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VIVER POR AMOR MORRER

Cantiga de Amigo
Canto lírico mais genuíno da região da Galícia e de Portugal, a cantiga de
amigo é anterior a qualquer influência estrangeira. O eu poemático, o sujeito da
enunciação, é uma moça que exprime sua coita (dor, aflição), a mágoa pela
ausência ou pela indiferença de seu amado. Tal queixa amorosa é dirigida à mãe, a
uma irmã ou a uma amiga com quem o eu poemático estabelece a tenção, um
diálogo acalorado. O ambiente onde se dá tal confissão amorosa é o campo ou
outro espaço da natureza, distinguindo-se, assim, a pastorela (a moça que fala é
uma pastora), a barcarola (a moça dirige-se às ondas do mar ou às águas do rio), a
serranilha (diálogo entre um fidalgo e uma camponesa), a alva, alba ou alvorada
(ao raiar do sol a moça lamenta a ausência do namorado ou regozija-se pela noite
de amor), a bailada (cantiga coral e festiva, predominando o elemento da dança) e
a cantiga de romaria (o cenário é um santuário, onde a moça se encontra com o
namorado ou reza para que ele volte).
D’ONOFRIO, Salvatore. Teoria do Texto 2: teoriada lírica e do drama. São Paulo:
Ática, 2005, p. 87

Características das cantigas de amigo


 Voz lírica feminina
 Tratamento dado ao namorado: amigo
 Expressão da vida campesina e urbana
 Amor realizado ou possível - sofrimento amoroso
 Simplicidade - pequenos quadros sentimentais
 Paralelismo e refrão
 Origem popular e autóctone (isto é, na própria Península Ibérica)

1.
Ondas do mar de Vigo,
acaso vistes meu amigo?
Queira Deus que ele venha cedo!
Ondas do mar agitado,
acaso vistes meu amado?
Queira Deus que ele venha cedo!
Acaso vistes meu amigo
aquele por quem suspiro?
Queira Deus que ele venha cedo!
Acaso vistes meu amado,
por quem tenho grande cuidado?
Queira Deus que ele venha cedo.
(Martim Codax)

2.
-Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo!
Ai Deus, e u é?

Ai, flores, ai flores do verde ramo,


se sabedes novas do meu amado!
Ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amigo,


aquel que mentiu do que pos comigo!
Ai Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amado
aquel que mentiu do que mi ha jurado!
Ai Deus, e u é?

-Vós me preguntades polo voss'amigo,


e eu ben vos digo que é san'e vivo.
Ai Deus, e u é?

Vós me preguntades polo voss'amado,


e eu ben vos digo que é viv'e sano.
Ai Deus, e u é?

E eu ben vos digo que é san'e vivo


e seerá vosc'ant'o prazo saído.
Ai Deus, e u é?

E eu ben vos digo que é viv'e sano


e seerá vosc'ant'o prazo passado.
Ai Deus, e u é?
(D. Denis)

3.
Fui à fonte lavar os cabelos,
minha mãe, e gostei eu deles
e de mim, também.
Fui à fonte as tranças lavar,
e das tranças pus-me eu a gostar
e de mim, também.
Lá na fonte, onde eu gostei deles,
vi o dono dos meus cabelos
e de mim, também.
Lá na fonte, antes que eu partisse,
gostei tanto do que ele me disse
e de mim, também.
(Joan Soares Coelho)

1.2. Cantiga de Amor


O cavalheiro se dirige à mulher amada como uma figura idealizada, distante.
O poeta, na posição de fiel vassalo, se põe a serviço de sua senhora, dama da
corte, tornando esse amor um objeto de sonho, distante, impossível.
Neste tipo de cantiga, originária de Provença, no sul de França, o eu-lírico é
masculino e sofredor. Sua amada é chamada de senhor (as palavras terminadas em
or como senhor ou pastor, em galego-português não tinham feminino). Canta as
qualidades de seu amor, a "minha senhor", a quem ele trata como superior
revelando sua condição hierárquica. Ele canta a dor de amar e está sempre
acometido da "coita", palavra frequente nas cantigas de amor que significa
"sofrimento por amor". É à sua amada que se submete e "presta serviço", por isso
espera benefício (referido como o bem nas trovas).
Essa relação amorosa vertical é chamada "vassalagem amorosa", pois
reproduz as relações dos vassalos com os seus senhores feudais. Sua estrutura é
mais sofisticada. Existem dois tipos de cantigas de amor: as de refrão e as de
mestria, que não tem refrão.

Características das cantigas de amor


 Voz lírica masculina
 Ausência do paralelismo de par de estrofes e do leixa-pren.
 Assunto Principal: o sofrimento amoroso do eu-lírico perante uma mulher
idealizada e distante.
 Amor cortês; convencionalismo amoroso.
 Amor impossível.
 Ambientação aristocrática das cortes.
 Forte influência provençal.
 Vassalagem amorosa "o eu lírico usa o pronome de tratamento "senhor"".

