[1] O livro discute a relação entre teoria e prática na tradução, criticando abordagens linguísticas tradicionais e defendendo uma "poética da tradução" que leva em conta fatores como ritmo e oralidade.
[2] O autor argumenta que traduzir literatura é uma arte, não uma ciência exata, e que uma boa tradução deve capturar não apenas o significado das palavras, mas também a "poética" do original.
[3] Ele critica noções como "língua de partida" e
[1] O livro discute a relação entre teoria e prática na tradução, criticando abordagens linguísticas tradicionais e defendendo uma "poética da tradução" que leva em conta fatores como ritmo e oralidade.
[2] O autor argumenta que traduzir literatura é uma arte, não uma ciência exata, e que uma boa tradução deve capturar não apenas o significado das palavras, mas também a "poética" do original.
[3] Ele critica noções como "língua de partida" e
[1] O livro discute a relação entre teoria e prática na tradução, criticando abordagens linguísticas tradicionais e defendendo uma "poética da tradução" que leva em conta fatores como ritmo e oralidade.
[2] O autor argumenta que traduzir literatura é uma arte, não uma ciência exata, e que uma boa tradução deve capturar não apenas o significado das palavras, mas também a "poética" do original.
[3] Ele critica noções como "língua de partida" e
http://dx.doi.org/10.5007/2175-7968. 2014v1n33p354 bem é verdade que o autor fran- cês teve um exercício prolífico Meschonnic, H. Poética do tra- como poeta e como tradutor – duzir. Trad. Jerusa Pires Ferrei- publicou e foi premiado por vá- ra e Suely Fenerich. São Paulo, rios livros de poesias e traduziu Perspectiva: 2010. 279 p. o Antigo Testamento -, enquanto a primeira parte do livro consta de 79 páginas, distribuídas em 6 capítulos, a segunda parte consta O livro Poética do traduzir, de de 179 páginas, divididas em 10 Henri Meschonnic (1932-2009), capítulos no total. Houve, ao que traduzido por Suely Fenerich e parece, uma necessidade maior Jerusa Pires Ferreira, que tam- de desenvolver mais exemplos na bém escreve o prefácio nesta narrativa dessa segunda parte, A edição, está organizado em duas teoria: É a prática. Trata-se de partes dialeticamente conectadas uma abordagem mais pormeno- abordando a relação entre teo- rizada das questões envolvidas ria e prática no ato de traduzir, nessa relação de teoria e prática. procurando estender a apreciação Deve-se destacar que Mes- poética da tradução no campo dos chonnic toma o poema na sua sentidos frasais e sua oralidade, concepção mais abrangente, quer para além da dramaturgia. Sua dizer, como sinônimo de toda a tessitura se inicia na crítica à lin- literatura e não apenas para di- guística tradicional, que o autor ferenciar um gênero de outro. afirma estar trancada no dualismo Embora pela via negativa, logo do signo. É preciso lembrar que introduz uma primeira definição Meschonnic era professor de lin- de poética na acepção que ele usa guística e literatura em Paris VII. no livro, pois tem uma preocupa- Mas interessante é reparar que no ção em deslindar a ideia de poéti- livro há uma questão quantitativa ca como sinonímia da estilística, um tanto curiosa, cuja incidência reduzindo assim seu campo de Cadernos de Tradução nº 33, p. 341-365, Florianópolis - jan/jun 2014/1 355
significações e criando até confu- estilo individual, postura que,
sões conceituais. Estabelece, en- para ele, também abrange os tão, uma diferença entre “poética profissionais da tradução quan- do traduzir”, onde se privilegia o do lançam mão da gramática seu resultado final, com “poética contrastiva. Lembra que a tradu- da tradução”, onde se privilegia ção automática surgiu durante a o fazer. Segunda Guerra Mundial e está Na relação da sociedade com ligada à linguística tradicional. o sistema da linguagem, o autor Menciona, no entanto, que no sustenta que se misturam cultura, século XX a tradução passou literatura, um povo, uma nação da língua ao discurso e ao texto e indivíduos. Então, segundo como unidade. Observa, porém, ele, para compreender o que se que diante da disjuntiva do ato da faz com a linguagem e a teoria tradução ser uma ciência ou uma da linguagem, a literatura e a arte, traduzir textos literários tradução são duas atividades vul- sempre será uma arte, porque ela neráveis e estratégicas. Devido é colocada na crítica do gosto e a isso, critica os linguistas, por seus problemas tornam-se, por- serem surdos precisamente à lite- tanto, verdadeiros mistérios. Já ratura. O autor considera a teoria sobre as transformações episte- e a prática literárias dois modos mológicas ocorridas ainda nesse de transformação do sujeito, tan- século, o autor afirma: to na política quanto no pensa- mento, transformações que agem Começa-se a descobrir a oralida- sobre o ato mesmo da tradução e de da literatura, não somente no cuja atividade principal é a orali- teatro. (...) Descobre-se que uma dade. Segundo Meschonnic, o re- tradução de um texto literário deve al modo de significar, muito mais fazer o que faz um texto literário, do que no sentido das palavras, pela sua prosódia, seu ritmo, sua está no ritmo. significância, como uma forma de O autor do livro discorda da sua individuação, como uma for- concepção empirista ligada ao ma-sujeito (p. XXIV). 356 Resenhas/Reviews
