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Pacheco, J., Morgado, J., Sousa, J., & Maia, I. (2021).

Educação básica e
pandemia. Um estudo sobre as perceções dos professores na realidade
portuguesa. Revista Iberoamericana de Educación, 86(1), pp. 187-204.
https://doi.org/10.35362/rie8614346

Pereira, G., Fraga, N., & Gouveia, F. (2021). Ensino remoto de emergência
em tempos de pandemia da covid-19: que aprendizagens? Um estudo
exploratório no ensino superior. Revista Portuguesa de Investigação
Educacional, (21), pp. 1-22.
https://doi.org/10.34632/investigacaoeducacional.2021.10132

Trabalho elaborado para avaliação à unidade curricular de


Investigação Educacional, lecionada pelo Prof. Doutor Paulo
Jorge Santos

Bruna Filipe Gomes da Costa Santos (MEPIEFA)

Daniel Filipe Rebelo Monteiro (MEP)

Joana Sofia Lima Ramos de Castro Rocha (MEPIEFA)

Rafael Cepa Pereira (MEP)

Maio de 2023
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I. Introdução

A Investigação em Educação pode adotar várias vias. Partindo de dois artigos de


teor dissemelhante, no presente trabalho exploraremos as duas metodologias seguidas
em cada um dos artigos, a saber: a metodologia quantitativa e a metodologia qualitativa.
Deste modo, com base no artigo quantitativo “Educação Básica e pandemia. Um estudo
sobre as perceções dos professores na realidade portuguesa.” e no artigo qualitativo
“Ensino remoto de emergência em tempos de pandemia da Covid-19: que
aprendizagens? Um estudo exploratório no Ensino Superior.”, explanaremos cada uma
das linhas de investigação, comparando-as e adotando uma postura crítica perante as
mesmas; realçaremos as imprecisões notadas através de leitura minuciosa e repetida dos
mesmos artigos; faremos uma reflexão crítica relativamente aos dois tipos de processos
investigativos no campo educacional, realçando as respetivas vantagens e as limitações;
e, por fim, procederemos à apresentação daquele que seria, segundo a nossa perspetiva,
o modelo mais adequado para a Investigação em Educação. Note-se ainda que todos os
aspetos serão trabalhados não só recorrendo ao conhecimento adquirido na unidade
curricular em que se insere este trabalho, mas também à consulta de bibliografia
auxiliar, particularmente da obra de Clara Coutinho (2014) Metodologia de
Investigação em Ciências Sociais e Humanas: Teoria e Prática.

II. Descrição do processo de investigação


1. Análise do artigo quantitativo

Na introdução deste artigo afirma-se que se fará uma revisão teórico-conceptual,


assim como se expõe o tema geral a ser tratado, isto é, a pandemia de COVID-19.
Realça-se, pois, a relevância deste mesmo tema, dado que o artigo considera que a
pandemia constituiu a maior crise educacional de sempre, da qual derivam duas grandes
consequências: a desigualdade e a redução das aprendizagens. De seguida, o foco
desloca-se do geral para o particular, afirmando-se que o estudo é feito a partir da
realidade da educação básica em Portugal. A partir daqui, a especificação do problema,
dos contextos e das hipóteses vai sendo gradativamente mais pormenorizada. Tendo em
vista uma revisão teórica e conceptual, diz-se ainda que se apresentarão análises ao
contexto pedagógico específico.

Depois de já se ter feito uma referência geral ao objetivo do trabalho, na


introdução diz-se então que tipo de estudo se fará do assunto, isto é, um estudo
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empírico, de natureza quantitativa. O tema do trabalho agora é exposto de forma


explícita, pois, se até agora sabíamos que ia ser estudado o impacto pedagógico da
pandemia na educação básica em Portugal, a introdução refere que esse impacto será
estudado empiricamente através da perceção dos professores, referindo também que
método será usado, a saber, técnicas de recolha e análise de dados. A introdução termina
com uma explicitação do objetivo específico, e já não geral, do trabalho, isto é, saber,
através das perceções dos professores, quais os aspetos mais críticos da realidade
pedagógica estudada e os desafios surgidos.

No que diz respeito à revisão da literatura, o artigo não apresenta um ponto com
este título; contudo, no ponto dois acaba por se fazer essa revisão sob o título “Das
medidas emergentes da pandemia e dos seus efeitos educacionais ao nível da escola”.
Assim, começa-se por se expor a situação pandémica de forma a delimitar a
investigação que vai ser realizada. Ao longo deste ponto dois, o artigo serve-se de dois
tipos de documentos de forma simultânea: por um lado, documentos de referência de
organizações internacionais (UNESCO, EU, ONU, OCDE, OEI), por outro, legislações
governativas, todos os quais funcionam como documentos orientadores para a nova
realidade pandémico-pedagógica surgida e para a investigação nacional e internacional,
que procuram refletir sobre os impactos dessa realidade na sociedade, nas relações e na
escola. Assim, a orientação-base foi a passagem para um ensino virtual e a literatura
apresentada investiga e reflete essa nova realidade geral que é, também, em parte, o
âmbito do estudo empírico que se seguirá. Esta revisão da literatura serve para lançar o
estudo para o futuro e para o objetivo já apresentado na introdução: identificar os
aspetos mais críticos e os desafios futuros. Este ponto dois está, portanto, alinhado com
os objetivos explicitados na introdução, pois no final desta revisão da literatura o artigo
já procurou expor literatura que reflete sobre uma mudança dos sistemas educativos,
não através de literatura que seja posterior ou atual em relação ao período temporário
estudado, mas através de literatura temporariamente anterior ao fenómeno estudado, o
que nos mostra, desde já, uma preocupação em centrar o estudo no futuro da educação,
em harmonia com os objetivos presentes na introdução.

Como é comum no relatório de investigação, a terceira parte diz respeito à


metodologia, onde se referem os procedimentos gerais usados na pesquisa, os
instrumentos usados e se relata a forma como os dados foram recolhidos (Coutinho,
2014, p. 280). Deste modo, o leitor é informado de que está perante um estudo empírico
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de natureza quantitativa (informação já fornecida na introdução), que, alegadamente,


contém as características de um estudo de caso, por se centrar tanto nas medidas
aplicadas pelo governo português, como na perceção dos professores relativamente a
estas e à forma como podem alterar o currículo da educação básica.

