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Cesário Verde – O sentimento dum Ocidental

I – Ave-marias

A 1ª parte de “O Sentimento dum Ocidental”, Avé-Marias, é considerado por alguns críticos


como uma “epopeia às avessas” que nos dá uma visão da cidade como metáfora do Ocidente,
paradigma de um pretenso progresso e desenvolvimento. Avé-Marias designa as seis da tarde
ironicamente sugestiva da organização da vida segundo os ritmos ordenados de uma
comunidade unida pela devoção religiosa. Este poema, numa análise mais detalhada,
transmite-nos o pensamento e as emoções de um poeta que não cabe nem em casa, nem em
si mesmo. Deste modo, Cesário Verde sente a necessidade de divagar por aquela cidade que o
aprisionava e atormentava.

À medida que o sujeito poético deambula pelas ruas do Tejo descreve vários espaços citadinos
– edifícios em construção, “boqueirões”, “becos”, “varandas”, “arsenais”, “oficinas”, “hotéis da
moda” –, referindo as personagens urbanas que nele se movimentam – “carpinteiros”,
“calafates”, “dentistas”, “obreiras”, “varinas”, “um trôpego arlequim”, “os querubins do lar”,
os “lojistas”.

Dotado de uma percepção da realidade fora do vulgar, o poeta transmite e amplifica os seus
sentimentos através da descrição de uma realidade paralela. “O céu parece baixo e de
neblina”,“Semelhem-se a gaiolas” – o sujeito poético demonstra o seu mal-estar e o seu
enclausuramento na cidade. Assim, de modo a fugir do que o rodeava, o sujeito poético
acompanha imaginariamente a partida dos “que se vão”. “Felizes”, exprime ainda o poeta no
sentido de também ele querer partir e de se sentir feliz. Por este motivo, o sujeito poético
abstrai-se noutros países como “Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo” e para reforçar o seu
desejo de fugir apenas do que o rodeava, ele abrange todo o “mundo”. Todo e qualquer lugar
seria mais agradável que a realidade que o cercava.

Perde-se este pensamento e de volta ao seu corpo, o sujeito enfrenta a dura realidade.
Edifícios emadeirados semelham-se a gaiolas, mestres carpinteiros a morcegos. Encontra o
cais. A água, o rio, o mar. Abstrai-se no passado heróico português. O povo português que
enfrentava as grandes tempestades em majestosas naus. Camões que enfrentou, a nado, as
correntes para salvar os “Lusíadas”. “Mouros, bacharéis, heróis, tudo ressuscitado!” na sua
mente. Na realidade a história era diferente. Os actos épicos e dignos de percorrerem todo o
mundo, como as crónicas navais, deixaram de acontecer. Por este motivo, o poeta confessa a
sua tristeza dos dias de glória terem terminado e receia que tais actos não se vejam
novamente.

“E o peixe podre gera os focos de infecção”. Não são actos épicos que esperariam o nosso
insatisfeito poeta mas sim doenças e morte. Ele sabia-o, o sujeito poético encontrava-se ciente
das doenças que a cidade sustentava. Aquele lugar caótico e dinâmico, como o autor dá a
entender nas últimas estrofes, seria algo a temer e não a habitar. No entanto, as varinas
habitavam essa cidade amontoadas num bairro, “Descalças!”. O sujeito poético demonstra-se,
assim, solidário para com as varinas pois estas seriam apenas mais algumas vítimas da
sociedade urbana.

Sob o ponto de vista estilístico, na estrofe nove, é possível verificar uma descrição dinâmica e
impressionista – "Vazam-se os arsenais e as oficinas", "apressam-se as obreiras", "Correndo
com firmeza, assomam as varinas"; percepção sensorial – "Reluz, viscoso, o rio" (sinestesia), "E
num cardume negro, hercúleas, galhofeiras"; recurso à metáfora elaborada a partir da
associação entre as personagens e os seus "instrumentos" de trabalho – "cardume negro".

“O cenário humano geral, com que Cesário Verde depara, potencia o aparecimento de muitos
outros cenários. E isso porque a história que ele conta não é sequencial nem linear mas
encerra em si muitas outras histórias, carregadas de vivências pessoais do Poeta, embora
literariamente transformadas”.

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O poema começa quando o sujeito poético se encontra “nas nossas ruas, ao anoitecer”,
percebendo com o uso do recurso expressivo gradação, que na escuridão “Há tal soturnidade,
há tal melancolia” despertando “um desejo absurdo de sofrer” (metáfora).

