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(Francis Bacon)
De tudo ao meu amor serei atento Pensar que já vivi à sombra escura
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Desse ideal de dor, triste ideal
Que mesmo em face do maior encanto Que acima das paixões do bem e do mal
Dele se encante mais meu pensamento. Colocava a paixão da criatura!
Quero vivê-lo em cada vão momento Pensar que essa paixão, flor de amargura
E em seu louvor hei de espalhar meu canto Foi uma desventura sem igual
E rir meu riso e derramar meu pranto Uma incapacidade de ternura
Ao seu pesar ou seu contentamento Nunca simples e nunca natural!
E assim, quando mais tarde me procure Pensar que a vida se houve de tal sorte
Quem sabe a morte, angústia de quem vive Com tal zelo e tão íntimo sentido
Quem sabe a solidão, fim de quem ama Que em mim a vida renasceu da morte!
Por seres quem me foste, grave e pura Eu te amo, Maria, eu te amo tanto
Em tão doce surpresa conquistada Que o meu peito me dói como em doença
Por seres uma branca criatura E quanto mais me seja a dor intensa
De uma brancura de manhã raiada Mais cresce na minha alma teu encanto.
Por seres de uma rara formosura Como a criança que vagueia o canto
Malgrado a vida dura e atormentada Ante o mistério da amplidão suspensa
Por seres mais que a simples aventura Meu coração é um vago de acalanto
E menos que a constante namorada Berçando versos de saudade imensa.
Por não te possuir, tendo-te minha E é uma calma tão feita de humildade
Por só quereres tudo, e eu dar-te nada Que tão mais te soubesse pertencida
Hei de lembrar-te sempre com ternura. Menos seria eterno em tua vida.
Essa mulher que a cada amor proclama De repente, não mais que de repente
A miséria e a grandeza de quem ama Fez-se de triste o que se fez amante
E guarda a marca dos meus dentes nela. E de sozinho o que se fez contente.
De toda a vida e todo o amor humanos: O amigo: um ser que a vida não explica
Mas tranquila ela sabe, e eu sei tranquilo Que só se vai ao ver outro nascer
Que se um fica o outro parte a redimi-lo. E o espelho de minha alma multiplica...
Quem vê, Senhora, claro e manifesto Quem diz que Amor é falso ou enganoso,
o lindo ser de vossos olhos belos, ligeiro, ingrato, vão, desconhecido,
se não perder a vista só em vê-los,
Sem falta lhe terá bem merecido
já não paga o que deve a vosso gesto.
Que lhe seja cruel ou rigoroso.
Este me parecia preço honesto;
mas eu, por de vantagem merecê-los, Amor é brando, é doce e é piedoso;
dei mais a vida e alma por querê-los, Quem o contrário diz não seja crido:
donde já me não fica a mais de resto. Seja por cego e apaixonado tido,
E aos homens e inda aos deuses odioso.
Assim que a vida e alma e esperança
e tudo quanto tenho, tudo é vosso,
e o proveito disso eu só o levo. Se males faz Amor, em mi se vêem;
Em mim mostrando todo o seu rigor,
Porque é tamanha bem-aventurança Ao mundo quis mostrar quanto podia.
O dar-vos quanto tenho e quanto posso
Que, quanto mais vos pago, mais vos devo. Mas todas suas iras são de amor;
Todos estes seus males são um bem,
Que eu por todo outro bem não trocaria.
SONETO 03 SONETO 05
Luís Vaz de Camões Luís Vaz de Camões
Por que quereis, Senhora, que ofereça Alma minha gentil, que te partiste
a vida a tanto mal como padeço? Tão cedo desta vida descontente,
se vos nasce do pouco que mereço, Repousa lá no Céu eternamente,
bem por nascer está quem vos mereça. E viva eu cá na terra sempre triste.
Sabei que, enfim, por muito que vos peça, Se lá no assento Etéreo, onde subiste,
que posso merecer quanto vos peço; Memória desta vida se consente,
que não consente Amor, que em baixo preço Não te esqueças daquele amor ardente,
tão alto pensamento se conheça. Que já nos olhos meus tão puro viste.
