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7.

CESÁRIO VERDE – ANÁLISE DE POEMAS NATURALISTAS DO “LIVRO DE CESÁRIO


VERDE”

1.CONTRARIEDADES
- 2 temáticas:
- questão social
- humilhação do sujeito e da engomadeira – paralelismo entre estes
- altercação de 2 planos – o do sujeito poético e o da engomadeira

Plano do sujeito poético:

- Estrofe 1
- v.1. “Eu estou cruel, frenético, exigente” - discurso na primeira pessoa, tom confessional
- v.3. “Já fumei três maços de cigarros/ Consecutivamente.” - sujeito num estado de impaciência,
possível ansiedade, inquietação, frenesim – ansiedade patente nas exclamações curtas, um estado
que lhe impede o alongamento dos raciocínios

Estrofe 2:
- v.1. “Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:” - a dor de cabeça está relacionada com o
seu estado psicológico, como se poder verificar a sua realidade encontra-se, de momento,
condicionada por fatores físicos e psicológicos
- v.2. - “Tanta depravação nos usos, nos costumes!” - causa do seu estado físico e psicológico –
sociedade corrupta, desumana, depravada (como afirma diretamente), desumana, alienada e decante
( mas porquê? Porque apresenta o sujeito poético esta visão do mundo? - a resposta é dada de
seguida)

Plano do objeto que contempla, ponto de inspiração exterior a si, que motiva a criação poética:

Estrofe 3:
- v.2. 3. “Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes; Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os
parentes” - referência ao estado de saúde física (doente de tuberculose) e emocional mental
(tristeza, nojo provocados pelo luto)
- v.4. “Engoma para fora” - referência à situação profissional do vulto feminino que contempla –
primeiro paralelismo entre o sujeito e objeto – ambos trabalham, operam curvados: o sujeito sob a
sua secretária, a engomadeira, sob a tábua de passar a ferro
Estrofe 4:
- v.1. “Pobre esqueleto branco, entre as nevadas roupas” - descrição da palidez da engomadeira,
consequência/ sintoma direto da doença que porta
- v.2. “O doutor deixou-a.” - abandono dos doentes, daí a caraterização da sociedade, enquanto
desumana, injusta e alienada
- vv. 3./4. “E deve conta à botica!/ Mal ganha para sopas...” - a engomadeira trabalha para
sobreviver

Plano do sujeito poético:

Estrofe 5:
- v.v. 2./3. “Agora sinto-me eu cheio de raivas frias, / Por causa dum jornal me rejeitar (...)” -
retorna ao tom confessional, patente no discurso autodiegético, em primeira pessoa, explica,
finalmente, o motivo do seu desequilíbrio – ter sido rejeitado por um jornal, no qual pretenderia
publicar uma das suas obras poéticas – ideia enfatizada na estrofe seguinte - “Mais duma redação,
das que elogiam tudo, / Me tem fechado a porta.” (vv.3./4.) - destaca o elogio fácil do meio
jornalístico, contrastando-o com a desvalorização da sua obra

Estrofe 7:
- v1./2. “A crítica segundo o método de Taine/ Ignoram-na.” - reitera a ignorância, o descarte que
sofre por parte da imprensa – referência a Taine – crítico e historiador positivista, o qual defende
fazer história e compreender o Homem, por meio de três fatores – meio-ambiente, raça. Momento
histórico (certos traços naturalistas, assumidos pelo autor, segundo as suas palavras, nas suas obras)
- vv. 3./4. “ A imprensa / Vale um desdém solene” - sente desdém pela imprensa

Estrofe 8:
- vv.3./4. “O populacho/ Diverte-se na lama” - crítica clara ao romantismo, literatura destinada à
generalidade da população, Cesário tece esta crítica às imprensas e editoras, ainda imbuída sna
obrigação de agradarem o povo, embora não considere relevante a obra romântica enquanto riação
artística – a crítica intensifica-se de seguida (estrofe 10)

Estrofe 9:
vv.1./2./3./4. “Eu nunca dediquei poemas às fortunas, / Mas, sim, por deferência, a amigos ou a
artistas, / Independente! Só por isso os jornalistas / Me negam as colunas” - acusa o jornalismo da
sua época de completa parcialidade e, até, de compadrio, denunciando tais caraterísticas do meio
jornalístico e literário, no qual se insere e o qual se torna, por sua vez, a razão do seu desequilíbrio –
afirma, por outras palavras, considera-se um escrito independente, que escreve como pretende,
homenageando outros artistas, seus conhecidos, ao passo que a imprensa pretende a glorificação das
classes maioritárias, dos que possuem, de facto, bens e riquezas, aqueles que exercem uma maior
influência nos meios referidos

Estrofe 10:
- vv. 1./2./3./4. “Receiam que o assinante ingénuo os abandone, / Se forem publicar tais coisas, tais
autores / Arte? Não lhes convém, visto que os seus leitores / Deliram por Zaccone. “ - refere
novamente a cultura de massas, a escrita romântica destinada, pela simplicidade (ao contrário da
corrente naturalista, mais aprimorada e científica, mais destinada a classes cultas e com
conhecimentos mais profundos na área da filosofia e da ciência – recordar a referência a Taine,
protótipo desta corrente utilizado como seu exemplo pelo sujeito poético), às classes menos cultas
- reitera, ainda, a crítica ao romantismo, referindo Zaccone, escritor folhetinista e romancista
popular francês, encontra-se patente um certo tom de desprezo – escrita, geralmente, em prosa,
género discursivo não apreciado pelo sujeito poético - “E a mim, não há questão que mais me
contrarie/ Do que escrever em prosa.” (estrofe 11 – vv.3./4.), preferindo, obviamente a escrita
poética, infelizmente, não aceite pela imprensa - “Os meus alexandrinos...” (v.4. - estrofe 12.)