Na segunda estrofe, o poeta denuncia a realidade da cidade de Lisboa comparando-a com


Londres, no que toca ao aspeto e à sua “cor monótona e londrina” devido à ausência de luz,
depreciando o retrocesso que o aspeto da cidade lisboeta teve ao longo dos anos.

De seguida, Cesário Verde desvaloriza Portugal, referindo que apenas é feliz quem sai do país.
Este recorre à enumeração para designar “o mundo” onde, segundo ele, ocorrem exposições:
“Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo”.

Na quarta estância, o poeta compara as edificações “a gaiolas, com viveiros”, e compara ainda
os mestres carpinteiros a morcegos, devido a saírem tarde do trabalho quando já não há luz do
sol.

Na quinta quadra, observamos o sujeito poético a continuar o seu passeio, enquanto atenta
nos trabalhadores/operários que saem tarde do trabalho, utilizando uma dupla adjetivação
para caracterizar os operários, e por fim enumera os sítios por onde passa.

Podemos concluir que nas primeiras estrofes deste poema, o autor começa a sua jornada pela
cidade lisboeta ao anoitecer, utilizando recursos expressivos para a caracterizar de maneira
depreciativa e realista, comparando ao mesmo tempo Portugal com outros países.

De seguida, o sujeito poético segue paraa descrever a cidade à maneira que vai passeando pela
mesma, no seu pensamento invoca os sujeitos dos descobrimentos entre eles Camões. O fim
da tarde inspira e incomoda, descreve quem vê na cidade distinguindo aqueles que não
trabalham ou que não exercem a força, representando a riqueza, como por exemplo dentista,
arlequim e lojistas, daqueles que trabalham à base da força, nomeadamente os pobres, como
por exemplo as obreiras e as varinas, destacando-as nas três últimas estrofes, realçando a sua
forma física desde as ancas opulentas até aos troncos varonis; acaba por falar também dos
seus filhos pescadores que acabam por se perderem no mar. Mostrando-se intrigado com as
condições de vida das pessoas trabalhadoras,“ Descalças! Nas descargas de carvão, / Desde
manhã à noite, a bordo das fragatas;”.

Nesta parte, podemos identificar os seguintes recursos expressivos: enumeração, em


“...dois dentistas ;/ Um trôpego arlequim braceja numas andas; / Os querubins do lar flutuam
nas varandas;...), a comparação, em “ Seus troncos varonis recordam-me pilastras ; “ e por a
adjetivação conforme vai descrevendo as vendedoras de peixe. Na quarta estrofe o poeta
utiliza uma sensação de movimento quando apresenta as varinas: “E um cardume negro,
hérculeas, galhofeiras; / Correndo com firmeza, assomam as varinas.”

A partir da estrofe 6 até à 11 tudo se passa no final da tarde e o sujeito poético no seu
pensamento refere cinco profissões, dentistas, arlequins, lojistas, obreiras e varinas.
Recorrendo a vários recursos expressivos e à oposição da riqueza e da pobreza em Lisboa,
chegamos à conclusão que o poeta refere como inspirador as pessoas trabalhadoras e o seu
esforço diário, sente-se incomodado pelo facto de não receberem o devido mérito.

II – Noite fechada

O tema é a desigualdade social, e o assunto que o poeta retrata neste é a situação social, e
durante a toda a sua exposição é possível observar no estado em que se encontra o poeta
tendo em conta aquilo que observa inicialmente durante a noite. Neste panorama nocturno o
poeta encontra-se mortificado, atormentado com o facto de ver pessoas a baterem nas grades
das cadeias e também identifica no meio de seio social baixo a presença de uma mulher de
“dom” o que acha estranho e lamenta principalmente que as velhinhas e as crianças tenham
de se recolher no Albuje. O poeta fica de tal modo chocado com o que vê, que nem quer
acreditar. É com o acender das luzes que ele se depara com a situação mais constrangedora
para ele e que lhe toca no coração chegando ao ponto de sentir o seu coração chorar,
recorrendo a um exagero sentimental para provocar um maior impacto no leitor, para que
este também fique sensibilizado relativamente a situação descrita. Quando presente num
cenário diurno este aproveita para criticar a situação da igreja e do próprio clero, recorrendo a
uma recriação das praticas das igrejas antigas referindo as suas praticas repressivas, a
inquisição, mas ao mesmo tempo tentando-as justificar através de realidades negativas,
relacionadas com inclusões relativas a situações históricas.