Assi que a paga igual de minhas dores, E se vires que pode merecer-te
com nada se restaura, mas devei-ma, Algũa cousa a dor que me ficou
por ser capaz de tantos desfavores. Da mágoa, sem remédio, de perder-te,
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Pois meus olhos não cansam de chorar
Muda-se o ser, muda-se a confiança: Tristezas não cansadas de cansar-me;
Todo o mundo é composto de mudança, Pois não se abranda o fogo em que abrasar-me
Tomando sempre novas qualidades. Pôde quem eu jamais pude abrandar;
E afora este mudar-se cada dia, Ouçam a longa história de meus males,
Outra mudança faz de mor espanto, E curem sua dor com minha dor;
Que não se muda já como soía. Que grandes mágoas podem curar mágoas.
SONETO 07 SONETO 09
Luís Vaz de Camões Luís Vaz de Camões
Transforma-se o amador na cousa amada, Busque Amor novas artes, novo engenho
Por virtude do muito imaginar; Para matar-me, e novas esquivanças;
Não tenho logo mais que desejar, Que não pode tirar-me as esperanças,
Pois em mim tenho a parte desejada. Que mal me tirará o que eu não tenho.
Mas esta linda e pura semideia, Mas conquanto não pode haver desgosto
Que como o acidente em seu sujeito, Onde esperança falta, lá me esconde
Assim co'a alma minha se conforma, Amor um mal, que mata e não se vê.
Está no pensamento como ideia; Que dias há que na alma me tem posto
E o vivo e puro amor de que sou feito, Um não sei quê, que nasce não sei onde;
Como a matéria simples busca a forma. Vem não sei como; e dói não sei porquê.
Erros meus, má Fortuna, Amor ardente Estás morto, estás velho, estás cansado!
Em minha perdição se conjuraram; Como um suco de lágrimas pungidas
Os erros e a Fortuna sobejaram, Ei-las, as rugas, as indefinidas
Que para mim bastava Amor somente. Noites do ser vencido e fatigado.
De Amor não vi senão breves enganos. Estás velho estás morto! Ó dor, delírio,
Oh! Quem tanto pudesse, que fartasse Alma despedaçada de martírio
Este meu duro Génio de vinganças! Ó desespero da desgraça eterna.
Junto da morte é que floresce a vida! Oh! que doce tristeza e que ternura
Andamos rindo junto a sepultura. No olhar ansioso, aflito dos que morrem…
A boca aberta, escancarada, escura De que âncoras profundas se socorrem
Da cova é como flor apodrecida. Os que penetram nessa noite escura!
Vem revestida em suas negras sedas Descem então aos golfos congelados
E a marteladas lúgubres e tredas Os que na terra vagam suspirando,
Das Ilusões o eterno esquife prega. Com os velhos corações tantalizados.
E adeus caminhos vãos mundos risonhos! Tudo negro e sinistro vai rolando
Lá vem a loba que devora os sonhos, Báratro a baixo, aos ecos soluçados
Faminta, absconsa, imponderada cega! Do vendaval da Morte ondeando, uivando…
que chama acende os teus faróis noturnos O adeus, o teu adeus, minha saudade,
e veste os teus mistérios taciturnos Fazem que insano do viver me prive
dos esplendores do arco de aliança? E tenha os olhos meus na escuridade,
Por que és assim, melancolicamente, Dá-me a esperança com que o ser mantive!
como um arcanjo infante, adolescente, Volve ao amante os olhos por piedade,
esquecido nos vales da Esperança?! Olhos por quem viveu quem já não vive!
SONETO 02 SONETO 01
Álvares de Azevedo Gonçalves Dias
Era a virgem do mar, na escuma fria Enquanto vais cortando o salso argento,
Pela maré das águas embalada! Desta praia feliz não se desprega
Era um anjo entre nuvens d’alvorada (Meus olhos, não, que amargo pranto os rega,)
Que em sonhos se banhava e se esquecia! Minha alma, sim, e o amor que é meu tormento.