Plano da engomadeira (objeto de contemplação do sujeito poético)

Estrofe 13:
- v.1. “E a tísica? Fechada, e com ferro aceso! / Ignora que a asfixia a combustão das brasas” -
reitera a condição física da engomadeira, tísica devido à doença, asfixiada pelos gases emanados
pela combustão das brasas do ferro de passar – apesar da sua condição física, que, à partida, a
impediria de frequentar tal ambiente, dadas as dificuldades respiratórias, é obrigada a fazê-lo, para
conseguir sobreviver

Estrofe 14:
- vv. 1./2. “Mantém-se a chá e a pão! Antes entrar na cova. / Esvai-se; e todavia, à tarde,
fracamente” - reitera, novamente, as condições precárias de vida da engomadeira – a fome (chá e
pão = pão e água) e a fraqueza derivada da doença (advérbio de modo - fracamente)
Plano do sujeito poético

Estrofe 15:
- inicia o final do seu poema – v.1. “Vou findar sem azedume.” - parece deixar para trás a amargura,
as emoções negativas sentidas e vividas, até então, durante o poema
- v.v.. 2./3./4. “Quem sabe se depois, eu rico e noutros climas, / Conseguirei reler essas antigas
rimas, / Impressas em volume?” - IRONIA numa auto-interrogação – novamente, reitera a crítica da
parcialidade e compadrio dos meios jornalísticos – questiona-se, ironicamente, se um dia, no futuro,
quando possuidor de bens monetários e capital suficiente, teria oportunidade de ver os versos
publicados, adquiriria o estatuto das fortunas às quais é, no presente, obrigado a dedicar a sua obra,
para que esta seja publicada/ editada

Estrofe 17:
- v.1. “E estou melhor; passou-me a cólera.” - deixa para trás os sentimentos, após um desabafo
- vv.2./3./4. - “A pobre engomadeira ir-se-à deitar sem ceia? / Vejo-lhe luz no quarto. Inda trabalha.
É feia… /Que mundo! Coitadinha!” - destaca, mais uma vez, recorrendo ao excesso de horas de
trabalho da engomadeira (já e de noite, localização temporal denotada pela referência à luz que o
sujeito poético observa) – mais, uma crítica à sociedade – contraste com o sujeito poético – este já
não sofre, desabafou, a engomadeira ainda se encontra mergulhada naquele ambiente

NOTA:
1. Revela uma certa inquietação em relação à humanidade que as castas dominantes da sociedade
impõem sobre os oprimidos, menos favorecidos e que surgem, neste poema, em primeira estância,
no meio jornalístico e literário, no qual o sujeito se insere, assim como no meio profissional da
engomadeira – são estes os meios sociais que se tornam palco de grandes desigualdades e opressão
sociais
2. Paralelismos entre o sujeito poético e a engomadeira:
- ambos trabalham curvados
- ambos são abandonados – a engomadeira, doente, abandonada pelo médico, apesar da grave
situação de saúde, o sujeito poético, artista, abandonado pelo seu meio profissional
- ambos apresentam um certo desequilíbrio físico – as dores de cabeça pelo s.p., os problemas
respiratórios da engomadeira
2. A DÉBIL
- apresenta uma conceção da figura feminina – temática recorrente no poema, desde logo, anunciada
pelo título
- a mulher representada opõe-se à mulher fatal romântica, por definição, deslumbrante e provocante,
aproximando-se, deste modo, pela caraterização positiva, da conceção de mulher-anjo, que
sobressai, pela positiva, do meio citadino, não pela sua excentricidade, mas, sim, pela sua pureza e
simplicidade

Estrofe 1:
- v.1. “Eu, que sou feio, sólido, leal” - tom confessional, recaem sob o sujeito, na sua perspetiva,
todos os traços negativos, enquanto que no verso seguinte:
- v.2. “A ti, que és bela, frágil, assustada” - dedica o poema à mulher contemplada, cujas
caraterísticas são apreciadas pelo sujeito poético – tendo em conta, a dicotomia campo-cidade e a
consequente caraterização da figura feminina que se movimenta nos ambientes referidos,z inerente
à lírica de Cesário, poder-se-à dizer que o vulto feminino, aqui, presente, se manifesta como uma
mulher de um meio rural ou bucólico, movimentando-se, meramente, num meio que lhe é estranho,
o que legitima o contraste entre os traços, no que diz respeito aos traços que lhes são atribuídos,
entre si e o ambiente, no qual se desloca
(utilizar, numa possível justificação de tal dicotomia entre as caraterísticas do homem, negativas, e
da mulher, positivas, a justificação utilizada por Vigny – visualizar resumo Alexandre Herculano –
possibilidade de Cesário possuir, neste poema, certos traços romanescos)

Estrofe 2:
- v.2. “Nesta Babel tão velha e corruptora” - ideia da cidade enquanto espaço negativo, em contraste
com a figura feminina descrita
- v.4. “Tive tenções de oferecer-te o braço” - desejo de amparar a figura feminina, que se sente,
possivelmente, perdida, num espaço que nada tem a ver consigo

Estrofe 3:
- v.1. “E, quando socorreste um miserável” - mulher perfeita, equilibrada, portadora de caraterísticas
físicas e morais elevadas – misericordiosa, empática (talvez cative o sujeito poético dada a sua
comum empatia em relação aos mais desfavorecidos) – atração espiritual, pelo caráter
Estrofe 4:
- v.v.1./2. “Ela aí vem! Disse eu para os demais; / E pus-me a olhar, vexado e suspirando” - o sujeito
observador surge como observador acidental, contemplador do que o rodeia, sendo surpreendido
pela passagem da figura feminina, objeto da contemplação, de tal modo que acaba por interromper a
ação decorrente (“Eu, que bebia cálices de absinto” - estrofe 3 – v.2.)