Continuando numa descrição em que o cenário diurno se encontra por base, o poeta resolve ir
visitar a parte reconstruída da cidade, em que esta visita lhe suscita sentimentos de
encurralamento e demonstra o seu desagrado mais uma vez relativamente a igreja mas desta
vez através da audição, “E os sinos dum tanger monástico e devoto”. É também durante as
suas manifestações de agrado e desagrado que Cesário resolve invocar, relembrar Camões de
forma honrosa e homenageaste. E é num continuo descrever sentimental que Cesário continua
a demonstrar o seu desagrado e a sua preocupação relativamente as pessoas desfavorecidas, é
neste ponto que o poeta dá-lhes principal destaque, e mostra desagrado relativamente as
entidades cuja sua função de preservação da sociedade, e demonstra-se sensível em relação às
contradições sociais. No entanto o poeta demonstra-se descontente e refere que se comisera
com tristeza da cidade, em oposição o poeta também se descai relativamente à paixão que a
cidade lhe avive, mas sente-se desapontado ao deparar-se com os desfavorecidos da vida e
entra em sobressalto com as vidas duplas das costureiras e coristas. O poeta descontente com
este tipo de atitude de vida dupla, ele diz que estas são influenciadas pelo estrangeirismo na
moda a designar as lojas por magazines.

Contudo o poeta acaba dizendo e considerando-se um homem atento em que a sua luneta o
ajuda a não deixar escapar nada, e tendo sempre assuntos perante “os quadros revoltados”
que abundam na cidade.

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Na “Noite Fechada”, entre as estrofes 1 e 5, quando a noite cai, o autor vai observando os
diversos espaços e o que vai acontecendo.

Na estrofe 1, o autor passa por um presídio e com a observação das personagens, que são as
velhinhas e as crianças, é invadido por um sentimento de tristeza e lamenta aquela situação, o
transtorno por nunca ver pessoas poderosas e de bens naquela situação; o sujeito poético
critica as mulheres poderosas da aristocracia, ou seja, as mulheres de “dom”, que através dos
seus altos cargos e privilégios conseguem sempre livrar-se da prisão.

Na estrofe 2, o sujeito poético mostra-nos que o “eu” lírico continua em movimento,


caminhando pela rua, continuando sempre a observação, característica do autor, falando das
suas sensações e até mesmo dizendo que sofre de um aneurisma por se sentir tão mórbido ao
sair de perto das prisões, que é o espaço onde se encontra no momento.

Na estrofe 3, o autor ao continuar pela rua fora, assiste ao acender das luzes da cidade, nas
tascas, cafés, tendas e estancos. Ao cair da noite, vão-se alastrando as luzes dando uma
diferente visão da cidade ao autor, usando uma linguagem que nos dá a possibilidade de
imaginar o cenário.

Na estrofe 4, Cesário Verde, tal como também aconteceu na primeira estrofe, a crítica é feita
ao clero onde o “eu” lírico demonstra o seu desagrado com esta classe social e com as suas
igrejas. De facto, nesta época os clérigos não cumpriam os seus votos de castidade e muitas
vezes dormiam com mulheres, tinham negócios, algo que o autor desaprova.
Na estrofe 5, ao longo da sua caminhada, o sujeito poético chega a parte de Lisboa, onde
estava a haver as reconstruções dos prédios devido ao terramoto de 1755, começa então a
ganhar sentimentos nostálgicos, e começa a lembrar-se de memórias passadas.

Relativamente à expressão linguística, Cesário Verde recorre muito ao uso do adjetivo, como
por exemplo no verso 14 “nódoa negra e fúnebre”. Para além disto, também recorre à
enumeração no verso 10 “E as tascas, os cafés, as tendas, os estancos”, e a metáfora no verso
14 “Nelas esfumo um ermo inquisidor severo”.

A segunda parte da Noite Fechada inicia-se na sexta estrofe, onde o sujeito poético se
encontra na Praça de Camões, em Lisboa. Nesta estrofe refere-se a Camões, homenageando-o
e destacando a sua importância. Camões representa os problemas do presente com soluções
do passado, tal como diz no verso 24, “Um épico d’outrora ascende, num pilar!”.

Na sétima estrofe, o sujeito poético passa por pessoas enfezadas e revela-se sensível ao
sofrimento destas pessoas, que sofrem de cólera e febre, como diz nos versos 25 e 26 “E eu
sonho o Cólera, imagino a Febre, Nesta acumulação de corpos enfezados;”. Na estrofe oito,
fala de soldados, que sentem tanto medo que caminham lentamente, “A pé, outras, a passos
lentos” (verso 31). Na estrofe nove, o poeta é tomada por sobressaltos perante costureiras e
coristas, de vida dupla – que levam a uma profissão humilde de dia e duvidosa de noite. O
sujeito poético denuncia também as influências estrangeiras na moeda. Na décima estrofe o
sujeito poético considera-se um homem atento, já que a sua luneta (como é referido no
poema), o ajuda a captar todos os pormenores, assim possui uma visão detalhada do que o
rodeia, mas tem consciência que essa visão é limitada para a sua realidade. A parte da Noite
Fechada termina com a entrada do sujeito poético numa cervejaria.