Após uma delimitação clara do contexto pandémico pertinente – as duas


primeiras fases pandémicas –, os autores revelam que o método utilizado para a recolha
de dados foi o inquérito, passível de ser definido como «o processo que visa a obtenção
de respostas expressas pelos participantes no estudo» (Coutinho, 2014, p. 113), aplicado
sob a forma de questionário. Assim sendo, o inquérito por questionário foi aplicado a
uma amostra de 280 professores de educação básica, em exercício e sem distinção a
nível geográfico-continental, que constituem, então, «o conjunto de sujeitos (pessoas,
documentos, etc.) de quem se recolherá os dados» (Coutinho, 2014, p. 96).

A estrutura do inquérito, feito através de Microsoft Forms, seguiu uma escala de


Likert pura, já que a cada um dos números (de 1 a 5) está associada uma posição,
variável entre o “discordo totalmente” e o “concordo totalmente”, e a incorporação de
variáveis de caracterização (género, idade, tempo de serviço, situação profissional e
habilitações académicas) e de opinião. Consequentemente, pode ser pertinente
complementar a informação fornecida pelos investigadores relativamente aos dois tipos
de variáveis identificadas, visto que são passíveis de uma caracterização mais profunda.
Com efeito, as variáveis de caracterização inserem-se numa escala de tipo nominal, uma
vez que esta «envolve apenas a classificação de certos atributos e pode ser aplicada a
muitas variáveis educativas como sejam o género, profissão, raça, escola frequentada,
tipo de residência, ou ainda preferências, gostos, ocupações, usos, etc.» (Coutinho,
2014, p. 82). Por outro lado, no que concerne às variáveis de opinião, pode afirmar-se
que se enquadram numa escala de tipo ordinal, pois é possível ordenar «os sujeitos ou
objetos em estudo de acordo com certas características segundo um processo de
comparação» (Coutinho, 2014, p. 83). O uso da escala de Likert, através da qual o
sujeito se posiciona num grau entre o “discordo totalmente” e o “concordo totalmente”
relativamente à afirmação apresentada, é precisamente o que nos confirma esta
organização hierárquica. Relativamente ao modo como se estrutura o inquérito, os
investigadores informam ainda que os 37 itens inquiridos foram distribuídos por quatro
categorias, acrescentando que a sua consistência interna é considerável (0,794), de
acordo com o alfa de Cronbach. É precisamente graças à utilização do alfa de Cronbach,
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coeficiente que afere a consistência interna dos questionários com escalas de Likert, que
os autores salvaguardam a fiabilidade do instrumento usado.

Numa fase final deste ponto, e antes do ponto “Descrição e análise dos
resultados”, é explanada a metodologia considerada para a análise de dados, que, tendo
em conta o carácter quantitativo deste estudo, segue procedimentos estatísticos. Posto
isto, recorreu-se à frequência para as variáveis de caracterização e à análise fatorial; à
média, uma medida de tendência central bastante habitual; e ao desvio-padrão para as
variáveis de opinião.

No ponto “Descrição e análise dos resultados”, associado à discussão de


resultados, segundo a estrutura proposta por Coutinho (2014), o leitor irá encontrar duas
partes. Numa primeira fase, através de tabelas correspondentes às quatro categorias
anteriormente delimitadas e compostas pela indicação da média e desvio-padrão dos
itens, os investigadores descrevem e analisam os resultados, recorrendo a uma escala de
três intervalos predefinidos – classificável como escala intervalar por ser «aquela em
que os intervalos entre os valores da escala dizem a posição e quanto os sujeitos, objetos
ou factos estão distantes entre si em relação a determinada característica» (Coutinho,
2014, p. 84) – com base na média, os quais variam entre discordância, indefinição
avaliativa e concordância. Numa segunda fase, os dados são tratados por meio do
procedimento estatístico análise fatorial, técnica comum nas pesquisas quantitativas e
que, de forma genérica, se caracteriza pela identificação de variáveis inter-relacionadas
mediante a extração de fatores. Desta maneira, os investigadores acrescentam ainda que,
com base em testes KMO e de esfericidade de Bartlett, foram extraídos cinco fatores, a
partir do gráfico Scree plot, que ajuda o investigador a estabelecer x número de grupos,
visível na Figura 1. Estes cinco fatores são, posteriormente, explicados e organizados
numa tabela de acordo com a ordem do fator, a sua denominação, as variáveis
determinantes e o respetivo peso fatorial.

No caso deste artigo, no início do tópico “Discussão de resultados”,


possivelmente de modo a validar o estudo realizado, assinala-se a pertinência estatística
dos resultados obtidos, justificada não só com a ausência de investigações desta
natureza conteudística na realidade portuguesa, como também pela oportunidade que foi
gerada para analisar «o modo como os professores percecionam as mudanças ocorridas
num período de tempo em que foi necessário adotar o ensino à distância e regressar
depois ao ensino presencial, sob rigorosas condições sanitárias.» (Pacheco et al., 2021,
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p 199). Os resultados são, então, descritos e relacionados com as hipóteses e previsões


iniciais.

A conclusão é o último ponto do artigo. Começa por apresentar o tema do estudo


e as conclusões inferidas a partir da literatura revista, ou seja, fala-nos do ensino à
distância como resultado da pandemia e dos problemas essenciais refletidos por essa
bibliografia. De seguida, são apresentadas as perceções dos professores a partir dos
dados empíricos do estudo qualitativo realizado, sem questionar a validade dos
resultados e a legitimidade da amostragem, assim como das considerações feitas a partir
da mesma. Posteriormente, considera-se que os problemas pedagógicos encontrados na
pandemia já eram uma realidade no período pré-pandémico, pois já vivíamos numa
sociedade crescentemente digital e, por essa razão, os problemas e os desafios apenas se
agudizaram. Contudo, considera-se, de alguma forma, que esta agudização foi bastante
violenta para um sistema despreparado para a nova realidade e, por isso, conclui-se que
surgiram novos e maiores desafios. Dessa forma, propõe um currículo distinto daquele
que existia antes da pandemia, sem especificar de forma muito concreta que caminhos
práticos devem ser seguidos, o que constitui material para futuras investigações. Por
último, é possível acrescentar que as referências bibliográficas são proporcionais à
extensão e conteúdo do estudo realizado.