Estrofe 5:
- v.v. 3./4. “ Esse vestido simples, sem efeites, / Nessa cintura tenra, imaculada.” - reiteração das
qualidades físicas harmoniosas

Estrofes 10/ 11:


- v.v.1.2/3./4. (estrofe 10) v.1. (estrofe 11) “Com elegância e sem ostentação, / Atravessas branca,
esbelta e fina, / Uma chusma de padres de batina, / E de altos funcionários da nação. / Mas se a
atropela o povo turbulento!”
- ter em atenção a descrição da indumentária das personagens em cena, as quais se relacionam, por
oposição ( mulher pálida, branca – multidão de padres de batina negra) – reitera a movimentação do
vulto feminino num espaço que lhe é completamente estranho e distinto
- sobressai da agitação da cidade/ espaços citadinos, descritos de forma negativa, onde se deslocam
personagens sórdidas
- ter em atenção ainda o modo como é descrito o movimento – mulher + elegante, calma e serena –
multidão – turbulenta, extremamente agitada - reitera a movimentação do vulto feminino num
espaço que lhe é completamente estranho e distinto

Estrofe 12:
- vv. 3./4. “Uma pombinha tímida e quieta/ Num bando ameaçador de corvos negro.”
- importante notar a policromia e como as cores associadas à pomba (embora, não mencionada nos
versos, pressupõe-se a coloração alva, dada já ter sido referida anteriormente) e aos corvos (negros)
contrastam completamente - reitera a movimentação do vulto feminino num espaço que lhe é
completamente estranho e distinto
- é apontada a fragilidade da personagem feminina, desde logo, afirmada na primeira estrofe do
poema, que legitima, por sua vez, a última estrofe

Estrofe 13:
- v.v.1./2./3./4. “E fo, então, que eu, homem varonil, / Quis dedicar-te a minha pobre visa, / A ti, que
és ténue, dócil, recolhida, /Eu, que sou hábil, prático, viril”
- o sujeito poético descreve-se como másculo, enérgico e heroico, sendo, deste modo, capaz de se
tornar protetor, de maneira a que, conservando a sua fragilidade, não a deixe ser corrompida pelo
espaço que a rodeia – espécie de atitude servil ou de pura vassalagem – reminiscências românticas –
ter em atenção a mesma atitude levada a cabo por Garret em “As Folhas Caídas”

Este poema apresenta certas semelhanças com o poema “À Une Passante” de Baudelaire
(semelhanças entre os autores abordadas mais à frente neste resumo), a nível de:
- ideia de observação de uma mulher que se movimenta num espaço citadino, movimento, este,
captado acidentalmente pelo sujeito poético
- descrição física e psicológica
- ênfase no vestido e na sua descrição, enquanto elemento de destaque do vulto descrito
- traços que promovem a atração sentido pelo sujeito em relação à figura feminina, embora em
Baudelaire, a atração carnal se encontre concretizada de modo definido

Elementos descritivos da figura feminina de natureza:


- física: bela – corpo que pulsa, alegre e brando – cintura tenra, imaculada – semblante grego – com
elegância, sem ostentação, branca, esbelta e fina – ténue - loura
- psicológica/moral: honesta – frágil – assustada – recatada – natural – embaraçada – dócil -
recolhida

3. NUM BAIRRO MODERNO (poema lecionado em aula)


- trata-se da reconstituição do percurso que o sujeito poético habitualmente faz para o emprego, para
a loja de ferragens do pai
- pode ser considerado uma espécie de paradigma da totalidade da sua produção poética, uma vez
que, de forma mais ou menos desenvolvida, todos os aspetos essenciais da sua poesia estão neles
presentes
- existe a referência a duas realidades:
- objetiva – estrofes 1,2,3,4,5,6,13,14,15,16,17,18 e 19 – o narrador surge indubitavelmente como
um mero observador da paisagem, não interferindo com a mesma
- subjetiva, assente na fuga imaginativa levada a cabo pela visão pessoal do “eu”, a qual apresenta
como ponto de partida a realidade observada objetivamente – estrofes 7,8,9,10,11,12 e 20
- A coexistência destas duas realidades prefigura a poetização ou transfiguração do real. Como já
referido, partindo da observação concreta do real, que descreve, o sujeito poético é levado, pela sua
imaginação, a transfigurar os objetos-alvo da sua contemplação, numa espécie de processo de
transformação “metamorfoseante” – transfigura a giga de produtos hortícolas numa figura feminina.
As fugas ou evasões imaginativas preludiam, desde logo, o surrealismo.