Esta parte apresenta vários recursos expressivos, tais como: a tripla adjetivação (verso 23,
“Brônzeo, monumental, de proporções guerreiras”); a perífrase (verso 24, “Um épico d’outrora
ascende, num pilar!”); e, a apóstrofe (verso 33, “Triste cidade!”). O poeta também apresenta o
impressionismo, na sétima estrofe, nos três primeiros versos (25, 26 e 27).

III – Ao gás

Este resumo foi apenas um suporte para entregar à minha professora no âmbito da disciplina
de Literatura Portuguesa, sendo que a totalidade do meu trabalho encontra-se em formato
powerpoint, com o suplemento de uma folha auxiliar que não se encontra suficientemente
explicita para mostrar aqui.

«Ao Gás» é o terceiro momento do poema «O Sentimento dum Ocidental», de Cesário Verde.
O primeiro momento é «Ave-Maria», o segundo «Noite Fechada» e o quarto «Horas Mortas».

Análise Temática do poema -


Temática principal:

Binómio Cidade/Campo. Este excerto constitui uma espécie de síntese de alguns dos temas
fundamentais da poesia de Cesário Verde, como sendo a questão da humilhação (sentimental,
estética, social), a preocupação com as injustiças sociais e o sentimento anti burguês. Para
além da variedade de figuras femininas presentes, as outras "personagens" ora são um meio
de o poeta expressar a sua solidariedade pelos excluídos, ora um meio de concretizar a pintura
da cidade, que aqui aparece como símbolo de dor, sofrimento, solidão, até de algo que lhe
vence (“Mas tudo cansa!”). Por oposição, surge, implicitamente, uma ténue alusão ao campo,
modelo de saúde, vida, força - "Um cheiro salutar e honesto a pão no forno".

• O sujeito poético evidencia a hipocrisia de certos comportamentos sociais e religiosos


para mostrar que a burguesia é tão miserável como as “impuras” que se arrastam pelas ruas
da cidade. A comparação torna-se mais evidente quando o narrador realça o trabalho honesto
daqueles que vivem a vida a trabalhar mas que a cidade aprisiona.

Espaço:

Este poema desenvolve-se com o deambular do sujeito poético nas ruas da cidade.

“Passeios de lajedo", “Moles hospitais”, "as embocaduras" que libertam um “sopro que arrepia
os ombros quase nus”, sugerindo um ambiente negro e de frio que afecta os pobres mal
vestidos e doentes (1º estrofe); “Cercam-me as lojas tépidas" (2ºestrofe); “O chão minado
pelos canos” (3ºestrofe); Referência a uma fábrica de cutelaria a funcionar e uma padaria
(4ºestrofe); “Casas de confecções e modas” (5ºestrofe); Loja de luxo, com balcões de mogno,
onde se vendem xales com debuxo (7ºestrofe); Lojas da moda, onde clientes e caixeiros
interagem no acto comercial, desdobrando tecidos estrangeiros (9ºestrofe); As esquinas, onde
pede esmola o velho professor de latim (11ºestrofe).

Tempo: Num determinado período do dia, a noite - "A noite pesa, esmaga”.

Personagens:

- As burguesinhas do catolicismo (seres desprezíveis, insignificantes, que se deslizam pelo chão


dos canos). O sujeito poético compara as freiras de antigamente com as burguesinhas do
catolicismo. A mulher como sinédoque social.

- Pessoa lúbrica, comparada a uma cobra, espartilhada, magnética a atrair o luxo.

- A velha, de bandós, de vestido com traine (acrescento farto e longo, a arrastar pelo chão), e
os mecklemburgueses.

- O homenzinho idoso que exclama "Dó da miséria!...Compaixão de mim!...", e nas esquinas


pede esmola, é o velho professor de latim do Poeta.
- As impuras que se arrastam nos passeios de lajedo. Os pobres andrajosos e doentes, que são
afectados pelo sopro saído das embocaduras.

- Personagens imaginadas: santos em capelas, com círios, andores, ramos, velas. Fiéis
frequentadores da catedral de comprimento imenso.

- Um forjador de avental e os padeiros no fabrico do pão.