2. Análise do artigo qualitativo

A introdução de um relatório de investigação, deve, segundo Coutinho,


apresentar um conjunto de características que permitem contextualizar o estudo e
apresentar a problemática a ser estudada (Coutinho, 2014, pp. 278-279). Neste sentido,
o estudo qualitativo que em seguida se analisa inclui, na sua generalidade, as ditas
características.

Em primeiro lugar, é fundamental destacar o interesse e a pertinência do tema.


Neste aspeto, é-nos dado perceber que a Educação foi uma das áreas mais impactadas
pela pandemia e que se tornou fundamental entender como as novas tecnologias têm
sido usadas para minimizar os efeitos negativos no processo educativo. Assim, os
autores consideraram pertinente estudar a lecionação, em ambiente virtual de
aprendizagem, da unidade curricular de Educação Comparada, da licenciatura em
Ciências da Educação da Universidade da Madeira, provocada pelo coronavírus SARS-
CoV-2 e a covid-19.
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No que respeita à contextualização da problemática, que fornece um ponto de


partida para a discussão que se segue no artigo, é apresentado um breve enquadramento,
desenvolvido mais profundamente nas secções seguintes, acerca da pandemia, do seu
impacto na Educação, da iniciativa “Coalizão Mundial de Educação” da UNESCO, que
visa «proteger o direito à educação durante o período de interrupção educacional»
(Pereira et al., 2021, p. 3), e da introdução do Ensino Remoto de Emergência (ERE).

Quanto ao problema, embora apenas parcialmente explícito, a introdução sugere


a viabilidade da aprendizagem em ambientes virtuais, principalmente do ERE. Deduz-
se, neste contexto, a referência geral ao objetivo da investigação, que se prende com
conhecer e avaliar os ambientes de aprendizagem emergentes durante o ERE, num
primeiro lockdown. Para cumprir este propósito, os autores fazem uma indicação precisa
dos objetivos, mencionando que pretendem compreender os ambientes de aprendizagem
emergentes, na passagem do ensino presencial para o virtual, num momento de crise
pandémica, de um grupo de estudantes da Universidade da Madeira; conhecer os meios
tecnológicos e informáticos ao dispor destes alunos para as aprendizagens à distância;
conferir as suas opiniões acerca das plataformas digitais; aferir as representações dos
estudantes acerca dos processos de aprendizagem nos espaços virtuais; e inventariar os
pontos fortes e fracos do ERE. (Pereira et al., 2021, p. 4)

Ademais, não se encontra qualquer referência a variáveis, o que, considerando a


natureza qualitativa do estudo, também não seria expectável encontrar. Contudo, e
sendo um elemento que deveria ser incluído (Coutinho, 2014, p. 278), não existe
qualquer explicitação da planificação global dos conteúdos das diversas partes do
trabalho.

Por sua vez, a revisão da literatura feita neste artigo pode encontrar-se nas
secções 2 e 3, nomeadamente, “2. Ensino Remoto de Emergência” (Pereira et al., 2021,
p. 4) e “3. Ambientes de aprendizagem emergentes” (Pereira et al., 2021, p. 7). Apesar
das suas extensões ocuparem uma parte considerável do artigo, em nenhuma das
secções é possível sublinhar a definição de critérios usados na delimitação da área de
investigação. O mesmo já não se poderá dizer, contudo, quanto à identificação dos
trabalhos realizados por outros investigadores, bem como os resultados obtidos em cada
um desses trabalhos. Aqui, são abundantes as menções a trabalhos, artigos e relatórios,
com o objetivo de enquadrar e justificar a execução deste estudo. Encontramos, a título
de exemplo, referências aos de Lencastre e Araújo (2008); de Hodges, More, Lockee,
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Trust e Bond (2020); Furió, Juan, Seguí e Vivó (2015); ainda um relatório da
Organización de Estados Iberoamericanos para la Educación, la Ciencia y la Cultura; e
outros.

A par dos estudos mencionados, podemos identificar sínteses gerais dos


resultados que desempenham um papel central no artigo, uma vez que fundamentam o
estudo e confirmam a sua necessidade. Assim, estão presentes as seguintes sínteses: o
ERE, durante a pandemia da COVID-19, foi amplamente adotado em todo o mundo,
especialmente no ensino superior, podendo ter impactado significativamente a
experiência de aprendizagem dos estudantes e o trabalho dos professores; a efetividade
do ERE varia dependendo de vários fatores, incluindo a infraestrutura tecnológica, a
qualidade do conteúdo oferecido, a disponibilidade e acessibilidade dos recursos
educacionais, a interação entre estudantes e professores, e as características individuais
dos estudantes; e, também, alguns estudos indicam que a aprendizagem online pode ser
tão eficaz quanto o ensino presencial em termos de resultados de aprendizagem,
enquanto outros apontam para desafios e limitações do ERE.

Mais adiante, os autores deste artigo expõem a metodologia usada na


investigação num capítulo a que chamam “4. Opções metodológicas” (Pereira et al.,
2021, pp. 10-11), começando por afirmar que o objetivo desta «investigação
qualitativa» foi «compreender as representações e o sentido que os sujeitos da pesquisa
atribuíram à sua experiência em ambiente virtual de aprendizagem» (Pereira et al.,
2021, p. 10). Para o efeito, os autores recorreram à aplicação, com consentimento
declarado via Zoom, de um «inquérito por questionário, elaborado no Google Forms, de
9 questões abertas» (Pereira et al., 2021, pp. 10), privado e confidencial, cujo link
partilharam com os inquiridos. Resultaram deste inquérito por questionário a
caracterização sociodemográfica dos participantes, o conhecimento das suas condições
de acesso aos dispositivos tecnológicos, das suas representações acerca das plataformas
de aprendizagem online usadas, da avaliação do grau de participação, a identificação
dos prós e dos contras do ERE, e a avaliação do ensino-aprendizagem virtual (Pereira et
al., 2021, pp. 10-11).