Estrofe 1:
- v.1. “Dez horas da manhã” - hora não-romântica – o ambiente romântico seria construído,
preferencialmente, pela situação temporal da ação num período crepuscular ou noturno
- v.3. “Pelos jardins estancam-se os nascentes” - jardim estruturalmente distinto do jardim botânico
britânico, apreciado, dado o seu caráter mais selvagem, pelo romantismo
- v.4. “ com brancuras quentes” - o sujeito poético situa, ainda, a ação numa estação estival ou
primaveril, não adotada no romantismo, ideia, por exemplo, de ambientes outonais ou invernais em
“Folhas Caídas” de Almeida Garrett

Estrofe 2:
- v.1. “Rez-de-chaussée repousam sossegados” - importação, empréstimo de vocabulário estrangeiro
(caraterística naturalista-realista) – processo metonímico – não são os apartamentos do rés-do-chão
que descansam, mas, sim, os moradores que nestes habitam – tomar o continente pelo conteúdo

Estrofe 3:
- v.v. 1./2. “Como é saudável ter o seu aconchego, / E a sua vida fácil!” - relação de contraste entre
si e as pessoas que observa – torna-se percetível um forte desejo de adotar um diferente modo de
vida, dado que as suas atuais circunstâncias lhe provocam “as tonturas de uma apoplexia” (v.5.)

Estrofe 4:
- entra em cena uma nova personagem feminina (pertencente a um tipo social), cuja presença e
movimentação é percecionada pelo sujeito poético
- estabelece-se um contraste, a nível das posses monetárias e condições de vida, entre esta
personagem e o ambiente do bairro anteriormente descrito – surge “rota, pequenina, azafamada”
(distancia-se da mulher romântica) (v.1.)

Estrofe 5:
- v.1. “E eu, apesar do sol, examinei-a” - o verbo examinar remete para um sujeito poético
observador passivo, ausente, sem a capacidade de interferir na ação
- v.v. 3./4. “E abre-se-lhe o algodão azul da meia, / Se ela se curva, esguedelhada, feia” - distancia-
se, mais uma vez, da representação da mulher romântica, é enfatizado o adjetivo “rota2 utilizado
anteriormente, através do recurso às condições das meias que veste
- v.5. “E pendurando os seus bracinhos brancos” - denota a fragilidade, já habitual da mulher
campestre, ou, até mesmo, das classes mais desfavorecidas – a utilização do adjetivo no grau
diminutivo denota uma certa empatia quanto a esta personagem (provavelmente, por pertencer,
como já dito, a uma classe inferior, mais pobre, mais desfavorecida)

Estrofe 6:
- intervenção de um outro tipo social, este, pertencente a uma casta social superior à da vendedora
de legumes, provavelmente pertencente a uma baixa/média burguesia
- esta posição de superioridade traduz-se num certo desprezo, por parte do criado, percetível,
através, não só do modo como este se dirige à vendedora, num tom imperativo, sendo um mero
consumidor dos seus serviços, mas, também, através dos verbos utilizados, pelo sujeito poético,
para descrever o ato de pagamento – verbos atirar e bater – denotam uma certa crueldade, frieza,
desprezo, arrogância, tentativa de afirmação
- para além disto, podemos, ainda, considerar como pormenor relevante a adjetivação da moeda
utilizada, constituída de “um cobre lívido, oxidado”, a qual contrasta, por completo, “face duns
alperces” onde acaba por chocar
- podemos, neste sentido, e em primeiro lugar, o cobre como arquétipo do ambiente citadino e os
alperces como modelo-padrão ou mero símbolo da realidade campestre, onde teriam sido cultivados
- se considerarmos a apologia dicotómica de cidade/ campo e doença/ saúde ou morte/vida,
podemos considerar que esta se encontra, nestes versos, presente:
- moeda – cidade – doença (lívido – cadavérico/pálido, oxidado – corroído)
- alperces – campo -saúde

Estrofe 7- fim:
- o sujeito poético inicia, então a sua transfiguração imaginativa do real observado
- passagem do real para a imaginação – a natureza morta como ponto de partida para a sua
transfiguração, assente na criação de um corpo feminino
- esta evasão da realidade constitui uma micro-narrativa encaixada na narrativa de primeiro grau,
até aqui desenvolvida

Nota:
É importante notar a dimensão impressionista do poema, na medida em que se verifica uma
anteposição ou valorização das caraterísticas visuais do objeto ao próprio objeto
4. CRISTALIZAÇÕES
- 2 níveis narrativos ( assim como no poema “Num Bairro Moderno”):
- realidade
- imaginação
- o título do poema poderia ser – Num bairro proletário, passeando o sujeito poético entre “Uns
barracões de gente pobrezita/ E uns quintalórios velhos com parreiras.”

Estrofe 1:
- v.1. “Faz frio. Mas, depois duns dias de aguaceiros” - localização temporal da ação – Inverno
- v.3. “De cócaras, em linha, os calceteiros” - tipo social de maior relevo no poema

Estrofe 2:
- vv. 4./5. “E as poças de água, como em chão vidrento,/ Refletem a molhada casaria” - legitima o
título do poema, as cristalizações serão o efeito da “imensa claridade crua” que é refletida pelo gelo
presente nos pavimentos