Era mais bela! O seio palpitando... Baixel, que vais fugindo, despiedado,
Negros olhos as pálpebras abrindo... Sem temor dos contrastes da procela,
Formas nuas no leito resvalando... Volta ao menos, qual vais tão apressado.
Não te rias de mim, meu anjo lindo! Encontre-a eu gentil, mimosa e bela!
Por ti – as noites eu velei chorando, E o pranto qu'ora verto amargurado,
Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo! Possa eu então verter nos lábios dela!
Que palpitava como — ao longe — o mar, Sonho que um verso meu tem claridade
E lá no céu êsses rubins pregados Para encher todo o mundo! E que deleita
Brilhavam menos, que teu vivo olhar! Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Co'a mão nas minhas, no silêncio augusto, Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!
Tu me falavas, sem mentido susto, Sonho que sou Alguém cá neste mundo …
E nunca a virgem, que a paixão revela, Aquela de saber vasto e profundo,
Passou-me em sonhos tão formosa assim! Aos pés de quem a Terra anda curvada!
Vendo a noite tão pura, e a ti tão bela, E quando mais no céu eu vou sonhando,
Eu disse aos astros: — dai o céu a ela! E quando mais no alto ando voando,
Disse a teus olhos: — dai amor p'ra mim Acordo do meu sonho … E não sou nada! …”
"Sonho que um verso meu tem claridade" Os sinos têm dobres de agonias
Dessa que tanto brilha e mal se enfeita, Ao gemer, comovidos, o seu mal...
Dessa que toda é espontaneidade E todos têm sons de funeral
E que nunca se esconde de quem espreita... Ao bater horas no correr dos dias...
"Sonho que sou Alguém cá neste mundo (...)", A minha Dor é um convento. Há lírios
Que encontro sempre o verso em que me afundo, Dum roxo macerado de martírios,
Que, ao senti-lo, me rendo extasiada Tão belos como nunca os viu alguém!
"E quanto mais no céu eu vou sonhando", Nesse triste convento aonde eu moro,
Mais neste Tejo meu vou mergulhando, Noites e dias rezo e grito e choro,
Mais sinto que fui sempre água salgada... E ninguém ouve... ninguém vê... ninguém...
Enche o meu peito, num encanto mago, Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
O frêmito das coisas dolorosas... A essa hora dos mágicos cansaços,
Sob as urzes queimadas nascem rosas... Quando a noite de manso se avizinha
Nos meus olhos as lágrimas apago... E me prendesses toda nos teus braços...
Anseio! Asas abertas! O que trago Quando me lembra: esse sabor que tinha
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas A tua boca... o eco dos teus passos...
Murmurar-me as palavras misteriosas O teu riso de fonte... os teus abraços...
Que perturbam meu ser como um afago! Os teus beijos... a tua mão na minha...
Acostuma-te a lama que te espera! Levantou-se. E eis que viu, antes do almoço,
O Homem que, nesta terra miserável, Na mão dos açougueiros, a escorrer
Mora entre feras, sente inevitável Fita rubra de sangue muito grosso,
Necessidade de também ser fera A carne que ele havia de comer!
Se a alguém causa ainda pena a tua chaga E amou, com um berro bárbaro de gozo,
Apedreja essa mão vil que te afaga. O monocromatismo monstruoso
Escarra nessa boca de que beija! Daquela universal vermelhidão!
AO LUAR SOLITÁRIO
Augusto dos Anjos Augusto dos Anjos
Quebro a custódia dos sentidos tredos Fazia frio e o frio que fazia
E a minha mão, dona, por fim, de quanta Não era esse que a carne nos conforta…
Grandeza o Orbe estrangula em seus segredos, Cortava assim como em carniçaria
Todas as coisas íntimas suplanta! O aço das facas incisivas corta!
Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado, Mas tu não vieste ver minha Desgraça!