- As modistas das casas de confecções e modas. O ratoneiro imberbe (uma criança


delinquente) que olha pelas vitrinas das casas de confecções e modas.

- Um cauteleiro regouga, solitário.

O Sujeito Poético: Ao longo deste poema, o sujeito poético aborda a cidade num tom de
desencanto, de melancolia, numa perspectiva de humilhação e frustração, como se sentisse
derrotado pela vida artificial e desumana que é a cidade. Todo o poema se estrutura em torno
dessa realidade (a cidade), que acaba por ser negativa, porque o tom do sujeito poético é de
clara mágoa.

Na 1ºestrofe, o sujeito poético sente desconforto com o ambiente de riso e jogo. É abatido
pelo sentimento de peso e esmagamento provocado pela noite. Sensibiliza-se com o
sofrimento no interior dos hospitais e com os pobres mal vestidos e doentes, expostos às
correntes de ar.

Na 2ºestrofe, o sujeito poético sente-se cerrado. Este revela consciência de que as lojas
tépidas que o cercam se assemelham a uma catedral de comprimento imenso, ou seja, uma
das origens do cerco que o afecta vem do lado religioso, outra vem do lado do desequilíbrio
social.

Na 3ºestrofe, o sujeito poético sensibiliza-se com a sorte das burguesinhas do catolicismo,


comparando a sua dependência aos deveres do seu tempo (submissão à casa, devotas e
beatas, educadas para o piano e as boas maneiras, sem vontade própria…) com a das freiras do
antigamente (sujeitas aos jejuns e às crises de histerismo).

Na 4ºestrofe, mostra apreciar as coisas autênticas e salutares da vida (o trabalho do forjador, o


fabrico do pão).

Na 5ºestrofe, revela a sua intenção de intervir na sociedade: fantasia escrever um livro que
exacerbe, que cause impacto. Mostra pouca simpatia pelas casas de confecções e modas,
devido ao que elas representam no antro de contradições que é a cidade.

Na 6º estrofe, o sujeito poético demostra a sua insatisfação perante as ruas da cidade, que não
pode descrever com versos salubres nem magistrais, pois estas ruas são melancólicas e
associadas ao terror.

Na 7ºestrofe, revela rispidez perante os que, apoiados pela sorte, são atraídos pelo luxo e pela
futilidade.
Na 8ºestrofe, contrapõe a ostentação e o luxo à desgraça e à miséria (através da velha de
bandós e dos mecklemburgueses que a acompanham).

Na 9ºestrofe, mostra não concordar com o comportamento dos clientes das lojas da moda.

Na 10ºestrofe, “Mas tudo cansa!”, o sujeito poético diz sentir-se cansado de toda aquela
loucura que é a cidade e dá atenção aos mais fracos, neste caso ao cauteleiro, que regouga,
rouco, solitário.

Na última estrofe, o sujeito poético mostra compaixão pelos desfavorecidos, no caso concreto
do seu velho professor de latim, e repulsa pelo desprezo a que, simbolicamente, foram
deitados os valores culturais do país.

Análise Formal

Esquema Rimático: ABBA/CDDC/EFFE/GHHG/IJJI/KLLK/MNNM/OPPO/QRRQ/STTS/UVVU

Tipos de Rima: Interpoladas

Métrica: Hendecassilábico (Irregular)

Contém 11 Quadras

Figuras de Estilo

Apóstrofe “Ó moles hospitais! Sai das embocaduras”, v. 3

Enumeração “Com santos e fiéis, andores, ramos, velas”, v.7

Ironia “Escarvam, à vitória, os seus mecklemburgueses.”, V.32

Sinestesia “Um cheiro salutar e honesto a pão no forno”, v.16, “moles hospitais”, v.3 e “lojas
tépidas” v. 5

Tripla adjectivação “Com versos magistrais, salubres e sinceros”, v. 22;

Metáfora “Que grande cobra, a lúbrica pessoa”, v. 25

Dupla adjectivação “E nas esquinas, calvo, eterno, sem repouso”, v. 42,

Estrangeirismo “Pelas vitrines olha um ratoneiro imberbe”, v. 20;

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Este poema desenvolve-se acompanhando o deambular do sujeito poético pelas ruas da


cidade - "Passeios de lajedo", "as embocaduras", "Cercam-me as lojas" - num determinado
período do dia, a noite - "A noite pesa, esmaga".
Ao longo do poema há referências a determinados tipos sociais: as impuras, as burguesinhas, a
mulher "magnética" ("a lúbrica pessoa") e a velha de bandós constituem o leque feminino de
personagens; a par, surgem outras figuras como o forjador, o "ratoneiro imberbe", os
caixeiros, o cauteleiro e o "velho professor" de latim, agora um pobre pedinte.