Ora, ao analisar-se o artigo, torna-se claro que nem todos os passos postulados
por Coutinho (2014) foram seguidos pelos autores, pelo menos não na ordem que a
autora propõe. De facto, alude-se à natureza qualitativa da investigação e expõem-se os
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seus traços mais gerais, isto é, a metodologia adotada, as suas finalidades e os seus
instrumentos.

Aferimos também que a amostra dos participantes é descrita neste capítulo com
mais detalhe, tendo a sua caracterização geral começado antes, nas secções iniciais
“Resumo” e “Introdução”. Com efeito, faz-se o retrato geral da amostra: «29 estudantes
dos 2.º e 3.º anos da Licenciatura em Ciências da Educação [da UMa], sendo três do
sexo masculino e os restantes 26 do sexo feminino. As suas idades oscilam entre os 19 e
os 44 anos de idade.» (Pereira et al., 2021, p. 11). Faz-se ainda uma pequena análise
estatística adicional das idades registadas, de que se conclui serem os 19 e os 21 anos as
idades com maior representatividade na amostra.

Ao nível dos procedimentos seguidos, verificamos que, de facto, os autores


cumprem o que Coutinho propõe, na medida em que fazem a descrição daqueles.
Destaca-se o processo de análise dos dados recolhidos, a qual seguiu,
fundamentadamente, a análise de conteúdo segundo a postulação de Laurence Bardin
(«conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos
sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens») (Bardin, 1995,
citado por Pereira et al., 2021, p. 11) e seguindo a tipologia de Guerra, que contempla
uma dimensão de análise descritiva e outra interpretativa (Pereira et al., 2021, p. 11).

Tenha-se em conta que a natureza da investigação qualitativa, segundo Almeida


e Freire, se relaciona proximamente com o método indutivo de produção de
conhecimento científico, pelo que a investigação parte da «necessidade de mais
informação sobre um dado problema», «de um conjunto parcial de dados para a
elaboração de um resumo descritivo dos fenómenos observados» (2008, pp. 29-30).
Neste sentido, a investigação que os autores deste artigo apresentam poderá classificar-
se como de «perspectiva qualitativo-interpretativa, dado assumir uma menor postura nos
aspectos da quantificação e da manipulação-explicação dos fenómenos» (Almeida &
Freire, 2008, p. 27) e priorizar, como antes verificámos, a análise de conteúdo.

Segundo Coutinho, um artigo de investigação deve contemplar um capítulo


dedicado à apresentação e discussão de resultados, que se destina «a informar o leitor
sobre as respostas que os dados obtidos forneceram em relação às questões empíricas
formuladas no início do trabalho» (Coutinho, 2014, p. 280) e que deverá conter uma
descrição dos resultados da investigação confrontados com as hipóteses iniciais e
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ilustrados com materiais gráficos; uma descrição dos métodos de tratamento dos dados;
a indicação dos testes estatísticos aplicados; e confirmação ou não-confirmação das
previsões iniciais (Coutinho, 2014, p. 281).

Desta feita, o artigo consagra um capítulo, de sensivelmente 7 páginas de


extensão (Pereira et al., 2021, pp. 11-19) à análise dos dados obtidos na investigação, a
que os autores chamam “5. Análise e interpretação dos dados recolhidos”, dividido em
cinco subcapítulos, de acordo com o tema-chave tratado. Em todos os subcapítulos, os
autores apresentam uma síntese das respostas obtidas no inquérito por questionário.
Note-se que esta apresentação dos resultados das questões segue, sempre, um esquema
fixo: apresentação do tema/foco da questão; elenco sintético das respostas; e
interpretação das respostas segundo a análise de conteúdo, amiúde acompanhada de
fundamentação ou enquadramento teórico que sustente, num plano mais geral e
recorrendo a autoridades intelectuais, as conclusões obtidas.

Veja-se que a proposta de Coutinho se aplica mutatis mutandis neste caso, isto é,
aplica-se, mas adaptadamente, pois segue os pressupostos da investigação qualitativa.
Por isso, o método de análise dos dados segue os pressupostos da análise de conteúdo
(interpretativa); a estatística só existe rarissimamente neste artigo, e só quando requerida
pela natureza sociodemográfica ou quantitativa das questões; e, seguindo-se o método
indutivo de produção de conhecimento, não há uma previsão inicial a comprovar (isto é,
uma teoria de base ou uma hipótese cuja cientificidade é preciso provar) mas sim uma
tentativa de compreender uma situação específica para daí formular conclusões gerais,
por outras palavras tomar um caso particular como ponto de partida para fazer uma
generalização.

No que respeita à conclusão do artigo qualitativo, a discussão dos resultados


obtidos ocupa, no fundo, toda a secção. São identificados e resumidos todos os
resultados das considerações dos respondentes, resultados os quais permitem, também,
apontar os problemas que se levantam com a investigação: a desigualdade da
aprendizagem online concretizada no detrimento dos estudantes mais vulneráveis;
constrangimentos com o wi-fi e no acesso a plataformas; e procedimentos de avaliação
pouco ambiciosos. Finalmente, podemos afirmar que as referências bibliográficas se
mostram de extensão adequada, tendo em conta a dimensão do artigo.

III. Comparação dos dois artigos


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De facto, pela da descrição que aqui fizemos, é possível identificar aspetos


coincidentes e dissidentes entre os dois artigos. Como ficou claro, o modelo usado para
uma delimitação do processo investigativo de cada um dos estudos foi o postulado por
Clara Coutinho (2014). Neste sentido, podemos declarar que ambos os artigos seguem a
estrutura típica de um relatório de investigação, observando a ordem de partes canónica:
resumo/abstract; introdução; revisão da literatura; metodologia; apresentação e
discussão de resultados (embora sejam apresentados com outra designação); conclusão;
e referências bibliográficas. Diferem, como é expectável, dada a sua natureza distinta,
na abordagem metodológica e na análise de dados. Podemos ainda acrescentar que,
naturalmente, a apresentação e discussão de resultados provirão das abordagens
metodológicas adotadas. Deste modo, sintetizamos na tabela seguinte as conclusões da
comparação.