Nos paroxismos da hiperestesia, E eu saí, como quem tudo repele,
O Infinitésimo e o Indeterminado… -Velho caixão a carregar destroços-
A ESPERANÇA SONETO
Augusto dos Anjos Augusto dos Anjos
A Esperança não murcha, ela não cansa, Aurora morta, foge! Eu busco a virgem loura
Também como ela não sucumbe a Crença. Que fugiu-me do peito ao teu clarão de morte
Vão-se sonhos nas asas da Descrença, E Ela era a minha estrela, o meu único Norte,
Voltam sonhos nas asas da Esperança. O grande Sol de afeto – o Sol que as almas doura!
Mocidade, portanto, ergue o teu grito, Agora, oh! Minha Mágoa, agita as tuas asas,
Sirva-te a crença de fanal bendito, Vem! Rasga deste peito as nebulosas gazas
Salve-te a glória no futuro – avança! E, num Pálio auroral de Luz deslumbradora,
E eu, que vivo atrelado ao desalento, Ascende à Claridade. Adeus oh! Dia escuro,
Também espero o fim do meu tormento, Dia do meu Passado! Irrompe, meu Futuro;
Na voz da morte a me bradar: descansa! Aurora morta, foge – eu busco a virgem loura!
A própria Esfinge há de falar-vos ainda Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E eu, somente eu, hei de ficar trancado E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na noite aterradora de mim mesmo! Na frialdade inorgânica da terra!
Para que nesta vida o espírito esfalfaste Ela chorava muito e muito, aos cantos,
Em vãs meditações, homem meditabundo? Frenética, com gestos desabridos;
- Escalpelaste todo o cadáver do mundo Nos cabelos, em ânsias desprendidos
E, por fim, nada achaste… e, por fim, nada Brilhavam como pérolas os prantos.
achaste!…
Ele, o amante, sereno como os santos,
A loucura destruiu tudo o que arquitetaste Deitado no sofá, pés aquecidos,
E a Alemanha tremeu ao teu gemido fundo!… Ao sentir-lhe os soluços consumidos,
De que te serviu, pois, estudares profundo Sorria-se cantando alegres cantos.
O homem e a lesma e a rocha e a pedra e o carvalho
e a haste? E dizia-lhe então, de olhos enxutos:
– “Tu pareces nascida da rajada,
Pois, para penetrar o mistério das lousas, “Tens despeitos raivosos, resolutos:
Foi-te mister sondar a substância das cousas
- Construíste de ilusões um mundo diferente, “Chora, chora, mulher arrenegada;
“Lagrimeja por esses aquedutos...
Desconheceste Deus no vidro do astrolábio –“Quero um banho tomar de água salgada.
E quando a Ciência vã te proclamava sábio,
A tua construção quebrou-se de repente!
Não podes?! Chama então presto o primeiro Todas as noites uma fantasia
E o mais possante gladiador de Roma. Lhe emanava da fronte imaginosa;
E qual mais pronto, e qual mais presto assoma, Todas as noites tinha uma mania,
Nenhum pode domar o prisioneiro. Aquela concepção vertiginosa.
Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem… Todas as noites ela, ah! sordidez!
E não pude domá-lo, enfim, ninguém, Descalçava-me as botas, os coturnos,
Que ninguém doma um coração de poeta! E fazia-me cócegas nos pés...
Eu sei um bom rapaz, – hoje uma ossada –, – Foi lâmpada no mundo cavernoso,
Que amava certa dama pedantesca, Inspiradora foi de carta enfática,
Perversíssima, esquálida e chagada, Onde a alma candente mas sem tática,
Mas cheia de jactância, quixotesca. Se espraiava num canto lacrimoso.
A FORCA HEROÍSMOS
Cesário Verde Cesário Verde
Já que adorar-me dizes que não podes, Eu temo muito o mar, o mar enorme,
Imperatriz serena, alva e discreta, Solene, enraivecido, turbulento,
Ai, como no teu colo há muita seta Erguido em vagalhões, rugindo ao vento;
E o teu peito é peito dum Herodes, O mar sublime, o mar que nunca dorme.