Das várias figuras femininas referidas neste poema, a mulher "magnética" é talvez a que
permite estabelecer mais aproximações e mais pontos de afastamento com outras figuras
femininas da imagética cesariana. Assim, pela sua sensualidades, mas ao mesmo tempo pelo
seu estudado distanciamento, ela aproxima-se da milady de Deslumbramentos; a sua
futilidade coloca-a no pólo oposto ao das mulheres do povo tão frequentes em Cesário Verde:
a hortaliceira de Num Bairro Moderno, as peixeiras de Cristalizações, a engomadeira
de Contrariedades.

Este excerto constitui uma espécie de súmula de alguns dos temas fulcrais da poesia de
Cesário Verde. Assim, para além da variedade de figuras femininas presentes, as outras
"personagens" ora são um meio de o poeta expressar a sua solidariedade pelos excluídos (o
velho professor de latim), ora um meio de concretizar a pintura da cidade, que aqui aparece,
como é constante nos poemas de Cesário, como símbolo de dor, sofrimento, solidão, até de
vencidismo - "Mas tudo cansa!". Por oposição, surge, implicitamente, uma ténue alusão ao
campo, modelo de saúde, vida, força - "Um cheiro salutar e honesto a pão no forno".
Finalmente, dever-se-á ainda referir a fuga imaginativa presente na segunda estrofe ("Eu
penso / Ver círios laterais, ver filas de capelas...") e na décima estrofe ("Tornam-se mausoléus
as armações fulgentes").

Todo o poema e toda a descrição da cidade assentam numa sucessão de sensações, desde as
tácteis ("Um sopro que arrepia os ombros quase nus"), as auditivas ("...ao chorar doente dos
piao"; "Da solidão regouga um cauteleiro rouco"; "Pede-me sempre esmola"), as olfactivas
("exala-se, inda quente / Um cheiro salutar e honesto a pão no forno"; "Flocos de pós-de-arroz
pairam sufocadores") ao claro predomínio das visuais ("E a vossa palidez romântica e lunar!").

Alguns críticos literários consideram O Sentimento dum Ocidental uma espécie de epopeia de
sinal negativo. Uma epopeia é um texto que enaltece um herói ou uma realidade. Ao longo
deste poema, há uma personagem principal enaltecida: a cidade; o poeta, porém, canta-a não
como convencional heroína épica, mas num tom de desencanto, de melancolia, de evidente
vencidismo. Assim sendo, é lógico que este texto de Cesário Verde possa ser considerado uma
epopeia, pois todo ele se estrutura em torno dessa realidade (a cidade), mas esse canto acaba
por ser negativa, porque o tom que dele se desprende é de clara melancolia.

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Neste excerto podemos observar uma continuação do poema anterior logo no primeiro verso “
E saio”. Começa a ficar mais tarde “ A noite pesa, esmaga” enquanto o autor passeia pelas ruas
sombrias. O ar está mais frio, tudo indica que está a ficar cada vez mais tarde.
Ao passear pelas ruas observa lojas que lhe parecem capelas e uma catedral de um
comprimento imenso, onde as capelas representam as pequenas lojas pela rua, as
burguesinhas que vê nas lojas parecem-lhe freiras na missa, “ que os jejuns matavam de
histerismo”. Mas, na realidade só estão nas lojas a fazer compras de tal fé e aplicação, que
fazem mesmo parecer freiras. Esta é uma comparação entre a realidade e épico, a ligação
entre a segunda e terceira estrofe.

Através de vários aspetos descritos nas estrofes seguintes, podemos concluir que a ação se
passa na cidade “ forjador maneja um molho” (...) padaria”, “casas de confecções”. Na quarta
estrofe está presente uma hipálage, que é um recurso expressivo bastante importante, “ um
cheiro salutar e honesto a pão no forno”. O significado é que o cheiro não pode ser honesto
mas sim os trabalhadores que faziam o pão.

Passando e refletindo sobre as passagens que observa, o autor medita um livro que exercebe,
ou seja, pensa num livro que nunca virá a escrever, apesar de se sentir inspirado pela cidade e
pela noite.

Com estes percursos prossegue o seu caminho pelas ruas, descidas da cidade.

