Resenha do texto “Retórica, poética e poesia”, de Jonathan Culler
CULLER, J. Retórica, poética e poesia. In: ______. Teoria da literatura: uma
introdução. São Paulo: Beca Editorial, 1999, pp.72-81
No quinto capítulo de sua obra “Teoria Literária: uma introdução”, o escritor
Jonathan Culler se propõe a apresentar, analisar e concatenar os conceitos literários de Retórica, Poética e Poesia, termos segundo os quais, inclusive, é intitulada esta seção do livro. Para iniciar sua exposição, o autor apresenta sua definição de poética, que seria algo que tem a função de “ explicar os efeitos literários através da descrição das convenções e operações de leitura que os tornam possíveis". Logo em seguida, Culler apresenta a principal divergência entre as visões dele e de Aristóteles explicando que, para ele, a poética está intrinsecamente ligada à retórica, enquanto o filósofo grego as separava, já que a primeira delas seria a arte da imitação, enquanto a retórica seria a arte da persuasão. O autor apresenta ainda, de forma sucinta, outras visões acerca dessa divergência em relacionar ou não os dois conceitos, mas conclui seu pensamento inicial reafirmando que a poesia se relaciona com a retórica pois esta trata-se de uma linguagem que se vale de figuras de linguagem e da necessidade de persuasão. Em continuidade ao raciocínio da dualidade de conceitos, o autor afirma que, por mais que a poética e a retórica estejam interligadas, não se pode reduzir o ramo da poesia a uma mera elucidação das figuras retóricas das quais os escritores se utilizam, mas sim defini-la como parte expressiva de uma retórica expandida, que realiza o estudo dos recursos que compõem o ato linguístico. No âmbito das figuras retóricas, J. Culler é bem direto ao apontá-las como um desvio do uso comum e ao informar sobre a importância de se discutir sobre elas dentro da teoria literária. O autor só entra em um cenário mais complexo e não tão inteligível ao público leitor quando passa a tratar da pouca distinção teórica entre os conceitos de “figura” e “tropo” e das discussões sobre “comum” e “literal” advindas desse tema. Como exemplo, é utilizado o fato de Jacques Derrida, em seu livro “White Mythology”, chegar à conclusão de que as definições de metáfora não passam elas mesmas de conceituações apoiadas em outras metáforas. Para elucidar uma possível confusão quanto ao tópico, Culler retoma sua costumeira sucintez ao deixar claro que o problema não é que não exista distinção entre os dois conceitos, mas que ambos são estruturas fundamentais da linguagem, e não exceções e distorções desta. A partir dos esclarecimentos feitos, o capítulo se volta às figuras retóricas utilizadas na literatura e, reunindo distintas opiniões de diferentes teóricos acerca de quais seriam as principais, acaba por apontá-las como sendo: a) a metáfora: tradicionalmente, a mais importante das figuras, é a responsável por tratar algo como sendo outra coisa e, por tratar de proposições elaboradas, é a mais facilmente justificada no meio literário; b) a metonímia: estabelecida como figura de destaque principalmente por Roman Jakobson, que a define como uma ligação de termos não mais por semelhança, mas por meio da contiguidade; c) a sinédoque: figura que trabalha com a substituição do todo pela parte; e d) a ironia: justaposição da aparência à realidade que tende a romper com o que é esperado. Em sequência, Culler afirma que, por mais importantes que sejam as estruturas retóricas para a literatura, esta depende também de estruturas mais amplas, como os gêneros literários. A partir disso, o autor trabalha incisivamente com questionamentos acerca da divisão que se faz acerca dos gêneros literários, podendo esta ser baseada em “quem fala”, conforme fizeram os gregos na divisão lírica-épica-dramática, ou na “relação falante-público”, que foca em como a voz do texto é passada ao seu receptor. O autor afirma, em seguida, que a esses três gêneros elementares, hoje já se pode adicionar o gênero moderno do romance, que se dirige ao leitor através de um livro. Entre os gêneros apresentados, o texto debruça-se sobre o lírico, que do final do século XVIII à metade do século XIX, foi visto como a mais pura essência da literatura. Ao tratar da poética em seu capítulo, o autor dirige seu foco principalmente à diferenciação do poema enquanto estrutura - o texto em si - e enquanto evento no mundo, um fato histórico que acontece no mundo não-ficcional. Para o primeiro enfoque, o que importa é a relação entre o sentido e os traços não-semânticos do texto, como som e ritmo. Para o segundo, o que é mais levado em consideração é a relação entre o ato do autor que escreve o poema e da voz que ali fala. Sob esta ótica, Culler pontua de forma assertiva que, por mais que a tendência seja entender essa voz do poema como a voz de seu escritor, isso não ocorre, uma vez que o autor quem fala o poema, mas se coloca em uma outra posição para locucionar o que é dito. Assim sendo, são dois os elementos principais da relação poética: o autor, indivíduo histórico, e a voz da elocução feita através do poema. Rumando à conclusão do capítulo, o autor reitera a importância de se distinguir as vozes que compõem uma produção lírica, o que é, segundo ele, imprescindível para o estudo das obras poéticas. Para ilustrar seus apontamentos, Culler coerentemente cita os versos iniciais de alguns do mais famosos poemas líricos, tais como a "Ode to the West Wind", de Shelley e "The Tiger" de Blake, para pontuar a dificuldade em se compreender os atos não-poéticos pelos quais as vozes dos poemas estariam passando para que compusessem tais versos. Neste âmbito, o autor destaca a extravagância como sendo uma característica notável do gênero lírico e menciona as inflexões hiperbólicas, recurso através do qual os poemas se fazem tão intensos e indubitavelmente líricos. Concluindo o texto, Jonathan Culler trata da importância de elementos literários como a apóstrofe, personificação, prosopopéia e hipérbole na poesia lírica, destacando sua capacidade de distinguir a lírica de outros atos de fala, tornando-a a forma mais literária. O crítico literário encerra seu pensamento adiantando o conteúdo que será visto no capítulo seguinte, o sexto da obra - “Narrativa” - , e relaciona-o com o conteúdo visto no ramo da poesia, fazendo um paralelo entre os poemas serem, através das operações retóricas, sondagens na poética, bem como os romances seriam sondagens na teoria narrativa. Em suma, a partir da leitura do capítulo, é possível a assimilação de diversos termos, conceitos e questionamentos pertinentes ao estudo da literatura, principalmente no que diz respeito ao âmbito das figuras retóricas e da poética na composição literária.