crença. Que fugiu-me do peito ao teu clarão de morte
Vão-se sonhos nas asas da Descrença, E Ela era a minha estrela, o meu único Norte,
Voltam sonhos nas asas da Esperança. O grande Sol de afeto – o Sol que as almas doura!

Muita gente infeliz assim não pensa; Fugiu… e em si a Luz consoladora


No entanto o mundo é uma ilusão completa, Do amor – esse clarão eterno d’alma forte -
E não é a Esperança por sentença Astro da minha Paz, Sírius da minha Sorte
Este laço que ao mundo nos manieta? E da Noute da vida a Vênus Redentora.

Mocidade, portanto, ergue o teu grito, Agora, oh! Minha Mágoa, agita as tuas asas,
Sirva-te a crença de fanal bendito, Vem! Rasga deste peito as nebulosas gazas
Salve-te a glória no futuro – avança! E, num Pálio auroral de Luz deslumbradora,

E eu, que vivo atrelado ao desalento, Ascende à Claridade. Adeus oh! Dia escuro,
Também espero o fim do meu tormento, Dia do meu Passado! Irrompe, meu Futuro;
Na voz da morte a me bradar: descansa! Aurora morta, foge – eu busco a virgem loura!

TREVAS PSICOLOGIA DE UM VENCIDO


Augusto dos Anjos Augusto dos Anjos

Haverá, por hipótese, nas geenas Eu, filho do carbono e do amoníaco,


Luz bastante fulmínea que transforme Monstro de escuridão e rutilância,
Dentro da noite cavernosa e enorme Sofro, desde a epigênese da infância,
Minhas trevas anímicas serenas?! A influência má dos signos do zodíaco.

Raio horrendo haverá que as rasgue apenas?! Profundissimamente hipocondríaco,


Não! Porque, na abismal substância informe, Este ambiente me causa repugnância…
Para convulsionar a alma que dorme Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Todas as tempestades são pequenas! Que se escapa da boca de um cardíaco.

Há de a Terra vibrar na ardência infinda Já o verme – este operário das ruínas -


Do éter em branca luz transubstanciado, Que o sangue podre das carnificinas
Rotos os nimbos maus que a obstruem a esmo… Come, e à vida em geral declara guerra,

A própria Esfinge há de falar-vos ainda Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E eu, somente eu, hei de ficar trancado E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na noite aterradora de mim mesmo! Na frialdade inorgânica da terra!

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SONETO - A Frederico Nietzsche LÁGRIMAS


Augusto dos Anjos Cesário Verde

Para que nesta vida o espírito esfalfaste Ela chorava muito e muito, aos cantos,
Em vãs meditações, homem meditabundo? Frenética, com gestos desabridos;
- Escalpelaste todo o cadáver do mundo Nos cabelos, em ânsias desprendidos
E, por fim, nada achaste… e, por fim, nada Brilhavam como pérolas os prantos.
achaste!…
Ele, o amante, sereno como os santos,
A loucura destruiu tudo o que arquitetaste Deitado no sofá, pés aquecidos,
E a Alemanha tremeu ao teu gemido fundo!… Ao sentir-lhe os soluços consumidos,
De que te serviu, pois, estudares profundo Sorria-se cantando alegres cantos.
O homem e a lesma e a rocha e a pedra e o carvalho
e a haste? E dizia-lhe então, de olhos enxutos:
– “Tu pareces nascida da rajada,
Pois, para penetrar o mistério das lousas, “Tens despeitos raivosos, resolutos:
Foi-te mister sondar a substância das cousas
- Construíste de ilusões um mundo diferente, “Chora, chora, mulher arrenegada;
“Lagrimeja por esses aquedutos...
Desconheceste Deus no vidro do astrolábio –“Quero um banho tomar de água salgada.
E quando a Ciência vã te proclamava sábio,
A tua construção quebrou-se de repente!

VENCEDOR “PRÓ PUDOR”


Augusto dos Anjos Cesário Verde

Toma as espadas rútilas, guerreiro, Todas as noites ela me cingia


E à rutilância das espadas, toma Nos braços, com brandura gasalhosa;
A adaga de aço, o gládio de aço, e doma Todas as noites eu adormecia,
Meu coração – estranho carniceiro! Sentindo-a desleixada a langorosa.