Neste excerto o sujeito poético está a caminhar numa rua onde depara-se com uma mulher
dentro de uma loja. Este compara-a com uma cobra para explicitar a sua elegância e estrutura
física, também a descreve como uma pessoa sensual ("Que grande cobra, a lúbrica pessoa" v.
25). Mais tarde, o "eu" repara numa mulher velha, fazendo o contraste com a jovem que tinha
encontrado anteriormente. Este também exalta o luxo das lojas que têm tecidos estrangeiros
(v. 33). Nesta altura da caminhada já é de madrugada pois os candelabros começam-se a
apagar (v. 38).

No fim desta rua este encontra um mendigo que costumava ser seu professor fazendo,
indiretamente, o contraste entre o lixo das lojas e a miséria a que pessoas importantes para a
sociedade da altura chegam e faz também uma crítica ao consumismo.

IV - Horas Mortas

A minha interpretação é meramente pessoal, instintiva, não possui autoridade nenhuma na


matéria, nem sequer conhece intimamente a obra do Cesário Verde, é uma ausência de tudo e
mais alguma coisa, é uma natureza bruta de signos que se transmudam em palavras. Por isso
aconselho a não utilizarem a minha interpretação, que certamente será errónea, para nada
demasiado oficial.

O tecto fundo de oxigénio, de ar,


O tecto fundo sugere-nos a limitação física do local, ao mesmo tempo essa limitação é ilusória,
pois o tecto é composto de ar
Estende-se ao comprido, ao meio das trapeiras;

As trapeiras eram prisioneiras desse tecto ilusório, dessa limitação.


Vêm lágrimas de luz dos astros com olheiras,

Há uma tristeza enorme que brota desta prisão, desta limitação, deste anátema indefinida, daí
as lágrimas, as lágrimas puras de personalidades puras – com olheiras – cansadas desta
situação, fatigadas da realidade citadina.
Enleva-me a quimera azul de transmigrar.

Este cansaço origina a deliciosa vontade de mudar, de concretizar uma utopia. Surge uma
esperança de que tudo muda.

Por baixo, que portões! Que arruamentos!


Um parafuso cai nas lajes, às escuras:
Colocam-se taipais, rangem as fechaduras,

Descrição de uma impressão; da impressão da beleza artificial das construções modernas.


Porém, o parafuso cair nas lajes (às escuras, ou seja, obscuramente, em segredo, por trás da
realidade) retrata a fragilidade dessa mesma beleza.
E os olhos dum caleche espantam-me, sangrentos.

Os olhos do caleche representam aqui a malvadez, a crueldade, o mal na forma pura, que
espreita na mais simples coisa – dentro do espaço da cidade.

E eu sigo, como as linhas de uma pauta

Apesar do “eu” observar tudo isto, é incapaz de reagir de outra forma se não da que reage –
segue firme e definido como as linhas de uma pauta. Neste caso a forma de reagir é observar.
A dupla correnteza augusta das fachadas;

A correnteza augusta das fachadas nada mais é do que a mesma beleza moderna e artificial da
construção; porém a palavra dupla dá-nos uma sugestão de algo dúbio…
Pois sobem, no silêncio, infaustas e trinadas,

As notas pastoris de uma longínqua flauta.

Há uma silenciosa imponência maligna, impura, insalubre e estridente, que dissimula a pureza
e tranquilidade do campo (“pastoris”).

“Se eu não morresse, nunca! E eternamente


Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas!

Procura da eterna perfeição artística, típica em Cesário Verde.

Esqueço-me a prever castíssimas esposas,


Que aninhem em mansões de vidro transparente!
A procura dessa eterna perfeição é interrompida por questões terrenas (como o amor ou o
conforto material.)

Ó nossos filhos! Que de sonhos ágeis,


Pousando, vos trarão a nitidez às vidas!

O poeta deposita a esperança da eterna perfeição no futuro.


Eu quero as vossas mães e irmãs estremecidas,
Numas habitações translúcidas e frágeis.

Para procurar a nitidez, a perfeição, o rigor perfeccionista, é necessário um período de dor (por
exemplo, habitando num local frágil e instável – pobreza).

Ah! Como a raça ruiva do porvir,


E as frotas dos avós, e os nómadas ardentes,
Nós vamos explorar todos os continentes
E pelas vastidões aquáticas seguir!

Permanece a esperança e a crença em novas descobertas, no futuro, na revolução, na


mudança

Mas se vivemos, os emparedados,


Sem árvores, no vale escuro das muralhas!...

Choque com a realidade – a realidade da incontornável prisão das paredes.


Julgo avistar, na treva, as folhas das navalhas
E os gritos de socorro ouvir, estrangulados.

A realidade dura, malevolamente insana, do cárcere urbano, onde já nem os gritos de socorro
se ouvem, fazem sentido, face ao distinto fado.

