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No entanto, Herculano, apesar de seguir os modelos que antecedem a sua obra, apresenta
uma exagerada predisposição/ tendência para a atestação da veracidade dos seus escritos, chegando,
por vezes, em Lendas e Narrativas, a transcrever, quase ou mesmo na íntegra, em linguagem
moderna, textos das crónicas medievais.
Exemplo:
1. Arrhas por Foro d’Hespanha – narrativa sobre as motivações que levaram, no ano de
1372, à guerra luso-castelhana, durante o reinado de D. Fernando
- trata-se de uma transcrição fidedigna da Crónica de D. Fernando, de Fernão Lopes,
apesar de existir a invenção de uma personagem inexistente no texto medieval, Frei Roy
(princípio da liberdade de efabulação)
3. O Bispo Negro – lenda, do ano de 1170, sobre o nobre Gonçalo Mendes da Maia, que
decidiu celebrar o seu 95º aniversário com um ataque aos mouros, tendo noção de que os
seus exércitos seriam menores, em número
- QUASE transcrição fidedigna da Crónica de D. Fernando, de Fernão Lopes, e da Crónica
de D. Afonso Henriques, de Duarte Galvão
Por outro lado, constrói o seu romance histórico, recorrendo a personagens ou heróis
inventados, arrastando, para segundo plano, as personagens referenciais, as quais, constituindo
figuras históricas de maior relevância e existência definida, como reis e estadistas, poderiam
condicionar a liberdade de escrita/ efabulação. Assim sendo, utiliza personagens totalmente
inventadas, mais livres de agir de acordo com os seus propósitos, enquanto protagonistas dos seus
enredos, sendo, estes aliás, portadores de caraterísticas modernas, românticas (analisadas mais à
frente, neste resumo), que se distanciam, consequentemente, do ambiente medieval.
NOTA:
Deste modo, na produção ficcional de Herculano, podemos destacar duas grandes
tendências:
1. Romance Histórico – personagens inventadas, que se movimentam no passado
2. os textos de Lendas e Narrativas – quase transcrição de capítulos das crónicas medievais
Assim sendo, no que diz respeito ao romance histórico, é possível afirmar que, tendo em
conta a natureza estrutural das personagens, a História funciona como um simples pano de fundo
da ação, sob o qual esta se desenrola, não apresentando um estatuto de primordial relevância. De
modo a cumprir o requisito de afastamento, relativamente ao tempo de enunciação da trama, o
autor recorre, através de uma descrição dos traços superficiais , a uma espécie de saturação de
informação do ambiente que evoca, imbuindo-lhe, por sua vez, um caráter medieval.
2. Vestuário:
- pormenorização da indumentária
Exemplo:
- Herculano, o mouro Alle, de O Monge Cister
- Scott, surge como elemento de distinção entre as culturas escocesa e inglesa e as religiões
cristã e islâmica
NOTA INTRODUTÓRIA:
Walter Scott – pai do Romance Histórico – publicação de Waverley, 1814
Nota 1 de Eurico, o Presbítero – Herculano refere Scott como sendo “modelo e
desesperação de todos os romancistas”
1.3.
Eurico, o Presbítero – profecia da morte de D. Fernando
Quentin Durwart (1823) ( romance de Walter Scott sobre um arqueiro a serviço de Luís XI,
na esteira das perturbações causadas na Europa pela Revolução Francesa e pela ascensão
de Napoleão) – profecias do astrólogo de Luís XI, predição de Guy Mannering
- Embora não sejam caraterísticas específicas deste género de romance, as premunições
servem, para além de mecanismos de antecipação da narrativa, para a integração do
narrador no espírito supersticioso, próprio da época que retrata
1.4.
