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Tanto de meu estado me acho incerto… Luís de Camões (1524-1580)

Tanto de meu estado me acho incerto,


que em vivo ardor tremendo estou de frio;
sem causa, juntamente choro e rio,
o mundo todo abarco e nada aperto.

É tudo quanto sinto um desconcerto;


da alma um fogo me sai, da vista um rio;
agora espero, agora desconfio,
agora desvario, agora acerto.

Estando em terra, chego ao céu voando,


numa hora acho mil anos, e é de jeito
que em mil anos não posso achar uma hora.

Se me pergunta alguém por que assim ando,


respondo que não sei; porém suspeito
que só porque vos vi, minha Senhora.

Soneto de Fidelidade (Vinícius de Moraes)

De tudo ao meu amor serei atento


Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento


E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure


Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):


Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Soneto do Amor Total (Vinícius de Moraes)

Amo-te tanto, meu amor... não cante


O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante


E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente


De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde


É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

Isto aqui não é um soneto (Rogério Skylab)


Isto aqui não é um soneto
(estamos num sítio arqueológico).
Ruína de uma forma poética
surgida na Renascença.

Forma esvaziada, de cuja estrutura


temos uma longínqua ideia.
Isto aqui não é um soneto
nem sua réplica.

Uma carcaça carcomida


que um guia turístico informa
pertencer a um antigo soneto,

exposto a visitações públicas


essa forma espúria
é retrato dos tempos.
Luiz vaz de camões

Amor é fogo que arde sem se ver;


É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;


É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que se ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;


É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor


Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

A Dança/ Soneto XVII (Pablo Neruda NERUDA, P. Cem Sonetos de Amor)

Não te amo como se fosses rosa de sal, topázio


ou flecha de cravos que propagam o fogo:
amo-te como se amam certas coisas obscuras,
secretamente, entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce e leva


dentro de si, oculta a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascendeu da terra.

Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,


te amo diretamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,

senão assim deste modo em que não sou nem és


tão perto que tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.
Soneto XVII (Pablo Neruda NERUDA, P. Cem Sonetos de Amor)

No te amo como se fueras rosa de sal, topacio


o flecha de claveles que propagan el fuego:
te amo como se aman ciertas cosas oscuras,
secretamente, entre la sombra y el alma.

Te amo como la planta que no florece y lleva


dentro de sí, escondida, la luz de aquellas flores,
y gracias a tu amor vive oscuro en mi cuerpo
el apretado aroma que ascendió de la tierra.

Te amo sin saber cómo, ni cuándo, ni de dónde,


te amo directamente sin problemas ni orgullo:
así te amo porque no sé amar de otra manera,

sino así de este modo en que no soy ni eres,


tan cerca que tu mano sobre mi pecho es mía,
tan cerca que se cierran tu ojos con mi sueño.

Francesco Petrarca

Não tenho paz nem posso fazer guerra;


temo e espero, e do ardor ao gelo passo,
e voo para o céu, e desço à terra,
e nada aperto, e todo o mundo abraço.

Prisão que nem se fecha ou se descerra,


nem me retém nem solta o duro laço;
entre livre e submissa esta alma erra,
nem é morto nem vivo o corpo lasso.

Vejo sem olhos, grito sem ter voz;


e sonho perecer e ajuda imploro;
a mim odeio e a outrem amo após.

Sustento-me de dor e rindo choro;


a morte como a vida enfim deploro:
e neste estado sou, Dama, por vós.
.
Soneto original, em italiano:

Pace non trovo e non ho da far guerra;


e temo e spero, ed ardo e son’ un ghiaccio;
e volo sopra’l cielo e ghiaccio in terra:
e nulla stringo e tutto ‘l mondo abbraccio.

Tal m’ha in prigion, che non m’apre, nè serra;


nè per suo mi riten, nè sciogle il laccio;
e non m’ancide Amor, e non mi sferra,
nè mi vuol vivo, nè mi trae d’impaccio.

Veggio senz’occhi; e non ho lingua, e grido;


e bramo di perir e cheggio aita;
ed ho in odio me stesso, ed amo altrui:

Pascomi di dolor; piangendo rido;


egualmente mi spiace morte, e vita.
in questo stato son, donna, per vui.

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