Estrofe 3:
- v.2. “Disseminadas, gritam as peixeiras” - outro tipo social, classe desfavorecida
- vv.3./4. “Uns barracões de pobrezita/ E uns quintalórios velhos como parreiras.” ( parreiras =
latadas de vinha) – os quintalórios surgem como referência à origem dos operários – deslocam-se
do campo para a cidade, de modo a conseguir adquirir maiores oportunidades de emprego e,
consequentemente, uma vida mais estável
- Com efeito, todo o poema é um hino a estes trabalhadores queabandonaram as lezírias, os
montados, as planícies, as montanhas para com os grossos maços " partirem a pedra "com que outros"
fazem a calçada. Trata-se de um trabalho duro, moroso, ininterrupto - "(...) E os rapagões morosos,
duros, baços, / Cuja coluna nunca se endireita"; "Homens de carga! Assim as bestas vão curvadas! / Que vida
tão custosa!") - realizadoao frio, "nesse rude mês, que não consente as flores", nesse "Dezembro enérgico,
sucinto".
O posicionamento do sujeito poético face aos calceteiros, embora lhes reconheça aspetos quase que
animalescos, é de uma empenhada solidariedade bem patente, quando na estrofe 13, transforma as
nódoas de vinho em medalhas, as camisas em bandeiras e os suspensórios numa cruz- metáfora do
sofrimento de Cristo, na cruz. Eleva-se imediatamente da realidade do "pano cru rasgado das
camisas" dos trabalhadores, com "listrões de vinho", entra no campo da fantasia e imagina uma
bandeira-estandarte daquelas vidas sofredoras. E, da realidade dos suspensórios, imagina também
uma cruz nas costas dos pedreiros. De notar o poder associativo, a passagem automática da
realidade à imaginação: camisas rasgadas ->bandeira, vinho -> sacrifício (sangue), suspensórios ->
cruz – elementos da paixão de Cristo – apologia máxima de sofrimento e sacríficio da cultura
ocidental

Estrofe 4:
- v.1. “Não se ouvem aves, nem o choro duma nora!” - a natureza rural do bairro, pelo qual
deambula, leva-o a evocar, por breves momentos e, através das suas memórias, um ambiente
bucólico, embora não denote na realidade na qual se movimenta as caraterísticas, neste caso,
sonoras do ambiente evocado – daí a referência aos “choques rijos, ásperos” das colisões entre o
ferro e a pedra (utilizados pelos calceteiros nas suas funções) – de certo modo, o cantar dos pássaros
e o barulho emitido pela nora, são substituídos pelo cantar da industrialização (tome-se por exemplo
deste processo de evolução citadina o verso seguinte - “calçam de lado a lado a longa rua”)
- continuação da descrição do ambiente citadino, caraterizado de forma fundamentalmente
pejorativa ou negativa

Estrofe 7:
- v.v. 2./3. “Fundeiam, como esquadra em fria paz, /As árvores despidas. Sóbrias cores!” - poder de
conversão/ transfiguração da realidade, por via da metáfora

Estrofe 9 a 11:
- fuga imaginativa para um ambiente rural idealizado – importância do campo no sujeito poético – é
entendido, por este, como um espaço de reabilitação, de saúde, de liberdade, considerada uma
lufada de ar fresco “Lavo, refresco, limpo os meus sentidos”
- a cidade, conotada negativamente, leva o sujeito poético à exaustão – semelhança com Álvaro de
Campos

Estrofes 15 – fim:
- De repente, cortando o ritmo de trabalho daqueles homens fortes, rudes -"bovinos, másculos,
ossudos" - e brutos - "Como animais comuns", surge uma actrizita com " pezinhos de cabra" cuja
presença desassossega aqueles trabalhadores que a encaram "sanguínea, brutamente".No entanto, "O
demonico arrisca-se, atravessa /Covas, entulhos, lamaçais,depressa", continuando o seu caminho.
- Embora comece por simbolizar o tipo elegante, altivo e desdenhoso associado à cidade, a imagem
final do poema remete para uma visão amarga e cínica, sublinhada por uma linguagem de
conotações profundamente negativas.
5. SARDENTA
- o “eu” lírico retrata a formosura da mulher admirada
- enfatiza uma admiração erótica, quando faz a sua beleza depender dos seus detalhes físicos
- “láctea virgem doirada” - modelo da mulher burguesa, citadina
- “tens o linfático aspeto/ duma camélia melada” - semblante cansado – IRONIA – uma suposta
vida exaustiva, que, na verdade não possui, dado o facto de pertencer a uma classe social
privilegiada – ao contrário desta, a mulher campestre, sim, deveria possuir estas caraterísticas, dado
os esforços físicos a que é sujeita

NOTA: traços naturalistas – vocabulário que remete para a fisiologia - “linfático” ( derivado de linfa
- liquido coagulável, de cor amarela-clara, transparente ou opalina, que contém leucócitos e circula
nos vasos linfáticos e nos espaços intercelulares, sendo, deste modo, um constituinte do organismo
humano – será a sua coloração pálida que estará na origem da sua associação ao cansaço ou
exaustão “sentido” pela personagem

6. DE VERÃO
- 2 personagens com visões completamente distintas do espaço campestre:
- o sujeito poético – personagem citadina, que visualiza o campo por meio da idealização que
constrói sobre este – surge como um dândi num passeio rural – aprecia, meramente, a sua
superficialidade exterior e o efeito que o campo tem no seu estado de espírito
- a prima – personagem/ mulher naturalmente campestre – que apresente uma visão realista e
concreta do ambiente campestre – considera a natureza como um todo dinâmico, surgindo como
defensora desta dinâmica interna e protetora da sua conservação
- De qualquer das formas, o sentido associado a este espaço, o campo, é, claramente, positivo, é um
espaço de claridade, um lugar saudável, robusto, cheio de força e de viço - ideia de campo como
fonte de inspiração - “No campo, eu acho nele a musa que me anima”
- campo -espaço edénico, paradisíaco, pleno de vida e transmissor de felicidade
- apologia das classes operárias através das formigas – a empatia recorrente em Cesário Verde é
levada a cabo, neste poema, pela personagem que com este interage, a sua primaveril
7. O SENTIMENTO DUM OCIDENTAL
- torna patente o sentimento decandentista novecentista – noção de decadência e degenerescência da
sociedade portuguesa – também encontrado em Camilo Castelo Branco, na sua obra “Eusébio
Macário” - caraterística naturalista
- o sujeito poético narra o seu percurso, iniciado numa fase de final de dia, no qual encontra
diferentes tipos sociais, cuja intervenção depende exatamente da época do dia que a parte do poema
descreve-se