1
No mundo nom me sei parelha
mentre me for como me vai,
ca ja moiro por vós e ai!
mia senhor branca e vermelha,
queredes que vos retraia
quando vos eu vi em saia.
Mao dia me levantei
que vos entom nom vi fea!
E, mia senhor, des aquelha
me foi a mi mui mal di’ai!
E vós, filha de Dom Paai
Moniz, e bem vos semelha
d’aver eu por vós guarvaia,
pois eu, mia senhor, d’alfaia
nunca de vós ouve nem ei
valia d’ua correa.
(Paio Soares de Taveirós)

Explicações
non me sei parelha: não conheço ninguém igual a mim.
mentre: enquanto.ca: pois.
branca e vermelha: a cor branca da pele, contrastando com o rosado do rosto.
retraia: pinte, retrate, descreva.
en saia: sem manto.
que: pois
dês: desde
semelha: parece
d’aver eu por vós: receber por seu intermédio.
guarvaia: manto luxuoso, provavelmente vermelho, usado pela nobreza.
alfaia: presente
valia d’un correa: objeto de pequeno valor.

2.
Ai Deus, que grave coita de sofrer!
Desejar mort'e haver a viver
com'hoj'eu viv', e mui sen meu prazer.
Con esta coita que me ven tanta,
desejo mort'e quería morrer,
porque se foi a Raínha franca!

A esta coita nunca eu par vi:


desejo morte, pero vivo assí,
per bõa fe, a gran pesar de min;
e direi-vos que me máis quebranta:
desejo morte que sempre temí,
porque se foi a Raínha franca!

Ai coitado, con quanto mal me ven,


porque desejo mia morte, por én
perdí o dormir e perdí o sén,
e choro sempre quand'outren canta,
e máis desejo morte doutra ren,
porque se foi a Raínha franca!
(Pero Garcia Burgalês)

POESIA PALACIANA

1.
Senhora, partem tam tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

Tam tristes, tam saudosos,


tam doentes da partida,
tam cansados, tam chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tão tristes os tristes,
tam fora d' esperar bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.
(Joam Ruiz de Castell Branco)

2.
Meu amor tanto vos quero,
que deseja o coração
mil cousas contra a razão.

Porque, se vos não quisesse,


como poderia ter
desejo que me viesse
do que nunca pode ser?
Mas conquanto desespero,
e em mim tanta afeição,
que deseja o coração
(Aires Teles)

LUÍS VAZ DE CAMÕES

A MEDIDA VELHA

MOTE ALHEIO

Minina dos olhos verdes,


porque me não vedes?

VOLTAS PRÓPRIAS

Eles verdes são,


e têm por usança
na cor, esperança,
e nas obras não.
Vossa condição
não é d' olhos verdes,
porque me não vedes.

Isenções a molhos
que eles dizem terdes,
não são d' olhos verdes,
nem de verdes olhos.
Sirvo de giolhos
e vós não me credes,
porque me não vedes.

Haviam de ser,
por que possa vê-los,
que uns olhos tão belos
não se hão-de esconder;
mas fazeis-me crer
que já não são verdes,
porque me não vedes.

Verdes não o são,


no que alcanço deles;
verdes são aqueles
que esperança dão.
Se na condição
está serem verdes,
porque me não vedes?

A MEDIDA NOVA
a.
Enquanto quis Fortuna que tivesse b.
esperança de algum contentamento, Eu cantarei de amor tão docemente,
o gosto de um suave pensamento Por uns termos em si tão concertados,
me fez que seus efeitos escrevesse. Que dous mil acidentes namorados
Faça sentir ao peito que não sente.
Porém, temendo Amor que aviso desse
minha escritura a algum juízo isento, Farei que o amor a todos avivente,
escureceu-me o engenho co tormento, Pintando mil segredos delicados,
para que seus enganos não dissesse. Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia e pena ausente.
Ó vós, que Amor obriga a ser sujeitos
a diversas vontades! Quando lerdes Também, Senhora, do desprezo honesto
num breve livro casos tão diversos, De vossa vista branda e rigorosa,
Contentar-me-ei dizendo a menor parte.
verdades puras são, e não defeitos.
E sabei que, segundo o amor tiverdes, Porém, para cantar de vosso gesto
tereis o entendimento de meus versos. A composição alta e milagrosa,
Aqui falta saber, engenho e arte.

c. Se lá no assento etéreo, onde subiste,


Alma minha gentil, que te partiste Memória desta vida se consente,
Tão cedo desta vida descontente, Não te esqueças daquele amor ardente
Repousa lá no Céu eternamente Que já nos olhos meus tão puro viste.
E viva eu cá na terra sempre triste.
E se vires que pode merecer-te
Algúa cousa a dor que me ficou É um não querer mais que bem querer;
Da mágoa, sem remédio, de perder-te, É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
Roga a Deus, que teus anos encurtou, É um cuidar que ganha em se perder.
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou. É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
d. É ter com quem nos mata, lealdade.
Amor é um fogo que arde sem se ver,
É ferida que dói, e não se sente; Mas como causar pode seu favor
É um contentamento descontente, Nos corações humanos amizade,
É dor que desatina sem doer. Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

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