Não podes?! Chama então presto o primeiro Todas as noites uma fantasia
E o mais possante gladiador de Roma. Lhe emanava da fronte imaginosa;
E qual mais pronto, e qual mais presto assoma, Todas as noites tinha uma mania,
Nenhum pode domar o prisioneiro. Aquela concepção vertiginosa.

Meu coração triunfava nas arenas. Agora, há quase um mês, modernamente,


Veio depois de um domador de hienas Ela tinha um furor dos mais soturnos,
E outro mais, e, por fim, veio um atleta, Furor original, impertinente...

Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem… Todas as noites ela, ah! sordidez!
E não pude domá-lo, enfim, ninguém, Descalçava-me as botas, os coturnos,
Que ninguém doma um coração de poeta! E fazia-me cócegas nos pés...

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A leitura traz ao homem plenitude; o discurso, segurança; e a escrita, precisão. (Francis Bacon)

MANIAS NUM TRIPÚDIO DE CORTE RIGOROSO


Cesário Verde Cesário Verde

O mundo é velha cena ensanguentada. Num tripúdio de corte rigoroso,


Coberta de remendos, picaresca; Eu sei quem descobriu Vênus linfática,
A vida é chula farsa assobiada, – Beleza escultural, grega, simpática,
Ou selvagem tragédia romanesca. Um tipo peregrino e luminoso.

Eu sei um bom rapaz, – hoje uma ossada –, – Foi lâmpada no mundo cavernoso,
Que amava certa dama pedantesca, Inspiradora foi de carta enfática,
Perversíssima, esquálida e chagada, Onde a alma candente mas sem tática,
Mas cheia de jactância, quixotesca. Se espraiava num canto lacrimoso.

Aos domingos a déia, já rugosa, Mas ela em papel fino e perfumado,


Concedia-lhe o braço, com preguiça, Respondeu certas coisas deslumbrantes,
E o dengue, em atitude receosa, Que o puseram, é céus, desapontado!

Na sujeição canina mais submissa, Eram falsas as frases palpitantes


Levava na tremente mão nervosa, Pois que tudo, é meu Deus, fora roubado
O livro com que a amante ia ouvir missa! Ao bom do Secretário dos Amantes

A FORCA HEROÍSMOS
Cesário Verde Cesário Verde

Já que adorar-me dizes que não podes, Eu temo muito o mar, o mar enorme,
Imperatriz serena, alva e discreta, Solene, enraivecido, turbulento,
Ai, como no teu colo há muita seta Erguido em vagalhões, rugindo ao vento;
E o teu peito é peito dum Herodes, O mar sublime, o mar que nunca dorme.

Eu antes que encaneçam meus bigodes Eu temo o largo mar, rebelde, informe,
Ao meu mister de ama-te hei de pôr meta, De vítimas famélico, sedento,
O coração mo diz – feroz profeta, E creio ouvir em cada seu lamento
Que anões faz dos colossos lá de Rodes. Os ruídos dum túmulo disforme.

E a vida depurada no cadinho Contudo, num barquinho transparente,


Das eróticas dores do alvoroço, No seu dorso feroz vou blasonar,
Acabará na forca, num azinho, Tufada a vela e nágua quase assente,

Mas o que há de apertar o meu pescoço E ouvindo muito ao perto o seu bramar,
Em lugar de ser corda de bom linho Eu rindo, sem cuidados, simplesmente,
Será do teu cabelo um menos grosso. Escarro, com desdém, no grande mar!

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O PEIXE HOMENAGEM AO SONETO


Patativa do Assaré José Fernandes Costa (1848-1920)

Tendo por berço o lago cristalino, Amo o soneto, o engaste florentino


Folga o peixe, a nadar todo inocente, de tanta joia de lirismo alado,
Medo ou receio do porvir não sente, de tanto pensamento cristalino,
Pois vive incauto do fatal destino. de tanto amor, de tanto ideal sagrado.