Artigo quantitativo Artigo qualitativo


Quantidade amostral (n) n=280 n=29
Tipologia amostral Amostra por conveniência. Amostra por conveniência.
Contextualização muito
Descrição da seleção Caracterização geral da escolha dos
amostral sociodemográfica. inquiridos e caracterização
sociodemográfica.
Inquérito por questionário Inquérito por questionário
Instrumento usado
com escala de Likert. com pergunta aberta.
Variáveis de caracterização
(de escala nominal) e Variáveis de caracterização
Variáveis incorporadas
variáveis de opinião (de (de escala nominal).
escala ordinal).
Fiabilidade dos Comprovada de modo
Dificilmente aferível.
instrumentos usados explícito.
Análise de conteúdo
Metodologias usadas na [segundo a tipologia
análise e apresentação Procedimentos estatísticos. bidimensional de Guerra
dos dados (2006): descritiva e
interpretativa].
Tabela 1 Conclusões da comparação entre o artigo quantitativo e o artigo qualitativo.

IV. Reflexão crítica


1. Sobre os artigos
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Antes de passarmos à reflexão crítica sobre as duas abordagens investigativas


em Educação, apontamos, numa breve nota, algumas críticas diretas a cada um dos
artigos, que surgiram precisamente no âmbito de um processo reflexivo com vista à
posterior consideração sobre a pertinência dessas mesmas abordagens no ramo
educativo.

Deste modo, cumpre-nos referir que no artigo quantitativo, embora os autores


afirmem que o seu estudo contém as características de um estudo de caso, essas
características não parecem verificar-se e, ademais, a descrição feita da investigação no
artigo não parece encaixar-se totalmente nesta definição de estudo de caso: «A
característica que melhor identifica e distingue esta abordagem metodológica, é o facto
de se tratar de um plano de investigação que envolve o estudo intensivo e detalhado de
uma entidade bem definida: o “caso”.» (Coutinho, 2014, p. 374). Além disso, e ainda
que a fiabilidade dos instrumentos e o correto tratamento de dados pareçam ser
assegurados, foi-nos possível identificar uma leve incoerência. Esta revela-se na medida
em que os investigadores analisam os dados de uma escala ordinal (escala de Likert)
usando uma estatística típica de uma escala intervalar: a média.

Já no artigo qualitativo, observamos que, no âmbito da revisão de literatura,


embora o artigo apresente uma ampla variedade de fontes, o mesmo não atinge o seu
potencial máximo, na medida em que não estabelece uma conexão significativa com a
problemática em análise. Além disso, no que diz respeito à abordagem metodológica,
concluímos que a pertinência deste instrumento não é defendida pelos investigadores, o
que se nos afigura como uma falha na estrutura geral da investigação, com repercussões
na sua credibilidade. Note-se ainda que as questões que concernem aos instrumentos de
investigação são altamente negligenciadas neste artigo na medida em que o uso de
inquérito por questionário não é justificado, as questões contidas no questionário não
são, jamais, enunciadas claramente e a fiabilidade ou validade deste instrumento não é,
nem uma vez, comentada pelos autores. Na sequência da apresentação e discussão de
resultados, é notável que o leitor se confronta continuamente com a impossibilidade de
aceder diretamente à formulação das nove questões constantes no inquérito, isto é, em
momento nenhum elas são claramente enunciadas – listam-se somente os “temas-chave”
das questões (Pereira et al., 2021, pp. 10-11) –, o que faz que o leitor precise de
escrutinar a descrição dos resultados obtidos para descortinar a questão de referência.
Por fim, já na conclusão, verifica-se a inexistência de elementos fundamentais,
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especialmente a falta de projeções para o futuro, sendo que os autores se limitam a


resumir os dados discutidos anteriormente. Esta falta de perspetivas futuras prejudica o
trabalho, uma vez que os autores deixam de propor possíveis direções para a
continuidade da pesquisa, esgotando ali o conhecimento.

2. Sobre os métodos de investigação

Com base no processo descritivo anteriormente realizado, partimos agora para


uma reflexão crítica acerca dos dois métodos investigativos, tendo em conta os dois
exemplares fornecidos. Destarte, gostaríamos de sublinhar que esta reflexão tentará
sempre que possível seguir bases teóricas e fundamentadas, mas que, naturalmente,
também seguirá perspetivas algo inocentes por parte daqueles que se encontram pouco
familiarizados com o campo da investigação em Educação.

Partindo, então, de um processo reflexivo, muitas vezes confirmado na posterior


leitura de Coutinho (2014), foi possível identificar algumas vantagens no uso da
metodologia quantitativa em Educação, que talvez se possam alargar a outros campos.

De facto, durante a leitura do artigo de Pacheco et al. (2021), e confrontando


com o que foi sentido aquando da leitura do artigo qualitativo, notou-se um sentimento
de facilidade, muito lógico, em confiar em todo o processo investigativo. Embora
passível de refutação, como veremos futuramente, com esta afirmação pretende-se
evidenciar que, para o leitor leigo, este tipo de estudos parecem apresentar-se mais
apelativos, não só porque o plano de investigação se mostra estruturado e estático, uma
vez que os conceitos, variáveis e hipóteses não se alteram durante a investigação
(Coutinho, 2014, p. 28), como também se presta à utilização de técnicas estatísticas na
análise de dados, o que aparenta ser fulcral na perceção de validade e fiabilidade do
artigo. Esta segurança relativamente ao que se leu constituiu, na nossa perspetiva de
leitores (quase) leigos, uma vantagem incontestável.