No livro, o poeta argumenta trabalham com a linguagem, mas
que uma tradução é um ato da separando-a da literatura. Expli- linguagem, que ela não pode se ca, então, que a teoria crítica sur- fazer passar nunca pelo original gida por alguns representantes da nem eliminar sua poética e que Escola de Frankfurt é uma teoria é como um trabalho de palimp- que toca o social, a sociedade, tal sesto. Critica as noções de língua o caso da linguagem, a literatura de partida e língua de chegada, e a tradução. A poética do tra- além da equivalência, fidelidade, duzir, segundo o autor, permite transparência, apagamento, mo- distinguir os problemas filológi- déstia do tradutor, interpretação, cos dos poéticos e permite situar separações entre sentido e estilo, a tradução numa teoria do sujeito e entre sentido e forma, pois são, e do social, reconhecendo que a nas suas palavras, as que cons- identidade só acontece pela alte- tituem os alicerces de uma má ridade. tradução. Para ele, o modo de Meschonnic aborda também a significar está no ritmo, não no questão da pragmática e as argu- sentido das palavras, por isso, mentações linguísticas sobre o in- traduzir deve passar pela escuta traduzível, as quais não chegam do contínuo rítmico, prosódico e a oferecer respostas teóricas. semântico. Explica, então, que na sinoní- Na primeira parte do livro, A mia se confunde o signo com o Prática: É a Teoria, Meschonnic referente, o que leva à oposição aduz que a tradutologia supõe ser entre conotação e denotação. uma ciência, enquanto ele defen- Meschonnic postula ainda que a de uma poética do traduzir, o que política de traduzir e a ética da implica uma teoria crítica como linguagem estão na poética, e conjunto da linguagem, da his- que traduzir contém uma poética tória, do sujeito e da sociedade. e uma política do pensamento, Desta forma, conclui o autor, se no qual o estatuto do sujeito tem impede o vício maior das teorias uma função predominante. Ele linguísticas contemporâneas, que explica logo o percurso do pen- Cadernos de Tradução nº 33, p. 341-365, Florianópolis - jan/jun 2014/1 357
samento da linguagem ao longo Se aceitamos que o poema seja
dos séculos, mas que a noção de substituído somente pelo enuncia- discurso, algo frágil ainda, data do do que ele diz, ao qual ele não apenas dos anos de 1930. se reduz, é porque os critérios da A realização máxima do dis- tradução literária são então mais curso, segundo expõe, é a li- frouxos que os da tradução téc- teratura e a oralidade, que não nico-científica. (...) A primeira e oculta o paradoxo entre a escrita última traição que a tradução pode e a verbalização. No entanto, é a cometer é a de lhe roubar aquilo partir da literatura que a teoria da que a faz literatura... (pp. 26 e 30) tradução pode exercer um papel crítico. Por isso, toma distância A questão do ritmo parece ser dos que consideram que para trascendental para Meschonnic, traduzir é preciso compreender, pois em todo texto há ritmo e a tra- ergo interpretar. Neste ponto, a dução deve levá-lo em conta. Em exposição sobre a teoria da tra- sua opinião, o ritmo transforma dução dialoga com a filosofia, toda a teoria da linguagem, renova pois a poesia está no coração de- a tradução e constitui um critério la. “Há sem dúvida uma filoso- para seu valor, sua poética e sua fia espontânea da linguagem e da poeticidade. “É na poesia e para a literatura no tradutor”, diz Mes- poesia que eu trabalho a poética da chonnic. A literatura é a prova da tradução”, diz. Note-se que apare- tradução, afirma o autor, embora ce aqui uma diferença significativa as traduções técnicas e científicas entre poética da tradução e poéti- sejam as mais antigas e divulga- ca do traduzir, tal como figura no das. Mas logo critica a necessida- título do livro, diferença que ele de de se precisar de um químico, mesmo frisou entre produto finali- por exemplo, para traduzir um zado e fazer o produto. texto da química, enquanto um Como a tradução literária co- filólogo está por si só, apto para loca as literaturas em contato e traduzir literatura, o que mostra não as línguas, o autor francês uma contradição. Então, conclui: mais uma vez condena as más 358 Resenhas/Reviews
traduções (traduções-língua) em pensamento da linguagem e cri-