Busca de Asilo na Igreja (Igreja = Asilo)
Notre- Dame de Paris – Esmeralda
O Monge de Cister – Fernando Afonso
Embora ambos procurem asilo na igreja, é necessário notar que tal justificação surge como
falaciosa no romance de Herculano, Fernando Afonso pretende, apenas, constatar a morte
de Beatriz e a respetiva vingança de Vasco
2. DIEGESE E PERSONAGENS
SCOTT HERCULANO
PAPEL DA HISTÓRIA (enquanto domínio/ ciência diferente de ação)
- na maior parte dos seus romances, a - a História é utilizada para intensificar o
História funciona como um assunto enredo ficcional, as personagens não são
primordial do texto símbolos dos processos históricos, funcionam,
apenas, como foco das emoções do leitor, dos
seus medos e das suas esperanças
ROMANCE CONJUNTIVO ROMANCE DISJUNTIVO
- o herói vê o seu destino confundido - o herói vê a sua vida seguindo um caminho
com a História, as suas ações interferem independente da conjuntura histórica
na História - destino das personagens é indiferente para o
curso da História
PERSONAGENS REFERENCIAIS (mais condicionantes da liberdade)
- segundo plano, sempre envoltas numa 2 MODOS DE INCLUSÃO:
certa obscuridade - Lendas e Narrativas – protagonistas, heróis e
heroínas
- Romances - segundo plano, sempre envoltas
numa certa obscuridade
HERÓIS E HEROÍNAS
MODERAÇÃO EXCITAÇÃO
Esta diferença nas personagens condiciona o final das tramas.
Se em Scott, os acontecimentos são de molde a torná-las felizes, no fim dos romances,
em Herculano, são também os acontecimentos que as tornam desgraçadas.
Segundo Lukacs, o herói scottiano é moderado, nunca se deixa envolver por uma paixão
que lhe retire a capacidade de discernimento e atuação -”a relação amorosa nunca é
suficientemente absorvente a ponto de transformar o herói ou de o fazer desviar-se do
seu caminho” - “ personagens isentas daquele desenfreado grau de paixão” - por isso as
narrativas de Scott terminam bem
As personagens de Herculano apresentam caraterísticas mais românticas, que
condicionam o desenlace
2.1. HEROÍNAS
As heroínas de Herculano, seguem, em geral, o padrão literário europeu, das heroínas
scottianas, distanciando-se, meramente, num último instante, no qual se dá o desenlace,
deste modelo.
- mulher + calma, + moderada, + resolvida, + passiva
2.1.1. Hermengarda – aceita, PASSIVAMENTE (moderação), a recusa do pai ao seu
casamento com um cavaleiro de inferior condição social, conformada até ao desenlace,
momento no qual reage, assumindo um desespero que a leva à loucura ( excitação – afasta-
se da heroína de Scott – perde o grau de discernimento)
2.1.2. Dulce (+ ativa) – tenta agir de acordo com as emoções, fazendo tudo para libertar
Egas
- movida pela paixão, subjuga-se a esta e suprime os seus ideais / convicções íntimas
( perde o grau de discernimento)
2.1.3. Diana Vernon (Rob Roy), Catherine Seyton (The Abbot) – colocam os seus ideais
acima das suas tendências pessoais ou sentimentos (NÃO perdem o grau de discernimento
ou de atuação)
2.2. HERÓIS
– naturalmente, românticos, partilhando, por isso, das caraterísticas inerentes à estética
romântica, estética esta que os afasta do contexto histórico, no qual se movimentam.
TÓPICO DA FATALIDADE
- são vítimas das circunstâncias infelizes do seu percurso - batem-se por uma causa que a
priori está irremediavelmente perdida
– são incapazes de se libertarem ou de fugir ao seu destino, para o qual concorrem, sem
nada poderem fazer para o evitar. Embora surjam, nas tramas, certas tentativas de correção
desse mesmo destino, as chamadas tentativas de evasão (como, por exemplo, o tópico do
simulacro, como tentativa de descarregar todas as pulsões negativas e agressivas – Eurico
transfigura-se em cavaleiro negro, assumindo uma outra personalidade), arrastam-se para
situações cada vez mais negativas (sem capacidade de sublimação), resultando as suas
atitudes no inverso do que pretendiam
- entregam-se à vida religiosa - a figura do monge não tem nada a ver com a execução do
ministério religioso nem com o maravilhoso ligado às solenidades da Igreja. O autor de O
Bobo pretende, através dos seus monges, sem vocação, demonstrar, por um lado, a terrível
solidão monástica e, por outro, o erro em que as personagens incorrem ao abraçar uma vida
para que não foram talhadas
- levados pelo desespero ontológico, Eurico entrega-se à morte e Vasco ao desejo de
VINGANÇA, negando confissão a Fernando Afonso (suprema vingança à luz da moral
cristã)
NOTA FINAL:
- O estudo das caraterísticas românticas das personagens enfatiza, mais uma vez, a
superficialidade da reconstituição do passado histórico, assente, meramente, na descrição
das caraterísticas exteriores do ambiente evocado.