PARTE I: AVE MARIAS – referência ao toque dos sinos da Igreja – hora da oração vespertina – fim
da tarde – hora tipicamente romântica
- segundo Hélder Macedo, o título “é uma designação ironicamente sugestiva da organização da
vida segundo os ritmos de uma comunidade unida pela devoção religiosa”

Estrofe 1:
- v.1. “Nas nossas ruas, ao anoitecer / Há tal soturnidade, há tal melancolia” - na realidade, tais
emoções predominam no interior do sujeito poético, influenciando, meramente, o modo como este
observa a realidade – as causas da sua melancolia, não só partem do meio, no qual se insere, como,
também, acaba por adaptar a sua perceção deste mesmo meio – serão “as sombras, o bulício, o Tejo,
a maresia” (v.3.) provocam nele “um desejo absurdo de sofrer” (v.4.)

Estrofe 2:
- o poeta inicia a descrição do ambiente citadino, no qual deambula
- pelos objetos, alvo da sua contemplação, caraterizados de forma, tendencialmente, negativa - “cor
monótona e londrina” (v.4.)

Estrofe 3:
- v.1. “Batem os carros de aluguer, ao fundo” - perceção da industrialização e evolução dos
transportes, no final do século XIX
- v.2. “Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!” - elogio aos emigrantes, aqueles que são capaz
de fugir de um ambiente que, tal como ao sujeito poético, os confina, daí o seu estado emocional
positivo, repleto de alegria
- v.v.3./4. “Ocorrem-me em revista exposições, países: / Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o
mundo!” - fuga imaginativa, verbo ocorrer - gradação – possíveis destinos destes emigrantes, cuja
pluralidade é tão elevada, que motiva o final da enumeração com um termo geográfico globalizante
- “mundo”
Estrofe 4:
- v.v.1./2. “Semelham-se a gaiolas, com viveiros, / As edificações somente emadeiradas” - reiteração
da conceção do espaço citadino como confinante – as próprias edificações em construção se
assemelham, provavelmente pela constatação da disposição das vigas”, a cativeiros, prisões
- v.v. 3./4. “Como morcegos, ao cair das badaladas,/ Saltam de viga em viga os mestres
carpinteiros” - surge o primeiro tipo social com que depara, os carpinteiros, dos quais apenas
visiona as suas sombras em movimento, daí que, para além da concordância com época do dia em
que a ação decorre, se assemelhem a morcegos – parte do concretismo para o domínio da
imaginação, da metáfora

Estrofe 5:
- v.1. “Voltam os calafates, aos magotes, /De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos” - surge um
novo tipo social, cuja descrição nos remete, possivelmente, para os quadros realistas de Coubert
- v.v.3./4. “Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos, / Ou erro pelos cais a que se atracam
botes.” - ideia de movimento deambulatório

Estrofe 6:
- divagação imaginativa/ evasão temporal certo estilo de Álvaro de Campos e da sua “Ode Triunfal”
- retorno, pela imaginação, à época dos descobrimentos

Estrofe 7:
- v. 1. “E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!” - reitera o incómodo e o desconforto, sentido já
na primeira estrofe, e realça o caráter inspirativo do meio, que o faz evocar, por exemplo, o
pensamento da estrofe anterior
- v.2. “De um couraçado inglês” - referência às vésperas do Ultimato Inglês – clima de instabilidade
política – os barcos que navegam nas águas portuguesas são estrangeiros
- v.4. “Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda” - a luz dos espaços interiores em contraste com
a penumbra do exterior

Estrofe 8:
- surgem mais tipos sociais, com uma descrição bastante breve, uma mera aparição
Estrofe 9 - 11:
- hora de regressar a casa, depois do trabalho – v.1. “Vazam-se os arsenais e as oficinas”
- aparição de um outro tipo social – as varinas (peixeiras) – cuja descrição se revela de pura empatia
do sujeito poético para com elas
- “E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras”
- cardume – movimentam-se em grupo, num coletivo – preferência pelo tema marítimo
- negro – coloração dos trajes, tratam-se de viúvas dos pescadores que morreram no mar, cujos
filhos poderão seguir o mesmo destino - “Os filhos que depois naufragam nas tormentas”
- hercúleas – símbolo da força de vontade, da garra, da luta pela sobrevivência, pelo que são as
“pilastras” das suas famílias, caraterísticas atribuídas, em geral, às classes mais desfavorecidas
- “Descalças!” - tom declamatório (tipicamente romântico), denota a sua empatia pelas classes
sociais mais baixas, a piedade e misericórdia que sente em relação a estas
- “E apinha-se num bairro aonde miam gatas, / E o peixe podre gera os focos de infeção” -
referência às gatas, porque desempenham um papel semelhante ao das mulheres, no seu seio
familiar, na medida em que lutam pela sobrevivência dos seus filhos
- reiteração das condições precárias da vida destas castas sociais e a denotação negativa da cidade,
partindo deste ponto, como negativa, tóxica, aliada à doença (tuberculose) e à morte
- “Desde manhã à noite” - referência ao enorme número de horas de trabalho das varinas –
semelhante à engomadeira

PARTE II: NOITE FECHADA


- como o próprio título afirma, a ação desenrola-se durante a noite, já cerrada
- o título pode ser compreendido de maneira absolutamente polissémica como metáfora à chega da
morte, em concordância com os morcegos referidos na parte anterior