Adicionalmente, foi possível chegar a uma outra conclusão, também confirmada


no livro de Clara Coutinho. Dada a extensão da amostra (n=280), claramente
dissemelhante da amostra qualitativa (n=29), deduziu-se que os estudos quantitativos se
predispõem a generalizações e, efetivamente, segundo Wiersma, dada a extensão da
amostragem, os resultados das investigações quantitativas são passíveis de
generalização (Wiersma, 1995, citado por Coutinho, 2014, p. 27). Esta possibilidade de
generalizar afigura, segundo o nosso ponto de vista, uma vantagem, sobretudo se
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considerarmos que «o objetivo do estudo é desenvolver generalizações que contribuam


para aumentar o conhecimento e permitam prever, explicar e controlar fenómenos»
(Coutinho, 2014, p. 28). A título de exemplo, podemos precisamente recorrer ao artigo
quantitativo usado no nosso trabalho para aplicarmos a reflexão ao campo educacional.
Realmente, a investigação em causa, devido tanto à dimensão da amostra como ao
processo investigativo, concluiu, generalizando, que «os professores evidenciam que o
ensino à distância origina desigualdades entre alunos e contribui para a redução das
aprendizagens» (Pacheco et al., 2021, p. 187). Mas de que modo é que tal generalização
se mostra vantajosa? É bastante evidente. Primeiro, pode comprovar-se que a pandemia
teve consequências coletivas no ensino. Segundo, alargando a ideia de que a pandemia
provocou desigualdades entre alunos e dificultou as aprendizagens, podem aplicar-se
esforços no sentido de contrariar essa problemática. Se um estudo deste tipo não fosse
realizado, as hipóteses das problemáticas causadas no ensino pela pandemia não seriam
comprovadas e medidas resolutórias não seriam aplicadas.

Ainda na conceção de generalização, pareceu-nos que a generalização das


posições dos inquiridos, possível pelo uso da escala de Likert, que traduz para números
as opiniões dos inquiridos, origina uma possibilidade muito frutífera de comparação
entre realidades, não necessariamente inexistente nos estudos qualitativos. O que se
pretende revelar é que a delimitação muito clara, através de dados numéricos, das
conclusões atingidas pode traduzir-se numa maior facilidade em comparar diferentes
realidades que assumem a mesma temática. Poderíamos aplicar isto usando a mesma
temática do artigo de Pacheco et al. (2021), mas noutra realidade que não a portuguesa.
Assim, a partir de dois estudos quantitativos, seria possível um outro de teor
comparativo.

A abordagem quantitativa pode apresentar algumas limitações ou desvantagens


como podemos verificar a partir do artigo de natureza quantitativa que aqui estudamos.
Uma das limitações com que nos deparamos prende-se, desde logo, com a possível
incapacidade ou dificuldade do leitor na análise e interpretação da linguagem estatística.
No que também diz respeito à estatística, existe o risco de confiarmos cegamente nos
números – perigo para o qual alerta uma frase popularizada por Mark Twain: «There are
three kinds of lies: lies, damned lies, and statistics.»

A recolha empírica do artigo em questão assenta na utilização da técnica do


questionário, quantitativamente orientado. No geral, embora os questionários possam
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ser uma ferramenta útil para colher dados, também apresentam limitações e possíveis
desvantagens, que devem ser consideradas para garantir a precisão e fiabilidade dos
resultados, assegurando a validade empírica da análise. Por sua vez, se a orientação
metodológica das questões for quantitativa, destacam-se, na nossa perspetiva, um
conjunto de desvantagens adicionais a considerar, no que diz respeito à validade
analítica dos dados recolhidos, que, partindo do artigo de natureza quantitativa que
estudámos, iremos descrever. Assim sendo, eventual desconforto, incerteza e receio
perante o confronto com as questões pode produzir o efeito do viés de resposta. Neste
caso, os questionados nem sempre fornecem respostas precisas ou honestas às questões
colocadas. Pode ocorrer, ainda, um viés de desejo social. Neste cenário, os inquiridos,
confrontados com as expectativas sociais, podem fornecer respostas socialmente
desejáveis, por oposição à verdade.

Apesar da sua relevância, estas não são, segundo o nosso ponto de vista, as
únicas problemáticas associadas à técnica do questionário que podem comprometer a
validade analítica da recolha empírica. Ao terem, geralmente, um conjunto limitado de
respostas, pelas quais os inquiridos podem optar, os questionários podem restringir,
através de um sistema de resposta fechada, a gama de opções, limitando a colheita de
detalhes e nuances analiticamente relevantes.

Os inquiridos podem não encontrar, no sistema fechado de resposta, modo de


exprimir corretamente as suas opiniões ou pensamentos de uma forma que reflita com
precisão as suas verdadeiras crenças. Os questionários também só podem colher
informações explicitamente detalhadas nas perguntas, dependendo desta última a sua
utilidade. Portanto, detalhes ou nuances importantes podem ser perdidos. A falta de
contexto e de oportunidade para esclarecer as respostas de um inquirido também
constituem problemas, pois dificultam a compreensão completa da resposta do mesmo.
Por conseguinte, o método quantitativo, aplicado à técnica de recolha empírica presente
no artigo analisado, reforça algumas dessas debilidades.

A opção pela escala de Likert, na estrutura de resposta ao questionário, consagra


a orientação quantitativa da análise em questão. Por sua vez, o número definido
enquanto sistema fechado de resposta pode limitar a gama de respostas e dificultar a
captura de opiniões complexas ou subtis.
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Carecer de falta de contexto traz a este tipo de questionário dificuldade de


compreensão completa do significado por trás da resposta. Os inquiridos podem ter
interpretações diferentes da pergunta e, sem contexto adicional, pode ser difícil entender
o raciocínio específico que subjaz à resposta. Perguntas de orientação quantitativa
concentram-se, grosso modo, em informações ou opiniões factuais, em vez de emoções
ou sentimentos, como comprovamos no artigo. Isso pode, segundo a nossa visão,
dificultar a captura da experiência emocional do entrevistado ou a compreensão total da
sua perspetiva. Deste modo, esta tipologia de recolha empírica nem sempre capta toda a
gama de opiniões ou experiências que os respondentes possam ter, enquanto limita, em
simultâneo, a validade analítica da recolha apresentada ao colocar de parte o significado
subjetivo atribuído à escolha do número, que pode variar entre os inquiridos mediante o
seu domínio da linguagem estatística e subjetividade analítica. Dito de outro modo, a
mesma resposta (através da escolha do mesmo número) pode comportar um significado
distinto, comprometendo a relevância e eficácia da análise fatorial e a validade dos
dados, dificultando a obtenção de conclusões precisas e coesas. Acresce a isto o facto
de, uma vez criado e distribuído, poder ser difícil fazer alterações ou ajustes no
questionário. Essa falta de flexibilidade pode limitar a validade dos resultados e
dificultar, igualmente, a obtenção de conclusões precisas.

