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Um olhar sobre a poética de Cesário Verde

Um olhar sobre a poética de Cesário Verde

“Eu não sou como muitos


que estão no meio de um
grande ajuntamento de
gente e completamente
isolados e abstratos. A
mim o que me rodeia é
que me preocupa” (1875)
Um olhar sobre a poética de Cesário Verde

Ler Cesário é refletir sobre


a tradição literária e
simultaneamente assistir à
criação das tendências
futuras através da força
inovadora da sua poesia.

Ao renovar as práticas
poéticas da sua época,
torna-se o precursor da
poesia do séc. XX.
Um olhar sobre a poética de Cesário Verde

Várias tendências poéticas se cruzam


nos seus versos
• Realismo
A.J. Saraiva classifica o autor como “o único
verdadeiro poeta “realista” do nosso século XIX”,
“o único que conseguiu cortar com a retórica
romântica, criando uma expressão inteiramente
nova, ajustada à expressão direta de um novo
conteúdo”.
Para O. Lopes, verifica-se na obra do poeta a
existência de um “realismo de intenção
basicamente naturalista”.
Um olhar sobre a poética de Cesário Verde

• Naturalismo
Preocupação naturalista por aspetos patológicos.
• Parnasianismo
Antirromantismo e defesa dos valores da arte pela
arte.
• Simbolismo
O culto do “eu” aliado a preocupações formais
herdadas dos parnasianos; correspondência entre a
ideia e a sua sugestão; capacidade de visão
especial que pode atingir níveis de extrapolação
onírica; certa visão pessimista da existência.
Um olhar sobre a poética de Cesário Verde

• Impressionismo
- A literatura procura imprimir às palavras as quali-
dades sugestivas das manchas de cor, da lumino-
sidade dos quadros impressionistas.
- Anteposição das características dos objetos à sua
identificação – a impressão causada.
- As sensações do poeta, através das quais a
realidade é filtrada e sugerida.
- Os sentidos (em particular a visão) adquirem um
papel preponderante.
- A metáfora, permitindo a sugestão da impressão
num sentido quase pictórico.
Um olhar sobre a poética de Cesário Verde

Poeta precursor de...


• Modernismo
Aliança estreita entre literatura e artes plásticas; rela-
cionamento entre autor e obra (da transposição de
uma vivência à transposição e ao fingimento); a dis-
persão e a multiplicidade; capacidade introspetiva.
• Surrealismo
Mecanismo de associação de ideias e tradução do
inconsciente; o gosto pelo insólito; uso de metáforas
transfiguradoras.
• Neorrealismo
O povo urbano e rural ligado ao trabalho, à produção
e transformado em personagem coletiva; as
injustiças que vitimam os mais desfavorecidos.
Um olhar sobre a poética de Cesário Verde
Um olhar sobre a poética de Cesário Verde

“Num bairro moderno”

• Marcas da narrativa (espaço, tempo, ação, personagens).


• Descontentamento evidente em relação ao emprego.
• Desejo de uma vida descansada e tranquila.
• Transfiguração do real através da imaginação.
• Invasão da cidade pelo campo  cabaz de frutos e
legumes.
• Mulher do campo (vendedeira): desprendida, humilde,
atenciosa, educada, frágil, pálida e magra.
• O sujeito poético ganha forças através da vendedeira
(que representa o campo).
• Quadro verdadeiramente impressionista: predomínio da
cor e luminosidade nas descrições.
Um olhar sobre a poética de Cesário Verde

“Sentimento dum ocidental”

“Ave Marias” (primeira secção do poema)


• Desejo de fuga, de evasão.
• Denúncia social: condições de vida precárias para os traba-
lhadores.
• Cidade: símbolo de poluição e opressão.
• Ciclo vicioso das classes mais baixas: não progridem porque
não têm oportunidade.
• Antinomia de personagens, espaços e tempos (trabalhadores
explorados e atarefados/lojistas enfadados).
• Edificações emadeiradas/hotéis da moda; antes e depois da
industrialização: glória/opressão, miséria, injustiça, dependência.
Um olhar sobre a poética de Cesário Verde
“Noite fechada” (segunda secção)

“Toca-se as grades, nas cadeias. Som


Que mortifica e deixa umas loucuras mansas!
O aljube, e que hoje estão velhinhas e crianças,
Bem raramente encerra uma mulher de «dom»!”
(...)
• O sujeito poético é um observador solitário.
•Sentimentos de nostalgia, opressão e aprisionamento (o Aljube
surge como expressão metafórica da cidade confinadora).
•Denúncia das injustiças sociais.
•Evocação do passado sinistro da Inquisição (“Duas igrejas, num
saudoso largo, / Lançam a nódoa negra e fúnebre do clero: / Nelas
esfumo um ermo inquisidor severo”).
•O passado épico de Camões é o oposto ao presente, no qual o
“eu” antevê a cólera e a febre na “acumulação de corpos
enfezados”.
Um olhar sobre a poética de Cesário Verde

“Ao Gás” (terceira secção)

“E saio. A noite pesa, esmaga. Nos


Passeios de lajedo arrastam-se as impuras.
Ó moles hospitais! Sai das embocaduras
Um sopro que arrepia os ombros quase nus.”