E nestes nebulosos corredores


Nauseiam-me, surgindo, os ventres das tabernas;

Impressão – o mau cheiro resultante da urina e dos que saem das tabernas (“ventres das
tabernas”).
Na volta, com saudade, e aos bordos sobre as pernas,
Cantam, de braço dado, uns tristes bebedores.

A embriaguez dá-se devido à saudade da paz, do garante, saudade essa que sendo inevitável,
se engana com alegria ao cantar ao álcool, quando na realidade, a tristeza da prisão é igual
para todos, e uma certeza totalmente incrementada na vida urbana.

Eu não receio, todavia, os roubos;


Afastam-se, a distância, os dúbios caminhantes;

O “eu” devido à sua característica de mero observador não receia os roubos –e por isso os
dúbios caminhantes, ou caminhantes possíveis ladrões, não vislumbram o poeta.
E sujos, sem ladrar, ósseos, febris, errantes,
Amareladamente, os cães parecem lobos.

A doença e a fragilidade tornam um simples cão num lobo; este torna-se mais agressivo,
exageradamente agressivo. Também um bom homem pode ser corrompido pelas suas
necessidades.

E os guardas, que revistam as escadas,


Caminham de lanterna e servem de chaveiros;

Pode ter um sentido ambíguo: os guardas podem ser chaveiros da mesma prisão urbana de
que o poema fala, ou podem ser chaveiros por a escapatória à dura miséria é a criminalidade.
Entenda-se que chaveiros em contexto significa guarda prisional.
Por cima, as imorais, nos seus roupões ligeiros,
Tossem, fumando sobre a pedra das sacadas.

Mais uma reflexão de miséria: miséria física e psicológica (mulheres forçadas pelas condições
da vida a prostituírem-se, provavelmente na luta contra a miséria, porém, a prostituição
condena-as ainda mais, alimenta-lhes vícios [do tabaco], e padecem de tosse – indícios de
tuberculose.)

E, enorme, nesta massa irregular


De prédios sepulcrais, com dimensões de montes,

A cidade era humanamente desorganizada, composta por prédios que a este ponto mais
pareciam gigantes sepulturas – o homem urbano estava morto.
A Dor humana busca os amplos horizontes,

E tem marés, de fel, como um sinistro mar!

Apogeu do poema: tortura do cárcere urbano sobre a natureza humana – que busca os novos
horizontes, condenada ao infindo ódio, que de tão grande, se torna um mar, mas estranho, à
natureza humana.

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Em "Horas Mortas" fala-se da deambulação do sujeito poético pelas ruas da sua cidade, a altas
horas da madrugada, onde existe violência, insegurança e medo. Quando as ruas estão vazias e
há ausência de atividade e que, por isso, o sujeito poético sente-se aprisionado e angustiado e
mostra a sua vontade de querer fugir, e que as únicas pessoas que vê são os cães raivosos ("E
sujos, sem ladrar, ósseos, febris, errantes, amareladamente, os cães parecem lobos" E.9), os
bêbedos ("Na volta, com saudade, e aos bordos sobre as pernas, cantam, de braço dado, os
tristes bebedores" E.9), os guardas noturnos ("E os guardas, que revistam as escadas,
caminham de lanterna e servem de chaveiros" E.10) e as prostitutas (Por cima, as imorais, nos
seus roupões ligeiros E.10).
Na 7ª estrofe, o sujeito poético mostra angústia e medo e faz referência aos assassinos.

Na 8ª, ele fala dos bêbedos e mostra nojo pela cidade.

Na 9ª, ele faz referência aos cães maltratados e abandonados que vagueiam pela cidade
(Parecem lobos) e aos ladrões.

Na 10ª, ele fala dos guardas de lanterna e das imorais (Prostitutas).

Por último, na 11ª, o autor já não fala da sua dor como apenas sua mas como geral, da
humanidade.

Ao longo do poema encontramos o desfalecer de toda a esperança, o sujeito poético retorna á


realidade e percebe que os seus desejos são impossíveis de se realizar.

Nestas 5 estrofes encontramos vários recursos expressivos como:

"As folhas das navalhas"- Metáfora; "Os gritos, estrangulados"- Personificação; "Os ventres das
tabernas"- Personificação/Metáfora; "E sujos, sem ladrar, ósseos, febris, errantes"- Múltipla
adjetivação; "Os cães parecem lobos"- Comparação; "De prédios sepulcrais"-Metáfora; "Com
dimensões de montes"- Hipérbole

Com isto chegámos á conclusão que o sujeito poético vai enaltecendo a cidade e que quando a
madrugada chega.... tudo muda.

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