No geral, parece-nos que, embora as questões quantitativas possam ser úteis para
colher dados, elas também têm limitações e possíveis desvantagens que devem ser
consideradas para garantir que os resultados sejam precisos e confiáveis. É importante
considerar cuidadosamente o desenho do questionário e as limitações potenciais da
abordagem, ao usar esta técnica para pesquisa empírica, garantindo a sua adaptação ao
objeto e à natureza do estudo.

O processo de investigação em Educação tem sido cada vez mais valorizado


como uma forma de obter dados precisos e relevantes para a compreensão do
funcionamento do sistema educativo e, consequentemente, para a melhoria das práticas
educativas. Neste contexto, a abordagem investigativa qualitativa, centrando-se na
compreensão dos significados, das experiências e dos comportamentos dos sujeitos
envolvidos, através da recolha e análise de dados ricos e descritivos, apresenta várias
vantagens, mas também limitações, possíveis de encontrar no artigo qualitativo que
serviu de base para o presente trabalho.
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Primeiramente, as investigações qualitativas permitem a recolha de dados


através de inquéritos por questionário de perguntas abertas, e, consequentemente, o
investigador não define previamente as respostas possíveis; pelo contrário, permite
antes que o participante responda livremente de acordo com a sua perceção do tema em
questão. Esta liberdade parece-nos representar uma vantagem no sentido de, ao ser
construída pelo inquirido, a resposta obtida poder conferir uma noção mais abrangente e
fidedigna do que o próprio pensa e/ou sente, permitindo explorar a complexidade e
subjetividade da experiência humana, em vez de reduzir a realidade a variáveis
controláveis. Contudo, esta característica pode, a nosso ver, representar também uma
limitação em termos de tratamento de dados e gestão do tempo, uma vez que, dada a
natureza da resposta aberta, o investigador não poderá controlar a resposta que irá obter.
Por um lado, o investigador pode deparar-se com respostas que divergem relativamente
ao tema da questão colocada, o que pode dificultar a organização e a análise dos dados.
Por outro lado, apercebemo-nos de que pode deparar-se com problemas incontornáveis,
tais como a falta de resposta da parte do participante ou a falta de clareza na resposta
dada. Isto significa que o participante pode fornecer informações irrelevantes ou mesmo
enganosas, levando, possivelmente, a uma interpretação incorreta dos dados e,
consequentemente, a conclusões falsas. Este caso parece-nos particularmente
preocupante quando a investigação em Educação é usada para fundamentar políticas
educacionais e práticas pedagógicas.

Nesta impossibilidade (ou parca possibilidade) de controlo dos enunciados


produzidos pelo inquirido nos estudos qualitativos, identificamos, contudo, algo
positivo, no sentido de, ao ser dada a oportunidade ao inquirido de refletir livremente
acerca da pergunta, o investigador poder deparar-se com respostas que expõem
problemáticas não pensadas previamente, e, quiçá, conduzir a novas descobertas, que
não teriam sido possíveis com a utilização de uma abordagem mais estruturada e
controlada. Assim, esta maior flexibilidade na abordagem do objeto de estudo pode
resultar em novas questões, que podem ser profícuas, não só para a investigação atual,
mas também para o alargamento de investigações futuras.

A abertura na resposta pode, também, ser alcançada no estudo qualitativo através


de outros instrumentos como a entrevista, a qual julgamos ser vantajosa, pois permite
obter uma perspetiva mais detalhada daquela que é a visão do inquirido, o que pode,
posteriormente, conduzir a uma noção mais pormenorizada da realidade que se estuda.
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Apoiando-se num guião previamente preparado, mas não vinculativo nem restritivo, o
entrevistador tem a oportunidade de procurar explorar mais minuciosamente a resposta
do entrevistado, estudando em profundidade as suas experiências e opiniões. Isto pode
ajudar a compreender a complexidade da realidade estudada e a identificar as nuances e
particularidades da experiência humana.

Uma outra limitação que entendemos estar presente na abordagem qualitativa


prende-se com a dificuldade de generalização dos resultados obtidos. Isto ocorre
porque, em geral, esta abordagem usa uma amostra pequena (como no artigo de Pereira
et al. (2021), onde a amostra é de apenas 29 pessoas), que não pode ser considerada
representativa. Deste modo, os resultados obtidos podem ser válidos apenas para o
grupo estudado e não para o universo como um todo. Isso não significa que a
abordagem qualitativa não seja relevante, mas sim que os seus resultados devem ser
considerados com cautela e interpretados de forma adequada. Neste seguimento, Clara
Coutinho justifica a posição otimista quanto à particularização em vez da generalização,
citando Pacheco (1993), que destaca que, na investigação qualitativa,

O interesse está mais no conteúdo do que no procedimento, razão pela qual a


metodologia é determinada pela problemática em estudo, em que a generalização
é substituída pela particularização, a relação causal e linear pela relação
contextual e complexa, os resultados inquestionáveis pelos resultados
questionáveis, a observação sistemática pela observação experiencial ou
participante. A questionabilidade dos resultados impõe-se porque mais do que o
estudo de grandes amostras interessa o estudo de casos, de sujeitos que agem em
situações, pois os significados que compartilham são significados-em-ação.
(Pacheco, 1993, p. 28, citado por Coutinho, 2014, p. 30).

Esta abordagem particularizante sobrepõe-se à da generalização, pois é


precisamente a particularização o objetivo desta abordagem qualitativa, uma vez que a
relevância dos significados é privilegiada em relação ao rigor.