Estrofe 1:
- “Toca-se as grades, nas cadeias.” - referência às condições precárias dos reclusos nas cadeias, que
pedem comido - “À vista das prisões, da velha Sé, das cruzes,/ Chora-me o coração que se enche e
que se abisma” (estrofe 2 – v.v.3./4. - sofrimento derivado das condições de vida dos
desfavorecidos e desprotegidos)

Estrofe 3:
- “A espaços, iluminam-se os andares, / E as tascas, os cafés, as tendas, os estancos” - metonímia –
as pessoas encerram a ação desencadeada na parte anterior, depois de saírem dos seus postos de
trabalho, chegam finalmente aos seus lares, razão pela qual se acende a luz dos andares dos
edifícios

Estrofe 4:
- fuga imaginativa assumida - “Assim que pela História eu me aventuro e alargo” - o contemplar
das igrejas leva-o a recorrer à sua memória – invoca a inquisição – crítica ao clero, derivado da sua
tendência política de natureza republicana

Estrofe 5:
- “Na parte que abateu o terremoto, / Muram-se as construções retas, iguais, crescidas” - referência
a mais uma época pretérita da história nacional – ruína provocada pelo terremoto, reconstruida por
Marquês de Pombal – referência aos traços arquitetónicos desta reconstrução

Nas restantes estrofes:


- utilização de termos e conceitos estrangeiros – caraterística naturalista
- continua a narrar a aparição de diferentes tipos sociais

PARTE III: AO GÁS


- o título deriva dos candeeiros de rua, que funcionam a gás, que se acendem à hora noturna, na qual
a ação se desenrola

Estrofe 1:
- v.v. 3./4. “Ó moles hospitais! Sai das embocaduras / Um sopro que arrepia os ombros quase nus.” -
referência às condições dos doentes em hospitais e aos sem-abrigos expostos à corrente de ar

Estrofe 2:
- as lojas que contempla assemelham-se, por via da imaginação, a igrejas
- tornam-se oficiais as duas causas do seu estado de espírito de profundo desequilíbrio:
- influência da religião na sociedades
- as discrepâncias sociais

Estrofe 5:
- v.2. “Quisera que o real e análise mo dessem” - ideia de literatura enquanto meio de expressão do
real, através da sua análise – caraterística indubitavelmente realista-na
Estrofe 6:
- referência ao seu processo de produção artística - “pintar/ Com versos magistrais, salubres e
sinceros”

8. DE TARDE
- O poema é exemplo da arte parnasianista, narrativa e plástica, desejosa de naturalidade e de plena
consecução formal.
- A primeira quadra constitui a introdução do poema. Nos dois primeiros versos, o demonstrativo
“naquele” e a forma verbal no pretérito perfeito “houve” remetem para o passado, instaurando a
memória como meio de representação poética.
- Nesta quadra introduzem-se ainda dois motivos que percorrem o texto: a simplicidade (“uma coisa
simplesmente bela/ E que, sem ter história nem grandezas”) e o caráter plástico da cena descrita
como “bela”, “dava uma aguarela”; simplicidade e prazer estético aliam-se para justificar a
descrição desta experiência vivida pelo sujeito poético, como se confirmará na última estrofe.
- A face pictórica da poesia de Cesário Verde assume neste relato de um episódio passado no campo
contornos particularmente nítidos: levando o leitor a evocar “Le Déjeneur sur l’herbe” de Claude
Monet, o eu descreve uma aguarela cujo centro cromático é o vermelho das papoilas que integram o
ramalhete estrategicamente colocado entre os seios de uma jovem burguesa.
- Tal como o pintor dos finais do século XIX sai para a paisagem com o seu cavalete, o eu poético
sai para o campo com o seu olhar, ferramenta, que capta os flagrantes do real para, posteriormente,
os trabalhar sob a forma de poema.
- Dicionário de Literatura – Urbano Tavares Rodrigues - “exemplo de arte parnasiana, narrativa e
plástica, desejosa de naturalidade e de plena consecução formal“
SÍNTESE:

TENDÊNCIAS:
1. REALISTAS (apresentação de situações concretas do real objetivo, representação da sociedade,
crítica de denúncia social)
- supremacia do mundo externo, da materialidade dos objetos, impõe o real concreto à sua poesia
- predomínio do cenário urbano
- situa espácio-temporalmente as cenas apresentadas
- atenção ao pormenor e ao detalhes
- seleção temática:
- dureza do trabalho
- doença e injustiça social, a miséria social
- linguagem burguesa, popular, coloquial, rica em termos concretos

2. PARNASIANISTAS (realismo em prosa)


- objetividade e impessoalidade da obra de arte, tendência anti-romântica, na medida em que se
revela uma reação contra o excesso de divagação e imaginação
- a necessidade de objetificar ou despersonalizar a poesia

A NÍVEL DE ESTILO – preocupações com:


- beleza e perfeição da obra poética
- expressividade verbal, adjetivação abundante, rica e expressiva, a precisão verbal, o colorido da
linguagem
- recursos fónicos – aliterações contribuem para a musicalidade e para a perfeição formal
- abundância de recursos estilísticos – metáforas e sinestesias
- preferência para o verso alexandrino e para a quadra – permitem registar observações e saltar com
facilidade para um outro assunto

3. NATURALISTAS
- Acentua as características cientificas do realismo
- Obra como meio de demonstração de testes cientificas
- Implica uma posição combativa, de análise dos problemas da decadência social, depravação de
usos e costumes, preocupação por aspetos patológicos, desvios de comportamentos
TEMÁTICAS:

1. BINÓMIO CIDADE/CAMPO
Em termos dicotómicos, Cesário Verde trata de dois espaços ao longo da sua obra: a cidade e o
campo. O campo apresentado não tem um aspeto idílico bem como não aparece associado ao
bucolismo e ao devaneio poético, mas é um espaço real, onde pode observar-se os camponeses na
sua lide diária, onde as alegrias se manifestam face ao prazer da vida e onde as tristezas ocorrem
quando os acontecimentos não seguem o curso normal. É o dia a dia concreto, autêntico e real, de
eleição do poeta. Ele associa o campo à vida, à fertilidade, à vitalidade, ao rejuvenescimento porque
nele não há a miséria constrangedora, o sofrimento, a poluição, os exploradores e os ricos
pretensiosos que desprezam os humildes, típicos da cidade. O campo confere-lhe liberdade, a cidade
empareda-o, incomoda-o tal como incomoda os trabalhadores que aí procuram encontrar melhores
condições de vida. Por se depararem com enormes dificuldades e injustiças, os pobres são os ricos
aos olhos de Cesário Verde. Há um tom irónico quando fala dos citadinos (“De Tarde”, “O
Sentimento dum Ocidental” e “Nós”) e um tom eufórico quando, por exemplo, fala dos passeios
campestres com a sua amada, sendo a terra-mãe a fonte inspiradora do poeta. A cidade á o lugar de
atracão, moda, luxo, cosmopolitismo, que repulsa pela doença, corrupção e aprisionamento da dor
humana.

2. QUESTÃO SOCIAL
O poeta coloca-se ao lado dos desfavorecidos, dos injustiçados, dos marginalizados (povo) e admira
a força física, a pujança dos trabalhadores. Interessa-se pelo conflito social do campo e da cidade,
procurando documentá-lo e analisá-lo, embora sem interferir. Cesário Verde focaliza, ainda, a
anatomia do homem oprimido pela cidade e a integração da realidade banal no mundo poético
(“Contrariedades”, “Num bairro moderno” e “O Sentimento dum Ocidental”). Assim, a sua poesia
tem uma intenção critica, de análise social, comovendo-se com os trabalhadores, com quem é
solidário, e experimentando um grande sentimento de decadência.

3. DEAMBULAÇÃO
Cesário Verde é um poeta-pintor que capta as impressões da realidade que o cerca com uma grande
objetividade. É realista, atento a pormenores mínimos que servem para transmitir as perceções
sensoriais. Da cidade de Lisboa, por onde deambula, descreve as ruas soturnas e melancólicas, com
sombras e bulício, e absorve-lhes a melancolia, a monotonia, o “desejo absurdo de sofrer”. Do
campo, canta a vida rústica, de canseiras, a sua vitalidade e saúde.
4. A IMAGÉTICA FEMININA
Deambulando pela cidade e pelo campo, o poeta depara com dois tipos de mulher, articulados com
os locais em que se movimenta. Assim, tal como a cidade se associa à morte, à destruição, à
falsidade, também a mulher citadina é apresentada como frígida, frívola, aristocrática, inacessível,
luxuosa, calculista, madura, destrutiva, dominadora e sem sentimentos. O erotismo desta mulher é
expresso em imagens antitéticas que permitem opô-las à mulher campesina, capaz de fazer
despoletar um amor puro. O erotismo da mulher fatal é humilhante, conseguindo reduzir o amante à
condição de presa fácil (“Vaidosa” e “Deslumbramentos”). Em contraste, surge uma mulher frágil,
terna, ingénua, pura, despretensiosa, que desperta no poeta o desejo de protege-la e estima-la, ao
contrário da admiração longínqua que tem pela mulher citadina. Os seus atos são ingénuos e é uma
mulher capaz de ofertar o amor e a vida inerentes aos espaços rurais. Podemos ainda distinguir a
dicotomia mulher fatal/mulher angelical, associadas, respetivamente, à noite e ao dia, À doença e À
saúde, À cidade e ao campo, à morte e à vida…

Presença obsessiva da figura feminina, vista:

→ negativamente, porque contaminada pela civilização urbana

- mulher opressora – mulher nórdica, fria, símbolo da eclosão do desenvolvimento da cidade como
fenómeno urbano, sinédoque da classe social opressora e, por isso, geradora de um erotismo da
humilhação (ex: «Frígida», «Deslumbramentos» e «Esplêndida»), em que se reconhece a influência
de Baudelaire;

→ positivamente, porque relacionada com o campo, com os seus valores salutares -

- mulher anjo – visão angelical, reflexo de uma entidade divina, símbolo de pureza campestre, com
traços de uma beleza angelical, frequentemente com os cabelos loiros, dotada de uma certa
fragilidade («Em Petiz», «Nós», «De Tarde» e «Setentrional») – também tem um efeito
regenerador;

- mulher regeneradora – mulher frágil, pura, natural, simples, representa os valores do campo na
cidade, que regenera o sujeito poético e lhe estimula a imaginação (ex: as figuras femininas de a «A
Débil» e «Num Bairro Moderno»);
- mulher oprimida – tísica, resignada, vítima da opressão social urbana, humilhada, com a qual o
sujeito poético se sente identificado ou por quem nutre compaixão (ex: «Contrariedades»); - mulher
como sinédoque social – (ex: as «burguesinhas» e as varinas de «O Sentimento dum Ocidental»
como objecto do estímulo erótico - mulher objecto – vista enquanto estímulo dos sentidos carnais,
sensuais, como impulso erótico (ex: actriz de «Cristalizações»

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