Se na ponta de um fio longo e fino Nele, Petrarca, o sonhador divino,


A isca avista, ferra-a inconsciente, deixou gemer o coração rasgado;
Ficando o pobre peixe de repente, Tasso cantou seu mísero destino;
Preso ao anzol do pescador ladino. Dante, o amor imortal do seu passado.

O camponês, também, do nosso Estado, Teve, nele, o cantor do "Paraíso",


Ante a campanha eleitoral, coitado! descanso às suas últimas visões;
Daquele peixe tem a mesma sorte. deu-lhe Bocage, eterno, o choro e o riso;

Antes do pleito, festa, riso e gosto, Antero, um mundo de interrogações;


Depois do pleito, imposto e mais imposto. e tantos outros... que nem é preciso
Pobre matuto do sertão do Norte! lembrar, ainda, quanto o amou Camões.

O BURRO EXORTAÇÃO AO SONETO


Patativa do Assaré Batista Cepelos

Vai ele a trote, pelo chão da serra, Como um bloco de pedra, inanimado e forte,
Com a vista espantada e penetrante, tens a idéia. Pois bem: trabalha na obra-prima!
E ninguém nota em seu marchar volante, E, antes de começar, num sublime transporte,
A estupidez que este animal encerra. aguarda a inspiração, que baixa lá de cima...

Muitas vezes, manhoso, ele se emperra, Depois te quero ver, mais duro que Mavorte,
Sem dar uma passada para diante, batendo com o martelo e rilhando com a lima!
Outras vezes, pinota, revoltante, E, talhado de rijo, em soberbo recorte,
E sacode o seu dono sobre a terra. gire o verso, a cantar, no eixo de ouro da rima...

Mas contudo! Este bruto sem noção, E que um dia nos venha, extraordinário amigo,
Que é capaz de fazer uma traição, um soneto que vibre, entre clarões dispersos,
A quem quer que lhe venha na defesa, levantando o rumor de um campanário antigo...

É mais manso e tem mais inteligência E, no sumo apogeu das formas desejadas,
Do que o sábio que trata de ciência grite pelo metal dos seus quatorze versos,
E não crê no Senhor da Natureza. relampagueando ao sol, como quatorze espadas!

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SONETO - PASSOS DA PAIXÃO DE CRISTO OH, SONETO


Guilherme de Almeida Nilo Aparecida Pinto

Soneto: forma de perfeita Forma! Rosa de ouro e cristal que, na alta rama
Crisol e jóia do Renascimento, do pátrio idioma eternamente presa,
emoção, verbo, ritmo, evento e invento, enfeixas no pudor da tua trama
tudo em sua alquimia se conforma. o véu de castidade da beleza!

Senhor do silogismo, ele transforma Prefiro, para amar-te, a mesma chama


a Lógica em Beleza e, ao argumento, da fé, porque és a catedral acesa
— à maior e à menor — dá valimento onde rezo, no culto que me inflama,
a estrita e bela submissão à Norma. minha oração à língua portuguesa!

Ao poeta ele oferece o altar da História: Soneto, em vão os deserdados da arte


um Calvário e um Parnaso — Dor e Glória — clamarão contra ti, que os não socorres.
duas premissas e uma conclusão. Mas eu me ajoelho para celebrar-te,

Árdua escalada, custa apenas isto: quando, afrontando todos os destinos,


quatorze passos da Paixão de Cristo ergues, no templo de quatorze torres,
por quatorze degraus da Perfeição. a perpétua aleluia dos teus sinos!

SONETO AO SONETO SONETO EM SONETO


Alfredo Cunha Cruz e Sousa

Dourado bergantim, num mar distante, Nas formas voluptuosas, o Soneto


num mar que banha regiões graciosas, tem fascinante, cálida fragrância
povoadas de imagens fantasiosas, e as leves, langues curvas de elegância
como um tropel de fadas, doidejante... de extravagante e mórbido esqueleto.

À proa canta a Musa — o tripulante A graça nobre e grave do quarteto


que à flor de um lago, todo leite e rosas, recebe a original intolerância,
ou no dorso das vagas espumosas, toda a sutil, secreta extravagância
conduz ligeiro a quilha de diamante. que transborda terceto por terceto.