• Opressão crescente da noite (“A noite pesa, esmaga”).


• Presença de prostituição e de doença no espaço citadino.
• Confirmação da melancolia inicial, que desperta no “eu” um
desejo absurdo de sofrer.
• Registo de factos do real circundante.
Um olhar sobre a poética de Cesário Verde

“Horas Mortas” (quarta secção)

(...)
“Se eu não morresse, nunca! E eternamente
Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas!
Esqueço-me a prever castíssimas esposas,
Que aninhem em mansões de vidro transparente” (...)

• A deambulação do sujeito poético levou-o ao momento de


escuridão mais profunda.
• Desejo de viver na perfeição, num ambiente de amor, que
substituísse a solidão e a melancolia.
• A oposição entre “luz em mansões de vidro transparente”, onde
reine o amor, símbolo de liberdade, e a escuridão da cidade “de
prédios sepulcrais”.
Um olhar sobre a poética de Cesário Verde

“De tarde”
Naquele “pic-nic” de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.
 
Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
 
Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.
 
Mas, todo purpúro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!
Um olhar sobre a poética de Cesário Verde

• A primeira quadra constitui a introdução do poema.


Nos dois primeiros versos, o demonstrativo
"Naquele" e a forma verbal no Pretérito Perfeito
"Houve" remetem para o passado, instaurando a
memória como meio de representação poética.

• Nesta quadra introduzem-se ainda dois motivos que


percorrem o texto: a simplicidade "uma coisa
simplesmente bela/ E que, sem ter história nem
grandezas" e o caráter plástico da cena descrita
"bela", "dava uma aguarela";
Um olhar sobre a poética de Cesário Verde

• O poema esboça uma narrativa.  


• A utilização dos elementos narrativos permite a
criação de dois quadros: 1º quadro (2ª estrofe) - a
burguesa, que desceu do burrico, colhendo papoulas;
• 2º quadro (3ª e 4ª estrofes) - o "pic-nic", em cima dos
penhascos, destacando-se a imagem do ramalhete
de “papoulas” a emergir do decote da "burguesa".
• Há sugestões pictóricas relativas a: linhas e
volumes
• A descrição é feita com base em sensações,
sobretudo visuais.
Um olhar sobre a poética de Cesário Verde

“Contrariedades”

• Revolta contra a desumanidade e a ignorância que


oprimem e marginalizam os mais fracos: ao contem-
plar, através da sua janela, uma pobre engomadeira
tuberculosa, emociona-se com o seu drama.
• O sujeito poético solidariza-se com os que sofrem as
humilhações do quotidiano da cidade de Lisboa –
também ele foi humilhado e os seus versos
rejeitados.
Um olhar sobre a poética de Cesário Verde

Situação psicológica e social Situação física e económica


do sujeito poético da engomadeira
- revoltado; - doente (tuberculosa);

- ansioso; - “sem peito”;

- agitado; - magra;

- intransigente; - feia;

- consciente das injustiças; - situação económica


precária;
- vítima da estrutura social da
época. - vítima da estrutura social da
época.
Um olhar sobre a poética de Cesário Verde

“Deslumbramentos”

• A cidade personificada na mulher fatal de


humilhante indiferença, sofisticada, moderna,
racional, distante, fútil, fria, orgulhosa e sedutora.
• Redução do amante à condição de servo.
• Transposição do plano individual para o coletivo:
vingança contra a ordem social personificada pelas
“miladies”.
Um olhar sobre a poética de Cesário Verde

“Nós”

• Elogio do campo, que é fonte de vida e de riqueza.


• Cidade como algo de dramático, centro de
desgraça, doença e morte.
• O campo associa-se a saúde, fertilidade, vida,
saúde liberdade.
• Triunfo da cidade sobre o campo: protesto, rebeldia,
desprezo.
• Poema autobiográfico que nos permite conhecer a
família do poeta e os seus Verões.

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