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Vemo-lo ainda decidir entre versões con-


troversas e optar por uma delas em detr
mento da outra, expondo as razões da sua
preferência. O método seguido pelo cro-
nista vem assinalado pelo cunho da moder-
nidade, Ele depara-se-nos igualmente tanto
no confronto à que a A. se entrega entre
esta crónica e a Crónica de Don Juan I de
Ayala, como na análise de dois sermões.
que figuram na narrativa. Cumpre frisar
aqui que já em 1989 João Gouveia Monteiro
havia demonstrado, num cotejo entre
obra de Fernão Lopes e à Crónica do
Condestabre, que esta não era da sua auto-
ria. Corrobora assim a tese de Hernâni
Cidade e mostra que o cronista humanizou
a figura de Nun'Álvares.

Estudo completo, meticuloso, cientifica-


mente bem orientado, onde não se fazem
concessões à aparente aridez que impõe a
técnica do close reading, este trabalho de
Teresa Amado contribui decisivamente para
o conhecimento do cronista, dissipando as
últimas névoas do impressionismo crítico
que ainda pairavam sobre a sua obra-prima.
Mas este estudo abre ainda outras perspec-
tivas para o entendimento de Fernão Lopes.
como artista, De passagem, Teresa Amado
aponta a indiciação de factores psicológicos,
qual é a reacção excessiva de D João I ante
Os amores de uma dama da sua casa e
camareiro real (p. 151), e regista aínda o
choro, ou a ausência dele, como um indica-
tivo importante no retrato de certas figuras.
(p. 218), Esta capacidade do cronista para
dar num breve traço, num gesto, numa fala,
numa forma de conduta, O carácter da per.
sonagem, aponta já a qualidade do narra-
dor, que é também um fino psicólogo e sabe
utilizar as artes do ficcionista para captar os
móbeis de acção das figuras do seu drama
histórico. Na Crónica de D. Fermando esse
processo está bem patente é manifesta-se no
confinamento do espaço, o espaço interior
da cone ou de palácio, o celado medieval
onde as paixões se definem. Lembremos
apenas a torre do castelo de Estremos.
nasce a afeição que prende o conde Andeiro
à runha, D. Leonor Teles, e será a causa da
sua ruína

Finalmente, um reparo a fazer quanto


ao critério adoptado pelos editores, Uma
obra desta qualidade, incluída, aliás, numa
colecção universitária prestigiada, deveria
acompanhada de um índice onomás
tico e temático. Ele seria um auxiliar do
estudioso e facilitaria as frequentes con-
sultas a que a leitura desta obra convida o
leitor.

Luis de Sousa Rebelo

MARGARIDA VIEIRA MENDES.


A ORATÓRIA BARROCA DE VIEIRA

Col. Universitária
Lisboa, Editorial Caminho / 1989

A sugestão aristotélica na Art Retórica sobre

as espécies de persuasão inspira este notabi-


dido em três

líssimo trabalho
respectivamente, três, quatro e três capítulos.
1) 0 carácter (ethos) do orador emerge do
seu ser e fazer: na teia da época, Vira, tem-
peramento discursivo: (p. 30), representa o
modelo do pregador barroco: 2) a paixão
(pathos) obriga-o a internar-se no mesmo
dizer, que interpreta e oraculiza, em figura-
ções patéticas- (p. 18) de uma vida excessiva,
já confundida; 3) no fogos espectacular, onde
a língua funciona segundo um regime de
simbolização que recupera, «em certa me-
dida, o alvorecer dos primeiros actos verbais.
do homem (p. 19). Actividade enunciativa
e compulsão biográfica, nos termos da A,
seriam especularmente inseparáveis, qual se
dá no painel cera, onde convergem duas.
outras e possíveis divisões: cinco capítulos
dedicados à personagem de oração (no sen-
tido de proposição, reza, pregação); mais
cinco ao autor dos Sermoens, em que prag-
maticamente se tematiza, A um já diferente
nível, esta separação entre oral € impresso
será útil para a avançada Cronologia dos ser-
moes (p. 547-61), apê
Referências Bibliográfi
Temos, logo, historial sobre a formação do
orador, da ciceroniana e cívica «personali-
dade pública ideal à, na segunda metade
do século xvr., sagração do loqu
dotal, enquanto «mediador e intérprete da

interio-
res de aperfeiçoamento. (p. 35). A decorrente
vontade de poder, à hipenrofia de um eu
que se procura uno e modela em textos bio-
gráficos, sumptuosamente teatrais ou didác-
ticos — com que se resume discreto, beró,
oráculo —, esse «conceito do homem como
descjo, como permanente querer-ser (p. 39)
também detectado em Vieira, eis quadro
breve para retratar Seiscentos, cujo individua-
lismo se expande na eloquência, «talvez a
formação discursiva com maior peso e im-
pacte ideológico» (p. 40), e toma o pregador
como protótipo ou sujeito de perfeição, só
em Oitocentos igualado na tribuna parla-
mentar e vencido pelo jornalismo. (Mas,
aqui, se ainda profissionais, também corrup-
tos ou sofrivelmente credíveis.) Propagan-
dista e hitriões, ao serviço de reis, validos,

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