oposição às traduções-texto. E tica logo o ecletismo de Eugene logo retoma a noção de ritmo, Nida, porque parte de uma en- seguindo as pistas de Émile Ben- velhecida teoria da informação. veniste, ao entender o ritmo co- Afirma que Nida toma um pouco mo a organização (da prosódia à de todas as doutrinas, incluída a entonação) da subjetividade e a gramática gerativa, a qual não própria operação do sentido do conhece mais o discurso, e me- discurso. A Bíblia, em sua opi- nos ainda a literatura, reforçando nião, parece ser o grande desafio sua postura de predominância do da teoria tradicional e a teoria ritmo discursivo, da oralidade e crítica da tradução, porque ela da poeticidade do texto filosófico apresenta uma organização única e literário. do discurso pelo ritmo, o que si- Sem o propósito de esquema- multaneamente, leva a distinguir tizar, pois elas estão ainda na me- o oral do falado. tade de um livro que Nessa mesma linha, na qual o discute dialeticamente cada ritmo transforma o modo de signi- assunto, Meschonnic lança mão ficar, o autor incorpora ao poema do recurso do contraste, entre a o texto filosófico. Destaca, então, má e a boa tradução no âmbito da que as traduções do sentido, limi- poética. Sustenta que é má aque- tadas à filologia e à língua, se fa- la tradução que substitui a poética zem numa ausência de poética, o do texto pela ausência de poética; que mostra que não basta o saber ou que substitui o ritmo e a ora- da língua, mas o saber poético lidade pelo descontínuo do signo; que se ativa no fazer da tradução, que substitui a organização de um pois sempre que tiver um efeito sistema do discurso pela destrui- poético, haverá um problema po- ção desse sistema; que substitui ético na sua tradução. a subjetivação máxima da lín- Meschonnic lembra Benevis- gua pelas garantias da língua e te, Bronislaw Malinóvski e Lu- do gosto ambiente; que substitui dwig Wittgenstein ao referir o a alteridade pela identidade, e a Cadernos de Tradução nº 33, p. 341-365, Florianópolis - jan/jun 2014/1 359
historicidade pelo historicismo ela é, enquanto sua poética é a
ou a des-historicização. Em con- ausência mesmo de poética. trapartida, é boa aquela tradução Toma logo novos exemplos que inventa sua própria poética, de Shakespeare e sua tradução à que substitui as soluções da lín- língua francesa, destacando as di- gua por problemas do discurso, ficuldades para resolver questões que tendo o texto como unidade, relacionadas com o uso dos neu- guarda a alteridade como tal. tros, dos passivos, das invenções Na segunda parte do livro, A verbais e neologismos, além de Teoria: É a Prática, Meschon- outras criações de escritura. Dos nic parte do pressuposto de que tradutores afirma que François- o teatro é uma arte do efêmero e -Victor Hugo visa a exatidão, em- aborda o desafio permanente que bora elimine muitas metáforas; supõe traduzir o texto de Hamlet. André Gide gosta dos arcaísmos Analisa a crítica da literatura, da e escapa da invenção verbal, em- tradução, das artes da linguagem bora edulcore as metáforas mais e do espetáculo na imprensa. Diz ousadas; Yves Bonnefoy procura que ela é uma crítica do gosto, o alexandrino, mas cai no clichê, subjetiva e passional, uma críti- no apagamento das metáforas e ca distinta, na qual se confunde a no academicismo dos versos. E cultura com o cultural, e faz pas- diz que em todos os casos, se sar por verificação e análise algo nota que o sentido das palavras que resvala na impostura. “A crí- não se liga necessariamente ao tica distinta pode-se disfarçar em ritmo do sentido. Para o autor, argumentos”, diz o autor e acres- as traduções de Shakespeare que centa: “a retórica da persuasão é contam vieram dos poetas e não cumulativa”. Afirma, então, que das universidades, porque os po- não há simetria entre o elogio e a etas são capazes de encontrar a rejeição, mas que só esta é supe- importância do ritmo para além rior. A teoria da linguagem desta da sintaxe. crítica é a teoria tradicional, que A modo de conclusão é pos- procura manter a sociedade como sível dizer que a abordagem do 360 Resenhas/Reviews
assunto tratado no livro é de uma ponto de partida esse postulado
peculiaridade singular pela sua implícito. Talvez por isso lança prosa e porque dialoga com uma mão da dramaturgia, na qual a enorme diversidade de autores e intensidade da expressão inter- disciplinas que, por momentos, pretativa se torna central, para cria até uma certa incômodo de- discutir a tradução de poesia. A vido a seu tom irônico e algo du- relação entre a prática e a teoria ro. A relevância dada à questão se trata para Meschonnic de uma do ritmo é muito bem trabalhada, unidade inseparável, o que tor- tanto quanto à oralidade, lhe dan- na seus argumentos mais sólidos do transcendência à concepção do ponto de vista da raiz experi- do texto literário, em especial mental na qual se sustentam. É ao que se refere à literatura em um livro, sem dúvida, que con- versos. Os exemplos nos quais tribui muito para os Estudos da se conjuga a presença da alitera- Tradução e de leitura inevitável ção e do movimento rítmico, por para aqueles que pesquisam tra- exemplo, são bastante contunden- dução de literatura e, nela, tra- tes para entender melhor o ato de dução de poesia. traduzir e a poética inserida nele, considerando que, finalmente, Pablo Daniel Andrada esses versos serão declamados, Universidade Federal da Paraíba muito mais do que lido em silên- cio. Ele pensa a Bíblia como um texto a ser lido em voz alta e, sob essa perspectiva, pensa numa po- Recebido em: 14- 01-14 ética do traduzir que leve como Aceito em: 03-04-14