3. Abordagem mista: a possibilidade de uma terceira via conciliatória

Após a análise dos dois artigos, e atendendo às limitações e vantagens de cada


uma das tipologias de investigação, afigura-se-nos proveitoso fazer a apologia de uma
terceira via: as metodologias mistas de investigação. É nossa opinião que os artigos em
análise, um como o outro, lucrariam, tanto do ponto de vista da investigação per se
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como do ponto de vista dos resultados obtidos, caso fosse aplicada uma abordagem
investigativa mista, pois que esta permite «uma compreensão mais completa e holística»
do fenómeno objeto da investigação (Coutinho, 2014, p. 404).

É comum, nos estudos de natureza qualitativa como nos estudos de natureza


quantitativa, haver necessidade de tratar dados segundo o método oposto. Nestes casos,
e noutros, é «particularmente útil uma metodologia mista em que se integra o
quantitativo e o qualitativo, aquilo que Shulman (1989) designa de “modelo ponte”»
(Coutinho, 2014, p. 31). O recurso à metodologia mista justifica-se devido aos seus
benefícios em prol da qualidade da investigação e dos respetivos resultados: a
ultrapassagem da dicotomia quantitativo-qualitativo, a supressão da rigidez do
confronto paradigmático, e a complementaridade metodológica (Coutinho, 2014, p.
399).

Podendo apontar-se a esta metodologia a crítica de que a natureza dos dados


recolhidos condiciona o seu tratamento, é importante referir que a adoção de técnicas de
complementaridade metodológica não implica nem provoca necessariamente confusão
metodológica, isto é, os dados recolhidos podem ser proficuamente tratados, em
paralelo segundo a sua natureza própria, reportando-se a sua análise à teoria que lhes
subjaz, sem confusão epistemológica e sem prejuízo nenhum para a complementaridade
investigativa e para o melhor enriquecimento das conclusões do estudo (Coutinho,
2014, pp. 399-400).

V. Conclusão

O trabalho que aqui se apresenta procurou, orientado para uma finalidade


pedagógica construtivista da aprendizagem, comparar dois artigos de estudos feitos na
área da Educação, de natureza epistemológica e teórico-metodológica distinta entre si.
Para o efeito, num primeiro momento, fizemos a análise cuidadosa dos dois
documentos, descrevendo-os minuciosamente; numa segunda parte, comparámo-los,
apontando-lhes mútuas semelhanças e diferenças; numa terceira secção, refletimos
criticamente sobre os estudos em questão, partindo dos pressupostos teóricos e
metodológicos de cada uma das correntes de investigação em que alegadamente se
inserem – análise crítica da qual resultou a verificação de um cumprimento significativo
da metodologia investigativa, mas também de algumas falhas metodológicas, as quais
foram apontadas e problematizadas; ainda no âmbito desta reflexão crítica, meditámos
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nas vantagens e desvantagens de uma e outra corrente de investigação e no modo como


estas se cumpriam nos dois exemplares que analisámos; por fim, aventámos, seguindo a
proposta de especialistas, aquele modelo de investigação que consideramos mais
adequado e metodologicamente completo para a área da Educação: a metodologia mista.

Para a prossecução dos seus objetivos, este trabalho seguiu um método de


análise crítica comparativa, a qual permitiu a elaboração da respetiva recensão crítica
comparativa dos dois estudos analisados. Desta análise crítica e comparativa dos dois
artigos, é possível concluir que ambos os métodos de investigação apresentam
contribuições relevantes para a área da Educação, apesar de evidenciarem tanto
vantagens como limitações distintas. O método quantitativo permite uma maior
objetividade e possibilidade de generalização, mas pode apresentar dificuldades no
tratamento estatístico de dados e na interpretação dos resultados. Por outro lado, o
método qualitativo oferece uma maior profundidade e riqueza psicológico-subjetiva na
obtenção de dados, mas apresenta limitações na análise e generalização dos
resultados devido à amostra limitada e ao emprego de respostas abertas/entrevistas. Não
obstante, verificados os seus pontos fortes e fracos, conforme já antes afirmámos e
melhor explicámos na secção “Abordagem mista” deste trabalho, concluímos ser
justamente uma abordagem mista, que contemple aspetos teórico-metodológicos tanto
da investigação qualitativa quanto da investigação quantitativa, a melhor opção de
investigação a encetar na área da Educação, dada a maior complementaridade
metodológica – unem-se as melhores “ferramentas” e técnicas de cada uma das
correntes investigativas –, a possibilidade de ultrapassar algumas das fragilidades
próprias de cada uma das correntes, quando analisadas isoladamente, e ainda a
oportunidade de construir um conhecimento mais completo e rico do objeto de estudo.
Certo é que esta poderá não ser a melhor via de investigação em outras áreas
epistemológico-científicas, mas, tendo por base este trabalho, afigura-se-nos sê-lo na
área da Educação em particular.

VI. Referências

Almeida, L., Freire, T. (2008). Metodologia da Investigação em Psicologia e Educação.


(5.ª ed.). Psiquilíbrios Edições.

Coutinho, C. (2014). Metodologia de Investigação em Ciências Sociais e Humanas:


Teoria e Prática. (2.ª ed.). Almedina. FORMATO PDF, COMO CITAR?
20

Jacquinet, M. (2021, abril 12). Breve nota de introdução à metodologia de investigação.


Repositório Aberto. https://repositorioaberto.uab.pt/handle/10400.2/10677

Pacheco, J., Morgado, J., Sousa, J., & Maia, I. (2021). Educação básica e pandemia. Um
estudo sobre as perceções dos professores na realidade portuguesa. Revista
Iberoamericana de Educación, 86(1), pp. 187-204. https://doi.org/10.35362/rie8614346

Pereira, G., Fraga, N., & Gouveia, F. (2021). Ensino remoto de emergência em tempos
de pandemia da covid-19: que aprendizagens? Um estudo exploratório no ensino
superior. Revista Portuguesa de Investigação Educacional, (21), pp. 1-22.
https://doi.org/10.34632/investigacaoeducacional.2021.10132

Vieira, S. (2015, out 8). Alfa de Cronbach. http://soniavieira.blogspot.com/2015/10/alfa-


de-cronbach.html

https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/20504/20504_6.PDF - usei isto para perceber o


que era análise fatorial NÃO SOUBE CITAR ISTO, NÃO SEI DE ONDE É (É
UM CAPÍTULO DE ALGUMA COISA...)

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