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LEITURAS FLUTUANTES – POEMAS PROFESSOR: DIEGO RENÊ | DATA : 11/03/2024

NOME: N°: DISC.: LITERATURA SÉRIE: 3ª SÉRIE

Rezava às Ave-Marias,
MEUS OITO ANOS Achava o céu sempre lindo,
Casimiro de Abreu Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!
Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida, Oh! Que saudades que tenho
Da minha infância querida Da aurora da minha vida,
Que os anos não trazem mais! Da minha infância querida
Que amor, que sonhos, que flores, Que os anos não trazem mais!
Naquelas tardes fagueiras Que amor, que sonhos, que flores,
À sombra das bananeiras, Naquelas tardes fagueiras
Debaixo dos laranjais! À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência! ***
- Respira a alma inocência IRONIA ETERNA
Como perfumes a flor; Da Costa e Silva
O mar é - lago sereno, Amarante, 1885-1950
O céu - um manto azulado,
O mundo - um sonho dourado, Alegria perpétua das ossadas
A vida - um hino d'amor! Que, surgindo do lodo deletério,
Macabramente, pelo cemitério,
Que auroras, que sol, que vida, Gargalham chocalhantes gargalhadas…
Que noites de melodia
Naquela doce alegria, Escárnio às ironias mais sagradas,
Naquele ingênuo folgar! Sarcasmo eterno, exótico e funéreo
O céu bordado d’estrelas, Do Carnaval da Morte e do Mistério
A terra de aromas cheia, Dentro do horror das noites apagadas…
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar! Ironia feliz dos esqueletos
Nus, sorrindo, funâmbulos e doudos
Oh! dias da minha infância! Dentro dos muros lúgubres e pretos…
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era Ride, Visões sinistras, agoureiras…
Nessa risonha manhã. Pois que dos risos o melhor de todos
Em vez das mágoas de agora, É o riso escancarados das caveiras.
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias ***
E beijos de minha irmã! VERSOS ÍNTIMOS
Augusto dos Anjos 1884-1914
Livre filho das montanhas, Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Eu ia bem satisfeito, Enterro de sua última quimera.
De camisa aberto ao peito, Somente a Ingratidão – esta pantera –
- Pés descalços, braços nus - Foi tua companheira inseparável!
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras, Acostuma-te à lama que te espera!
Atrás das asas ligeiras O homem, que, nesta terra miserável,
Das borboletas azuis! Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas, Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
Trepava a tirar as mangas, O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
Brincava à beira do mar; A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Sorrio do símbolo, ao pensar nele, e ao virar à direita.
Se alguém causa inda pena a tua chaga, Em quantas coisas que me emprestaram guio como
Apedreja essa mão vil que te afaga, minhas!
Escarra nessa boca que te beija! Quanto me emprestaram, ai de mim!, eu próprio sou!

À esquerda o casebre — sim, o casebre — à beira da


*** estrada.
À direita o campo aberto, com a lua ao longe.
ÁGUAS... O automóvel, que parecia há pouco dar-me liberdade,
Baurélio Mangabeira 1884-1937 É agora uma coisa onde estou fechado,
Águas descem dos morros às estradas Que só posso conduzir se nele estiver fechado,
Para fortificar as dos regatos… Que só domino se me incluir nele, se ele me incluir a
Mobilizam-se. Marcham aceleradas, mim.
Quebrando as orlas, arrastando os matos…
À esquerda lá para trás o casebre modesto, mais que
Passam troando à frente das moradas, modesto.
Pesando no sentir d'antigos factos A vida ali deve ser feliz, só porque não é a minha.
Das que passaram em épocas passadas Se alguém me viu da janela do casebre, sonhará: Aquele
Quebrando as orlas, arrastando os matos. é que é feliz.
Talvez à criança espreitando pelos vidros da janela do
Descem barrentamente para o mar, andar que está em cima
A evoluir a evoluir, a arfar a arfar, Fiquei (com o automóvel emprestado) como um sonho,
A fraldear sob alterosas fráguas. uma fada real.
Talvez à rapariga que olhou, ouvindo o motor, pela
Fazem rios… pelejam nos caminhos... janela da cozinha
Levam a flor silvestre… Levam ninhos... No pavimento térreo,
Incapazes! Não levam minhas mágoas. Sou qualquer coisa do príncipe de todo o coração de
rapariga,
E ela me olhará de esguelha, pelos vidros, até à curva
AO VOLANTE DO CHEVROLET PELA ESTRADA DE em que me perdi.
SINTRA Deixarei sonhos atrás de mim, ou é o automóvel que os
Fernando Pessoa deixa?
Lisboa, 1888-1935
Eu, guiador do automóvel emprestado, ou o automóvel
Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra, emprestado que eu guio?
Ao luar e ao sonho, na estrada deserta,
Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco Na estrada de Sintra ao luar, na tristeza, ante os campos
Me parece, ou me forço um pouco para que me pareça, e a noite,
Que sigo por outra estrada, por outro sonho, por outro Guiando o Chevrolet emprestado desconsoladamente,
mundo, Perco-me na estrada futura, sumo-me na distância que
Que sigo sem haver Lisboa deixada ou Sintra a que ir ter, alcanço,
Que sigo, e que mais haverá em seguir senão não parar E, num desejo terrível, súbito, violento, inconcebível,
mas seguir? Acelero...
Vou passar a noite a Sintra por não poder passá-la em Mas o meu coração ficou no monte de pedras, de que
Lisboa, me desviei ao vê-lo sem vê-lo,
Mas, quando chegar a Sintra, terei pena de não ter À porta do casebre,
ficado em Lisboa. O meu coração vazio,
Sempre esta inquietação sem propósito, sem nexo, sem O meu coração insatisfeito,
consequência, O meu coração mais humano do que eu, mais exacto
Sempre, sempre, sempre, que a vida.
Esta angústia excessiva do espírito por coisa nenhuma,
Na estrada de Sintra, ou na estrada do sonho, ou na Na estrada de Sintra, perto da meia-noite, ao luar, ao
estrada da vida... volante,
Na estrada de Sintra, que cansaço da própria
Maleável aos meus movimentos subconscientes do imaginação,
volante, Na estrada de Sintra, cada vez mais perto de Sintra,
Galga sob mim comigo o automóvel que me Na estrada de Sintra, cada vez menos perto de mim...
emprestaram. 11-5-1928

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