Ao país da quimera vai correndo E, como singular polichinelo,


— fatal país donde jamais volvemos, ondula, ondeia, curioso e belo,
ao mesmo tempo tentador e horrendo. o soneto, nas formas caprichosas.

E audaz buscando esses confins extremos, As rimas dão-lhe a púrpura vetusta


o leve bergantim vão-no movendo e, na mais rara procissão augusta,
as pás argênteas de quatorze remos. surge o sonho das almas dolorosas...

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SONETO SONETO
Áureo Contreiras Vitor Silva

Faço um soneto sem contar nos dedos Rendilho no ouro o verso, em leve lhama;
as sílabas de sua construção. logo, ofuscando a pávida pupila,
Quatorze versos. Líricos enredos. a rima esplende e corre na áurea trama,
Quatorze espinhos no meu coração. como uma gota de ouro que cintila.

Ponho nele o cetim dos arvoredos Crebra, vibrando em sons de luz, tintila
e a cor das lindas tardes de verão. a frase crespa que o lavor recama
Faço dele a caixinha de segredos, e a estrofe acesa de iriante chama,
todos trancados pela minha mão. em áscuas de ouro trêmula fuzila.

Quatorze tristes catedrais vazias, E atento o olhar, nem conto o tempo breve.
cujo silêncio esmaga as harmonias Alheio a tudo, a mão serena e leve,
dos meus desejos vãos de Perfeição. sutil... sutil... correndo no tesouro...

Faço um soneto. Ó, essas mãos esguias Enredo, enleio os fios de ouro, fino,
roubando estrelas pelas noites frias, e ao jeito de um ourives florentino,
nas minhas noites de meditação! bordo o soneto em filigrana de ouro.

SONETO DIDÁTICO EXALTAÇÃO AO SONETO


Adelaide (Ide) Schloenbach Blumenschein Correia Pinto

Quatorze versos; rimas e medida Lembras, no aspecto, as frágeis miniaturas,


para que a forma seja sem defeito. escrínio, camafeu, flor em redoma,
E na primeira quadra - ainda escondida, missal a refulgir de iluminuras,
a imagem sugestiva ou algum conceito. frases de ouro a evolar fugace aroma.

Para à segunda quadra dar efeito, Êmulo de imperiais cinzeladuras,


o poeta, muita vez, tem dura lida; que o poeta ductiliza, esmera e croma,
pois, num ritmo melódico e escorreito, lavor que impõe desvelos e torturas,
a idéia deve ser compreendida. mas donde, em versos, a Beleza assoma.

O primeiro terceto vai subindo Quem te arquiteta em rimas de alabastro,


a escala da emoção e é sempre lindo, enclausurando em ti a imensidade,
dela trazendo a máxima expressão. da larva subterrânea à luz de um astro,

Depois, a chave-de-ouro, enclausurando transmuda-te de fino estojo em arca,


a jóia num escrínio, e revelando joia antiga de eterna mocidade,
o poder imortal da Inspiração! sacrário excelso da alma de Petrarca.

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A leitura traz ao homem plenitude; o discurso, segurança; e a escrita, precisão. (Francis Bacon)

HOMENAGEM AO SONETO SONETO XX


Atílio Milano Sílvio Valente

Os poetas repudiam-te, soneto! Amo o soneto porque é molde antigo


Dão outra forma às suas produções. para dizer as coisas sempre novas;
Chamam-te arcaico, dizem-te obsoleto porque depois de não sei quantas provas
como Horácio, a Arte Poética e os Pisões. (*) um pudor virginal guarda consigo.

Mas tu não morrerás, és o esqueleto O soneto é mais puro do que as trovas.


da idéia, que resiste às construções. Sim, Bem-Amada, eu nele apenas digo
O pensamento vive em ti, completo, tudo que é nobre em mim, tudo que aprovas
de Ronsard, de Petrarca, de Camões! e é meu prêmio na vida, e meu castigo.

Disse Boileau que vales todo um poema! É fino e breve, e tem segredo e arte;
Dentro de ti, como num cofre, coube uma pureza, enfim, tão cintilante
de chave de ouro, a inspiração de Arvers, que, quando um dia desejei cantar-te,

o poeta que em quatorze versos soube, os teus encantos rútilos, diversos,


na arte da tua síntese suprema, pus em soneto; e desde aquele instante
eternizar o amor a uma mulher! só sei rimar-te com quatorze versos!