Eu antes que encaneçam meus bigodes Eu temo o largo mar, rebelde, informe,
Ao meu mister de ama-te hei de pôr meta, De vítimas famélico, sedento,
O coração mo diz – feroz profeta, E creio ouvir em cada seu lamento
Que anões faz dos colossos lá de Rodes. Os ruídos dum túmulo disforme.
Mas o que há de apertar o meu pescoço E ouvindo muito ao perto o seu bramar,
Em lugar de ser corda de bom linho Eu rindo, sem cuidados, simplesmente,
Será do teu cabelo um menos grosso. Escarro, com desdém, no grande mar!
Vai ele a trote, pelo chão da serra, Como um bloco de pedra, inanimado e forte,
Com a vista espantada e penetrante, tens a idéia. Pois bem: trabalha na obra-prima!
E ninguém nota em seu marchar volante, E, antes de começar, num sublime transporte,
A estupidez que este animal encerra. aguarda a inspiração, que baixa lá de cima...
Muitas vezes, manhoso, ele se emperra, Depois te quero ver, mais duro que Mavorte,
Sem dar uma passada para diante, batendo com o martelo e rilhando com a lima!
Outras vezes, pinota, revoltante, E, talhado de rijo, em soberbo recorte,
E sacode o seu dono sobre a terra. gire o verso, a cantar, no eixo de ouro da rima...
Mas contudo! Este bruto sem noção, E que um dia nos venha, extraordinário amigo,
Que é capaz de fazer uma traição, um soneto que vibre, entre clarões dispersos,
A quem quer que lhe venha na defesa, levantando o rumor de um campanário antigo...
É mais manso e tem mais inteligência E, no sumo apogeu das formas desejadas,
Do que o sábio que trata de ciência grite pelo metal dos seus quatorze versos,
E não crê no Senhor da Natureza. relampagueando ao sol, como quatorze espadas!
Soneto: forma de perfeita Forma! Rosa de ouro e cristal que, na alta rama
Crisol e jóia do Renascimento, do pátrio idioma eternamente presa,
emoção, verbo, ritmo, evento e invento, enfeixas no pudor da tua trama
tudo em sua alquimia se conforma. o véu de castidade da beleza!
SONETO SONETO
Áureo Contreiras Vitor Silva
Faço um soneto sem contar nos dedos Rendilho no ouro o verso, em leve lhama;
as sílabas de sua construção. logo, ofuscando a pávida pupila,
Quatorze versos. Líricos enredos. a rima esplende e corre na áurea trama,
Quatorze espinhos no meu coração. como uma gota de ouro que cintila.
Ponho nele o cetim dos arvoredos Crebra, vibrando em sons de luz, tintila
e a cor das lindas tardes de verão. a frase crespa que o lavor recama
Faço dele a caixinha de segredos, e a estrofe acesa de iriante chama,
todos trancados pela minha mão. em áscuas de ouro trêmula fuzila.
Quatorze tristes catedrais vazias, E atento o olhar, nem conto o tempo breve.
cujo silêncio esmaga as harmonias Alheio a tudo, a mão serena e leve,
dos meus desejos vãos de Perfeição. sutil... sutil... correndo no tesouro...
Faço um soneto. Ó, essas mãos esguias Enredo, enleio os fios de ouro, fino,
roubando estrelas pelas noites frias, e ao jeito de um ourives florentino,
nas minhas noites de meditação! bordo o soneto em filigrana de ouro.
Disse Boileau que vales todo um poema! É fino e breve, e tem segredo e arte;
Dentro de ti, como num cofre, coube uma pureza, enfim, tão cintilante
de chave de ouro, a inspiração de Arvers, que, quando um dia desejei cantar-te,
Mais te amo quanto mais te ouço e conheço, Em transe, o poeta sempre te procura
jovem cantor que vens do tempo antigo, Para desabafar, sentimental,
e tenho a tua estima, que é sem preço, Seu pobre coração que se amargura
meu companheiro, meu melhor amigo. Ou seu canto de amor, belo e triunfal!