“A SUA EXCELÊNCIA, O MEU AMIGO AO SONÊTO


SONETO” J. G. de Araújo Jorge
Filinto de Almeida

Meu amigo Soneto, eu te agradeço Fino frasco de forma nobre e pura,


o carinhoso, consolante abrigo E, ao mesmo tempo, taça de cristal,
que dás à dor imensa que padeço Onde a vida, em beleza se emoldura
e deste aos sonhos que eu cantei contigo. E vibra como um órgão musical.

Mais te amo quanto mais te ouço e conheço, Em transe, o poeta sempre te procura
jovem cantor que vens do tempo antigo, Para desabafar, sentimental,
e tenho a tua estima, que é sem preço, Seu pobre coração que se amargura
meu companheiro, meu melhor amigo. Ou seu canto de amor, belo e triunfal!

E, graças ao prestígio dessa estima, Cabe em ti tudo quanto em nós palpita,


tu me fizeste um grão-senhor da Rima, Tudo quanto se sonha ou se concebe:
e me acolhes agora como dantes, — A finita emoção, a alma finita...

e abres-me ainda — e desde a mocidade — , Vinho da uva da vida, que se pisa,


teus quatorze caminhos rutilantes, — És, a um só tempo, a taça em que se bebe,
que desembocam na imortalidade. E o frasco em que a beleza se eterniza!

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AUTOPSICOGRAFIA – Fernando Pessoa NO MEIO DO CAMINHO


O poeta é um fingidor. Carlos Drummond de Andrade
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor No meio do caminho tinha uma pedra
A dor que deveras sente. tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
E os que leem o que escreve, no meio do caminho tinha uma pedra.
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve, Nunca me esquecerei desse acontecimento
Mas só a que eles não têm. na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
E assim nas calhas de roda tinha uma pedra
Gira, a entreter a razão, tinha uma pedra no meio do caminho
Esse comboio de corda no meio do caminho tinha uma pedra.
Que se chama coração.
"No meio do caminho" é o que se pode
O VELHO E A FLOR – Vinícius de Moraes
chamar de poema-escândalo. Publicado pela
Por céus e mares eu andei,
primeira vez na modernista Revista de
Vi um poeta e vi um rei
Antropofagia, em 1928, deflagrou uma saraivada
Na esperança de saber
de críticas na imprensa.
O que é o amor.
Em 1930, quando lançou Alguma Poesia, seu
Ninguém sabia me dizer, livro de estreia, "No meio do caminho" foi incluído
Eu já queria até morrer no volume.
Quando um velhinho Violentos, irônicos, corrosivos, os críticos
Com uma flor assim falou: simplesmente desancavam o autor dos versos e
diziam, em suma, que aquilo não era poesia.
O amor é o carinho, Reacionários e gramatiqueiros, eles se
É o espinho que não se vê em cada flor. sentiam provocados pelas repetições do poema e
É a vida quando pelo "tinha uma pedra" em lugar de "havia uma
Chega sangrando aberta pedra".
em pétalas de amor. Em 1967, para marcar os 40 anos do poema,
Drummond reuniu o extenso material publicado
O BICHO – Manuel Bandeira sobre ele no volume Uma Pedra no Meio do
Vi ontem um bicho Caminho -- Biografia de um Poema (Editora do
Na imundície do pátio, Autor).
Catando comida entre os detritos. Vale aqui fazer apenas uma pergunta. Havia
milhares de poemas modernistas que a crítica
Quando achava alguma coisa, conservadora achava ruim ou desqualificava como
Não examinava nem cheirava: literatura.
Engolia com voracidade. Por que, então, detonaram todas as suas
baterias contra a pedra no caminho?
O bicho não era um cão.
Seria talvez pelo fato de que Drummond — o
Não era um gato.
mais completo modernista — pôs realmente o dedo
Não era um rato.
na ferida e incomodava mais?
O bicho, meu Deus, era um homem.

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